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ESCOLA PÚBLICA E SOCIEDADE NA FRONTEIRA OESTE DO BRASIL: MATO

GROSSO (1930/1945)
SILVIA HELENA ANDRADE DE BRITO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL, CORUMBÁ/MS

Este trabalho possui dois objetivos centrais. Primeiramente, apresentar alguns aspectos
do contexto histórico no qual se inseria o estado de Mato Grosso nos primeiros quinze anos
que se sucederam ao movimento de 1930. Em segundo lugar, pretende mostrar como a
questão educacional — particularmente o ensino primário público — desenvolveu-se nesta
mesma região, nestes anos, como parte do processo histórico anteriormente esboçado.
A característica principal deste período, no âmbito educacional, é o processo de
(re)organização pelo qual passa a educação pública mato-grossense, especialmente a escola
primária. Dito de outra forma, isto significou o início da conformação de uma rede de ensino
no estado, organizada a partir de critérios de âmbito nacional; com especial atenção, em Mato
Grosso, para a discussão em torno da unidade pedagógica e organizacional das escolas
primárias isoladas. É importante frisar que estas transformações não estavam ocorrendo de
forma independente, sendo, contudo, parte do processo de mudanças pelas quais passavam
Estado e sociedade, no Brasil, neste período; assim como não tiveram, no campo educacional,
os anos 30 como marco inicial, mas estavam inseridas num conjunto de modificações que já
vinham se dando a partir da segunda metade dos anos 20, no estado de Mato Grosso, e que
haviam resultado na aprovação do “Regulamento da Instrucção Publica Primaria do Estado de
Matto-Grosso” (Decreto nº 759, de 22 de abril de 1927).

1. Aspectos históricos de uma fronteira longínqua


Os anos 30, em Mato Grosso, iniciaram-se com o estado sentindo os reflexos da crise
econômica que abalava o país, ainda sob o impacto dos acontecimentos que envolveram o
conjunto do mundo capitalista, principalmente a partir de 1928/1929. Neste sentido, a crise do
final da década de 20 dificultou a comercialização dos produtos mato-grossenses — entre eles
aqueles ligados a pecuária —, principalmente frente aos problemas enfrentados pelo principal
mercado consumidor destes bens, o estado de São Paulo. Este último, profundamente abalado
pela desvalorização cambial que se seguiu a quebra da bolsa de Nova York, que fez caírem os
preços internacionais do café, retraiu suas compras no mercado interno, vindo a afetar
igualmente a economia mato-grossense. Além da pecuária, também foram atingidas a
comercialização da erva-mate, da borracha e do açúcar, três outros produtos importantes na
economia local.
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A este quadro de crise vem juntar-se outras preocupações dos governos estaduais e
central na década de 30, na verdade sempre presentes no discurso do Estado quando se falava
das características peculiares a Mato Grosso, como a sua pequena densidade populacional,
aliada à sua distante localização em relação aos centros dinâmicos da economia nacional. Em
outros termos, no pronunciamento de Getúlio Vargas ao tratar desta questão, existiam duas
fronteiras: uma de natureza política — qual seja, a fronteira representada pelos limites
territoriais propriamente ditos; e uma fronteira econômica, cuja característica era ser uma
fronteira móvel, cuja tendência deveria ser sua progressiva integração e expansão, alcançando
desta forma a necessária coincidência entre esta última e a fronteira política. Por isso,
“Uma faixa é agente e sujeito da economia nacional; a outra é, apenas,
objeto, servindo como mercado de consumo de manufaturas, em troca de
matérias primas ou produtos extrativos. Naturalmente, a consequência mais
imediata do fato é que uma parte dos brasileiros vive em condições de vida
peculiares à fase colonial, enquanto a outra mostra uma evolução econômica
acelerada. Exemplos exatos dos dois tipos encontramos nas unidades
federais de São Paulo e Mato Grosso.” (VARGAS, 1938: 189)

