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•• COMUNICAÇÃO E PESQUISA
PROJETOS.,.PARA MESTRADO E DO'UTORADO
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à memória de Philadelpho Menezes.,
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knowledg~.
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CONSELHO EDITORIAL
•• EDITOR DA COLEÇÃO
José Luiz Aidar Prado Nota de apresentação 11
•• Introdução 13
•• Capa
AREA Comunicação Visual
2. Emergência e desenvolvimento da área de comunicação 23
•• Revisão de Texto
Lucila Lombardi Capítulo 1
Histórico das teorias, modelos e âmbitos de
27
•• 1a edição: 2001
1a reimpressão: 2002
2<1 reimpressão: 2006
pesquisa na comunicação
31
Santaella , Lucia
1. A mass communication research e seus desdobramentos
2 . As teorias críticas
3 . Os modelos do processo comunicativo
38
44
'•.
Bibliografia. 3.3 Modelos in te ra t iv o s 54
ISBN: 85-86199-29·9 55
3.4 O modelo lingüístico-funcional
3.5 O modelo semiótico-informacional 56
•• 2006
Hacker Editores
5 . Conceitos de comunicação nas ciências vizinhas 70
:', .)
,
114
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••
75 4 . A lógica no coração da metodologia
Capítulo 2 5. Abdução, indução e dedução 117
Mapeamento da área de comunicação 122
6. O método das ciências
127
•
.'
7. As metodologias específicas das ciências
I. A onipresença da comunicação 75 8 . Tipos de métodos 133
78
.:•
2 . Digitalização e cibe respaço 139
9. Tipos de pesquisa
3 . A teia inter-multi e transdisciplinar da comunicação 80
10. Procedimentos, técn icas e instrumentos 148
4. Traçado geral do mapeamento 84
5. Os territórios da comunicação
5.1 O território da mensagem e dos códigos
5.2 O território dos meios e modos de produção das mensagens
5.3 O território do contexto comunicacional das mensagens
86
86
87
8a
Capítulo 4
O projeto de pesquisa e seus passos
151
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1. Questões de um projeto 153
5.4 O território do emissor ou fonte da comunicação 88 157
2. A escolha do tema
5 .5 O território do destino ou recepção da mensagem 89 159
3. Estudos preliminares
6. As in ter fac es dos territórios da comun lcaçáo 90 3 .1 O pré-projeto 161
6.1 As me.nsagens e suas marcas 91 4. Â elaboração do projeto 162
6.2 Interfaces das mensagens com seu modo de produção
6 .3 Interfaces das mensagens com o contexto
92
92
4.1. Os antecedentes
4.2. A definição do problema
163
164 •
.1
.;.'.'
6.4 Interfaces dos meios como contexto 93 4.3 O estado da questão 167
6 .5 Interfaces das mensagens com o sujeito produtor. .: 94 4.4 A . apresentação das justificativas 172
6.6 Interfaces dos me ios com o sujeito produtor . 94 4 .5 A explicitação dos objetivos 174
6.7 Interfaces do conte xto com o sujeito produto r 95 4.6 A formulação das h ípóteses : 176
6.. 8 Interfaces da mensagem com sua recepção 95
•
4.7 O quadro teórico· de referência 182
6.9 Interfaces dos meios com a recepção das mensagens 96 4.8 A seleção· do método 185
6.] O Interfaces do contexto com a recepção
6.11 Interfaces do sujeito produtor com a recepção
7. Inserção das teorias e ciências da comunicação no mapa
96
96
98
4.9 A equipe de pesquisa
4.10 O cronograma
187
188 ••
7.1 Teorias da mensagem, códigos e suas
7 .2 Teorias dos me ios e suas interfaces
interf~ces 98
99
4.11 Os recursos necessários
4 .12 A bibliografia
4 .13 Nota final
188
188
189
••
7.3 Teorias do contexto e sua sjn terfa ce s
7.4 Teorias do sujeito e suas interfaces
7.5 Teorias da recepção e suas interfaces
99
100
100
Roteiro de leituras 190 •.1
Bibliografia 195
••
••
Capítulo 3 103 216
Sobre a autora
A pesquisa, seus métodos e seus tipos
••
••
•• A quantidade de literatura sobre metodologia c ientíficaç .
metodologia da pesquisa científica, metodologia do trabalho cie~~· .
.•)
•
12
Comunicação & Pesquisa
.'•
ção (LOPES, 1990), além de alguns balanços e inventários da
pesquisa nessa área no Brasil (por exenlplo MELO, 1983 , 1984;
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••
MELO, org. 1983). Urna vez que, em nenhum nlonlento, ,na
idealização e feitura deste livro , acalentei qualquer pretensão de •
.~
.'•
que as informações nele contidas possam substituir a excelência
da reflexão realizada por Lopes, e tamb ém para evitar U1l1a certa
angústia da influência, busquei" dar ao texto que se segue, tanto,
quanto possível, urna versão complel11entar ao texto de Lopes, de
1110do que ambos possam dialogar. Afinal, quando escrevenlOS, .'•
'e speci alnl ente Ul11livro COl110 este, conlinclinações didáticas, nosso
movimento se dirige na direção do leitor. É o leitor que desejamos .•1
possi vel mente beneficiar. U ma vez que a complenlentaridade é
, sempre um benefício, está lançado o diálogo. A qualquer observador·do mundo contemporân~o, atémesmo
•
•
entre os mais leigos, o termo "comunicação" e as noções que ele . \
carrega se impõem masslvamente. É voz corrente a afirmaçãode . '
que estamos inseridos em uma civilização da comunicação. Ora, . :
Lucia Santaella o ser humano sempre foi por natureza um ser simb ólico , ser de
Kassel, janeiro 2001 linguagem e de comunicação. Comunicar-se, portanto, não é no- \.
vidade para o humano. Então onde está a novidade? Ela só pode •
estar na mul!iJ2.!icação crescente e acelel:ada 'dos meios de' ql~e o . '
ser huma~dlspõepara criar, registrar, transmitir e arm~zenar lin- •
guagens e informações (BAYLON e MIGNOT, 19?9: 3). . •
De fato, desde a-revol uçào eletro-mecânica, 'com suas máqui- •
nas capazes de produzi;" e reproduzir linguagens - especialmente •
as máqui nas de impressão , a fotografia e o cinema - a cornplexi- •
dade do campo da cOl11unicação cO~l1eçou ' a crescer exponencial- . :
mente. Tal exponenciaçã~ :fica'y isível quando se comparam as
má~uihas :le.tro-m,e~ânicas C~I~ as máquinas-aparelhos da rev~- :
1uçao eletrônica, r ádioe televisão, estas cap~zes de urna potência
. de difusão que as anterioresnão podiam sonhar alcançar. Na pas- •
sagern que estamos vivenciando da revolução , ~ letrôni ca 'i)ar a a •
revolução digitalcom sl~as máquinas-dispositivos
. .
computacionais •
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•
• 14
Comunicação [, Pesquisa Lucia Sentaeüe
• a entrada dos meios de comunicaç.ão em urna nova era: a da trans- pode ser muito bom para dilatar a arnbiguidade dos sentidos na
•• em formatos legíveis pelo computador. Isso é conseguido porque ou não na área de comunicação. Ora, o conhecimento poele não'
as informações contidas nessas linguagens podem ser quebradas ter fronteiras, quando o tomamos em se~tido lato, mas pesq'UTSãs (
e~pecíficas devem necessariamente estar enquadradas em árec:..s
••
em tiras de 1 e O que são processadas no computador e transmiti- <-
das via telefone, cabo ou fibra ótica para qualquer outro computa- de conhecimento definidas, inclusive nas suas interfaces. . z
dor, através de redes que hoje circundam e cobrem o globo corno Desde essa época, senti a necessidade e fiz in úrneras premes- .
•• unia teiasem 'ce ntro nem periferia, ligando cornunicacionalrnente, sas a mim mesma de que um dia pensaria com calma na elabora-
~
em tél~lpO quase real, milhões e milhões de pessoas, estejam elas ção de um mapa geral dos campos recobertos pelaárea de cornu-
•• etnologia etc.
Uni crescimento tão acelerado das bases reais.de lL111a área de
conhecimento só pode produzir confusões e dificuldades de COITI-
ção fossem antecedidas por um mapeamento da área e dos carn-
pos que ela cobre. Foi então que minha promessa teve de ser tira-
•
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preensão, inclusive naqueJ~s que trabalham na área e nela pesqui- da da gaveta .
sam. As afirmações de qu~ a complexidade da comunicação advérn Muito rapidamente me dei conta de que não poderia elaborar
esse mapa apenas conl o repertório dos conheci mentes sobre a
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da sua natureza inter, multi e mesmo transdisciplinar já se torna-
ram um truisrno. Em.função disso, parece urgente dar um passo à área de comunicação que estavam arquivados em minha rnernó-
.;.) frente e tentar divisar quais são os fios e os desenhos que essa ria, assim como não poderia me valer apenas elos livros panorârni-
,' multidisciplinaridade está criando . cos sobre os campos e teorias da comunicação que circulam no
16 Comunicação & Pesquisa Lucia Santaella 17
contexto brasileiro. Para dar início ao trabalho, portanto, fiz um multifacetado quanto a comunicação humana, concluindo pela
primeiro levantamento dos livros-textos de comunicação de publi- natureza multidisciplinar da comunicação e definindo-a como "in-
cação ou re-edição recentes em várias línguas. Para esse levantamen-
to, utilizei não apenas os meios de busca que se tornaram atual-
teração social através de mensagens". Batendo na mesma tecla,
Baylon e Mignot (1999: 9-10) acabaram por concluir que a comu- . ••
mente muito facilitados graças à internet, mas fiz também entre- nicação "é uma relação dos espíritos humanos, ou melhor, dos
vistas on line com vários pesquisadores de minhas relações que cérebros humanos".
trabalham na área de comunicação no Brasil e em outros países.
Com o estudo dessa bibliografia, pude elaborar uma primeira
versão de um mapa da área de comunicação. Tendo essa primeira
Segundo Nôth (1990: 169-170), para se começar a definir co-
municação, deve-se tentar separar a esfera dos fenômenos .comu-
nicativos da esfera dos eventos não comunicativos. Entretanto, ao
••
versão em mãos, passei para uma segunda fase de pesquisa biblio- invés de postular uma clara ruptura entre os fenômenos comuni-
gráfica em um número bem maior de títulos de livros na área de cativos e não comunicativos, pode-se conceber uma transição gra-
comunicação. A leitura dessa bibliografia adicional permitiu que dual que vai dos modos de interação proto-comunicativa mais ru-
a primeira versão do mapa fosse sendo gradativamente testada, dimentares até os mais complexos. Dessa maneira, sem pretender
burilada, autocriticada e aprofundada. Dessa pesquisa, resultou o uma unificação dos diversos conceitos, o .autor toma como ponto •
mapeamento que será apresentado no capítulo dois. Esse mapea- de partida os fenômenos unilaterais, continuando com as interações •
mento tem a finalidade de servir como uma orientação preliminar, simples, para as bilaterais, então as intencionais, as lingüísticas,
um reconhecimento do território, para todos aqueles que se en- para terminar com a metacomunicação. Nõth comentou que as •
contram diante da necessidade de elaborar um projeto de pesqui- teorias dos níveis biológicos de interação também sugerem uma •
sa na área de comunicação. Antes do mapeamento, entretanto, e transição gradual dos modos de interação não comunicativos para
para lhe dar fundamento, é necessário, em primeiro lugar, nos en- os comunicativos. De uma perspectiva diferente, Kelkar (1984:
tendermos sobre o sentido que estamos ~andC? para "comunica- 112-14) também distinguiu vários graus de "primitivismo" dos •
ção". Em segundo lugar, é preciso esboçar o panorama do desen- eventos comunicativos
volvimento histórico das teorias, modelos e tendências das pes- Defensor de uma visão generalizada da comunicação, fenômeno
quisas em comunicação. É o que será feito, respectivamente, nes- que teria início já em situações muito rudimentarmente comunica- •
ta introdução e no próximo capítulo. cionais, foi Meyer-Eppler. Em sua definição, comunicação é a "re- •
cepção e o processamento de sinais detectáveis física, química ou
••
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1. DEFINIÇÃO DE COMUNICAÇÃO biologicamente por um ser vivente" (1959: 1). De acordo com esta
teoria, qualquer processamento de informação por organismos in-
Não são poucos os autores que têm colocado ênfase na plura-
lidade dos fenômenos que podem ser chamados de comunicacio-
dividuais (que não sejam máquinas) constituem uma instância de
comunicação. A cooperação ativa da fonte do sinal no processo ••
nais ena conseqüente polissemia do termo "comunicação". Ten-
do isso em vista, Fiske (1990: 1), por exemplo, perguntou se po-
não é necessária. A fonte pode inclusive ser um objeto inanimado.
A maioria dos estudiosos rejeitaria aplicar o termo "comuni- ••
demos considerar como UIn campo de estudo algo tão diverso e cação" a uma tal situação, pois, sem algum tipo de atividade da
•
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LUCia senteene
•• parte da fonte do sinal, tem-se um domínio muito baixo do campo portamento humano" (1949: 3). Qualquer forma de comportamento
••
Também baseado no critério de interação mútua entre organis- Subindo mais um degrau, o critério adicional para se definir
mos encontra-se o conceito bastante amplo de comunicação de comunicação é o de intencionalidade. Intenção é atividade dire-
Shannon & Weaver. Estes definem comunicação como "todos os cionada a um objetivo, envolvendo, portanto, a volição. Na co-
•• procedimentos pelos quais uma mente pode afetar outra. Isto, ob-
viamente, envolve não apenas o discurso oral e escrito, como tam-
municação, intenção é a tentativa consciente do emissor de influen-
: ciar o receptor através de uma mensagem, sendo a resposta do
•• bém música, artes visuais, teatro, balé, e, certamente, todo com- receptor uma reação baseada na hipótese das intenções da parte
•
20 Comunicação [, Pesquisa Lucia Santaella 21
do emissor. Assim sendo, a maioria das expressões corporais visí- .ção social. Com seu axioma metacomunicativo, Watzlawick et aI.
veis de emoções não são intencionais. postularam a tese da impossibilidade de não se comunicar (1967: 48-
Numa tradição lingüístico-serniótica que vai de Buyssens 51). Depois de enfatizar que a comunicação pode ocorrer tanto
(1943) até Prieto (1966, 1975) e Mounin (1970, 1981), .a intencio- verbalmente como em muitas modalidades não-verbais, os cria-
) nalidadetem sido discutida como um traço distintivo de comuni- dores deste axioma argumentaram: "O comportamento não tem
} . ~ação. P~ra Prieto (1966: 20; cf. HERVEY, 1982), todo ato co~u oposição. Não há algo como o não comportamento. Ninguém pode
l n~ativo pressupõe uma intenção da parte do emissor, que tem que não se comportar" (ibid.: 48). Assim, também "ninguém pode não
?
ser identificável por parte do receptor. .
se comunicar" (ibid.: 49). Mesmo o silêncio e o "não comporta-
Em seguida, Nõth (ibid.: 172) esclareceu que qualquer uso da mento" têm o caráter de uma mensagem.
linguagem se caracteriza, evidentemente, sempre como umyro-
cesso de comunicação. No entanto, quando os lingüistas discutem --
l)evjto (1997: 20-31) definiu os princípios da comunicação
humanacorno se segue: a comunicação é um pacote de signos; a
a função comunicativa da linguagem, nisso fica implicado que a comunicação é um processo de ajustamento; a comunicação en-
linguagem pode também ser usada com funções não comunicati- volve conteúdo e dimensõ~s relacionais; as seqüências comunica-
vas. Para alguns lingüistas, interação verbalé comunicação e "co- tivas são pontuadas; a comunicação envolve transações simétri-
municação" é o termo genérico que cobre todas as funções da cas e complementares; a comunicação é transacional; a comuni-
linguagem. É neste sentido que Jakobson fala de seis funções da cação é inevitável, irreversível e irrepetível.
comunicação verbal. Pacotes de signos dizem respeito aos diferentes tipos de sig-
Outros lingüistas restringiram o termo "comunicação" para ape- nos que concorrem para compor uma mensagem. Esses pacotes
nas uma das várias funções da linguagem, geralmente aquela mais em geral nos passam despercebidos, mas quando há uma contra-
importante. Nesse sentido, Martinet definiu comunicação como a dição na relação de um pacote com outro, por exemplo, quando.
função central da linguagem que se refere à "necessidade que alguém expressamos medo com as palavras e o resto do corpo se mantém
tem de ser entendido" (1960: 18): Para François (1969: 75), outras relaxado, tomamos consciência desse princípio dá comunicação.
funções como a expressiva e a apelativa não são comunicativas. Embora duas pessoas possam estar utilizando os mesmos sis-
Por fim, definido como "a habilidade de se comunicar sobre temas de linguagem, a comunicação só ocorre através de um pro-
comunicação, de se comentar sobre as ações de significação de cesso de acomodação ou ajustamento contínuos para permitir que
alguém e de outros", o conceito de metacornunicação foi primei- a comunicação ocorra. Esses ajustamentos são tanto mais neces-
ramente desenvolvido no contexto d;Psicopatologi;-(BATESON sários nos casos de comunicação entre pessoas de gerações, cul- •
et al., 1956: 208). Assim, metacomunicação não se restringe a turas e classes sociais diferentes. •
uma metalinguagem científica (cf. SCHLIEBEN-LANGE, 1975), A comunicação se refere, ao mesmo tempo, a algo que está
mas é um princípio da interação social cotidiana. Por isso mesmo, fora do intercâmbio entre emissor e receptor e à própria relação
sua perda pode ser a causa da esquizofrenia. entre esses dois parceiros. Esses dois aspectos se reportam à di-
Watzlawick et al. (1967) foram mais longe ao afirmar que a mensão do conteúdo e da relação comunicati va.
rnetacornunicação está onipresente em qualquer instância da intera-
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•
C;:'L!UJ;:'Q
• Embora os eventos comunicativos sejam transações contínuas, nentes, tais como unidades subcelulares (por exemplo, as mitocôn-
• como participantes ou observadores, segmentamos o fluxo con- drias), células, orgúnculos, órgãos e aSSilTI por diante" (SEBEOK,
• tínuo da comunicação em pequenos pedaços. Costumamos cha- 1991: 22-23). Bem antes de operar no mundo macroscópico das
mar alguns desses pedaços de causas ou estímulos e outros de relações sociais humanas, a comunicação já opera na microscopia
• respostas ou efeitos. dos corpos vivos (ver JOHNSTON et aI, 1970; TOMKINS , 1975 ;
As relações comunicativas podem ser tanto simétricas quanto NEHER, 1992; SONEA, 1995).
Transportada inicialmente pelo código molecular primordial ,
••
complementares. Nas simétricas, os indivíduos envolvidos espe-
lham o comportamento um do outro. Nas complementares, o com- sujeita a uma contínua mudança qualitativa e quantitativa dos seg-
portamento cie um serve como estímulo para o comportamen- mentos genéticos e, posteriormente, transportada pela rede imuno-
•• to complementar do outro.
Quando a comunicação é vista como um processo transacional,
lógica de células que operam através de substâncias mediadoras
ati vas, a comunicação é, necessariamente, uma propriedade de toda
••
z
as constantes, isto é, os traços comuns a todas as definições que psicanálise extrai dos mecanismos do inconsciente, do que dos
'.
•
foram enunciadas acima, pode-se extrair uma definição ampla e
geral de comunicação que assim se expressa: a transmissão de
qualquer influência de uma parte de um sistema vivo ou maquinal
para uma outra parte, de modo a produzir mudança. O que é trans-
mitido para produzir influência são mensagens, de modo que a
processos conscientes de comunicação humana em nível social. É
por isso que estes têm muito a aprender com aqueles.
.'
•
meios de comunicação de massa e a consequente emergência da (STRAUBHAA,R e LAROS:g, ~997: ,~7). J:- rigor, e~t~et~nto, o
cultura de massas. Desde então, a comunicação e as questões que ,pri meiro meio de comunicação de massa foi o livro in:pres90qL~e, •
ela traz consigo foram se tornando cada vez mais sensi vel mente a partir da prensa mecânica, 'no século XIX, foi atingindo tiragens •
presentes até sua inegável onipresença resultante da recente proli- cada vez mais numerosas (MCQUAÍL, 198.3: 19 apud ·S ~~- . '
feração das redes planetárias de telecomunicação.
Embora os fenômenos da comunicação certamente já existis-
, TAELLA 2000: 34; CROWLEY e HEYER 1999 : 81-130) . Entre- .J
tanto , o fato de que o livro seja lido por um indivíduo no recesso . '
sem antes da cultura de massas, esses fenômenos não eram 'tão de sua solidão meditativa, mesmo quando a tiragem do livro alcan- •
abundantes nem tão diversificados corno passaram a ser. No mun- ça números significativos, o processo comunicativo que o livro •
do grego, dominado pela cultura da oralidade, a comunicação era instaura, especialmente quando comparado COIn meios quantita- •
estudada sob o nome de retórica, arte, especial mente oratória, de tivarnente poderosos corno o rádio e a TV, não costuma ser enqua- •
persuadir (ver BARTHES , 1970) . A invenção de Gutenberg, no drado no perfil de comunicação de massas.
século XV, que trouxe consigo a cultura do livro, foi revolucioná-
ria e inaugural de Lllll novo tipo de cult~lra, a cultura do livro, das
Do livro para o jornal, ocorreu um salto no caminho para a
comunicação massiva, visto que a tiragem diária do jornal alcan- ~
•
a
belles l~ttres. Entretanto, não chegou produzir um pensamento ça números com os quais poucos livros podem sonhar. Além dis- •
especulativo, teórico ou reflexivo sobre a comunicação. Enfim, so, a natureza descartável do jornal já começa a acomodá-lo dentro •
não produziu moditlcações substanciais nos modos de sentir os do requisito da provisoriedade que é básico na cultura de massas. De ' •
fenômenos comunicacionais , com exceção feita ao fato de que fato,- novos método'sd~ produção, acasalados COIU a explosão .,
d ata dessa época o surgimento das metáforas, do universo impreg- demogr áfica e a emerg ência-de novas audiências nos grandes centros •
nadas da imagem do livro: o "universo corno livro", "o livro da urbanos, levaram ao advento da imprensa e prepararam o terreno para •
~ natureza" etc. (ver ROTHAKER ) 1979) , os meios de massa (CROWLEY e HEYER, ibid .: 135-213). •
Isso se deu muito provavelmente porq.ue a linguagem verbal, , A grande explosão da comunicação massiva, entretanto, viria •
oral ou escrita, é sentida como algo tão natural quanto é natural a com seus do~s gigantes,. o. rádio e. a TV que, tendo seus alimentos . •
comunicação que ela permite. Esse senso de naturalidade não pro- fundamentais na publicidade, Instauraram a cultura popular '
picia que questionamentos e problemas sejam levantados. massiva, Foi só então que a comunicação se instituiu como área •
Na invenção da fotografia e do telégrafo, que se tornaram alia- de conhecimento reclamando para si urna certa autonomia , 'p or •
cios diretos do jornal, no século XIX, encontram-se os gérrnens da
revol ução comunicacional que, tendo emergido na revel ução i n-
dustri al , cresceu exponencialmente com os meios eletrônicos
exemplo, nos estudos da publicidade, nas análises de conteúdo
das mensagens veiculadas pelos meiose na pesquisa de opinião: •
•
Segundo nos informa Noth (1990: 169), técnicas de persuasão, •
de 'com unica ção massiva, rádio e TV, em meados do século XX, transferência de informação e liderança de opinião enquadraram- •
para alcançar surpreendentes dimensões planetárias COll1 a revo- se como tópicos desse novo campo de pesquisa (cf. SCHRAMM, •
lução ci berespaci al , na virada do século XX para o XXI. 1963; CORNER & I-IAWTHORN, 1980), campo que foi se de- •
AI osuns defendem
" a idéia de que a comunicação de massa teve senvolvendo até chegar à proposta de uma ciência da comunica- •
seus precursores já ern sociedades agr ícol as e pré-agrícolas ção COI11 a pretensão de "entender a produção, processamento e •
•
•. ) 26 Comunicação fI Pesquisa
•.•; mento de. teorias testáveis que contenham leis gerais" (BERGER
& CHAFFEE, 1987: 17) . Mas isso já nos leva aos interiores das
•• NA COMUNICAÇAO
•• .'
Este 'c ap ítulo tem por função apresentar ~lm breve panorama
•• do desenvolvimento histórico das teorias , modelos e te~dências
da pesquisa em comunicação, Un1 tal panorama parece fundamental
••."
corno port~. de entrada para aqueles que pretendem elaborar um
projeto de pesquisa na área . Por isso mesmo , conforme deve ser
cabível a urna mera portade entrada , limito-me a indicar os carn-
'.•e\ pos de pesquisa acerca dos quais existe urn certo consenso corno
sendo definidores da área de comunicação no seu todo .
O panoramanão incluirá as teorias mais específicas e setoriais
cação, de Mauro Wolf (1987) e História das Teorias da Comuni- Tornando como referência o contexto bt:asiLeiro, Lopes (1990 :
43-59) apresentou Uj11 panorama da periodização da pesquisa em
••
cação, de A . e M. Mattelard (1999) . Wolf desenvolveu uma cui-
dadosa história das teorias da cOlllunicação de massa , desde os ~onlunicação social. Essa pericdização encontra sua correspon-
, dênci a na noção de paradigmas científicos qu~, à luz do conceito
••
.'••
seus primórdios, entre as duas guerras mundiais do século XX,
até as tendências que estavam surgindo pouco antes da escritura de Kuhn (1'976), foram tornados pela ~Lltora co~o :"I~'atri ~es clis-
de sua obra , publicada originalmente em italiano, en11985 . Antes ciplinares de determinadas construções teóricas sobre o objeto da
da emergência daquilo que o autor chamou de "novas tendências", , comunicação comumente adotadas nas 'p esq uis as de Comunica-
•.'
foram oito os momentos através dos' quais os estudos sobre os ção Social" (LOPES, ibid.: 32).
meios de comunicação de massa se desenvolveralll: a teoria hipo- Fora,m 'o s seguintes os períodos levantados: dé~ada de 50, ca-
.•1
dérmica, a teoria ligada à abordagem empírico experimental, a racterizada por pesquisas funcionalistas baseadas em métodos
teoria que deriva ~a pesqu~sa ernpfrica de campo, a teoria de base quantitativos: de conteúdo, de audiência e de efeitos. Década de
~9, caracterizada por pesquisas furicionalistas baseadas em méto-
estrutural-funcion~1ista, a teoria crítica dos mass media, a teoria
culturológica, os cultural studies e as teorias comunicativas . .
,~ '
~ .
dos comparativos e de estudos 'de comunidades, na linha da co-
municação ~ desenvolvimento. Nessa época, começaram a surgir
.;.). J
.)
," , " , ,
'nac ion al. Por fim, ~ década de 80, que se' caracterizou pelas pes-
em grandes ternas: o organismo social, os empirismos do n6va....
quisas funcionalistas sobre aspectos da produção e circulação da
.mundo , a teoria da informação, ~ iJ1.ç1ps.t1~i'a cultural, ideologia e
poder, a.economia .polftica da 'c ~ll1 ú ni~Tação , o retorno .q q~ c o ti dl a-
no 'e , por fim, o domínio da comunicação .
. ... ;. .A'h.
~G?w u n i cação , por estudos crfticos de modelos t~óri~~s"~ busca de
u~a teoriae metodologia latino-americanas; caracterizou~seain-
da pela politização das P.e. squisas sob infiuên~ia' ~eGra1?ls'ci, pe-
.)
. , Outra obra que desenvolve'u LlI11a aproximação histórica das
origens.,lilétodos e usos da comunicação n?s meios de rnassas'é a
de Severin e Tankard (1992). A introdução aos estudos de mass
}as metodologias qualitativas e por temáticas como novas tecno-
) 9,?.l.as , transnacionalização da .c u lt ur é}. e comunicação' popular
•.•)
(i,Qid.: 43-44). '
media da primeira parte é seguida pela apresentação dos modelos
••
~. ~ ; ... o.
