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Sigilo Bancário

versus Sigilo Fiscal


Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho

Consultor da União. Procurador da


Fazenda Nacional de Categoria Especial

TRANSFERÊNCIA DO SIGILO BANCÁRIO


PARA O SIGILO FISCAL

O brilhantismo da exposição e confronto


do Sigilo Bancário versus o Sigilo Fiscal,
SCM-Sistemas e outros direitos e restrições impostas às
Consultoria e Métodos reservas de outras formas de sigilo, leva-
Ltda. nos a disponibilizar este trabalho, cuja
Fone: (31) 99645-0801 fonte pode ser acessado pelo site << >>,
a todos aqueles que queiram aprofundar
E-Mail: neste assunto.
scm.sistemas@gmail.c
om
08/03/2016
1) Introdução .................................................................................................... 2
2) Os fundamentos constitucionais para a transferência direta do sigilo........... 3
a) Hugo de Brito Machado ............................................................................ 5
c) Zelmo Denari ............................................................................................ 7
d) Aurélio Pitanga Seixas Filho ..................................................................... 7
e) Wagner Balera.......................................................................................... 8
3) Doutrinadores ............................................................................................ 10
4) Intimidade e vida privada ........................................................................... 10
5) Direito constitucional ao silêncio ................................................................ 13
6) Julgamentos de alguns Ministros............................................................... 14
a) Sr. Ministro Francisco Rezek .................................................................. 14
b) Sr. Ministro Sepúlveda Pertence ............................................................ 15
7) A troca do sigilo bancário para o sigilo fiscal................................................ 20
8) Situações para a quebra do sigilo bancário ................................................. 24
9) considera operações financeiras:................................................................. 25
10) O período das informações repassadas a serem repassadas às autoridades
administrativas ................................................................................................. 35
11) A responsabilidade pelo não repasse das informações ............................. 37
12) O STF e o sigilo bancário antes da Constituição de 1988.......................... 37
13) O sigilo bancário em face do revogado art. 38 da Lei nº 4.595/64 e do caput
e parágrafo único do art. 197 do CTN .............................................................. 42
14) As recomendações da OCDE sobre o sigilo bancário................................ 47
15) Conclusão .................................................................................................. 48
1) Introdução

Todos nós temos o direito de viver em um Estado fiscal democrático de direito.


Estado este que garanta os direitos, imponha os deveres, tendo em vista o
interesse público, e faça a intermediação entre os membros da sociedade,
evitando todo e qualquer abuso de poder e o domínio dos mais poderosos em
relação aos mais fracos.

E para que o Estado moderno possa desincumbir essa sua missão, além do
combate ao desperdício de dinheiro público, o que se dá em duas frentes - com
a guerra contra a corrupção e a luta contra o emprego inadequado ou
ineficiente dos recursos públicos - ele tem que arrecadar o que necessita,
devendo exercer, para tanto, com eficácia e eficiência, a sua atividade
fiscalizadora, inclusive possuindo meios de confrontar se o que os contribuintes
estão declarando, para fins do imposto de renda, corresponde aos valores que
se encontram depositados em contas bancárias.

Afinal de contas, a sistemática de auto liquidação, por parte dos contribuintes


(e o consequente lançamento, expresso ou tácito, por homologação, ou, de
outra forma, o lançamento de ofício do que foi omitido ou declarado
incorretamente) implica na possibilidade de a Administração tributária possuir
instrumentos mais eficazes e eficientes de fiscalização, sob pena de se manter
uma hipocrisia fiscal.

Nos dias de hoje, a maioria dos impostos são liquidados, pelos próprios
contribuintes, com base em elementos que eles dispõem e que a
Administração tributária teria muito dificuldade em obter e confrontar, sem que
disponha de adequados mecanismos de fiscalização, como o acesso direto
dela às informações bancárias.

De fato, hodiernamente, o Poder Executivo deixou, para segundo plano, a


condição de aplicador ex officio das normas tributárias, para assumir, com
mais proeminência, a condição de fiscalizador, de controlador das atividades
de liquidação de tributos efetuadas pelos sujeitos passivos das obrigações
tributárias. Aliás, a importância de se conferir maior eficiência aos meios de
fiscalização tributária ganha relevo em face da economia globalizada em que
vivemos, bem como diante da informatização, onde pode se dá o comércio
virtual, com dificuldade adicional para o Fisco verificar a ocorrência de fatos
geradores, caso não declarados pelos particulares contratantes, como, por
exemplo, a baixa de um arquivo de um programa de computador, onde a
transferência do software ocorre diretamente de um computador para outro.
O ganho de eficiência dos meios da fiscalização tributária e a consequente
maior arrecadação do que é legalmente devido, o que já foi notado pela
sociedade brasileira imediatamente após a publicação da Lei Complementar n°
105, de 10 de janeiro de 2001, que permite a transferência direta do sigilo
bancário para a Administração tributária, traz, entre nós, a clara percepção de
que os verdadeiros inimigos e concorrentes desleais dos contribuintes são
aqueles que, apostando nas amarras e na ineficiência do Fisco, conseguem se
evadir de suas obrigações tributárias, forçando o Estado, que não pode
prescindir da arrecadação que lhe é necessária, a tributar, cada vez mais, os
que pagam os tributos honestamente, o que vai de encontro à razoabilidade da
tributação, proporcionadora da liberdade, justamente, aquilo que o Estado fiscal
visa a assegurar.

Como bem desabafou o Professor da Faculdade de Direito da Universidade de


Coimbra Doutor José Cassalta Nabais, em recentes palestras proferidas em
Brasília, Rio de Janeiro e em São Paulo, respectivamente nos dias 18, 19 e 20
do mês de fevereiro de 2001 em Simpósios Internacionais sobre Sigilo
Bancário, promovidos pelo Centro de Estudos Victor Nunes Leal da Advocacia-
Geral da União:

Com efeito, é de todo insustentável a situação a que uma parte significativa e


crescente de contribuintes se conseguiu alcandorar, fugindo descaradamente e
com assinalável êxito aos impostos.

“É insustentável pela receita perdida que origina e,


consequentemente, pelo apartheid fiscal que a mesma provoca,
desonerando os fugitivos fiscais e sobrecarregando os demais
contribuintes que, não podendo fugir aos impostos, se tornam
verdadeiros reféns ou cativos do Fisco por impostos alheios."1

2) Os fundamentos constitucionais para a transferência direta do sigilo


bancário para a administração tributária

A Constituição Brasileira confere aos entes da Federação os meios e os fins –


o poder de tributar, para que estes obtenham receitas para atender aos seus
encargos (artigos. 145 caput incisos I a III, 148, 149 e 195, 153 caput incisos I a
VII; 154 I e II; 155 caput incisos I a III, e 156 caput incisos I a III) - obviamente,
ofereceu, também, aos respectivos Poderes Executivos os meios - a
competência ampla de fiscalização.
Além disso, a Constituição da República Federativa do Brasil, no §1o do artigo
145, dispõe que,
sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados
segundo a capacidade econômica dos contribuintes, e, principalmente para
conferir efetividade aos princípios da pessoalidade e da capacidade
contributiva, faculta à Administração tributária identificar, respeitados os
direitos individuais, isto é, com a mantença, por parte da Administração
fiscal, do segredo bancário que lhe foi transferido e de conformidade com o
devido processo legal (com os princípios da razoabilidade e da
proporcionalidade), e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as
atividades econômicas do contribuinte.

Ademais, a Constituição Federal, de 1988, no seu artigo 5° caput proclama que


todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-
se a inviolabilidade do direito à igualdade. O mesmo Estatuto Constitucional, no
seu artigo 150 inciso II, veda a instituição de tratamento desigual entre
contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer
distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida,
independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou
direitos.

É inerente à atividade da Administração ter acesso às informações bancárias a


fim de poder desempenhar o seu poder-dever de fiscalização. E isso para a
perseguição de objetivos que a própria Constituição lhe impõe na
concretização da justiça fiscal e, em última instância, do princípio da igualdade
que consagra.

De fato, a capacidade contributiva, informador sob o aspecto fiscal do


princípio da igualdade no tratamento tributário, consiste, segundo o magistério
de Ricardo Lobo Torres,

"em legitimar a tributação e graduá-la de acordo com a riqueza de


cada qual, de modo que os ricos paguem mais e os pobres,
menos".2

E como realçou, com maestria, o Professor da Faculdade de Direito da


Universidade de Lisboa Doutor José Luís Saldanha Sanches, em palestras
proferidas nos já referidos Simpósios Internacionais sobre Sigilo Bancário, uma
promoção do Centro de Estudos Victor Nunes Leal:

"Os sistemas de tributação, com base no rendimento e a atribuição


de uma igualdade de tratamento a todos os contribuintes, constituem
assim uma concretização do princípio da igualdade fiscal na medida
em que a igualdade fiscal exige não apenas a igualdade na
legislação, mas também a igualdade na aplicação da lei."3

Com o aparecimento da LC nº 105, de 10.01.2001, que permite a transferência


direta do sigilo bancário para a Administração tributária e a consequente
melhora na fiscalização e na arrecadação dos impostos, surge o incremento
das possibilidades de há médio prazo ocorrer a redução da carga tributária de
quem paga os tributos corretamente, e, até mesmo de se viabilizar a tão
esperada reforma tributária.

Os contribuintes cumpridores de seus deveres ganharam motivos para crer que


as leis tributárias venham a ser, de fato, igualmente aplicadas e que a
capacidade contributiva das pessoas venha a ser mais observada.

E mais: um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil


é construir uma sociedade livre, justa e solidária (CF/88, art. 3°).

A ordem econômica na Constituição do Brasil, fundada na valorização do


trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos a existência
digna, conforme os ditames da justiça social, observado, entre outros
princípios, o da livre concorrência (CF, arts. 1º caput incisos II, III e IV, e 170
caput inciso IV).

Pode ser acrescentado, ainda, que a evasão e a sonegação fiscal também é


combatida, pela Carta Política Brasileira, quando ela reza que a lei reprimirá o
abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação
da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros (CF, §4o do art. 173).

Insta observar que a Constituição Brasileira, no caput do artigo 37, estatui que
a Administração pública obedecerá, entre outros princípios, o da
impessoalidade, o da moralidade e o da eficiência. Todos esses princípios
constitucionais, entre outros, apoiam a transferência direta do sigilo bancário
para a Administração tributária e demonstram a constitucionalidade dos
preceptivos da Lei Complementar nº 105/01.

Um dos mais específicos é o preceito do §1º do artigo 145, da Constituição da


República Brasileira, interpretado, com lucidez, por tributaristas do tomo de
Hugo de Brito Machado, Sacha Calmon Navarro Coelho, Zelmo Denari, Aurélio
Pitanga Seixas Filho e Wagner Balera, espinçados da obra Caderno de
Pesquisas Tributárias, que cuida do tema "Princípios Constitucionais
Tributários", Coordenador Ives Gandra da Silva Martins (São Paulo: Resenha
Tributária, 1993, v. 18):

a) Hugo de Brito Machado

Ocorre que na questão formulada pela douta Comissão Organizadora do


Simpósio fez-se referência ao §1º do art. 145, da vigente Constituição, como
norma que, por estabelecer o direito ao sigilo, estaria protegida pela "cláusula
pétrea".

Na verdade, porém, o citado dispositivo constitucional não estabelece direito


individual nenhum. Cuida, isto sim, da faculdade da administração tributária de,
respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, identificar o patrimônio,
os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte. Institui, portanto,
uma restrição àqueles direitos individuais.

A prefalada faculdade da Administração, aliás, é absolutamente indispensável


ao exercício da atividade tributária. Não tivesse a Administração a faculdade de
identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do
contribuinte, não poderia tributar, a não ser na medida em que os contribuintes,
espontaneamente, declarassem ao fisco os fatos tributáveis. O tributo deixaria
de ser uma prestação pecuniária compulsória, para ser uma prestação
voluntária, simples colaboração do contribuinte, prestada ao Tesouro Público.

Certamente a questão da compatibilidade dessa faculdade com aqueles


direitos individuais é das mais delicadas. É difícil, na verdade, determinar até
que ponto pode o Fisco penetrar na intimidade do contribuinte.

Não se pode, todavia, admitir a posição extremada dos que sustentam a


impossibilidade de identificação dos elementos necessários à cobrança
do tributo, a pretexto de preservar o direito individual ao sigilo, ou à
intimidade. (op. cit., p. 85-86 _ os destaques em negrito não constam do
original)

b) Sacha Calmon Navarro Coelho

3.1. O "sigilo bancário" visa preservar as pessoas físicas e jurídicas de


intromissões indevidas tanto por parte de particulares como por parte das
autoridades públicas. Inobstante, o "sigilo bancário" não é absoluto, eis que
diante do legítimo Poder de Polícia do Estado, como ocorre nos EEUU, na
França, na Alemanha e na Inglaterra, países sabidamente democráticos e
capitalistas, admite-se a sua relativização por fundados motivos de ordem
pública, notadamente derivados do combate ao Crime, de um modo geral, e a
evasão fiscal, omissiva e comissiva. Não pode a ordem jurídica de um país
razoavelmente civilizado fazer o sigilo bancário um baluarte em prol da
impunidade, a favorecer proxenetas, lenões, bicheiros, corruptos,
contrabandistas e sonegadores de tributos. O que cumpre ser feito é uma
legislação cuidadosa que permita a manutenção dos princípios da privacidade
e do sigilo de dados, sem torná-los bastiões da criminalidade. De resto, reza a
sabedoria popular que quem não deve não teme. A recíproca é verdadeira. (op.
cit., p. 100-101)
c) Zelmo Denari

Sem embargo, tenho por mim que o art. 145, §1º, da Constituição Federal,
não tutela - segundo faz crer a pergunta - o direito ao sigilo de dados, mas
sim o princípio da capacidade contributiva, permitindo à administração
pública adotar procedimento que, de certa forma, se opõe àquele previsto nos
incisos X e XII do art. 5º da CF.

De fato, a citada disposição normativa constitucional permite que a


administração tributária identifique o patrimônio, os rendimentos e as atividades
econômicas do contribuinte, sem desrespeito aos direitos individuais. Quais
seriam esses direitos? Todos, à exceção daqueles previstos nos incisos X e
XII, os quais, justamente, foram ressalvados no texto em exame.

Por todo o exposto estou convencido de que o art. 145, §1º da Constituição
Federal, sobre hospedar o princípio constitucional do respeito à capacidade
contributiva, atua como limite ao alcance incidental de norma de mesma
hierarquia. Trata-se, portanto, ao longo das considerações feitas no início deste
trabalho, de ressalva à matéria tributária, em obséquio, ainda, ao princípio da
autoridade pública, que prioriza o interesse público frente ao direito privado.
(op. cit., p. 184-185 _ os destaques em negrito não constam no original)

d) Aurélio Pitanga Seixas Filho

A autorização concedida pelo parágrafo primeiro do artigo 145 da Constituição


Federal de 1988 para a autoridade fiscal identificar o patrimônio, os
rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte, nada veio a
acrescentar à ordem jurídica brasileira, porquanto a autoridade fiscal
competente para cobrar imposto incidente sobre o patrimônio ou a renda de
uma pessoa tem competência; também, e concedida por lei, de fiscalizar o
correto pagamento do imposto.

Para isto, tem o Fisco um dever-poder, para identificar o patrimônio e os


rendimentos auferidos pelos contribuintes, com discricionariedade sobre o
momento, a oportunidade e a forma de agir.