Para que se revertesse essa situação seria necessária a presença do Estado, dado sua
importância no direcionamento das atividades produtivas de Mato Grosso.
Tais medidas, contudo, esbarraram não só na desagregação político-administrativa que
se seguiu aos primeiros anos após a instalação do governo revolucionário mas principalmente
na capacidade financeira do estado, no período de crise inaugurado a partir do crash de 1929.
Desta feita, a intenção de promover-se de forma intensiva o alargamento das fronteiras
econômicas, o que exigiria investimentos do Estado em infra-estrutura, no setor produtivo,etc,
transformou-se, na prática dos diversos governantes que assomaram ao executivo estadual,
entre 1930 e 1945 — oito interventores e dois governadores — numa política de uma nota só,
qual seja, um intensivo combate ao crônico déficit público do Estado. Esta política foi
representada, concretamente, pelas medidas clássicas de corte de despesas, provocando, entre
outros, atrasos sistemáticos nos vencimentos do funcionalismo e nos pagamentos em geral de
responsabilidade do governo, junto a seus fornecedores.
Esta crise, contudo, também contribuiu para dar continuidade ou iniciar algumas
modificações na base produtiva do Estado, sobretudo na região sul de Mato Grosso.
Exemplos disso foram as melhorias introduzidas no criatório bovino, entre elas: 1. a
progressiva generalização do gado zebu, em substituição ao crioulo, inclusive na região da
planície pantaneira; 2. o cercamento e a divisão das fazendas, visando uma criação
acompanhada do rebanho, contrária, portanto, à idéia de gado livre, criado a solta, em
propriedades de grande extensão, o que implicou igualmente no abandono da organização
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familiar enquanto modelo administrativo nas propriedades, com a incorporação de alguns


padrões empresariais nestas fazendas (CORRÊA FILHO, 1946: 121). 3. a utilização de
algumas espécies gramíneas novas nas pastagens, em substituição ao uso exclusivo do pasto
nativo.
Além disso, apesar de todas as limitações existentes na Estrada de Ferro Noroeste, a
via férrea trouxe melhorias no sistema de transporte, permitindo que parte da carne exportada
pelo estado, particularmente da região pantaneira e dos Campos da Vacaria1, ainda que
transportado in vivo, não tivesse que percorrer a pé a distância existente entre os centros
produtores, por um lado, e as regiões de engorda e empresas de beneficiamento, por outro,
instaladas no estado de São Paulo.
Outra modificação na base produtiva do Estado foi a incrementação do setor agrícola no
extremo sul do estado, centralizado no município de Dourados. Este processo iniciou-se com
os Programas Federais de Colonização, que levou à criação, em Mato Grosso, da Colônia
Agrícola Nacional de Dourados, pelo Decreto-lei nº 5.941, de 28 de outubro de 1943. O
objetivo do governo federal, com este projeto, era abastecer de cereais os mercados do centro-
sul do País. Apesar da pequena monta desta iniciativa, ao final deste período, em meados dos
anos 40, a região de Dourados começou a despontar dentro das estatísticas oficiais sobre Mato
Grosso.
Deram-se os passos iniciais, também no final deste período, para a ocupação da região
norte de Mato Grosso, cuja implementação coube aos governos posteriores a 1945, através do
mesmo modelo de colônias agrícolas, públicas e particulares. Entre os municípios que tiveram
seu crescimento impulsionado por este tipo de empreendimento estavam Rondonópolis e
Jaciara (RIBEIRO, [199-?]: 386 et seq.; SIQUEIRA, 1990: 255 et seq).
A crise dos anos 20/30, entretanto, não se limitou ao nível econômico. As mudanças
provocadas por esta crise determinaram igualmente transformações na estrutura social. Neste
sentido, a crise político-institucional que se seguiu ao movimento de 1930 mostrou, por um
lado, o progressivo enfraquecimento de representantes políticos dos grupos que
tradicionalmente vinham dirigindo o Estado em todo o período republicano anterior, como era
o caso das famílias Murtinho, Paes de Barros, Ponce, entre outras. Por outro lado, deu-se o
fortalecimento de outras facções, representando grupos de fazendeiros que tornaram-se
importantes, do ponto de vista econômico, sobretudo na região sul do estado, em grande parte
pelo sucesso alcançado no criatório bovino daquela parte de Mato Grosso, nestes anos. Outra