•.)
_ 'I: _ , . . ...
e
a 1980; (c) o retorno à hipótese da mídia forte a retornada do
.)
•• jU x.omurucaçao CJ r esqursu Lucia Santaella 31
••
emocional das outras. Por acreditar na intenção do emitente corno
...... '.:~ . . ~'l...,
fator crucial, a mensagem, por sua vez, é vista COlllO aquilo que é
.'.J
1. A MASS COMMUr:IICATION RESEARCH E
transmitido no processo comunicacional. A intenção do emis's'6i~
SEUS DESDOBRAMENTOS
pode ser explícita ou implícita, consciente ou inconsciente, mas
deve ser recuperável através da análise. ..... ':i>~. /'''2..:',; ;';", .
Ullla C!~J:fllhada história dà'coinl1UÚ1icClÚon research, nos Esta-
• i
. Para a segunda escola, a comunicação é produção e tro'ch'a'~
dos Unidos, desde suas origens até ~'segllnc(a Il~~t~d~dos'anos 80,
•• significados. Por isso, preocupa-se com o modo COl1l0 as mensa-
gens ali textos interagem com as pessoas a fim de produzir signifi-
pode ser encontrada ern Delia (1987: 21-98). Seu texto está divi-'"
didoern três partes. A primeira vai de 1900 até 1940. Centrada es-
•• cados, preocupa-se, portanto, com o papel que os textos desernpe-
nham em urna cultura. Por isso mesmo, a eficiência comunicattva
não é um problema para essa escola. Mal entendidos são evidêl~
pecialrnente na figura do cientista político Lasswell, nela é apre-
sentado o nascimento das pesquisas subseqüentemente na análise
•• indivíduo COl1l0 membro de uma determinada cultura ou sociedade'. çã~ ~a ciência da comunicação através das tradições fundadas
pnncipatmente pelo psicólogo Hovlanel, de um lado, e o sociólo-
( .)
•
• •1
r,
O segundo pilar encontrava-se nos modelos teóricos da cornu-
nicação, que davam sustento a esse tipo de pesquisa, a saber, a ••
I.•;
" cial e política. Em terceiro lugar, no desenvolvimento das práticas teoria da ação elaborada pela psicologia behaviorista de Watson,
profissionais .de ntro e através das disciplinas das ciências sociais. pelas teorias do r~lsso Pavlov sobre reflexo condicionado e a psico-
O panorama que será apresentado abaixo dessa tradição de
pesquisa não tem nenhuma intenção de ,ser exaustivo, mas apenas
marcar aslinhas de força de sua constituição e desenvolvimento ..
. log ia das massas de Le Bon. Essas teorias se adaptavam perfei-
tarnente às teorizações mecanicistas sobre a sociedade de massa, •••
A origem mais palpável da mass cornmunication research. re-
monta à obra de H. D. Lasswel1, publicada em 1927, com o título
fornecendo-lhes "o suporte enl que se apoiavam as convicções
acerca dainstantaneidade e da inevitabilidade dos efeitos:' dos .
mass media sobre as massas (WOLF, ibid.:'27).
•.•;
de Propaganda techniques in the world war. Esse tipo de pesqui- " ;._ A abordagem ernpfrico experi men tal ou "da persuasão", que
. sa foi fruto da difusão ern larga escala das comunicações de massa , levou, mais tarde, à.superação da abordagem' hipodérmica" apre-
•
e representou a primeira reação que essaexplosão da comunica-
ção massiva viria provocar em estudiosos de proveniências diver-
sentou .d.~las.fa.cetas: (a) empírica de tipo psícologico-expenrncn-
t~1 ou de tiposociológico e (b) funcional, representada pela abor- .''.'
sas. Trata-se de urna abordagem global dosn~a~s media, indife-
rente à diversidade existente entre os vários meios de comunica-
dagem funcionalista dos meiosde massa.
Severin e Tankard (ibid.: 131-203) apresentaram as pesquisas ••
ção . Essa abordagem visava, sobretudo, respond,er à.. seguinte in-
terrogação: que ~feito têm ~s mass media ern ~~nla sociedade de
massa? Calcada ern Ullla visão da audiênci~~, .~OlllO urna massa
~.~ócio-psicológic~sern suas várias tendências. Dentre elas, as prin-
cipais ~s.tão, de um lado, nas teorias de consistência cognitiva que
.s ~ desenvolveram na teoria do equiiíbrio de Heider, na teoria si-
••
•
.'•••
amorfa, que responde cegamente aos estímulos dos meios, essas métrica de Newcornb, na teoria da congruência de Osgood e na
pesquisas ficaram conhecidas como hipodérmicas devido à expli- teoria ela dissonância cognitiva de Festinger. De outro lado, estão
cação dada por Lasswel [ de que a mídia age segundo o modelo da
" ,
nas teorias da persuasão que se desenvolveram a partir do concei-
"agulha hipodérmica", que provoca um efeito direto e indiferen- I to de atitude de Hovland. Essas duas téndências teóricas maiores
ciado sobre indivíduos isolados. Por isso 111eSlllO, essa teoria
.
se sobre mudança de atitude, a da consistência, de Festinger e ou-
••
••
.. .:
sustentou sobre dois pilares. O primeiro deles estava no conceito tros, e a da aprendizagem, de Hovland, existiram lado a lado por
de sociedade de massa, concebida corno algum tempo, com pou,ca relação aparente entre si. Foram Daniel
Katz e seus colegas Sarnoff e McClintock que, desenvolvendo a
••
.L
•• 34 Comunicação & Pesquisa Lucia Santaella 35
•• ' difere~ c i acia de cada mass media para e xercer influências distin -
tas. O 'pro ble ln a continuou aí a ser o dos efeitos , mas colocado de
penham as comunicações de massa" (W OL F ibid .: 63) .
•
.' modo menos simplista do que na te ori a hipodérmica. O coração r .
da pesquisa sociológica de campo consistiu na associação de "pro- Algum tempo depois, um desdobramento da teoria funcio-
,e\ •
36 Comunicação 0- Pesquisa '
......- ..
Lucia Santaella 37 ••
rnass media como também regulam as próprias modalidades de soas têm de grande parte'da realidade sociallhes ~ fornecida, por •••
exposição" (WOLF, ibid.: 78; FISKE, ibid .: 151).
Nos anos 80, essa corrente dos "usos e satisfações" aprofundou-
. se no papel assumido pelas audiências e pelo seu envolvimento,
empréstimo, pelos mass media" (SHAW, 1979: 96). Para Bougnoux,
•
':>0 ~omunlcaçao b l-"esqUlsa
••
LUCia oantaeua
que estas exigem. Trata-se muito mais "de teorias setoriais, pró- são da sociedade como um todo, essas disciplinas acabam por
•• pos da comunicação.
Embora tenha sido correto o diagnóstico feito por Wolf de que
o início dos anos 80 surgia como um momento de transição, esse
"novas ferramentas das democracias modernas, como mecanis-
mos decisivos de regulação da sociedade" (A. eM. MATTELART,
1999: 73), os filósofos da escola de Frankfurt, especialmente Hor-
•
diagnóstico errou de alvo em relação aos rumos dessa transição, kheimer e Adorno, que durante o nazismo se exilaram nos Esta-
rumos que Wolf não foi capaz de pressentir. Por estar excessiva- dos Unidos, criaram, em meados dos anos 40, o conceito de indús-
mente preso à idéia dos mass media, Wolf deixou de ver que a tria cultural através do qual desmistificavam as ilusões acalenta-
•• hegemonia dos meios de massa e a idéia mesma de comunicação
de massa começaria a ser posta em crise a partir dos anos 80,
das pelo funcionalismo. À luz desse conceito, a produção dos bens
culturais está inserida no movimento global de produção da cultu-
•• 2. As TEORIAS CRÍTICAS
to cultural ~" u m filme , um programa de rádio ou de televisão , um
artigo em uma revista etc. - não passa de uma mercadoria subme-
•• são de classes.
A teoria crítica se propôs como uma teoria da sociedade no
indústria cultural fazem da moderna cultura de massa um meio de
controle psicológico inaudito. Em uma sociedade como tal,
•• razão instrumental. Desviando-se, em função disso, da compreen- ver pensar, esquecer a dor mesmo onde essa dor é exibida. Na sua
.. - "- - - - - _.__
.. - - - - -
40 Comunicação [, Pesquisa Lucia Santaella 41
base está a impotência. É efetivamente fuga; não como se pretende, que se desenvolvera com a constituição de uma "opinião públi-
fuga da feia realidade, mas da última idéia de resistência que a reali- ca" em fins do século XVII na Inglaterra e no século seguinte na
dade pode ainda ter deixado. A libertação prometida pelo amusement França. Esse espaço público caracterizava-se como mediador en-
é a do pensamento como negação" (HORKHEIMER e ADORNO tre Estado e sociedade, permitindo a discussão pública, a troca de
1947: 156 apud WOLF 1987: 87). argumentos entre indivíduos e o confronto de idéias e opiniões
esclarecidas. Na sociedade de mercado, esse espaço público pas-
Da di versidade radical da teoria crítica em relação a outras saa ser substituído por formas de comunicação cada vez mais
teorias dos mass media, resultou uma concepção diferente por ela inspiradas em modelos comerciais de fabricação de opiniões. Ao
professada acerca dos próprios mass media, visto que, segundo defender essa tese, Habermas, assumiu posições similares às de
sua ótica, trata-se aí de instrumentos de reprodução demassa que, Adorno e Horkheimer sobre
na liberdade aparente dos indivíduos, reproduzem as relações de
força do aparelho econômico e social (WOLF, ibid.: 94). "a manipulação da opinião, a padronização, a massificação e a ato-
Também alinhadas às linhas de força da teoria crítica estive- mização do público. O cidadão tende a se tornar um consumidor de
ram as idéias de Herbert Marcuse. Enquanto Horkheimer e Ador- comportamento emocional e acIamatório, e a comunicação pública
no retornaram a Frankfurt depois da guerra, Marcuse permaneceu dissolve-se em atitudes como sempre estereotipadas, de recepção
nos Estados Unidos, na Universidade da Califórnia. Sua obra so- isolada" (A. eM. MATTELART, 1999: 82-83).
bre O homem unidimensional (1964) tornou-se uma verdadeira
bíblia da juventude contestatória do final dos anos 60. Com sua Dando continuidade a essa crítica, as posições defendidas pos-
crítica, Marcuse buscava desmascarar a irracionalidade de um teriormente por Habermas no que diz respeito à racionalidade téc-
modelo de organização social crescentemente conduzido pelas nica funcionaram como uma resposta a Marcuse. Enquanto este
determinações da ciência e da técnica, que mais subjugam do que não via outro caminho para a libertação do homem unidimensional
libertam o indivíduo. Nessa sociedade unidimensional, na qual só a não ser sob a condição de uma revolução completa da ciência e
circulam "linguagens unidimensionais", não há mais espaço para datécnica, Habermas buscou uma alternativa para a degenerescên-
o pensamento crítico. cia política do Estado na restauração das formas de comunicação
Herdeira dessa corrente de pensamento e alinhada, portanto, à num espaço público estendido ao conjunto da sociedade. A ênfa-
tradição da teoria crítica, encontra-se a extensa obra do filósofo se na comunicação viria a ser, daí para a frente, uma tônica da
alemão Jürgen Habermas. Em 1962, publicou O espaço público. obra de Habermas.
A rqueologia da publicidade co/no dimensão constitutiva da socie- De acordo com A. e M. Mattelart, as reviravoltas lingüísticas
dade burguesa, onde lançava as bases para suas teses posteriores nos anos 60, da lingüística pragmático-enunciativa, que incorpo-
sobre a racionalidade técnica, estas publicadas em 1968, no seu rou contribuições como as da teoria dos atos de fala (AUSTIN,
livro sobre A técnica e a ciência co/no ideologia. 1962; SEARLE, 1970), da nova retórica belga (PERELMAN e
Com o desenvolvimento das leis de mercado e com sua intrusão OLBRECHTS-TYTECA, 1958) e da pragmática alemã (WUNDER-
na esfera da produção cultural, dá-se o declínio do espaço público LICH, 1972), afetaram as sociologias interpretativas, os teóricos
•• 42 Comunicação [, Pesquisa
•• a partir dos anos 80. Dada sua autonomia, essas idéias não se enqua-
dram fielmente na tradição da teoria crítica, mas se espraiam por
todas as quatro tradições de estudos da comunicação que aqui deli-
Também oriunda da cultura francesa, encontra-se a obra re-
cente de L. Sfez (1994) . Embora não esteja diretamente filiada à
escola frankfurtiana, pela autonomia de pensamento reivindicada
mitei, produzindo seus efeitos mais especialmente em algumas por seu autor, não só o título da obra, Crítica à comunicaçãn,
das correntes culturológicas e midiáticas, além da grande influên- quanto todo o seu conteúdo localizam-na dentro da moldura de
cia que a obra benjaminiana (ver especialmente 1975) tem exerci- uma teoria crítica à moda contemporânea. Sem desmerecer o am-
•• Hans Magnus Enzensberger (1970). Seu desafio lançado às es- como base uma teoria geral da sociedade, a saber, a dialética da
•
44 Comunicação & Pesquisa Lucia Santaella 45
economia política fundada no materialismo marxista. Trata-se, por- algunsaspectos, os conceitos de teoria e modelo se sobrepõem,
tanto, de uma crítica ontológica e epistemologicamente fundamen- mas isso não significa ausência de diferença.
tada, não importando aqui a que discussões essa onto-epistemologia Segundo LavilIe e Dionne (1999: 93), teorias são generali-
pode ser submetida. Sfez, por outro lado, erigiu sua crítica não zações de grande envergadura da ordem das conclusões ou inter-
mais do que sobre as bases de uma convicção nas iluminações de pretações. O valor de uma teoria é, sobretudo, explicativo; trat a-
seu próprio espírito crítico. Sobre o álibi de dicotomias fracamen- se de uma generalização de explicações concordantes tiradas dos
te definidas entre forma simbólica e núcleo epistêmico, represen- fatos que foram estudados para sua construção. Do ponto de vista
tação e expressão, o autor alçou seu pensamento ao panteão de do pesquisador, o valor de uma teoria é analítico, pois ela lhe
um demiurgo, capaz de enxergar quaisquer outras teorias sob o servirá para o estudo e análise de outros fatos do mesmo tipo.
ponto de vista de uru olhar de cima. Isso acabou por dar à sua Por teoria entende-se assim um corpo de generalizações e prin-
crítica uma dicção arrogante e mesmo pedante, ao mesmo t~mpo cípios desenvolvidos em associação com a prática em um campo
que, por baixo dela, oculta-se um mal disfarçado desejo de com- de atividade (medicina, sociologia, economia etc.), que forma seu
partilhar da intimidade dos grandes intelectuais, intimidade a que, conteúdo como uma disciplina intelectual. Outra definição simi-
de certa forma, através de sua crítica, Sfez julga aceder. lar nos diz que teoria é um conjunto coerente de princípios que
Também sintonizada com uma postura crítica, situa-se a obra configura uma moldura geral de referência para um campo de in-
de Rodrigues (1990) sobre as Estratégias da comunicação. Em- vestigação e que serve para deduzir princípios, formular hipóte-
bora não tenha se prendido estritamente à tradição frankfurtiana, s,es para serem testadas, executar ações, etc.
visto que seus apoios conceituais se ampliaram especialmente com O que essas duas definições deixam evidente é tanto o caráter
Heidegger, Foucault, Deleuze etc., seu desencantamento com a disciplinar da teoria na constituição de uma área do saber, quanto
técnica e com a instrumentalização do campo da comunicação a ligação da teoria com a realidade empírica, a prática, a expe-
localizam seu pensamento na tradição das teorias críticas. riên-Cia e os fatos. Este último aspecto fica mais claro na definição
No horizonte da teoria como crítica também tem despontado de teoria como uma hipótese de trabalho à qual é dada probabili-
recentemente a obra do esloveno S. Zizek (1991, 1992, 2000). dade por evidência experimental ou por análise fatual ou concei-
Mesmo sem trabalhar diretamente com a teoria da comunicação, tual, mas não estabelecida ou aceita conclusivamente como lei.
sua prática de uma sociologia interpretativa de fenômenos estéti- Em síntese, toda teoria é uma entidade hipotética ou estrutura que
cos, culturais e midiáticos, que toma como base a psicanálise expl ica ou relaciona um conjunto observável de fatos. Mas aqui •
lacaniana, tem fornecido elementos para aqueles que desejam pros- surge uma nova dificuldade: a distinção entre hipótese e teoria. •
seguir nos caminhos de uma teoria crítica. Sobre isso, Newton da Costa (1977: 160) nos diz que •
3. Os MODELOS DO PROCESSO COMUNICATIVO " entende-se por hipótese uma suposição que se faz, mas qu~ ainda
não foi testada de modo intensivo e conclusivo; ela é aceita apenas
•
•
A distinção entre teoria e modelo não é completamente nítida, provisoriamente, sem status científico definitivo, dependendo, para •
por isso mesmo ambos são muitas vezes confundidos. De fato, em tanto, de futuras verificações e análises críticas. As teorias, ao con-
•• 46 Comunicação & Pesquisa Lucia Santaella 47
•• Costa (ibid.: 163) acrescenta que, encaradas local ou globalmente, mento às teorias substantivas e suas aplicações empíricas.
Assim, por exemplo, enquanto toda a tradição da mass commu-
• • caracterizar a estrutura matemática subjacente à teoria. combinações infinitas. O modelo visa assim funcionar como uma
48 Comunicação [, Pesquisa Lucia Santaella 49
réplica computacional da estrutura, do comportamento e das pro- nenhum mapa ou modelo pode ser completo. Mesmo assim, seu
priedades de um fenômeno real ou imaginário (MACHADO 1993 valor está em sistematicamente colocar em relevo esses traços
apud SANTAELLA e NOTH 1999: 167). selecionados, apontar para relações também selecionadas entre
Diferentemente de uma teoria, um modelo não é um recurso esses traços e fornecer um delineamento do território que está sendo
explanatório em si mesmo, mas, na sua capacidade de sugerir re- modelado.
lações, ele ajuda a formular teorias. Deutsch (1952) afirmou que Assim sendo, o conceito de modelo é muito mais específico
um modelo é "uma estrutura de símbolos e regras operacionais do que o de teoria, de modo que modelos podem fazer parte de
que supõe-se corresponder a um conjunto de pontos relevantes teorias, assim como, na maior parte das vezes, pressupõem teori-
em uma estrutura existente ou processo". Por isso, os modelos são , as, dado o poder explicativo que estas possuem. De fato, enquan~
indispensáveis para o entendimento de fenômenos complexos. Por to o traço definidor de teoria está em seu poder explicativo, o de
ser uma forma de abstração e seleção de pontos a serem incluídos, modelo está em sua abstração imitativa, isto é, na sua capacidade
o modelo implica julgamentos de relevância. Esses julgamentos, para abstrair caracteres relevantes de dados fenômenos ou pro-
por sua vez, implicam uma teoria sobre aquilo que está sendo cessos, funcionando como IJm simulacro abstrato e permitindo,
modelado. O modelo nos fornece assim uma moldura dentro da desse modo, a experimentação simulada do fenômeno ou proces-
'qual consideramos um problema, ele também aponta para lacunas so com o qual o modelo tem uma relação de similaridade.
não aparentes em nosso conhecimento de algo, sugerindo áreas Na área de comunicação, ambas as tradições de estudos de
em que a pesquisa é requisitada. teor sociológico, tanto a tradição da communication research quan-
Segundo Deutsch (ibid.: 360-361) são quatro as funções de to a da teoria crítica, sempre se desenvolveram em franca oposi-
um modelo: organizadora, heurística, preditiva e .a função de ção a um outro grupo de teorias ou, mais propriamente, modelos
mensuração. A função organizadora aparece na habilidade do voltados para a especificidade dos fenômenos comunicativos. Nos
modelo para ordenar, relacionar dados e mostrar similaridades e anos 70, por exemplo, os estudos sobre mass media foram marca-
conexões anteriormente não percebidas entre eles. Quando expli- dos pela polêmica entre sociologia e semi ótica. A 'tendênci a para
ca algo ainda não sabido, o modelo adquire habilidades preditivas. se questionar a pertinência e a legitimidade dos modelos mais pro-
Quando é operacional, implica em predições que podem ser priamente comunicativos para o estudo da comunicação extraiu
verificadas através de testes físicos. As predições podem funcio- muitos de seus argumentos da multiplicidade de saberes e compe-
nar como recursos heurísticos que levam a novos fatos e métodos. .tências (profissionais, institucionais, políticas, científicas etc.) que
Quando permite predições quantitativas, o modelo se relaciona com
a medição de um fenômeno. Se são bem entendidos os processos
estão implicadas nos processos de comunicação e que, segundo
os oponentes, os modelos comunicacionais tendem a ignorar.
Entretanto, as oposições, o mais das vezes, provinham e conti-
•
que ligam o modelo àquilo que é modelado, os dados obtidos com
a ajuda do modelo constituem-se em uma medida, com maior ou
menor complexidade (SEVERIN e TANKARD, 1992: 36-37).
nuam a provir de uma visão hipersimplificada que se costuma ter
dos modelos comunicacionais, ignorando as evoluções por que,
•
Para Fiske (1990: 37), UlTI modelo é como um mapa. Ele re-
presenta traços selecionados do seu território. Por isso mesmo,
através dos anos, foi passando o modelo original dos processos de
comunicação. •
•• 50 Comunicação (, Pesquisa Lucia Santaella 51
•
''..
1980) . A teoria da informação ou ' teoria maternáticada informa- teoria da ínt or ma çãob aset am-se em probabilidades. Unl51 vez que
ção (SHANNC?N e WEAVER, 1949) originou-se nos trabalhos de o aprendizado altera essas probabilidades, o modelo da teoria
engenharia das telecomunicações e teve seu esboço, de autoria de matemática de Shannon não poderia ser .ap lic ado diretamente à
•".•
Shannon, publicado em 1948; A teoria matemática da comunica- comunicação humana. A partir disso, Schrarnm desenvolveu unia
' ção
.
é urna .teoria
. ' . .
sobre
.
a transmissão otimizada das mensagens série de três modelos , o primeiro ainda similar ao de Shannon, o
•• . ' . . . .
•• 1972 : 19 apud WOLF, 1987: 114) . sobrea teoria da consistência cognitiva. Esse modelo foi expandi-
do no complexo modelodeWestley-McLean (1957) que tinha em
•• 110 mesmo ano ern que Shannon publicou o esboço de seu modelo,
Lassw'~11 (1948) também elaborou UI11 modelo muito simples de
~o'm,unicação verbal que haveria de ser influente justamente por sua
dez áreas 'básic as para a pesquisa em comunicação, corno se se-
gue(S·EVERÜ'~·e'TANKARD, '1992 : 38-56)':
•• . diz o que
ern que canal
Alguém = pesquisa de audiência
percebe um evento == pesquisa de percep~ão
•• para quel11
conl que efeito?
e reage ~ medida de eficácia
em unia situação = estudo do cenário físico e social
•• se: fez presente, inclusive para ser questionado. Foi assim que, por
considerar
. ,
inadequada atransposição de problemas de engenha-
,
, de alguma forma = estrutu ra , organização, padrão
' e contexto = estudo do cenário comunicativo
•
52 Comunicação f., Pesquisa Lucia Santaella 53 .'••
Essa proliferação dernodelos, já presente na década de 50, ' . Uma importante expansão da 'c'a d e ja de comunicação linear
•
não foi menor nos anos .subseqüentes . Para colocar alguma ordem
nessa profusão, Nõth (1990: 174-180) classificou todos o? mode-
los comunicacionais er» três grupos: (3.1) o modelo tradicional
surgiu com a noçãode..repertório
. de' slgnos.jambérn
. ' ... . . . _ .
código. ,Os primeiros modelos contendo este elemento foram
~h~má.do
.
.'••
••.'
linear, (3.2) modelos circulares e (3.3) modelos que rejeitam, o Abraham Moles, engenheiro e matemático, desenvolveu mais tar-
conceito de fluxo de informação, enfatizando a autonomia dos de (1975) seu projeto.de um.a "ecologia dacomunicação" sob a
organismos em interação. ' influência da matemática de Sh'anno~'e da cib~rnética d~ N~rbert
Wiener (1948). Ce~tra1izado 'no concei'to de informação corno
3.1 MODELOS LINEARES matéria prima, Wiener expandiu ess~ conceito par~ o cat:lPo so-
.'•
.'.)
cial, entrevendo a possibilidade utópica de uma organização so-
o modelo tradicional linear dos elementos básicos que e~ltr~nl cial em luta contra a ameaça da entropia, tendência para desor- a
na composição de todos os processos de comunicação corresponde dem de um sistema, e em defesa da homeostase ou equilíbrio. Essa
e
.'•
J
àquele que foi formulado pela primeira vez por Shannon & Weaver homeostase só poderia ser promovida pela informação, 'as .máqui-
(1949) . As críticas que insidiram sobre esse modelo, chamaram , nas que a tratam e as redes que ela tece. .
atenção principalmente para o seu caráter I inear (ver, por e~em De certo modo influenciada por essas idéias, a ecologia cornu-
plo, THAYER, 1972; KOCK, 1980). Se o problema da comunica- nicacional de Moles é a ciência da inter~ção entre diferent~s esp é-
ção consiste em "reproduzir em urn ponto dado, de maneira exata
ou aproximativa, urna mensagem selecionada em um outro pon-
cies no interior de um dado campo, no qual espécies reagem urnas
às outras. Essa ecologia teria dois ramos: de um lado, a con~i 'd'e~a ..)•1
to" (A. e M. MATTELART, 1999: 58) ,a linearidade está aí ex-
pressa nos dois pólos do processo que definem urna origem e um
fim. Ora, segundo os críticos, uma tal linearidade se revela como
ção do ser individual e a interação dOe suas l1lodaÍidades'de cornu-
nicação na sua esfera de tempo e espaço . De outro lado,' a organi-
zação dos sisten~~s de transação entl~e os seres (A'. e M .'MATTE-
.1
.:•
LART ibid.: 65). '.
.'
urna representação inadequada do processo de comunicação, pois
linearidade sugere causalidade simples, A atividade do remetente
aparece corno urna causa que tem UI1l efeito calculado
.
na mente
.
do destinatário. Isto leva à idéia de urna interação de um partici-
pante ativo com um passivo. De urna perspectiva ideológica, ess~
é um modelo que sugere um po tencial quase total de manipulação
3.2 MODELOS CIRCULARES
•
•• 54 Comunicação [; Pesquisa Lucia Santaella
••
dequada do papel do receptor. Para superar essas objeções , al- são extraídas as funções da linguagem: Esse foco pode estar vol-
guns modelos que enfatizam a autonomia do receptor nos proces- tado para fora da mensagem, para aquilo a que ela se refere, para
sos de comunicação têm sido desenvolvidos. um terceiro elemento entre o emissor e receptor. Nesse caso, a
•• nas, entre humanos, entre humanos e máquinas, assim COIllO entre que levou à permanência do modelo cornun icacional original.
