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Copyright 2016
Roberto Herrera
Título Original: Relatos e Passagens
Rio de Janeiro: Brasil
Todos os direitos reservados
Catalogação:
▪ Relatos de viagem,
▪ Aventureiros & exploradores
▪ Montanhismo
ISBN: 978-1534713604
“Os homens marcham aos confins do mundo por diferentes motivos.
Alguns são impelidos somente pelo desejo da aventura; outros sentem
uma intensa sede de saber; os terceiros obedecem à sedutora chamada
de uma voz interior, ao encanto misterioso do desconhecido que os
afastam dos caminhos rotineiros da vida cotidiana...” Ernest Henry
Shackleton
Índice
Sonhos de um aventureiro
Parque Nacional Picos De Europa
Parque Nacional do Itatiaia
Travessia da Serra Fina
De volta ao Açu
Literatura de Montanha
A Alimentação na Montanha
Rumo à Patagônia
Sobre o autor
Sonhos de um aventureiro
Este livro é uma espécie de diário de bordo. Aqui estão reunidos os textos
que escrevi até hoje contando minhas experiências adquiridas nos últimos
cinco anos, pelas montanhas e parques nacionais que visitei. Embora tenha
adquirido o gosto de articular palavras, e ultimamente tenha praticado a
escrita todos os dias, não me considero um escritor profissional. É como se
alguém que apenas saiba uns acordes de violão e se auto-proclama como um
músico. Não é bem assim, creio. Ao meu ver, profissionalismo na escrita e
nas demais áreas, requer uma prática de anos. Portanto, peço desde já
desculpas pelos eventuais erros que o leitor encontrará pelo caminho. Espero
que não sejam muitos. Dei o meu melhor de mim, sem dúvidas.
Curioso pensar que antigamente, as pessoas escreviam seus pensamentos
num caderno e os escondiam a sete chaves, enquanto hoje em dia, fazemos
questão de publicar para qualquer um ler essa tal intimidade, como se isso
fosse algo útil, ou realmente interessasse alguém. Pareço não me importar
com este fato, e além disso, quem escreve, de certa forma, está condenado a
se expor. Tal como um cineasta que ao apontar sua câmera para qualquer
realidade, está fadado a se conformar com seu próprio ponto de vista, em
detrimento dos demais pontos possíveis ao seu redor. Portanto, aqui vou eu.
Tenho estranhado a vida numa grande metrópole, como o Rio de Janeiro.
As correrias do dia a dia, os longos deslocamentos, as fobias, a competição,
as tragédias, a corrupção. Tudo isso me faz ver o estilo de vida urbano muito
prejudicial, em vários aspectos, principalmente ao da saúde. Diante disso,
cria-se um movimento interior de escape, como se tratasse de uma
autodefesa. As montanhas aqui, são como um movimento de fuga rumo ao
isolamento, onde acredito que encontrarei um algo a mais. Acredito que no
meu caso, as montanhas são a busca por uma intensa sensação de liberdade;
sei que os grandes espaços ao ar livre podem nos fornecer isso. Esse
movimento pode ser visto também como uma fuga do cotidiano. Além disso,
trata-se, ao mesmo tempo, de uma fuga para o encontro direto comigo
mesmo. Na montanha, o que me fascina é ir ao limite de nossas capacidades,
e neste limite podemos nos conhecer melhor. Tanto a si mesmo, quanto os
que nos acompanham nesses aventuras. É um lugar onde estamos
fortalecendo tanto o nosso autoconhecimento quanto nossas relações com as
outras pessoas. As experiências na montanha nos ajuda para enfrentar a vida
fora delas.
Neste momento estou pensado em dar um novo rumo à minha vida,
conhecer novas pessoas, e em como fazer com que minha paixão por grandes
espaços se incorpore de vez em meu cotidiano. Na verdade, estou como que
buscando algo, talvez espiritual, que projeto nesses lugares sobre os quais
sonho e escrevo. Quando me vejo escrevendo isto dá até a impressão do que
preciso mesmo é de um psicólogo, ou um coach profissional. Mas o que eles
me diriam se meus sonhos tem a ver com reviravoltas mirabolantes? Viver de
reportagens sobre os confins do mundo patagônico e outros lugares remotos,
desbravar os Andes de sul ao norte, as montanhas rochosas, percorrendo-as
do estado de Montana ao Alasca, na América do Norte; fazer um curso de
escalada em Chamonix na França, e explorar as Dolomitas na Itália, conhecer
a altitude dos Himalaias. E o dinheiro para isso? E os meus sonhos entre eles?