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Região situada no entorno da planície pantaneira, cuja principal cidade é Campo Grande.
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parte deste segundo grupo incluiu grupos sociais que não se constituíram, pelo menos
inicialmente, como grandes proprietários de terras, marca característica da classe dominante
no Estado, durante a República Velha. Entre seus membros mais representativos estava a
família Müller, que alcançará grande influência em todo Mato Grosso e inclusive no país,
principalmente em razão de sua marcante atuação na burocracia estatal2.
Assim, pode-se concluir dizendo que no plano político-institucional a situação de
Mato Grosso foi constantemente agitada pela disputa que se estabeleceu entre os grupos
anteriormente citados, período esse que se esgotou com o início do Estado Novo.
Simultaneamente, este momento histórico que vai de 1930 a 1937 também foi de crise no
plano econômico, crise essa que agravou a situação sempre precária das finanças públicas do
executivo estadual. Neste sentido, adotando políticas ortodoxas nos setores fiscais e
monetários, poucos foram os investimentos realizados pelo Estado no período,
particularmente nos setores sociais, inclusive em educação. Tanto em termos financeiros
como administrativos, as estruturas existentes permaneceram no mais das vezes conservadas
em seus traços mais gerais, apesar dos vários interventores e governadores que estiveram a
frente do executivo estadual nestes sete anos.
Em termos mais gerais, quanto às políticas públicas, somente no período ditatorial,
entre 1937 e 1944, serão implementadas reformas no plano administrativo, voltadas
principalmente para a reorganização e centralização dos organismos estatais. Apesar do
alcance aparentemente limitado destas reformas, principalmente aquelas que atingiram o setor
educacional, foi nestes anos que se lançaram as bases para as medidas que seriam
implementadas pelo Estado após 1945, sobretudo aquelas voltadas para a racionalização do
processo de controle e gestão do sistema escolar — importantes para a concretização, em
Mato Grosso, das diretrizes do governo Vargas, visando principalmente a consolidação de
uma educação nacional. Pelos próprios limites impostos a este processo nestes primeiros
quinze anos que se seguiram ao movimento revolucionário de 1930, a (re)organização do
ensino escolar em Mato Grosso, como se verá a seguir, não chegou a motivar, por exemplo, a
definição de um novo corpus legal, permanecendo em vigor até 1952, em Mato Grosso, a
legislação implementada a partir de 1927, o que será examinado na continuidade deste
trabalho.

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Simultaneamente, foi esta burocracia a exercer o papel de intermediação entre o governo central e as distintas
frações de classe presentes na sociedade civil de Mato Grosso, o que incluía não só os diferentes grupos da
classe dominante mas também os trabalhadores, num momento de dificuldade para a organização autônoma dos
mesmos, frente aos golpes e ou manobras cooptadoras do governo getulista.
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2. A (re)organização do ensino primário público mato-grossense


No início dos anos 30, a educação escolar em Mato Grosso ainda está às voltas com
dois dos principais problemas enfrentados pelo setor durante a República Velha. Por um lado,
os limites impostos à organização de um sistema de ensino de âmbito estadual, dadas as
condições sócio-econômicas do Estado, de população rarefeita, espalhada por milhares de
quilômetros quadrados. Território que, em sua grande maioria, não chegava a ser atingido
pelos tentáculos das ações estatais. Por outro, em se tratando das escolas públicas, a forma
precária como eram aplicadas as verbas estatais no setor educacional, cujos recursos
encontravam destinação certa no atendimento das prioridades “do dia”, definidas pelas
disputas entre os diversos grupos de pressão — representando os interesses de usineiros, ou
de pecuaristas, ou da empresa Mate Laranjeira, entre outros — em luta pelo poder estatal.
Em termos organizacionais, o “Regulamento da Instrucção Publica Primaria do Estado
de Matto-Grosso” (Decreto nº 759, de 22 de abril de 1927), em vigor neste momento, previa a
existência de cinco tipos de escolas primárias públicas: a) as escolas isoladas rurais,
abrangendo todos os estabelecimentos escolares situados a mais de três quilômetros da sede
do município, com dois anos de duração; b) as escolas isoladas urbanas, incluindo as escolas
localizadas num raio de até três quilômetros das sedes municipais, abrangendo três anos de
estudo; c) os cursos noturnos, funcionando de forma semelhante às escolas isoladas urbanas
mas com uma clientela diferenciada, formados por alunos de 12 anos ou mais, trabalhadores,
que não podiam freqüentar as escolas diurnas; d) as escolas reunidas que, como o próprio
nome indica, agregava três ou mais escolas isoladas próximas, e que possuíam um mínimo de
80 alunos; e) os grupos escolares, com um mínimo de oito classes, que deveriam estabelecer-
se em regiões onde houvessem pelo menos 250 crianças em idade escolar.
Durante todo este período mantem-se alto o percentual de escolas isoladas no conjunto
de estabelecimentos existentes, sendo que, em média, 90,8% das escolas primárias existentes
no estado são isoladas, enquanto 4,3% e 4,7% do conjunto de estabelecimentos são compostos
por grupos escolares e escolas reunidas, respectivamente (IBGE, 1940: p. 932.; MATO
GROSSO, 1930: p. 42.; MATO GROSSO, 1937: 20.; MATO GROSSO, 1940: 8-11.; MATO
GROSSO, 1942: 16-17). Nota-se, contudo, a partir de 1937, uma tendência ao crescimento da
participação, no conjunto das escolas, de unidades de ensino representadas por grupos e
escolas reunidas, sobretudo a segunda, que teve seu número praticamente duplicado entre
1937 e 1939, passando de 12 para 22 unidades. Simultaneamente, dois novos grupos escolares
foram criados, enquanto o número de escolas isoladas cresceu em apenas nove
estabelecimentos, aumentando sua participação para 86,5% e 87,1%, em 1939 e 1942. Desta
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forma, à medida que se avançava em direção a década de 40, a reorganização do sistema