Por sua vez, os contribuintes não possuem qualquer direito subjetivo


de se furtarem a identificar (confessar ou declarar) para o Fisco todo
o patrimônio, todos os seus rendimentos e todas as suas operações
tributadas, já que sonegar bens ou rendimentos está tipificando
legalmente como crime.
Com respeito à inviolabilidade do sigilo de dados previsto no art. 5º, inciso
XII, da Constituição de 1988, seria bom lembrar que os direitos dos indivíduos
são restringidos pelos direitos de seus semelhantes, no singular ou no plural
(direitos individuais ou coletivos), preponderando o interesse da sociedade
sobre o individual.

Como está a se ver, o direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem


de alguém que exerça ou já exerceu um cargo público, não é idêntico ao direito
de uma pessoa que nenhuma relação tenha tido com o serviço público.

Nestas condições, pode o legislador, até mesmo o ordinário, especificar a


graduação da violabilidade dos direitos individuais em defesa dos interesses
juridicamente protegidos da sociedade. (op. cit., p. 245-246 - os destaques em
negrito não constam do original)

e) Wagner Balera

Para garantir plena eficácia à diretriz da capacidade contributiva, a parte final


do §1º do art. 145, da Lei Magna, autoriza a administração tributária a
identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do
contribuinte.

A Constituição não poderia ter normas entre si tão incompatíveis como os


incisos X e XII do art. 5º e aquela inscrita na parte final do §1º do art. 145. Por
isso mesmo o último dos dispositivos citados faz a ressalva relativa aos direitos
individuais.

O sigilo de dados é garantido mas poderá vir a ser quebrado,


nos termos da lei.

Aqui não entram em linha de conta a intimidade à vida privada, a honra e a


imagem das pessoas que, como atributos da sua personalidade, estão sob
reserva de sigilo e sob proteção constitucional. São considerados, para fins de
tributação, aspectos da vida econômica da pessoa.

Seus negócios que, gerando riquezas, podem ser objeto de tributação. Se certa
correspondência desvela um negócio jurídico que pode ser objeto de
tributação, esse documento deixa de pertencer à esfera privada e pode, nos
limites da lei, ser submetido ao crivo dos agentes do Fisco.

Se determinada conta bancária denota movimento incompatível com a vida


fiscal do contribuinte, tais dados podem desencadear investigação que deva
arrecadar elementos nos documentos particulares do sujeito passivo dos
tributos. (op. cit., p. 379-380 _ os destaques em negrito não constam do
original).

Insta ressaltar que a Constituição Brasileira, além de garantir que a


Administração Pública atue dentro da legalidade e da eficiência, observando
os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade (CF, art. 37, caput e art.
5º LIV), exige também que a Administração respeite os princípios da
impessoalidade (ou finalidade) e da moralidade administrativa, o que implica na
imparcialidade da administração pública.

Por força desses princípios, os atos da Administração Pública e de seus


agentes em geral, especialmente os agentes fiscais, devem conter a maior
eficiência possível, pela obrigação de prestarem uma boa administração,
observando-se a honestidade, a boa-fé, a lealdade, a moderação, a discrição, a
economicidade, a sinceridade, sem que possa existir qualquer inconfessável
desejo de prejudicar ou beneficiar este ou àquele administrado4.

No mesmo artigo sobre o princípio da moralidade no Direito Tributário,


destaquei a seguinte lição do jurista luso Antônio José Brandão, colhido do
conhecido artigo Moralidade administrativa:

"... tanto infringe a moralidade administrativa o administrador que,


para atuar, foi determinado por fins imorais ou desonestos, como
aquele, que desprezou a ordem institucional, embora movido por
zelo profissional, invade a esfera reservada outras funções, ou
procura obter mera vantagem para o patrimônio a sua guarda.

Em Ambos estes casos, os seus atos são infiéis à ideia que tinha de
servir, pois violam o equilíbrio que deve existir entre todas as
funções, ou, embora mantendo ou aumentando o patrimônio gerido,
desviam-se do fim institucional, que é o de concorrer para a criação
do bem comum"5.

As autoridades administrativas fiscais, competentes para examinar as


informações bancárias dos contribuintes, além de não terem mesmo qualquer
interesse em se imiscuir na vida privada dos contribuintes, estando a isto
proibidos por força do princípio da moralidade administrativa, também não têm
o interesse de proporcionar a arrecadação a qualquer custo, mas sim,
pretendem apenas propiciar, com o seu legítimo e eficiente trabalho de
fiscalização, a arrecadação do que legalmente for devido.

Ademais, diferentemente do Ministério Público, a Administração tributária


não se enquadra mesmo na parcialidade tendo em vista que ela não é parte no
sentido de que ela não acusa, ela apenas fiscaliza.
Na fase de fiscalização, nem sequer a Administração é credora, pois ainda
não existe o crédito tributário parcial ou definitivamente constituído.

3) Doutrinadores

Parcela significativa da doutrina pátria encontra óbices constitucionais à


transferência direta do segredo bancário para a Administram tributária, diante
dos preceptivos constitucionais do artigo 5º incisos X (a inviolabilidade da
intimidade e da vida privada) e XII (ao que advoga a inviolabilidade do sigilo de
dados informáticos).

Parte desses doutrinadores chega a ponto de dizer que o direito à


inviolabilidade do segredo bancário seria absoluto: nem com a autorização do
Poder Judiciário poderia ser transferido, argumentando, para tanto, que a única
hipótese que a Constituição do Brasil autorizaria, mesmo assim mediante
ordem judicial, a quebra do sigilo seria no caso das comunicações telefônicas,
nos termos e na forma que a lei estabelecer, para fins de investigação criminal
ou instrução processual penal.

Outros dessa corrente de pensamento são menos radicais e admitem que o


sigilo bancário não é absoluto, podendo ser relativizado por ordem judicial,
quando demonstrados indícios fortes ou provas irrefutáveis de evasão e
sonegação fiscal.

Haveria uma dita, mas não explicada convincentemente, espécie de reserva


constitucional de jurisdição.

O fato é que a Constituição Federal do Brasil, de 1988, não assegura


expressamente o sigilo bancário como um dos direitos individuais, muito menos
coletivos, de modo que, no máximo, só se pode chegar a indução de que o
sigilo bancário estaria incluso nos direitos à intimidade e à privacidade por
mera construção interpretativa. Mas a Constituição Brasileira nada diz isto com
todas as letras.

4) Intimidade e vida privada

De fato, a Constituição Federal, de 1988, além de não assegurar


expressamente entre os direitos individuais no artigo 5º, tampouco no artigo
145, §1o, o dever de as instituições financeiras manterem sigilo sobre as
operações realizadas através delas, ao cuidar do sistema financeiro nacional,
no artigo 192, também nada dispôs sobre o sigilo bancário.
Não vislumbramos o sigilo bancário entre o direito à intimidade, ou o
denominado direto de se estar sozinho. Tenho para mim que intimidade é
aquilo que não se compartilha com ninguém, são os pensamentos mais íntimos
e secretos, os sentimentos, os desejos e as tendências, às vezes,
inconfessáveis.

Vida privada é aquilo que é compartilhado a um grupo restrito de pessoas


mais íntimas, cônjuge, familiares, alguns poucos amigos, pessoas ou
profissionais da inteira confiança do indivíduo que faz a discrição.

Estou que o sigilo bancário está, normalmente, encaixado entre um


dos instrumentos de defesa da propriedade, como proteção contra a
curiosidade sem justo motivo de terceiros ou concorrentes, sujeito,
portanto, a relativização em face do interesse público predominante,
sendo que só excepcionalmente, as informações e documentos
bancários, relativos a meros números, a contabilidade fria, poderiam
revelar alguma relação com a vida privada do contribuinte.

Sobre esse assunto, o Professor Tercio Sampaio Ferraz Junior, em palestra


proferida no dia 18 de fevereiro do corrente ano em Brasília no Simpósio
Internacional sobre "Sigilo Bancário", evento promovido pelo Centro de
Estudos Victor Nunes Leal da Advocacia-Geral da União, deixou-nos a
seguinte lição:

“Uma meditação sobre o tema me leva a acreditar que no tema


bancário, nesses termos, pode estar envolvida a privacidade em
termos da liberdade e dessa exclusividade, se me permitem, pode
estar, mas não está necessariamente”.

Eu sei que vários Ministros do Supremo Tribunal Federal têm definido o sigilo
bancário como uma espécie do gênero privacidade. É aí que eu tenho as
minhas dúvidas. Não me parece que haja uma relação lógica entre as duas
coisas. Quando eu falo em lógica, eu falo uma relação formal: gênero e
espécie. Não me parece que haja uma relação direta.

O que me parece, se possível de trabalharmos, é a ideia de que no sigilo


bancário pode estar envolvidas as questões de privacidade. Mas, não estão
necessariamente envolvidas as questões de privacidade. Podem estar
envolvidas questões de propriedade, o que é uma outra coisa.

Podem estar envolvidas, sim, questões de propriedade, como estão envolvidas


questões de propriedade, por exemplo, nos segredos industriais. E a quebra
de um segredo industrial, contra ela não há protesto em termos de quebra de
privacidade, por quê? Por que aí talvez seja muito mais ostensivo. O segredo
industrial obviamente tem um sentido de propriedade e muito menos de
liberdade. O que tem de liberdade é pouco. Pode até ter, mas muito pouco, o
forte é a propriedade. Aí é que me parece a questão a ser discutida.

A contabilidade que está no banco tem um sentido de propriedade ou tem um


sentido de privacidade, portanto de liberdade? Eu acho que tem basicamente
um sentido de propriedade... Então, eu diria que a proteção ao sigilo bancário
faz sentido por que pode envolver questões de privacidade, mas isso não
significa que o sigilo bancário seja uma espécie da privacidade.

Ela envolve privacidade e eu posso entender que o legislador tenha que tomar
esse cuidado. Tenha que dar um cuidado especial ao sigilo bancário, por causa
desse envolvimento.6 (os destaques em negrito não constam do original)

Observe-se que em relação às pessoas jurídicas, ainda é mais difícil a defesa


do sigilo bancário com amparo no direito à privacidade, mesmo porque como,
de passagem, bem lembrou o Professor Hugo de Brito Machado:

"é antiga a ideia de que a Fazenda Pública penetra no sigilo


comercial para ter meios de exercitar o seu poder de tributar".7 8
Assim, não há como se justificar não possa a lei permitir a
transferência direta dos segredos bancários para a Administração
tributária. Aliás as sociedades anônimas são, por lei, obrigadas a
publicar os seus balanços.

A propósito, como dispõe o artigo 195 da Lei nº 5.172, de 25 de


outubro de 1966 (Código Tributário Nacional):

"Para efeitos da legislação tributária, não têm aplicação quaisquer


disposições legais excludentes ou limitativas do direito de examinar
mercadorias, livros, arquivos, documentos, papéis e efeitos
comerciais ou fiscais dos comerciantes, industriais ou produtores, ou
da obrigação destes de exibi-los".

Parenteticamente, cumpre reconhecer que alguns tributaristas têm o vezo, uma


espécie de inconsciente tendência de interpretar as normas, criando um maior
obstáculo possível para a eficiência da atividade fiscalizadora do Estado,
praticamente inviabilizando-a. Um dos exemplos disso é a tese de que o sujeito
passivo da relação tributária, sob a alegada proteção do inciso LXIII do art. 5º
da Constituição Federal, pode negar-se de prestar informações aos agentes
fiscais sobre questões relativas a omissões dolosas ou fraudes em matéria
tributária que possam incriminá-lo.

Já enfrentei tal objeção nos seguintes termos:9


Creio que o sujeito passivo da relação tributária, diante da norma
constitucional do art. 5°, LXIII, não está desobrigado a prestar aos
agentes fiscais as informações sobre matérias de conteúdo
econômico, com repercussão, portanto, na incidência de normas de
tributação, mesmo porque os informes exigidos possam futuramente
incriminá-lo, e isto porque tal norma dirige-se, exclusivamente, ao
âmbito policial ou judicial na esfera criminal, não se estendendo à
instância administrativa-fiscal.

5) Direito constitucional ao silêncio

O direito constitucional ao silêncio visa a proteger o preso, de modo que


não possam dele dispor as autoridades policiais e judiciárias como meio de
prova, diversamente do que sucede com as testemunhas.

Critério jurídico contrário ao nosso inviabilizaria a fiscalização e consequente


arrecadação tributária..., bem como destruiria a própria natureza jurídica do
tributo, que deixaria de ser uma prestação pecuniária compulsória instituída em
lei independente de ato ilícito, para se tornar uma contribuição voluntária para o
custeio dos fins do Estado.

Praticamente, o contribuinte só pagaria aquilo que a sua consciência


determinasse, pois bastaria alegar que as informações ou declarações
requeridas poderiam vir a incriminá-lo, para garantir o direito de sonegá-las.

Cabe aduzir que, por ocasião do julgamento do RE nº 166.772-RS, em que,


antes da edição da Emenda Constitucional n° 20/98, se declarou a
inconstitucionalidade do art. 3° da Lei n° 7.787/89, diante da não observância
da técnica legislativa da competência residual da União, nos termos do artigo
154, inciso I, da Lei Maior (DJU 16 dez. 1994), o Relator do feito o Exmo. Sr.
Ministro Marco Aurélio ressaltou que,

"no exercício gratificante da arte de interpretar, descabe inserir na


regra de direito o próprio juízo - por mais sensato que seja - sobre a
finalidade que conviria fosse por ela perseguida - Celso Antônio
Bandeira de Mello - em parecer inédito... O conteúdo político de uma
Constituição não é conducente ao desprezo do sentido vernacular
das palavras, muito menos ao do técnico, considerados institutos
consagrados pelo Direito".

Daí ter inferido:


"A relação jurídica mantida com administradores e autônomos (ou
avulsos) não resulta de contrato de trabalho e, portanto, de ajuste
formalizado a luz da Consolidação das Leis do Trabalho. Daí a
impossibilidade de se dizer que o tomador dos serviços qualifica-se
como empregador e que a satisfação do que devido ocorra via folha
de salários. Afastado o enquadramento no inciso I do artigo 195 da
Constituição Federal".

Da mesma forma, onde o inciso LXIII do artigo 5º da Constituição cuida de


preso e o seu direito de permanecer calado, não há de se entender que essa
palavra abrangeria o sujeito passivo, enquanto meramente fiscalizado pela
Administração tributária.

Em relação ao empresário enquanto tal, mesmo quando ele atua em nome


individual, assim se pronunciou o Professor lusitano José Luís Saldanha
Sanches:

"... a sua esfera empresarial, não tem, nem pode ter, um espaço de
intimidade. Só a sua vida pessoal o tem e aí tem que ser colocado o
limite".10

A propósito, o entendimento no sentido de que o sigilo bancário não se


encontra protegido pelo artigo 5º inciso X da Constituição Federal, embora se
reconheça não seja esse o posicionamento dominante do Supremo Tribunal
Federal, foi manifestado, pelos Excelentíssimos senhores Ministros Francisco
Rezek e Sepúlveda Pertence por ocasião do julgamento do Mandado de
Segurança nº 21.729-4/DF,11 conforme os seguintes trechos dos lúcidos votos
por nós anotados:

6) Julgamentos de alguns Ministros

a) Sr. Ministro Francisco Rezek

Parece-me, antes de qualquer outra coisa que a questão jurídica trazida à


Corte neste mandado de segurança não tem estrutura constitucional. Tudo
quanto se estampa na própria Carta de 1988 são normas que abrem espaço ao
tratamento de determinados temas pela legislação complementar. É neste
terreno, pois, e não daquele da Constituição da República, que se consagra o
instituto do sigilo bancário - do qual se repetiu ad nauseam, neste país e
noutros, que não tem caráter absoluto.