Neste momento resta-me escrever, apenas. Esta é uma forma de viajar
também, e de certa maneira, estou confortável com isso. Acho que muitos
aventureiros passam por situação parecida, onde seus sonhos não cabem em
seus bolsos. Outros mais resolvidos diriam que isso é uma desculpa. Quantos
casos como o esse já não houve, em que o sonhador simplesmente decide
partir em busca de suas miragens de um grande mundo afora, muitas vezes
estilizado em seu interior, como se o lado bom estivesse lá e não aqui;
confiando que a vida, e sua harmonia oculta, se encarregará de trazer-lhe
surpresas agradáveis?
Talvez eu coloque a desculpa na falta de dinheiro por saber que não
abandonarei minha família (nem meu cachorro) e as responsabilidades do lar
por uma causa egoísta, que é viajar por aí, para o meu próprio prazer. Sei
também que conquistarei alguns desses sonhos de qualquer maneira, cedo ou
tarde. Entretanto, receio que uma vida só não será suficiente para alcançar
todos eles. Quem sabe? Estou com 30 anos, e meus sonhos de montanha
começaram apenas há 5 anos atrás, os que já realizei estão escritos aqui, nos
capítulos que seguirão. Mas montanhas nunca serão o suficiente, trata-se de
um desejo insaciável. São essas as montanhas de minha mente. Quando se
está nelas, sobretudo quando enfrentamos uma dificuldade passageira,
pensamos que porra estou fazendo aqui? Mas justo ao regresar para minha
zona de conforto, e olhando para trás tudo que vivi naqueles espaços
grandiosos e magnéticos para minha alma, o bichinho montanhês me morde
novamente, e vem aquele desejo de começar de novo. As visões do mundo
em harmonia, a certa paz interior, meu ser presente. A jornada. Uma espécie
de vício, que faz parecer com que a vida nas cidades pareça simplesmente
chata. Enquanto que o único antídoto para isso é simplesmente partir.
Parque Nacional Picos De Europa
Quando chegamos à Potes já era bem tarde na noite, pela sombra da lua
via-se a silhueta de montanhas enormes ao fundo, causando verdadeira
ansiedade por vê-las à luz do dia. O vilarejo é muito simpático, e como em
qualquer lugar da Espanha, come-se muito bem. Dispõem de uma farta oferta
de lojas artigos de montanha, mercados, hotéis e acampamentos com toda
infraestrutura. Havia apenas poucos restaurantes abertos quando chegamos, e
somente algumas pessoas pela rua. Seguimos para perto dos acessos ao
parque pelo teleférico, um local chamado Fuente De, onde ingressamos num
acampamento bem próximo ao estacionamento principal deste acesso ao
parque. Embora tarde, fomos bem recebidos pelo pessoal. Ainda na recepção,
compramos um mapa do parque, e numa rápida conversa com o dono do
local, percebemos que o melhor a se fazer no dia seguinte era seguir a trilha
que nos leva ao refúgio Collado Jermoso.
Ainda de madrugada, montamos o acampamento em silêncio para não
incomodar os outros hóspedes do local. No dia seguinte bem cedo,
acordamos por volta das 6h00 da manhã, cheios de disposição e de ansiedade
por ver o ambiente ao nosso redor. Na luz do dia, o acampamento já nos
oferecia um panorama animador, cercados por formações rochosas
impressionantes. Estávamos nitidamente num vale. Após o café, separamos o
material necessário para subir o maciço central do parque, optando por 2
mochilas leves, com mais ou menos 6kg cada um. Deixamos o carro no
estacionamento com o material do campo base, e por volta das 9h00,
iniciamos a da trilha saindo de Fuente De com destino ao Refúgio Collado
Jermoso, a 2400 metros de altitude.