educacional em Mato Grosso, na esfera pública, tendia a privilegiar uma maior participação
de unidades de ensino integrado no cômputo geral de escolas.
Diretiva esta, aliás, já presente na política educacional do Estado desde o Regulamento
de 1927 (MATTO-GROSSO, 1927: 4),uma vez que este texto legal defendia expressamente a
criação de escolas reunidas, visando o agrupamento de alunos, dadas as possibilidades de
desenvolvimento do trabalho educacional, em melhores condições físicas e pedagógicas.
Apesar da insistência de várias administrações estaduais sobre a mesma questão, desde
1930 (MATO GROSSO, 1930: 6;42; MATO GROSSO, 1942: 17) e do aumento das unidades
agrupadas a partir de 1937, o crescimento no número de estabelecimentos escolares parece ter
avançado majoritariamente no sentido de reforçar a presença de escolas isoladas. Neste
sentido, quando considerado apenas o conjunto de estabelecimentos públicos, percebe-se que
a escola pública (diferentemente da escola particular), era majoritariamente isolada e rural,
apesar da tendência apontada anteriormente, no sentido da participação decrescente da escola
isolada no conjunto de unidades escolares públicas.
Desta forma, as intenções do Estado em agrupar a rede pública de ensino foram
limitadas pelas condições sócio-econômicas presentes na realidade mato-grossense, quais
sejam, a dispersão populacional, fruto de um tipo de ocupação territorial que se baseava em
atividades de cunho extensivo, como a pecuária e as atividades extrativas; sendo que, apenas
os municípios3 com alguma importância no quadro regional foram contemplados com a
presença de escolas reunidas e grupos escolares, neste período. Para as outras cidades e zona
rural, eram destinadas as escolas isoladas urbanas, públicas e particulares, no primeiro caso;
ou escolas isoladas públicas, no segundo.
Da mesma forma, ainda em 1942, entre os eventos assinalados como significativos
pelo governo estadual na área escolar estava a criação de 100 escolas primárias, isoladas,
conhecidas pela denominação comum que foi dada a todas elas, de Escola Estadual Getúlio
Vargas, numa homenagem ao titular da Presidência da República4.
Outro indicador das condições do ensino primário nestes anos é o número de
matrículas registradas neste setor educacional (IBGE, 1940: 968; 970; 971; IBGE, 1947: 443-
444; MATO GROSSO, 1939: 11-13). Em termos absolutos, entre 1935, quando foram

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São eles: Cuiabá, Coxipó da Ponte, Guajará-Mirim, Livramento, Santo Antonio do Rio Abaixo, Poconé,
Rosário Oeste, São Luiz de Cáceres, Aquidauana, Campo Grande, Corumbá, Três Lagoas, Ponta Porã, Sant’Ana
do Paranaíba, Miranda e Coxim.
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A criação destas escolas não significava seu funcionamento imediato, dadas as dificuldades com o provimento
de professores, principalmente quando situadas em zonas rurais.
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registradas 26.515 matrículas, e 1942, quando as matrículas totalizaram 28.248, registrou-se