Cuida-se de instituto que protege certo domínio - de resto nada transcendental,


mas bastante prosaico da vida das pessoas e das empresas, contra
curiosidade gratuita, acaso malévola, de outros particulares, e sempre até o
exato ponto onde alguma forma de interesse público reclame sua justificada
prevalência. (...)

E a mesma lei de 31 de dezembro de 1964, sede explícita do sigilo bancário,


disciplina no seu art. 38 exceções, no interesse não só da justiça, mas
também no do parlamento e mesmo no de repartições do próprio governo.

Tenho dificuldade extrema de construir, sobre o artigo 5º, sobre o rol


constitucional de direitos, a mística do sigilo bancário. (...)

O inciso X do rol de direitos fala assim numa intimidade onde a meu ver seria
extraordinário agasalhar a contabilidade, mesmo das pessoas naturais, e por
melhor razão a das empresas.

Numa reflexão extra, legal, observo que a vida financeira das empresas e das
pessoas naturais não teria mesmo porque enclausurar-se ao conhecimento da
autoridade legítima - não a justiça tão só, mas também o parlamento, o
Ministério Público, a administração executiva, já que esta última reclama, pela
voz da autoridade fiscal, o inteiro conhecimento do patrimônio, dos
rendimentos, dos créditos e débitos até mesmo do mais discreto dos
contribuintes assalariados. Não sei a que espécie de interesse serviria a
mística do sigilo bancário, a menos que se presumam falsos os dados em
registro numa dessas duas órbitas, ou em ambas, e por isso não coincidentes o
cadastro fiscal e o cadastro bancário das pessoas e empresas.

Não vejo inconstitucionalidade alguma em se ampliar, dentro da prerrogativa


legítima do legislador, o escopo da exceção já aberta ao sigilo bancário no
texto da lei originalmente comum que o disciplinou nos anos 60. E o faz em
nome de irrecusável interesse público, adotando um mecanismo operacional
que em nada arranha direitos, ou sequer constrange a discrição com que se
portam os bancos idôneos e as pessoas de bem.

b) Sr. Ministro Sepúlveda Pertence

O sigilo bancário só existe no Direito brasileiro por força de lei ordinária.

Não entendo que se cuide de garantia com status constitucional. Não se trata
de intimidade protegida no inciso X do artigo 5o da Constituição Federal.

Em princípio, admitiria que a lei autorizasse autoridades administrativas, com


função investigatória a obter dados relativos a operações bancárias.

Nesse mesmo diapasão, decidiu o Plenário do Tribunal Regional Federal da 4º


Região no Incidente de Arguição de inconstitucionalidade na MAS n°
95.04.44243- 9/SC, cujo trecho da respectiva Ementa transcrevo:

As informações sobre o patrimônio das pessoas não se inserem nas


hipóteses previstas pelo art. 5º, inciso X, da Constituição Federal, porquanto o
patrimônio não se confunde com a intimidade, a vida privada, a honra e a
imagem.12

No que respeita à interpretação do inciso XII, do art. 5º, da Constituição da


República do Brasil, cabe enfatizar que Celso Ribeiro Bastos, na obra em co-
autoria com Ives Gandra da Silva Martins Comentários à Constituição do
Brasil (São Paulo: Saraiva, 1989, v. 2, p. 73), introduziu magistério, que
mereceu o acatamento da Suprema Corte no seguinte teor:

Uma inovação da Constituição foi estender a inviolabilidade aos "dados". De


logo faz-se mister tecer críticas à impropriedade desta linguagem. A se tomar
muito ao pé da letra, todas as comunicações seriam invioláveis, uma vez que
versam sempre sobre dados. Mas pela inserção da palavra no inciso vê-se que
não se trata propriamente do objeto da comunicação, mas sim de uma
modalidade tecnológica recente que consiste na possibilidade das empresas,
sobretudo financeiras, fazerem uso de satélites artificiais para comunicação de
dados contábeis.

Portanto o que é inviolável é o direito da pessoa de não ter a ação de sua


comunicação de dados interceptada, não sendo invioláveis os dados em si
mesmos.

No mesmo diapasão, leciona Tercio Sampaio Ferraz Junior:13 O sigilo, no


inciso XII do art. 5o, está referido à comunicação, no interesse da defesa da
privacidade. Isto é feito, no texto, em dois blocos:

A Constituição fala em sigilo da correspondência e das comunicações


telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas. Note-se, para a
caracterização dos blocos, que a conjunção e une correspondência com
telegrafia, segue-se uma vírgula e depois, a conjunção de dados com
comunicações telefônicas.

Há uma simetria nos dois blocos. Obviamente o que se regula é comunicação


por correspondência e telegrafia, comunicação de dados e telefônica. O que
fere a liberdade de omitir pensamento é, pois, entrar na comunicação alheia,
fazendo com que o que devia ficar entre sujeitos que se comunicam
privadamente passe ilegitimamente ao domínio de um terceiro.
Se alguém elabora para si um cadastro sobre certas pessoas, com informações
marcadas por avaliações negativas, e o torna publico, poderá estar cometendo
difamação, mas não quebra sigilo de dados. Se estes dados, armazenados
eletronicamente, são transmitidos, privadamente, a um parceiro, em relações
mercadológicas, para defesa do mercado, também não estará havendo quebra
de sigilo. Mas se alguém entra nesta transmissão, como um terceiro que
nada tem a ver com a relação comunicativa, ou por ato próprio ou porque uma
das partes lhe cede o acesso indevidamente, estará violado o sigilo de dados.

Em verdade, o Excelso Supremo Tribunal Federal tem afirmado, em várias


ocasiões, que a inviolabilidade referida do inciso XII do artigo 5° da Carta
Magna refere-se à intromissão ou interceptação da comunicação de dados e
não o registro de dados.

Nesse sentido, a palavra abalizada do Ministro Sepúlveda Pertence no voto


proferido no MS nº 21.729-4/DF:

"Da minha leitura, no inciso XII do art. 5º da Lei Fundamental, o que


se protege é a comunicação de dados e não os dados, o que
tornaria impossível qualquer investigação administrativa, fosse qual
fosse".

Também nessa linha, merece destaque o magistério do Ministro Nelson Jobim,


em voto proferido no julgamento do RE nº 219.780/PE:

Passa-se, aqui, que o inciso XII não está tornando inviolável o dado da
correspondência, da comunicação, do telegrama. Ele está proibindo a
interceptação da comunicação dos dados, não dos resultados. Essa é a razão
pela qual a única interceptação que se permite é a telefônica, pois é a única a
não deixar vestígios, ao passo que nas comunicações por correspondência
telegráfica e de dados é proibida a interceptação porque os dados
remanescem; eles não são rigorosamente sigilosos, dependem da
interpretação infraconstitucional para poderem ser abertos.

O que é vedado de forma absoluta é a interceptação da comunicação da


correspondência, do telegrama.

Por que a Constituição permitiu a interceptação da Comunicação


telefônica?.

Para manter os dados, já que é a única em que, esgotando-se a comunicação,


desaparecem os dados. Nas demais, não se permite porque os dados
remanescem, ficam no computador, nas correspondências etc. (RE nº
219.780/PE, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 10 set. 1999, p. 23)
Em outra oportunidade, o Augusto Pretório, na ADIn nº 1.790/DF, não só
procedeu à distinção entre as comunicações e os registros de dados como
também afirmou, de modo inequívoco, a legitimidade da transferência de
registros de dados de amplo acesso público destinados à proteção de créditos
privados - cujos serviços prestados eventualmente são remunerados.

Tratava-se, portanto, de bancos de dados, inclusive privados, que


preservavam interesses eminentemente privados e comerciais e exploravam
economicamente a divulgação ilimitada a terceiros de informações relativas a
operações financeiras de crédito. A isso, acrescente-se a circunstância de que
tais informações, elas sim, potencialmente muito mais gravosas para a
privacidade, a honra e a imagem das pessoas, pois, tratava-se de informações
relativas à inadimplência em relações de crédito e, portanto, de informações
aptas a influir negativamente na reputação, honra e imagem dos atingidos.

Afirmou-se então, nas palavras autorizadas do Ministro Sepúlveda Pertence:

A convivência entre a proteção da privacidade e os chamados arquivos de


consumo, mantidos pelo próprio fornecedor de crédito ou integrados em
bancos de dados, tornou-se um imperativo da economia da sociedade de
massas: De viabilizá-la cuidou o CDC, segundo o molde das legislações mais
avançadas: ao sistema instituído pelo Código de Defesa do Consumidor para
prevenir ou reprimir abusos dos arquivos de consumo, hão de submeter-se as
informações sobre os protestos lavrados, uma vez obtidas na forma prevista no
edito impugnado e integradas aos bancos de dados das entidades
credenciadas à certidão diária de que se cuida:

é o bastante a tornar duvidosa a densidade jurídica do apelo da arguição


à garantia da privacidade, que há de harmonizar-se à existência de
bancos de dados pessoais, cuja realidade a própria Constituição
reconhece (art. 5º, LXXII, in fine) e entre os quais os arquivos de
consumo são um dado inextirpável da economia fundada nas relações
massificadas de crédito. (ADIn nº 1.790, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 8
set. 2000)

Ora, se o próprio Supremo Tribunal Federal admitiu que tais registros são
"um dado inextirpável da economia fundada nas relações massificadas de
crédito", o que denota que o acesso a tais sistemas de dados decorre das
exigências de eficiência da economia financeira, como forma de proteção do
lucro, ou seja, se a economia privada capitalista necessita do acesso a dados
eventualmente gravosos à imagem das pessoas para o fim de proceder à
eficiente proteção do lucro, maior dependência de um igualmente eficiente
sistema ostentará a administração tributária.
Ora se as entidades capitalistas e privadas encontram-se autorizadas a
acessar e fazer circular informações acerca de transações financeiras
realizadas por indivíduos (e inclusive vender serviços de obtenção e difusão de
tais informações) por imperativo factual de eficiência econômica na sociedade
de massas, razão alguma haverá para não se admitir a mesma legitimidade
aos órgãos públicos de fiscalização tributária para acessar diretamente tais
informações no sentido de assegurar efetividade ao dever fundamental de
pagar impostos e aos princípios constitucionais do caráter pessoal, da
igualdade do tratamento fiscal e da capacidade contributiva, tendo em vista
que, por imperativo constitucional, por melhor razão, deve a Administração
tributária atuar com eficiência e com moralidade, isto é, com imparcialidade,
além de estar impedida de revelar a terceiros tais informações, sujeitando-se
ao devido processo legal administrativo.

Destarte, embora, na minha opinião, o sigilo bancário esteja mais diretamente


relacionado com a proteção ao direito de propriedade, tendo só
excepcionalmente algum reflexo com o direito à privacidade, cumpre
reconhecer que a tese prevalecente em nossa Corte Constitucional é no
sentido de que o sigilo bancário seria, por interpretação, uma nuance do direito
à privacidade, com base, portanto, não no inciso XII do artigo 5º, mas sim no
inciso X do mesmo artigo.

Mesmo assim, a jurisprudência mansa e pacífica do Supremo Tribunal


Federal é no sentido de que o direito ao sigilo bancário não é absoluto,
devendo ceder diante do interesse público, do interesse social e do
interesse da justiça, com observância de procedimento estabelecido em
lei e com respeito ao princípio da razoabilidade, sendo certo, portanto, que
as exceções podem ser disciplinadas por normas infraconstitucionais (Cf.
RE nº 219.780, Rel. Min. Carlos Velloso. DJU 10 set. 1999, p. 23).

Insta ser ressaltado que o Supremo Tribunal Federal tem entendido que o
direito ao sigilo bancário não está protegido pela cláusula constitucional
de reserva de jurisdição,14 contrariamente do que sucede com a busca
domiciliar (CF, art. 5o XI), a interceptação telefônica (CF, art. 5º XII) e a
decretação de prisão de qualquer pessoa, ressalvadas a hipótese de flagrância
e os casos de transgressão militar ou crime propriamente militar (CF, art. 5o
LXI), como demonstra o seguinte decisum:

Quebra ou transferência de sigilos bancário, fiscal e de registros telefônicos


que, ainda quando se admita, em tese, susceptível de ser objeto de decreto de
CPI - porque não coberta pela reserva absoluta de jurisdição que
resguarda outras garantias constitucionais -, há de ser adequadamente
fundamentada: aplicação no exercício pela CPI dos poderes instrutórios das
autoridades judiciárias da exigência de motivação do art. 93, IX, da
Constituição da República (MS 23.480, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 15
set. 2000, p. 119).

Ademais, por ocasião do julgamento do Agravo Regimental em


Inquérito n° 897- 5/DF, o Supremo Tribunal Federal, em sessão
plenária, além de ter assentado que "a quebra do sigilo bancário
não afronta o artigo 5º X e XII da Constituição Federal
(Precedente: PET 577)", decidiu que o sigilo bancário pode ser
transferido sem a necessidade de prévia audiência do investigado,
tendo em vista que, como bem explicaram os senhores Ministros
Carlos Velloso e Celso de Mello, tornando-se necessária a obtenção
da prova por esse meio, deve ser posta no ventre dos autos, não
havendo de se cogitar da instauração incidental do contraditório em
procedimento nitidamente qualificado pela nota da unilateralidade e
da inquisitividade, aí então, ou a partir daí ocorrerá o contraditório,
ou seja, "o princípio do contraditório não prevalece na fase
inquisitorial" (DJU 24 mar. 1995, p. 6806).

No mesmo caso, assim se pronunciou o Senhor Ministro Sepúlveda Pertence:

"Admitindo-se que não se trata de garantia absoluta de sigilo, mas


que, ao contrário, pode ele ser quebrado em favor de investigação
criminal, parece-me patente que é impossível estabelecer, como
regra geral, um contraditório prévio para saber da procedência do
pedido de autorização judicial para a diligência. Do contrário, na
hipótese extrema, teríamos, antes da autorização de uma escuta
telefônica, que estabelecer um contraditório com quem seria o objeto
dessa escuta, de modo a frustrar, antecipadamente, a investigação".

Também nesse mesmo agravo regimental, o Senhor Ministro Moreira Alves


corroborou:

"também nego provimento ao agravo até porque há outros tipos de


providências que são absolutamente incompossíveis com o
contraditório, como, por exemplo, o pedido de bloqueio de bens e a
busca e apreensão".

7) A troca do sigilo bancário para o sigilo fiscal

O sigilo bancário tem por finalidade a proteção contra a divulgação ao público


em geral (ou a pessoas que não tenham um justo título que justifique) de
informações acerca dos negócios das instituições financeiras e dos saldos
bancários e das operações financeiras de seus clientes.

Por força da legislação tributária, inclusive a do imposto sobre a renda, as


pessoas não têm o direito de esconder do Fisco ou dele omitir as suas rendas
ou as de terceiros, estando, por lei, obrigadas a prestar informações a esse
respeito à Administração tributária.

Por isto, não há, em verdade, um direito absoluto do contribuinte ao sigilo


bancário oponível ao Fisco. A lei complementar pode disciplinar a transferência
do segredo bancário para a Administração tributária por legítimos motivos de
ordem pública, como os relacionados aos combates a evasão e sonegação
fiscais, passando, nesse caso, a existir uma troca de sigilo bancário para o
sigilo fiscal.

E, de fato, o caput do artigo 198 do Código Tributário Nacional, com a redação


determinada pela Lei Complementar n° 105, de 10.01.2001, assegura o sigilo
fiscal nos seguintes termos:

Art. 198. Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada


a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores,
de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica
ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e
o estado de seus negócios ou atividades.