A primeira etapa é sem dúvida a mais exigente da caminhada, como
acontece com toda ascensão às partes altas das montanhas. Caminhamos
entre dois picos, chamados Tornos de Liordes, por uma subida 5.5km em
zigzag bastante íngreme, saímos de Fuente De a 1052m até 1900m, no vale
Vega de Liordes. Subindo por um terreno difícil, e rochoso. Não obstante, a
paisagem vista desde a altitude alcançada, nos compensava a cada metro
conquistado. Olhar para frente era olhar para o alto. Era neste momento que
sentíamos nossos corpos recebendo um tremendo desafio, e cada um deveria
encontrar seu próprio ritmo de passo. Numa subida assim é melhor não
forçar, ainda mais pessoas fisicamente despreparadas quanto éramos. Neste
caso, pelo menos eu não era muito acostumado a exercícios físicos regulares,
portanto, como quase do nada, de repente enfrentar aquelas encostas, era uma
atividade um tanto exigente. Hoje em dia penso que estou muito mais
condicionado, e já não me assusto com esse tipo de desnível. De todas as
maneiras, estes primeiros dias de atividade são muito importantes para
adaptação do corpo frente ao esforço enfrentado. Após esse período, é nítida
a diferença de como se percebe o próprio corpo, e de como ele ganha
resistência, sobretudo com uma alimentação e hidratação adequadas.
Com estes dois fatores em dia, os dias de caminhada por essas trilhas
deixam seu organismo visivelmente mais disposto e resistente. Mas a subida
é longa, e requer paciência. Quando o desgaste bate forte, procuro não me
queixar das dificuldades, mas absorver e me concentrar na pura sensação
deste cansaço. É incrível como a mente trabalha entre movimento de opostos:
no meu caso, quando evito pensar na fadiga, mais cansado fico, por outro
lado, quando somente observo o estado do corpo exausto, e então me deparo
com a realidade, eis o momento em que encontro a energia necessária para
seguir. Todos os sentidos estão em alerta. Sinto que nessas etapas mais
exigentes da subida, é necessário observar a si mesmo e ao corpo frente ao
esforço, ter paciência, confiando numa recompensa, que em casos como este,
trata-se mesmo do fim da subida.
Terminamos o primeiro trecho de elevação em 2h30, em seguida paramos
para um merecido e esperado lanche em Vega de Liordes. Um vale que é ao
mesmo tempo um imenso e pitoresco campo de altitude, onde o ruído do
vento passando por nós, a amplitude do espaço com suas belas formações
rochosas ao fundo, junto dos animais nas pastagens, dão-nos uma incrível
sensação de liberdade. Neste ponto já não há na paisagem vestígios de
civilização, exceto nós mesmos e os outros passageiros, e as placas
sinalizando a trilha ao refúgio. Depois do lanche de trilha, nos aproximamos
do caminho que segue ainda Vega de Liordes. Neste momento um grupo de
caminhantes pergunta-nos se por acaso sabemos onde está uma mina de água
subterrânea que provavelmente corre por esta área. Na verdade fiquei feliz
por saber que ali havia uma fonte, e que provavelmente seria a última até o
refúgio. Fazia um calor intenso por volta do 12:00. Juntei-me a esse grupo na
busca pela mina d´água, observando o solo atentamente, até que reparei que
haviam canais subterrâneos por onde a neve derretida escoava, vinda dos
picos acima de nós, porém ainda não encontrávamos o local onde poderíamos
captá-la em estado puro, sem estar suja com os resíduos o solo. De repente
um dos caras encontrou a fonte, e para nossa alegria, de uma água muito
gelada, perfeita para o momento.