uma variação de 6,5% de alunos a mais no ensino primário em todo o estado.
Dentre os níveis de ensino atingidos por esse crescimento, predominaram os alunos
matriculados no chamado ensino primário fundamental comum, público e primário — que
abrangia as cinco séries iniciais desta modalidade de ensino, excetuando-se as classes do pré-
primário (maternal e infantil), do supletivo e do ensino complementar. Em todos estes anos,
mais de 90,0% de todo o corpo discente encontrava-se alocado nas quatro séries da escola
fundamental, já que o 5º ano, preparatório para o ingresso na escola secundária, só registrou
alunos matriculados a partir de 1942. Outro dado significativo é o grande número de alunos
egressos do ensino primário, quando consideradas as várias séries do mesmo. Ao longo do
período 1935 a 1937, enquanto cerca de 80,0% dos alunos localizam-se na 1ª e 2ª séries,
apenas 20,0% dos mesmos estão alocados nas séries finais (3ª a 5ª séries). Isso indica, na
verdade, o alto índice de evasão da escola primária, que chega a registrar, em 1942, 64,5%
dos seus alunos matriculados na 1ª série, quando apenas 6,1% chegaram, neste ano, às duas
últimas séries finais. Questão essa, aliás, que vem somar-se às outras deficiências já apontadas
em relação à educação em Mato Grosso.
Sobre o ensino supletivo, não são encontrados dados para outros anos deste período,
exceto para o ano de 19395. Das matrículas aí registradas, 325 eram de alunos matriculados
em Cuiabá (61,0%), ficando o restante (208 alunos, ou 39,0% do total de matrículas)
espalhadas pelo interior do Estado.
A escola complementar, prevista em lei pelo Regulamento de 1927, funcionava como
curso de transição entre os ensinos primário e secundário. Tinha este curso duração de um
ano, sendo que a gratuidade do ensino primário estendia-se a este último. O pequeno
crescimento verificado no número de alunos matriculados no curso complementar, neste
período (de 1,9% das matrículas do ensino primário em 1935, chegou a 2,6% em 1942),
refletia a mesma tendência apontada acima, de afunilamento do número de alunos
matriculados nos últimos anos do ensino primário, ainda mais que desta feita tratavam-se dos
estudantes que pretendiam ingresso no ensino secundário. Além disso, estes cursos
localizavam-se sobretudo nas maiores cidades, em geral aquelas que possuíam grupos
escolares e ou escolas reunidas, e como dito acima, seus alunos deviam dirigir-se ao grau

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É interessante frisar que desde 1937, em Cuiabá, funcionava a Escola Noturna Pedro Gardés, que atendia
simultaneamente alunos trabalhadores que não dispunham de tempo para a escola diurna e aqueles que não
puderam freqüentar, regularmente, o ensino primário fundamental.
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seguinte de escolaridade, cujas unidades, neste momento, reduziam-se a algumas cidades do


estado, como Cuiabá, Campo Grande, Corumbá, entre outras.
Outro fator que vem somar-se aos anteriores é a localização dos alunos matriculados.
Assim, em média 68,5% dos alunos matriculados estavam na zona urbana — incluindo-se aí
as escolas distritais — com 31,5% dos alunos, em média, freqüentando as escolas rurais.
Conhecidas as dificuldades para a manutenção das escolas rurais, pode-se concluir que era
neste setor do ensino primário que se concentravam os maiores índices de evasão, acrescidos
do fato de que estas escolas normalmente abrangiam apenas dois anos de escolaridade. Daí
que a maior parte das matrículas estivessem concentradas nas escolas citadinas.
Finalmente, em relação à distribuição das matrículas quanto a dependência
administrativa, a tendência neste momento, em nível de Brasil, com a predominância da
presença do ensino primário estadual, também revela-se em Mato Grosso, em que cerca de
61,4% das matrículas são de alunos oriundos da escola primária filiada ao governo estadual.
O ensino primário municipal, ainda pouco expressivo, embora aumentando sua participação
no início dos anos 40, conta com aproximadamente 9,6% dos alunos matriculados, em média.
Em relação ao financiamento da educação (CAMERON, 1932: 14;16.; CAMERON,
1934: 8.; MATO GROSSO: 1936; MATO GROSSO: 1937), pode-se constatar que houve
uma oscilação bastante significativa no montante de verbas destinadas à educação neste
período. A década foi iniciada com 12,0% do total da despesa, em 1930, sendo destinado à
educação, tendo um crescimento que elevou este percentual a 19,1% e 18,2% em 1933 e
1934, sendo estes, inclusive, anos de baixa arrecadação no estado, que ainda enfrentava os
efeitos da crise do final dos anos 20. Finda-se a primeira metade dos anos 30, contudo, com a
verba para o ensino público voltando às marcas do início da década, 12,7% e 11,0%, em 1935
e 1936. A partir de 1937 (LEITE, Gervásio, [1970]: 158; MATO GROSSO, 1942: 17; 50.;
IBGE, 1947: 465) este montante volta a crescer, para alcançar um patamar médio de 16,0%
até o início da década de 40, voltando a cair no pós-guerra (11,1% em 1944 e 12,1% em
1945).
Quanto a composição dos gastos efetuados com a instrução pública, a documentação
disponível possibilita o levantamento de algumas inferências sobre o tema. Conforme
destacado anteriormente, ficou em 32,1% entre 1930 e 1937 e 8,4% entre 1937 e 1942 o
crescimento do número de estabelecimentos primários públicos. O número de alunos
matriculados em escolas públicas estaduais e municipais, contudo, sofreu uma variação
positiva de apenas 0,4% entre 1935 e 1937 mas cresceu a partir de 1937 até 1942, em média,
18,1%, no ensino primário. Daí deduz-se que as despesas públicas na área educacional
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tenham sido alocadas, preferencialmente, para o setor de aluguel e reparos de imóveis — já