Nos termos do §1º do mesmo artigo 198, excetuam-se do disposto, o com o


escopo de se combater a evasão e a sonegação fiscal, a requisição de
autoridade judiciária no interesse da justiça, o que é tradicional no nosso
Direito, e, com o escopo de oferecimento de resistência à ilegalidade e à
corrupção administrativa, também as solicitações de autoridade administrativa
no interesse da Administração Pública, desde que seja comprovada a
instauração regular de processo administrativo, no órgão ou na entidade
respectiva, com o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a
informação, por prática de infração administrativa.

O caput artigo 199 da Lei nº 5.172/66 contém uma outra exceção ao autorizar
à Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
a se prestarem mutuamente assistência para a fiscalização dos tributos
respectivos e permuta de informações, na forma estabelecida, em caráter geral
ou específico, por lei ou convênio.

Por sua vez, a Lei Complementar n° 104, de 10.01.2001, acrescentou o


parágrafo único ao artigo 199 do CTN, facultando, na forma estabelecida por
tratados, acordos ou convênios, que a Fazenda Pública da União permute
informações com Estados estrangeiros no interesse da arrecadação e da
fiscalização de tributos.

O §2.º do artigo 198 do CTN (com a redação dada pela LC nº 105/01)


assegura que o intercâmbio de informação sigilosa, no âmbito da
Administração Pública, será realizado mediante processo regularmente
instaurado, e a entrega será feita pessoalmente à autoridade solicitante,
mediante recibo, que formalize a transferência e assegure a preservação do
sigilo.
Já o §3º do mesmo artigo 198 (com a redação dada pela LC nº 105) não veda
a divulgação de informações relativas a representações fiscais para fins penais
(tem relevância para o contribuinte para possibilitar o pagamento do tributo
antes do recebimento da denúncia, extinguindo assim a punibilidade),
inscrições na Dívida Ativa da Fazenda Pública (entra-se na fase pública da
execução fiscal) e parcelamento ou moratória (justificável em fase dos
princípios da publicidade da Administração e da transparência).

Contudo, é inaceitável que os contribuintes tenham qualquer direito de impedir


o Fisco de cumprir, respeitados os direitos individuais pertinentes, com a
mantença do sigilo bancário e com a observância do devido processo legal, e
nos termos da lei, o seu poder-dever de fiscalizar e tributar corretamente, o que
pressupõe a possibilidade de identificação do patrimônio, dos rendimentos e
das atividades que indiquem substância contributiva (CF, art. 145, §1o).

A Administração tributária, a quem compete, por lei, as atribuições de


fiscalização e lançamento, no interesse na maior eficácia dos princípios da
igualdade e da capacidade contributiva (CF, art. 150, II e art. 145 §1º), deve ter
os meios para conferir, como um dos elementos de controle, se o que vem
sendo declarado para fins de imposto de renda corresponde à renda
depositada e aplicada nos Bancos.

Caso contrário, o tributo deixaria de ser uma obrigação compulsória, e passaria


a ser uma contribuição voluntária, só pagaria tributo ou, pelo menos em níveis
corretos, quem tivesse consciência desse dever ou espontânea vontade de
contribuir para o pacto social.

Afinal de contas, o povo brasileiro, além de ter a garantia de viver num Estado
de Direito, tem também o direito de viver em um Estado democrático (CF, arts.
1º caput e 3º).

A propósito, quanto aos limites dos direitos fundamentais em conflito com


outros direitos e valores, transcrevo trecho da lição de José Carlos Vieira de
Andrade (Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976.
Coimbra: Almedina, 1987, p. 232):
A (relativa) falta de preceitos constitucionais que autorizem a restrição pela lei
pode, contudo, ser colmatada pelo recurso à Declaração Universal dos Direitos
do Homem, nos termos do n. 2 do art. 16º. A Declaração, no seu artigo 29º,
permite que o legislador estabeleça limites aos direitos fundamentais para
assegurar o reconhecimento ou o respeito dos valores aí enunciados:

"direitos e liberdades de outrem", - "justas exigências da moral, da ordem


pública e do bem-estar geral numa sociedade democrática". É esta a opinião
de Mota Pinto, a que damos o nosso acordo.

Corrobora o que dissemos o seguinte magistério de Bernardo Ribeiro de


Moraes:15

O sigilo dessas informações, inclusive o sigilo bancário não é absoluto.


Ninguém pode se eximir de prestar informações no interesse público, para
esclarecimento dos fatos essenciais e indispensáveis à aplicação da lei
tributária.

O sigilo, em verdade, não é estabelecido para ocultar fatos, mas sim, para
revestir a revelação deles de um caráter de excepcionalidade. Assim, compete
à autoridade administrativa ao fazer a intimação escrita, conforme determina
o código tributário nacional, estar diante de processos administrativos já
instaurados, onde as respectivas informações sejam imprescindíveis.

Contudo, a partir da entrega para as autoridades tributárias dos documentos,


livros ou registros de instituições financeiras, inclusive dos informes referentes
a contas de depósitos e aplicações financeiras, como, ao meu ver, já
autorizavam os §§5º e 6º do art. 38, da Lei nº 4.595/64 (agora expressamente
revogado pelo art. 13 da LC nº 105/01) e o art. 197, II, da Lei nº 5.172/66
(embora a jurisprudência do STJ tenha se firmado em sentido contrário), e
agora, autorizam os artigos 5º e 6º da LC nº 105, o sigilo bancário não é
quebrado, mas, apenas, se transfere à responsabilidade da autoridade
administrativa solicitante e dos agentes fiscais que a eles tenham acesso no
restrito exercício de suas funções, que não poderão violar, salvo as ressalvas
do §1º, incisos I e II, e §3º, incisos I, II e III, do art. 198, e do art. 199, caput e
parágrafo único, do Código Tributário Nacional, com as redações dadas pelo
artigo 1º da Lei Complementar nº 105, de 10.01.2001, como aliás prevê o inciso
XXXIII, do art. 5º, da Constituição Federal, que ressalva do direito de todos a
receber dos órgãos públicos informações, ressalvados os casos de sigilo que
sejam imprescindíveis à segurança da sociedade e do Estado, nos termos da
lei, sob pena de incorrerem em responsabilidade penal, civil e administrativa
(§7º, do art. 38 da Lei nº 4.595/64; art. 198 do CTN; com a redação dada pela
LC nº 104/01; art. 325 do CP, art. 10 e 11 da LC nº 105).
O artigo 10 da Lei Complementar nº 105 dispõe que a quebra de sigilo, fora
das hipóteses autorizadas legalmente, constitui crime e sujeita os responsáveis
à pena de reclusão, de um a quatro anos, e multa, aplicando-se no que couber
o Código Penal, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.

Por ocasião do julgamento da Medida Cautelar nº 3.060/PR em 16.11.2000, o


Egrégio Superior Tribunal de Justiça decidiu que "o sigilo bancário não é
um direito de natureza absoluta. Há de ceder diante do interesse público
caracterizado pela necessidade do fisco em definir se há sonegação fiscal
pela via de omissão de receitas" (DJU 12 mar. 2001, p. 91).

No referido julgamento, foi admitido que o sigilo bancário, mesmo que se


considere que constitui garantia constitucional contra eventuais danos à
propriedade e à vida privada, deflui do nosso sistema jurídico que tais
proteções são relativas, devendo ceder ante a imperativos do interesse público,
que predominam sobre os de natureza privada.

8) Situações para a quebra do sigilo bancário

O caput do artigo 5º da Lei Complementar brasileira n° 105, de 10 de janeiro de


2001, que dispõe sobre o sigilo das operações financeiras e dá outras
providências, reza que o Poder Executivo disciplinará, inclusive quanto à
periodicidade e aos limites de valor, os critérios, segundo os quais as
instituições financeiras informarão à Administração tributária da União as
operações financeiras efetuadas pelos usuários de seus serviços.

Seria melhor, para evitar discussão a respeito, tendo em vista que poderia
eventualmente haver o envolvimento com o alegado direito à privacidade, que
a própria lei complementar houvesse já fixado essa periodicidade e os pisos de
valor, bem como os critérios a serem seguidos pelas instituições financeiras
para o envio de informação à Receita Federal, embora se deva reconhecer que
essas questões, meramente procedimentais de regulamentação do que já foi
autorizada pela lei, bem como sujeitas às constantes mutações de
conveniência pelas próprias variações da economia, sejam melhor
disciplinadas por normas infra legais.

Aqui não se trata de ilícita delegação de competência legislativa.

O que se constata, no caso, é uma espécie de norma em branco sobre a


fiscalização tributária e sobre obrigação tributária acessória, matérias que
decorrem da competência ampla da legislação tributária (termo que abrange
normas infra legais) e não da lei em sentido estritamente técnico (CTN, arts.
113, §2º e 194).

Aliás, norma em branco é admissível tanto no Direito Tributário, quanto no


Direito Penal, sem que se possa falar em prejuízo ao princípio da legalidade,
ou dano à reserva de lei complementar.

Leis em branco são as de definição típica ou genérica e, às vezes, contêm


sanctio juris determinada, prevendo ela mesmo a necessidade de sua
explicitação por outro diploma legal (em sentido amplo).

Como ilustração de norma em branco no âmbito do próprio Direito Penal, que


se caracteriza pelo princípio da legalidade, sem que tenha havido dúvidas
quanto a sua juridicidade, recorde-se a Lei nº 1.521, de 26.12.1951, que define
crimes contra a economia popular, e, no seu artigo 2º inciso VI, impõe a pena
de detenção de seis meses a dois anos e multa a quem "transgredir tabelas
oficiais de gêneros e mercadorias...". A sanção e o fato típico genérico vêm
determinados, no entanto, como a definição legal do crime mostra-se
incompleto, a própria norma condiciona à expedição de portarias
administrativas.

Assim, a exequibilidade da norma em branco, em sentido estrito, depende da


expedição de certos atos administrativos.

A seguir, o §1º do artigo 5º da mesma lei complementar, por meio de quinze


incisos, define o que pode ser considerado operações financeiras, sendo de se
observar que a grande maioria dessas operações afiguram-se intransitivas,
vale dizer, insusceptível de gerar intercâmbios com outras pessoas
identificadas.

Assim, o §1o, do artigo 5°, da Lei Complementar nº 105, de 10.01.2001,

9) considera operações financeiras:

a) Depósitos à vista e a prazo, inclusive em conta de poupança;


b) Pagamentos efetuados em moeda corrente ou em cheques;
c) Emissão de ordens de crédito ou documentos assemelhados;
d) Resgates em contas de depósitos à vista ou a prazo, inclusive de
poupança;
e) Contratos de mútuo;
f) Descontos de duplicatas, notas promissórias e outros títulos de crédito;
g) Aquisições e vendas de títulos de renda fixa ou variável;
Aaplicações em fundos de investimentos; aquisições de moeda
estrangeira;
h) Conversões de moeda estrangeira em moeda nacional;
i) Transferências de moeda e outros valores para o exterior; operações
com ouro, ativo financeiro;
j) Operações com cartão de crédito; operações de arrendamento
mercantil; e quaisquer outras operações de natureza semelhante que
venham a ser autorizadas pelo Banco Central do Brasil, Comissão de
Valores Mobiliários ou outro órgão competente.

É de grande relevância a norma do §2º do artigo 5º da Lei Complementar nº


105, que reza que as informações transferidas na forma do caput deste
artigo restringirse-ão a dados cadastrais gerais, ou seja, a informes
relacionados com a identificação dos titulares das operações e os montantes
globais mensalmente movimentados, vedada a inserção de qualquer
elemento que permita identificar a sua origem ou a natureza dos gastos a
partir deles efetuados.

Com isso, explicitou-se o caráter estritamente contábil da informação acessível


à fiscalização tributária e vedou-se expressamente, já na própria Lei
Complementar nº 105, de 2001, a possibilidade de conferir-se qualquer caráter
revelador da origem ou da natureza dos gastos quando da concessão das
informações relativas às operações financeiras.

Aqui, cuida-se apenas de transferência, para a Administração tributária, de


dados cadastrais relacionados com a propriedade, sem qualquer possibilidade
de reflexo na privacidade, e, como é cediço, a propriedade deve ter função
social, e o direito a ela pode ser relativizado por lei.

A privacidade, na espécie, está, portanto, protegida, quando a supracitada


norma da lei complementar restringe a transmissão das informações, por parte
das instituições financeiras, a simples informações cadastrais dos contribuintes
usuários de serviços bancários, é dizer meros dados que identificam a pessoa
em suas relações sociais, comerciais e com o Poder Público (nome, CPF,
número da conta, endereço), aliás a identificação dos nomes das pessoas faz
parte da comunicação humana: ninguém tem identificação só para si mesmo
ou para pessoas mais chegadas, o nome das pessoas é mesmo para os
outros, para o mundo.

O direito à privacidade também está preservado quando o preceptivo do §2º do


artigo 5º da LC nº 105, a exemplo do estatuído no artigo 12 da Lei
Complementar nº 70, de 30 de dezembro de 1991, limita a transmissão apenas
de valores globais movimentados, proibida, nessa fase, a inserção de qualquer
elemento que permita identificar a sua origem ou a natureza dos gastos
efetuados.

Portanto, no caso do caput do artigo 5ºe do §2º da Lei Complementar nº


105, não há qualquer possibilidade de se relacionar a transferência dos
dados cadastrais dos usuários dos serviços bancários com a proteção de
qualquer aspecto do direito à privacidade, de modo que, neste caso, nem
sequer é exigível a motivação do ato de transmissão desses cadastros.

E a Administração tributária nem tem mesmo interesse algum de tomar


conhecimento de reflexos da vida privada dos contribuintes, eventualmente
espelhadas nas movimentações bancárias dos usuários dos serviços das
instituições financeiras - saber quem recebeu de quem ou quem pagou a quem,
ou que a pessoa comprou ou pagou: interessa sim saber o total depositado nas
contas bancárias, para verificar se o que foi declarado, para fins do imposto de
renda, por exemplo, por força de lei e sujeito às penas da Lei nº 8.137, de 1990
(que define crimes contra a ordem tributária) está ou não conciliável com o que
se encontra, realmente, depositado.

O §3° do mesmo artigo 5º, inspirado, talvez, pela possibilidade de confusão e


pela imunidade intergovernamental recíproca em respeito à Federação
brasileira, exclui das informações a serem enviadas pelas instituições
financeiras à Administração tributária federal as operações financeiras
efetuadas pelas administrações diretas e indiretas da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios.

O §4º, por sua vez, permite que a autoridade administrativa competente


poderá requisitar informações e documentos complementares necessários
àqueles mencionadas no §2º, bem como realizar fiscalização ou auditoria para
a adequada apuração dos fatos, tão-somente na hipótese de detecção de
"indícios de falhas, incorreções ou omissões" ou de "cometimento de ilícito
fiscal", o que constitui exigência igualmente adicional de consistência e
finalidade específica no acesso a informações.

Essa regra do §4º do artigo 5º da Lei Complementar nº 105, conjugada com a


do §2º do mesmo artigo, objetiva racionalizar os trabalhos de prestação de
informações bancárias ao fisco federal, na medida em que o detalhamento de
dados sobre operações e serviços de instituições financeiras pode ser
requisitado somente caso a caso e, assim mesmo, apenas na hipótese de
haver indícios de falhas, incorreções ou omissões, ou de cometimento de ilícito
fiscal, nas informações recebidas pelo órgão da administração tributária da
União, sendo, portanto, neste caso, exigível a motivação do pedido por parte
da Administração.
A seu turno, o §5º do artigo 15 da LC nº 105, satisfazendo o devido processo
legal e determinando a observância das exigências da legislação em vigor, traz
normas de organização e procedimento, assegurando que tais informações
serão conservadas sob sigilo fiscal.

Portanto, não se trata, em verdade, de quebra de sigilo bancário, mas apenas


de sua transferência imediata para a Administração tributária federal,
comutando-se sigilo bancário para sigilo fiscal.