.>
56 Comunicação & Pesquisa Lucia Santaella ' 57 .'.'•
•
.'•
3.5 O MODELO SEMIÓTICO-INFORMACIONAL . que es tabeleçam várias regras, de correlação entre determinados
. .- .-. significantes e determinados significados. E, no caso de existirem
o caminho percorrido pelo modelo serni ótico-informacional
.'••
códigos de base aceitos por todos, há diferenças nos subcódigos"
foi diferente. Longe de ter nascido do assentimento ern relação ao (ECO e FABBRI, 1978 : 561 apud WOLF, ibid .: 124).
modelo original, ele nasceu da crítica à sua inoperância em pro-
cessos de comunicação humanos. Ao pôr ênfase na necessidade Não obstante o relevo teórico desse modelo , não obstante ain-
de tratamento da questão da significação ou produção de sentido, da a grande di vulgação obtida pela obra semi ótica de Eco ern vá-
Urnberto Eco (1972: 26) propôs' que urna teoria da comunicação
mais abrangente só poderia ser encontrada em urna teoria semiótica
rios países do mundo, antes meSl110 da explosão editorial de seu
romance O n071~e da rosa (ver no Brasil, por exemplo, ECO 1971),
•••
geral. Para Eco, só a serniótica poderia ser capaz de explicitar a
significação inerente ao processo comunicativo através da variá-
a infl uência desse modelo sobre a pesquisa em comunicação ern
geral foi limitada. Segundo Wol:f (ibid. : 125), essa limitação se ••
vel da decodificação e dos sistemas de conhecimento e cornpetên-
cias que a orientam . Disso se originou o que veio a se afirmar
CO'IllO um modelo serniótico-inforrnacional para o estudo da co-
explica pela falta de elaboração das conseqüências das hipóteses
da compreensão e decodificação das mensagens sobre os efeitos
sociais dos mass media. Embora o aperfeiçoamento desse modelo
•.•:
municação, modelo este que salientava que "os efeitos ,e as fun-
ções sociais dos mass media não podem prescindir do modo como
se.mi ótico-i nformacirmal em um modelo posterior, serniótico-tex-
••
.'••
tual, tenha tomado as relações entre compreensão de mensagens e
se articula, dentro da relação comunicativa, o mecanismo de reco- efeitos sociais um pouco mais claras, este outro modelo também não
nhecirnento e de atribuição de sentido , que é parte essencial dessa alcançou uma repercussão maior do que o primeiro,
relação" (WOLF ibid.: 123). . ~ ..
.•:
A novidade introduzida por esse modelo situava-se no concei- 3.6 O MODELO SEM/ÓTICO-TEXTUAL
to de código que, entendido semioticarnente, responsabiliza-se pelo
funcionamento dos fatores semânticos. Passou-se, assim, da no- Não foram necessários mais do que alguns passos teóricos para
ção de comunicação como transferência de informação para a de
transformação de Ul11 sistema em outro, transformação esta garan-
que o modelo sellliótico-informacional se desdobrasse e 111 li 111
modelo mais complexo serniótico-textual. Esses passos fO~'alll ••
tida pelo código. Com isso, o modelo serniótico-inforrnacional dados graças à evolucão interna da própria teoria serniótica . O
••
introduziu, C01110 elemento constitutivo da comunicação , o seu
caráter in trfnseco ele processo de negoci ação en tre emissor e re-
modelo serniótico-inforrnacional salientava do processo cornuni-
catí vo, sobretudo , ••
ceptor, para o qual concorrem di versas ordens de fatores.
"o elemento da ação interpretativa operada sobre as mensagens, atra- ••
••
(IDe acordo COlll as diversas situações socioculturais, existe uma di- vés dos códigos: assim a dissimetria dos papéis de emissor e de re-
versidade de códigos, ou de regras de competência e de interpreta- ceptor não era tida suficientemente em 'co ns ide ração (a não ser na
ção. E a mensagem tem uma forma significante que pode .ser preen- forma de feedback, que é, contudo, um aspecto referenteà direção
chida com vários significados, contanto que existam vários códigos da transrnissibilidade das mensagens). No modelo serniótico-texni-j ,
••
•• 58 Comunicação & Pesqu isa Lucia Santaella 59
'. ••
o que merece ser salientado agor.a é que os destinat ários não
recebem simples mensagens reconhecíveis a partir de códigos
compartilhados, Recebem, isto sim ; conjuntos de práticas te xtuais
próxi 1110 tópico.
. Faltou também ao diagnóstico de Wolf perceber para onde a
tradição teórica dos modelos cornunicacionais já estava nitida-
mente migrando em meados dos anos 80, a saber) para as ciências
•• brarnen tos esta varn imersos. Em seu cI i agnós tico, as razões para
uma tal cri se encon tra varn-se nos segu in tes fatores: a presença de
quadros de, referência mais gerais para os estudos elos mass me-
neuro-psicológicos, Não se trata, portanto, de um campo unifica-
do de pesquisas, mas de uma vasta encruzilhada de disciplinas e
••
, !
dia, a !lllt.d.ança de problemáticas consideradas principais , a pro- \ tendências de pesquisa que tern se expandido continuamente nas
gres~i ~a esteri I idade da l~esqll~sa ernpfrica de baixo perfi I e, por últimas décadas . Por isso mesmo, trata-se de UIll campo tortuoso e
•
60 Comunicação [, Pesquisa Lucia Santaella
•
I
ção (1984, 1995, 1970-1995). Ficou famoso o debate entre Haber- maior, a dimensão da cultura, na qual os meios encontram uma
mas e Luhmann, publicado em livro (1971), em que Luhmann se lógica de desenvolvimento que lhes é própria, mas ao mesmo tempo
contrapôs à teoria de Habermas ao afirmar sua teoria da auto- inseparável das injunções culturais . .
referencialidade dos sistemas sociais que tem seu eixo na questão Entre as tendências volt1adas para a comunicação, estudada sob
e,: da complexidade de suas relações com seu meio e consigo mesmo. um ponto de vista que se pode chamar de culturalista, encontra-se
. 1: Tomando como base a teoria de Luhrnann, desenvol veu-se, na
Alemanha, uma teoria da comunicação no cruzamento da teoria
aquela que, sob o nome de, cultural studies, se esboçou na Ingla-
••
•• dos sistemas, cibernética de segunda ordem e construtivismo
terra, entre meados dos anos 50 e primeiros anos da década de 60,
em tomo do Centerfor Contemporary Studies, de Birmingham. O
..- "
,'
(KOCK, 1980, 1981; FUCHS, 1993; SCHMIDT, 1994, 1995,2000;
DE BERG, 1997), com repercussões para além da Alemanha (ver,
por exemplo, STEIER, 1989, 1995). No centro desse cruzamento,
de um lado, a cibernética de segunda ordem deve ser entendida
objetivo dos assim chamados cultural studies era definir o estudo
da cultura que englobasse "quer os significados e os valores que
surgem e se difundem nas classes e nos grupos sociais, quer as
práticas efetivas através das quais esses valores e esses significa-
.;. ~ ' como uma realidade objetiva que não mais se apresenta como um dos se exprimem e nas quais estão contidos" (WOLF 1987: 108).
.•
objeto, mas como uma realidade de segunda ordem, construída Em relação a tais definições e modos de vida - entendidos
relativamente a nossas posições, na qual o observador tem uma como estruturas coletivas - "os mass media desempenham urna
".':." influência determinante no que pretende observar. Trata-se aí da função importante, na medida em que agem como elementos ati-
-
subjetividade relativa de um pragmatismo do conhecimento que vos dessas mesmas estruturas" (ibid.: 108). São duas as aplica-
.~>
•_ _i
desemboca na constatação de uma realidade de segunda ordem ções em que os cultural studies se especificaram: de um lado, os
que 'inclui o seu próprio movimento em um desenrolar sem fim. trabalhos sobre a produção dos mass media enquanto sistema com-
•ej---
De outro lado, a teoria dos sistemas não deve ser compreendi- plexo de práticas determinantes para a elaboração da cultura e da
•• ••
"
da com uma teoria das estruturas, mas dos processos, não de hetero- imagem da realidade social; por outro lado, os estudos sobreo consu-
nomias, mas de autonomias, não do determinismo, mas da liber- mo da comunicação de massa enquanto espaço de negociação entre
... ">
.~>
..
' ~'
,
.....
..
:.
dade. A teoria dos sistemas é a teoria da contingência. Ela assume
que toda ação social ou evento é sempre uma seleção de um cam-
po de possibilidades, de modo que a realidade poderia ter sido e
deve ser diferente (DE BERG, ibid.: 141). "A contingência diz
que algo diferente também é possível" (Luhmann) .
práticas comunicativas extremamente diferenciadas (ibid.: 109).
Embora reunidos em torno de diferentes temas de trabalho,
tais como etnografia, media studies, teorias da linguagem e subje-
tividade, literatura e sociedade, todos esses estudos encontravam
e continuam encontrando uma linha comum de atuação tanto na
concepção da cultura como conjurito de todas as práticas sociais e
_L
. :~
4. As TENDÊNCIAS CULTUROLÓGICAS E MIDIÁTICAS como soma de suas interações, quanto na vinculação de seus tra-
balhos a questões suscitadas por movimentos sociais, o feminis- ,
• •s:
e,) Por tendências culturológicas estou aqui compreendendo os . mo, por exemplo. Por isso mesmo, atualmente, em universidades
estudos que abordam os meios de comunicação e suas implica- espalhadas pelo mundo inteiro, há departamentos voltados para
• .:,}I
ções como componentes de uma dimensão sócio-antropológica os cultural studies, muitos deles quase inteiramente dominados
.~~~;
.i :
' ~'
64 Comunicação [; Pesquisa Lucia Santaella 65 •
por mulheres intelectuais dedicadas à defesa das temáticas das mas, tem estado mais interessada "e m questões como: quais os tra-
minorias,
Em uma corrente híbrida, tecno-culturalista, pode ser enqua-
drada a obra do canadense McLuhan (ver especialmente 1962,
ços que caracterizam cada mídia e como esses traços tornam cada
mídia física, psicológica e socialmente diferente de qualquer ou- ••
1964). Concebendo os mass media dentro de uma perspectiva
muito ampla, McLuhan ligou-os essencialmente às transformações
tra? Como o advento de uma nova mídia, em uma matriz existente
de mídias, pode alterar as interações sociais e a estrutura social
em geral? Nessa medida; esses teóricos acabaram por convergir
•
antropológicas, perceptivo-simbólicas, introduzidas por cada ino-
vação tecnológica e comunicati va. Para McLuhan, os meios de
comunicação moldam a organização social porque são estrutu-
na concepção de três estágios civilizatórios básicos, produzidos
pela interação entre mídia e cultura: as sociedades orais , as mo-
•
dernas sociedades da escrita e a cultura eletrônica global (MEYRO-
radores das relações espaço temporais às quais o pensamento e WITZ, 1993, 1994).
sensibilidade do ser humano se conformam. Ficou famosa a sua Com caracteres próprios, principalmente mais politizados, mas
metáfora da aldeia global em que o planeta estava se convertendo alinhado a uma tradição que se pode considerar como originária
em função do meio televisivo, segundo McLuhan, o mais frio e primeiramente do canadenseJ:larold Innis (1950, 1951) e, depois,
participativo de todos os meios. Sua visão apoIítica da comunica- de McLuhan, enquadra-se ainda o projeto de Regis Débray, ini-
ção foi muito criticada nos anos 70, mas recentemente, com o ciado em 1979 e publicado em 1991, visando à fundação de uma
advento das redes de comunicação planetárias, a iluminação de midialogia geral. Centrada na análise do intelectual na sua função
muitas de suas idéias, especialmente daquela que está contida na
metáfora da aldeia global, tem sido amplamente reconhecida.
de oficiante dos aparelhos de transmissão, essa abordagem bus-
cou estabelecer uma correlação entre, de um lado, as atividades
•
McLuhan foi inspirador de toda uma geração de teóricos da simbólicas - ideologia, política, cultura - e, de outro, as formas
mídia, principalmente de origem canadense, que tomaram a si a de organização e os sistemas de autoridade que os modos de pro-
ambiciosa tarefa de construir uma história da civilização de uma dução, arquivamento e transmissão da informação induzem. Ins-
perspectiva midiática (HAVELOCK, 1963, 1982; EISENSTEIN, 1979; pirado na idéia de McLuhan de que o próprio meio determina o
ONO, 1982; MEYROWITZ, 1985). A maioria das pesquisas em caráter do que é comunicado, conduzindo a um tipo próprio de
mídia tende a focalizar apenas uma dimensão do ambiente civilização, Débray se defendeu da acusação de exaltar um determi-
midiático, a saber, o conteúdo das mensagens e suas implicações,
tais como a maneira das pessoas reagirem às mídias; a influência
nismo técnico ao colocar ênfase na necessidade de se descobrir as
determinações objetivas dos aparelhos do pensamento (A . e M. ••
dos fatores econômicos, políticos e institucionais naquilo que é
transmitido pelas mídias; se as mensagens midiáticas refletem ou
não as variadas dimensões da realidade; como audiências diversas
MATTELART, 1999: 179).
Na mesma linhagem, mas utilizando suportes interpretativos
das mídias emprestados da semiótica, situa-se a obra de Bougnoux
••
interpretam de modo distinto o mesmo conteúdo, e assim por diante.
A geração inspirada por MacLuhan, entretanto, por conside-
(1994). Estruturadas como uma teia de relações dos meios de massa
com a cultura, literatura e arte, suas interpretações, muitas vezes
••
rar que as mídias não são simples canais para transmitir informa- o, agudas e criativas, se sustentam também em alusões à psicanálise
ção , mas conformadoras de novos ambientes sociais nelas mes- e ciências cognitivas.
• Comunicação & Pesquisa Lucia Santaella 67
66
a expansão do papel desempenhado pelas mídias no seio da vida
•.:
••.
Distinta das teorias críticas de origem alemã, mas também an-
tagônica aos direcionamentos das pesquisas norte-americanas dos
mass media, surgiu a teoria culturológica de extração francesa que
social, essa tradição passou a adquirir feições culturalistas-midiáticas.
A partir do final dos anos 70, os estudos da comunicação fo-
ram absorvidos em um ambiente geral de debates inteiramente
teve seu ponto de partida na obra inaugural L 'Esprit du temps, de
•• Edgar Morin (1962, ver ainda 1973, 1986). Esta teoria não se
novos que veio a ser chamado de pós-modernidade. Entretanto,
•• voltou diretamente aos mass media nem aos seus efeitos sobre os
destinatários, mas para a definição da nova forma de cultura da socie-
foram ainda as feições de uma tradição culturalista-midiática aque-
las que mais fielmente caracterizaram essa absorção.
••
••••
dade contemporânea que os mass media inauguraram.
Embora seja a cultura realmente nova do século XX, para
Desde os anos 70, os satélites de comunicação colocavam, nas
telas de televisão de quaisquer partes do mundo, eventos de quais-
quer outras partes. Essa composição de um panorama internacio-
Morin, a cultura de massas não é autônoma, mas pode embeber-se
nal pluricultural foi intensificando, especialmente nos países cen-
••• de outras culturas - nacional, religiosa ou humanística - nelas se
•.• ;
interpenetrando e, quase sempre, corrompendo-as. Embora tenha
uma natureza que lhe é própria, constituindo-se como um conjun-
trais, a consciência das alteridades culturais, da existência do ou-
tro na sua outridade. Graças a bancos de dados cada vez mais
potentes, a memória culturalda humanidade começou a se acu-
.'.••
to de símbolos, valores, mitos e imagens, a cultura de massas se
~.
•
.
jogos eletrônicos e no vídeo cassete, transformando os usos até
pólos opostos dos processos de estandardização e exigências de
. ..; ;: então hegemônicos do aparelho de televisão, enfim, na multipli-
-,.• individuação que são próprios da cultura de massas, Morin en-
~.
cação crescente dos canais de TV a cabo, a cultura do disponível .
controu no sincretismo o traço "mais adequado para traduzir a
tendência para homogeneizar a diversidade dos conteúdos sob um começou a contaminar a cultura de massas com o virus da perso-
•e>•• nalização comunicativa do qual esta jamais se livraria.
_ .. "
denominador comum" (MORIN, 1962: 29 apud WOLF 1987: 102).
Sob a a'legação da ausência de sistematicidade e do teor vago Em suma, as novas tecnologias começaram a descentralizar a
comunicação massiva, afetando a recepção de massa ao permitir
e, e generalizante dessa teoria culturológica desenvolvida por Morin,
ao usuário maior controle sobre o processo de comunicação, atra-
• os sociólogos Bourdieu e Passeron (1963) não tardaram a rei vin-
dicar um comportamento mais empírico e mais específico para o vés de canais de televisão a cabo e videotapes que davam à audiên-
•.
cia acesso a programas especializados. Com a emergente fragmen-
tratamento dos meios de comunicação.
Embora não se possa dizer que Morin tenha criado uma escola tação e segmentação da audiência, a televisão não podia mais ser
.,• ••
:, pensada como um sistema monolítico. O fenômeno do zapping, a
de estudos culturalistas no sentido de deixar seguidores, pode-se;
.~.' . ., no entanto, afirmar que os estudiosos franceses dos meios de co-
mudança de canais através do controle remoto executada pelo
... .telespectador para ficar livre dos comerciais, tornou-se uma preo-
municação, que foram contemporâneos ou vieram depois de Morin,
cupação central na indústria da publicidade. O emergente Compu-
não obstante a inconfundível marca individual de cada um, en-
e,:,' Serve, serviço de in,formação através do computador, que podia
.,.
i
.:;
quadram-se todos em uma tradição de estudos culturológicos. Com
Comunicação 5- Pesquisa Lucia Santaella 69
r
68
I---
Estados Unidos. Significativamente, foi a antropóloga Margaret
resistência e, mais recentemente, expropriação e exclusão, essas Mead que, na Conferência -da Universidade de Indiana de 1962
teorias têm interferido no' debate contemporâneo, nele introd.uzin- sobre Paralirigüfsticae Cinésica, introduziu "semi ótica" como um
tI.. do conceitos originais, tais como: hibridização, mestiçagem, mo - novo termo para o estudo de "comunicações padronizadas em todas
e..;
.•
dernidade alternativa, rnediações midiáticas (ver especialmente as modalidades" (ver SEBEüK et al., 1964: 5).
•
CANCLINI, 1990; BARBERO, 1987; SODRÉ, 1991, 1996, 2000a; Ainda segundo Nôth (1990: 169), um ramo da lingüística an-
-~
;~; PINHEIRO 1994) . tropol ógica que influenciou a sociolingüística foi a etnografia da
._ .. tI
.-.;
. ;.:. cação , acima esboçadas, em várias ciências vizinhas , conceitos e
teorias híbridas da comunicação tamb ém construiram seus ninhos.
va para estudar as variedades dos códigos lingüísticos em grupos so-
ciológicos eo domínio destes códigos por falantes individuais .
.
')
O contorno abaixo, baseado em Noth (1990 e 2000) , de áreas Nas áreas da psicoterapia, psiquiatria e psicanálise, Bateson et
-y ';.
correlatas à comunicação não é exaustivo, mas ilustrativo de al-
guns terrenos em que a comunicação COITIpareCe muitas vezes COITIO
~I. (1956), Ruesch (1972), Watzlawick et al. (1967) e outros desen-
~ .•
volv.eram urna teoria geral do C~ITIportalnento humano baseada na
eJ" concei to chave. teoria da comunicação. Nesta abordagem, psicopatologias, espe-
e:
.:.,.'"
Assim, o CalTIpO da comunicação não-verbal é um ramo da
psicologia social. A delimitação ~as for,mas 'c om unicativas 'e não .
comunicativas do comportamento cotidiano é L1m .~e seus proble- "
cialmente a esquizofrenia, são definidas corno um distúrbio da
comunicação , e sua análise e terapia são vistas como urna situa-
. ção particular de comunicação .
e...}
ITIaS mais fundal~entais. 'A zoosserniótica, institucionalmente L~m
• ~~t
• ~:
••
'.
.
ramo da biologia e, mais particularmente. ia etologia (ver SMITH, cia comunicativa foi ampliada para cobrir todas as "estruturas ge-
ir
72 Comunicação [; Pesquisa
Lucia Santaella 73
••
rais de possíveis situações de discurso" (1971: 102). Nessa pes-
quisa , Habermas dedicou-se ao sistema de regras "de acordo com
semi ótica, tornam-se tão difusos a ponto de reclamarem por urn
estudo à parte (SANTAELLA e NOTH, em progresso). ••
••
Realmente, as relações da serniótica com a comunicação nun-
o qual geramos situações de discurso possível em geral". Para
ca for.am vistas com muita clareza e o fato de a semiótica empre-
Haberrnas, a comunicação não se restringe ao " d isc urso" verbal.e
gar termos como "serniose" e "significação" em vez de "cornuni-
não-verbal, mas também inclui atos comunicativos sem troca real
de informação (ibid.: 114~15) ..Embora a teoria de Habermas te-
cação" , e "signos" em lugar de "mensagem" contribui muito para .
essa falta de clareza. De todo modo, não é por acaso que ambas,
••
nha, de fato, nascido dentro da sociologia filosófica, é inegável a
•
.'••
lingüística e serniótica, comparecem em muitos volumes sobre
sua contribuição específica para os estudos da comunicação. Tan-
teorias de comunicação, assim como não é por acaso que algumas
to é que Habermas se insere em uma das tradições dos estudos de
...... dentre as correntes sernióticas fazem parte de uma das tradições
comunicação, a tradição das teorias críticas.
de estudos de comunicação, a tradição dos modelos do processo
Sobre as bases do legado pragrnatista norte-americano, nas fi-
••
comunicativo, como já foi visto.
guras de Peirce, Jarnes, Dewey e estendendo-se para o neo-pragma-
Todas as misturas entre tradições diversas e muitas vezes an-
tismo de Rorty, vários autores buscaram avaliar o papel desse le-
gado , nos seus aspectos lógicos, processuais e retóricos, dentro
do quadro de urna 'filosofia da comunicação (LANGSDORF e
SMITH, 1995).
tagônicas, assim .como seu aparecimento em ciências vizinhas
foram fazendo da área de comunicação um campo híbrido e pou~
co nítido nos seus limites internos e fronteiras. Essa falta de niti-
dez só vem aumentando nos últimos anos em função da emergên-
.'.'•
Tanto a Iingüística e a análise do discurso quanto a semiótica,
cia .recente de novos fatores que, no dizer de A e M. Mattelart ••
esta última concebida COIllO teoria dos signos e também como teo-
ria da significação, comparecem como teorias da comunicação
(1999: 9), estão situando a comunicação cornot'figura emble-
mática das sociedades do Terceiro Milênio", assunto este reserva-
••
••
.'
ern muitos volumes dedicados a esse tema (ver, por ,exemplo,
.;;
do para o início do próximo capítulo.
PIGNATARI, 1969; TEIXEIRA COELHO 1978; INGLIS, 1990;
•
FISIZE, 1990 ; BAYLON e MIGNOT, 1994). Em seu livro sobre
Leituras em teo ria da comunicação (The communicaüon theory
reader, 1996) Cobley chegou ao extremo de limitar essas leituras
às teorias do signo, significação, usos do signo, atos de fala, discur- .'••
t,
so e interpretação.
Não resta dúvida .de que ambas, lingüística e serniótica, têm
um estatuto que lhes é próprio como ciências, estatuto este que as .
leva além do limite de serem consideradas exclusivanlente corno
.'
••
•e'
"-.-
teorias da comunicação. Entretanto, as questões de que tratam têm
"".,"
tamanha relevância para os estudos da comunicação, são tantas as ....
'''-.,.'
sobreposições e intersecções que apresentam COIll a comunicação
que os limites entre elas, especialmente entre a comunicação e ••
..
41,
•-;
.:
é :·
.•-;.;:
.~:
~
MAPEAMENTO DA ÁREA
DE COMUNICAÇAO
e;
e>
ti,
.:•.
I
ê: I
I
....
I que 'a' 'comunicação nos aparece hoje . Por isso mesmo, antes de
.. . . I passarmos à elaboração do mapa, trata-se de discutir a complexi-
. '
j
i
.•••.~
i dade das novas inserções e ramificações C0l11 que a comunicação
se apresenta no momento atual.
" :.
-' 1. A ONIPRESENÇA DA COMUNICAÇÃO
••
,;}:
.'"
..
.~:
vida .privada e social e em várias áreas do conhecimento; de outro
lado, enquanto área de conheci mento ela mesma que, cada vez
...:;
;;
..
· rJ
:.
'..;;/
~
"
-'~ I
I
mais, parece situar-se na encruzilhada de várias diséiplinas e ciên-
cias já consensuais OLI emergen tes .
As comunicações constituem, ao mesmo tempo, um importan-
tíssimo setor industrial, um universo simbólico que é objeto de
.~:' I
~" .
Lucia Santaella . 77 --•
76
••
co nsu rno maciço, um investimento tecnológico· e 111 expansão
ininterrupta, uma experiência individual diária, LlI11 terreno de con-
fronto político, um sistema de intervenção cultural e de agregação
Na época em que Sfez escreveu sua Crítica da comunicação,
a~ redes teleinfcrrnáticas ~ão haviam a(nda explodido e abraçado
o glo~o com um~ teia deconexões, nem as questões da globaliza-
.:
e!
social, urna l11aneira de informar-se, de entreter-se, de passar o i' ç.ã~i ,Q~0Iític9-'econônlica .e da mundializaçãoda cultura 'hav ia m
••
tempo etc. (WOLF, 1987 : 13). ,
Sfez ( 199 4 : 25) também nos alertou para o fato de que a -comu-
entrado na ordem do dia, de modo que, ao acrescentarmos esses
novos fenômenos à lista de Sfez, a imagem proliferante da cornu-
nicação se torna ainda mais tentacular.
••
nicação invadiu todos os domfn ios: a empresa e seu proeminente
••
':...::'
setor de "relações humanas"; o marketing. antes restrito ao produ- De fato, no início dos ~nos quando ainda estávamos"im~rsos
9'0,
nos debates sobre pós-modernidade, começou aentrar el~ cena,
••
to, hoje recobrindo a imagem da própria empresa; os meios polí-
ticos inteiramente entregues ao marketing político e à imagem de sob a égide da ec;oromia neo-liberal, aquele que seria o. grande
marca; a il11prensa, o audio visual e a edição nos quais a 'r ubr ic a da tema dos anos 90, o terna da globalização (ver TANI:TI, 1992, 19.95
comunicação floresce; as psicoterapias que se pretendem comu-
nicativas, e até as ciências exatas -fís~ca e biologia-estão conta-.
e ORTIZ, 1994). Nesse contexto, o p apel desempenhado pelos
a
meios de comunicação passou a ser de U111a, tal ordem ponto' de ••
1111 nadas pelo vocábu lo "cornun icação".
Além de a oornunlcação ter invadido metáforicamente o con-
se poder afirmar que, sem os meios de comunicação teleinforrnã-
ticos, o complexo fenômeno da globalização, tanto nos seus as- ••
•
.'••
junto das ciências humanas e das práticas políticas, sociais, cultu- pectos econômicos e políticos quanto certamente culturais. , não
rais e econômicas, recordemos ainda, dizia Sfez (ibid.: 28-29), teria sido possível.
que a biologia genética origina-se no modelo de trasrnissão codifi- Os sistemas tecnológicos complexos de comunicação e infor-
. : ...
cada de uma mensagem (ADN); que a ~iên(?ia~Gológica ou etoló- mação C?ertamen te passaram a exercer um papel estruturan te na
~
gica nutre-se de imagens oomunicacionais; que as neu~o-ciências organização da sociedade e da nova ordem mundial. D~í a socie-
tornam seu conteúdo de referência de empréstimo à conexão (es- dade ser definida em termos de comunicação que é definida em
termos de redes. Tendo isso em vista, Mattelart (1997a, -l997b)
••
ses permutadores cerebrais de 111ensagens invisíveis). Enfim,·-
criou o conceito de "comunicação-mundo", inspirado node "eco- ••
"todas as tecnologias de vanguarda, das biotecnologias à inteligên- nomia-mundo". Para o autor, esse conceito permite continuar a
-~
cia ahifícial, do audiovisual ao rnarketing e à publicidade, enraizarn-
se num princípio único: a comunicação. Comunicação entre ° ho-
análise desse novo espaço transnacional hierarquizado: ? lógica
pesada das redes imprime sua dinâmica integradora, ao mesmo ••
mem e a natureza (biotecnologia), entre os homens na sociedade tempo em que produz novas segregações, novas exclusões, novas
.',
,', -'
(audiovisual e publicidade), entre o homem e seu duplo (a inteligên-
cia artificial); cOI~unicação que enaltece o convívio, a proximidade
disparidades. .
••
t'.(k"'
ou mesmo a relação de amizade (friendship) com o computador"
(SFEZ, 1994: 21) . "
I
"~i
. I
IIS e a internacionalização nãoé mais o que .er a na época em que os
conceitos de dependênciae imperialismo cultural ainda
apreender
p~rl11itiam
° desequilíbrio do fluxo mundial de informação e cornu-
nicação, é p~rque novos atores apareceram num cenário doravante
.'•
e\
."".. . ' •
._~
~.