Seguimos o caminho sinalizado sentido ao refúgio, onde se inicia uma
trilha chamada Colladina, a qual se desenvolve na própria encosta da
formação rochosa, que ao nosso lado transformara-se em uma parede. Em
certos pontos expunha-nos a um precipício vertiginoso, mas sem riscos
eminentes. Esta trilha incômoda e estreita segue por 1h00, num caminho que
como se não bastasse a vertigem à nossa esquerda, é dividido com cabras de
alta montanha, as quais impressionantemente se movem com desenvoltura e
se equilibram para alcançar o melhor pasto rasteiro que nasce por entre as
pedras. Quem não está habituado ou tem medo de altitude, encontrará
problemas neste trecho, pois a sensação de estar exposto ao abismo é latente.
Mesmo assim, não existe a necessidade do uso de cordas para cruzá-lo,
apesar de estreito, o caminho somente requer atenção.
No fim da trilha estreita chegamos num platô com uma vista privilegiada
da Torre de las Minas de Carbón (2595m), imponentes agulhas de uma pedra
esbranquiçada, formando junto ao terreno rochoso que compõe o local, o
aspecto de um espaço lunar. Foi um momento para descansar e refletir o que
estávamos fazendo. Uma pausa, nem tanto provocada pelo esforço, mas sim
para aliviar a pressão vertiginosa que a Colladina nos impôs, principalmente
para Maartje. Eu estava bem mais tranquilo com isso, o caminho até ali não
me causara fobias extremas, eu estava mais preocupado em como acalmá-la,
já que de sua parte, ela estava visivelmente afetada e não parecia estar
desfrutando do passeio a essas alturas. Tivemos uma pequena discussão.
Cheguei inclusive a propor para que voltássemos caso não quisesse mais
seguir, mas foi nesse momento em que ela se levantou. Maartje nunca foi de
desistir facilmente de qualquer coisa, esta é uma das qualidades que mais
admirava nela. Na nossa frente havia o próximo desafio, outra subida
bastante íngreme, porém mais curta que a da primeira etapa. Na verdade
estávamos um tanto exaustos e estressados. Talvez tenha sido positivo que
neste momento, passou por nós um grupo de corredores de alta montanha,
que com menos peso que nós (não iam pernoitar no refúgio). Caminhavam
num ritmo bem mais intenso comparado conosco. Isto nos deu ânimo para
encarar mais uma ladeira elevada.
Chegando lá em cima, tivemos nossa recompensa: já era possível avistar o
abrigo. Aqui, a sensação de isolamento é forte, pois no longínquo horizonte,
além daquela sensação de quanto o ser humano é pequeno frente a natureza, e
não haver resquícios da civilização salvo o próprio abrigo do outro lado, o
panorama das imponentes torres do maciço ocidental ao fundo de tudo, dava-
nos a verdadeira dimensão daquela cordilheira. Algo que jamais havia visto e
presenciado. No primeiro termo da vista, víamos o percurso restante até o
abrigo Collado Jermoso do outro lado e ao nosso alcance. O refúgio era
instalado num penhasco vertiginoso, coisas da engenharia, incrível como
puderam instalar um abrigo naquele local, pensei. Numa primeira impressão,
o que assustava neste trecho até o abrigo, era o nível de exposição, sobretudo
se comparado com sensações cruzando a Colladina. De longe parecia ser
inclusive uma exposição maior, embora mais curta. Outros grupos de pessoas
também iam passando por ali. Maartje e eu nos olhamos e desejamo-nos boa
sorte, desta vez dando risadas; estávamos um tanto aliviados por poder
avistar nosso destino. Assim, partimos para o trecho de descida que atravessa
o Collado, e finalmente subimos um trecho final até o abrigo.
Chegando lá, montamos acampamento, com uma vista incrível, para a face
sul da Torre de las Minas de Carbón. Fomos ao abrigo e conversamos
rapidamente com o guarda responsável pelo local, mas ele estava muito
ocupado junto com as outras pessoas que estavam ali, preparando um jantar
para um grupo enorme que havia reservado o local. Voltamos então para
nossa barraca para fazer o nosso merecido e saboroso jantar. Preparei minha
especialidade nas montanhas, lentilhas castellanas (mais a frente haverá um
capítulo sobre isso, incluindo essa receita). Tais comidas na montanha são as
verdadeiramente saboreadas. Comemo-las dando um valor maior do que
quando estamos nas cidades, talvez porque precisamos deste alimento mais
do que nunca nestes momentos. Não sei se há como comparar este prazer ao
de comer num restaurante confortável, mas para mim, essas refeições são os
momentos que valem a pena, pela alegria que nos dá. Tivemos a sorte de ter
uma noite aberta, banhados por um luar frio, mas sem ser desagradável. O
contorno daquela cordilheira sob esta luz noturna seguia nos impressionando,
tanto quanto nos impressionava durante o dia. Finalmente, olhando para o
outro lado, de onde viemos, lembramos, agora bem mais humorados, o
quanto difícil fora chegar até ali.