que a maioria das escolas não contava com imóveis próprios — e aparelhamento dos
estabelecimentos escolares já existentes, permitindo assim a expansão do número de cursos e
vagas oferecidas, sem que necessariamente fossem abertas novas escolas.
Desta forma, à guisa de conclusão, pode-se dizer que este primeiro período da ação
estatal pós-30, em Mato Grosso, caracteriza-se pela tentativa de dar um caráter orgânico ao
conjunto de estabelecimentos públicos primários.
Neste sentido, as perspectivas de implantação de reformas mais amplas no setor
educacional público primário teriam que enfrentar alguns limites concretos para sua
efetivação, neste momento particular, principalmente no período que antecedeu a implantação
do Estado Novo. Entre eles, a crise monetária e fiscal enfrentada pelo Estado em nível de
Brasil, cujas repercussões estendiam-se aos poderes públicos instalados nas várias unidades
federativas do país, ainda como reflexo da crise mais geral apontada anteriormente. Da
mesma forma, as repercussões do processo político-institucional em curso, marcado pela
transição para um novo modelo de atuação do Estado e, simultaneamente, pela ascensão de
novas camadas sociais no plano político, também dificultavam a continuidade de qualquer
projeto reformista. Neste sentido, medidas mais concretas e com maior durabilidade
começaram a se esboçar fundamentalmente a partir de 1937, com a gestão do interventor
federal Julio Strübing Müller.
Apesar disso, nestes anos já se percebe um certo crescimento no atendimento do setor
público na área educacional, embora a maioria das escolas primárias ainda sejam isoladas e
situem-se na zona rural. Característica essa que não viria a transformar-se sobremaneira nos
anos seguintes, pelo menos em termos do conjunto do estado de Mato Grosso, mesmo com a
expansão do ensino público nos anos 50. Tal característica, no entanto, não poderia ser
diferente, visto que continuam sendo a pecuária e as atividades extrativas, principalmente a
erva-mate, os principais itens da pauta produtiva do estado, o que localizava a maioria da
população mato-grossense na zona rural.
Da mesmo forma, ainda durante o final deste período, principalmente na primeira
metade dos anos 40, vai crescendo a participação das escolas agrupadas urbanas, no cômputo
total de estabelecimentos escolares primários públicos existentes no estado. Não se pode
inferir disso, até porque os dados mostram outra tendência, um grande adensamento da malha
urbana em Mato Grosso, suficiente para contrapor-se ao fato de que a grande maioria de seus
rarefeitos habitantes estavam na zona rural, como dito anteriormente. Demonstra, no entanto,
a diferenciação sofrida por algumas regiões do estado, como foi o caso de algumas cidades do
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sul do estado, como Corumbá, Campo Grande e Dourados. Este mesmo crescimento
colaborou, certamente, para a localização acentuada das matrículas do ensino primário
público em escolas urbanas, muito embora o grande número de estabelecimentos situados na
zona rural. Da mesma forma, apesar do elevado número de escolas rurais, situavam-se
também aí os maiores índices de evasão da população discente presente em escolas públicas
primárias em Mato Grosso.

3. Referências bibliográficas e documentais:


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MATO GROSSO. Mensagem apresentada à Assembléia Legislativa e lida na abertura da 3ª
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ordinária da sua 1ª legislatura, em 13 de junho de 1936. Cuiabá: Imprensa Oficial, 1936.
MATO GROSSO. Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Getúlio Vargas — Presidente da
República pelo Bel. Julio Strübing Müller — Interventor Federal em Mato Grosso.
Cuiabá: Imp. Oficial, 1940.
MATO GROSSO. Relatório apresentado ao Sr. Dr. Getúlio Vargas pelo Bel. Julio Strübing
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Grosso (Decreto n. 759, de 22 de abril de 1927). Cuiabá: Typ. Official, 1927.
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