78 Comunicação 5- Pesquisa Lucia ' S a n ~a e l l a
4t~! 79
_.
~. transnacional . Os Estados e as relações interestatais não são mais o
. único pivô de ordenamento do mundo . As grandes redes de info rma-
'Cérebros humanos , computadores e redes interconectadas de
comunicação ampliam, a cada dia, um ciberespaço 111~ndial no
_.
~ ção e comunicação, com seus fluxos 'invisíveis', 'imater~~.\ais l ;.f~I~lTÜ~~,. .
'terri tórios abstratos', que escapam às an tigas ter ri tori aI i~J~tfreS'~"
qual todo elemento de informação encontra-se ern contato vil-tual
com todos e com cada um, tudo isso convergindo para "a consti-
(MATTELART, 1999 : 166). . ~ tuição de um novo meio de comunicação, de pensamen to e de
-"••
.;
~.' . -;~ trabalho para as sociedades humanas", enfim, de urna nova antro.
No contexto dessas transformações . vale notar que, crescen- pologia própria do ciberespaço (LÉVY, 1998: 12,2000).
temente aurnenraqa pelas comuni~ades ciberespaciais que se for- Segundo Lévy (ibid .: 13), a fusão das telecomunicações, da
'.:, marn ao sabor da espontaneidade desregrada que ~ própria das informática, da imprensa, da edição, da telev isão, do cinema, dos
• ..
redes.jrsociedade informacional e comunicativa na qual estamos
•..-_.
,. jogos eletrônicos em uma indústria unificada da mu ltimídia é o
I - inserid.os nãose deixa explicar à margem do substrato infraes- aspecto da revolução digital que tem sido mais enfatizado. En'tre-
1- ) trutural que lhedá suporte, a revolução digital. tanto, esse não é o aspecto mais importante. A.par dos aspectos
:
civilizat órios, tais como nQ.vas..estruturas de comunicação, d~ regu-
2. DIGITALIZAÇÃO E Cn3ERESPAÇO lação e de cooperação, linguagens .
e técnicas
'
intelectuais
.
inéd itas ,
. modificação dasrel ações de' espaço e. tempo etc., .~ mais impor-
~, Segundo Joel de Rosnay (1997 : 29), estamos vivendo um ver- tante está no fato de.que a forma e o ponteúdn do ciberespaço
~. dadeiro choque do futuro resultante sobretudo dos avanços das ainda es~ão especlalmenre indeterminados. Diante dis~o ~ãó · s ~
~ . . . '
ciências físicas e biológicas . Enquanto a f ísica e a eletrônica leva-
_.
~.
ram ao desenvolvimento da informática e das técnicas de comuni-
trata mats de raciocinar em termos de impacto (qual o impacto
. das infovias na v tg~ ..e conômica, política, cultural, cie~t{fica ?), J11aS
cação, a biologia levou ã biotecnologia e à bioindústri~. Estamos, em termos de projetos. .,. . ' .
~.
~.
seI11' dúvida, entrando numa revolução da informação e da 'comu- Do ponto. de vista do conhe~im~nt;, MatteJ'lart (1999: 165)
_I. nicação sem precedentes que está desafiando nossos métodos tra- nos diz que, para melhor considerar, na era das redes transfron-
dicionais de análise e de ação. teiriças, a complexidade dos vínculosque unem territórios parti-
~
•-~. No cerne dessas transformações, os computadores e as redes
de comunicação passam por uma evolução acelerada, catalisada
pela digitalização, a compressão dos dados, a multimídia , a hiper-
culares, tanto físicos quanto virtuais, novas configuracões transdis-
ciplinares se formam, é delas participam a história, a geografia , a
ge~polltica, a ciência política, ~ economia indus trial e a <'~ntropo
«1 m ídia. Alimentada COI11 tais progressos, a in ternet, rede mundial logia , Cada uma dessas especialidades contribui para isso ern graus
I."
_l~
das redes interconectadas, explode de maneira espontânea, caóti-.
ca, superabundante, tendência que só parece aumentar com a re-
bastante variados , à medida que não experimentam do meSJ110
modo a necessidade de estabelecer alia.nças para apreender a nova
-3: cente imigração massiva do e-comércio para o universo das redes , importância das redes de comunicação. . .
'._J";
~
Nesse mesmo ambiente, nos setores técnicos e científicos, erner- .
gern tendências inquietantes, tais como a realidade virtual e a vida
,\
.... ~
. Tendo isso em vista , sou levada à hipótese de que, dada a
onipresença dos fenômenos comunicacionais, a comunicação como
•. ej
-:.
artificial. área de conhecimento está cada vez mais tornando o lugar de UI11a
- I
..•
80
Comunicação & Pesquisa
vergência .
Assim sendo, a comunicação como área de conhecimento .in-
vas importantes às ci ências sociais para a pesquisa em comunica-
ção: abordagens filosóficas da comunicação, que permitem o en- •. .
clui, mas está longe de se limitar à visão restrita da comunicação
como fenômeno exclusivamente humano e social que imperou até
tendimento de algumas questões críticas da comunicação, abor-
dagens estético-alegóricas , que podem nos fornecer os mais finos .".'
finais dos anos 70.
ajustamentos sobre COlno o processo comunicativo funciona, e
abordagens interpretativas e críticas, nas quais a experiência da ••
•
3. A TEIA INTER-MULTI E TRANSDISCIPLlNAR
comunicação como discurso e texto tende a ser emoldurada , recriada
.
.'.'
e qualificada à luz de certas normas derivadas ou inventadas.
DA COMUNICAÇÃO
Dedicando o seu artigo mais di retamente às abordagens filo-
sóficas, Farrell discutiu quatro grandes domínios reflexivos: a her-
•
N a segunda metade dos anos 80, Del ia (1987: 20-22) lembra-
.'•
va que, antes mesmo da coa1escência da comunicação corno urna menêutica e fenomenologia, a serniótica e o estruturalismo, o
, áreade co'nhecilnento que se deu, nos Estados Unidos , na década marxismo e a teoria social e a filosofia não racional ou desconstru-
de 40, e continuando depois disso, um traço significante da pes- . tivismo. Nesta última, foi posto em relevo o questionamento que
i o antilogocentrismo de Derrida e FoucauJt trouxeram.para os pres-
•
'..'
quisa em comunicação sempre foi sua fraglnentação como urna r
preocupação tópica que cruza virtualmente todas as áreas das ciên -, supostos básicos da comunicação de um emissor que sabe o que
cias sociais e das humanidades. Corno um tópico de pesquisa, a " diz e .de um receptor para o qual o significado aparece . Contra
COlllunicação nunca se limitou a qualquer domínio social (Estado,
sociedade civil, educação etc), a qualquer disciplina ou campo
isso, Derrida (1973) removeu o sujeito do discurso, substituindo a
primazia da fala pela escritura ou texto e substituindo a busca da •
••
82 Comunicação & Pesquisa Lucia Santaella 83
.:
mas de um cruzamento de múltiplas problemáticas corresponden-
abertamente político, Foucault (1972, .1973) pôs em evidência as tes a disciplinas tradicionalmente diferenciadas. As ciências da
franjas do poder que se ocultam nas regras de formação discursiva. comunicação constituem hoje em dia um nó transdisciplinar, no
Para Farrell (ibid.: 137-138), não há contradição em se pensar campo das ciências brandas, comparável ao nó das ciências cogni-
como um herrneneuta, 'um semioticista, um teórico social, ou mes- tivas, no terri tório das ciências duras".
mo um desconstrucionista, e-continuar pensando como um cien-
•.
t t)
tista da comunicação. Isso 'certamente traz consigo uma tensão
extraordinária, mas só através dessa tensão as possibilidades ex-
Em função disso, Verón justificou a presença na coleção de
uma ótica antropológica aplicada às sociedades urbanas, de uma
ótica epistemológica, semiótica, sociológica, histórica, cognitiva,
I1..-•••
-.
traordinárias da comunicação como ciência podem persistir. política, todos esses modos pertinentes de acesso aos fenômenos
Cada vez mais, desde o início dos anos 90, a ilusão acalentada da comunicação, em particular aqueles associados à emergência e
i
de uma teoria unificada ou de uma metodologia privilegiada para funcionamento de tecnologias midiáticas.
os estudos de comunicação parece ter sido relegada ao passado. Sem dúvida, só esse último item, o das tecnologias midiáticas,
.'•_.
•• quilo 'q ue Lucien Sfez (1992: 11) caracterizou como o núcleo epis- xo, está exigindo uma abordagem multidisciplinar para dar conta
temológico da comunicação de seus variados aspectos.científicos, institucionais, tecnológicos,
políticos, culturais, profissionais etc .
" q ue reúne em torno de pontos comuns grande diversidade de sabe- Na mesma linha de pensamento, em prol de uma perspectiva
•• gestação".
.:
'••_:- grar o Mamífero'parlante à difusão de teorias e investigações no
campo 'das ciências da comunicação, Verón explicou que "o plu-
ral ciências, frequentemente utilizado, expressa indiretamente a
I
~
I
I!
nho do campo da comunicação hoje se apresenta, buscarei cons-
truir, a seguir, o mapeamento da área da comunicação e de suas
interfaces.
.:
t!.'
" .~
~
5. Os TERRITÓRIOS DA COMUNICAÇÃO
Subsidiário ao campo da mensagem em si, tem-se ocampo do
modo como as mensagens são produzidas. Com que meios elas '
são produzidas? Entram aqui todos os suportes artesanais da es-
•• A grande área da comunicação é composta por alguns territó- crita, pintura, gravura, instrumentos musicais, todos os meios téc-
.:•
....... '
' --'
~:
rios que foram delimitados de acordo com os elementos do pro-
cesso comunicativo, conforme está discriminado abaixo.
,.:
\~ ~ uma espécie de ponto cego da retina, a mensagem em si é o dado cada meio, diferenciando uns dos outros?
,.:-
mais palpável em todo processo comunicativo, aquele a que sem- Para pesquisar sobre essas questões relativas ao modo de pro-
~: pre se tem acesso objetivo (ver VOLOSINOV, 1973). Nesse cam- dução das mensagens, é necessário levar em consideração o de-
po da mensagem ern si, cabem todas as pesquisas referentes às senvolvimento das forças produtivas sociais, pois é de sua histo-
linguagens, discursos, sistemas e processos sígnicos das mais diver- ricidade que advêm os suportes, canais, meios físicos e tecnológi-
"-.- .
sas ordens: biológicos , corporais, lingüísticos, gestuais, visuais, cos para a produção das mensagens. As linguagens, sejam elas
'"
•.:
• _••
."
'-
.... ...
;
sonoros, audiovisuais, hiperrnidiáticos com todas as suas mistu-
ras, além dos processos contracornunicativos, poéticos, artísticos,
quer dizer,' pt~ocessos rebeldes em relação aos sentidos institufdos.>-
quais forem, são materialmente produzidas de acordo com supor-
tes, instrumentos, meios e técnicas que são tão históricas quanto
as próprias linguagens e as instituições que as abrigam (BENJA-
' ... " Também pertencem a esse território as indagações sobre os MIN 1972, apud SANTAELLA 2000 : 159). A fotografia, por
•• ... :,....' modos através dos quais as mensagens, concebidas como constru- exemplo, é uma invenção no século XIX, produto da revolução
.':. ;";
~.
ções designos ou processos de significação, são capazes de defla-
gar possíveis efeitos de sentido ou, ao contrário, os questionamen-
industrial, assim como a internet é uma invenção do final do sécu-
lo XX, fruto da revolução cibernética, digital e teleinfornlática.
-~
~:-;
tos sobre essa possibilidade, tendo em vista o deslocamento in-
cessante do sentido. Cabem ainda nesse campo os estudos dos có-
Também deve sel'o considerada, nesse campo, a publicidade
corno meio de sustento dos meios, quer dizer, a vicariedade dos
•• Lucia Santaella 89
5.3 O
MENSAGENS. .:
TERRITÓRIO DO CONTEXTO COMUNICACIONAL DAS
ideológicos, mercadológicos, políticos, culturais, psíquicos lhe são
impostos por essas instituições ou organizações? Como essas ins-
•.t
Neste território, cabem pesquisas sobre a situação comunica-
tiv a e m geral, a situação em que a comunicação se dá. Essa situa-
ção apresenta vários níveis, de~de o nfvel meramente f'ísico , rela-
tivo ao local em que a comunicação se dá, passando pelo cultural,
tituições ou organizações estão socialmente inseridas? De onde
vem sua sobrevi vência? Qual é o sistema político e legal de cons-
t ítuiçãodessas instituições e organizações? Quais são os tipos de
marketing institucional e empresarial dessas organizações?
-.i.'
.'••
Nesse campo se enquadram as considerações sobre as redes e
psico-social até o nível temporal. Por isso mesmo, neste camp~,
fluxos de informação do ponto de vista do produtor da mensa-
entram em cena as formas de cultura a que os processos comum-
gem. Enquadram-se ainda os questionamentos desconstrutores do
cativos dão origem e nas quais germinam, por exemplo, cultura
sujei to falante como senhor do seu discurso .
oral , cultura da escrita, cultura de massas , cultura das mídias,
cibercu'ltura . Aqui tamb ém se enquadram os estudos sobre inter e
multiculturalisrno , assim como as questões sobre mundialização
5.5 O TERRITÓRIO DO DESTINO OU RECEPÇÃO DA MENSAGEJv\ .•)
da comunicação e cultura e os intercâmbios do regional e local '
com o global.
Aqui cabem pesquisas sobre os modos, como as mensagens
•.'
Ainda cabem nesse campo as pesquisas sobre aquilo a que as
mensagens se referem, o que elas indic am, designam e represen-
tarn, corno representam, a que interesses ideológicos e poderes
são transmi tidas e difundidas. Quais os ti pos de mediações ,s o-
ciais, culturais, psíquicas e sígnicas existentes até e no ato de re -
cepção? Quem é o receptor? Um indivíduo , um cliente, um grupo,
um público, uma audiência ou um receptor virtual? Quais são as
.'• .',
•
sociais atendem, enfim, cabem aqui os variados tipos de relações
estratificações do público Ou audiência? Quais são ,os efei tos ou
da mensagem com seu contexto representativo, isto é, os graus de
impactos (psicomotores, afetivos ou cognitivos) sofridos pelo re-
referencialidade das mensagens ou aquilo que, de maneira menos
técnica, costuma ser chamado de conteúdo.
ceptor? Qual a eficácia persuasiva da mensagem? Que influências
'.•'
5.4 O TERRITÓRIO DO EMJSSOR OU FONTE .DA COMUNICAÇÃO
o receptor recebe das mídias e até que ponto ele pode exercer
influência sobre elas? Como o receptor interfere e transforma ou
.•:
'. •
não a mensagem que recebe?
Por isso mesmo, enquadram-se nesse território os estudos so-
Este território tem como referência as seguintes questões : por
bre mecanismos de decodificação e leitura, esta cOlllpreendiçia,
quem a mensagem é produzida? Qual o enunciador ou sujeito da
mensagem? Esse enunciador é hum ano ou não? É U111 sujeito sim-
de um lado, como processo de descoberta de significados que acon-
tece quando o receptor entra em negociação e interage com a mensa-
••
\......
ples , um indivíduo, ou é um sujeito complexo, coletivo, ou é hf-
brido? Quais as injunções físicas, psíquicas e sociais sofridas .por :
esse sujeito? Quais são as escolhas éticas desse sujeito? O sujeito '"
gem, do que decorre o paralelismo e complemen taridade entre codi-
ficar e decodificar e, conseqüentemente, a contraparte ética da leitu- ••
I ra. D~ outro lado, a leitura pode também ser compreendida C0J110 .~
'..... . .. .....
••
está inserido em organismos, máquinas, sistemas, instituições,'
processo perceptivo, para o qual concorrem os órgãos sensoriais hu-
organizações, corporações? Que constrangimentos econômicos,
manos e, nas máquinas, os sensores (ver BARKER, 1990: 44-63).
•
~.
~., Lucia Santaelle 91
•• 90
Comunicação [, Pesquisa
,•
' -'
"'_ .,
..
Esse campo da recepção é bastante co~pl~Xb na medida em
que diz respeito ao intercurso social das mensagens o qual, nas
Tanto as forças sintéticas, .centrfpe tas, que preservam um certo
grau de integração e identidade da área de comunicação, quanto
'.'
~;.
sociedades cornplex as contemporâneas, inclui urna multlpücida-
de de meandros típicos da moderna antropologia urbana, dos gra.n-
as forças expansivas, centrífugas, que trazem para a área incorpo-
rações de fora.
."
~...: '
~:
~.
des deslocamentos e itinerários humanos, da onipresença das má-
quinas de comunicar, das influências do inter e multiculturalismo
sobre os processos de recepção etc. Aqui também entram em cena
6.1 As MENSAGENS E SUAS MARCAS
.0;
.;'- o .
as instituições, organizações e corporações responsáveis pela cir-
culação 'das mensagens. Observe-se que o território (5.4) também
Para quem . .
sabe ler mensagens, para quem sabe ler os si banos
de que ~s mensagens são compostas , mensagens f~ncionam sern-
"-..:..'" pre como centros irradiadores para múltiplas direções na ~edida '·
está voltado para as organizações, mas sob o ponto de vista da
.'0 ..w ~ . em gu~ nelas ,ficam marcas, índices que apontam para todos os .
.
produção das mensagens. Neste território (5 .5), entretanto, as or-
~~ ..
ganizações aparecem tanto sob o ponto de vista do modo como as
outros componentes do processo comunicativo, ou seja:
.~. (6.1.1) Marcas do suporte,"c'anal ou meio que veicula a mensa-
...~ .
mensagens circulam até atingirem os seus destinos, quanto do ponto
:. gem . Assim, alinguagem visual na fotografia é distinta da lingu~-'
, ~~
de vista da natureza do receptor que também pode ter o caráter de
.~.:
~
.,:~
:
-..: ..,J'
uma organização ou algo similar.
..•••
funcionam como pontos de ancoragem da área de comunicação.
'~:.o modo mais ou menos explícito, para o contexto representado na
Conforme já foi visto, cada um desses campos está repleto de ques-
'-oi- nlensag.em.
tões que nele especificamente se enquadram. Entretanto, cada carn-
' (6.1.3) Há ainda marcas indicadoras do sujeito, simples ou
po ou território mantém interfaces com os demais, o que gera con-
- .::0 complexo, ' individual ou coletivo, humano ou não, que emite a
.'•
juntos de novas questões', como se poderá ver abaixo. Cumpre
, mensagem e indicadoras também das relações que o sujeito emis-
assinalar que essa relação proposta entre a ancoragem e as
sor mantém com o receptor, Estas marcas costumam ser muito
~.J interfaces cumpre dois papéis: de um lado, garantir, através da "
•• •
abunda.ntes. Nas teorias do discurso têm recebido o nome d~
•
......., .1
ancoragem, que as pesquisas em comunicação, sob o álibi da inter-
.~ji dêiticos, shifters (J akobson) e embrayeurs (Ruwet) . Trata-se de
multi e transdisciplinaridade, não se dispersem em terras de nin-
expressões 'cujos referentes não podem ser dete;minad'~s a não ser
.
·3
•....J• •
o
.(~,
gu érn. De outro lado, garantir, através das interfaces, que essas
ancoragens se abram para as possíveis interações e cruzarnen tos
C0l11 áreas, campos ou territórios vizinhos, evitando, assim, que a >
p.eJa . r~ l aç ã o dos interlocutores. Benveniste (1966) mostrou que
~s dêiticos se c.oI?stit~eJll em um.a irrupção do discurso, pois s~us
sentidos, n,ão obstar:t,e rel~vem da lingua, não podem ser defini-
.
.~\ comunicação autocentrada se imobilize em uma camisa-de-força.
~
dos senão por alusão ao seu emprego, ' até o ponto de se po'der''''
eJ) Trata-se de garantir, enfim, o equilíbrio instável entre duas forças .
':~
Comunicação [; Pesquisa Lucia Santàella 93 --•
••
92
questionar se a referência é possível sem o emprego, ex pl íci to ou ordem legal, ordem religiosa etc. e , à microffsica do poder que
não, de dêiticos.
(6.1.4) Ta"r~6ém marcas, mas relativamente distintas das ante-
nelas se desenvolvem. Situam-se ainda as pesquisas sobre o' con-
texto histórico, sócio-cultural; e mesmocivilizacional, engendra- ••
ri ores, na' medld-a em que não precisam estar necessariamente ex-
plícitas, são aquelas que dizem respeito ao receptor a que a men-
do pelas diferentes formas de comunicação: oral, escrita, imagética,
audiovisual, midiática, hiper':'midiática. - - .
Nessa interface, coloca-se ainda em questão se as, mensagens
•.-
sagem se destina, receptor este que pode estar previamente mar-
cado na própria mensagem. Isso é típico, porexemplo, de mensa- podem representar acuradamente as várias dimensões da realida-
de ou não.
••
.'•
gens publicitárias ou ainda de mensagens que nivelam seu reper-
tório para atingir um público médio, como é o caso de muitas das
programações dos grandes canais de televisão.' 6.4 INTERFACES DOS MEIOS COM O CONTEXTO
6 .2 INTERFACES DAS MENSAGENS COM SEU MODO DE PRO- As interfaces do território (5 .2), dos suportes, canais e meios ••
DUÇÃO que veiculam as mensagens, _ç.om o território (5 .3), do contexto
das mensagens, geram pesquisas sobre os tipos de meios de que ••
Interfaces qu~ se estabelecem entre o território (5.1), das men-
sagens em si , com o território (5.2), do modo como as mensagens
as diferentes ordens das linguagens dispõem para veicular suas
mensagens. Assim, por exemplo, tem-se a migração do discurso •.'
são produzidas, levam-nos a inquirir sobre as sutis diferenças que
devem ser estabelecidas entre, por exemplo, a linguagem do cine-
religioso para o meio televisivo com os conseqüentes estratos sociais
a que esse discurso serve. Outro exemplo está no descompasso ou
não da educação escolar em relação aos meios de comunicação etc. .'.'
•e/
ma (campo 5'.1) e o cinema como mídia (campo 5.2), a linguagem
dojornal (campo 5.1) e o jornalisrno como mídia (campo 5.2) ou, Também se situam nessa interface, as pesquisas sobre como
ainda como exemplo, entre as linguagens da arte (campoSi l ) e as os fatores econômicos, políticos, culturais, ideológicos, jurídicos
e institucionais influenciam o que é ou pode ser e o que não é ou
•.;
.'
exposições de arte ou os livros de arte (campo 5.2) etc. O modo
COIllO os meios determinam a constituição das linguagens por eles não pode ser transmitido pelas mídias, questões essas que são.tí-
veiculadas, "as possibilidades que abrem e os limites que impõem picas das relações- da agenda das mídias com a realidade. Conse-
•.'
sobreelas ("o meio é a mensagem") , a especificidade dos proces- qüentemente, aqui se colocam as questões sobre as mídias noti-
sos de comunicação que cada meio constitui , os gêneros que cada ciosas como agentes de poder.
um desenvolve são todos tópicos a serem estudados nessa interface. Aqui ainda se localizam os estudos sobre os modos pelos quais
o advento de uma nova mídia em L1I11a matriz previamente exis-
'.•
6.3 INTERFACES DAS MEN'SAGENS COM O CONTEXTO tente de mídias pode alterar as interações sociais e a estrutura so-
cial ern geral. Em um nível ainda mais macro, as mídias são tarn-
bém estudadas não COIllO simples canais para transmitir informa-
••
Entre o territ ório (5.1)" das mensagens ern si, e o território
(5.3), do contexto das mensagens, situam-se as pesquisas sobre as
diferentes ordens das linguagens, tais como ordem educacional,
, "
•
--
amplo, a formação dos conglomerados de mídias. ' Nas interfaces do território (5.3), do contexto, com o território
(5.4), do sujeito, pesquisam-se os medos como o sujeito da Il:e.n-
6.5 INTERFACES DAS MENSAGENS sagem está inserido no contexto, sob os vários aspectos ernque o·
COM O SUJEITO PRODUTOR contexto se apresenta: físico, psico-social, culturàl· e temporal.
e:. Situam-se aqui especialmente os estudos sobre a inserção social
.:.-':
~.:.
,.
Nas interfaces do território (5.1) das mensagens, com o terri-
' ~ .: . tório (5.4), do sujeito da mensagem, situam-se as pesquisas sobre
autonomia ou não do sujeito sobre sua mensagem, sobre a institu-
cionalização do sujeito na linguagem etc.
Pertencem também a esse campo as indagações sobre o papel do
do sujeito na esfera produtiva da cultura e das comunicações. Quer
dizer, em que esfera da cultura o sujeito se insere, na da arte,.da
ciência ou da técnica? E, dentro destas, em que subesfera se inse-
re, na da produção, da troca, conservação, distribuição ou difu-
são? (ver SRüUR, 1987) .
~:~.
emissor como codificador, sobre sua competência comunicativa, seu
.. . .
conhecimento dos elementos e regras da comunicação, sobre a 6.8
.~' : pessoalidade ou neutralidade do ato enunciativo e as questões da
INTERFACES DA MENSAGEM COM SUA RECEPÇÃO
.~~
ética daação comunicativa. Uma vez que a comunicação tem conse- Na interface do território (5.1), da mensagem, com o (5.5), da
-~'
.'-.::
.~ .
qüências, ela necessariamente envolve questões éticas, fundamenta-
das na noção de escolha, o mais das vezes política, e filosofia de vida.
Por isso, a ética está diretamente ligada ao sujeito da comunicação.
recepção das mensagens, situam-se as pesquisas referentes.a per-
fil de públ ico, faixas repertoriais, nível de audiência, eficáci~ co-
municativa e persuasiva, formação de opinião, manipulação ideo-
._. 6.6 INTERFACES DOS MEIOS COM O SUJEITO PRODUTOR
lógica, mudanças de atitude e opinião do público frente às mensa-
;_.:. gens recebidas, os mecanismos de condicionamento que as men-
sagens produzem no receptor etc. É nessa interface que se situam
_!>
.•. Nas interfaces do território (5.2) dos meios, com o (5.4), do tanto os estudos sobre o modo como diferentes audiências inter-
.'
_.;
:; sujeito da mensagem, inserem-se as pesquisas sobre o domínio ou
não do sujeito sobre os suportes, canais, 'meios ou mídias de que
dispõe, domínio este entendido desde o nível das habilidades téc-
pretam a mesma mensagem de maneira diferenciada, quanto os
estudos sobre os efeitos afetivos, psicomotores, cognitivos das
mensagens sobre os receptores .
-)
e';
e.1.0
_:... .
nicas e' criativas do sujeito até sua propriedade econômica dos
tn~ios' ou não. Quer dizer, esse sujeito é proprietário dos meios de
produção de um dado sistema de linguagem ou serve a ele como
empregado? Sob que condições os meios estão disponívies ao
Aqui são também estudadas as interferências que diferentes
tipos de ruídos (físicos, psicológicos ali semânticos) podem pro-
vocar na recepção das mensagens, assim como são estudados os
.j modos como os processos de hipercodificação ou hipocodificação
sujeito? Que conseqüências econômicas e especialmente políti- afetam ou não a recepção de urna mensagem .
• ~~·i
"':";1
cas e ideológicas, isso traz para a maneira com que esse sujeito
.2; trabalha com o meio?
leJj
'ir
96 Comunicação & pesquisa Lucia Santaella 97
••
;: j l
6.9 INTERFACES DOS MEIOS COM A RECEPÇÃO DAS MENSAGENS interativos, etc. que o emissor configura pata a sua relação 'co m o
recep.tor. ••
Na interface do território (5.2), dos meios, com o (5.5), da re- Também pertencem a essa interface indagações referentes ao
proe:e?so de colocar o receptor em uma perspectiva particular, ou ••
-
cepção, inserem-se as pesquisas sobre as reações que os diferen-
tes suportes, meios e mídias provocam no receptor. pesquisas fre- seja, 'n o desempenho de um determinado papel, requerendo dele
qüentes, nessa interface, por exemplo, são aquelas que se voltam uma resposta em termos desse papel. Esse processo é chamado de
para as maneiras como as crianças reagem ao serem expostas às
várias mídias, quase sempre à televisão. São aqui também exami-
feedforward (DEVITO, 1997: 12).