A seu turno, o caput do artigo 6º da LC nº 105/01 estabelece a obrigação de as


autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios de submeter-se à organização e ao procedimento
previsto, de modo que somente poderão examinar documentos, livros e
registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de
depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo
instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados
indispensáveis pela autoridade administrativa competente, devendo, também
neste caso, ocorrer a motivação do pedido por parte da autoridade fiscal
competente.

Já o parágrafo único do artigo 6º da mesma lei complementar repisa que "os


resultados dos exames, as informações e os documentos a que se refere este
artigo serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária".

Destarte, o artigo 6º da Lei Complementar nº 105 autoriza a transferência direta


do segredo bancário para a Administração tributária dos entes da Federação e
estabelece regras procedimentais e requisitos básicos de como deve ocorrer tal
transferência.

Estou, portanto, que é constitucionalmente admissível a transferência direta do


sigilo bancário para a Administração tributária nos casos previstos nos artigos
5º e 6º da Lei Complementar n° 105, de 10 de janeiro de 2001.

Através do Decreto nº 3.724, de 10 de janeiro de 2001, o Excelentíssimo


Senhor Presidente da República, no uso da competência conferida pelo artigo
84, incisos IV e VI, da Constituição Federal, de expedir decretos para a fiel
execução das leis e de dispor sobre a organização, funcionamento e
procedimento interno da própria da Administração federal, regulamenta o artigo
6º da LC nº 105, relativamente à requisição, acesso e uso, pela Secretaria da
Receita Federal, de informações referentes a operações e serviços das
instituições financeiras e das entidades a elas equiparadas.

Aqui, deve ser ressaltado que embora, no Direito Tributário, devam ser
obedecidos os princípios da legalidade e da tipicidade, não há exigência para
que essa legalidade seja estrita e que essa tipicidade seja fechada,
especialmente quando esteja em causa mera matéria formal relativa à
organização, ao funcionamento e ao procedimento da fiscalização tributária.

Trata o referido Decreto de regulamento autorizado de execução da lei, que,


inclusive, dá ainda mais proteção aos contribuintes, como bem deixaram
demonstrado as informações AGU/AS-08/2001 prestadas pelo Excelentíssimo
Senhor Presidente da República na ADIn nº 2397 requerida pela CNI, a seguir
transcritas.

O artigo 1º do Decreto impugnado explicita seu objeto ("requisição, acesso e


uso, pela Secretaria da Receita Federal e seus agentes, de informações
referentes a operações e serviços das instituições financeiras e das entidades
a elas equiparadas") e sua finalidade ("bem assim estabelece procedimentos
para preservar o sigilo das informações obtidas"), em clara e expressa
manifestação de sua vinculação ao imperativo de organização e procedimento.

O artigo 2º, por sua vez, qualifica o servidor ao qual se concede o acesso a
informações relativas a terceiros - a saber, o ocupante do cargo de Auditor-
Fiscal da Receita Federal - e restringe sua atuação às hipóteses em que
"houver procedimento de fiscalização em curso e tais exames forem
considerados indispensáveis".

Após essa explicitação da competência e do cabimento do acesso a tais


informações, conceitua-se no §1º do referido Diploma o "procedimento de
fiscalização" como a "modalidade de procedimento fiscal a que se referem o
artigo 7º e seguintes do Decreto n° 70.235, de 06.03.1972, que dispõe sobre o
processo administrativo fiscal", para o fim definir-se o paradigma e evitar-se
risco de ambiguidades na aplicação da norma.

A seguir, introduz-se, no §2º do mesmo artigo a necessidade de que o


procedimento de fiscalização – cuja instauração é prévia ao acesso a
informações relativas a operações financeiras - sujeite-se a "ordem específica
denominada Mandado de Procedimento Fiscal (MPF), instituído em ato da
Secretaria da Receita Federal". Tal Mandado de Procedimento Fiscal constitui
a primeira garantia sob cuja forma desenvolve-se modalidade própria,
específica e suficientemente densa de proteção dos direitos fundamentais
daqueles sujeitos à fiscalização, pois, acerca dele, define-se já a autoridade
competente para sua expedição (o "ocupante do cargo de Coordenador-Geral,
Superintendente, Delegado ou Inspetor, integrante da estrutura de cargos e
funções da Secretaria da Receita Federal") bem como seu conteúdo mínimo.

Com a definição da autoridade, elimina-se a possibilidade de todo e qualquer


agente da fiscalização tributária proceda ao acesso a tais informações, restritas
aos postos de hierarquia superior da fiscalização tributária federal e cuja
guarda e responsabilidade a esse grupo restrito será imputada.

No que toca ao conteúdo, o Mandado de Procedimento Fiscal revela-se


ainda mais apto a assegurar as posições jurídicas e interesses dos cidadãos,
pois dele constarão, no mínimo, informações suficientes para restringir o objeto
e o alcance do objeto da fiscalização e consequentemente do acesso a
informações ("a denominação do tributo ou da contribuição objeto do
procedimento de fiscalização a ser executado, bem assim o período de
apuração correspondente"), a duração da fiscalização ("prazo para a realização
do procedimento de fiscalização, prorrogável a juízo da autoridade que expediu
o MPF"), a identificação dos agentes públicos e de seus superiores
hierárquicos ("nome e matrícula dos Auditores-Fiscais da Receita Federal
responsáveis pela execução do MPF", "nome, número do telefone e endereço
funcional do chefe imediato dos mesmos" e "nome, matrícula e assinatura da
autoridade que expediu o MPF") bem como a absoluta transparência e certeza
acerca da existência e consistência do próprio procedimento ("código de
acesso à Internet que permitirá ao sujeito passivo, objeto do procedimento de
fiscalização, identificar o MPF").

Tais requisitos e conteúdos mínimos impedem a prática de ato por autoridade


incompetente, asseguram o caráter material e temporalmente limitado e
exclusivamente vinculado aos fins próprios ao procedimento de fiscalização do
acesso às informações (afastando as figuras do abuso de poder e do desvio de
finalidade), permitem responsabilizar os agentes públicos bem como certificar-
se acerca da existência, consistência e veracidade do procedimento de
fiscalização bem como do próprio MPF expedido.

Somente se excepcionam da prévia expedição do MPF, as circunstâncias


rigorosamente pontuais de flagrante delito e atuação cautelar (inclusive para a
preservação da prova), sujeitas à expedição do competente MPF no prazo de
cinco dias que se seguir o início do procedimento, assegurada igualmente
ciência ao interessado.

O MPF será ainda inexigível em hipóteses específicas cuja própria natureza


impede a expedição do referido Mandado, tais como procedimento de
fiscalização (I) realizado no curso do despacho aduaneiro, (II) interno, de
revisão aduaneira, (III) de vigilância e repressão ao contrabando e descaminho,
realizado em operação ostensiva e (IV) relativo ao tratamento automático das
declarações (malhas fiscais) - sendo que, nessa última hipótese, sequer se
aplica o exame de que trata o caput. É manifesta, destarte, a idoneidade e a
relevância do Mandado de Procedimento Fiscal para assegurar-se a ampla
defesa, a ciência pelo interessado, a proteção a seus direitos e interesses bem
como a impossibilidade de abuso de poder e de desvio de finalidade.
O art. 3º do mesmo Decreto, a seu turno, esclarece as hipóteses em que se
consideram indispensáveis os exames referidos no caput do art. 2º,
esclarecendo circunstâncias em que se verificam indícios de fraude tributária
e/ou hipóteses em tudo alheias à preservação da intimidade ou da vida privada
de qualquer cidadão.

São suscetíveis de qualificação como óbvios indícios de fraude tributária


todas as hipóteses insertas nos incisos I a XI do art. 3º do Decreto. A isso,
acrescenta-se a necessidade de qualificação adicional de tais indícios ao se
afastar, por determinação do §1º do mesmo artigo, a aplicação do disposto nos
incisos I a VI, "quando as diferenças apuradas não excedam a dez por cento
dos valores de mercado ou declarados, conforme o caso". Do mesmo modo, a
hipótese prevista no inciso XI é ainda qualificada, nos termos do §2º do mesmo
artigo, nas circunstâncias em que (I) "as informações disponíveis, relativas ao
sujeito passivo, indicarem movimentação financeira superior a dez vezes a
renda disponível declarada ou, na ausência de Declaração de Ajuste Anual do
Imposto de Renda, o montante anual da movimentação for superior ao
estabelecido no inciso II do §3° do art. 42 da Lei n° 9.430, de 1996" ou (II) "a
ficha cadastral do sujeito passivo, na instituição financeira, ou equiparada,
contenha informações falsas quanto a endereço, rendimentos ou patrimônio, ou
ainda rendimento inferior a dez por cento do montante anual da
movimentação".

Parece evidente, destarte, que a intervenção somente se dará em hipóteses


excepcionais e em que se manifesta absolutamente denso o indício de fraude.

Esse indício de fraude tributária revela ainda algo decisivo para afastar-se a
aventada inconstitucionalidade. O acesso por parte da autoridade tributária a
tais informações consiste em um mero teste de veracidade e consistência das
informações já anteriormente oferecidas à administração tributária, pois, em
verdade, aquele sujeito à fiscalização encontra-se já obrigado a prestá-las
originariamente à autoridade tributária. Assim, o acesso a tais informações
longe se encontra de constituir quebra de sigilo ou prerrogativa excepcional de
acesso a informações, mas tão-somente a possibilidade de testar a
consistência e veracidade de informações (por exemplo, aquelas relativas a
rendimentos) que originária e adequadamente deveriam ter sido oferecidas
pelo próprio sujeito passivo da obrigação tributária.

Com isso, quer-se afirmar inexistir um direito a omitir da autoridade tributária


informações aptas a permitir o adequado lançamento tributário, mas antes e ao
contrário um expresso dever de fornecê-las direta, prévia e corretamente.
Os indícios de fraude tributária denunciam, em verdade, a omissão de um tal
dever de prestar informação integral e fidedigna, o que autoriza a fiscalização
tributária a acessar aquelas informações a cujo recebimento sempre fez jus e
que lhe fora ilegitimamente negado pelo sujeito passivo da autoridade
tributária. Não se trata, destarte, do acesso excepcional a informações a que
não faria jus a administração tributária, mas antes do exame da veracidade e
consistência de informações que já lhe eram devidas e lhe foram prestadas de
modo deficiente, omisso ou fraudulento. Um tal exame de consistência e
veracidade das informações indispensáveis ao adequado lançamento de
tributos é, de resto, o mister próprio e a razão última da existência dos órgãos e
entidades consagrados à fiscalização tributária, o que corrobora sua manifesta
legitimidade.

Em acréscimo às disposições retro mencionadas, o art. 4º do Decreto


impugnado condiciona a obtenção das informações mencionadas no caput do
art. 2º a sua requisição pelas autoridades competentes para expedir o MPF a
ser formalizada mediante documento denominado Requisição de Informações
sobre Movimentação Financeira (RMF) e dirigida àqueles mencionados nos
incisos I a IV do §1º do referido art. 4º.

Ainda em atenção à procedimentalização da proteção dos interesses e


posições jurídicas dos cidadãos, o §2º exige seja a RMF precedida de
intimação ao sujeito passivo para apresentação de informações sobre
movimentação financeira, necessárias à execução do MPF. Passa o operar
então o indispensável exame da consistência das informações prestadas pelo
sujeito passivo, que, nos termos do §3º do mesmo artigo, "responde pela
veracidade e integridade das informações prestadas", cuja verificação poderá
ser levada a efeito "por intermédio do Banco Central do Brasil ou da Comissão
de Valores Mobiliários, bem assim de cotejo com outras informações
disponíveis na Secretaria da Receita Federal" (§4º do mesmo dispositivo).

O dever de consistência e veracidade aplica-se igualmente às autoridades


tributárias, pois a "RMF será expedida com base em relatório circunstanciado,
elaborado pelo Auditor-Fiscal da Receita Federal encarregado da execução do
MPF ou por seu chefe imediato" (§5º do mesmo artigo) e, de tal relatório,

"deverá constar a motivação da proposta de expedição da RMF, que


demonstre, com precisão e clareza, tratar-se de situação
enquadrada em hipótese de indispensabilidade prevista no artigo
anterior, observado o princípio da razoabilidade". A seguir, insere-se,
a exemplo do que consta do MPF, um rol mínimo de informações
que a autoridade tributária deve inserir na RMF e que serão dirigidas
às entidades financeiras, entre as quais a delimitação do objeto e da
extensão da matéria requisitada, a identificação das autoridades
responsáveis pela prática do ato e do "código de acesso à Internet
que permitirá à instituição requisitada identificar a RMF".

A seguir, explicita-se e reitera-se a ideia de que a "expedição da RMF presume


indispensabilidade das informações requisitadas".

O art. 5º explicita a extensão das informações requisitadas como concernentes


a "dados constantes da ficha cadastral do sujeito passivo" e "valores,
individualizados, dos débitos e créditos efetuados no período" bem como a sua
finalidade e uso - restritos ao procedimento de fiscalização em curso e ao
processo administrativo fiscal instaurado e, em se tratando de documentos
relativos aos débitos e aos créditos, aos casos previstos nos incisos VII a XI do
art. 3º. O §3º imputa responsabilidade àquele que deixar de prestar ou prestar
indevidamente as informações requisitadas, enquanto o §2º impõe o dever de
entregar ao sujeito passivo, destruir ou inutilizar as informações não
empregadas no processo administrativo fiscal.

A seu turno, o art. 6º determina a comunicação à Secretaria da Receita Federal


de eventuais irregularidades e ilícitos administrativos detectados, sempre que
tais fatos puderem configurar qualquer infração à legislação tributária federal.

No art. 7º, prevê-se a necessidade de manter-se sigilo fiscal acerca das


informações, dos resultados dos exames fiscais e dos documentos obtidos em
função do disposto neste Decreto, o que comprova a mera transferência do
sigilo e sua convolação de sigilo bancário em sigilo fiscal. Tal dever é
procedimentalizado por meio de controle de acesso ao processo administrativo
fiscal de que conste registro do responsável pelo recebimento, nos casos de
movimentação (§1º), de sistema que assegure o lacre e a preservação do
conteúdo dos documentos contra terceiros (§2º), da rotina a ser seguida pelos
destinatários de documentos sigilosos (§§3º a 5º), da exigência de condições
especiais de segurança para a guarda de documentos sigilosos (§6º) e da
criptografia de informações enviadas por meio eletrônico (§7º).

Por fim, os arts. 8º a 11 qualificam como infrações os atos de abuso de poder


ou desvio de finalidade decorrentes do mau uso e guarda ou da quebra do
sigilo fiscal, ainda que decorrente de ato meramente culposo, de que cobertas
as informações transferidas à guarda da Secretaria da Receita Federal. O
complexo normativo destinado a instaurar normas de organização e
procedimento assecuratórias dos interesses e posições jurídicas dos afetados
encontra complemento com a admissão de representação do sujeito passivo
que considerar prejudicado por uso indevido das informações requisitadas.

A Lei nº 10.174, de 9 de janeiro de 2001, que altera o artigo 11 da Lei n° 9.311,


de 24 de outubro de 1996, que trata da CPMF, reza que a Secretaria da
Receita Federal resguardará, na forma da legislação aplicável à matéria, o
sigilo das informações prestadas, facultada sua utilização para instaurar
procedimento administrativo tendente a verificar a existência de crédito
tributário relativo a impostos e contribuições e para lançamento, no âmbito do
procedimento fiscal, do crédito tributário porventura existente, observado o
disposto no art. 42 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, e alterações
posteriores.