Parque Nacional Serra dos Órgãos - Subida à Pedra do Sino
Acho que fui ambicioso demais na tentativa de passar seis dias isolado nos
campos de altitude do Parque Nacional do Itatiaia. No início era para ir
sozinho mesmo, mas quando dois amigos, Rodrigo e Felipe se animaram para
vir, obviamente fiquei contente pela companhia. Mas foi um alarme falso,
pouco a pouco os dois foram perdendo o entusiasmo, enquanto eu fui incapaz
de insistir mais para que eles mudassem de ideia e resolvessem ir também.
Com isso, o plano de enfrentar a solidão foi ganhando força dentro de mim.
Tive que mentalizar uma situação nova para mim, que era ir para as
montanhas sozinho. Quando chegou o dia marcado, me deparei com certo
dilema de encarar um ambiente desconhecido contando com minha sorte, ou
por outro lado, desistir, e ficar sem saber como isto era na verdade, um dos
mais emblemáticos parques nacionais do Brasil, e algo que no meu íntimo me
seduzia: a solidão na montanha. Fui. Deixei uma mensagem no face de feliz
ano novo, e parti pro meu destino. Aguentei 3 dias e duas noites. Neste
pacote de intenções, a primeira era comprovar um lugar do qual sempre
escutei falar maravilhas, a segunda era fotografá-lo. Pois bem, chegar lá não
foi tão difícil. Vindo do Rio de Janeiro, segue-se pela Dutra por 2 horas, vira-
se a direita no acesso à BR 354 e termina subindo a serra numa estrada de
terra até o parque. Se paga a entrada e os pernoites e é isso.
Chegando lá, as poucas pessoas que estavam também acampadas ou
alojadas no abrigo, a princípio olhavam-me, ao menos percebi assim, com
alguma estranhamento por estar ali sozinho. Impossível não me sentir
observado nesta condição. Impossível não observar os outros, melhor
dizendo. Conheci um grupo de paulistas no abrigo, conversei brevemente
com um casal que acampava na minha frente, logo, com uma família com três
filhos, e rápidas palavras com outros pelo caminho. Me perguntavam de
onde vinha, o que fazia, chegaram até a me tomar como montanhista
experiente, o que não era verdade. Enquanto isso eu falava com as pessoas
tomando cuidado para não me intrometer, mas me intrometendo mesmo
assim. Não queria parecer o cara sozinho que precisava de amigos embora
fosse exatamente isso! Mas todos me entendiam perfeitamente. Foi legal
quando após dar-me conta que minha bateria da câmera estava descarregada,
apareci de noite no abrigo onde havia 6 pessoas, e coincidiu que 4 eram
fotógrafos e me ajudaram com meu problema, pois estavam equipados com
Canon EOS. No segundo dia já estava com minha câmera funcionando, e foi
um alívio, pois no primeiro fiquei frustrado dando por feito que a ideia de
tirar as fotos iria por água abaixo. Mas também depois de três dias eu já havia
conhecido, além das pessoas, boa parte da parte alta do parque. Devo ter
caminhado uma média de 10 km por dia, e fiquei satisfeito com meu
desempenho subindo e descendo encostas. Diferentemente da Serra dos
Órgãos, por exemplo, os campos de altitude do Parque Nacional de Itatiaia
têm acesso por carro. É possível fazer a trilha de subida pela entrada de
baixo. Mas não foi o caso aqui. Gostaria um dia de fazer.