Essa interface é bastante complexa, especialmente quando os
••
nadas as variáveis perceptivas e sensórias do receptor que são processos comunicativos são considerados à luz dos modelos cir-
culares da comunicação, segundo os quais, através de processos ••
I•.
requeridas por cada diferente mídia, assim como é examinado o
modo como a escolha de um meio sobre o outro pode afetar urna de feedback e feedforward, os papéis do emissor e receptor não
rleterrninada situação ou interação . Pertencem ainda a essa interface são fixos, mas intercambiáveis. Ainda mais complexa essa interface
se torna quando são examinadasas profundas transformações, até .
(..'.'
as questões sobre a bidirecionalidade ,o u unidirecional idade das
mídias, assim cor-no'as hipóteses dos usos e gratificações. o ponto da dissolvência, que se operam nas tradicionais figuras do
emissor e receptor nos processos de navegação no ciberespaço.
.''.'
, . .:
Além disso, nessa interface, devem ser pesquisadas as injunções
sócio-econômicas, políticas, legais e mesmo éticas por que passam Evidentemente, o mapeamento acima exposto figura apenas
os meiosde comunicação para atingirem seus receptores. como sinalização das linhas de um território complexo. Os preen-
.'••
processos de recepção. comunicação, tanto quanto as teorias que têm surgido para estu-
dar os fenômenos cornunicacionais e suas interfaces, já possam
6.11 INTERFACES DO SUJEITO PRODUTOR COM A .RECEPÇÃ O ser inseridas no mapa da comunicação.
.'
\ .
Entre ,?S territórios (5.4), do emissor ou sujeito da mensagem, .
e o (5.5), da recepção, surgem questões relativas aos modos de '.\
COlllunicação, tais COlllO autoritários, democráticos, passivos,
·,1 ~ . ••
•
•• 98 Comunicação' [, Pesquisa Lucia Santaella 99
•• 7. INSERÇÃO
COMUNICAÇÃO
6AS TEORIAS
... ' ... . ,' NO ,MAPA
E CIÊ'NCIAS DA s ignos,: se mióticas concebidas como teorias da significação,
serniótica discursiva, teorias do discurso, teorias literárias, retóri-
•• Assim sendo,
.. .. ..
••
.. .~'. ..
ponto é a seguinte: ,co mo se inserem as teorias e ciências da comu- cinemà, vídeo, televisão, holografia, nos seus estatutos de lingua-
nicação no mapa aci ma esboçado? Alerto novamente para o fato gem e dos processos comunicativos que engendram, teorias do
•• de exaustividade.
. . ,
.'•• pesquisa básica, conceitual, passando pelos vários níveis das pes-
quisas aplicadas até as,pesquisas empíricas, exploratórias e de
cal"!1p<?, insereIl}-se.no J1!apa como se segue.
Em primeiro lugar, com um caráte~ muito geral, devem ser
No campotó.Z) dos meios esuas interfaces, inserem-se as his-
tórias, as técnicas e teorias 'dos suportes, canais, meios ou mídias,
tais como história, técnica e teoria da pintura, do livro, do jornal,
da fotografia, cinema, rádio, TV, do computador e suas extensões
•• consideradas as teorias geraisda comunicação que lidam corri os
conceitos mais abstratos definidores da área como tal. Teorias dessa
nas redes, na hipermídia e seus programas etc., todos eles agora
considerados nos seus estatutos de suportes e meios.
•
w
100 Comunicação [, Pesquisa Lucia Santaella 101
••
perspectivas e conjunturas históricas, ~ociais e culturais, como,
por exemplo, ocorre na atualidade com as teorias da globalização,
cação e decodificação em um meio é simples ou complexa ; a in-
fluência de todas essas variáveis no impacto político, social e •••
do multicultural isrno etc. Por isso mesmo, esse território é fértil
em teorias híbridas, tais como comunicação e política, comunica-
psicológico das mídias; como a escolha de um meio em detrimen-
to de outro pode afetar a situação comunicativa; as alterações' ••
••
ção e cultura, sOc1ocomunicação, histórias da comunicação etc. provocadas pela mídias na interação e estrutura social; as mídias
como conformadoras do ambiente social etc. (MEYROWITZ,
7.4 TEORIAS DO SUJEITO E: SUAS INTERFACES 1994: 50-51).
Também não se pode descartar o fato de que a escolha de um ••
N o campo (5.4) do sujeito ou emissor da mensagem e suas
interfaces, situam-se a psicologia, a psicanálise, a antropologia,
tema de pesquisa, o mais das vezes, leva à sua exploração em vá-
rios níveis e estratos que .r ec lam am pela convivência de diversas ••
as ciências cognitivas nos seus aspectos voltados especificamente
para a mente e cognição. Nas interfaces, situam-se as teorias das
teorias ao mesmo tempo. Assim, por exemplo, o tema da sociali-
zação pode ser visto nos níveis dos processos individuais (apren- ••
organizações e as teorias do marketing aplicado à comunicação . ~izagem), interpessoais (interação entre pais e filhos etc.), influên-
cias deredes ou organizações (escolas, igrejas, instituições), fato- ••
7.5 TEORIAS DA RECEPÇÃO E SUAS INTERFACES res macroestruturais (influências culturais dos meios de massa).
Como outro exemplo; na comunicação política, os estudos podem •
.'
No campo (5.S) da recepção da mensagem e suas interfaces,
inserem-se . as ciências sociais e as teorias das mediações, com
se desenvolver nos níveis intraindividuais (formação de opinião) ,
.interpessoal (influência da família), organizacional (grupos de re-
ferência ou grupos étnicos), macrossistêmicos (políticas de difu-
••
ênfase nos aspectos políticos, ideológicos e culturais da comuni-
cação sob o ponto de vista do receptor, as teorias da recepção, as são das campanhas) (BERGER e CHAFFEE, 1987; 108).
••
teorias das relações públicas, a antropologia urbana etc:
As teorias foram localizadas em territórios específicos para
servirem como pontos de referência ordenadores da área de co-
municação e.suas .interf aces . Isso não.significa que não haja teo-
rias constelativas e interdisciplinares elas mesmas, teorias que bus-
Enfim, conforme espero ter demonstrado, a comunicação se
caracteriza como uma rede de múltiplas interfaces que não podem
ser ignoradas sob pena dese perder aquilo que a área apresenta de
mais desafiador e que, por isso mesmo, mais merece ser investi-
gado.
.'.'..'•
,
CaITI colocar em interação uma série dos territórios que foram aci-
ma discriminados. Assim, por exemplo, as modernas teorias .das ••
mídias têm apresentado um elenco multifacetado de propostas de
pesquisa, tais como: as características de cada mídia individual ••
ou de cada tipode mídia; os sentidos perceptivos que são requeri- o.
dos para a recepção de cada meio; os tipos existentes de proces- . ,\
••
sos comunicativos, uni ou bidirecionais; quão rapidamente as
mensagens podem ser transmitidas; se a aprendizagem da codifi- ••
•
••
••
••
•• A PESQUISA, SEUS MÉTODOS
•• E SEUS TIPOS
••
'•.
•• Com os capítulos anteriores, que apresentaram respectivamente
um panorama das teorias da comunicação e UlTI mapeamento da
'•.
matizado e organizado de conhecimento. Frontalmente contra essa
idéia e contra qualquer outra definição formal e abstrata, C. S.
Peirce defendeu a visão da ciência como aquilo que é levado a
Se aquilo que a ciência busca é o conhecimento, resta definir o ela tratados, alicerçam-se em fundamentos filosóficos desenvol-
que se entende por conhecimento. A própria palavra ciência vem vidos especialmente a partir do século XVII, quando se deu o
do latim scire (saber) e significa conhecimento ou sabedoria. Co- nascimento da ciência moderna. É nesse ambiente que surgiram
nhecer é deter alguma informação ou saber a respeito de algo. as primeiras formulações sobre o fundamento do conhecimento,
Mas a ciência não é a única forma de conhecimento. Há também o na oposição entre o racionalismo, associado principalmente aos
conhecimento filosófico, o artístico, o teológico e o de senso co- nomes de Descartes e Leibniz, de um lado, e o empiricismo, de
outro, ligado aos nomes de F. Bacon e dos ingleses Locke e Hobbes,
•• mum (CARVALHO et al., 2000: 11-12). Costuma-se dizer que a
ciência existe, entre outras coisas, para nos tirar do senso-comum.
Sobre este último, Demo (1985: 30-31) nos fornece uma excelen-
culminando no empiricismo radical de Hume. No século XVIII, à
filosofia kantiana como síntese conciliatória entre o racionalismo
mologia, tanto quanto a ciência, se transforma historicamente. Com Assim, para Newton da Costa, a experiência é fundamental
o prodigioso desenvolvimento das ciências no século XX, o nas ciências empíricas, pois elas são sínteses de criação racional,
positivismo de Comte, que marcou a filosofia da ciência do sécu-
lo XIX, foi seguido por uma série de epistemologias científicas,
de observação e de experimentação, nas quais razão e experiência
se fundem. Nas ciências empíricas •
entre as quais se destacam o neopositivismo ou positivismo lógi- .
co, com sua teoria verificacionista dajustificação (ver AYER 1975) "as explicações são edifícios racionais arquitetados pelo homem,
e as amplamente discutidas posições epistemológicas e teorias da baseados na observação e na experimentação, qu.e impõem certa or-
ciência expressas no falsificacionismo de Popper (1975), no histo- dem cognitiva em situações problemáticas. [...] Como se sabe que
ricismo de Kuhn (1976), no anarquismo de Feyerabend (1977), qualquer concepção teórica acaba sendo apenas aproximadamente
no refutacionismo de Lakatos (1976,1998) (ver sobre isso OLIVA, verdadeira, vê-se que a explicação científica é, por sua própria natu-
org., 1990) de cujos confrontos originaram-se os debates sobre reza, aproximada..." (ibid.: 44,46).
objetivismo versus relativismo (ver, p.e., RORTY, 1997).
De acordo com Peirce, à cada descoberta científica, que Kuhn Enfim, os princípios epistemológicos ou postulados que o men-
chamaria de revolução científica, segue-se a criação-de uma nova cionado autor (ibid.: 51-52) nos apresenta como definidores da
filosofia da ciência. De fato, foram tantas as descobertas científi- ciência empírica são resumidamente os seguintes: (a) princípio da
cas no século XX que se tornaram constantes as discussões sobre possibilidade (o conhecimento científico é possível); (b) princí-
novos paradigmas das ciências, sobre a metamorfose da ciência pio da origem (o conhecimento nasce do intercâmbio entre expe-
(PRIGOGINE e STENGERS, 1984), assim como as reflexões fi- riência e pensamento, sendo simultaneamente reflexo do real e
losóficas sobre as ciências da complexidade (MORIN, 1996a, construção racional); (c) princípio da natureza (o conhecimento
1996b, ver BASTOS, 1999). das disciplinas empíricas refere-se a um universo de coisas e fatos
As breves indicações acima aí comparecem a título de sinal de que existem independentemente de nós); (d) princípio do critério
alerta ao pesquisador que não deve ignorá-las completamente sob (os critérios de justificação referentes ao conhecimento perten-
pena de, muitas vezes, ao acreditar que está carregando a bandei- cem à lógica dedutiva, indutiva e à metodologia das ciências ex-
ra da verdade, incorrer em ingenuidades elementares. Por isso perimentais); (e) princípio das categorias (a ciência se talha atra-
vés de sistemas de categorias que se modificam historicamente).
•e
mesmo , remeto o leitor ao livro de Newton da Costa (ibid.) onde
posições extraordinariamente lúcidas sobre o conhecimento cien-
tífico poderão ser encontradas. Entre elas, vale a pena apontar 2. O VALOR DAS TEORIAS
brevemente para suas colocações acerca das ciências empíricas
isto é, ciências não-formais, especialmente para a noção de qua- Uma vez que a ciência busca, mais do que a mera descrição
se-verdade ou verdade pragmática no tocante ao conhecimento d~s fenômenos, estabelecer, através de leis e teorias, os princípios
empírico, noção esta que se aproxima sobremaneira da concep- gerais capazes de explicar os fatos, estabelecendo relações e pre-
ção peirceana da verdade (ver SANTAELLA, no prelo, a). dizendo a ocorrência de relações e acontecimentos ainda não ob-
servados, o conhecimento científico não pode ser alcançado atra-
•
110 Comunicação & Pesquisa Lucia Santaella
111
•• vés da inocência. Por isso, a ciência desenvolve meios que lhe são
próprios para chegar àquilo que busca. Esses meios se constituem
nos conceitos e redes conceituais que os pesquisadores edificam.
mam indutivamente pela generalização de particulares. Os cons-
tructos apresentam vários graus de abstração. Quanto mais abs-
tratos, mais áreas são capazes de abranger. Em função disso, as
Assim são obtidas leis, hipóteses e teorias que nos permitem com- teorias têm fronteiras que especificam o domínio de fenômenos
preender e ordenar o universo por meio de explicações, previsões que elas explicam e aquilo que elas deixam de fora. As teorias são
e sistematizações. Conceitos mais gerais quepertencem a todas as úteis na medida em que podem ser testadas experimentalmente.
•• ciências, como o conceito de objeto, compõem as categorias cien-
tíficas fundamentais. As disciplinas particulares se distinguem
pelos sistemas de categorias específicas que as regem (DA COS-
Elas podem ser validadas através da avaliação de suas relações
teóricas ou através da aplicação empírica. Mover-se do nível teó-
rico para o nível da pesquisa empírica implica na redefinição ope-
••
habilidade da teoria para fornecer explanações plausíveis para o
como ~les ocorrem e como estão relacionados entre si, pois a teo- fenômeno que ela pretende explicar); (b) poder preditivo (capaci-
ria fa'z a síntese dos dados, ajudando a prever eventos futuros, dade de prever eventos); (c) parsimônia (teorias mais simples são
••
da imprecisão nas artes. Além da necessidade das construções teóricas, se a ciência busca
Na definição operacional de Bergere Chaffee (1987: 101-105)" o ,conhecimento, cumpre perguntar como essa busca se realiza. A
a teoria consiste de um conjunto de constructos unidos por afir-
••
resposta é consensual: conhecimento se adquire através de pesquisa.
mações relacionais que são internamente consistentes umas com
as outras. Os constructos, por sua' v-ez, são conceitos que se for-
•
Comunicação & Pesquisa Lucia Santaella 113
112
3. A PESQUISA COMO ALIMENTO DA CIÊNCIA Antes de tudo, a pesquisa científica exige, pelo menos como
pano de fundo, um certo estado de alerta do pesquisador para as
À luz de Peirce, uma definição muito geral e sintética de pes- questões filosóficas, especialmente epistemológicas, sobre as leis
quisa seria a seguinte: toda investigação de qualquer espécie que
seja, nasce da observação de algum fenômeno surpreendente, de
alguma experiência que frustra uma expectativa ou rompe com
que regem o conhecimento, sua busca, aquisição, validade etc.
Lopes (1990: 88), por exemplo, considera a epistemologia um pólo
intrínseco à pesquisa científica e uma das instâncias da prática
•
um hábito de expectativa (CP 6.469). Quando um hábito de pen- metodológica. Assentada sobre essas bases, a pesquisa deve se
samento ou crença é rompido, o objetivo é se chegar a um outro conduzir dentro de um determinado campo da ciência a que o
hábito ou crença que se prove estável, quer dizer, que evite a sur- objeto ou assunto da pergunta pertence e à luz de algum quadro
presa e que estabeleça um novo hábito. Essa atividade da passa- teórico de referência e de suas predições, quadro teórico este que
gem da dúvida à crença, de resolução de uma dúvida genuína e deve ser selecionado em função de sua adequação para responder
conseqüente estabelecimento de um hábito estável é o que Peirce
chamou de investigação (SANTAELLA, no prelo, a).
a pergunta que se tem.
Além disso, para resolver a dificuldade, formulada no problema,
o pesquisador não pode "apenas adivinhar, fazer suposições gratui-
•
Da generalidade dessa definição decorre que ela pode se refe-
rir a qualquer tipo de investigação e não apenas à científica. En-
tretanto, ela contém aquilo que se constitui no núcleo de qualquer
pesquisa: livrar-se de uma dúvida, buscar uma resposta já é um
tas ou emitir opiniões superficiais e inconsistentes", mas deve reali-
zar sua busca através de levantamento de dados, através de um
método coletâneo ao quadro teórico de referência e também adequa-
••
processo investigativo, "mesmo que seja imediato, assistemático do à dificuldade a ser resolvida, método este com suas técnicas espe-
e definido por traços puramente ligados ao senso-comum" (BAR- cíficas. Tudo isso se constitui em "um processo pelo qual, ao mesmo
ROS e LEHFELD, 1988: 13). Toda pesquisa nasce, portanto, do tempo, se busca, examina e prova a solução" (RUDIO, 1992: 9,71).
desejo de encontrar resposta para uma questão. Aliás, um tal de- Só isso pode ser chamado de pesquisa científica porque só
isso pode resultar em conhecimento com as características que a
•
sejo se constitui sempre na mola central de uma pesquisa, princi-
palmente da científica, pois, sem esse desejo, o pesquisador fene- ciência exige, isto é, conhecimento verdadeiro e justificado, no
sentido em que "verdadeiro e justificado" foi discutido mais aci-
ce tragado nos desencantos das obrigações.
Por vezes, a pergunta que se busca responder é abstrata. Ou- ma. Tem-se aí por que a pesquisa é o alimento da ciência. Pesqui-
tras vezes, é prática e, até mesmo, urgente. De todo modo, só a sa é o modo próprio que a ciência tem para adquirir conhecimen-
pesquisa nos permitirá respondê-las. Nesse sentido, o esforço diri- to. No seu aspecto gerativo, o conhecimento só pode continuar
gido e o conjunto de atividades orientadas para a solução da ques- crescendo na medida em que as pesquisas são incessantemente
tão abstrata ou prática ou operativa que se apresenta, resultará na realizadas. Caso contrário, o conhecimento se cristalizaria em fór-
aquisição de conhecimento, mesmo quando o esforço, as atividades mulas fixas, nos axiomas das crenças estabilizadas ou em meras
e o resultante conhecimento se situam no contexto não especiali- imposições burocráticas do fazer científico que Peirce chamaria
zado do nosso cotidiano. Se tem todos esses pontos em comum com de excremento da ciência. Em suma, a pesquisa científica é uma
a pesquisa em geral, o que faz, então, uma pesquisa ser científica? atividade específica e especializada. Demanda de quem se propõe
114 Comunicação & Pesquisa Lucia Santaella 115
••
a tríade das ciências normativas - estética, ética e lógica ou semió-
esse amor pode explicar a docilidade do pesquisador aos rigores da tica -, estas antecedidas pela quase-ciência da fenomenologia.
ciência, especialmente aos rigores do método. Além disso, a semiótica, um outro nome para a lógica, conce-
••
LÓGICA NO CORAÇÃO DA METODOLOGIA chamado de retórica especulati va ou metodêutica, tem por função
analisar·os métodos a que cada um dos tipos de raciocínio dá origem.
Segundo Newton da Costa (ibid.: 1), com o desenvolvimento
••
dos métodos de investigação utilizados nas mais diversas ciênci-
plinas completamente". 'Assim, um conhecedor da metodologia as. Ora, os métodos são muitos, evoluem no tempo dentro de uma
das ciências humanas encontrará obstáculos quase intransponíveis mesma ciência e mudam de uma ciência para a outra. Será que
.'••
•
nhecer essa classificação dos raciocfnios por si mesma, quer seja
atingido ou, não 0 - propósito de chegar ao conhecimento de-como
conduzir a pesquisa, pensava Peir~e. Mas antes de ter dado três
passos nessa direção, descobriu que nada poderia ser feito antes
lidades sentidas. Vem daí a distinção entre cognição e raciocínio,
pois a 'p rim eira envolve todos esses aspectos .
Quando os elementos psicológicos do pensamento são excluí-
dos, sua estrutura é mais ou menos similar para todas as mentes,
.'•••
de estu-dar à anatomia dos raciocínios e ter descoberto de que eles
são compostos (MS 452: 4-10; 449: 24-30), Foi nesse ponto que
representando, de oerto modo, seu aspecto universal. Nos ~eus
estudos, Peirce chegou à conclusão de que há três classes univer- ••
Peirce se -deparou com os signos. Como se pode ver, sua indaga-
ção veio de trás 'para diante. Queria descobrir os método~ de con-
a
sais de inferências ou raciocínios que se constituem também nos
três tipos de argumento; abdução, indução e dedução. ••
duzir pesquisa, percebeu que deveria an ~es estudar os raciocí-
nios.' Mas para estudá-los, precisava estudar como eles se corpori-
ficam'Logo se deu conta de que raciocínios, e mais do que os ra-
Há certamente outras formas de raciocínio, corno o analógico ,
o metafórico, e muitas outras operações de raciocínio que inclu-
em a restrição, a determinação.ia extensão, a abstração etc. e q~e
••
ciocínios, quaisquer pensamentos se corporificam em signos, não
apenas emsímbolos, mas-em variadas espécies de signos. Tem-se
podem caracterizar as espécies de raciocínio envolvidas na obser-
vação (CP 2.422, 2430, ver também LIZSKA, 1996:68-71). En-
••
- aí os três ramos da serniótica : dos signos para os raciocfnios e
destes para Os métodos de pesquisa, Nessa medida, a serniótica ou
tretanto , essas outras formas ou são misturas dos três tipos univer-
••
.'
sais ou ingredientes deles.
lógica peirceana é, sobretudo, uma teoria sígnica do conhecimen-
to, a epistemologia peirceana (nom-e, aliás, que ele detestava) pos- 5. ABDUÇÃO, INDUÇÃO E DED-UÇÃO
.(
tula que C? conhecimento só pode se dar pela mediação dos signos,
pelosimples fato de que todo pensamento só se realiza em signos. Embora com peculiaridades próprias, a visão peirceanada ••
Alem disso, sua serniótica é Ul11a lógica crítica dos tipos de racio-
cínio e uma teoria do método científico, como se verá.
indução .e, especialmente, da dedução não se diferencia radical-
mente das definições encontradas em livros de lógica e metodo- ••
Tendo seu ponto de partida ou propedêutica no estudo dos sig-
nos, a 'l ó g ica crítica, segundo ramo da semiótica, lida com a estru-
tura do racioc ínio, -não lida com a textura do pensamento, nem
logia, com a exceção de que, para Peirce; não 'se trata apenas de
tipos de métodos, mas de métodos que estão enraizados em nossa ••
••
mente, pois se constituem nos tipos de raciocínio que dão forma
lida C0l11 os sentimentos que o acompanham, nern com os avanços aos noss.os pensamentos e inferências, Por isso mesmo, não são
e recuos, vicissitudes e percalços que são próprios do ato de pen- métodos utilizados apenas pela ciência, mas fazem parte de nossa
sar, mas Sil11 C0111 os processos conscientes do pensamento, aque-
les que se submetem ao autocontrole. Excluindo-se assim o psico-
vida cotidiana, C0111 a única diferença de que, na ciê-ncia, esses
raciocínios são burilados através da lógica. Mas a verdadeira novi-
••
lógico , as estruturas do raciocínio ficam reduzidas, portanto, a
inferências abstraídas das esperanças, medos,' alegrias, dores e '
dade está na sua introdução do raciocínio abdutivo, uma criação
inteiramente sua, não obstante tenha se inspirado em Aristóteles. ••
angústias que se enroscam em nossos pensamentos, Raciocínios
•
118 Comunicação & Pesquisa Lucia Santaella 119
A tarefa da lógica crítica, portanto, é a de determinar a valida- de indução. A indução é tida como um processo lógico no qual
de ou grau de força de cada tipo de raciocínio. Falar em validade uma conclusão proposta contém mais informação do que as ob-
de um argumento é tocar no problema da verdade. Por isso, a lógi- servações ou experiências nas quais ela se baseia. A verdade da
ca crítica, segundo ramo da semi ótica, é também a teoria das con- conclusão é verificável apenas em termos de experiência futura e
dições de verdade das representações. Enquanto o primeiro ramo certamente é atingível apenas se todos os exemplares possíveis
da serniótica tem por tarefa estudar os diferenciados tipos de re- forem examinados (BAVELAS, 1995: 54).
presentações ou signos, o segundo ramo, lógica crítica, deve res- Peirce dizia que costuma-se ensinar que a conclusão da indu-
•
Suas condições de verdade diferem, como se verá. em que, ao descobrir que certos indivíduos de uma classe têm
Na dedução partimos de um estado de coisas hipotético, defi- certos caracteres, o raciocinador conclui que todos os indivíduos
nido abstratamente por certas características. Entre as caracterís- dessa classe têm esse caráter. Para Peirce, essa definição indica
•• igualmente ideais.
Desse modo, a dedução tem por finalidade provar que algo
nos deveriam aparecer (e quanto mais estranhos eles forem e me-
nos antecedentemente críveis, tanto melhor), o raciocinador proce-
•• formular essa conclusão de modo geral (CP 8.209). É por isso que
a dedução só trabalha com dados de certeza.
uma teoria largamente consiste em que toda dedução perceptiva
dela seja verificada (CP 2.775). A conclusão que Peirce deu a
Faz parte da essência da indução que a conseqüência de uma po. Com a palavra "instinto", Peirce quis significar a capacidade
teoria seja extraída primeiramente em relação ao resultado desco- de adivinhar corretamente as leis da natureza.
nhecido ou quase desconhecido do experimento; e que isso só Desse .modo, o novo é apreendido por nós através de nada
seja virtualmente apurado mais tarde, pois, se olharmos os fenôme- mais nada menos do que a adivinhação. Entretanto, não é a adivi-
nos para encontrar concordâncias com a teoria, é uma mera ques- nhação em si mesma, nem a hipótese que ela engendra que são
tão de engenhosidade e labor quantas poderemos encontrar. A instintivas, mas a capacidade humana de adivinhar a hipótese cor-
indução (pelo menos nas suas formas típicas) não contribui em reta, justamente aquela que é capaz de explicar o fato surpreen-
nada para o nosso conhecimento, exceto para nos dizer aproxima- dente. Peirce chamou essa capacidade de il lume J1aturale, indi-
damente com que freqüência, lio curso de tal experiência, a qual cando com isso que o ser humano tem um insight natural das leis
nossos experimentos caminham para constituir, uma dada espécie da natureza.
de evento ocorre. Portanto, ela simplesmente avalia uma probabi- Além de ser instintiva e evolucionária.a abdução é, ao mesmo
lidade objetiva. Sua validade não depende da uniformidade da tempo, uma inferência lógica. Esse é certamente o aspecto da
natureza, ou de qualquer coisa desse tipo. A uniformidade da na- abdução que tem despertado maispolêmica entre os comentadores
tureza pode tender a dar à probabilidade avaliada um valor extre- de Peirce. Se a abdução nasce de um instinto para a adivinhação,
mamente alto ou baixo; mas, mesmo que a natureza não fosse uni- como ela pode ter uma forma lógica? Para' responder a esta apa-
forme, a indução certamente descobriria isso, na medida em que rente ambivalência, Fann (1970: 112) afirmou que o momento do
um raciocínio indutivo pudesse ser desempenhado. Certamente, insight e a adoção da hipótese são instantâneos. Mas o processo
um certo grau de uniformidade especial é um requisito para isso de construção e seleção da hipótese é consciente, deliberado e
(CP 2.775). Peirce ainda estudou detalhadamente os tipos de controlado, estando aberto à crítica e autocrítica.
indução e também de dedução os quais, por questão de espaço, a
Assim sendo, a abdução segue alguns passos: (1) observa-
não serão trabalhados aqui (ver SANTAELLA, no prelo, a). J ção criativa de um fato; (2) uma inferência que tem a natureza de
,i
Quanto à abdução, o mais original dos tipos de ra?iocínio?u I
uma adivinhação; (3) a avaliação da inferência reconstruída. Em
argumento, ela se refere ao ato criativo de se levantar uma hipóte- síntese, trata-se de um tipo de raciocínio que, sem deixar de ter
se explicativa para um fato surpreendente. É o tipo de raciocínio forma lógica, tem um caráter instintivo e é, antes de tudo, um pro-
através do qual a criatividade se manifesta não apenas na ciência cesso vivo de pensamento.
e na arte, mas também na vida cotidiana. Quando nos confronta- Embora seja responsável por todas as' nossas descobertas, a
mos com algo que nos surpreende, para o qual não temos resposta abdução é o mais frágil dentre os argumentos, fonte de todas as
ou explicação, a abdução é o processo através do qual uma hipótese verdades e de todas as mentiras. A dedução é o argumento mais
ou conjectura aparece como uma possível resposta ao fato surpreen- forte, mas não assume nenhuma responsabilidade em relação ao
dente. De onde vem esse poder de levantar hipóteses? mundo que nos circunda. A indução é o argumento que confronta
De acordo com Peirce, a abdução é um instinto racional (ver a realidade, mas suas conclusões são apenas provisórias. Tendo as
,I
SANTAELLA, 1991). É o resultado das conjecturas produzidas l- propriedades e o valor de cada um dos argumentos assim definidos,
por nossa razão criativa. Ela é instintiva e racional ao mesmo tem- I sobre essa teoria da lógica crítica, Peirce edificou o terceiro ramo da
l
•
••
122 Comunicação & Pesquisa Lucia Santaella 123
•• serniótica, a metodêutica que, do meSl110 modo COJllO são gerais e completo de uma pesquisa, e aquelas que determinam em que pro-
.'.1
••
formais os outros dois ramos da serniótica, ela também é uma ciência
formal egeral, neste caso, do método da ciência. Por isso mesmo, foi
chamada de metodêutica, para evitar que, com o nome de metodologia,
fosse confundida com uma ciência prática.
blemas devemos engajar nossas energias".
