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VLADIMIR SAFATLE
Brasília
Em dois dias, Brasília completará 51 anos. Mas ela continua
sendo um corpo estranho no interior do Brasil.
Talvez nenhuma outra capital no mundo seja tão
incompreendida por seu próprio povo. Muito desta
incompreensão diz respeito à "ideia" de Brasília: a crença
modernista na força formadora da ideia.
A natureza modernista da ideia de Brasília encontra-se,
principalmente, em seu desejo inicial de reconfiguração do
que poderíamos chamar de "gramática urbana". Toda
verdadeira ideia é sempre um movimento de reconstrução
destes dados elementares que pareciam, até então,
absolutamente naturais e que, no caso de uma cidade,
compõem a gramática dos modos de ocupação do espaço.
Brasília foi, desde o início, um modo diferente de ocupar o
espaço. Não por outra razão, seu desenho urbano fora
inspirado no gesto mais elementar de tomar posse, ao abrir
os braços diante do vazio.
Desta forma, seu projeto tinha a força de suspender
dicotomias que, até hoje, destroem nossas cidades. A
diferença entre espaço público e espaço privado (no projeto
inicial, os elevadores abriam-se diretamente para o espaço
público), entre espaço vazio e espaço pleno (nada em
Brasília é tão pleno que não possa ser atravessado pela
abertura do vazio), entre vegetação original e intervenção
humana.
Tudo parecia procurar uma nova configuração em uma
cidade, graças ao gênio de Lucio Costa, que foi capaz de
aliar alta circulação em suas artérias e lentidão silenciosa em
torno de suas habitações.
Esta força da ideia de Brasília trazia, principalmente, a
promessa de construir seu próprio tempo. Em um cerrado
onde a natureza parece, a todo momento, querer voltar ao
nada, onde as árvores tortuosas parecem querer voltar ao
chão, Brasília era a afirmação de que toda verdadeira criação
alimenta-se de um impulso "ex nihilo", que vem do nada,
impondo um corte que nos faz ver, de uma forma bem
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Folha de S.Paulo - Vladimir Safatle: Brasília<br> - 19/04/2011 https://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1904201106.htm
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