As barras de proteína, e o bom café da manhã regado a pão integral com
salame, frutos secos, generosas doses de cafeína, e principalmente o cuidado
constante com hidratação mantinham-me disposto e motivado. E também,
acordar com vista para o Pico das Agulhas Negras me enchia de prazer.
Mesmo se nenhuma pressa, nem receios por mau tempo (na verdade eu
gosto de caminhar na chuva, e a neblina no caminho é um ingrediente para
testar a capacidade de se manter calmo mesmo sem ver direito o caminho, o
que estando sozinho no meio do nada pode ser um problema). A montanha
exige muito de todas nossas capacidades físicas e mentais, e é isso o que
busco quando estou lá: testar-me. Uma espécie de exercício da
autossuficiência. Quando se chega à base do Pico das Agulhas Negras há uma
placa dizendo que a partir de tal ponto você está sobre seu próprio risco. Uma
voz diz pra mim mesmo "é cara, é melhor voltar". No entanto, segui um
instinto contrário a essa voz e comecei a subir. Um outro pensamento, agora
mais prudente, surge dizendo, "vamos até onde der". Nisso vou subindo e
olho para o GPS marcando 2500 metros, sendo que o cume está 2700, e
acima de mim, encontro uma barreira intransponível para alguém
propriamente não equipado com eu.
Rapidamente, formou-se uma névoa densa e neste movimento, justo
encima de minha cabeça as nuvens e o céu fizeram um formato de coração.
Mesmo sem ser uma pessoa muito mística, não foi por acaso a sensação de
que os deuses da montanha falassem comido naquele momento. Não acredito
muito em sinais, mas na hora me surgiu a ideia de descer como se estivesse
entendendo algum recado. Melhor assim . A chuva apertou um pouco depois
que encontrei o caminho, e isto me deu prazer, eu levava uma boa capa. O
barulho do vento ecoando dentro de mim, toda a magnitude da paisagem com
suas rochas colossais caídas pelo peso do tempo, como um fóssil gigante de
uma montanha que um dia foi um pico bem mais alto do que é hoje é dia.
Lendo um pouco sobre isso, entendi que no Brasil as montanhas não são tão
altas como as dos Andes, dos Alpes ou dos Himalaias, pois estas últimas são
formações geologicamente recentes. Portanto, os picos daqui são
geologicamente muito mais antigos que as grandes montanhas dessas
famosas cordilheiras.
O tempo havia fechado de vez, e naquela noite enfrentei bons ventos com
chuva em minha barraca. Embora fosse verão, as temperaturas em Itatiaia são
bem menores que em outros lugares do país, inclusive tão perto dali, como no
Rio de Janeiro, onde os verões beiram ao insuportável. Quando acordei pela
manhã, vi o tempo fechado, e meus colegas recém-conhecidos partirem para
seu réveillon na cidade. Despedimo-nos e voltei para o camping sozinho.
Ventava. Tentei me animar escutando alguma música, mas olhando para o
teto da minha barraca, e aquele cenário deprimente, percebi que não valia a
pena ficar mais. Decidi juntar minhas coisas, e passar o ano novo com meus
amigos na cidade.