.'••
cação originava, Peirce veio a se dar conta de que, longe de serem
6. O MÉTODO DAS CIÊNCIAS processos separados, os métodos abduti vo, deduti vo e induti vo se
integram em um todo coeso corno estágios do processo investigati-
Se as ciências especiais estão preocupadas com a obtenção de vo. Nessa conce.pção dos três tipos de inferência, raciocínios ou
•
.'
fica, a metodêutica tem por tarefa descobrir como analisar as hi- método das ciências, conforme está expressa na síntese abaixo
póteses de modo a encontrar procedimentos que conduzam aos que nos é fornecida por Fann (1-970: 31-32).
resultados desejados. Sua função, portanto, é analisar os méto- Quando fatos surpreendentes emergem, uma explicação é reque-
•
i
I
~
,;
rida. A explicação deve ser uma proposição tal que levaria à predi-
ção dos fatos observados, quer como conseqüências necessárias,
quer, pelo menos, como muito prováveis sob certas circunstân-
cias. Uma hipótese, então, tem de ser adotada como plausível nela
I
vo e, no caso da indução, comprovar a validade de seu método. mesma e tomando os fatos plausíveis. 'Este passo de se adotar uma
•
.'••
Conforme veremos mais abaixo, a validade da indução só se resol- hipótese como sugerida pelos fatos, é o que chamo de abdução (CP
ve no momento em que Peirce chega à formulação do método da 7.202), afirmou Peirce, equalizando-a com o primeiro estágio da in-
II
ciência. Por ora, fiquemos no tratamento da abdução. Ora, o gran- vestigação. "A primeira coisa que deve ser feita, assim que uma
de interesse da metodêutica está justamente na abdução ou infe- hipótese for adotada, é traçar suas consequências experimentais ne-
••
das predições deduzidas da hipótese com os resultados reais do
"Qualquer hipótese que explica os fatos é criticamente justificável. experim~nto. Quando predições após predições s~o verificadas pelo
Mas entre as hipóteses justificáveis, devemos escolher aquelas que experimento, começamos a nos dar contar de que a hipótese se sus-
• guiarão a invenção das provas, aquelas que deverão guiar o curso a que Peirce chegou na maturidade , quando as distinções entre
--<<4fh:,.!
124 Comunicação [, Pesquisa Lucia Santaella 12:> --.
abdução e indução tornaram-se nítidas e precisas. A indução não Ao integrar os três tipos de raciocínio e os métodos que lhes ••
adiciona nada. No máximo, corrige o valor de uma razão ou mo-
difica levemente uma hipótese de um modo que já havia sido con-
são próprios como estágios interdependentes do método científi-
co, Peirce acabou também por fornecer um instrumental analítico ••
ternplado como possível. A abdução, por sua vez , é meramente afiado para avaliaroutras propostas lógicas do método científico,
•
'.••'
preparatória. É o primeiro passo do raciocício científico, enquan- tais como o indu tivisrno característico dos métodos ernpiricis-tas,
to a indução é o passo conclusivo. Estão nos polos opostos da o método hipotético-dedutivo de Popper, o,anti-método de Feyera-
razão. A primei .~a, abdução, é o polo menos efeti VO , a segunda, o bend etc. Sob o ponto de vista que Peirce nos fornece, o ernpiri-
tipo de argumento mais efetivo. O método de um é o reverso do
outro ..A abdução busca uma teoria, a indução busca fatos (CP
7.217 -218, apud FANN, ibid.: 35, 43).
A indução se toma, assim, o único processo comprobatório e a
cismo parece sempre incorrer em uma espécie de hipertrofia da
indução, do mesmo modo que o anarquismo de Feyerabend incor-'
re em urna hipertrofia da abdução. Já ao método hipotético-dedu-
tivo parece faltar uma perna. De fato, foi talo antagonismo de
.'••
abdução, aquele processo que leva não à adoção de hipóteses corno
opiniões finais, mas às hipóteses elas mesmas - à sua adoção corno
Popper ao verificacionisrno ernpiricista do positivismo lógico que,
o papel da indução c?mo teste -da realidade empírica acabou por
••
puro "poder-ser". Assim a probabilidade, que é um traço da indução
só pode afetar a abdução indiretamente, depois que algum proces-
ser minimizado no seu sistema.
Deve-se assinalar ainda que a interdependência dos três está- ••
so dedutivo foi executado sobre a abdução para se estabelecer um
teste indutivo. Sendo colocada no papel de primeira forma de
gios da metodêutica peirceana não pode ser vista como uma lógi-
ca fixa, presente do mesmo modo em todas as ciências . Embora os ••
inferência lógica na pesquisa científica, a abdução evoluiu de sim-
ples subsidiária da indução, papel. em que foi inicialrnenteconsi-
três estágios, abdutivo, dedutivo e indutivo, de que o-método científi-
co se constitui, devam sempre estar subjacentes a todos os proces- ••
•
.'
derada por Peirce, para ocupar o lugar privilegiado no qual a sos investigativos, pode haver a predominâ-ncia de um desses mé-
criatividade ocorre na ciência. ,E la realiza, por isso mesmo, a f Li- todos sobre os outros em cada ciência. Assim, a matemática é,
são perfeita entre os aspectos lógicos e psicológicos do pr?cesso,
engendrando as fundações hipotéticas sobre as quais a dedução e '
a indução devem então se construir.
sem dúvida, dominantemente dedutiva, enquanto nas ciências
empíricas domina o método indutivo.- Evidentemente, nas artes,
assim como na interpretação psicanal ítica, no diagnóstico médi-:
••
Uma teoria da' ciência era, para Peirce, a maior conquista prá-
tica que a lógica poderia almejar. Nessa medida, a metodêutica é
co, na inspeção de crimes etc (ver SEBEOK'et al., 1993) o rnéto-
do abdutivo reina soberano: Peirce estava ciente disso e chegou' á
••
a análise lógica do que deve acontecer na pesquisa concebida como
práticada ciência. No exame do nascimento das' hipóteses , de sua
afirmar que as variadas ciências (e até mesmo os seres humanos)
podem ser diferenciadas umas das outras também pelo tipo de ••
seleção, nas considerações da economia da pesquisa, nos méto-
dos de construção teórica e·de ,teste comprobatório das hipóteses,
raciocínio e método que nelas predomina. Há assim ciências mais
p~oeminentementeindutivas, como as ciências classificatórias da ••
a metodêutica se delineia como um mapa a ser seguido como guia zoologia, da botânica, por exemplo, enquanto outras ciências são
•
para o trajeto sempre em curso da pesquisa.
....
mais abdutivas. Quando distinguiu entre a abdução teórica e 'a
abdução hipotética, Peirce localizou a astronomia e física pura no .'
.~
126 Comunicação ~ ·Pesquisa Lucia Santaella 127
primeiro caso e a biologia e geologia no segundo, visto que nestas contemporânea. A atividade racional, no domínio da ciência, con-
não se pode agir voluntariamente sobre os objetos de observação. j siste em nos conformarmos plenamente com nossas evidências e li-
:1
No Brasil, Sodré (2000b) está desenvolvendo a hipótese de que a 1 mitações, sempre seguindo os princípios metodológicos apropria-
comunicação deve ser urna ciência dominantemente abdutiva. . 1 dos. A justificação de índole probabilística não nos assegura a ver-
De todo modo, nq método científico tout court, para Peirce, 1j dade; porém se esta for alcançável, o único caminho para tanto é a
domina o método indutivo, não no sentido estreito e empiricista I
! ciência, desde que assumamos atitude completamente racional".
j
em que esse método costuma ser compreendido, mas no sentido I
aberto que Peirce lhe deu, sentido que foi emprestado pelo desen-
••
1;
qüentemente, em relação à. ciência e à pesquisa: insistir, não de-
1j
sistir, abrir-se para o crítica que vem do outro, perseguir a verda- Peirce pretendeu que as etapas do método científico fossem
de, embora se saiba que verdade é aquilo que continuamente re- -I
e i
procedimentos apropriados a toda e qualquer pesquisa. Tanto quan-
•• cuará. Daí que nossos esforços, mesmo sabendo que eles não
serão jamais satisfeitos, têm de ser redobrados. Por isso, segundo
J
i
J
to posso ver, isso não significa que, em função desse método ge-
ral, as ciências deixem de dispor de metodologias específicas,
como método tout court da ciência e as concepções de Newton da nicas específicas que cada ciência tem por função desenvolver e
Costa (ibid.: 30, 184) são remarcáveis, quando este afirma, por I
j
transformar.
e exemplo, que "a metodologia geral da ciência empírica confunde- Vê-se, com isso, o quanto é equivocado se impor um modelo
e se com os órgãos indutivos basilares, correlacionados às várias 1 metodológico que é próprio de uma ciência sobre outra ou outras.
•--
vo, o hipotético-dedutivo e o método dialético. Chamaram, então, vando que sobre esse nível subjacente, fundamental, erigem-se
de métodos de procedimento os métodos menos abstratos, tais como métodos e técnicas particulares no interior não apenas de cada:
o histórico, comparativo, funcionalista, estruturalista etc. ciência, mas das estratificações da pesquisa dentro de uma mesma
Também relativamente similar é a divisão apresentada por ciência.
Demo (1985: 21-22, 52) da metodologia em duas vertentes mais
típicas : de um lado, aquela que é derivada da teoria do conheci-
Para Peirce, cada ciência também se define pelo tipo de co-
nhecimento que desenvolve. Assim, há ciências mais teoréticas, •
mento que tem uma característica lógica e centra-se nos procedi-
mentos lógicos do saber, "geralmente voltada para a questão da
outras mais classificatórias, outras mais descritivas, enquanto ou-
tras são mais dominantemente aplicadas. Tendo em vista o desdo- •
•• 130 Comunicação & Pesquisa
1
"'
"I
Lucia Santaella 131
••
níveis da comunicação humana estabelecidos por DeVito (1997): fico de cada pesquisa como processo singular.
intrapessoal, interpessoal, grupal, pública, de massa. Apresentam- Conclusão: na base, tem-se o nível mais abstrato do método
se, ainda como exemplo, nos níveis de análise da comunicação científico em geral, no meio, os métodos particulares dos tipos de
•• seu livro com a constatação de que "regras lógicas do conheci- tempo e a dedicação trazem, com a transformação e o aperfeiçoa-
------------------------------~r
133
1
132 Comunicação [,. Pesquisa Lucia Santaella
••
j
as metodologias específicas; o nível variável, relativo às especifi- I experimentais, estatísticas e quantitativas. A metodologia estatís-
i
~
cidades das diversas ciências e, por fim, o nível da prática metodo- tica, aliás, foi tão hegemônica durante algum tempo a ~o~to de ter
lógica, quando um método é atualizado, dentro de uma área científica
específica, em uma pesquisa particular.
se tomado sinônimo de pesquisa. Entretanto, com a exceção des-
ses tipos de métodos, não existe consenso, não obstante algumas
similaridades, sobre outras variadas espécies de métodos e de pes-
quisa. Essa ausência de consenso só vem trazer mais munição para
ás postulações enunciadas no tópico anterior de que as
'.
•
•
metodologias das ciências são específicas, variando t~nto histori-
camente quanto na passagem de uma ciência para a outra.
'.•
I.
, ~
•• LYOTARD, 1979) , lógico e sua crença de que "haveria uma linguagem, a da ci ência,
.•• '
Contudo, isso não deve funcionar como álibi para a negligên-
cia o~ preguiça metodológica na pesquisa, pois, assim como não
há ciência sem pesquisa, 'não há pesquisa 'sem método, além de
capaz de exprimir universalmente o que a experiência ,n os ofere-
ce"; a fenomenologia de Husserl e sua postulação de que "o conhe-
cimento é o resultado da interação entr.e o que o sujeito observae
'. ••
que, conforme nos diz Demo (1990: 24)
••.'
tituindo-a por expectativas ingênuas de evidências prévias. Nada escola de Frankfurt corn sua crítica aguda contra a razão instru- '
favorece mais o surgimento do discípulo "copiador" que a ignorân-- mental alimentada pela sociedade capitalista; o grupo d?s expoen-
cia metodológica", tes da epistemologia contemporânea COI~ os férteis de?ates",'q'ue '
•• por acentuar a necessidade de orientadores competentes no acom- autores, são, de um lado, o pragmatisrno. ique começa em Pei.l:ce',
panhamento da pesquisa e o desenvolvimento da capacidade cria- passa por W. Jarnes, Dewey, estendendo-se até Rorty no presente .
tiva de escolhas e julgamentos, da ousadia na aplicação de De outro lado, o construcionismq, que, a partir de seus fundado-
•• metodologias mistas; integradas, complexas, metodologias estas
que vêm se acentuando como uma tendência especialmente na área
(
J
,
res, M. Scheler e K. Mannheim, levando em conta o papel estru-
turador operado pela linguagem , "considera que tanto o sujeito
••
;
i
de cornunlcação.vtendo em vista seu perfil interdisciplinar (ver 'como o objeto do conhecimento são construções sociais e históri-
WOLF, 1987: 132, 140). cas" (Para um panorama dos paradigmas históricos da pesquisa,
•'.
ver também CHIZZOTTI, 1991: 11-16),
J
]36 Lucia Santaella
Comunicação [, Pesquisa
I
líbrio graças à retroalimentação e dinamismo de recomposição
e';
de superação da especulação teórica ern prol da observação em-
pírica, podendo incluir o teste experimental e a mensuração quan-.
I
dos seus elementos.
Tomando por base a divisão de.Lakatos e Marconi (1992) de •
••
titativa. Segundo Fiske (1990: 135), o método emp írico, baseado
no raciocínio indutivo, na sua versão experimental, apresenta os
i
I
1
J
dois níveis metodológicos, o dos métodos de abordagem e o dos
métodos deprocedimento, Bastos (1999: 73-83) apresentou a des- ••
••
seguintes propósitos: (a) colecionar e categorizar fatos objetivos- I
I
crição 'd os diversos ' métodos inclusos nessa divisão. Assim, .os
ou dados; (b) levantar hipóteses para explicá-los; (c) eliminar, tanto I
j
métodos de abordagem, conforme o tipo de raciocínio emprega-
I
do, são: oindutivo, dedutivo, hipotético-dedutivo e o dialético. O
••
quanto possível, qualquer interferência de elemento humano nes-
se processo; (d) construir métodos experimen tais para testar e pro-
var ou refutar a confiabi 1iade dos dados e das hipóteses. .
I
I
indutivo é aquele que pa-rte de premissas particulares ern direção
a premissas gerais e cuja aproximação dos fenômenos caminha,
••
i
j
Quando o método empírico é aplicado às ciências sociais,' bus- I assim, para planos cada vez mais gerais. O dedutivo parte de pre-
ca-se . reproduzir condições ' simi lares às do laboratório. Não I missas -gerais, teorias e leis, para predizer a ocorrência dos fenô-
. ..
••
. -
,\
obstante as críticas que podem ser feitas ao ' empirismo, Demo meno~ particulares. Iniciando-se pela percepção de uma lacuna
(ibid.: 102) alertou para o fato de que suas metodolcgias criaram · 1i nos conhecimentos, o métodohipotético-dedutivo levanta uma
inúmeras técnicas de c.oleta ede mensuração dos dados, acumula- hipótese acerca dessa lacuna e através da inferência dedutiva testa
•
•..'
a predição de f~nô~e!1?s abrangidos pela hipótese. O· dialético,
"
..;-... .
ram fatos e dados, trouxeram para as ciências sociais o uso da ~
computação e assim por diante". com? já visto é\cima~ penetra nos fenômenos através de sua ação.
. :'
••
•• 138 Comunicação f:, .· Pesquisa Lucia Santaella 139
•.•)
se nível, a diversidade impera e as escolhas só podem ser feitas
tendo em vista a adequação do método ao tipo de problema que a
I e a analogia, responsável pelo método comparatista.
f
pesquisa visa trabalhar. Ij
.'• Apesar da diversidade dos métodos até agora apresentados, há 9. TIPOS DE PESQUISA
certas repetições . A meu ver, essas repetições se dão porque há
princípios operando nas classificações que os autores elaboram . 1 Dos tipos de métodos derivam muitos dos tipos de pesquisa.
•• gerais que são adotados por 11111a deter:nli nada área de saber ou
disciplina. É o caso dos métodos histórico, antropológico e etno-
a primeira grande divisão. dos tipos de pesquisa: fundamentale
aplicada. O que mobiliza a mente humana; n.os dizem , L ~ v i l1 e ' e
.
•
:
140 Comunicação [, Pesquisa Lucia-Santaelia 141 --.)
Diorme (1999: 85) são problemas, a busca de um maior entendi- conhecimentos rigosoramente articulados.xubmetidos ao contro- ••
ment? das questões com que a realidade nos desafia ou a busca de '
soluções para problemas nela existentes. Para chegar aí, a pesqui-
le de verificações empíricas e comprovados por meiode técnicas
precisas de controle. As certezas posi ti vistas vêm da suposição de ••
••
sa é o meio mais apropriado . Para melhor conhecer, o caminho é a quea natureza é uniforme, logicamente organizada e funcional-
pesquisa fundamental que tem por função aumentar a soma de sa- · rnentedeterrninada, Porque o mundo é regido por leis invariáveis
beres disponíveis, saberes esses que, em algum momento, nunca
se sabe quando, serão utilizados para a solução deproblemas empí-
e constantes, elas podem ser apreendidas, verificadas eprevistas
através da pesquisa metódica. '
.'•
ricos. A história da ciência está cheia de exemplos dessa espécie.
Nessa medida, a pesquisa fundamental tem por função criar qua-
dros teóricos de referência e mantê-los, tanto quanto possível, li-
vres dos malententidos e das anemias que a impaciência e negligên-
'E m termos gerais, partindo da análise de um fenômeno deii-'
mitado, a pesquisa experimental formula hipóteses prévias de ver'- '
dade e métodos explícitos de verificação, submete o 'fenômeno' à
experimentação em condições de' controle, cuidando da validade
.'
••
cia teóricas costumam.produzir. Sem bons quadros teóricos de re- interna das hipóteses para extrair leis, fazer generalizaçõeseela-
•
ferência, pesquisas aplicadas ficam debilitadas, de modoque, na
pesquisa, não pode haver nada mais prático do que uma boa teoria.
borar teorias explicativas do fenômeno observado . Não obstante
tenha traçoscomuns com as pesquisas empíricas, as .''.
.'•.'
experirnen-
A motivação principal das pesquisas aplicadas , por seu lado, tais não apenas pressupõem uma base empírica, fundada em ob-
está na sua contribuição para resolver um problema, Para tal, ela servações e no estudo de fatos particulares rumo à generalização,
aplicará conhecimentos já disponíveis, mas das aplicações P9d,em mas também tomam a experimentação como condição sine qua .
resultar não apenas a resolução do problema que a motivou , mas non do conhecimento. ' . ,
••
também a ampliação da compreensão que se tem do problema; 0U
ainda a sugestão de novas questões a serem investigadas: É em ra-
zão disso que os verdadei ros pesquisadores não fazem pesquisa
Não existe pesquisa experimental sem experimento, isto é, a
manipulação deliberada de um aspecto da realidade, -de n tro dê
condições anteriormente definidas, a fim de observar sé certos .'•
ad hoc, mas a faZeITI pela vida afora . O conhecimento está em um
continuum cuja origem ecujo fim serão eternamente desconhecidos .
I
I
I
I
efeitos são produzidos. Desse modo, o experimento 'n ã'o podeser
confundido com a mera observação ou com experiência. O expé- .'•
Do final do século passado até meados do século XX, privile-
a
giando medição de regularidades constantes nos fenômenos, o I
rimento é Lima situação criada ~m laboratório para observar 'sob
controle a relação entre fenômenos , Controle quer dizer esforços ••
método experimental constituiu-se no modelo oficial de pesquisa,
inclusive nas ciências humanas. Tudo que não se enquadrasse nesse
modelo era repudiado como mero balbucio especulativo . As exi- .
f
\
I
1,1
para se eliminar ou reduzir os erros de observação; Por lsso.ra
observação tem de ser isolada de -influências capazes' de nela' i"n-
tervir. 'A s situações podem também ser criadas fora de lâbo'ràtó- "
•.;
.,'
\t
gências e características desse tipo de pesquisa são defi nidas com rio, mas técnicas rigorosas têm çie ser utilizadas para exercer 60n-'
•
rnu ita precisão, conformenos informam Laville e Dionne (1999: :
139), Rudio (1992: 55-69) e Chizzotti (1991: 25-74). '
Os pressupostos da pesquisa experimental 'são positivistas,
segundo os quais afirmações genéricas devem ser substituídas por
l ~role sobre as variáveis que vão ser observadas. .
Para ser experimental, urna pesquisa deve visar a demonstrar .
uma relação de causa e efeito entre duas variáveis. Essa dernoris-
tração apoia-se na atuação do pesquisador sobre a variável inde-
.'•.'
•
~i '
•• 142 Comunicação & Pesquisa
•• respeitar seus cânones estritos, pois seres humanos não podem ser
manipulados como partículas de matéria ou ratos de laboratório.
abrigam um grande número de divisões e subdivisões que, embo-
ra diversas, unem-se na oposição ao modelo experimental e no
•• ser medida sem perder sua riqueza, nem a causalidade linear das va-
riáveis pode dar conta de sua complexidade.
Entretanto, foram descobertas que se processaram no interior
sujeito. Enquanto o objeto deixa de ser tomado como um dado inerte
e neutro, o sujeito é considerado como parte integrante do processo
de conhecimento, atribuindo significados àquilo que pesquisa.
•• das ciências ditas duras que precipitaram a crise da hegemonia
das pesquisas experimentais nas ciências humanas . O desenvolvi-
A abertura que a pesquisa qualitativa permite não pode nos
levar a supor que, com ela, deixem de existir as exigências e crité-
•• sendo recuperadas (CHIZZOTTI, ibid.: 78) ." Isso não significa que escrupulosa de dados, a observação, as entrevistas, quando neces-
144 Comunicação & Pesquisa Lucia Santaella 145 •
sárias, a determinação de um método, a análise dos dados, o teste utiliza; a qualitativa, que ressalta as significações que estão conti-
das hipóteses, a necessidade de generalização das conclusões etc. das nos atos e práticas; a nomotética, que tem o intuito de extrair
Enfim, o recurso ao qualitativo não pode servir para o pesquisa- as leis (noinos) da regularidade e da ocorrência dos fatos observa-
dor se abrigar confortavelmente na rejeição aos métodos com a dos para generalizar, Ainda segundo Chizzotti, as pesquisas analíti-
desculpa de que estes são rígidos e castradores da inspiração cria- cas podem ser subdivididas de acordo com o método de aborda-
tiva. Na pesquisa, sem método, inspiração é mito, como o é na gem analítica que utilizam: comparativa, histórica, funcional, es-
própria arte, pois esta também se submete a métodos que lhe são trutural, sistêmica, dialética. Podem ainda ser classificadas de acor-
muito próprios. do com seus objetivos, por exemplo, a pesquisa clínica, que estu-
É preciso considerar neste ponto que não há um consenso em da determinados casos individuais, visando umjulgamento e uma
relação ao sentido que se pode dar à pesquisa qualitativa. Há um prescrição, e a pesquisa-intervenção, que se baseia na relação par-
sentido amplo, conforme foi discutido acima, e um sentido mais ticipante do processo de análise e mudança psicossociológica.
estreito. No sentido estreito, a pesquisa qualitativa é tomada ape- Para Rudio (ibid.: 56-60), as pesquisas se dividem em duas
nas como uma parte da pesquisa quantitativa, aquela relativa à grandes classes: experimentais edescritivas. Estas últimas podem,
análise de conteúdo. De acordo com Laville e Dionne (ibid.: 225), então, aparecer sob diferentes formas. Abrangendo uma faixa muito
até os anos 70, a análise do discurso manifesto, colhido através de extensa de investigação, há a pesquisa de opinião ou de atitude,
documentos, de questionários, entrevistas, etc., realizada pela pes- que visa saber que pontos de vista, atitudes e preferências as pes-
quisa quantitativa, privilegiava os cálculos de freqüência dos ter-
mos e das expressões utilizados no discurso. Uma vez que essa
soas têm a respeito de algo. A pesquisa motivacional visa saber as
razões ocultas ou inconscientes que levam as pessoas a fazer uma
•
abordagem não costumava render os frutos esperados, o domínio determinada coisa, por exemplo, consumir um certo produto. O
e as modalidades do que se chamava de análise de conteúdo am- estudo de caso se volta para indivíduos, grupos ou situações parti-
pliaram-se, absorvendo abordagens qualitativas, quer dizer, inter- culares para se realizar uma indagação em profundidade que pos-
pretativas, das unidades de sentido, das relações entre elas e de sa ser tomada como exemplar. A pesquisa para análise de trabalho
que delas emana. Não obstante esse sentido estrito, a pesquisa busca identificar deficiências, elaborar programas de capacitação,
qualitativa acabou por desenvolver autonomia própria, podendo distribuir tarefas, determinar normas etc. A pesquisa documental
se referir a todas as pesquisas que privilegiam a interpretação dos examina documentos a fim de poder comparar usos e costumes,
dados, em lugar de sua mensuração.
