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ARNONI, Maria Eliza Brefere, OLIVEIRA, Edison Moreira de, ALMEIDA, José Luís Vieira de.

Mediação
Dialética na Educação Escolar: teoria e prática. São Paulo: Edições Loyola. 2007. ISBN 978-85-15-
03440-6. (p. 119-171)

3º Capítulo: Metodologia da Mediação Dialética

Nada do que foi será


De novo do jeito que já foi um dia
Tudo passa, tudo sempre passará
A vida vem em ondas como um mar
Num indo e vindo infinito
Tudo que se vê não é
Igual ao que a gente viu há um segundo
Tudo muda o tempo todo no mundo
(Lulu Santos – Nelson Motta)

INTRODUÇÃO

Interagir com o leitor, no ato da leitura, por intermédio da palavra


escrita, como agora, torna-se um desafio por não se tratar de uma conversa
presencial entre autor e leitor, o que seria prazeroso. No entanto, a linguagem
escrita, por expressar a intencionalidade do autor, provoca no leitor as mesmas
inquietações que levaram o pesquisador a investigar o assunto apresentado,
estabelecendo, então, a conversação entre ambos, como a que se pretende nesse
capítulo.
E, assim, para que essa conversação se mantenha, você, leitor, precisa
pensar, inicialmente, sobre algumas questões educacionais que inquietam o cotidiano
escolar, as quais motivaram a pesquisa que subsidia este texto, como por exemplo, a
relação entre teoria e prática em uma aula. Com certeza, deve estar pensando que
muito já se falou e se escreveu sobre esse assunto e que pouco, ou quase nada,
chegou efetivamente à sala de aula ou, ainda, que a teoria proclamada é bonita,
porém sua aplicação é muito difícil.

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Realmente, aplicar teoria em aula é algo complexo, em especial, por
tratar da relação de tensão entre pólos distintos, a teoria e a prática (ação
pedagógica do professor com o aluno), envolvendo os processos de ensino e de
aprendizagem. E, é nessa realidade educacional que esse capítulo se insere,
discutindo a aplicação prática do conceito teórico de “Mediação”, oriundo da
ontologia do ser social, uma teoria critica de cunho filosófico. Para isso, explicita a
operacionalização do conceito filosófico da Mediação, por intermédio de uma
proposição teórica de conversão/transformação do conceito científico da área de
atuação, em conteúdo de ensino desta mesma área, para ser desenvolvido em aula.

1. PROPOSIÇÃO DO CAPÍTULO

Trata-se de uma proposta inovadora de assessoramento ao professor,


no preparo e desenvolvimento da aula, que pretende provocar mudanças na forma
de ele compreender a aula: um complexo de múltiplas relações que busca articular,
de forma consciente, a teoria e a prática decorrente da teoria. E, por tratar-se de
uma prática pensada e consciente, a aula constitui uma das modalidades de práxis, a
“Prática educativa”.

 Qual a importância de o professor conhecer essa


proposição metodológica?

Primeira: possibilitar que o professor tome para si a opção metodológica


de como trabalhar o conteúdo de sua disciplina, elegendo conscientemente a
intencionalidade da sua “Prática educativa” para preparar, desenvolver e avaliar sua
aula sob um “olhar teórico”, selecionando os procedimentos didáticos adequados e
avaliando tanto o processo de ensino (professor) como o de aprendizagem (aluno);
segunda: a necessidade de se considerar o aspecto metodológico como fator que
interfere sobremaneira no desenvolvimento da aula e, consequentemente, nos baixos
índices das avaliações da área educacional; terceira: a relevância de trazer para o

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âmbito escolar a discussão pedagógica da aula, dando-lhe a importância merecida e
colocando-a como espaço primordial para se trabalhar os conteúdos científicos de
diferentes áreas do saber, um bem cultural relevante que necessita ser compreendido
por todos, em especial, pelos alunos.

 Como interagir com o texto?

Esta interação exige articulação de idéias entre leitor e texto e, para


provocá-la, seria interessante que você, inicialmente, pensasse sobre os termos que
serão discutidos ou, até mesmo, anotasse suas idéias sobre eles, para estabelecer
uma comparação entre as informações do texto e suas idéias iniciais, no sentido de
contrapô-las. A finalidade dessa interação é propiciar uma discussão de conceitos
teóricos com enfoque metodológico, visando a explicitar a aplicabilidade dos mesmos
em uma aula.
Para iniciar esse exercício de “conversação a distância”, seguem alguns
dos termos que serão arrolados no capítulo, como: Práxis; Prática Educativa;
Mediação dialética; Metodologia da Mediação Dialética; Elemento mediante e
Mediação pedagógico-dialética. E, na medida em que eles aparecerem no texto, você
pode retomar suas anotações iniciais e compará-las com as do texto, discutindo-as
com o autor, anotando dúvidas e trechos interessantes, como também entrando em
contato com a autora.
Nesta perspectiva, ao propor um texto para estimular essa interação,
utilizou-se o recurso das questões problematizadoras, com o objetivo de suscitar a
atenção do leitor para o assunto proposto, no caso, a aula.

1.1. AULA: UNIDADE DA ÁREA EDUCACONAL

 Em que medida as pesquisas acadêmicas, em especial, as da


área pedagógica, interferem na qualidade de aula da escola
brasileira, considerando que os dados resultantes da avalanche

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de avaliações mostram que o Brasil vive uma situação, no
mínimo, constrangedora?

A aula é um tema que atualmente vem movendo o pensamento


acadêmico de vários pesquisadores da área educacional, entre os quais o da autora
do presente estudo.
Pensar a aula é, inicialmente, compreendê-la em um contexto mais
amplo, tomando-a como totalidade dinâmica inserida no todo, a sociedade atual.
Nessa concepção, entender a aula é rever sua inserção histórico-social e as relações
que a determinam e, em especial, as possibilidades que tem de influenciar as
relações sociais da atual sociedade que a engloba, promovendo transformações.
Considerando o desenvolvimento histórico, a sociedade atual vive a era
da globalização, e pode-se afirmar que esse traço globalizante influencia todas as
áreas da política brasileira, dentre elas, a educacional. Como exemplo, no que se
refere à aula, desde a elaboração das leis que a regem até as sugestões dos
conteúdos e a forma de desenvolvê-los são apresentados pelos órgãos centrais
federais, estaduais e municipais. Forma-se, assim, no cotidiano escolar uma complexa
relação entre as normas oficiais da política educacional vigente e a aula, nas quais se
evidenciam dois aspectos:

(a) As políticas públicas e normas pedagógicas oficiais não declaram


a “aula” como seu alvo primordial de intervenção, mascarando sua
intencionalidade, a de materializar-se na aula, o espaço/tempo que
pretendem “dominar”, para se manterem soberanas e hegemônicas;
(b) A escola vem cultivando a concepção de aula como algo comum,
rotineiro e pragmático que abarca, sob essa denominação, toda e
qualquer modalidade de ação entre professor, aluno e conteúdo. Isso
decorre do esforço que a escola faz para mostrar-se neutra e alheia às
influências políticas, uma falsa situação, quando, na realidade, é
obrigada a acatar as normas oficiais como “algo” natural e

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inquestionável. Essa falsa neutralidade colabora para a concepção de
aula com espaço a-político.

Dada essa situação, torna-se cada vez mais urgente e necessário


estranhar as concepções geradas no campo educacional, as quais representam uma
forma de manutenção do status quo da sociedade atual. Assim, por intermédio
dessas questões iniciais, pretende-se despertar a atenção do professor para alguns
tópicos relevantes sobre a aula, um espaço velado onde ocorre a materialização da
concepção oficial das políticas públicas e, por esse motivo, propício à luta pelos
princípios democráticos do povo. Trata-se, assim, da possibilidade de se compreender
a aula como espaço de luta contra os índices avaliativos que denigrem a imagem do
educador e agridem todo ser social necessitado do saber culturalmente produzido
pela sociedade para, pelo menos, questionar, de forma crítica, as relações sociais
opressoras.
Nos dicionários correntes, a aula é comumente definida como lição ou
exercício ministrado pelo professor num determinado espaço de tempo: daí a
expressão “ministrar a aula”. Analisando a origem dessa expressão, tão recorrente no
campo escolar, verifica-se que o verbo ministrar tem o significado de dar, prestar,
fornecer; o substantivo ministro, do latim ministru, significa criado, servo, servidor:
aquele que executa os desígnios de outrem (outra pessoa) e o vacábulo desígnio
significa intento, intenção, plano, projeto, propósito.
Etimologicamente, pode-se inferir que a aula é “uma lição ministrada
pelo professor-ministro (criado, servo ou servidor) que executa os desígnios (intento,
intenção, plano, projeto ou propósito) de outra pessoa”. Daí a necessidade de se
questionar sobre a identidade desse “outro”, que pode ser desvelada como aqueles
que produzem a política educacional e suas normas pedagógicas. Isso justifica a
indignação do professor (profissional da educação) e sua luta inglória diante dos
diversos fatores que interferem no contexto escolar.
Esse contexto explicita a necessidade de uma investigação acadêmica
sobre o influxo dos pressupostos teóricos da Mediação em uma prática de aula,

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decorrente dos avanços das pesquisas sobre a “Ontologia do ser social” que trata do
ser histórico.
Nessa perspectiva teórica, o homem, organizado em sociedade, tem seu
desenvolvimento condicionado pelas relações que ele estabelece com os fatores
sociais, econômicos, naturais, biológicos, políticos, entre outros, de seu contexto.
Estes fatores relacionam-se entre si e com o próprio contexto, gerando o sujeito
histórico que, simultaneamente, ao transformar a realidade, transforma-se. Nesta
realidade natural, social e humana, nada de isolado tem em si sua própria suficiência,
gerando, assim, a incompletude do ser humano histórico e inserido em uma dada
sociedade, em face de toda produção cultural acumulada até então. Essa
incompletude própria de cada ser humano, em relação à totalidade dos bens culturais
produzidos pelo gênero humano, gera movimento, contradição e superação, ações
dialéticas responsáveis pelo caráter processual do desenvolvimento do sujeito, do
pensamento e do contexto, caracterizando o motor do devir histórico. E, nesse
aspecto, para se compreender a realidade, é necessário que o ser social depreenda o
movimento desta, o qual se expressa nas relações existentes no ambiente natural,
social e humano e, simultaneamente, compreenda sua relação neste contexto,
entendendo que sua compreensão depende de o pensamento depreender o próprio
movimento do real.
Por outro lado, discutir a aula na perspectiva da Mediação Dialética é
um desafio, por inferir possibilidades de transformações para os dois pólos que a
envolvem: (a) o professor, ao ensejar-lhe mudança conceitual, propondo-lhe a aula
como totalidade processual, dinâmica e complexa, formada por relações
contraditórias, as quais precisam ser estudadas e compreendidas, sob a perspectiva
dialética, para que possam ser superadas, na direção de uma aula crítica; (b) o
pesquisador, ao inserir a dimensão teórico-metodológica da “Mediação dialética” na
pesquisa acadêmica voltada ao estudo da “Ontologia do ser social”, área que vem
firmando-se como revolucionária, mas que ainda não compilou dados teóricos
voltados para a operacionalização da Mediação em uma práxis, que pressupõe o devir
como possibilidade de transformação da situação atual.

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Assim, para que essa concepção de Mediação se materialize em uma
aula, torna-se necessário a operacionalização dessa pesquisa teórica que explicite a
relação dialética entre teoria e prática em uma práxis educacional, por intermédio de
uma proposição metodológica. É necessário, para isso, discutir o caráter processual
da aula como práxis, entendendo-a como “Prática educativa”, que se caracteriza
pelas relações de tensão entre o processo de ensino (desenvolvido pelo professor) e
o processo de aprendizagem (desenvolvido pelo aluno), os quais preservam suas
identidades e potencializam aos alunos a elaboração de sínteses cognitivas relativas
ao conteúdo de ensino desenvolvido.

2. PRÁTICA EDUCATIVA: AULA EM UMA DIMENSÃO FILOSÓFICA

Prática educativa é o trabalho pedagógico desenvolvido pelo professor,


que envolve o processo de ensino, cuja intencionalidade é influenciar o processo de
aprendizagem desenvolvido pelo aluno: a relação entre o processo do ensino e o da
aprendizagem. Nessa concepção, a prática educativa constitui um processo
consciente, deliberado e sistemático, pelo qual se trabalha o saber cultural produzido
historicamente por intermédio da relação pedagógica. A intencionalidade da prática
educativa consiste em ensinar os bens culturais produzidos pelo gênero humano,
para que o aluno, sujeito da aprendizagem, tenha uma concepção de ambiente
menos imediata e, portanto, mais articulada, podendo, assim, agir criticamente, e
não de forma alienada.
Essa concepção de “Prática educativa” baseia-se em uma perspectiva
filosófica, a ontologia do ser social, e, para estudá-la, foram selecionadas três
categorias dialéticas: práxis (teoria/ prática); totalidade (todo e parte) e mediação
(imediato e mediato), já discutidas nos capítulos anteriores.
Práxis é um conceito filosófico da atividade teórico-prática do ser
humano em sociedade. Por motivos didáticos, em referência à área da educação, em
sua generalidade, será utilizada a expressão práxis educacional e, para a ação do

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professor, uma práxis particular, utilizar-se-á a expressão “Prática Educativa”’. Assim,
é possível compreender a complexidade de relações que se estabelecem no interior
das Práticas Educativas, entre elas e delas, com a práxis educacional que geram e,
simultaneamente, são geradas.