Anteriormente, era vedada a utilização, por parte da Receita Federal, de tais


informações sigilosas para a constituição do crédito tributário relativo a outras
contribuições ou impostos.

No entanto, nos termos do artigo 142 do Código Tributário Nacional e do caput


do artigo 11 da Lei n° 9.311, de 24.10.1996, compete à Secretaria da Receita
Federal a administração da CPMF, incluídas as atividades de tributação
(lançamento), fiscalização e arrecadação.

Para isso seja possível, tendo em vista a norma de Direito Natural de que
ninguém é obrigado a fazer o impossível, a Receita Federal, por força do §1°
do mesmo artigo 11, poderá requisitar ou proceder ao exame de documentos,
livros e registros, bem como, ex vi do §2° desse artigo 11, exigir das
instituições financeiras as informações necessárias à identificação dos
contribuintes e os valores globais das respectivas operações, informações
essas que não têm o caráter sigiloso, não tendo a possibilidade de revelar a
privacidade dos contribuintes.

Na espécie, está envolvida a propriedade, sem que haja qualquer reflexo na


proteção da vida privada.

Assim, tais informações, indispensáveis para que seja possível e eficaz a


fiscalização da contribuição, não poderiam mesmo ser negadas à Secretaria da
Receita Federal.

E, como era antes, feria o princípio da razoabilidade e da moralidade


administrativa o fato de a Receita Federal tomar ciência de uma sonegação ou
evasão fiscal, sem que pudesse constituir, com os elementos genéricos de que
recebeu das instituições financeiras, os créditos relativos à outras contribuições
e aos impostos.

No que pese a alegação de que somente lei complementar poderia disciplinar o


sigilo bancário, o caso do §3o do artigo 11 da Lei nº 9.311/96, com a redação
dada pela Lei nº 10.174/01, por não envolver matéria sigilosa, já que cuida de
meros dados cadastrais e de valores globais imprescindíveis para que a
Secretaria da Receita Federal possa cumprir o seu poder-dever de fiscalizar os
tributos federais, pode ser admitido como uma das hipóteses legítimas de
transferência de informações bancárias para a Administração tributária.

Dúvida não há, destarte, acerca da existência de complexo normativo rigoroso,


específico e suficiente para prestar as garantias de organização e
procedimento necessárias à tutela de quaisquer direitos e posições jurídicas
dos sujeitos passivos de obrigações tributárias.

10) O período das informações repassadas a serem repassadas às


autoridades administrativas

O caput do artigo 144 do Código Tributário Nacional estabelece que, quanto


aos aspectos materiais do tributo (contribuinte, hipótese de incidência, base
de cálculo, etc.), aplica-se ao lançamento a lei vigente no momento da
ocorrência do fato gerador da obrigação, ainda que posteriormente modificada
ou revogada.

O §2o do artigo 144 do CTN dispõe que, em relação aos impostos lançados
por períodos certos de tempo, a lei poderá fixar expressamente a data em
que o fato gerador se considera ocorrido.

No entanto, quanto aos aspectos meramente formais ou procedimentais,


segundo o §1° do mesmo artigo 144 do CTN, aplica-se ao lançamento a
legislação que, posteriormente à ocorrência do fato gerador da obrigação,
tenha instituído novos critérios de apuração ou processos de fiscalização,
ampliado os poderes de investigação das autoridades administrativas.

Destarte, não há direito adquirido de só ser fiscalizado com base na legislação


vigente no momento da ocorrência do fato gerador, mas com base da
legislação vigente do momento da ocorrência do lançamento, que, aliás, pode
ser revisado de ofício pela autoridade administrativa, enquanto não ocorrer a
decadência.

Tendo em vista que o lançamento é declaratório da obrigação tributária e


constitutivo do crédito tributário, o direto adquirido, emergido com o fato
gerador, refere-se ao aspecto substancial do tributo, mas não em relação à
aplicação de meios mais eficientes de fiscalização. Nesta hipótese, a lei que
deverá ser aplicada é a vigente do momento do lançamento ou de sua revisão
até antes da ocorrência da decadência, mesmo que posterior ao fato gerador,
embora que, no que respeita a parte material, seja observada a legislação do
momento da ocorrência do fato gerador ou do momento em que este é
considerado ocorrido.
A Constituição Federal, de 1988, não assegura que o sigilo bancário
só poderia ser transferido para a Administração tributária com a
intermediação do Poder Judiciário, deixando o estabelecimento
dessa política para o legislador infraconstitucional.

E, certamente, o contribuinte, de há muito tempo, já foi orientado no sentido de


que a lei, que disciplina os aspectos formais ou simplesmente procedimentais,
é a vigente na data do lançamento.

A fiscalização através da transferência direta do sigilo bancário para a


Administração tributária não representa uma inovação dos aspectos
substanciais do tributo: a Lei Complementar nº 105/01 e a Lei nº 10.174/01.

Neste aspecto, cabe repetir que, quanto ao estabelecimento da hipótese de


incidência, à identificação do sujeito passivo, à definição da base de cálculo, à
fixação da alíquota, e etc., a lei, a ser utilizada, continua sendo a vigente antes
do fato gerador do tributo, inexistindo descuramento ao princípio da
irretroatividade da lei em relação ao fato gerador (CF, art. 150, III, a).

Assim, por exemplo, em caso da não declaração exata e não pagamento


integral do tributo, em face de esquecimento, omissão ou sonegação, vindo tal
rendimento ao conhecimento do Fisco, em face de informações bancárias
obtidas, não sucederá aumento de tributação, no sentido de que a Lei
Complementar nº 105 não criou, em absoluto, novas hipóteses de incidência,
nem majorou bases de cálculo, nem aumentou alíquotas, nem definiu novos
sujeitos passivos.

Descobrindo o Fisco a omissão ou sonegação ex vi dos dados ou


documentos enviados pelas instituições financeiras, isto possibilitará, apenas, a
incidência das regras substanciais de tributação exatamente como eram no
momento da ocorrência do fato gerador.

Não há, na hipótese, lei nova aumentando o tributo, apenas será cobrado o que
já era devido com base na legislação vigente no momento do fato gerador.

Esta é a minha modesta opinião, recentemente corroborada pela 1º. Turma do


Egrégio Superior Tribunal de Justiça,16 embora esteja ciente de que parte da
doutrina considera que a Lei Complementar n° 105, de 10 de janeiro de 2001,
que autoriza o acesso direto de dados bancários dos contribuintes por parte da
Administração Tributária, em nome dos fatos jurídicos perfeitos, não poderia
retroagir, podendo só ser aplicada em relação a fatos ocorridos após o início de
sua vigência.
11) A responsabilidade pelo não repasse das informações

As normas jurídicas dos artigos 5° e 6° da Lei Complementar n° 105, de


10.01.2001, que autorizam a transferência direta do sigilo bancário para a
Administração Tributária, independentemente da intermediação do Poder
Judiciário, gozam de presunção de constitucionalidade, da mesma forma em
que os preceitos regulamentares do Decreto n° 3.724, de 10.01.2001, têm
presunção de legitimidade.

Portanto, a não ser que protegido por decisão judicial, quem omitir, retardar
injustificadamente ou prestar falsamente à Secretaria da Receita Federal as
informações bancárias legalmente requeridas, ficará sujeito às sanções
criminais de que trata o art. 10, caput, da Lei Complementar nº 105, de 2001,
sem prejuízo das penalidades cabíveis nos termos da legislação tributária.

Reza o artigo 10 da Lei Complementar nº 105 que tais fatos constituem-se em


crime e sujeitam os responsáveis à pena de reclusão, de um a quatro anos, e
multa, aplicando-se, no que couber, o Código Penal, sem prejuízo de outras
sanções cabíveis.

12) O STF e o sigilo bancário antes da Constituição de 1988

É verdade que, após a Constituição de 5 de outubro de 1988, a nossa Corte


Constitucional ainda não examinou o mérito da possibilidade ou não da
transferência direta do sigilo bancário para a Administração tributária.

Assim é que o Supremo Tribunal Federal, embora tenha repetido que a


garantia do sigilo bancário (CF, art. 5o X) não tem caráter absoluto, estando as
exceções a tal garantia disciplinadas em normas infraconstitucionais, não
conheceu do Recurso Extraordinário n° 219.780-PE, Relator o Senhor Ministro
Carlos Velloso, pelo fato de o recurso especial não ter prosperado por falta de
prequestionamento da matéria legal (CTN, art. 197, parágrafo único) e o
recurso extraordinário ter discutido questão sob o ponto de vista puramente
constitucional, Ponderou-se, ainda, que o artigo 145 §1º da Constituição
Federal também suscita questão infraconstitucional que não foi pré
questionada no caso.

Entretanto, antes da Carta Política de 1988, o Supremo Tribunal Federal


sempre admitiu essa relativização do segredo bancário frente à Administração
fiscal. Essa afirmação encontra-se respaldada, por exemplo, na decisão
unânime da 3a Turma do Pretório Excelso, por ensejo do julgamento do RMS n°
15.925-GB:
RECURSO DE MANDADO DE SEGURANÇA N. 15.925-GB
Relator : O Sr. Min. Gonçalves de Oliveira.
Recorrente: Banco Francês e Italiano para América do Sul S.A.
Recorrida : União Federal.
(Terceira Turma)

Sigilo bancário. Agentes do Imposto de Renda. Ação fiscal nos Bancos,


Recurso não provido. (In RTJ 37/373)

O Relator do RMS retro focalizado o Senhor Ministro Gonçalves de Oliveira


assim efetuou o seu relatório e votou:

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Gonçalves de Oliveira: - o Banco interpõe recurso ordinário do


acórdão do Tribunal Federal de Recursos, denegatório de segurança,
confirmatório de sentença de primeira instância.

O Banco pretende recusar esclarecimentos sobre conta de cliente correntista.

A ementa do acórdão é esta:

Sigilo bancário. Informações destinadas à Divisão do Imposto sobre a Renda.

O sigilo bancário só tem sentido enquanto protege o contribuinte contra o


perigo da divulgação ao público, nunca quando a divulgação é para o fiscal do
imposto de renda que, sob pena de responsabilidade, jamais poderá transmitir
o que lhe foi dado a conhecer.

VOTO

Nego provimento ao recurso. Não há perigo de devassa ou quebra de sigilo


bancário, porquanto, como assinala o parecer, os Agentes Fiscais do Imposto
de Renda são obrigados ao sigilo (art. 301, Decreto 47.373-59), sob pena de
responsabilidade. (Opus citatum, p. 374-375)

Além da já focalizada regra do artigo 195 da Lei nº 5.172, de 25.10.1966,


possui relevância a norma do artigo 197 do Código Tributário Nacional, que
expressamente inclui os bancos e demais instituições financeiras entre as
pessoas obrigadas a prestar à autoridade administrativa todas as informações
de que dispunham com relação aos bens, negócios ou atividades de terceiros,
e que foi assim comentada por Paulo de Barros Carvalho:17
Em princípio, todas as pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas,
devem colaborar com as autoridades administrativas, prestando as
informações de que dispuserem acerca de bens, negócios ou atividades de
terceiros, quando instadas a fazê-lo.

É da essência dos atos administrativos a finalidade de ordem pública, de modo


que as colaborações prestadas aos agentes, no exercício regular de suas
atribuições funcionais, se incorporam àquele objetivo que visa ao bem comum.
(destaquei em negrito)

O parágrafo único do mesmo artigo 197 reza que essa obrigação não abrange
a prestação de informações quanto a fatos sobre os quais o informante esteja
legalmente obrigado a observar segredo em razão de cargo, ofício, função,
ministério, atividade ou profissão.

É relevante notar que Paulo de Barros Carvalho, embora tenha citado o


psicólogo, o médico, o advogado, o sacerdote dentre aqueles que não estão
cometidas do dever de prestar as informações previstas no artigo 197, não
coloca entre os exonerados os banqueiros ou as instituições financeiras.18

Esse, aliás, é o entendimento de Aliomar Baleeiro:19

Não se conceberia que o advogado e o padre, por ex., fossem compelidos a


devassar confidências recebidas em função de sua atividade, quando outras
leis os garantem em função dessa atividade, contra delações a que se
obrigarem, e até os punem se as fizerem (Cód. Penal, art. 154).

Não é, porém, o caso dos banqueiros, p.ex., que não são adstritos às
mesmas regras éticas e jurídicas de sigilo. Em princípio só devem aceitar e
ser procurados para negócios lícitos e confessáveis.

Diversa é a situação do advogado, do médico e do padre, cujo dever


profissional não tranca os ouvidos a todos os desvios de procedimento ético ou
jurídico, às vezes conhecidos somente da consciência dos confidentes.

Ainda antes da Carta Política de 1988, o Supremo Tribunal Federal teve uma
outra oportunidade para interpretar os lembrados dispositivos do Código
Tributário Nacional, o que ocorreu por ocasião do julgamento do RE nº 71.640-
BA:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO N. 71.640-BA


(Primeira Turma)
Relator : O Sr. Ministro Djaci Falcão.
Recorrente: Banco da Bahia S.A.
Recorrido : Prefeitura Municipal de Salvador.

Sigilo bancário. As decisões na instância ordinária entenderam que em face


do Código Tributário Nacional o segredo bancário não é absoluto. Razoável
inteligência do direito positivo federal, não havendo ofensa ao disposto no art.
153, §9º, da Lei Magna, nem tampouco negativa de vigência do art. 144 do C.
Civil.

O objetivo do writ era afastar a exigência de apresentação de fichas contábeis,


ao fundamento de violação de sigilo bancário. Inocorrência de dissídio
jurisprudencial.

Recurso extraordinário não conhecido. (In RTJ 59/571)

O Excelentíssimo Senhor Ministro Djaci Falcão, em seu voto condutor da


decisão acima referida, esclarece com extrema propriedade o real
entendimento daquela Corte, aduzindo, verbo ad verbum:

O Sr. Ministro Djaci Falcão (Relator):

Insurgiu-se o impetrante do mandado de segurança contra a intimação de


agentes do Fisco municipal, - para apresentação no prazo de 72 horas, de
"fichas contábeis do Razão referente a contratos subsidiários efetuados com
terceiros para refinanciamento".

As decisões na instância ordinária entenderam que em face da Lei 4.595, de


31.12.64, e do Código Tributário Nacional, o segredo bancário não é absoluto,
devendo a Fazenda Pública, sob pena de responsabilidade criminal, guardar o
devido sigilo.

Ao ver do recorrente teria havido negativa de vigência do disposto no art. 38,


da Lei 4.595, de 3 1.12.64.

Dispõe o art. 38:

"As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e


passivas e serviços prestados".

"§5º Os agentes fiscais tributários do Ministério da Fazenda e dos Estados


somente poderão proceder a exame de documentos, livros e registros de
contas de depósitos, quando houver processo instaurado e os mesmos forem
considerados indispensáveis pela autoridade competente".
"§6º O disposto no parágrafo anterior se aplica igualmente à prestação de
esclarecimento e informes pelas instituições financeiras às autoridades fiscais,
devendo sempre estas e os exames serem conservados em sigilo, não
podendo ser utilizados senão reservadamente".

Entendeu, todavia o responsável aresto que ao caso se aplica o art. 195 do


Código Tributário Nacional, verbis:

"Art. 195. Para os efeitos da legislação tributária, não têm aplicação


quaisquer disposições legais excludentes ou limitativas do direito de
examinar mercadorias, livros, arquivos, documentos, papéis e efeitos
comerciais ou fiscais dos comerciantes, industriais ou produtores, ou
da obrigação destes de exibi-los".

Completando o alcance deste preceito, dispõe o art. 197:

Mediante, intimação escrita, são obrigados a prestar à autoridade


administrativa todas as informações de que dispunham com relação aos bens,
negócios ou atividades de terceiros:

"II - os bancos, casas bancárias, caixas econômicas e demais instituições


financeiras".