Além da pesquisa experimental, Chizzotti (ibid.: 27) apresen-
tendências, diferenças etc. A pesquisa histórica se volta para o .
passado, buscando as linhas de força que movem os acontecimentos. ••
••
tou o seguinte quadro de tipos de pesquisas: a primeira divisão, DIria outra divisão dos tipos de pesquisas e os .procedirnentos
conforme já foi discutida acima, entre pesquisa teórica ou funda- necessários para realizá-las foram apresentados por Demo (1985:
mentaI e pesquisa aplicada. Então, a pesquisa descritiva, que se 23-26): a teórica, a metodológica, a empírica e a prática. A teóri-
restringe à descrição dos fatos; a analítica, que faz análises interpre- ca coincide em alguns pontos com a que foi acima chamada de
tativas dos dados e extrai conclusões; a quantitativa, assim cha- fundamental. A metodológica se refere à reflexão sobre os méto-
mada devido ao suporte em medidas e cálculos mensuráveis que dos que direcionam a pesquisa científica, os modos de pesquisar,
•
Comunicação [, Pesquisa
•• 146
•
e
propedêutica da descoberta da realidade". O cultivo de uma atitu-
de típica diante da realidade, nos diz Demo, isto é, "da atitude da
dúvida, de crítica, de indagação rodeada de cuidados para não
científico original e não original. Quanto aos objetivos, a pesqui-
sa pode ser exploratória, descritiva ou explicativa. A exploratória
é uma espécie de prévia da pesquisa que tem por finalidade am- '
sermos ingênuos, crédulos, apressados" é questão fundamental- pliar as informações do pesquisador sobre o assunto de sua pes-
mente metodológica. A falta de reflexão bem informada sobre ela quisa, tendo em vista seu aprimoramento rumo à elaboração de
e•
Numa visão ampliada da pesquisa extensiva a trabalhos uni- das nos campos antagônicos da pesquisa empírica, presente nos
versit ários em geral, baseando-se em Andrade (1993, 1995), Bas- estudos de mass communication dos Estados Unidos, e da pesqui- '
•• v
tos (1999:,64,-73) apres.entou uma classificação detalhada dos ti-
posobásicos de pes9~isa. Para os autores, os tipos de pesquisa se
sa crítica, baseada especialmente nos escritos da Escola de Frankfurt.
Nos anos 70, essa oposição ficou mais tensionada pela ascenç~o
•• dividemde acordo com (a) sua natureza, (b) os seus objetivos, (c)
os seus procedimentos e (d) o seu objeto.
dos modelos de comunicação, especialmente os semióticos, como
norteadores da pesquisa. A multipli.cação de métodos e aborda-
•
148 Comunicação [, Pesquisa 149
Lucia Santaella
gens e a busca por metodologias mistas e integradas, a partir dos próprios de observação. Quantoà participação do observador, a
anos 80, acabaram por tornar essas oposições e tensões obsoletas. observação pode ser não participante, quando não há envolvimen-
Para finalizar este tópico, cumpre chamar atenção para o mo- to do observador, ou participante, quando o observador se incorpo-
delo de pesquisa para a comunicação que foi elaborado por Lopes ra ao grupo pesquisado. Quanto ao número de observadores, pode
(1990), modelo esse para ser aplicado tanto à leitura ou análise da haver observação individual ou em equipe. Quanto ao local da
pequisajá feita, como à pesquisa que se está fazendo. Por se tratar observação, esta pode se dar em campo ou em laboratório, En-
de um modelo aberto e indicador das fases implicadas pela pes- quanto técnica de atuação na realidade, a observação se caracteri-
quisa, ele faz uma ponte entre este capítulo sobre os tipos de pes- za como militante (BARROS e LEHFELD, 1991: 54-55). Há ain-
quisa e o próximo capítulo sobre os passos que a elaboração de da a observação documental, que se reporta ao uso de bibliotecas.
um projeto de pesquisa deve seguir. Lopes dividiu seu modelo em As técnicas envolvem também a definição da população e
quatro instâncias: (a) a instância epistemológica; (b) a instância amostragem, o controle das variáveis, o instrumento de pesquisa e
teórica, que inclui a formulação teórica do objeto e a explicitação as técnicas estatísticas. O campo de observação, as unidades de
conceitual; (c) a instância metódica, que inclui a exposição e a observação e variáveis devem ser descritas em todos os seus itens
causação e (d) a instância técnica, que se subdivide em: técnicas como se segue: população e suas características; seleção da am?s-
de observação, técnicas de seleção e técnicas de operacionalização. tra, que pode ser não-probabilística ou probabilística. A não
probabilística se subdivide em amostra acidental, por quotas e in-
10. PROCEDIMENTOS, TÉCNICAS E INSTRUMENTOS tencional. A probabilística se subdivide em causal simples, causal
estratificada e amostragem por agrupamento. Envolvem ainda a
Via de regra, os tipos de métodos são definidores dos tipos de
pesquisa. Métodos incluem procedimentos, técnicas e instrumen-
tos, mas não se confundem com eles, pois estes são partes do mé-
determinação das variáveis que serão controladas. Então, a defi-
nição dos instrumentos, das hipóteses estatísticas que serão utili-
zadas, como serão codificados os dados obtidos e como serão fei-
•
todo . Em cada uma das fases do método, o pesquisador deve usar tas as tabelas (ver RUDIO, 1992).
certos recursos que se constituem em procedimentos técnicos,
como seleção da amostra, construção dos instrumentos da pesqui-
sa etc. A fase da análise e interpretação dos dados também impli-
A coleta de dados também se faz a partir de uma série de prescri-
ções, cujos instrumentos mais usados são os questionários, os for-
mulários e as entrevistas que' podem ser estruturadas, padroniza-
•
ca técnicas próprias. das, contendo perguntas que seguem um roteiro pré-estabelecido,
Nas pesquisas experimentais, procedimentos, técnicas e ins-
trumentos são muito precisamente definidos .. Envolvem técnicas
de observação pois, quando sistematizada, planejada e submetida
ou não estruturadas, despadronizadas, consistindo de uma conver- :
sa informal, alimentada por perguntas abertas. Esses instrumentos
são usados quando informações não podem ser obtidas por outros
• I
a controles de objetividade, a observação pode ser considerada meios. A interpretação dos dados não é menos baseada em técni-
científica. Assim, quanto à sua estruturação, a observação pode 'cas do que os demais passos da pesquisa. Ela implica em classifi-
ser assistemática, sem planejamento prévio ou sistemática, que é cação e categorização dos dados, processo de codificação, repre-
planejada, estruturada, controlada, utilizando-se de instrumentos sentação numérica dos dados e técnicas de análise de conteúdo.
•• 150
Comunicação & Pesquisa
••
••
• •• Este capítulo será dedicado ãs orientações para se elaborar um
projeto de pesquisa. Há uma farta bibliografia sobre isso e toda
•• ela é bastante consensual quanto aos tópicos que uma tal elabora-
-
••
ção deve considerar e aos passos que devem ser seguidos para que
ela seja bem sucedida. É nesse ponto que toda pesquisa começa:
pela elaboração de seu projeto. Sem isso, a pesquisa já estaria
comprometida de saída, pois seria o mesmo que fazer uma via-
•
t i)
dades, dispêndio temporal, esforços e recursos mal gastos em que
uma tal aventura incorreria.
•
Um mau projeto não é muito diferente da ausência de projeto.
Isso explica por que tantas pesquisas começam sem terminar, ou
.'••
e por que terminam mal. Sem planejamento rigoroso, mesmoquan-
do consegue realizar a etapa da coleta de dados, o investigador se
verá perdido em um cipoal, em um emaranhado de dados, sem
saber c,omo analisá-los e interpretá-los por desconhecer seu signi-
marcado, de hipóteses apropriadamente formuladas e dos objeti- tiva da investigaçãocientífica. No momento, ficaremos apenas na
. vos que uma pesquisa visa atingir. primeira etapa, a da elaboração do projeto.
a projeto funciona como uma visão antecipada, um planeja-
mento dos passos que serão dados pela pesquisa. Churchman 1. QUESTÕES DE UM PROJETO
(1971: 190, apud R UDIO, ibid.: 45) nos diz que "planejar signifi-
ca traçar um curso de ação que podemos seguir para que nos leve Tudo deve estar previsto em um projeto de pesquisa, desde a
às nossas finalidades desejadas". Isso não deve .ser entendido ne- escolha de um tema, a coleta de informações preliminares, a deli-
cessariamente como ausência de criatividade e fechamento para mitação de um problema, sua justificativa frente ao que já foi rea-
as surpresas do caminho, pois quanto mais o curso de uma ação lizado no assunto em que ele se insere, a fixação dos objetivos, o
estiver bem planejado, mais equipados estaremos para reconhecer levantamento das hipóteses, a determinação de um referencial te-
e lidar com o inesperado, enquanto que, sem planos, via de regra, nos órico e de uma metodologia que sejam adequados para testar as
perdemos nas brumas confusas de um jogo sem regras. hipóteses e resolver o problema colocado, a coleta dos dados, sua
Projetar significa, portanto, antevere metodizar as etapas ou
.'••
análise e interpretação e as técnicas próprias para isso, até a pre-
fases para a operacionalização de um trabalho. Qualquer trabalho visão de recursos humanos e instrumentais, do cronograma, tudo
humano é processo explícita ou implicitamente projetado. A es- isso para terminar na elaboração de um relatório final, de uma
pecialização do trabalho científico exige a construção prévia de tese ou de um livro.
um instrumento técnico que conduza a ações orientadas para um Inclusas em todos esses passos estão as perguntas clássicas
fim e sustentadas sobre uma base de recursos humanos, técnicos, que um projeto deve enfrentar: o quê?, por quê?, para quê e para ~
materiais e financeiros. Esse 'instrum ento técnico é o projeto de
pesquisa. Sua elaboração em forma acabada não deve, contudo,
ser intimidante a ponto de paralizar a flexibilidade do pesquisa-
quem?, onde?, como?, com quê? quanto e quando?, quem?, com
quanto? Traduzindo: o que será pesquisado? Por que a pesqu!sa é
necessária? Como será pesquisado? Que recursos humanos, Inte-
•
dor para se adaptar a possíveis mudanças que podem surgir, e quase lectuais, bibliográficos, técnicos, instrumentais e financeiros se-
sempre surgem, no decorrer da execução de uma pesquisa. Quan- rão mobilizados? Em que período?
do o projeto se coloca em ato, no processo de execução, apare- Previstas e respondidas todas essas perguntas, o projeto possi-
cem os momentos de fertilidade em que brotam eventuais desco- bilitará ao pesquisador "impor-se uma disciplina de trabalho não
bertas de dados não previstos, junto com o aprofundamento das só na ordem dos procedimentos lógicos mas também em termos
idéias iniciais. de organização do tempo, de seqüência de roteiros e cumprimento
Como tal, o projeto é apenas uma das etapas da pesquisa. Ele de prazos" (SEVERINO, 2000: 159).
serve de guia para a execução propriamente dita e esta, por sua Uma visão panorâmica do projeto de pesquisa será apresenta-
vez, deve ser seguida de sua apresentação em forma comunicável, da abaixo para ser depois seguida pela discussão detalhada de
na imensa maioria das vezes, através da escrita. Por isso mesmo, cada um dos seus passos.
Peirce colocou no terceiro ramo da serniótica, junto com a metodêu- Um projeto começa pela escolha de um tema 9U assunto sobre
tica, a retórica especulativa, isto é, o estudo da eficácia comunica- o qual a pesquisa versará. .Uma vez que nenhum projeto surge do
••
:. 154 Comunicação [, Pesquisa Lucia Santaella 155
'.• nada, ele deve ser introduzido por uma apresentação voltada para
a gênese do terna, Como o pesquisador chegou a ele? Quais os
Tudo isso é necessário porque um tema não é ainda um pro-
blerna. Este último se constitui na questão mais fundamental de
":'..
motivos relevantes que fisgaram sua curiosidade e produziram nele toda a pesquisa', por isso mesmo, deve ser precisamente reCol~ta
dúvidas a respeito desse tema. Essas dúvidas são providenciais, do, delimitado e claramente formulado. Isso não acontece por passe
~'. nhecirnento em que a ciência se subdivide. Uma vez que nos cons-
tituímos corno pesquisadores dentro de alguma área de conheci-
rnento; os estudos preliminares já estão previamente delimitados
enquanto fazem uma, já são mordidos pela curiosidade em rela-
ção a novos problemas que vão aparecendo no meio.do caminho é
que têm de ser guardados para U111'a outra ocasião. Ao mesmo tem- '
•• sub-áreas. Den tI'O das sub-áreas, encon trarn-se estratifi cações de mas é fruto do aprofundamento que as pesquisas nos obrigama
-
.•1
ternas, junto às quais o tema de nossa escolha, via de regra,
localiza.
se
Tendo assim localizado o terna , os estudos prelirninares envol-
vern desde leituras bibliográficas, visitas a locais específicos, quan-
do o terna exigir, até discussões com especialistas e colegas. Es-
ter em relação aos fenômenos.
Definido o problema, deve ser elaborada a revisão bibliográfi-
ca ou pesquisa sobre o estado da questão, quando são estudados
os trabalhos que se situam na circunvizinhança do problema, tra-
balhos que versam sobre problemas simi lares. A elaboração da
~
••
ver pelo menos relativamente definido. De todo modo, através da ~ .......
busca' de' informação sobre o tema é que as dúvidas vão gradativa- seguinte da pesquisa, a justificativa , quer dizer, a argumentação
mente se tornando mais c1aras e o problema pode ir se delineando . sobre a relevância' do trabalho, não . apenas enfatizando que ele
•
156 Comunicação & Pesquisa Lucia Santaella 157 •
ainda não foi feito por outro pesquisador, mas principalmente por para o caminho a ser percorrido. Por isso, o método deve estar
que ele deve ser realizado. sintonizado nessas sinalizações. Além disso, não pode haver con-
Justificado o problema, o projeto se encaminha para a defini- tradição entre o método e o quadro teórico de referência, também
ção dos objetivos, quer dizer, que fins a pesquisa visa atingir? chamado de fundamentação teórica, pois, muitas vezes, o método
Quais são os aspectos que o problema envolve e em que sua solu- advém diretamente do quadro teórico.
ção resultará no tocante a cada um desses aspectos? Por fim, o cronograma da pesquisa deve ser estabelecido com
Depois disso, o pesquisador passa para a formulação das hi- indicação das etapas a serem cumpridas em cada período. A ele se
póteses. Como suposições de respostas para o problema propos- segue a indicação dos recursos humanos e materiais necessários e
to, as hipóteses se responsabilizam pelo direcionamento da pes- sua justificativa, tendo em vista o que a pesquisa mobilizará. Ao
quisa, na medida em que são elas que a pesquisa terá por finalida- final de tudo, deve comparecer a lista bibliográfica preliminar,
de demonstrar ou testar e comprovar ou não. Ora, não há formula- pois a bibliografia definitiva só pode e deve ser complementada
ção de hipóteses sem um quadro teórico de referência. É por isso no decorrer da execução do projeto. Muitas vezes o pesquisador
que essa formulação já encaminha o pesquisador para a ex- divide a bibliografia em duas p~~tes. Uma parte já consultada para
plicitação do seu quadro teórico. Este se constitui em um "univer- a elaboração do projeto e outra parte a ser pesquisada no decorrer
so de princípios, categorias e conceitos, formando sistematica- da execução do trabalho.
mente um conjunto logicamente coerente, dentro do qual o traba- Tendo esse panorama geral como pano de fundo, podemos
lho do pesquisador se fundamenta e se desenvolve" (SEVERINO, passar para o detalhamento de suas partes. Inicio pelas etapas que
ibid.: 162). devem anteceder à elaboração do projeto, visto que são elas que
Tendo chegado neste ponto, o projeto pode então se debruçar tornarão essa elaboração possível.
sobre as questões metodológicas, técnicas e instrumentais. Enquan-
to o método se refere a procedimentos ele raciocínio e analíticos 2. A ESCOLHA DO TEMA
mais amplos, as técnicas são operacionalizações do método das
quais os instrumentos são suportes. . Quando uma pesquisa se desenvolve no seio de uma institui-
É no momento da indicação dos procedimentos metodológicos ção com programas de pesquisa pré-definidos nos quais o pesqui-
que o pesquisador deve 'localizar o tipo de pesquisa que está rea- sador está engajado ou quando uma pesquisa é encomendada por
-
lizando, teórica ou aplicada, histórica ou tipológica, crítica ou alguma empresa, evidentemente, seu tema não é fruto da escolha
sistêmica, empírica com trabalho de campo ou de laboratório, etc. do pesquisador. No mundo universitário, entretanto, a imensa
maioria das pesquisas nasce da livre escolha do pesquisador. Vem
A metodologia está sempre estreitamente ligada a essa tipologia.
Além disso, os métodos devem estar perfeitamente afinados com
o problema proposto e com as hipóteses. Tendo o problema em
do pesquisador a necessidade de estudar um determinado assunto.
Mas quais são as motivações que nos levam a escolher um tema?
•
mente, o pesquisador deve se perguntar: "como e com que meios Segundo Barros e Lehfeld (1991: 26-27), os temas podem sur-
poderei resolvê-lo?" Este "como e com que meios" entrelaça as gir da observação do cotidiano, da vida profissional, do contato e
hipóteses e o método. As hipóteses funcionam como sinalizações relacionamento com especialistas, do feedback de pesquisas já
,.. ...
•• 158 Comunicação & Pésquisa ' Lucia Santaella ' 159
••
. .,
fontes para a escolha de um assunto podem ainda originar-se da cisamente seu tema. Quando nos propomos a realizar um trabalho
experiência pessoal, de estudos e leituras , da descoberta de 'dis- científico, diz o autor,
•• A despeito de t?das essas diferentes possibilidades, algo ,é parte de evidências , nada tem a pesquisar. O processo de superação
comum a elas: ~m t,en:a surge quase sempre de uma intenção ain- dessa perplexidade inicial é algo central na formação científica d~
da imprecisa. Uma impreci~ã~ que só pode ser indicadora de que LI ma pessoa. 11
•• sentimos atraídos seI11 saber bem por quê. Por isso mesmo, temas
de pesquisa .n.ão devem ser mudados diante da primeira dificulda-
realizada para que ele vá gradati vamen.te ganhandq concretude, ~ ,
precisão e determinação. Para isso, ~ntretanto, opesquisador deve
•• de que se apresenta ou diante de influências alheias . Um tema se entregar aos estudos preliminares, sem os quais seria impossí-
,-• nasce de um desejo, que é, por sua própria natureza, sempre obs-
curo, e não costuma adiantar muito a tentativa de lhe virar as cos-
tas. Em outras palavras, não podemos ser infiéis ao desejo que só
vel caminhar da imprecisão para a definição.
3. ESTUDOS PRELIMINARES
'..' Não obstante a imprecisão, é claro que os temas têm tudo a ver de ordem factual, seja de ordem teórica. Rudio (1992: 39) muito ,
com a história de vida e, especialmente, com a história intelectual apropriadal11ente nos lembra que, para a realização dos estu~,os
do pesquisador, Em que área científica está inserido, que repertó- prelim inares, é de máxima importância sabermos ern que área, ~
• ••
ou sua experiência em pesquisa são todos fatores determinantes
para a escolha de um tema. Entretanto, esses fatores não são capa-
lhe servem de base, isto é, estabelecer quais as ,relações entre o
assunto de nossa pesquisa e a Teoria Científica que desejamos uti-
li~ar". Foi por ter essa necessidade en: vista que, no segundo capí-.
zes de impedi;' q~e os ternas surjam, o mais das vezes', de- modo
'•.•
',\
vago, muito geral e: indefinido.A apreciação de Demo (1985: 49- tulo deste livro, busquei construir ,o mapeamento da área de co-
50) sobre isso é especialmente lúcida ~ importante pará que um ; municação para que opesquisadorpossa localizar .emqual terri-
~-------------------------------_
160 Comunicação [, Pesquisa Lucia Santaella 16 1
.•
tório seu assunto se situa e quais são as interfaces desse território vel as sugestões e críticas de um especialista com as de outros es-
com os territórios vizinhos. Tanto quanto posso ver, a visualização pecialistas. Essa multiplicidade de pontos de vista é fundamental
desses territórios nos ajuda a compreender de que teorias esses para que o.pesquisador não fique, ~e saída, fixado em um modo
territórios dependem para existir cientificamente. Justo por isso, de ver, em um único tipo de fundamentação te órica, mas que saiba
procurei também inserir no mapa as teorias que são próprias a fazer uso da riqueza dessa fase preparatória para explorar a diversi-
cada território. dade que é própria a qualquer uma das áreas das ciências humanas.
Com uma visão relativamente clara da área de inserção de seu Vale enfatizar que todo o esforço dispendidonos estudos'preli-
tema, é preciso que o pesquisador vá para a biblioteca ler sobre o minares se volta produtivamente para a clarificação gradativa do
assunto. Vale notar que biblioteca quer dizer tudo que se pode tema, rumo à definição de uma questão, de urn problema a ser
encontrar nela: enciclopédias, livros, periódicos especializados, pesquisado. Contudo, o segredo dos estudos preliminares está na
que são fundamentais sob o ponto de vista da atualização sobre o arte 'do pesquisador para saber exatamente o momento em que
tema, catálogos, teses e dissertações, jornais, vídeos, isso sem deve interrompê-los. A massa de literatura existente desdobra-se
mencionar o acesso a bancos de dados que hoje se pode ter a par- infinitamente. Dela Jorge L. Borges já nos forneceu uma versão
tir dos computadores localizados nas bibliotecas ou em nossas criadora na sua Biblioteca de Babel. Os estudos preliminares de-
próprias casas. O contato com esse acervo é fundamental não ape- vem, portanto, cercar as obras mais fundamentais, tendo em vista
nas para buscar subsídios que orientem e dêem mais segurança um panorama de fundo que habilite o pesquisador a situar sua
sobre a escolha do tema, mas que ajudem a formular o seu enun- questão para poder melhor defini-Ia. Essa arte de saber onde parar
ciado. De resto, também para saber se o assunto que se pretende é, nesse caso, auxiliada pelo fato de que a pesquisa bibliográfica
estudar já foi objeto de outras pesquisas e sob que ângulos essas não se reduz a isso, além de que essa pesquisa preliminar deverá
pesquisas o enfocaram. depois ser incorporada ao projeto junto com sua complementação
É certo que as leituras tomam muito do nosso tempo', mas, na em um tópico sob o título de "Revisão bibliográfica" ou "Estado
realidade, elas ajudam a diminuir o tempo estéril das idéias con- da questão", conforme será melhor definido no momento oportuno.
fusas e pouco definidas que são sempre motivos de angústia para
o pesquisador. 3.1 O PRÉ-PROJETO
Segundo Bastos (1999: 19-20), o levantamento bibliográfico
preliminar é imprescindível. Antes de tomarmos qualquer decisão Pouco a pouco, dos estudos preliminares um problema de pes-
sobre a nossa pesquisa, precisamos ter o maior número de infor- quisa começa a se delinear. A partir disso, o pesquisador deve
mações e de leituras que são possíveis nessa etapa de desenvolvi- criar coragem e, apesar de o momento ainda lhe parecer precoce,
mento do projeto, não só para melhor delimitar o assunto, " mas ensaiar a elaboração
!
de um pré-projeto. Embora tudo pareça ain-
também para desenvolvê-lo longe de um ponto de vista do senso da muito vago, é preciso aproveitar as incertezas iniciais para de-
comum". Juntamente-com o acesso a material bibliográfico, Bas- las extrair seu sumo. O lusco-fusco da imprecisão é propício para
tos considera a necessidade de diálogo com especialistas para dis- despertar aquilo que Peirce chamou de uberty, "uberdade", isto é,
cutir e aprimorar o tema escolhido, confrontando sempre que possí- capacidade de responder criativamente aos estím~.los que nos che-
162 Comunicação & Pesquisa Lucia Santaella 163
gam tanto do exterior quanto, principalmente, do interior de nossa tões que dizem respeito a pesquisas não-experimentais e não-quan-
mente. Passeando vivamente pelas idéias e contemplando-as com titativas, pois para as experimentais e quantitativas já existe um
interesse desprendido, o pensamento fica entregue ao musement, abundante material bibliográfico (ver especialmente a extensa obra
estado de concentração distraída, condição para a "uberdade" (ver de Laville e Dione, 1999, as competentes obras de Lakatos e
SEBEOK et al., 1993). É em momentos como esse que, via de Marconi (1982a, 1982b e 1992) ou a mais breve, mas não menos
regra, brotam as hipóteses que irão conduzira pesquisa. Tanto excelente obra de Rudio, 1992). Uma vez que os manuais de ori-
isso é verdade que nunca somos capazes de explicar como chega- entação para as pesquisas quantitativas se detêm muito pouco nas
mos às hipóteses. Elas parecem estar simplesmente lá, à nossa questões que têm mais peso nas pesquisas qualitati vas, tais como
•• 4. A ELABORAÇÃO DO PROJETO novo projeto, o pesquisado,r procede ao breve relato das conclu-
sões ou resultados alcançados na pesquisa anterior, com atenção
•,
e
te, é uma dificuldade ainda sem solução que deve ser determinada
com precisão para que se possa realizar seu exame, avaliação,
racterísticas. Dessa forma, o objetivo da formulaç~o do problema da
pesquisa é torná-lo individualizado, específico, inconfundível".
~
• crítica, tendo em vista sua solução (ASTI VERA, 1974: 94).
Certamente nem todos os problemas que existem podem se Cumpre lembrar aqui que o pesquisador não deve passar para
•
intuição, especulação ou senso comum, pois um problema de pes- nos passos do projeto, é preciso saber bem o que se procura. Só
quisa "supõe que informações suplementares podem ser obtidas a com esse trunfo nas mãos, o pesquisador pode mergulhar nas lei-
fim de cercá-lo, compreendê-lo, resolvê-lo ou eventualmente con- turas e consultas, o que não significa que, no percurso, estas não
•• tribuir para a sua resolução". Finalmente, um verdadeiro proble-
ma de pesquisa deve ser capaz 'd e produzir compreensão que for-
possam produzir reorientações no problema.
e neça novos conhecimentos para o tratamento de questões a ele 4.3 O "ESTADO DA QUESTÃO
e relacionadas (LAVILLE e DIONNE, 1999: 87-88).
•
•.1
'.
168 Comunicação [, Pesquisa Lucia Santaella 169
e•\
cionar como um fio condutor e ajudar o pesquisador a dar prosse- Por isso mesmo, .a leyis~9 bibliográfica significa, muitas ve-
guimento ao seu projeto, o contorno da revisão bibliográfica tor- zes, conforme as palavras deLaville e Dionne (ibid.: 1~3) "seguir
na-se também mais nítido. a informação como um detetive procura pistas: com imaginação e
O conhecimento se dá elTI UITI continuum. As interpretações obstinação. É,aliás, esseaspecto do trabalho, agir como um dete- e~
que fazemos das coisas, fatos e pessoas estão sempre a meio ca-
minho, têm algo de provisório. Essa é a regra número um · que se
pode extrair da noção de semiose peirceana. As crenças que ad-
tive, que, com freqüência, torna prazerosa a realização da revisão
da literatura""
Alongo-me tanto - e ITIe alongarei ainda mais - nos meandros .'.•1
•
quirirnos através da ciência não são muito diferentes. Nada há
nelas de eternidade. Também ria pesquisa científica, estamos sem-
pre a meio caminho. E só deixamos de estar quando cessamos de
da questão bibliográfica, em primeiro lugar, porque nas pesquisas
não-experimentais e não-quantitativas, essa é a etapa que lhes dá
alma. Dela advirá a melhor escolha de urna teoria ou sínteses de .'••
.;
ter dúvidas porque perdemos a disponibilidade para ouvir o que o teorias e conceitos que nortearão a escolha .do método e, conse-
outro tem a dizer. 'E m suma, nenhuma pesquisa parte da estaca qüentemente, o teste, muitas vezes argurnentativo, de nossas hi-
zero. Mesmo e~ um tipo muito simples de pesquisá, a explorató- póteses . Se não vamos utilizar métodos e técnicas para medir um
eJ
.''.'.
ria, que visa meramente à avaliação de uma situação concreta des- certo aspecto bem recortado da realidade, devemos, em troca, en-
.~
conhecida, alguém em algum lugarjá deve ter tido uma preocupa- frentar os desafios da imprecisão qualitativa. Para isso, temos de
ção semelhante. Por isso, a procura cuidadosa e paciente, por ve- nos valer da ajuda tanto quanto possível alargada do pensamento
zes até mesmo obstinada, de fontes documentais ou bibliográficas do outro a que podemos ter acesso.