Travessia da Serra Fina
Saí do Rio de Janeiro com destino a Passa Quatro, Minas Gerais. Mesmo
sentido de Itatiaia, portanto, já conhecia o caminho. Num dado momento, saí
da auto-estrada, na saída 34 que nos leva a Cruzeiro. Até aqui, estava ainda
incerto sobre o que me esperaria. No carro, não escutava música sequer, ia
apenas guiando o veículo com uma sensação duvidosa sobre se estava
realmente preparado para isso. Meus amigos de trilha aqui no Rio, a Lucélia e
o Norivaldo, indiretamente, diziam que eu estava sendo ambicioso demais, de
que nossas humildes subidas à Pedra da Gávea já nos bastava por um
momento. Além deles, na estrada, me lembrava também que o próprio guia
da agência, Bruno Poumayrac, antes de confirmar meu lugar no grupo, me
disse que era preferível alguém com mais experiência. Tomei isto quase
como uma questão pessoal hehe! Embora eu tenha que entender que para ele
eu era um completo desconhecido, e que também, para o sucesso de seu
trabalho, deve-se levar em conta a experiência de cada cliente seu. Mas
beleza, essas incertezas terminaram num determinado momento quando na
rodovia sentido Passa Quatro, avista-se de repente a imponente Serra Fina,
enorme! Gritei “uhuuu!”, enquanto meu carro cruzava a estrada em direção às
montanhas. O sol brilhava intensamente, as cores da paisagem me animaram
de tal maneira que finalmente subi o som do carro ao máximo, e
aleatoriamente tocava uma música a qual nunca havia prestado atenção, mas
desde aquele momento ficou gravada na minha mente como uma espécie de
trilha sonora da viagem, me lembrei dela algumas vezes durante a travessia:
se chamava “Red Thing Called Love”, de um grupo chamado Loopless. ♪ ♫
♩Kiss me tenderly♪ ♫ ♩, subia a música, bem antes do refrão, seguido por ♪ ♫
♩the way you want me to kiss you too♪ ♫ ♩. A música não tinha nenhuma
relação com montanhas ou viagens. ♪ ♫ ♩hold me in your arms, the way you
want me to hold you♪ ♫ ♩. Mas mesmo assim, me transmitiu uma sensação de
confiança vendo a Serra à minha frente, e me senti como abençoado ou
permitido por ela. ♪ ♫ ♩Love me in the way, you want me to love you♪ ♫ ♩.
Era como se minha amante não fosse um ser, mas uma entidade abstrata, que
agora me permitia seguir meu destino. ♪ ♫ ♩Sweet love, love me♪ ♫ ♩.
Finalmente cheguei a Passa Quatro, e ainda fui o primeiro do grupo a
marcar presença na pousada onde estava marcado o encontro com todo o
grupo. Eram umas 15h, e fui muito bem recebido pela dona Doca na pousada
Harpia, no centro da cidade. Deixei minhas coisas ali, e fui dar uma volta
neste agradável município. Descobri uma excelente loja de material de
montanha, que vendia artículos de marcas importadas que nem no Rio de
Janeiro se encontram. Depois disso, não resisti a uma mania que tenho, a de
cortar o cabelo em barbeiros do interior. Até hoje meus amigos me zoam
quando entrei numa barbearia de Matias Barbosa e pedi um corte igual ao do
Forest Gump. Desta vez fiz algo mais discreto, e não lancei nenhuma moda!
Voltei para a pousada e agora via a chegada de outros grupos. Conheci um
camarada de Roraima que veio de Boa Vista só para a travessia. Fomos jantar
num japonês ali perto, cujo o serviço nos decepcionou pelo preço cobrado.
Voltamos para a pousada. Mais gente chegando. Não havia muito o que fazer.
Fui para minha cama umas 21h e cochilei. Era umas 23h00 quando me
levantei e fui fora fumar (nesta época ainda tinha este péssimo hábito. Hoje
estou livre deste mau), e encontrei com dois porteadores de uma agência local
chamada “Andar”, eles me impressionaram muito. Estavam se preparando
para iniciar a travessia durante a noite, muito, mas muito carregados mesmo
— nunca havia visto nada igual em termos de volume nas costas. Seu
objetivo era montar o acampamento para seus clientes antes de qualquer
outro grupo, e desta maneira, assegurar os melhores lugares no primeiro
pernoite da travessia. Por volta da 00h30, o grupo da Gente de Montanha
chegou.
Mas o que levar para comer numa travessia de três dias, por exemplo?
Café da manhã:
• Banana Passa - Uma das melhores fontes de energia que há. Prefiro
muito mais elas do que chocolates.
• Nuts - Um mix de nozes, castanhas, uva passa, e frutos secos em geral.
Excelente fonte de energia.
• Sanduíche de atum no pão sírio - Este tipo de pão é uma das melhores
opções para se levar a uma trilha, mas pela minha experiência, ao menos que
o grupo ou a pessoa não esteja faminta durante a trilha, com os alimentos
acima se estará muito bem servido. Mantendo uma hidratação adequada, a
pessoa aguentará a jornada feliz da vida.
Jantar: