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GROSSO (1930/1945)
SILVIA HELENA ANDRADE DE BRITO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL, CORUMBÁ/MS
Este trabalho possui dois objetivos centrais. Primeiramente, apresentar alguns aspectos
do contexto histórico no qual se inseria o estado de Mato Grosso nos primeiros quinze anos
que se sucederam ao movimento de 1930. Em segundo lugar, pretende mostrar como a
questão educacional — particularmente o ensino primário público — desenvolveu-se nesta
mesma região, nestes anos, como parte do processo histórico anteriormente esboçado.
A característica principal deste período, no âmbito educacional, é o processo de
(re)organização pelo qual passa a educação pública mato-grossense, especialmente a escola
primária. Dito de outra forma, isto significou o início da conformação de uma rede de ensino
no estado, organizada a partir de critérios de âmbito nacional; com especial atenção, em Mato
Grosso, para a discussão em torno da unidade pedagógica e organizacional das escolas
primárias isoladas. É importante frisar que estas transformações não estavam ocorrendo de
forma independente, sendo, contudo, parte do processo de mudanças pelas quais passavam
Estado e sociedade, no Brasil, neste período; assim como não tiveram, no campo educacional,
os anos 30 como marco inicial, mas estavam inseridas num conjunto de modificações que já
vinham se dando a partir da segunda metade dos anos 20, no estado de Mato Grosso, e que
haviam resultado na aprovação do “Regulamento da Instrucção Publica Primaria do Estado de
Matto-Grosso” (Decreto nº 759, de 22 de abril de 1927).
A este quadro de crise vem juntar-se outras preocupações dos governos estaduais e
central na década de 30, na verdade sempre presentes no discurso do Estado quando se falava
das características peculiares a Mato Grosso, como a sua pequena densidade populacional,
aliada à sua distante localização em relação aos centros dinâmicos da economia nacional. Em
outros termos, no pronunciamento de Getúlio Vargas ao tratar desta questão, existiam duas
fronteiras: uma de natureza política — qual seja, a fronteira representada pelos limites
territoriais propriamente ditos; e uma fronteira econômica, cuja característica era ser uma
fronteira móvel, cuja tendência deveria ser sua progressiva integração e expansão, alcançando
desta forma a necessária coincidência entre esta última e a fronteira política. Por isso,
“Uma faixa é agente e sujeito da economia nacional; a outra é, apenas,
objeto, servindo como mercado de consumo de manufaturas, em troca de
matérias primas ou produtos extrativos. Naturalmente, a consequência mais
imediata do fato é que uma parte dos brasileiros vive em condições de vida
peculiares à fase colonial, enquanto a outra mostra uma evolução econômica
acelerada. Exemplos exatos dos dois tipos encontramos nas unidades
federais de São Paulo e Mato Grosso.” (VARGAS, 1938: 189)
Para que se revertesse essa situação seria necessária a presença do Estado, dado sua
importância no direcionamento das atividades produtivas de Mato Grosso.
Tais medidas, contudo, esbarraram não só na desagregação político-administrativa que
se seguiu aos primeiros anos após a instalação do governo revolucionário mas principalmente
na capacidade financeira do estado, no período de crise inaugurado a partir do crash de 1929.
Desta feita, a intenção de promover-se de forma intensiva o alargamento das fronteiras
econômicas, o que exigiria investimentos do Estado em infra-estrutura, no setor produtivo,etc,
transformou-se, na prática dos diversos governantes que assomaram ao executivo estadual,
entre 1930 e 1945 — oito interventores e dois governadores — numa política de uma nota só,
qual seja, um intensivo combate ao crônico déficit público do Estado. Esta política foi
representada, concretamente, pelas medidas clássicas de corte de despesas, provocando, entre
outros, atrasos sistemáticos nos vencimentos do funcionalismo e nos pagamentos em geral de
responsabilidade do governo, junto a seus fornecedores.
Esta crise, contudo, também contribuiu para dar continuidade ou iniciar algumas
modificações na base produtiva do Estado, sobretudo na região sul de Mato Grosso.