 Por que usar a palavra práxis que não faz parte do vocabulário
usual da escola básica?

Justamente para explicitar a dimensão filosófica do trabalho teórico-


prático que o professor desenvolve em uma aula, entendendo-a como práxis, a ação
do ser social, na qual se expressam os diferentes graus de compreensão
(consciência) da relação teoria e prática.
Práxis, etimologicamente, pode significar prática. Porém, como em
nosso idioma a palavra prática tem sido usada, indistintamente, para indicar uma
ação estritamente utilitária, pragmática e desprovida de teoria, ela se tornou
inadequada para o ensino. Seu uso, sem fundamentação teórica, torna-se pejorativo,
por reforçar, no campo educacional, os preconceitos que, gerados no interior da
própria sociedade, representam uma forma de manutenção do “status quo” da
ideologia dominante. Esses preconceitos expressam idéias cujo uso contínuo acaba
por conferir-hes caráter natural, inviabilizando as possibilidades de serem
questionados pelo professor.
Por esse motivo, o uso desavisado da palavra prática pode convalidar o
dizer comum “a Universidade produz conhecimento, e a Escola transmite
conhecimento” que, por não dialetizar produção e ensino do conhecimento,
apresenta essas expressões do saber numa concepção dicotômica que separa, de
forma tendenciosa e finalista, a produção do conhecimento e o ensino deste. As
entrelinhas dessa afirmação denotam a presença do vocábulo “só”, conferindo à
Escola (comumente entendida como educação básica) o papel exclusivo de
transmissora de conhecimento e, portanto, rotulando-a como mera repetidora de um
saber alheio. Assim, esse dizer comum que separa o pensamento da ação e afasta os

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que pensam e produzem o saber daqueles que o desenvolvem no ensino, também,
gera e preserva a concepção pragmática de ensino.
Por essas razões, é relevante salientar que nesse texto o vocábulo
prática, de uso mais corrente não só na linguagem comum, mas também na literária,
preserva o significado de práxis, um vocábulo filosófico que não envolve
forçosamente as conexões semânticas usuais de prática, como a-teórica. A práxis é
uma categoria filosófica que permite a compreensão da dinâmica do ambiente e
possibilita a ação crítica do ser social, no sentido da transformação. Na práxis pode-
se unir, conscientemente, pensamento e ação: o devir da prática educativa.
O embasamento teórico, de cunho filosófico - a ontologia do ser social -
permite compreender o professor no contexto da práxis educacional: um ser social e
histórico, que se encontra imbricado em uma rede de relações sociais e enraizado em
um determinado terreno histórico que sintetiza as relações de tensão entre diversos
fatores que o compõem, de ordem social, econômica, política etc. Assim, a
cotidianidade escolar de professor está condicionada, histórica e socialmente, pelo
contexto ambiental (natural e social), e isso influencia sobremaneira a visão que ele
tem da própria atividade, a Prática Educativa, e o leva a adotar, inconscientemente,
os pontos de vista parciais, surgidos originariamente sobre o fato prático. Em relação
à aula:

 Existem diferenças entre as expressões utilizadas para indicar


a necessidade de o professor ser reflexivo: “Pensar a aula” e
“Pensar a aula durante seu desenvolvimento”?

Aparentemente não, pois evidenciam a relevância de o professor ser


reflexivo. No entanto, diferem na abrangência, pois, segundo a concepção da
Mediação Dialética, a expressão “pensar a aula durante a aula” procede a “pensar a
aula” que, por não delimitar o tempo, pode ser usada para indicar os momentos que
antecedem e os que sucedem o desenvolvimento do conteúdo com os alunos.

 O que implica “pensar a aula”?

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Em primeiro lugar, implica abandonar a improvisação, uma ação que
corrói a autonomia de qualquer profissional e, em especial, a do professor,
colaborando sobremaneira para a alienação. A improvisação, na docência, torna o
professor um mero executor de atividades pensadas e programadas por outrem.
Pensar a aula implica a concepção de aula como práxis, a prática
educativa, explicitando que a ação de pensar a prática não pode ser realizada
exclusivamente durante o desenvolvimento da própria ação prática. Observa-se que
esse entendimento equivocado tem provocado diferentes reações no professor, desde
a recusa de realizar tal tarefa, até fazê-la por intermédio de um relato de aula,
listando as atividades realizadas ou as ações comportamentais dos alunos, ambas as
situações inadequadas para a educação.
Seguramente, para o professor “pensar a aula durante seu
desenvolvimento” é necessário que ele estabeleça, de forma consciente, a relação
entre a prática que está desenvolvendo e a teoria selecionada para orientar essa
prática, caracterizando a práxis. O desenvolvimento da práxis exige a seleção de
formas de se relacionar a teoria e a prática que precisam ser planejadas “a priori”,
por tratar-se de uma ação intencional. Essa asserção assegura ao professor a
possibilidade de ele planejar uma prática educativa que articule conscientemente a
teoria e a prática, os dois pólos contraditórios que estabelecem uma relação de
tensão entre si. E, ainda mais, como existem diferentes estados de práxis, toda
prática (práxis) pode ser superada, transformando-se em uma mais articulada e
qualitativamente superior a anterior.
Salientando, também, que um dos motivos que inviabiliza o professor-
em-ação de pensar sobre sua aula, exclusivamente durante seu desenvolvimento, é a
intencionalidade do ato educativo que exige do professor a compreensão teórica de
suas ações práticas em relação ao processo de ensino que potencializa ao aluno a
aprendizagem do conteúdo. Entretanto, é interessante ressaltar que, mesmo não
tendo essa concepção teórica sobre a intencionalidade da aula, a ação do professor

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não é a-teórica, ela está relacionada, de forma inconsciente, às concepções de
educação que ele elaborou em sua caminhada histórica.
Portanto, a consciência do professor não está descarregada por
completo de certa bagagem teórica, ainda que desarticulada, porém essa teoria não
lhe permite desenvolver uma atitude propriamente teórica diante da aula (prática
educativa), a de dialetizar teoria e prática, as duas dimensões da práxis. Com isso, há
a redução do conceito de prática educativa (práxis particular), a apenas uma das
dimensões da práxis, a de prático-utilitária, ou melhor, da prática pragmática e
empírica que fala por si mesma, sem o caráter problemático da contradição que se
estabelece entre as dimensões teórica e prática da práxis. Nesse aspecto, a atividade
teórica, quanto mais afastada das necessidades imediatas das práticas educativas,
apresenta-se ao professor como uma atividade dispensável. E disso decorre que o
professor estuda as teorias, sabe verbalizá-las e, muitas vezes, a partir delas,
interpreta a realidade da sala de aula, porém não consegue transformar seu cotidiano
escolar, permanecendo o hiato entre teoria e prática e, até mesmo, reforçando o
caráter pragmático da aula.
É muito preocupante o fato de o professor conceber/dar esse sentido
utilitário, individual e auto-suficiente à sua própria prática educativa, entendendo-a
como uma ação sem teoria, que se repete cotidianamente. Essa concepção de prática
a-teórica gera a alienação do professor, causando-lhe a sensação de inoperância
diante do trabalho pedagógico, convalidando a cisão entre teoria e prática e levando-
o a executar mecanicamente as propostas oficiais ou dos livros didáticos.

 Quais as implicações da alienação na prática educativa?

A alienação é um processo ligado essencialmente à ação e à


consciência dessa ação, em relação à situação dos homens organizados em
sociedade. Pela alienação, oculta-se ou falsifica-se essa ligação (ação e consciência
dessa ação), de modo que apareça o processo da ação e seus produtos como

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independentes. E, assim, para o observador ingênuo, o mundo parece constituído de
coisas independentes umas das outras e indiferentes à consciência.
Segundo essa concepção, é possível supor que, no trabalho
pedagógico, a alienação se processa no modo de o professor produzir e conduzir o
plano da escola (de curso, de disciplina e de aula), por exemplo. O plano escolar é o
registro de um planejamento, de um projeto que, a partir do estudo da realidade da
escola, o professor elabora idéias de ações para frente (projeta), ações pretendidas
para transformar a realidade atual da referida escola. Transformar aspectos
indesejáveis da realidade escolar é a intencionalidade das ações educativas pensadas
pelo professor e transcritas em metas e objetivos do plano escolar, que articulam, de
forma consciente, a ação pretendida e a consciência dessa ação. A possibilidade de
se manter presente a intencionalidade registrada no plano é o desafio que se coloca
para a comunidade escolar, o de operacionalizá-la diariamente, entendendo a tensão
dialética que se estabelece entre a intencionalidade presente nas metas e objetivos e
a realidade escolar (teoria e prática).
No entanto, essa intencionalidade pode diluir-se, quando o plano
escolar se torna um documento meramente burocrático que se presta,
exclusivamente, ao atendimento dos prazos e aos interesses dos gestores (os que
pensam), separando-se dos interesses dos docentes (que executam).
A práxis tem como par dialético a alienação e a criticidade da ação
humano-social. E, como neste texto, utiliza-se a prática educativa como práxis
particular, pode-se analisá-la por essas categorias, compreendendo, neste aspecto,
que, para o professor ascender de uma prática educativa alienada (comum), é
necessário que ele próprio a supere, transformando-a em uma práxis crítica, na qual
as relações entre as questões teóricas e as práticas são conscientes.
Em uma prática educativa crítica, a teoria é o guia da ação, orientando,
assim, a atividade do professor, e a ação é o critério de verdade da referida teoria, na
medida em que expressa o influxo/influência da teoria, é uma ação consciente,
pensada pelo sujeito que a pratica. Para as conseqüentes práticas inovadoras, é

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necessário enfrentar o desafio de se aplicar na prática, de forma consciente, as idéias
pensadas a partir da própria prática, segundo um referencial teórico transformador.

 Qual a implicação para uma aula, se o professor compreender a


relação dialética entre a parte e o todo?

Compreender a relação dialética entre a parte e o todo é entender


determinadas asserções dialéticas, como: (a) o todo se constitui de totalidades
complexas e dinâmicas; (b) as totalidades não se formam pela soma ou justaposição
das partes, e, sim, pela síntese das mesmas; (c) o processo de síntese ocorre pela
contradição entre as partes e entre estas e o todo; e (d) a práxis é uma totalidade
que se relaciona com outras totalidades em um todo, sendo formada pela contradição
entre as partes e entre estas e o todo.
Compreender essas asserções é de fundamental importância para o
professor entender a aula como prática educativa, a práxis. Neste ponto da
discussão, é possível relacionar o conceito de realidade que o sujeito possui e,
conseqüentemente, o de conhecimento dessa realidade, ambos influenciados pelo
movimento que o contexto histórico e social lhes confere.
Por um raciocínio simples, e não pelo simplismo, considerar a “Prática
Educativa” como práxis, uma totalidade dinâmica, possibilita ao professor depreender
o movimento do processo de ensino e o da aprendizagem, cujo devir consiste na
aprendizagem do aluno. Esse movimento gera-se na contradição do mediato com o
imediato, possibilita a elaboração da síntese, o saber aprendido. Compreende-se,
assim, que a concepção dialética possibilita entender a realidade, o conhecimento e,
também, o conhecimento da realidade pelo estudo das ciências que a investigam.
Acredita-se que isso constitui um elemento relevante na visão de mundo do
professor.
Pode-se supor duas situações diferenciadas a esse respeito:

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(a) O sujeito entende a realidade como um agregado ou conjunto de
fatos/acontecimentos/fatores singulares, entende, também, que essa pode
ser estudada de forma compartimentalizada, segmentada por partes
indepententes;
(b) O sujeito entende a realidade como um todo articulado, que se desenvolve e
se cria, entende, também, que, para estudá-la, necessita de um “olhar”
dialético, pois, conhecer um objeto vem a ser compreendê-lo como
totalidade que, simultaneamente, articula-se a outras e com o todo.

Nesse aspecto, a forma de o professor organizar e trabalhar os


conteúdos escolares de sua disciplina demonstra a concepção que ele tem,
consciente ou inconscientemente, de realidade, de conhecimento e de práxis. A título
de exemplificação, seguem relatos de aulas do ensino fundamental:

2.1. Aula de Ciências.

A. Sistema respiratório

(a) Aula A - apresentar o “Sistema respiratório” por tópicos (partes),


descrevendo os órgãos, tecidos e células que o formam; a função de cada
parte no sistema respiratório ilustrado com figuras coloridas ou modelos do
referido sistema, com legenda das partes etc.; (anatomia);

(b) Aula B – resgatar o saber do aluno para, a partir dele, “retirar/isolar”


momentaneamente o “Sistema respiratório do corpo humano vivo” e
“congelá-lo” para descrevê-lo; devolvê-lo, imediatamente, à dinâmica de um
corpo humano vivo, estabelecendo a relação entre a descrição das partes
constitutivas do sistema respiratório (Aula A) com os outros sistemas, para
reconhecimento de sua função e manutenção da vida. Assim, seu estudo
não se encerra na Aula A, fragmentada e memorizante, mas possibilita a

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compreensão da relação entre áreas distintas do saber: anatomia, fisiologia
e o corpo humano como totalidade dinâmica.

 Qual a diferença das duas aulas acima descritas: A e B?

Na Aula A, o “Sistema respiratório” é tratado de forma segmentada,


como se ele fosse avulso e desarticulado do corpo humano. Nessa concepção, com
certeza, em seguida e da mesma forma, serão apresentados todos os sistemas do
corpo humano: digestório, circulatório, urinário, reprodutor etc., sem trazê-los
(quando estudados) à totalidade de onde foram retirados. Sob o prisma dessa
concepção positivista, o conceito científico (definições) é considerado um produto
final, fechado e pronto para ser passado ao aluno, deixando para ele, após decorar
todos os sistemas, de forma compartimentalizada, a tarefa de articular os sistemas
para compreender o organismo vivo.
Na Aula B, o “Sistema respiratório” é considerado uma totalidade
dinâmica e não uma das partes de um todo e, por esse motivo, para compreendê-lo
como tal, é necessário, inicialmente, estudá-lo como parte e, em seguida, como parte
de um todo. Nessa concepção dialética, o “Sistema respiratório” é uma totalidade
dinâmica que se relaciona com outros sistemas (totalidades) que formam o todo: a
dinâmica do “Sistema respiratório”, articulada às dinâmicas dos outros sistemas,
forma o corpo humano vivo.
Nota-se, assim, que estudar o “Sistema respiratório”, suas partes, é
relevante para diferenciá-lo, estruturalmente, dos outros sistemas, porém, para
conhecer seu funcionamento, é necessário compreendê-lo na relação que ele
estabelece com os outros sistemas e com o organismo vivo, uma totalidade dinâmica.
Observa-se, agora, que se tem elementos para compreender algumas observações
levantadas pelos professores nas diferentes disciplinas:

- O aluno sabe “decor” (decorou) o “Sistema respiratório”, e não sabe


respiração;

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- O aluno tira dez na prova de gramática e zero na redação de um
bilhete (texto), em relação ao uso das mesmas regras gramaticais;
- O aluno sabe aplicar a fórmula matemática de área em um exercício
avulso que apresenta as medidas de uma sala de aula, e não sabe
encontrar a área de sua própria sala.

Em todos os casos, a explicação é a mesma: ele aprendeu a parte como


conceito científico acabado e desconectado da totalidade, um complexo dinâmico e
em processo. Exemplos: “Sistema respiratório/Respiração”; exercícios avulsos de
aplicação de regras gramaticais/produção de texto espontâneo, que solicita
elementos gramaticais, e exercícios de aplicação de fórmulas matemáticas/problemas
que solicitam as fórmulas.

B. Ascaris lumbricoides

A professora discursou sobre “Ascaris lumbricoides”, auxiliada por


cartazes coloridos, exemplares do animal em vidro, microscópio e lupas. Além desses
recursos didáticos utilizados para “concretizar” o conceito de tal animal, escreveu,
cuidadosamente, na lousa, com giz colorido e fez desenhos ilustrativos: uma aula
nota dez, considerada pela professora, sobre o animal popularmente conhecido pelo
nome vulgar de lombriga. Depois de exaustivamente declamar os conceitos
científicos, mostrando e usando os ricos recursos didáticos, verificando se as crianças
copiaram o ponto da lousa, quiçá reproduzindo no caderno a disposição, os desenhos
e o colorido da lousa, a entusiasmada professora fez sua avaliação oral e, para
facilitar o entendimento das crianças, usou a denominação popular do animal
estudado, perguntando, alegremente:

 Então, crianças, o que vocês aprenderam de interessante sobre a


lombriga?

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Enquanto aguardava, a professora olhava insistentemente para a lousa
colorida, os cartazes e os vidros com os bichinhos, como querendo induzi-los à
resposta esperada. Rapidamente, a Mariazinha levantou a mão e com firmeza
verbalizou:

- Sabe, hoje, eu aprendi que “a lombriga da professora” a gente “pega” quando


come verduras e frutas mal lavadas e que a “minha lombriga”, eu “pego”
quando passo vontade de comer as coisas

2.2. Aula de Matemática – Conjunto.

A professora, muito caprichosa e talentosa para desenho, usa de toda


criatividade e do giz colorido para demonstrar o conceito de conjunto. Apresenta as
propriedades do conjunto, ilustrando “pertence” e “não pertence”, passando
exercícios de identificação e aplicação do conceito. E, assim como a professora de
Ciências, após a correção dos exercícios, sem apagar a lousa, questionou:

 Então, crianças, o que é conjunto?

Sem nenhuma dúvida e, prontamente, Ricardo respondeu:

- É a roupa que minha mãe usa para ir à missa.

2.3. Aula: materialização das concepções teóricas do professor sobre


ensino e aprendizagem.

Esses exemplos ilustram um mesmo modelo de aula – declamação


ilustrada de conhecimento científico – em que o professor desenvolve um monólogo
sobre o conteúdo científico, e não uma conversação com o aluno, sujeito da
aprendizagem, sobre o conteúdo trabalhado. Esse modelo de aula centra-se,

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exclusivamente, no saber científico, em detrimento ao saber que o aluno já havia
elaborado sobre o mesmo assunto. Ela se resume em uma sala, um espaço físico,
que reúne elementos distintos – conceito científico, explanação do professor,
presença do aluno - como partes desarticuladas, ao invés de ser considerada uma
totalidade dinâmica, da qual, o saber científico, o saber do aluno, o professor, o aluno
e a escola são elementos constitutivos que, simultaneamente, influenciam-na e são
por ela influenciados.

 Então, o que priorizar em uma aula?

Em uma aula, é necessário que o professor, enquanto sujeito do ensino,


considere, prioritariamente, o saber científico que pretende trabalhar e o saber do
sujeito da aprendizagem, o aluno. Em uma aula, são dois sujeitos (professor e
alunos) históricos, conversando sobre um mesmo assunto e, para manter a conversa,
ela precisa ter sentido para ambos – professor e aluno.
No caso dessas aulas, em especial, para os alunos que verbalizaram
suas idéias sobre lombriga e conjunto, as informações científicas apresentadas pelas
professoras “não tinham nada a ver” com as informações que eles já possuíam e
trouxeram consigo a respeito do assunto da aula. E, como durante as aulas não foi
possível relacioná-las com as informações da professora, eles as classificaram:
informações do professor para prova e informações minhas para o dia-a-dia.
Essas exemplificações mostram que a forma/maneira de o professor
ministrar sua disciplina, em sala de aula, está totalmente vinculada à sua visão de
ambiente e, conseqüentemente, à sua concepção de como se conhece.
No entanto, para potencializar uma aprendizagem por compreensão, é
necessário conceber a aula em uma dimensão filosófica, como prática educativa, a
práxis educacional crítica.

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3. ETAPAS DA PRÁTICA EDUCATIVA ou AULA: TRABALHO PEDAGÓGICO DE
PROFESSOR

Conceber a aula como prática educativa é romper com o paradigma que


a concebe, exclusivamente, como ações que se desenvolvem em sala de aula,
paradigma este que reforça a visão pragmática da ação do professor e convalida a
idéia de aula como ação avulsa e desconectada de outras ações que se relacionam ao
momento “sala de aula”. A aula como prática educativa é composta de ações que
precedem e que sucedem o momento “sala”, conferindo-lhe o caráter processual e
histórico. Pode-se dizer que a aula começa com seu planejamento e finaliza-se no seu
(re)planejamento ou no planejamento de sua continuidade.
Para contrapor a essa concepção pragmática da aula, a autora investiga
as relações entre os fundamentos filosóficos da ontologia do ser social e o processo
metodológico que articula o ensino e a aprendizagem, processos gerados por essa
concepção, constituindo-se em uma pesquisa não menos científica por se produzir
com vistas à aplicação prática. O estudo se propõe à elaboração de um corpo teórico
sobre uma proposição metodológica de elaboração do conteúdo de ensino e de
desenvolvimento deste em uma prática de aula, na perspectiva da mediação, e
envolve a relação dialética entre teoria e prática. Por esse motivo, considerar que
esse estudo explicita a “Prática Educativa”, entendida como aula. E, devido ao seu
movimento processual de totalidade dinâmica, cada uma das etapas da aula
relaciona-se com as outras e com o todo, preservando sua identidade e sua
diferença.
Por tratar-se de uma pesquisa que tem a metodologia de ensino por
objeto de estudo, enfrenta-se conscientemente as críticas de teóricos radicais, que
consideram toda proposição metodológica como um “engessamento da realidade” ou
“receita pronta” que desconsidera o movimento do real.
A pesquisa aponta, a título de ilustração, que o processo metodológico
gerador do conteúdo de ensino está centrado em um movimento centrípeto (que se
dirige para o centro), representando o influxo da Mediação Dialética, e que os

19
momentos de desenvolvimento do conteúdo de ensino em uma “Prática Educativa”
representam o movimento centrífugo (que se afasta ou procura afastar-se do centro).
O conteúdo de ensino representa a categoria de análise da “Prática Educativa”
(comum à crítica), por indicar o grau de consciência com que o professor estabelece
a relação entre os fundamentos teóricos e prática realizada, expressando, assim, a
intencionalidade com a qual essa se desenvolve.
Colocar as questões que envolvem o ensino como dimensões da
pesquisa acadêmica e, em especial, tendo o conteúdo de ensino como objeto desta,
demonstra que a proposição metodológica é tão teórica quanto os fundamentos
(teóricos) que lhes deram origem.

3.1. Diagrama da “Prática Educativa” (Anexo 01)

O “Diagrama 01” apresenta as Etapas da “Prática Educativa”. Em um


exercício de abstração e, exclusivamente, para efeito de estudo, apresenta-se as três
etapas, distintas e articuladas, da “Prática Educativa”: PLANEJAMENTO,
DESENVOLVIMENTO e AVALIAÇÃO. Como ponto de referência, este estudo discute o
trabalho pedagógico do planejamento da aula, apontando os itens que devem ser
considerados pelo professor, em momento anterior ao desenvolvimento do conteúdo
com os alunos. Assim, “a priori”, o professor seleciona os fundamentos teóricos e
metodológicos, de cunho filosófico, a Mediação Dialética e, a partir deles, reestuda o
conceito científico de sua área de atuação para, então, elaborar o plano da aula,
segundo a “Metodologia da Mediação Dialética”.

3.2. Primeira Etapa da “Prática Educativa”: PLANEJAMENTO

Esta Etapa contempla a seleção de fundamentos teóricos, o reestudo do


conceito científico e a elaboração do plano de aula, explicados a seguir:

20
3.2.1. SELEÇÃO dos fundamentos teóricos que se articulam e subsidiam o preparo
da aula, envolvendo: (a) área de atuação do professor; (b) área filosófica (Mediação)
e (c) área teórico-metodológica, os princípios filosóficos da organização metodológica
do conteúdo de ensino.
A aula – “Prática Educativa” –, pelo caráter processual que a
caracteriza, exige do professor o conhecimento das três áreas de pesquisa
anteriormente citadas, para que, de forma consciente, possa articulá-las no preparo,
desenvolvimento e avaliação da própria prática educativa, em especial, no que se
refere aos processos que ela envolve, o de ensino e o de aprendizagem. Relevante,
também, é compreender que os saberes dessas diferentes áreas de pesquisa não são
tratados de forma hierarquizada, por serem todos imprescindíveis à “Prática
Educativa”.

3.2.1.1. Área de atuação do professor.

Conhecer os fundamentos da área de atuação, compreendendo os conceitos


científicos selecionados para a aula, é de fundamental importância para a atuação
crítica do professor.
Nesse trabalho, entende-se o conceito científico como a síntese provisória de
um trabalho que se desenvolve historicamente por intermédio do processo de
pesquisa que o gera. O conceito é validado academicamente, e o termo provisório
não tem cunho pejorativo, indica o caráter temporário do processo gerador da
ciência, o devir histórico.
Nessa concepção processual, compreender o conceito científico é entendê-lo
como a parte de um contexto dinâmico, que se torna estática nos registros das
diferentes linguagens. Um conceito científico expressa o produto da ciência, e não o
seu movimento processual gerador. E, estudá-lo significa compreendê-lo, ao mesmo
tempo, como produto e processo.

21
3.2.1.2. Área de fundamentos teóricos: princípios filosóficos da Mediação
Dialética.

Como pressuposto teórico desse trabalho, entende-se que os fatos naturais e


sociais são produtos históricos, sempre em construção, gerados na interação de
múltiplos fatores – (econômicos, políticos, sociais, ideológicos, biológicos, químicos,
físicos etc): totalidades. A compreensão dialética da totalidade significa que as partes
se encontram em relação de interna interação e conexão entre si e com o todo, como
também que este não pode ser petrificado na abstração situada por cima das partes,
visto que ele se cria a si mesmo na interação das partes.
O diferencial de se eleger esse pressuposto teórico para o embasamento desse
trabalho é, justamente, o de desmitificar a concepção de práxis e de prática,
usualmente utilizadas para classificar os sujeitos em grupos: os que pensam,
desenvolvem a práxis, e os que executam, desenvolvem a prática. Assim, torna-se
necessário enfatizar que todo agir prático do sujeito constitui uma práxis, pois se
parte do princípio de que todo ser social em situação age e pensa e, portanto, cria
suas próprias representações do contexto num sistema correlativo de noções que
capta durante o seu agir e elabora seu pensamento. E, dependendo do grau de
consciência que o sujeito tem das relações entre o pensar e o agir, em situação, ou
seja, na práxis/prática, ela pode apresentar-se em diferentes estados qualitativos: da
prática (práxis) comum à crítica.
A prática comum coloca o homem em condição de orientar-se no mundo, de
familiarizar-se com as coisas e manejá-las, mas não lhe proporciona a compreensão
da realidade. Esse pensamento comum gerado na e pela prática comum consolida
uma aparente independência dos elementos do meio/natureza e, nessa situação, a
prática não é colocada como objeto de estudo pelo sujeito que a pratica, e isso o
satisfaz. Em uma prática educativa comum e pragmática, o verdadeiro se reduz ao
útil, gerando, assim, o seu caráter imediato, utilitário, repetitivo, reiterativo, mimético
ou espontâneo e a aparente independência dos elementos que a formam. Sob esse
prisma, a prática educativa apresenta-se como atividade prático-sensível, prático-

22
utilitária ou espontânea, em que o pragmatismo reduz o prático ao utilitário, na
medida em que acaba por dissolver o teórico no útil. O processo de superação da
prática comum (práxis) gera no sujeito a possibilidade de ele de ser capaz de
ascender a um estado mais qualitativo da práxis.
A qualidade da “Prática Educativa” crítica é seu caráter mediato e inovador,
com finalidades vinculadas conscientemente à prática: um instrumento teórico de
transformação da realidade. Nela, a unidade entre teoria e prática pressupõe o
conhecimento: a) da realidade do objeto da transformação; b) dos meios e sua
utilização para conseguir a transformação; c) da história teórico-prático na qual se
insere a práxis atual; d) da antecipação dos resultados que se pretende atingir, sob a
forma de finalidades. Enfim, a prática educativa crítica (práxis) é uma ação
consciente, a atividade prático-teórica humana.
Durante todo processo de elaboração da práxis crítica, o ponto de partida deve
ser o mesmo que o de chegada. O fluir teórico, nesse processo, propicia uma
ampliação/transformação qualitativa do conhecimento inicial e, portanto, o retorno ao
ponto de partida não mais se constitui em um conhecimento comum (caráter
imediato) e, sim, em um conhecimento crítico e dialético (caráter mediato). A práxis
crítica trabalha as contradições entre o ponto de partida e o de chegada,
considerando este (o de chegada) como um novo ponto de partida.
Resumindo, a “Prática Educativa” é o conceito filosófico da atividade teórico-
prática do homem, a práxis, entendida como a relação teoria/prática do ser social e,
dependendo do grau de consciência que o homem tem desta relação (teoria X
prática), a ela se apresenta em estados comuns (repetitivos) e críticos
(transformadores). Assim, a Mediação, exposta no capítulo anterior, explicita para o
professor a intencionalidade da “Prática Educativa”.
A Mediação Dialética constitui o pressuposto teórico-filosófico que
possibilita compreender as relações de tensão que se estabelecem no processo de
ensino e no de aprendizagem. É entendida como uma relação dialética (força de
tensão) que tem por referência a diferença, a heterogeneidade, a repulsão e o
desequilíbrio entre seus termos: o saber imediato e o saber mediato. Esses termos

23
divergentes da mediação geram a contradição entre ambos, provocando a superação
do imediato no mediato e possibilitando a elaboração de sínteses (aprendizagem).
Assim, a mediação permite que o imediato seja superado no mediato, sem, no
entanto, que o primeiro seja anulado ou suprimido pelo segundo; ao contrário, o
imediato está presente no mediato. Sob essa ótica, a Mediação pedagógica é uma
relação dialética - Mediação pedagógico-dialética - que caracteriza o processo de
ensino e o de aprendizagem, uma vez que, em ambos, os sujeitos envolvidos lidam
com saberes, o mediato e o imediato.
Como já foi discutido anteriormente, a palavra mediação é normalmente
utilizada para indicar uma intervenção com a qual se busca produzir um acordo, com
o sentido de igualar ou homogeneizar termos. Todavia, quando entendida em uma
perspectiva dialética, a mediação significa uma relação de tensão entre termos
diferentes: o imediato e o mediato. Para não provocar equívocos conceituais em
relação ao vocábulo mediação, optou-se pelo uso do termo Mediação Dialética. Com
ele, explicita-se a origem filosófica da mediação e, mesmo incorrendo em
redundância, utilizou-se o predicado dialética para reforçar o conceito de mediação
aqui presente. As relações pedagógicas do trabalho educativo são compreendidas
como Mediação Dialética e, a partir delas, torna-se possível discutir o processo de
ensino e de aprendizagem.

3.2.1.3. Área de fundamentos teórico-metodológicos – princípios filosóficos do


conteúdo de ensino e da Metodologia da Mediação Dialética “M.M.D.” na organização
metodológica do conteúdo de ensino.

Os pressupostos teóricos de uma teoria expressam um conjunto de


princípios fundantes da ciência que lhe deu origem. Na educação, em especial, a
partir dessa teoria, é possível depreender o método, um caminho teórico para se
investigar o real, e o estudo teórico sobre o influxo deste método em uma prática,
questão metodológica da aplicabilidade do método, constitui a metodologia de
ensino.

24
A metodologia constitui uma postura, um enfrentamento da realidade
na busca de compreendê-la em sua totalidade (concretude), isto é, no próprio
movimento dialético do real. A questão metodológica apresenta-se mais complexa do
que aparenta ser e reveste-se de significado político por realizar a articulação de uma
teoria de compreensão da realidade com uma prática específica, tendo em vista o
contexto histórico e social que as gerou.
Outro aspecto relevante nessa discussão é a concepção de ensino e a
de aprendizagem como processos distintos: ensino refere-se à relação do professor
com o saber; e aprendizagem, à relação do aluno com o saber. Segundo essas
concepções e os pressupostos teóricos da Mediação Dialética, foi elaborada uma
proposição metodológica para processo de ensino, buscando articulá-lo com o
processo de aprendizagem e com ênfase especial na ação do professor. Esta
proposição se realiza por intermédio dos processos: (a) a organização do conteúdo
de ensino e (b) a proposição da “Metodologia da Mediação Dialética”. (doravante,
indicada, também, por M.M.D.)

3.2.1.3.1. Organização do conteúdo de ensino

O saber científico é um conhecimento histórico, socialmente produzido,


que apresenta métodos próprios e linguagem especializada, inerentes à área de
pesquisa que lhes deu origem. O conteúdo científico, para ser ensinado, precisa de
um processo que o transforme em conteúdo de ensino, algo que não se resume em
uma simplificação ou resumo do saber científico e nem em um recorte “ipsis literis”
do mesmo. É necessário, portanto, transformar/converter o conteúdo científico em
conteúdo de ensino, conferindo-lhe as propriedades de ensinável, assimilável e
preservador do saber científico que lhe deu origem.
Considerando o ensino como a relação do professor com o saber, o
conteúdo de ensino torna-se ensinável, quando o professor o organiza
metodologicamente, conferindo-lhe movimento. O caráter dinâmico configura-se no
processo de ensino, quando o professor delimita os termos divergentes em relação

25
ao conceito científico que pretende trabalhar e opta pelo saber imediato como ponto
de partida e pelo saber mediato como ponto de chegada do referido processo. Na
perspectiva da Mediação Dialética, a “proximidade” desses pólos contraditórios do
saber (imediato e mediato) gera, no pensamento, um campo de tensão entre ambos,
a contradição, que possibilita a superação do imediato no mediato e a elaboração de
sínteses pelo sujeito que a realizou.
De uma forma semelhante, ao considerar a aprendizagem como a
relação do aluno com o saber, o conteúdo de ensino torna-se metodologicamente
assimilável, quando, pela sua dinamicidade, é capaz de gerar necessidades cognitivas
nos alunos. Essa propriedade configura-se quando o processo de ensino estimula e
motiva o aluno a buscar informações científicas em relação ao conteúdo de ensino
trabalhado. O professor, por intermédio de situações de ensino problematizadoras,
possibilita ao aluno tomar consciência de seu saber imediato sobre o assunto em
questão, como, também, leva-o a perceber a insuficiência desse saber na elaboração
das respostas solicitadas pela situação. Esse enfrentamento cognitivo gera no
pensamento a tensão entre o saber imediato e o saber mediato pretendido. Essa
contradição potencializa a superação do saber imediato no mediato, ocasionando a
elaboração de sínteses que, internalizadas pelo sujeito, passam a operar no interior
da própria estrutura orgânica.
Ensinável e assimilável são propriedades metodológicas que o
conteúdo científico vem a ter, quando organizado na perspectiva da Mediação
Dialética; porém, para tornar-se um conteúdo de ensino, deve, também, preservar o
saber científico que lhe deu origem.
O conteúdo de ensino é a unidade de dois processos diversos, o de
ensino e o de aprendizagem, sendo dinâmico pela tensão dialética que ele estabelece
entre o saber imediato e o mediato, gerando, consequentemente, a contradição entre
ambos, a superação do imediato no mediato e a síntese cognitiva. Tensão,
contradição, superação e síntese são movimentos do pensamento, e o professor, ao
propiciar situações de ensino capaz de gerá-los, torna o conteúdo de ensino ensinável
(ensino) e permite a aprendizagem.

26
3.2.1.3.2. Proposição teórico-metodológica da “Metodologia da Mediação
Dialética”

A “M.M.D.” é uma proposição teórico-metodológica formada por uma


seqüência de situações de ensino (processo de ensino) que potencializa ao aluno a
aprendizagem do conteúdo trabalhado (processo de aprendizagem). Essa proposição,
elaborada na perspectiva da Mediação Dialética, possibilita ao professor compreender
as ações de planejar, desenvolver e avaliar o processo de ensino e de intervir no
processo de aprendizagem dele decorrente, permitindo a elaboração do saber pelo
sujeito da aprendizagem: o aluno. Ela exige um trabalho organizado, de forma
articulada, por parte de quem ensina e de quem aprende.
Em cada situação de ensino, o conteúdo é retomado com tratamento
diferenciado, e cada uma delas serve de patamar para o momento seguinte. As
situações de ensino não são estanques e isoladas, ao contrário, são interligadas e
interdependentes, e, portanto, o limite entre elas não é claramente demarcado.
Didaticamente, a M.M.D. é composta pelas etapas denominadas de
Resgatando/Registrando; Problematizando; Sistematizando e Produzindo,
apresentadas a seguir.

1º Momento - Resgatando/Registrando

Resgatar é buscar um mesmo ponto de partida para o processo de


ensino, provisoriamente, comum ao professor e ao aluno, por intermédio de
diferentes linguagens: oralidade, desenho, recorte, dramatização, mímica, poesia,
música, colagem, relato, texto escrito etc. A questão do registro refere-se aos
diferentes usos que se pode fazer da língua, dependendo da situação comunicativa.
O professor apresenta aos alunos uma série de atividades que envolvem o conteúdo

27
trabalhado, e o aluno, ao desenvolvê-las, representa suas idéias iniciais sobre o
referido conteúdo.
O registro dessa produção, ainda que de forma confusa, representa a
objetivação do saber subjetivo do aluno, e o professor, de posse dessas informações,
delimita o saber que o aluno possui do objeto em estudo e, ao compará-lo com o
saber pretendido, depreende a tensão entre ambos e elabora a problematização.

2º Momento – Problematizando

Problematizar é colocar o sujeito em uma situação de ensino


problematizadora, capaz de levá-lo a compreender mentalmente as divergências
entre seu saber imediato e o saber mediato trabalhado pelo processo de ensino. A
problematização explicita as divergências entre esses saberes, tensionando-os pela
contradição, bem como estimula o aluno a pensar e elaborar soluções por intermédio
de seus saberes disponíveis e, simultaneamente, leva-o a perceber que seus saberes
iniciais não são suficientes para a resposta suscitada. Essa contradição, além de gerar
necessidade cognitiva (motivação), cria possibilidades para o sujeito investigar e
buscar novas relações.
A atividade problematizadora, para ser percebida e compreendida pelo
pensamento, precisa apresentar a qualidade particular de não facilitar e nem
dificultar, em demasia, seu entendimento. Ela é capaz de gerar tensão entre o saber
específico do aluno (imediato) e o saber geral da produção científica (mediato) e de
estimular o aluno na busca de novos saberes.

3º Momento - Sistematizando

Sistematizar é desenvolver situações de ensino que possibilitem ao


aluno compreender as relações de sentido entre aspectos do seu saber imediato e
elementos do saber mediato pretendido, por intermédio do diálogo. Esse diálogo,
promovido pelo professor, favorece a explicitação dos aspectos da problematização, a

28
discussão do saber científico a eles relacionado, potencializa que o pensamento gere
a superação do imediato no mediato, a elaboração de sínteses cognitivas e a
internalização do saber aprendido.

4º Momento - Produzindo

Produzir é desenvolver situações de ensino, para que o aluno possa


expressar as sínteses cognitivas elaboradas, ao vivenciar as etapas da “M.M.D.”. O
aluno, por intermédio das diferentes linguagens, apresenta o saber elaborado, os
conceitos. É o ponto de chegada do processo de ensino, um saber provisório que se
torna imediatamente um novo ponto de partida, constituindo-se em um elemento
imprescindível para avaliar o referido processo.

3.2.2. REESTUDO do conceito científico na perspectiva da “M.M.D.”: processo


de conversão do conceito científico em conteúdo de ensino.

Na proposição metodológica elaborada na perspectiva da Mediação


Dialética, a ação de ensinar não se constitui em uma mera transmissão (declamação)
do saber científico e nem em uma simplificação deste. Para propiciar a superação das
representações do imediato no conceito, torna-se necessário que o ensinar esteja
compromissado com o aprender e, para isso, impõe-se ao professor realizar a
conversão do saber científico em conteúdo de ensino, para que ele se torne ensinável
(ensino-professor), assimilável (aprendizagem-aluno) e preservador do saber
científico (saber mediato).
Esse complexo processo de conversão, expresso na “MMD”, preconiza
o desenvolvimento do conteúdo de ensino centrado na problematização de situações
capazes de gerar contradições entre o ponto de partida (imediato) e o ponto de
chegada (mediato) do processo, provocando a superação do imediato
(representações) no mediato (conceito científico), possibilitando, assim, a
aprendizagem pela elaboração de sínteses (saber aprendido). Para isso, é necessário

29
que o professor planeja o desenvolvimento do conteúdo de ensino em uma “Prática
Educativa”, sob a orientação da “MMD”, e compreende os “Momentos” do movimento
desta. No sentido de explicitar o processo de conversão, seguem algumas
informações relevantes.

3.2.2.1. Intencionalidade da “Metodologia da Mediação Dialética” em uma


“Prática Educativa”

A “Prática Educativa” (práxis) exige, sempre, um propósito e, a partir


deste, o planejamento, o plano, o desenvolvimento e a avaliação, na perspectiva de
sua intenção geradora. Basicamente, pode-se, intencionalmente, por intermédio das
relações pedagógicas de uma prática educativa, produzir relações sociais
transformadoras ou, simplesmente, reproduzir as relações atuais de opressão.

 Produção ou reprodução de relações sociais em uma aula?

O propósito da “Prática Educativa” é promover intervenções na forma


de o aluno pensar o conteúdo de ensino e o mundo, levando-o a se compreender
como um ser social particular, que se forma na relação com o mundo e, que,
dependendo da qualidade dessa relação, pode, ao transforma-se, transformar as
relações sociais do ambiente que lhe é circundante.
Em uma concepção dialética, pensar é o movimento do pensamento,
uma ação mental e abstrata que permite ao sujeito estabelecer relações sobre um
determinado assunto ou coisa: o conhecimento. Na “Prática Educativa”, a relação
cognitiva é provocado pela tensão dialética que se estabelece entre as idéias do
aprendente (representações primeiras do imediato), o que ele já sabe, e o que se
pretende conhecer, as informações científicas (mediatas) sobre o assunto em estudo.
O sujeito, ao parear, conscientemente, as idéias iniciais (imediato) e as informações
científicas (mediato), ambas sobre um mesmo conteúdo, gera (estabelece) uma força
de tensão entre elas, o que lhe potencializa uma elaboração mental, considerada

30
como síntese cognitiva. Dependendo da qualidade da relação entre a teoria e prática,
ela pode representar a superação do imediato no mediato pretendido: a práxis crítica
e transformadora.
Esse caminho teórico, na perspectiva da mediação, é o método
dialético, o percurso a ser percorrido para a compreensão da realidade. O método é
teórico e direciona teoricamente o pensamento do homem na busca do entendimento
do real e, por ser teórico, a sua explanação pode ensejar a interpretação dessa
realidade, a descrição sistematizada da mesma, ao invés de promover compreensão
da mesma.

 Interpretar ou transformar a realidade?

Interpretar é uma ação teórica, em nível de abstração, e, assim,


permanecer no método (caminho teórico) pode gerar um discurso ortodoxo e “duro”
que, mesmo em absoluta conformidade com o princípio dialético, somente é capaz de
apontar erros, impasses e limites de teorias vigentes na educação, sensibilizando os
professores sobre a necessidade da transformação do processo de ensino. Esse
recurso teórico é necessário, para que o movimento histórico revolucionário e
progressista demonstre a urgência da mudança nos pressupostos teóricos, e assim, a
partir da fundamentação da ontologia do ser social, possa persuadir os professores a
buscarem a transformação de sua prática educativa.
Nesse aspecto, a leitura histórica sobre as abordagens pedagógicas que
pairam sobre a área educacional brasileira permite identificar a distância entre a
teoria e a prática e, assim, no âmbito da prática escolar, coexiste uma duplicidade de
teorias: a oficial (explícita e proclamada) e a real, que direciona a prática educativa
(implícita e consagrada na prática). Essa ambigüidade, gerada na passagem do plano
teórico para a ação, indica que a contradição entre teoria e prática ainda não foi
superada, e denuncia a realidade concreta do ensino no país, que não assegura as
condições necessárias para que uma teoria crítica seja plasmada na sala de aula.
Usualmente, mudam as teorias pedagógicas, mas não muda a realidade, e assim

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permanecem os problemas, agravados com rotina escolar que se depara com teorias
que não se operacionalizam ou com o pragmatismo, atividades para a prática, sem
fundamentação teórica.
Observa-se, nesse caso, que tanto o discurso de teorias críticas quanto
as indicações pragmáticas permanecem em um dos pólos da prática educativa,
respectivamente, o da teoria e o da prática. Ambos, inoperantes, o pólo da teoria,
por não apresentar uma proposição metodológica que expressa o influxo da teoria na
prática, e o da prática, por conter atividades fragmentas. Daí a necessidade de uma
proposição teórico-metodológica que expresse o influxo do método dialético para a
prática educativa, segundo os pressupostos filosóficos da Mediação Dialética, a teoria
que deu origem ao método.

 Rigor científico dessa proposição metodológica.

Segundo Vasquez (1977), a teoria em si não transforma o mundo, pois


para isso, tem de sair de si mesma e, em primeiro lugar, tem de ser assumida pelos
que vão ocasionar, com seus atos reais e efetivos, tal transformação. Uma teoria é
prática, na medida em que se materializa por intermédio de ações humanas, que só
se verificam quando os atos dirigidos a um objeto para transformá-lo se iniciam com
um resultado ideal, uma finalidade, e terminam com um resultado efetivo e real.
Nesse aspecto, o referido autor traz uma colaboração valiosa para a
compreensão da aula como prática educativa, a práxis educacional transformadora.
Em uma práxis, os atos são determinados por um estado anterior que se verificou
efetivamente – determinação do passado pelo presente – e, também, por algo que
ainda não tem uma existência efetiva – o futuro. A práxis implica a intervenção da
consciência, pois o resultado existe duas vezes e, em tempos diferentes, como
resultado ideal e como real. E, em virtude dessa antecipação do resultado que se
deseja obter, a atividade propriamente humana tem um caráter consciente. A
finalidade ou fim que prefigura idealmente o que ainda não se conseguiu alcançar
são os objetivos, produtos da consciência e, por esse motivo, as atividades que eles

32
governam são, também, conscientes. Pelo fato de se propor objetivos, o homem
nega uma realidade efetiva, afirma outra que ainda não se conseguiu alcançar e,
para alcançá-la, ele seleciona meios para a materialização dos objetivos.
Portanto, a operacionalidade da teoria sobre a mediação vincula-se à
sua aplicação prática por intermédio da proposição da “M.M.D.”, que considera a
pratica como critério da verdade, por afirmar ou negar a referida teoria.

3.2.2.2. Momento predominante no desenvolvimento do conteúdo de


ensino: ora professor e ora aluno

A aula, como “Prática Educativa”, encerra relações dialéticas em que a


contradição “se realiza e se resolve” sem a superação definitiva de um pólo pelo
outro. Os fundamentos sobre Momento predominante explicam o movimento dialético
que assegura a relação entre o pólo do Ensino e o da Aprendizagem, processos
distintos e não hierarquizados que, mantendo suas respectivas particularidades,
relacionam-se no desenvolvimento do conteúdo de ensino. E, justamente, por serem
contraditórios entre si, manifestam-se sem que, necessariamente, um deles seja
superado pelo outro. Assim, ora, sobrepõe-se a intervenção do professor (processo
de ensino) e, ora, a do aluno (processo de aprendizagem) que “responde” à
intervenção do professor, oferecendo elementos para a intervenção do aluno.
A “M.M.D.” prevê um trabalho organizado por parte do aluno e do
professor, no sentido da conversação sobre o conteúdo de ensino e, para isso, os
interlocutores (professor e aluno) precisam conviver em desequilíbrio, ora,
expressando-se e, ora, entendendo a expressão do outro para novamente expressar-
se. Assim, mantém-se o diálogo entre eles sem que um sobrepuja o outro, mas sim
que alunos e professor permitam que ambos tenham o Momento predominante e que
passe a dominar, temporariamente, a relação dialética.
Esse movimento dialético, em que a contradição não se resolve e,
portanto, não gera superação e nem síntese refere-se ao desenvolvimento,
simultâneo, do processo de ensino e o de aprendizagem na operacionalização da

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“M.M.D.”. Caso a contradição entre eles fosse resolvida, um dos pólos
(ensino/professor e aprendizagem/aluno) seria superado no outro e isso
impossibilitaria a conversação e permitiria o monólogo.
Manter esse movimento “sem superação da contradição” na
operacionalização da Metodologia é um dos desafios que o professor precisa
enfrentar, pois dele depende a Mediação Dialética, outro movimento dialético
relacionado, especificamente, ao conteúdo de ensino, em que a contradição precisa
ser resolvida para gerar superação e elaboração de sínteses. Para isso, o professor,
por intermédio do processo de ensino, realiza intervenções pedagógicas no processo
de aprendizagem, intervenções capazes de provocar no aluno a explicitação da
contradição entre as suas idéias iniciais sobre o conceito estudado (saber imediato) e
o conceito científico implícito no conteúdo de ensino (saber mediato). A contradição
de ambos gera a relação de tensão entre eles, promovendo a superação do imediato
no mediato e intentando a elaboração de sínteses pelos alunos.
Para a “Prática Educativa” potencializar aos alunos a elaboração de
ações conscientes e críticas, torna-se necessário que os processos de ensino e de
aprendizagem se desenvolvam por intermédio da Mediação pedagógica capaz de
criar, gerar ou elaborar situações de ensino que permitam ao aluno pensar ou
estabelecer relações dinâmicas entre os elementos do ambiente natural e social.

3.2.2.3. A palavra como elemento mediante na “Metodologia da Mediação


Dialética”.

Relacionar-se com o ambiente é um fato tão óbvio para o homem, que


parece acontecer naturalmente: porém alguns aspectos dessa relação devem ser
retomados, por serem interessantes para esta discussão. Sabe-se que, literalmente, é
impossível para o homem colocar os elementos do ambiente natural e social “in
natura” em seu pensamento, e isso determina, em especial, duas dimensões na
maneira de ele se relacionar com o contexto:

34
(a) A “entrada” dos elementos do ambiente no pensamento, enquanto
abstração, ou seja, sua dimensão interna,
(b) A “saída” do material elaborado pelo pensamento sobre o ambiente, a
dimensão externa. Essas duas dimensões da ação do ser social,
distintas e articuladas, assim se realizam:

- O homem trabalha com as idéias que elabora sobre o ambiente e, como o


ambiente é um todo complexo, as idéias geradas pelo pensamento são
abstrações de partes do ambiente. São as relações dialéticas entre o ser social
e o ambiente que possibilitam ao pensamento elaborar idéias, entendidas
como as representações abstratas do ambiente que, na dependência de sua
qualidade, podem ser imediatas ou mediatas;
- O homem utiliza códigos de signos exteriores para exprimir as idéias.

De uma forma geral, pode-se dizer que, para elaborar as idéias e


expressá-las, objetivando o estudo e a compreensão da natureza, o homem utiliza
códigos de signos exteriores, historicamente produzidos.
Essas dimensões que compõem a ação humana - elaborar idéias
(representações mediatas ou conceituais) e expressá-las - são elementos
imprescindíveis no desenvolvimento da “M.M.D.”, por estarem presentes em todos os
seus Momentos.
Neste trabalho, serão comentados alguns de seus aspectos, sem a
pretensão de esgotá-los.

 Conceito de expressão

BAKHTIN (2002, p. 111) apresenta a mais simples definição de


expressão:

35
[...] tudo aquilo que, tendo se formado e determinado de alguma
maneira no psiquismo do indivíduo, exterioriza-se objetivamente para
outrem com a ajuda de algum código de signos exteriores.

Para o autor, a expressão comporta, portanto, duas facetas: o conteúdo


(interior) e sua objetivação exterior para outrem ou para si mesmo e, assim, todo ato
expressivo move-se entre estas facetas.
Os Momentos da “Metodologia da Mediação Dialética” solicitam que os
alunos expressem suas idéias em diferentes produções e, para isso, que eles se
utilizem da linguagem, entendida como ampla forma de expressão. Segundo Aurélio
(), Linguagem é:

[...] todo sistema de signos que serve de meio de comunicação entre


indivíduos e pode ser percebido pelos diversos órgãos dos sentidos, o
que leva a distinguir-se uma linguagem visual, uma linguagem auditiva,
uma linguagem tátil, etc., ou, ainda, outras mais complexas,
constituídas, ao mesmo tempo, de elementos diversos.

No entanto, conforme foi tratado anteriormente, para evitar que o


conteúdo de ensino sofra alterações conceituais, quando trabalhado nas situações
interativas da “Prática Educativa”, é aconselhável a utilização de diferentes sistemas
sígnicos, porém se faz necessário que o aluno explique verbalmente ou por escrito a
acepção conceitual que tomou nas expressões utilizadas, para explicitar seu
entendimento. Assim, como a palavra oral e escrita é solicitada em todos os
Momentos da Metodologia, ela é considerada a unidade de sentido e de significação
que estabiliza o desenvolvimento desta. Entende-se a palavra em uso como
expressão do pensamento, com significações semelhantes para o professor e seus
alunos, permitindo a ambos a compreensão do conceito científico em questão.
Exemplificando, se, em qualquer Momento da Metodologia, o aluno ou o professor
expressarem suas idéias por intermédio de desenhos ou símbolos, a explicitação dos
mesmos por intermédio de palavras concorre para o entendimento do assunto por
ambos.

36
 Por que linguagem?

Ao mesmo tempo em que a linguagem permite ao ser humano


expressar suas idéias, ela condiciona, também, a elaboração destas. Pode-se inferir
que ela constitui o instrumento que possibilita a comunicação do pensamento
(dimensão exterior) e, simultaneamente, constitui-se também como material de
produção do pensamento (dimensão interior).
Neste texto, a palavra oral ou escrita representa a unidade da
linguagem e será entendida como “a linguagem em uso, em movimento”, estando
indissoluvelmente ligada às condições sociais e ao horizonte cultural do interlocutor,
e, para ser compreendida, necessita estar inserida no processo interativo do
professor com o aluno. Assim, a palavra é entendida “como a arena onde se
confrontam os valores sociais contraditórios” (BAKHTIN, 2002, p.14), um elemento
cultural de natureza histórico-social. Essa duplicidade de função da palavra
(dimensões interior e exterior) mostra que o contexto influencia tanto a linguagem
como o pensamento do ser social, ao mesmo tempo em que é influenciado por eles.
Recordando, a palavra e seus significados são produzidos
historicamente e, como a palavra constitui o elemento basal de produção das idéias
pelo pensamento e de expressão das mesmas, pode-se inferir que o pensamento
também sofre influências sociais. E somente os pressupostos filosóficos da dialética
explicam a ação de escolha de palavras para organizar e expressar o pensamento,
uma vez que esas palavras e seus significados estão disponíveis na sociedade
(mesmo não sendo um processo democrático). Porém, essa disponibilidade não é
suficiente para que todo ser social indistintamente, mesmo que ele seja usuário
competente desse material: o código de signos exteriores. Sob esse prisma, os
estudos de BAKHTIN (2002) embasam conceitualmente os processos lingüísticos
discutidos no presente estudo.
Segundo os pressupostos filosóficos da Mediação Dialética, a palavra
selecionada (eixo de seleção) expressa a síntese gerada pela superação da

37
contradição que se estabelece entre os dois pólos contraditórios, a linguagem
enquanto sistema (no sentido saussuriano) e a linguagem enquanto discurso
(funcionamento da linguagem) significado dinâmico e provisório, social e histórico
(acepção bakhtiniana). A escolha da palavra, portanto, constitui uma ação dialética
do sujeito movida pelo sentido, a intencionalidade da linguagem. No momento do
uso, o sentido desejado pelo interlocutor confere à palavra um sentido estável, ou
seja, a dimensão de unidade na diversidade (pluralidade) de suas significações.
Uma das asserções oriundas da pesquisa que subsidia este texto
(ARNONI, 2004) é considerar a linguagem como a possibilidade de materializar a
teoria da mediação na prática, tornando-se, assim, o elemento mediante na
“M.M.D.”, o que a faz existir, por atualizá-la (colocá-la em prática).

 Como a palavra se torna o elemento mediante?

O adjetivo mediante foi selecionado para indicar que a “palavra em uso


e gerada pelo movimento dialético” constitui o substrato e a base da “M.M.D.”. Isso
decorre, justamente, das propriedades da palavra, em especial, a de possibilitar ao
homem: (a) representar a realidade física e social, o pensamento e a ação, próprias e
alheias; (b) comunicar idéias e intenções de diversas naturezas e, desse modo,
influenciar o outro; (c) prender-se ao contexto social e não existir fora dele.
Além dessas características da palavra, a de fundamental relevância
para a “M.M.D.” é seu poder de referenciação (dimensão exterior), de constituir-se
como instrumento que possibilita a expressão das representações do mundo e,
simultaneamente, o material de produção das representações do sujeito (dimensão
interior). O pensamento elabora representações (imediatas e mediatas) do ambiente
natural e cultural (materiais e sociais da natureza), e essas representações são
expressas por intermédio de diferentes modalidades de linguagem, verbal ou não.
(ESCREVER)
Todas as etapas da Metodologia se desenvolvem por intermédio das expressões do
professor e do aluno, estabilizando-se pela linguagem verbal.

38
 Palavra compreendida pelos interlocutores da prática
educativa: professor e aluno.

É necessário estar atento!


Segundo o Aurélio (), linguagem significa: (a) o uso da palavra
articulada ou escrita como meio de expressão e de comunicação entre pessoas; (b) a
faculdade humana da fala; (c) todo sistema de signos que serve de meio de
comunicação entre indivíduos e pode ser percebido pelos diversos órgãos dos
sentidos, o que leva a distinguir-se uma linguagem visual, uma linguagem auditiva,
uma linguagem tátil etc., ou, ainda, outras mais complexas, constituídas, ao mesmo
tempo, de elementos diversos.
Define-se a linguagem como uma forma de ação interindividual,
orientada por uma finalidade específica. Porém, mesmo tendo essa propriedade como
qualidade geral, a palavra, por si só, não é capaz de gerar mediação. Ela se torna
elemento mediante, quando o professor lhe confere tal propriedade, pela
intencionalidade projetada na “Prática Educativa” que pretende desenvolver e, assim,
orientado pelos fundamentos filosóficos da Mediação, seleciona as diferentes
modalidades de linguagem, de acordo com as especificidades das etapas da
“M.M.D.”. O uso das diferentes modalidades de linguagem depende da situação
comunicativa específica de cada uma das etapas, considerando-se o vínculo entre a
linguagem e a situação de ensino que a metodologia enseja.
A palavra em uso constitui o elemento mediante da “Metodologia da
Mediação Dialética”, assegurando e possibilitando ao professor projetar e
operacionalizar ações para atingir a intencionalidade da prática educativa. Segundo
os fundamentos teóricos, ele organiza, no pensamento, a referida proposição
(dimensão interior da palavra) e, em aula, expressa essa organização mental por
intermédio das diferentes modalidades de linguagem (dimensão externa da palavra),
desenvolvendo-as com os alunos. A vivência dessas ações em uma prática educativa
potencializa ao aluno o estabelecimento de relações da Mediação Dialética: a

39
contradição entre o imediato e o mediato, a superação do imediato no mediato e a
elaboração de sínteses cognitivas (a aprendizagem).
Nessa perspectiva, a linguagem do conteúdo de ensino torna-se
pedagógica, quando se constitui no elemento mediante que permite e provoca a
mediação (tensão dialética) em diferentes situações, tanto no processo de ensino
como no de aprendizagem; para o professor, no planejamento da prática educativa e
na operacionalização do plano e, para o aluno, na vivência das atividades que
potencializam o desenvolvimento das relações dialéticas entre suas representações
do imediato e as do mediato (saber científico da disciplina), gerando a contradição
entre ambas, a superação e a elaboração de sínteses. Por esses motivos, em uma
prática educativa desenvolvida segundo a “M.M.D.”, ocorre a mediação pedagógico-
dialética que orienta o processo de ensino e o de aprendizagem no devir educacional.

3.2.2.4. Processo de reestudo do conceito científico, na perspectiva da


Mediação dialética.

Na Primeira Etapa da “Prática Educativa” (item 3.2.), destinada à seleção dos


pressupostos teóricos, o professor reestuda o conteúdo de sua área de atuação sob a
perspectiva da Mediação Dialética, enfocando dimensões da relação “parte & todo”:
(a) o conceito científico constitui uma totalidade dinâmica, que explica um aspecto do
todo, a realidade, da qual foi “retirado” ou “recortado” para ser pesquisado,
expressando, assim, idéias articuladas e organizadas de forma sistemática e metódica
de um aspecto da natureza momentaneamente separado do todo ao qual pertence;
(b) as relações de tensão que se estabelecem entre o conceito científico (totalidade)
e o todo ao qual pertence, permitem identificar as contradições geradas nessas
relações e elaborar categorias que expressam esta tensão dialética.

 Qual a importância desta fase?

40
Essa fase de reestudo é imprescindível para o professor organizar o conteúdo
de ensino e operacionalizar a “M.M.D.”, pois, ao permanecer preso exclusivamente ao
conceito científico, terá a dimensão de uma das partes do todo, algo a-histórico e
desgarrado da dinâmica da natureza. No entanto, ao “devolver” (inserir novamente)
o conceito científico no todo ao qual pertence, tem dele uma nova compreensão, a de
totalidade dinâmica, elaborando, assim, o conteúdo de ensino.

3.2.3. PLANO DA AULA, segundo a “Metodologia da Mediação Dialética”:


trabalho para ser aplicado em sala de aula.

Todos os momentos da “M.M.D.” utilizam-se da linguagem, processo de


interlocução que se realiza nas práticas sociais existentes em diferentes grupos de
uma sociedade e em seus distintos momentos históricos. Na “Prática Educativa”, a
aula entendida como práxis (prática social específica), o foco da Mediação centra-se
na interlocução entre professor e aluno sobre o conteúdo de ensino.
Para o desenvolvimento dessa proposição metodológica, uma totalidade
dinâmica, torna-se imprescindível que o plano elaborado pelo professor atenda à
intencionalidade da Prática Educativa (totalidade) e, ao mesmo tempo, às
especificidades de cada “Momento” da proposição metodológica (parte). A discussão
sobre a operacionalização da “M.M.D.” em uma aula, realizada a seguir, oferece os
subsídios para a elaboração do plano de aula.

3.3. Segunda Etapa da Prática Educativa: DESENVOLVIMENTO DA AULA

Essa Etapa refere-se à operacionalização da “Metodologia da


Mediação Dialética”, a sua aplicação em sala de aula.
A “M.M.D.” (descrita no item 3.2.1.3.2.) dirige-se ao professor,
informando-lhe a intencionalidade de cada um dos seus “Momentos pedagógicos” e
as intervenções a eles subjacentes. Correspondendo às intencionalidades específicas
de cada Momento, o Diagrama da “M.M.D.”, apresenta os “Momentos pedagógicos”

41
dirigidos aos alunos, cuja vivência potencializa-lhes a superação das representações
imediatas no conceito científico, mediato.

3.3.1. Diagrama da “Metodologia da Mediação Dialética” (Anexo 02 )

Legenda:
(a) Círculo externo – método dialético;
(b) Círculo interno – metodologia dialética.

3.3.1.1. “Resgatando/Registrando”: ponto de partida da “Metodologia da


Mediação Dialética” no desenvolvimento do conteúdo de ensino.

 O que se Resgata e se Registra no ponto de partida?

(a) Resgatar tem o sentido de retomar e de recuperar as idéias iniciais, as


representações que os alunos possuem sobre o conteúdo de ensino (imediato);
(b) Registrar relaciona-se ao registro, às anotações que os alunos fazem
sobre suas representações do imediato, utilizando as diferentes modalidades de
linguagem.

No 1º. Momento da “M.M.D.” o professor de posse do re-estudo (item


3.3.1.1.) elabora atividades de linguagem que envolvam o conteúdo de ensino e
propiciem o processo de retomada pelo aluno dos saberes sobre o conteúdo em
questão. As atividades precisam, então, ser dirigidas para um interlocutor específico,
o aluno, com a finalidade de ensejar situações que lhe permitam produzir registros
que expressem suas representações iniciais sobre o assunto estudado.
A questão do registro refere-se aos diferentes usos que se pode fazer
da língua, dependendo da situação comunicativa. Esses registros constituem o ponto
inicial do processo de aprendizagem e do de ensino propriamente dito, lembrando

42
que este, o [processo] de ensino, inicia-se com o planejamento da Prática Educativa,
descrito no item 3.2.

 Qual a relação entre os registros das representações iniciais


dos alunos e o desenvolvimento do conteúdo de ensino?

Este 1º Momento é vital para o desenvolvimento da Metodologia, pois,


nele, os alunos, por intermédio de registros, expressam as representações iniciais,
elaboradas na relação com o ambiente circundante. O aspecto inovador desse
Momento, tanto para o professor como para o aluno, é a utilização das produções
dos alunos como ponto de partida da aula, visto que, normalmente, esta se resume
na apresentação do conteúdo científico. Os registros dos alunos (textos, desenhos,
relatos etc.) são históricos e representam um dos pólos da Mediação Dialética, o
imediato, que se contrapõe ao outro pólo, o mediato, representado pelo conteúdo
científico.
Para o aluno, é necessário e interessante ter consciência de suas idéias
(saber imediato) sobre o assunto em questão, para participar do desenvolvimento do
conteúdo de ensino e compreendê-lo. Para o professor, os registros dos alunos
possibilitam a problematização que será desenvolvida no 2º Momento da
Metodologia.

3.3.1.2. “Problematizando”: a contradição entre as representações iniciais


dos alunos e o conteúdo de ensino na “Metodologia da Mediação Dialética”.

Refere-se à expressão “problematizar”, verbo que significa “tornar


problemático, pôr em dúvida ou dar forma de problema”. O nome deste segundo
Momento – Problematização - enseja ação pedagógica de provocar questionamentos
sobre o conteúdo de ensino, no sentido de o aluno perceber as diferenças entre seu
saber imediato e o mediato trabalhado pelo professor. É uma atividade planejada
pelo professor, a partir dos saberes iniciais dos alunos e direcionada para a

43
compreensão do conceito científico a ser ensinado. Ela pode ser desenvolvida com
toda a sala (discussão/conversação), mas tem por objetivo despertar em cada aluno,
individualmente, a consciência das duas dimensões do saber trabalhadas na Prática
Educativa: a subjetiva (seu saber inicial – a representação do imediato) e a objetiva
(conceito científico – a representação do mediato).
A discussão, na problematização, caracteriza-se por trocas verbais ou
escritas entre alunos e destes com o professor, incitadas pelo professor, nas quais se
coloca em questão um problema sobre o conteúdo de ensino. Essa discussão gera
conflitos de opiniões, exigindo que o aluno argumente em favor de suas próprias
idéias (ou de colegas), estimulando, assim, sua capacidade de explicação, exigindo
elaboração de argumentos (organização do saber atual).
As atividades de problematização provocam a contraposição dos pontos
de vista sobre um mesmo conteúdo de ensino e desempenham ações distintas na
discussão, objetivando explicitar para o aluno a relação de tensão entre seu saber
inicial (imediato) e o conceito científico (mediato). Por este motivo, a
“Problematização” não deve ser confundida com a estrutura usual das conversações
em sala de aula, nas quais ocorrem a típica seqüência de pergunta do professor,
resposta do aluno, comentário do professor, que não envolve tensão.

 Como elaborar a Problematização?

É o professor quem elabora e aplica a “Problematização”.


A operacionalização da “M.M.D.”, em uma aula, inicia-se no
“Resgatando/Registrando”, que disponibiliza para o professor, por intermédio dos
registros, os aspectos do conteúdo de ensino que o aluno já sabe. Esse saber inicial
do aluno (ponto de partida) constitui material para o “Problematizando”.
Assim, de posse desses registros e das informações obtidas pelo
reestudo (item 3.2.2.), anteriormente realizado, o professor identifica a contradição
entre as representações iniciais dos alunos e o conteúdo de ensino. Identificadas, o
professor transforma as contradições em “Problematização”, ou seja, em atividades

44
pedagógicas que envolvem o conteúdo de ensino e dialetizam as representações
iniciais dos alunos, contrapondo-as com o conceito científico em questão. A vivência
dessas atividades problematizadoras permite que o aluno perceba a relação de
tensão entre seu saber inicial e o estudado, depreendendo a contradição entre
ambos.
A proposição dessa Etapa é suscitar no aluno a percepção de que seus
registros iniciais são incompletos (“a parte é, por si só, incompleta”) e o desejo de
relacionar seus registros iniciais com o conteúdo ensinado (“estabelecer vínculos
entre a parte com outras partes e com o todo que as abarca”).
No “Problematizando”, a discussão da atividade problematizadora com o
aluno possibilita-lhe a identificação e a compreensão da contradição entre seu saber
inicial e o científico ensinado e, também, potencializa que ele supere o imediato no
mediato pretendido e, assim, elabore sínteses que expressem o conceito científico
estudado, a “Sistematização”.

3.3.1.3. “Sistematizando”: Momento da superação do imediato no mediato


e da elaboração de sínteses cognitivas na “Metodologia da Mediação
Dialética”.

Sistematizar é tornar o saber metódico e ordenado, em coerência com


determinada linha de pensamento e/ou de ação, neste trabalho, a mediação dialética.
Os dois primeiros Momentos da “Metodologia da Mediação Dialética”
(Resgatando/Registrando e Problematizando), explicados anteriormente, trabalham o
conteúdo de ensino utilizando diversos recursos da linguagem para atingir a
intencionalidade da Prática Educativa a elas correspondente: a de levar o aluno a
expressar suas idéias iniciais sobre o conteúdo de ensino e o de despertar nele a
consciência de que essas idéias podem ser transformadas pela aprendizagem, por
compreensão, do conceito ensinado. Por esses motivos, não é recomendável centrar
o foco no rigor científico da linguagem utilizada pelo aluno, uma vez que são
prioridades destes Momentos: estimular o pensamento e provocar o desejo de

45
expressar o pensamento, em situações de conversação com os colegas e com o
professor, ou por intermédio de registros/anotações do mesmo.
Nas situações pedagógicas desses dois Momentos iniciais, o professor
seleciona recursos didáticos diversificados, e o aluno escolhe a linguagem que achar
conveniente para comunicar-se, gerando, assim, um ambiente descontraído. Como
explicado no item 3223, a linguagem é o elemento mediante que permite materializar
a intencionalidade dos “Momentos da Metodologia” e propiciar um ambiente de aula
descontraído e repleto de diferentes recursos lingüísticos, mantendo, no entanto, em
evidência para alunos e professor, a intencionalidade dos “Momentos”, em particular,
e da “M.M.D.”, em geral. Manter a transparência das intenções da aula é fator que
gera comprometimento do professor e do aluno com a Prática Educativa pretendida.
Em síntese, a intencionalidade da aula dirige o seu planejamento, seu
desenvolvimento e sua avaliação e, por isso, a dinâmica de intensa participação
coletiva dos dois primeiros Momentos, de forma assistemática, é uma ação
organizada em função do que se planejou para elas.

 Como desenvolver a Sistematização?

Para desenvolver a “Sistematização” é necessário recorrer à função


referencial ou informativa da linguagem, que se destina a transmitir a informação
objetiva, característica do conceito científico. Ela difere da função conativa da
linguagem, usada nos “Momentos metodológicos” anteriores, que se apresentava
apelativa, com caráter persuasivo e sedutor, buscando aproximar-se aluno (receptor)
e convencê-lo a rever suas concepções.
Considerando, ainda, que a “Problematização” provoca “desconforto
conceitual”, pois, além de questionar os saberes iniciais dos alunos não lhes oferece
as respostas das questões que levanta, caracterizando-se em uma atividade
pedagógica instigante, que gera inquietações e dúvidas, com o objetivo de preparar o
aprendiz para a sistematização, uma ação que trabalha a resolução da contradição.

46
Neste “Momento”, o professor retoma e discute as questões-problema
com a sala, trabalhando as informações científicas do conceito estudado e
propiciando ao aluno a compreensão das mesmas, e não apenas sua memorização.
Portanto, não se trata de o professor, simplesmente, declamar o conceito científico,
lê-lo no texto didático ou escrevê-lo na lousa, e, sim, de estabelecer uma
conversação sobre o saber científico que “resolve” a problematização, para que o
aluno possa superar a contradição, a ela (problematização) inerente.
Assim, juntos, professor e aluno, organizam as informações científicas
referentes ao conteúdo de ensino, ou os alunos realizam essa tarefa individualmente
ou em grupos, e o professor revisa o trabalho, discutindo os pontos não
compreendidos. De posse dessas informações organizadas, o aluno pode, então,
consultar fontes de pesquisas, ler textos didáticos e paradidáticos, pontos na lousa,
folhas mimeografadas etc, que complementem seu estudo.
Nesse “Momento”, o professor explora as dimensões da linguagem,
propondo aos alunos atividades de expressão oral, discussão do significado de textos,
produção de textos etc sobre o conteúdo de ensino estudado, estimulando, assim, o
aluno a participar desse processo interativo de elaborar e expressar idéias. Essas
dimensões da linguagem constituem critérios para a escolha dos procedimentos de
avaliação que caracterizam o “Momento” posterior.
A escola (Educação Básica e Superior) trabalha o conceito científico em
uma outra dimensão, a do conteúdo de ensino, embasado em uma proposição
metodológica oriunda da pesquisa científica sobre a aplicação de pressupostos
teóricos em uma situação de aula.

3.3.1.4. “Produzindo”: ponto de chegada da “Metodologia da Mediação


Dialética”, Momento da expressão da síntese cognitiva elaborada pelo
aluno.

No “Produzindo”, o professor avalia as evidências de aprendizagem do


conteúdo de ensino expressas nos textos dos alunos ou em outros tipos de

47
linguagem por eles produzidos. A escolha da tarefa deste “Momento”, selecionada
pelo professor e discutida com o aluno desde o início do trabalho, explicita o fim
almejado pela Prática Educativa. Isso exige que o professor, na dependência da
turma, delimite aspectos relevantes e basais do conteúdo, os quais possibilitam a
compreensão do mesmo, como também oferecem condições de aprofundamento de
estudo. A discussão sobre a delimitação dos aspectos conceituais e os tipos de
linguagens selecionados para o desenvolvimento da “M.M.D.” são retomados no
decorrer do trabalho, para avivar o plano inicialmente acordado entre professor e
alunos.
Aprender, em seu sentido lato, significa elaborar sínteses cognitivas
(pensamento) e operacionalizá-las em situações intelectuais e/ou práticas. Portanto,
a aplicação do saber aprendido é ilimitada e ocorre em instâncias das quais o
professor não tem controle. Porém a avaliação que se pretende nesta proposição é a
que permite ao professor e ao aluno depreenderem a situação atual de compreensão
do conteúdo de ensino desenvolvido.
O fundamental nesse “Momento da Metodologia”, já comentado
anteriormente, é articular a intencionalidade da Prática Educativa (da práxis comum à
crítica), o desenvolvimento do conteúdo de ensino (superação do imediato no
mediato) com a intenção comunicativa da tarefa solicitada ao aluno (expressão do
saber que ele elaborou, em relação ao conteúdo ensinado).
É interessante atentar para o fato de que todos os Momentos da
“M.M.D.” exigem alguma modalidade de produção do aluno e, no entanto, este,
especificamente, é nominado de “Produzindo”: é nele que a linguagem se vincula, de
forma explicita, à avaliação, no sentido de qualificação da produção do aluno.
Observa-se, também, que o professor, desde o “Momento inicial” da
Metodologia vem trabalhando atividades de linguagem para desenvolver o conteúdo
de ensino e materializar a proposição metodológica. Assim, após a opção por algum
tipo de recurso de linguagem, como, por exemplo, o texto (argumentativo, narrativo,
informativo, poético, publicitário etc), o professor proporciona situações que
possibilitam ao aluno familiarizar-se com a ação de produzir textos, antes de

48
conceder-lhe o aspecto avaliativo. Esse procedimento é mantido com todo tipo de
linguagem selecionado para o desenvolvimento do conteúdo de ensino.

 Quais as dificuldades ou desafios dessa proposição?

Em vez de dificuldade, poder-se-ia chamar de desafio pedagógico, o


qual solicita do professor (de qualquer disciplina), além dos pressupostos teóricos da
Mediação, a compreensão de alguns fundamentos da Língua Portuguesa. Quando não
se tem a preocupação com a palavra, o elemento mediante da “M.M.D.”, criam-se
dificuldades para se avaliar as evidências de aprendizagem do conteúdo de ensino,
expressas nos textos dos alunos ou, ainda, um professor desavisado desenvolve os
três primeiros Momentos na oralidade, usando linguagem usual e pragmática e, no
último, solicita produção de texto informativo.
Um outro desafio é superar as práticas avaliativas usuais e centrá-las no
ato comunicativo que ela representa, valorizando intenção comunicativa dos textos
dos alunos (ou de outras linguagens) por expressarem os saberes relacionados com o
conteúdo de ensino. Nessa perspectiva, professor e aluno voltam a atenção para o
processo de escolha da palavra que preserva o mesmo sentido para ambos,
justamente por ela expressar o pensamento do aluno, a síntese cognitiva possível,
cujo processo de elaboração foi influenciado pela intervenção do professor.
Esse desafio envolve professor e aluno, por tratar-se de uma parceria
que busca produção e não repetição ipsis litteris do conceito científico. Nesse
aspecto, vale informar que o termo produção refere-se à atividade intelectual do
aluno em sala de aula, e não à pesquisa acadêmica. Por esse motivo, o parâmetro de
avaliação é comparar a produção do aluno do Momento em todos os Momentos da
“M.M.D.”, tendo como referência o conceito científico da área de atuação do
professor e a forma como ele trabalhou esse conteúdo (conteúdo de ensino).
Desconsiderar a expressão do pensamento do aluno, seus saberes, não favorece a
compreensão do conceito científico, além de dificultar o desenvolvimento do
pensamento.

49
 Como avaliar por intermédio do texto?

Nesse último “Momento da Metodologia”, o texto (ou as outras formas


da linguagem) tem como intenção comunicativa expressar o saber do aluno sobre o
conteúdo de ensino ensinado, para que o professor possa qualificar produção do
aluno (aprendizagem). Assim, o professor solicita que o aluno expresse o que
aprendeu na aula, por intermédio de uma modalidade de linguagem, no caso, a
produção de um texto.
O que se pretende nessa Etapa, é a qualificação que, segundo MABEL
(2005), é um dos aspectos da avaliação no qual se atribui uma rubrica com base em
determinados dados. Neste trabalho, os dados são referentes às produções
desenvolvidas pelos alunos, em função do conteúdo de ensino trabalhado e, por isso,
são necessários os critérios, estabelecidos a priori pelo professor e discutidos com
clareza os alunos, para que ele tenha como ponto de referência as principais
dimensões e atributos da área, seus indicadores e padrões de qualidade. Nesse
aspecto, os dados oferecidos pelos diferentes sistemas de avaliação de âmbito
nacional, estadual ou local auxiliam o aprendiz na compreensão do estado de arte da
área de atuação do professor.
Surpresas em avaliações prejudicam a produção do aluno. Por esse
motivo, os recursos de linguagem das tarefas avaliativas devem ser os da sua
vivência, o que lhe facilita expressar o conteúdo aprendido. E, ainda, o professor
explicita os critérios que serão considerados, como, por exemplo, ausência ou
presença (parcial, incompleta ou plena) de conceituação. A produtividade dessa
proposta de avaliação que propõe ao aluno e ao professor a comparação entre as
produções iniciais (“Resgatando/Registrando”) e as finais (“Produzindo”), envolve
dois aspectos: (a) possibilitar que o aluno tenha consciência de seu processo de
compreensão e de elaboração de sínteses cognitivas (aprendizagem); (b) evidenciar
para o professor os aspectos conceituais que necessitam de uma nova intervenção.

50
Na perspectiva dialética, o texto é uma totalidade dinâmica e com
sentido. Produzir textos é uma atividade criadora, que vai além dos aspectos
ortográficos: a ortografia ocupa um espaço importante no ato de escrever, mas não
ocupa o espaço todo.

3.4. Terceira Etapa da “Prática Educativa”: AVALIAÇÃO

Avaliar é [re]olhar e analisar a aula como “Prática Educativa”. Assim, esta


Etapa centra-se na retomada da “Prática Educativa”, em especial, na
operacionalização da “M.M.D.” e no desenvolvimento do conteúdo de ensino.
Quando alguém se propõe a avaliar a “Prática Educativa” (práxis), não
significa ser ingênuo ao ponto de considerar a sala de aula como uma espaçonave,
hermeticamente fechada e isolada do ambiente circundante. Ao contrário, a
concepção filosófica de “Prática Educativa” concebe a aula como um complexo
dinâmico, que sofre a influência de distintos fatores pertencentes e gerados pela
sociedade que a insere. Por outro lado, é justamente essa concepção de práxis que
possibilita ao professor identificar a natureza dos distintos fatores que intervêm em
sua “Prática Educativa”, incluindo, como fator relevante, o processo de ensino. Por
esse motivo, considerando os inúmeros fatores que provocam interferência na aula,
delimita-se, nessa Etapa, a avaliação do fator pedagógico da aula, voltado ao
desenvolvimento do conteúdo de ensino na perspectiva da “M.M.D.”, que, na maioria
das vezes, não recebe a atenção necessária no contexto escolar.
O processo de conversão do conteúdo científico (da área de atuação do
professor) em conteúdo de ensino, para ser desenvolvido em sala de aula, segundo a
“M.M.D.” deve ser considerado na análise da “Prática Educativa”, como um dos
fatores que interferem na aprendizagem dos alunos. Assim, torna-se necessário
analisarem-se os aspectos constatados a partir dos levantamentos apresentados a
seguir:

51
 Levantamento dos aspectos prioritários do conteúdo de ensino, que
deveriam ser compreendidos pelos alunos;
 Levantamento dos aspectos conceituais presentes nas diferentes formas
de o aluno expressar suas idéias sobre o conteúdo de ensino
desenvolvido, em especial, a partir da comparação dos registros que ele
produziu no “Resgatando/Registrando” (iniciais) e no “Produzindo”
(finais);
 Levantamento dos fatores externos à aula, que prejudicaram o
desenvolvimento do conteúdo de ensino;
 Levantamento dos fatores internos à aula, que prejudicaram o
desenvolvimento do conteúdo de ensino.

Em seguida, de posse desses dados, é possível identificar, a partir das


comparações dos textos dos alunos, os aspectos do conteúdo de ensino
compreendidos pelos alunos e, didaticamente, delimitar os fatores que interferem no
processo de ensino para replanejá-los.

4. CONCLUSÕES:

Espera-se que esse capítulo tenha esclarecido que, na Mediação


Pedagógico-dialética, responsável pelo desenvolvimento processual da “Metodologia
da Mediação Dialética”, ocorrem duas situações distintas no que se refere ao
conteúdo de ensino:
- Na situação de aula, aqui considerada como “Prática Educativa”, a
relação de tensão entre aluno e professor não apresenta superação, em
função do momento predominante que caracteriza o processo da aula.
Devido aos planos conceituais distintos, imediato e mediato, em que se
encontram aluno e professor, respectivamente, a contradição se cria e
se resolve, possibilitando, assim, a interação comunicativa entre ambos;

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- Na passagem do imediato (Resgatando/Registrando) ao mediato
(Produzindo), não se estabelece o equilíbrio entre as contradições e
nem se criam contradições insolúveis, mas procura-se a unidade entre
estes pólos contraditórios, gerando superação. Nesse processo, o
conteúdo de ensino é a categoria que permite compreender a
contradição e a superação que se estabelece entre o imediato e
mediato.

O ponto de partida da Metodologia é formalmente idêntico ao de


chegada durante todo o desenvolvimento do conteúdo de ensino, como garantia de
não se perder o processo no caminho. Porém, a especificidade de cada momento
confere à Metodologia o movimento em espiral e, assim, o aluno ao vivenciá-la
elabora no ponto de chegada o conceito, que não era conhecido no ponto de partida.
Assim, ao comparar o ponto de partida e o de chegada no
desenvolvimento do conteúdo de ensino constata-se que os momentos da MMD
propiciam ao aluno superar a práxis fragmentária na práxis crítica.
A práxis fragmentária gera a abstração da parte e constitui uma
representação comum do ambiente cotidiano, a projeção, na consciência do sujeito,
de determinadas condições históricas cristalizadas sobre a realidade. A práxis crítica,
por sua vez, como totalidade ricamente articulada, busca compreender a realidade,
destruindo a pretensa independência da parte, demonstrando seu caráter mediato e
apresentando a prova do caráter derivado da parte.
A título de lembrança, seguem algumas asserções que explicitam a
influência dos pressupostos teóricos da “M.M.D.” na elaboração das atividades
pedagógicas:
(a) A aula não se resume, exclusivamente, no trabalho de sala de
aula, este é, apenas, um dos seus momentos. Ela envolve o planejamento, o
desenvolvimento e a avaliação do conteúdo de ensino;

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(b) O desenvolvimento do conteúdo de ensino centra-se na
problematização de situações capazes de gerar contradições, provocar superação e
possibilitar a elaboração de sínteses (aprendizagem);
(c) Os registros/anotações do saber inicial do aluno expressam suas
idéias atuais, consideradas partes, aparentemente, independentes do todo;
(d) As atividades problematizadoras situam-se entre os registros dos
alunos (imediato) e o conceito científico reestudado (mediato);
(e) No desenvolvimento da aula pela aplicação da “M.M.D.”, o
professor, inicialmente, depreende a contradição entre as representações dos alunos
(Resgatando/Registrando) e o conteúdo de ensino e, em seguida, transforma esta
contradição em atividades problematizadoras (Problematizando) para proporcionar ao
aluno a oportunidade de ele perceber a contradição, e, assim, superá-la;
(f) As atividades problematizadoras ensejam a necessidade de serem
“resolvidas” e, assim, motivam o aluno a participar da sistematização do conteúdo de
ensino;
(g) As atividades sistematizadoras, por utilizarem a função
informativa da linguagem e serem organizadas em função do conteúdo de ensino,
oferecem ao aluno a oportunidade de ele organizar e sistematizar suas informações;
(h) As atividades do “Produzindo”, formais ou informais, possibilitam
ao professor e ao aluno discutirem os aspectos do conteúdo de ensino
compreendidos ou não, facilitando a retomada do processo de ensino;

De uma forma geral, este capítulo pretende “retirar a aula da vala comum”,
discutindo-a em toda sua COMPLEXIDADE E ESPECIFICIDADE, a de uma totalidade
dinâmica, em processo de desenvolvimento. Este movimento processual da aula,
como “Prática Educativa” (práxis), expressa, na ação do professor, os diferentes
graus de consciência que ele tem da relação teoria & prática. Espera-se que o re-
olhar a aula possa identificar seus pólos - Teoria e Prática - distintos que estabelecem
entre si uma relação de tensão dialética, cuja superação gera a práxis crítica,
transformadora do real.

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Referências:

ARNONI, Maria Eliza Brefere. “Metodologia da Mediação dialética”: proposição


pedagógica inovadora para o processo de ensino e de aprendizagem. In: VIII
Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores - modos de ser
educador: Artes e Técnicas, Ciências e Políticas, 2005, Águas de Lindóia, SP. CD-
ROM ISBN:

______. Metodologia da Mediação dialética e o ensino de conceitos científicos


(comunicação oral). In: XII ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Prática de
Ensino, 2004, PUCPR, Curitiba. CD-ROM ISBN: 85 7292-125-7.

BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da Linguagem: problemas fundamentais do


método sociológico na Ciência da Linguagem. [trad] Michel Lahud e Yara Frateschi
Vieira. 9 ed. São Paulo: Hucitec/Annablume, 2002, 196p.

BOOTH, Wayne C.; COLOMB, Gregory G.; WILLIANS, Joseph M. A arte da pesquisa.
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KOSIK, Karel. Dialética do Concreto. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.

VÁSQUEZ, A. S. Filosofia da Práxis. 4 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.

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