Diz textualmente o ilustre Desembargador Relator:

"Claro está que restringida foi a garantia do sigilo, em relação aos efeitos da
fiscalização tributária, rompendo com a legislação anterior, como se depreende
da letra do Código Tributário Nacional e Lei 4.595, revogatória do preceito do
art. 17 do Código Comercial, para obrigarem as instituições financeiras prestar
todas as informações de que dispõe com relação aos bens, negócios ou
atividades de terceiros às autoridades administrativas" (f. 77v. e 78).

Trata-se de interpretação acertada. A regra do art. 195 abrange, não há dúvida,


os Estados e Municípios.

Cuidando da preservação do sigilo profissional, escreve o Prof. Aliomar


Baleeiro:

"Não é, porém, o caso dos banqueiros por exemplo, que não estão adstritos às
mesmas regras éticas e jurídicas de sigilo. Em princípio só devem aceitar e ser
procurados para negócios lícitos e confessáveis. Diversa é a situação do
advogado, do médico e do padre, cujo dever profissional lhes não tranca os
ouvidos a todos os desvios de procedimento ético ou jurídico, às vezes
conhecidos somente da consciência dos confidentes" (Direito Tributário
Brasileiro, p. 550-551).

E mais:

"Os Bancos podem ser compelidos a informar ou fornecer cópia dos


bordereaux dos títulos descontados e das duplicatas ou cambiais
sacados contra o contribuinte, a fim de apurar-se a exata natureza
ou volume de seus negócios (CTN, art. 197, II)". (op. cit., p. 547)

Conclui-se do exposto que não há cogitar ofensa ao preceito inserido no art.


153, §9º, da Lei Magna, nem tampouco em negativa de vigência do artigo 144
do C. Civil, e da regra contida na Lei 4.595, de 31.12.64.

Finalmente, convém repetir que a finalidade do writ foi afastar a exigência de


apresentação de fichas contábeis, por importar em violação do sigilo bancário.

Por isso, nesta altura não há que se examinar a questão relativa a legitimidade
do imposto de prestação de serviço, como pretende a recorrente, ferindo o
tema sem indicar vulneração de lei federal. Obvio que tal questão poderá vir a
ser objeto de apreciação noutra provocação jurisdicional.

Diante do exposto não conheço do recurso. (op. cit., p. 573-574)

13) O sigilo bancário em face do revogado art. 38 da Lei nº 4.595/64 e do


caput e parágrafo único do art. 197 do CTN

No Recurso Especial 37.566-5/RS, Relator o senhor Ministro Demócrito


Reinaldo, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, numa
interpretação feita aos preceptivos dos §§5° e 6º do revogado artigo 38 da Lei
n° 4.595, de 31.12.1964, e do parágrafo único do artigo 197 do CTN, decidiu
que a Administração tributária não estava autorizada, pela legislação
infraconstitucional, a receber informações acobertadas pelo sigilo bancário,
sem a intermediação do Poder Judiciário.

Entendeu o Egrégio Pretório que a exigência de processo instaurado, do §5o do


artigo 38 da Lei nº 4.595/64 se referia ao processo judicial, e não ao processo
(procedimento) administrativo e a autoridade competente, para considerar
indispensáveis os exames de documentos, livros e registros de contas de
depósitos, seria a autoridade judiciária e não a autoridade administrativa.
Em artigo de doutrina intitulado "Sigilo bancário e a Administração
tributária", tive a oportunidade de apresentar interpretação divergente a esse
respeito:20

No plano infraconstitucional, iniciamos por ponderar que, embora o caput do


art. 38 da Lei n. 4.595, de 31.12.64, estabeleça regra geral do dever das
instituições financeiras conservarem o sigilo em suas operações ativas e
passivas e serviços prestados, tal regra sofre ressalvas nos parágrafos do
mesmo preceptivo legal.

Assim, o §1º, do art. 38, da Lei supracitada, trata de fornecimento de


informações e esclarecimentos e exibição de livros e documentos ordenados
pelo Poder Judiciário, por parte do Banco Central e pelas instituições
financeiras, mantendo o mesmo caráter sigiloso. Os §§2º, 3º e 4º cuidam das
informações a serem prestadas ao Poder Legislativo. Os §§5º e 6º
excepcionam do sigilo bancário as requisições dos Poderes Executivos dos
entes tributantes, transferindo tal sigilo às Administrações Fazendárias, desde
que haja processo administrativo instaurado e os exames de documentos,
livros, registros de contas de depósitos e os esclarecimentos e informações
requeridos às instituições financeiras seja considerados indispensáveis pela
autoridade fiscal competente. O §7º, do mesmo art. 38 da Lei n. 4.595/64, em
harmonia com o disposto no inciso XXXIII, do art. 5º, do Estatuto Político de
1988, preceitua que a quebra do sigilo de que trata este artigo constituí crime e
sujeita os responsáveis às penas cabíveis.

Ora, os §§5º e 6º seriam perfunctórios se dissessem respeito à hipótese do


§1º.

Este sim, refere-se a transferência do sigilo em processo judicial por ordem de


um dos órgãos do Poder Judiciário.

Aliás, vale recordar que a Constituição Federal revogada, no seu art. 153, §12,
previa que ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita
de autoridade competente, sendo necessária a comunicação imediata ao juiz
competente.

No entanto, nem a doutrina, nem a jurisprudência pátrias conceberam que, em


face de tal preceptivo, a prisão, somente, poderia suceder por ordem de
autoridade judicial. Ao contrário, a prisão administrativa era,
incontestavelmente, praticada.

Somente a partir de 5 de outubro de 1988, é que a vigente Constituição


estabelece no seu art. 5º, LXI, que a prisão, apenas, poderá ser determinada
pela autoridade judiciária competente.
A propósito, insta constatar que, quando a Constituição ou as leis referem-se a
atribuições específicas e exclusivas do Poder Judiciário, utiliza as expressões
"juiz" ou "autoridade judicial" ou "autoridade judiciária".

No art. 5º, da Carta Magna, além do supracitado exemplo do inciso LXI,


exemplifico, apenas, com o disposto no inciso LXII - "a prisão de qualquer
pessoa e o local onde se encontra serão comunicados imediatamente ao juiz
competente..." - e o contido no inciso LXV - "a prisão ilegal será
imediatamente relaxada pela autoridade judiciária".

Já quanto ao Código Tributário Nacional, ilustro com o preceito do parágrafo


único, do art. 198, o qual traz como uma das exceções do dever da Fazenda
Pública e de seus funcionários de guardar – sigilo os casos de requisição
regular da autoridade judiciária no interesse da justiça.

Ademais, no mesmo art. 5º, da Lei Suprema, há preceitos em seus incisos que
utilizam o termo "autoridade competente", referindo-se à "autoridade
administrativa".

Vejamos, por exemplo, o expresso no inciso XVI - "todos podem reunir-se


pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente
de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada
para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade
competente" e no inciso XXV - "no caso de iminente perigo público, a
autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurado ao
proprietário indenização ulterior, se houver dano".

Em reforço ao entendimento de que o §5º da Lei n. 4.595/64 se refere, na


verdade, à autoridade administrativa com competente, aduzimos que o Código
Tributário Nacional, no seu art. 142, estatui que compete privativamente à
autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento.

Prevê, ainda, a Lei nº 5.172/66, no seu art. 197, II, que, mediante intimação
escrita, são obrigados a prestar à autoridade administrativa todas as
informações de que disponham com relação aos bens, negócios ou atividades
de terceiros, os bancos, casas bancárias, Caixas Econômicas e demais
instituições financeiras.

Colime-se que não há, nos textos legais em comento, a indicação no sentido
de competir a autoridade judiciária: o procedimento de intimação em matéria
tributária.
Por outro lado, não é exato afirmar que a palavra "processo", utilizado na
legislação pátria, desacompanhada da expressão "administrativo", significaria
necessariamente, "processo judicial", pois em vários casos o legislador
reportou-se ao "processo administrativo" usando, somente, a palavra
"processo", cabendo apenas citar, por amor à concisão, o disposto no art. 201
do CTN:

"Constitui dívida ativa tributária a proveniente de crédito desta


natureza, regularmente inscrita na repartição administrativa
competente, depois, de esgotado o prazo fixado, para pagamento,
pela lei ou por decisão final proferida em processo regular" e a
norma do parágrafo único do art. 210 da mesma Lei Complementar:
"Os prazos só se iniciam ou vencem em dia de expediente normal na
repartição em que corra o processo ou deva ser praticado o ato".

Outrossim, o Decreto n. 70.235, de 6.3.72, que dispõe sobre o processo


administrativo fiscal, reporta-se ao processo administrativo usando somente
a palavra processo. Transcrevam-se a título ilustrativo, as seguintes normas:

"Art. 22. O processo será organizado em ordem cronológica e terá suas folhas
numeradas e rubricadas".

"Art. 24. O preparo do processo compete a autoridade local do órgão


encarregado da administração do tributo".

"Art. 25. O julgamento do processo compete:

"I - em primeira instância:

a) Aos delegados da Receita Federal, quanto aos tributos


administrados pela Secretaria da Receita Federal do Ministério
da Fazenda;
b) Às autoridades mencionadas na legislação, de cada um dos
demais tributos ou, na falta dessa indicação, aos chefes da
projeção regional ou local da entidade que administra o tributo,
conforme for por ela estabelecido; II - em segunda instância aos
Conselhos de Contribuintes do Ministério da Fazenda, com a
ressalva prevista no inciso II do §1º."

"Art. 27.- O processo será julgado no prazo de 30 (trinta) dias, a partir de sua
entrada no órgão incumbido do julgamento".
Voltando ao art. 5º, da Constituição Federal, observe-se que o seu inciso LVI
estatui que "são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios
ilícitos".

Ninguém nega que, também aqui, a expressão "processo", embora


desacompanhada do adjetivo "administrativo", estende-se ao processo
administrativo.

O inciso LV do art. 5º garante aos litigantes o contraditório e a ampla defesa


inclusive no processo administrativo, bem como o inciso LIV do mesmo artigo
garante o devido processo legal também no processo administrativo, de modo
que a palavra processo não é empregada na Constituição apenas como
processo judicial, sendo inegável que o termo processo pode se referir também
ao processo administrativo.
Aduza-se que a fase do processo, em que a Administração identifica ou
fiscaliza os rendimentos dos contribuintes, recorrendo à intimação escrita às
instituições financeiras, nos termos da lei, e, por isso mesmo, no devido
processo legal, não está, ao meu ver, sujeita ao contraditório e à ampla defesa,
nem aos meios e recursos a ela inerentes, isto porque, nesta fase, não se pode
dizer que já existam litigantes ou acusados. Apenas, após obtido o resultado da
fiscalização, com a realização do eventual lançamento originário, é que a fase
contenciosa do processo inicia-se, com a notificação ao contribuinte para pagar
ou impugnar o crédito decorrente.

Aí sim, são garantidos ao contribuinte o contraditório e a ampla defesa, com os


meios e recursos a ela inerentes, sendo-lhe, ainda, facultado o livre acesso ao
Poder Judiciário.

Vale observar que o Código Tributário Nacional, em seu artigo 148, utiliza o
termo processo regular, mesmo para o arbitramento do valor do tributo
baseado em preço ou valor, se omissos ou desmerecedores de fé os dados do
contribuinte, ou seja, usa a referida Lei Complementar da expressão "processo"
mesmo que o contraditório e a ampla defesa possam não ocorrer.

De fato, o processo fiscal é considerado instaurado a partir da lavratura do


termo de início de fiscalização ou de outro ato que caracteriza atividade de
ofício do fiscal (Decreto n. 87.981/82, artigo 327, inciso II, e Portaria MF n.
493/68, inciso IV).

No mesmo diapasão, o Código de Processo Administrativo-Fiscal, aprovado


pelo Decreto n. 70.235/72, por força da delegação legislativa outorgada pelo
artigo 2º do Decreto-lei n. 822/69, com as modificações introduzidas pela Lei n.
8.748/93, deixa nítidas duas fases no processo fiscal:
a) a primeira, onde se insere o marco inicial do processo, chamada de fase
de apuração, que tem início por qualquer dos atos elencados no artigo
7º do dito Decreto; e,
b) a segunda, a fase contenciosa, que só é alcançada havendo
impugnação do crédito por parte do sujeito passivo da obrigação
tributária.

A jurisprudência pátria, quando da interpretação do parágrafo único, do artigo


198, da Lei n. 5.172/66, tornou assente que é autoridade judiciária a
competente exclusiva para dizer se há ou não interesse da justiça na
requisição da transferência de sigilo fiscal.

Da mesma forma, quando das intimações de transferência de sigilo bancário, a


autoridade competente, para definir se as informações ou documentos
solicitados são indispensáveis, é a autoridade administrativa, vale nominar, no
âmbito federal – o Coordenador Geral do Sistema de Fiscalização, os
Superintendentes Regionais da Receita Federal e os Delegados ou Inspetores
da Receita Federal (Portaria MF n. 493/68, inciso I).

Por outro lado, o dispositivo do parágrafo único do art. 197, do CTN, não se
dirige às instituições financeiras, mas atinge, tão somente, as entidades ou
pessoas que a lei designe, em razão de seu encargo, ofício, função, ministério,
atividade ou profissão (inciso VII do mesmo art. 197), quanto a fatos sobre os
quais o informante esteja legalmente obrigado a observar segredo, em razão
de cargo, ofício, função, ministério, atividade ou profissão.

Vale notar, ainda, que o supracitado preceito legal não estabelece as hipóteses
de sigilo, mas, apenas, remete a leis específicas de cada profissão que acaso
imponham o sigilo, o que não sucede com as instituições financeiras, uma vez
que a Lei n. 4.595/64 e a Lei n. 5.172/66, dentre outras, justamente
excepcionam da regra geral do sigilo bancário às requisições do Fisco, desde
que mediante intimação escrita, existente processo instaurado e a declaração
de necessidade por parte da autoridade fiscal competente, devendo os agentes
da Administração Tributária envolvidos manterem o sigilo.

Ademais, como vimos, o Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento


do Agravo Regimental em Inquérito n° 897-5/DF, decidiu que o sigilo bancário
pode ser transferido sem a necessidade de prévia audiência do investigado, de
modo que considerou equiparados, na espécie, os termos processo e
procedimento.

14) As recomendações da OCDE sobre o sigilo bancário


Para encimar, cumpre mencionar que, dos trinta países integrantes da
Organisation for Economic Co-operation and Development _ OCDE (a saber,
Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, República Checa, Dinamarca,
Finlândia, França, Grécia, Hungria, Islândia, Irlanda, Itália, Japão, Coréia,
Luxemburgo, México, Países Baixos, Nova Zelândia, Noruega, Polônia,
Portugal, Espanha, Suécia, Turquia, Suíça, Reino Unido, Estados Unidos,
República Eslovaca), apenas dois (República Eslovaca e Luxemburgo) não
facultam o acesso, por parte de autoridades tributárias, de informações
bancárias relativas a pessoas envolvidas com incorreções, omissões ou
fraudes tributárias.

Portugal deixou de integrar esse grupo constrangedoramente minoritário ao


aprovar, em 29 de dezembro de 2000, a Lei nº 30-G, bem semelhante a nossa
Lei Complementar nº 105.

As recomendações da OCDE e da própria União Européia são enfáticas em


relativizar o acesso direto das informações bancárias, por motivos fiscais, a
Administração tributária, possibilitando, assim, que os Estados fiscais
democráticos cumpram os seus encargos.

Com a política de relativização do sigilo bancário em relação à Administração


tributária se comprometeu o Brasil a só se interessar pelo investimento de
dinheiro limpo, afastando a lavagem de dinheiro.

15) Conclusão

Como já mencionado, a Constituição brasileira, no seu art. 145, §1o, justamente


para que sejam melhor observados os princípios da igualdade e da capacidade
contributiva, autoriza à Administração tributária identificar o patrimônio, os
rendimentos e as atividades econômicas dos contribuintes.

E o art.. 37 da Constituição Federal exige que a Administração aja, dentro da


legalidade, com impessoalidade e moralidade, assegurando a imparcialidade, e
a eficiência.

Para que sejam atingidos esses objetivos, para que a Administração tributária
seja de fato eficiente, deve, num mundo de hoje globalizado em que os
negócios ocorrem pela internet, ter acesso direto às informações bancárias.

E cabe ressaltar que, como a nossa Corte Constitucional admitiu a legitimidade


da transferência de registros de dados de clientes por parte de
estabelecimentos comerciais e instituições financeiras com o escopo de
proteção de créditos privados e do lucro, como uma faceta "inextirpável da
economia fundada nas relações massificadas de crédito", o que denota que o
acesso a tais sistemas de dados decorre das exigências de eficiência da
economia capitalista, a mesma eficiência deve ser possibilitada para a
fiscalização tributária, tendo em vista as exigências constitucionais de
observância e aplicação do caráter pessoal do imposto de renda e dos
princípios da igualdade do tratamento fiscal e da capacidade contributiva.

As novas normas tributárias que relativizaram o sigilo bancário frente ao Fisco


são pedagógicas, pois, ao dar maior responsabilidade à Administração
tributária e aos seus servidores, contribuem para incentivá-los a uma maior
vivência do princípio da moralidade (leia-se imparcialidade).

Não se pode olvidar que as atividades de fiscalização e lançamento tributário


são típicas da competência da autoridade administrativa fiscal.

A propósito, por ocasião do julgamento do Mandado de Segurança nº 21.729


impetrado pelo Banco do Brasil contra o Procurador-Geral da República (Rel. p/
ac. O Min. Francisco Rezek, acórdão pendente de publicação, e noticiado no
Informativo STF n° 8), o Excelentíssimo Senhor Ministro Ilmar Galvão
reconheceu muito maior plausibilidade na transferência do sigilo bancário para
a Fiscalização do Imposto de Renda, que há de estar em permanente
vigilância, na busca de sinais de riqueza dos contribuintes, do que em relação
ao Ministério Público, cuja iniciativa tem em mira casos específicos, em face
dos quais o requerimento ao Juiz não acarreta maiores transtornos.

Como estava, a eficiência ficava, em verdade, comprometida, pois a


comprovação de provas ou veementes indícios de sonegação ou evasão fiscal
para só então se obter a autorização judicial da transferência do sigilo bancário
torna essa providência desnecessária, pois se o Fisco já possui esses
elementos não precisa pedir a transferência do sigilo, quando o que possibilita
a eficiência e o temor da pessoa que pretenda omitir rendimentos é a
possibilidade de busca, de investigação de cruzamento de informações,
mesmo que ainda não tenha ocorrido a prévia constatação da existência de
indícios de omissão, irregularidade ou crime.

E como já foi mencionado, com apoio da jurisprudência do Excelso Pretório, a


Constituição não coloca o sigilo bancário entre as matérias resguardadas pela
reserva constitucional de jurisdição.

Ademais, como o sigilo bancário só tem sentido enquanto protege o


contribuinte contra o perigo da divulgação ao público em geral, nunca quando a
divulgação de informações bancárias é para as autoridades administrativas
competentes, que, sob pena de responsabilidade penal, civil e administrativa,
estão, em regra, proibidos de transmitir o que lhes foi dado conhecer, não há
perigo de devassa ou quebra de sigilo bancário que venham a perturbar as
relações jurídicas através do sistema financeiro.

Mesmo porque o Direito não existe para proteger a própria torpeza, a


propaganda enganosa da situação econômica, os atos contra a família, a
concorrência desleal com a tendência de dominação do mercado de quem
escapa da tributação correta, ou seja, não se pode permitir, no mundo de
economia globalizada em que os negócios se fazem até por meio virtual pela
internet, e que, na prática, o mais das vezes, os tributos são liquidados e pagos
pelo próprio contribuinte, sem a prévia conferência por parte da Administração,
que sonegadores, traficantes, corruptos tenham o direito de esconder do Fisco
os seus reais rendimentos, impedindo-se a transferência imediata do sigilo
bancário para a Administração tributária, transferência essa necessária para a
sua eficiência.

Aliás, como bem pondera Sérgio Carlos Covello: "Banco não é esconderijo".21

O Poder Judiciário continua como controlador dos atos da Administração, se


até mesmo a solicitação da transferência do sigilo ou mesmo a transferência do
sigilo não corresponderem às exigências legais.

Além da garantia do sigilo fiscal, nos termos do caput do artigo 198 do


Código Tributário Nacional, com a redação dada pela Lei Complementar n°
104/01, que reza que, sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é
vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública, ou de seus servidores, de
informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira
do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus
negócios, do §5° do artigo 5o e do parágrafo único do artigo 6o, ambos da Lei
Complementar n° 105/01, que determinam que os informes recebidos de
entidades financeiras permaneçam em sigilo, o artigo 10 da mesma Lei
Complementar nº 105 dispõe que a quebra do sigilo, fora dos casos previstos
em lei, constitui crime e sujeita os responsáveis a pena de reclusão, de um a
quatro anos, e multa, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.

Já o artigo 11 da Lei Complementar nº 105, buscando amedrontar o servidor


indigno, estatui que o servidor público que utilizar ou viabilizar a utilização de
qualquer informação obtida em decorrência da quebra de sigilo responde
diretamente pelos danos decorrentes, sem prejuízo da responsabilidade
objetiva da entidade pública, quando comprovado que o servidor agiu de
acordo com orientação oficial.

Por sua vez, o artigo 12 do Decreto nº 3.724/01 faculta ao sujeito passivo que
se considerar prejudicado por uso indevido das informações bancárias
requisitadas, ou por abuso da autoridade requisitante, a dirigir representação
ao Corregedor-Geral da Secretaria da Receita Federal, com vistas à apuração
do fato e, se for o caso, à aplicação de penalidades cabíveis ao servidor
responsável pela infração.

Destarte, a autoridade fiscal poderá ser responsabilizada se quebrar o sigilo


fiscal a respeito dos informes bancários recebidos, ou se requisitar e obter
informações bancárias a respeito do contribuinte com o descuramento das
exigências legais.

Eng. Sebastião Martins


Consultor de Tributos Municipais
E.Mail: scm.sistemas@gmail.com
Fone : (31) 99645-0801
_________________________
* Texto publicado na Revista Fórum de Direito Tributário n° 11, Belo Horizonte:

Editora Fórum, 2004.


1 José Cassalta NABAIS - texto da palestra "Algumas Reflexões Sobre o Actual

Estado Fiscal", publicada, devidamente revisada pelo autor, no site da Revista


Virtual da AGU n. 9, abr. 2001. Disponível em: < www.agu.gov.br>.
2 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e

Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, v. III, p. 334.


3 SANCHES, José Luís Saldanha. A Situação Actual do Sigilo Bancário: a

Singularidade do Regime Português. In: Estudos de Direito Bancário. Coimbra,


1999. Esse artigo encontra-se também veiculado no site da Revista Virtual da
AGU, numa edição especial sobre o Sigilo Bancário. Disponível em:
<www.agu.gov.br>.
4 SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes. O Princípio da Moralidade no

Direito Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Pesquisas


Tributárias: Nova série, n. 2. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, Centro
de Extensão Universitária, 1998, p. 188.
5 BRANDÃO, Antônio José. Moralidade Administrativa. RDA, v. 25, p. 459.

6 Tercio Sampaio FERRAZ JUNIOR - palestra sobre o tema "Sigilo Bancário e o


Exame da Constitucionalidade da Lei Complementar nº 105, de 10.01.2001 e
do Decreto 3.724,de 10.01.2001", cuja transcrição foi publicada na Revista
Virtual da AGU: Disponível em: <www.agu.gov.br>.
7 Hugo de Brito MACHADO - trecho da palestra sobre o tema A Não-
cumulatividade do IPI, proferida no I SIMPÓSIO DA ADVOCACIA-GERAL DA
UNIÃO DA 5A. REGIÃO, em Fortaleza no dia 20 de dezembro de 2000, uma
promoção do Centro de Estudos Victor Nunes Leal da AGU, com o apoio do
Instituto Cearense de Estudos Tributários _ ICET.
8 O Código Comercial, no seu artigo 12, e o Decreto-lei n° 486/69, no parágrafo

3o do seu art. 5o, obrigam o comerciante a lançar, respectivamente, no livro


Diário, ou em livros auxiliares, em caso de contas cujas operações sejam
numerosas, todas as suas operações, inclusive as bancárias.
9 SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes. Crimes Contra a Ordem

Tributária. In:
MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Pesquisas Tributárias, Nova Série n.
1. São Paulo: Revista dos Tribunais, Centro de Extensão Universitária, 1995, p.
288-289.
10 SANCHES, José Luís Saldanha. Segredo Bancário e Tributação do Lucro

Real. In: Estudos de Direito Contabilístico e Fiscal. Coimbra: Coimbra Ed.,


2000, p. 108.
11 No Mandado de Segurança nº 21.729/DF, impetrado pelo Banco do Brasil

contra o senhor Procurador-Geral da República em relação à requisição de


informações sobre empréstimos vultosos concedidos a usineiros, a Corte
Suprema, mesmo admitindo a inexistência de autorização legal para a
transferência de segredo bancário para o Ministério Público sem a interferência
do Poder Judiciário, denegando a ordem, decidiu ser inoponível, no caso, a
exceção do sigilo bancário pela instituição financeira, tendo em vista que,
domontante do crédito concedido, parcela tinha origem pública, o que fez
prevalecer o princípio da publicidade da Administração pública, previsto no
caput do artigo 37 da Constituição brasileira (Acórdão pendente de publicação).
12 Acórdão publicado na Revista do Tribunal Regional Federal da 4a. Região,

Porto Alegre, n. 29, 1998, p. 357.


13 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Sigilo de Dados: o Direito à Privacidade

e os Limites à Função Fiscalizadora do Estado. Cadernos de Direito Tributário


e Finanças Públicas, São Paulo, n. 1, 1992, p. 145-146.
14 O Min. Celso de Mello leciona: "O postulado da reserva constitucional de

jurisdição importa em submeter, à esfera única de decisão dos magistrados, a


prática de determinados atos cuja realização, por efeito de explícita
determinação constante do próprio texto da Carta Política, somente pode
emanar do juiz, e não de terceiros, inclusive daqueles a quem se haja
eventualmente atribuído o exercício de `poderes de
investigação próprios das autoridades judiciais'. A cláusula constitucional da
reserva de jurisdição - que incide sobre determinadas matérias, como a busca
domiciliar (CF, art. 5°, XI), a interceptação telefônica (CF, art. 5°, XII) e a
decretação de prisão de qualquer pessoa, ressalvada a hipótese de flagrância
(CF, art. 5°, LXI) - traduz a noção de que, nesses temas específicos, assiste ao
Poder Judiciário, não apenas o direito de proferir a última palavra, mas,
sobretudo, a prerrogativa de dizer, desde logo, a primeira palavra, excluindo-
se, desse modo, por força e autoridade do que dispõe a própria Constituição, a
possibilidade do exercício de iguais atribuições, por parte de quaisquer outros
órgãos ou autoridades do Estado" (MS 23.452, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 12
maio 2000, p. 20).
15 MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de Direito Tributário. Rio de

Janeiro: Forense, 1984, p. 746.


16 Neste diapasão, o Acórdão da 1a. Turma do S.T.J. na Ação Cautelar n°
6.257/RS, Rel. Min. Luiz Fux (RFDT, n. 8, p. 181-189), cuja Ementa segue
transcrita:

"AÇÃO CAUTELAR. TRIBUTÁRIO. NORMAS DE CARÁTER


PROCEDIMENTAL. APLICAÇÃO INTERTEMPORAL. UTILIZAÇÃO DE
INFORMAÇÕES OBTIDAS A PARTIR DA ARRECADAÇÃO DA CPMF PARA
A CONSTITUIÇÃO DE CRÉDITO REFERENTE A OUTROS TRIBUTOS.
RETROATIVIDADE PERMITIDA PELO ART. 144, §1º DO CTN.

1. O resguardo de informações bancárias era regido, ao tempo dos fatos que


compõe a presente demanda (ano de 1998), pela Lei nº 4.595/64, reguladora
do Sistema Financeiro Nacional, e que foi recepcionada pelo art. 192 da
Constituição Federal com força de lei complementar, ante a ausência de norma
regulamentadora desse dispositivo, até o advento da Lei Complementar nº
105/2001.
2. O art. 38 da Lei nº 4.595/64, revogado pela Lei Complementar nº 105/2001,
previa a possibilidade de quebra do sigilo bancário apenas por decisão judicial.
3. Com o advento da Lei nº 9.311/96, que instituiu a CPMF, as instituições
financeiras responsáveis pela retenção da referida contribuição, ficaram
obrigadas a prestar à Secretaria da Receita Federal informações a respeito da
identificação dos contribuintes e os valores globais das respectivas operações
bancárias, sendo vedado, a teor do que preceituava o §3º da art. 11 da
mencionada lei, a utilização dessas informações para a constituição de crédito
referente a outros tributos.
4. A possibilidade de quebra do sigilo bancário também foi objeto de alteração
legislativa, levada a efeito pela Lei Complementar nº 105/2001, cujo art, 6º
dispõe: "Art.
6º As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos,
livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de
depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo
instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados
indispensáveis pela autoridadeadministrativa competente."
5. A teor do que dispõe o art. 144, §1º do Código Tributário Nacional, as leis
tributárias procedimentais ou formais têm aplicação imediata, ao passo que as
leis de natureza material só alcançam fatos geradores ocorridos durante a sua
vigência.
6. Norma que permite a utilização de informações bancárias para fins de
apuração e constituição de crédito tributário, por envergar natureza
procedimental, tem aplicação imediata, alcançando mesmo fatos pretéritos.
7. A exegese do art. 144, §1º do Código Tributário Nacional, considerada a
natureza formal da norma que permite o cruzamento de dados referentes à
arrecadação da CPMF para fins de constituição de crédito relativo a outros
tributos, conduz à conclusão da possibilidade da aplicação dos artigos 6º da Lei
Complementar nº 105/2001 e 1º da Lei nº 10.174/2001 ao ato de lançamento
de tributos cujo fato gerador se verificou em exercício anterior à vigência dos
citados diplomas legais, desde que a constituição do crédito em si não esteja
alcançada pela decadência.
8. Inexiste direito adquirido de obstar a fiscalização de negócios tributários,
máxime porque, enquanto não extinto o crédito tributário a Autoridade Fiscal
tem o dever vinculativo do lançamento em correspondência ao direito de
tributar da entidade estatal.
9. Processo cautelar acessório ao processo principal.
10. Juízo prévio de admissibilidade do recurso especial.
11. Ausência de fumus boni juris ante à impossibilidade de êxito do recurso
especial.
12. Ação Cautelar improcedente.
17 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo:
Saraiva, 1991, p. 364-365.
18 CARVALHO, Paulo de Barros, op. cit., p. 366.
19 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11. ed. Atualizada por

Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 993.


20 SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes. Sigilo Bancário e a

Administração Tributária. Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas,


São Paulo, n. 11, 1995.
21 COVELLO, Sérg

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