Exemplos disso foram as melhorias introduzidas no criatório bovino, entre elas: 1. a
progressiva generalização do gado zebu, em substituição ao crioulo, inclusive na região da
planície pantaneira; 2. o cercamento e a divisão das fazendas, visando uma criação
acompanhada do rebanho, contrária, portanto, à idéia de gado livre, criado a solta, em
propriedades de grande extensão, o que implicou igualmente no abandono da organização
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Região situada no entorno da planície pantaneira, cuja principal cidade é Campo Grande.
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parte deste segundo grupo incluiu grupos sociais que não se constituíram, pelo menos
inicialmente, como grandes proprietários de terras, marca característica da classe dominante
no Estado, durante a República Velha. Entre seus membros mais representativos estava a
família Müller, que alcançará grande influência em todo Mato Grosso e inclusive no país,
principalmente em razão de sua marcante atuação na burocracia estatal2.
Assim, pode-se concluir dizendo que no plano político-institucional a situação de
Mato Grosso foi constantemente agitada pela disputa que se estabeleceu entre os grupos
anteriormente citados, período esse que se esgotou com o início do Estado Novo.
Simultaneamente, este momento histórico que vai de 1930 a 1937 também foi de crise no
plano econômico, crise essa que agravou a situação sempre precária das finanças públicas do
executivo estadual. Neste sentido, adotando políticas ortodoxas nos setores fiscais e
monetários, poucos foram os investimentos realizados pelo Estado no período,
particularmente nos setores sociais, inclusive em educação. Tanto em termos financeiros
como administrativos, as estruturas existentes permaneceram no mais das vezes conservadas
em seus traços mais gerais, apesar dos vários interventores e governadores que estiveram a
frente do executivo estadual nestes sete anos.
Em termos mais gerais, quanto às políticas públicas, somente no período ditatorial,
entre 1937 e 1944, serão implementadas reformas no plano administrativo, voltadas
principalmente para a reorganização e centralização dos organismos estatais. Apesar do
alcance aparentemente limitado destas reformas, principalmente aquelas que atingiram o setor
educacional, foi nestes anos que se lançaram as bases para as medidas que seriam
implementadas pelo Estado após 1945, sobretudo aquelas voltadas para a racionalização do
processo de controle e gestão do sistema escolar — importantes para a concretização, em
Mato Grosso, das diretrizes do governo Vargas, visando principalmente a consolidação de
uma educação nacional. Pelos próprios limites impostos a este processo nestes primeiros
quinze anos que se seguiram ao movimento revolucionário de 1930, a (re)organização do
ensino escolar em Mato Grosso, como se verá a seguir, não chegou a motivar, por exemplo, a
definição de um novo corpus legal, permanecendo em vigor até 1952, em Mato Grosso, a
legislação implementada a partir de 1927, o que será examinado na continuidade deste
trabalho.
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Simultaneamente, foi esta burocracia a exercer o papel de intermediação entre o governo central e as distintas
frações de classe presentes na sociedade civil de Mato Grosso, o que incluía não só os diferentes grupos da
classe dominante mas também os trabalhadores, num momento de dificuldade para a organização autônoma dos
mesmos, frente aos golpes e ou manobras cooptadoras do governo getulista.
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São eles: Cuiabá, Coxipó da Ponte, Guajará-Mirim, Livramento, Santo Antonio do Rio Abaixo, Poconé,
Rosário Oeste, São Luiz de Cáceres, Aquidauana, Campo Grande, Corumbá, Três Lagoas, Ponta Porã, Sant’Ana
do Paranaíba, Miranda e Coxim.
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A criação destas escolas não significava seu funcionamento imediato, dadas as dificuldades com o provimento
de professores, principalmente quando situadas em zonas rurais.
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É interessante frisar que desde 1937, em Cuiabá, funcionava a Escola Noturna Pedro Gardés, que atendia
simultaneamente alunos trabalhadores que não dispunham de tempo para a escola diurna e aqueles que não
puderam freqüentar, regularmente, o ensino primário fundamental.
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sul do estado, como Corumbá, Campo Grande e Dourados. Este mesmo crescimento
colaborou, certamente, para a localização acentuada das matrículas do ensino primário
público em escolas urbanas, muito embora o grande número de estabelecimentos situados na
zona rural. Da mesma forma, apesar do elevado número de escolas rurais, situavam-se
também aí os maiores índices de evasão da população discente presente em escolas públicas
primárias em Mato Grosso.