é i mprescindível. Em segundo lugar, chamo tanta atenção para a pesquisa biblio-
Raros são os problemas e as perguntas que não foram previa-
mente levantados. Mais uma vez é Borges quem nos lembra que
gráfica porque a típica indigência das. bibliotecas nas universida-
des brasileiras muitas vezes acaba por criar em nós uma espécie .J
~'
-'
os grandes problemas já foram pensados pelos gregos, ' de modo de autodefesa inconsciente que se manifesta na negl igênciae até
. ,1
.'••
que a proeza dotempo é a de levar o ser humano a incansavelmen- mesmo no desprezo pela obstinação na perseguição das fontes',
te recolocá-los .sob novas e mais alargadas entonações , Mesmo Disso decorre,via de regra, uma autocomplacência muito satis-
quando o pesquisador não vai tão longe, não se deslocando muito feita, despida de inquietação, como são satisfeitas todas as formas
na di reção do passado, a abóbada ideati va que recobre as socieda- de ignorância. Tanto se sedimentou em nosso país a cultura da
•
.'•
des e culturas históricas, determinando os limiares daquilo que dá negligência com as fontes que, mesmo quando têm o privil égio de
para ser pensado em cada momento histórico dado, traz corno frequentar universidades com boas biblic?tecas e com ac~sso à in-
conseqüência que, ITIeSITIO que as perspectivas possam diferir, as . formação bibliográfica, que hoje se t~rnoL1 tão facilitada pela
interrogações e questionamentos de cada historicidade acabam não internet, os estudantes continuam se contentando com bem pouco. ,~
sendo a rigor muito distintos . Há, enfim, um inegável Zeitg eist; Enfim, fazer a revisão da li teratura p~ra a consti tuição do 'es ta -
espírito de tempo, ou aquilo que, com muito mais precisão, Fou-
cault chamaria de episterne, que coloca o pesquisador ernum cfr-
culo de questões no qual muitos estão simultaneamente inseridos.
....
do da questão significa passarem revista todos os trabalhos dis-
poníveis, objetivando selecionar tudo que possa servir em urna
pesquisa. Nela, o pesquisador tenta encontraressencialmente .'.••:
e\
170 Comunicação [, Pesquisa Lucia Santaella 171
• "os saberes e as pesquisas relacionadas com a sua questão; deles se estado da arte relativo à questão que estamos pesquisando, geral-
•
serve para alimentar seus conhecimentos, afinarsuas perspectivas mente dispomos de um certo número de títulos colhidos durante a
teóricas, precisar e objetivar seu aparelho conceitual. Aproveita para fase de estudos preliminares. Cada um desses títulos já funciona
tornar ainda mais conscientes e articuladas suas intenções e, desse como uma fonte para novos títulos , nas citações e. referências que
modo , vendo como os outros procederam em suas pesquisas, vislum- faz, de modo que a listagem bibliográfica que consta no final de
brar sua própria maneira de fazê-lo" (LAVILLE e DIONNE, ibid.: 112). cada obra se constitui também em uma forite inestimável de pes-
quisa. Quando lemos, de fato, os livros com cuidado, essa fonte
•• crição de seu problema não pode ser perdida de vista e deve fun-
cionar como um centro de gravidade. No fundo, o que deve ser
um labirinto, sem vislumbre de qualquer fio que possa rios tirar
dele. Entretanto, se não desistirmos antes da hora, chegará um ou-
e•
feito aqui é considerar a afirmação de Borges (esse grande esteta tro momento em que nós, como leitores, começaremos a reconhe-
da arte de ler) de que somos inelutavelmente leitores distraídos cer e, inclusive saber localizar, em termos de linha de pensamento
com atenções parciais. No caso da revisão bibliográfica, aceitar
•·
e posição teórica, as citações que os autores fazem uns dos outros.
essa limitação não é tarefa fácil , especialmente quando falta ao Quando as redes de referências começam a ser reconhecidas por
e pesquisador a experiência de numerosas leituras anteriores, expe- nós, isso significa que já estamos conseguindo desenhar mental-
•
e
(ibid.: 112) aconselham o pesquisador a usar a técnica do zoam,
partindo "de uma tomada ampla de sua pergunta, sobre um espaço
O segundo fator da revisão bibliográfica para o qual Laville e
Dione (ibid.: 112-113) chamaram atenção diz respeito à necessi-
•e documental que a ultrapasse grandemente, mas sem dela desviar dade de se evitar que essa atividade se assemelhe a "uma cami-
os olhos e, assim que possível, fechar progressivamente o ângulo nhada no campo onde se faz um buquê com todas as flores que se
da objetiva sobre ela". encontra". A revisão é, sobretudo, um percurso crítico que deve
•
,...-------------------------------------tr
172 Comunicação & Pesquisa Lucia Santaella 173
sinonímica de revisão bibliográfica, "bibliografia comentada". Não quadro de referência teórico de uma pesquisa junto ou dando se-
se trata portanto de simplesmente resumir, parafraseando o que qüência à revisão bibliográfica. Prefiro colocar ajustificativa logo
está escrito nos livros, mas sim de fazer considerações, interpreta- em seguida da revisão bibliográfica. De um lado, porque julgo
ções e escolhas, explicando e justificando essas escolhas, sempre que a fundamentação teórica deve vir imediatamente antes da meto-
em função do problema posto pela pesquisa. dologia, pois, nas pesquisas qualitativas, em muitos casos, o mé-
Felizmente não há receitas a serem dadas para a bibliografia todo deriva ou de uma teoria que funciona também como um mo-
comentada, sobretudo porque se trata de uma arte ensaística que delo aplicativo ou da operacionalização dos conceitos teóricos
só pode ser dominada com a prática e com a observação interessa- tendo em vista sua aplicação.
da em como ensaistas competentes a realizam. Em segundo lugar, De outro lado, porque, no decorrer da bibliografia comentada,
porque as diretrizes de uma revisão bibliográfica dependem mui- ao citar as principais conclusões a que outros autores chegaram,
to do tipo de pesquisa que está sendo realizada. Luna destaca que ao indicar discrepâncias entre tendências ou constatar certos en-
traves teóricos ou práticos, ao constatar alguma lacuna que sua
"uma revisão bibliográfica que procure recuperar a evolução de de- pesquisa pode vir a preencher, .o pesquisador já deve ir ~onduzin
terminados conceitos enfatizará aspectos muito diferentes daqueles do seu texto na direção da contribuição que se espera da pesquisa
contemplados em um trabalho de revisão que tenha como objetivo, a ser realizada.
por exemplo, familiarizar o pesquisador com o que já foi investiga- Essa contribuição constitui-se em uma chave que abre as por-
do sobre um determinado problema de interesse". tas de acesso à justificativa, uma vez que, frente aos estudos já
realizados sobre o problema, a justificativa visa colocar em rele-
Como resumo final, cumpre assinalar que a revisão bibliográ- vo a importância da pesquisa proposta, quer no campo da teoria
fica deve existir para que clichês sejam evitados, para que esfor- quer no da prática, para a área de conhecimento em que a pesqui-
ços não sejam duplicados, para que se possa apreender o grau de sa se desen vol ve.
originalidade de uma pesquisa. Outro aspecto de relevância de Portanto, a contribuição pode ser de 'ordem científica-teórica,
uma bibliografia comentada, muito bem lembrado por Luna (ibid.: quando o conhecimento que advirá da pesquisa proporcionar a constru-
82), reside na sua constituição - na medida em que condensa os ção de uma nova teoria, caso este evidentemente mais raro, ou auxi-
pontos importantes do problema em questão - tanto de fonte de liar na amplicação do conhecimento teórico já existente, ou preen-
consulta para futuros pesquisadores que se iniciam na área, quan- cher lacunas detectadas no conhecimento da área, ou ajudar na com-
to de fon te de atualização para pesquisadores fora da área na qual preensão de conceitos teóricos complexos. Mas a contribuição pode
. se realiza o estudo. também ser de ordem científica-prática, quando se pretende dar res-
postas a um aspecto novo que a realidade apresenta como fruto do
4.4 A APRESENTAÇÃO DAS JUSTIFICATIVAS ?esenvolvimento das forças produtivas, técnicas etc., ou quando
se busca aplicar uma teoria a um dado fenômeno julgado proble-
Nos passos para a elaboração de um projeto de pesquisa, mui- mático, ou ainda quando se tem a intenção de sugerir caminhos
tos metodólogos costumam colocar a fundamentação teórica ou para uma determinada aplicação tecnológica e assim por diante.
174 Comunicação (, Pesquisa Lucia Santaella 175
•• ou particulares etc.
A apresentação da contribuição que a pesquisa pode trazer é uma
explicitação dos resultados esperados.
É curioso observar que a maior parte dos livros sobre metodolo-
•
e
excelente ponte de passagem para a explicitação de seus objetivos. gia científica não reserva muito espaço para o tratamento dos ob-
jetivos. Carvalho et aI. (2000: 107) nos explicam que essa ausên-
•• ·4.5 A EXPLICITAÇÃO DOS OBJETIVOS cia deve se dar porque se a formulação do problema for bem
estruturada, a explicitação dos objetivos é dispensável, a não ser
• ;
176 Comunicação [, Pesquisa Lucia Santaella 177
indicam que, na descrição dos objetivos, "é importante que os seu percurso, a pesquisa buscará respostas. Ora, a hipótese é uma
verbos sejam utilizados no infinitivo, por exemplo: analisar, com- resposta antecipada, suposta, provável e provisória que o pesqui-
preender, identificar e interpretar. sador lança e que funcionará como guia ,para os passos subse-
Luna (ibid.: 35) constata a confusão que costuma existir entre qüentes do projeto e do percurso da pesquisa. Se o problema tem
problema e objetivos, mas acredita que o bom-senso deva ser su- uma forma interrogativa, a hipótese tem uma forma afirmativa.
ficiente para dirimir dúvidas. Assim sendo, ou os objetivos coin- Não se trata, entretanto, de uma afirmação indubitável, mas ape-
cidem com o problema e, então, não é necessário dar entrada a nas provável. Funciona como uma aposta do pesquisador de que a
eles no projeto, ou, com a sua entrada, pretende-se chamar aten- resposta a que o desenvolvimento da pesquisa levará será a mes~
ção para a aplicabilidade dos resultados. ma ou estará muito perto da resposta enunciada na hipótese. Ela
Mesmo assim, é bom lembrar que, quando elaboramos proje- cria, por isso mesmo, uma expectativa na mente do pesquisador,
tos para agências de fomento ou para orientadores de pesquisa, expectati va esta que costuma dar ao percurso da pesquisa emo-
nesses casos somos obrigados a inserir os objetivos em nosso pro- ções similares àquelas que nos acompanham em uma situação de
jeto; muito provavelmente porque a explicitação dos objetivos nos suspense, pois como toda aposta, a hipótese pode ser confirmada
força a sintetizar, em itens muito claros, o horizonte do projeto, os ou cair no vazio, caso em quea hipótese tem de ser repensada e as
fios que ligam o problema às conseqüências que resultarão de sua estratégias reconduzidas.
possível solução, assim como as habilidades intelectuais que estão Trata-se, pois, de uma suposição objetiva "que se faz na tenta-
implicadas nos procedimentos que serão utilizados para que "os tiva de explicar o que se desconhece". Para ter bases sólidas, ela
fins pretendidos sejam alcançados. deve estar assentada e suportada por boas teorias e "por matérias
primas consistentes da realidade observável". Portanto, "não pode
4.6 A FORMULAÇÃO DAS HIPÓTESES ter fundamento incerto". Mas por ter a natureza de uma suposi-
ção, a hipótese tem por característica o fato de ser provisória, de-
A hipótese, segundo passo mais importante na hierarquia dos vendo, portanto, ser testada para se verificar sua validade"
itens do projeto, está ligada por um cordão umbilical ao problema (RUDIO, ibid.: 78).
da pesquisa. Deve, por isso mesmo, ser obrigatoriamente inserida Embora seja importante que a hipótese esteja vinculada "a uma
em um projeto de pesquisa. Não vem do acaso, mas muito justa- teoria que a sustente para ter maior poder de explicação e ter pos-
mente da importância do papel que as hipóteses desempenham sibilidade de ser comprovada ou verificada na pesquisa" (CAR-
em um projeto, o grande espaço que os livros de metodologia VALHO et al.: ibid.: 103), embora ela tenha muito a ver com a
científica dedicam a elas. Alguns epistemólogos chegam a afir- experiência e a competência do pesquisador, embora sua formula-
mar que a essência da pesquisa consiste apenas em enunciar e ção implique em uma elaboração racional, uma hipótese surge
verificar hipóteses. sempre como um lampejo cuja formação escapa completamente
O problema que o pesquisador circunscreveu, isto é, conse- " de nosso controle consciente.
guiu recortar de um fundo temático muito amplo, tem a forma de Peirce"desenvolveu sua belíssima teoria da abdução justamen-
uma indagação, uma interrogação, uma pergunta para a qual, no te para evidenciar que uma hipótese nasce como fruto de uma luz
..--- -
•
•• 178 Comunicação ti Pesquisa
••
para que buscamos respostas. Entretanto, no contexto da ciência,
cia, as leis que regulam os fenômenos e, na vida cotidiana, as veias que é sempre especializado, podem surgir dificuldades para se
secretas das coisas. Nessa capacidade, residem os arcanos de nos- chegar a uma hipótese. Goode e Hatt (1968: 75) dizem que isso se
•e sa alma criativa. Por isso mesmo, nenhum pesquisador é obrigado
ajustificar por que fez a opção por uma certa hipótese e não outra
dá sobretudo quando falta ao pesquisador um quadro de referên-
cia teórico claro, quando lhe falta também habilidade para utilizar
••
hipótese é o mais frágil dos argumentos. Em razão disso, para desordenada e confusa. Para evitar que se incorra nesses defeitos,
receber seu veredito, necessita passar pelo teste da experiência. Rudio (ibid.: 80-83) elaborou alguns critérios que podem servir
Segundo Lakatos e Marconi (1992: 104), há diferentes formas
••
como "balizas demarcando um campo", sem que, com isso, a li-
de hipóteses. Em primeiro lugar, elas se dividem em hipótese bá- berdade do pesquisador na proposta de sua hipótese seja cons-
sica e hipóteses secundárias. A primeira corresponde à resposta trangida.
•
dárias podem "abarcar em detalhes o que a hipótese básica afirma em curso; seu enunciado precisa ser claro, isto é, "constituído por
em geral", podem também "englobar aspectos não especificados termos que ajudem realmente a compreender o que se pretende
na básica", ou ainda "indicar relações ·deduzidas das primeiras", . afirmar e indiquem, de modo denotativo, os fenômenos a que se
assim como "decompor em pormenores a afirmação geral" ou
••
referem"; não basta ser claro, o enunciado precisa ser também
"apontar outras relações possíveis de serem encontradas". simples, quer dizer, "ter todos os termos e somente os termos que
O modo de aparecimento de uma hipótese em nossas mentes são necessários à compreensão"; da simplicidade decorre que o
•
.-
180 Comunicação [, Pesquisa
A meu ver, essas confusões edespreocupações que 'r es u lt a m desempenha nas pesquisas não-quantitativas. Enquanto as quanti-
•.•, dos, que são mais apropriados a cada uma para testar suas 'hipó te-
ses e, conseqUentemente, o modo como o processo de testagern é
diferentemente compreendido em cada urna delas. Até mesmo em
propõem não-quantitativas justamente porque colocam em ques-
tão os pressupostos das quantitativas. Corno se pode ver, tudo tem "
seu preço. E o preço das pesquisas não-quantitativas, em termos
uma pesquisa puramente teórica, há sempre urna tese que é pro-
••
de in vestimen to intelectual, . é . inel utavel mente al to.
posta para ser defendida. Essa tese é o problema em relação ao De fato, teorias não caem do céu para nos auxiliar a enfrentar
qual as idéias que se desenvolvem são hipóteses particulares "cuja as dificuldades em que a resolução de um problema de pesquisa
•• ça o quadro teórico em que se funda o raciocínio. teorias que se adequam às soluções buscadas. Por isso mesmo,
escolhas teóricas não podem ser feitas por impulso, ainda menos
• 4.7 O QUADRO TEÓRICO DE REFERÊNCIA por imposição, ou para estar de acordo com a especialidade do.
•• máticos que dá alicerce às pesquisas quantitativas. Essa dispensa ' nhecer as alternativas que se apresentam, Isso implica ern se de-
pode se dar por motivos vários, entre eles, para buscar o acesso à bruçar demoradamente sobre os livros com curiosidade e despren-
complexidade alinear e não mensurável, à exuberância com que dimento, com a paci ência doconceito.
•• de importância do papel que esse passo, ou melhor, mergulho, acumulou ou não, ,e em função do tempo que-se tem para realizar
....
184 Comunicação & Pesquisa Lucia Santaella 185 •
•
uma pesquisa. Em suma, os meios para se evitar a leviandade de- ções gerais. Conceitos podem ter significados diferentes depen-
vem ser pensados. dendo do quadro de referência ou da ciência em que são emprega-
Também chamado de "fundamentação teórica", "embasamento dos. Além disso, formam conjuntos sistemáticos logicamente coe-
teórico" ou de "teoria de base", o quadro teórico de referência é rentes, nisso consistindo a essência de uma teoria. É com tudo
algo que brota diretamente do levantamento bibliográfico para a isso que temos de nos familiarizar para nos tornarmos capazes de
elaboração do estado da questão de um problema de pesquisa. empregar os conceitos com segurança e mesmo operacionalizá-
Tendo brotado do estado da questão, a fundamentação teórica los quando, em pesquisas aplicadas, isso se faz necessário.
implica um avanço em relação àquele, na medida em que resulta Só conseguimos fazer uso realmente eficaz dos conceitos teó-
de uma escolha consciente, crítica e avaliativa da teoria ou com- ricos quando eles como que entram em nossa corrente sangüínea
pósito teórico que está melhor equipado para fundamentar o de- com tal intimidade a ponto de não sentirmos mais sua presença
senvolvimento da pesquisa, em consonância com a metodologia como estranha. Só assim nos tornamos capazes de utilizá-los com
que designa. flexibilidade como diretrizes para os caminhos da reflexão e não
O quadro de referência teórico consiste no corpo teórico no meramente como fórmulas rígidas a serem obedientemente apli-
qual a pesquisa encontrará seus fundamentos. Ora, todo pensa- cadas. Quanto mais conhecemos uma teoria, no confronto com
mento existe em uma corrente de pensamento. Pensamentos têm outras teorias, mais nos tornamos capazes de dialogar com ela e
genealogia, situando-se, portanto, em um contexto teórico maior. menos escravizados nos tornamos à moldura referencial em que
Por isso, quando um corpo teórico é escolhido pelo pesquisador, toda teoria nos enquadra. Se as teorias são inevitáveis, para que
este precisa ter em mente o contexto mais amplo em que esse cor- não se lide com a reflexão apenas com os instrumentos mentais
po se insere. Com isso, evita-se um problema muito comum nos que o senso com.um nos fornece, que, pelo menos, elas sejam es-
trabalhos de pesquisadores iniciantes: a salada de teorias com colhidas através do filtro da qualidade.
genealogias bastante distintas e, muitas vezes, epístemologtca-
mente antagônicas e incompatíveis. 4.8A SELEÇÃO DO MÉTODO
Em suma, todo projeto deve conter os pressupostos teóricos
com os quais as interpretações irão se conformar. Eles são inevi- Com o método chegamos ao terceiro termo, completando-se o
táveis simplesmente porque não podemos descartar os pressupos- trio que dá suporte a uma pesquisa. Do problema para a hipótese
tos, sob pena de ficarmos imersos tão somente no senso comum. e desta para o método, tem-se aí a coluna dorsal que dá sustenta- •
Por essa razão não apenas temos de escolher pressupostos, mas ção a um projeto de pesquisa. Como querem Laville e Dione (ibid.:
temos de escolhê-los com carinho, pois são eles que darão forma 124), trata-se de dois movimentos que se unem na constituição de
e cores às nossas interpretações. Formas e cores devem ser esco- uma tríade coesamente configurada: quando o problema desem-
lhidas se não as queremos impostas sobre nós. boca na hipótese, tem-se o ponto de chegada do primeiro movi-
Teorias lidam com princípios, conceitos, definições e catego- mento de um itinerário de pesquisa. Este ponto de chegada, entre-
rias. Esses são os legítimos habitantes das teorias, entidades que tanto, torna-se o ponto de partida do segundo movimento, indi- .
sintetizam urna quantidade de fenômenos particulares em abstra- cando a direção a ser seguida para que se possa resolver o proble-
,.
•• 186 Comunicação (; Pesquisa Lucia Santaella
187
•e ma de partida: verificar sua solução antecipada, Para se chegar a sas não-quantitativas se ajustem, elas também dependem da obser-
•• dos métodos das ciências naturais, mas sim aquela cujo método é
o mais adaptado ao seu objeto. Antes de tudo, é preciso explicitar
tais da rede de conceitos teóricos com os quais estamos lidando,
observando suas configurações e modificando-as conforme as
••
que nestas a metodologia está estreitamente ligada às teorias que
Mais uma vez, nesta fase relativa ao terceiro sustentáculo do dão suporte à pesquisa.
tripé, o método, em que se erige um projeto de pesquisa, cumpre Em suma, a tarefa metodológica é uma tarefa a ser enfrentada
enfatizar que as pesquisas não-empíricas e as não-quantitativas sem escusas, pois é dela que nos vêm os meios para comprovar ou
não podem ser utilizadas como álibis para a negligência metodoló- não as hipóteses nas quais apostamos.
gica. Se não há pesquisa sem problema, se não há rota que enca-
e minhe para a resolução desse problema sem hipóteses, estas exis- 4.9 A EQUIPE DE PESQUISA .
4.13
°
•
•
da, inclusive prevendo o tempo que cada uma deve levar para se
desenvolver. Quanto mais bem formulado estiver o projeto, mais
clareza e segurança se terá na.previsão de sua consecução.
NOTA FINAL
•
do paciente com os detalhes a que todo bom planejamento nos
4.11 Os RECURSOS NECESSÁRIOS obriga. É preciso ter amor pelas minúcias e capacidade de olhar •
de frente para as dúvidas, sem subterfúgios, sem esquivas. Saber
Embora a palavra "recursos" pareça indicar apenas os recur- lidar com elas, atendê-las com atenção e energia, conscientes de
sos materiais, infraestruturais e financeiros, eles devem ser pensa- que isso significa interromper o fluxo de nossas certezas e partir
o
dos em termos mais amplos. Parece muito bom que pesquisador para as fontes que nos vêm. do discurso do outro. •
também pense no tempo que tem para se dedicar à pesquisa, so- Em meio às muitas compensações que um bom projeto nos
bretudo na sua disponibilidade para assumir o modo de vida que a traz, entre elas especialmente uma certa garantia de que ajornada •
realização de uma pesquisa sempre exige. Enfim, olhando bem no deverá chegar com êxito ao seu destino, a compensação mais gra-
fundo de si mesmo, neste item dos recursos, o pesquisador deve tificante se encontra naqueles momentos em que a pesquisa come-
se perguntar se terá persistência, desprendimento de muitos ou- ça a adquirir força e determinações próprias, exigências internas
tros apegos ou hábitos e mesmo obstinação para efetuar seu traba- tão eloqüentes como se viessem de um corpo vivo. De agente do •
lho. Esses recursos são, às vezes, tanto ou mais fundamentais do processo, o pesquisador passa para o estatuto de interlocutor, apal- .•
que os materiais. pando e auscultando as determinações internas do ' seu trabalho. •
° Mais gratificantes ainda, como se fossem il uminações súbitas no •
4.12. A BIBLIOGRAFIA meio do caminho, sem que saibamos bem de onde elas vêm, 'são •
os momentos em que nos defrontamos com as surpresas das des-
Quando fazemos tanto a revisão bibliográfica quanto à sele- cobertas imprevistas. .
ção do quadro teórico de referência para a pesquisa proposta, ou Além de cumprir a função social de fazer avançar o conheci- •
seja, sua fundamentação teórica ou escolha de uma teoria de base, mento, tarefa precípua de toda pesquisa, pesquisas também deci-
essas atividades podem nos levar a enxergar um horizonte biblio- frarn para cada ~m de nós o mistério dos prazeres muito próprios
gráfico pertinente à pesquisa muito mais amplo do que aquele que e decididamente intransferíveis que a vida intelectual traz consigo.
podemos absorver enquanto estamos elaborando o projeto. Nesse
caso, que, aliás, seria o ideal, no final do projeto devem aparecer
duas listagens bibliográficas, aquela que já foi consultada e aque-
la que deverá ser consultada no decorrer da pesquisa. Muitas ve- •
•• Lucia Santaella
• 191
- •e
dar a este livro, é a de fornecer dados para aqueles que estão em
busca das bases e das rotas para uma tal elaboração.
Portanto, neste roteiro final, irei me limitar a renomear e fazer
•• ROTEIRO DE LEITURAS
breves comentários sobre os livros que julgo fundamentais para
que as bases e as rotas que aqui pude oferecer sejam comple-
t•
confrontado com a necessidade de elaborar um projeto de pesqui- de um cientista de primeira grandeza, indico o livro de Newton da
sa na área de comunicação. Por isso mesmo, o livro foi idealizado Costa (1997) sobre O conhecimento científico, um dos textos mais
a
•• tendo em mente que ele se constituísse também como um roteiro
de leituras tão longo quanto o próprio livro. Em todos os momen-
lúcidos e proveitosos que li nos últimos tempos pela segurança
serena e clareza límpida com que o autor enfrenta questões espi-
•• tos que julguei pertinente, indiquei as fontes que estavam por trás
das informações, quase sempre sintéticas, assim como indiquei 0$
títulos que julguei que devessem ser eventual ou oportunamente
nhosas da epistemologia, lógica e metodologia das ciências.
Uma discussão competente, honesta e vívida das questões
metodológicas na área das ciências humanas encontra-se nos li-
consultados pelo leitor. Essas são as razões por que o texto está vros de P. Demo,' a saber, Metodologia científica em ciências so-
todo salpicado de referências bibliográficas. ciais (1981) e Princípio científico e educativo (1990).
Em razão disso, este roteiro de leituras será muito breve. Os Quem estiver porventura interessado em uma classificação das
dois primeiros capítulos do livro tiveram a intenção de localizar o ciências bastante extensiva e complexa, indico o livro de Beverly
e leitor dentro da floresta de teorias e de um possível mapeamento Kent (1987) que explorou todos os detalhes complicados da clas-
e da área de comunicação, com indicações de suas fronteiras e suas sificação das ciências de Peirce, devolvendo-nos uma versão cui-
•• sa pois é, nesta tarefa, que tive por objetivo tentar auxiliar o leitor. "
Por isso mesmo, a função primordial, que espero ter conseguido
ciências desde a morte de Peirce, e aplicada a uma área específica
das ciências humanas, a teoria literária, pode ser encontrada no
.'
temporânea. O grande valor dessa obra está na defesa qu y ela en-
escritura deste livro.
cerra das forças criativas que também movem a ciência, defesa
Uma obra extensa e detalhada, muito útil para consultas ~ para
esta que se insurge contra a visão do método científico como mo-
delo rígido de regras inflexíveis. Entretanto, na"contexto da cultu- dirimir dúvidas 's o bre todas as questões, envolvidas nas pesquisas
empíricas, experimentais e quantitativas é A construção do saber:
••
ra acadêmica brasileira, nas áreas das humanidades, onde já im-
peram certas negligências COIll os rigores do método, uma tal de-
fesa não faz tantó sentido quanto ela pode fazer nos países com
Manual de metodologia da pesquisa em ciências humanas, de
Laville e Dione. Editado no Canadá, o livro passou por uma com-
•• •
culturas acadêmicas mais exigentes do que a brasileira.
Também muito célebre e, por isso mesmo , fartamente adotada
pet,ente adaptação para o contexto brasileiro, realizada por Lana
Mara Siman . •e·
em cursos nas ciências humanas é a obra A nova aliança: meta-
morfose da ciência (1984), de Prigogine e Stengers. Novamente
Extremamente bem elaboradas, claras, didáticas e de grande
utilidade para todos aqueles que estão diante da necessidade de ••
aqui, quando deslocada do seu contexto nas ciências naturais e
transplantada, sern os necessários cuidados, para as ciências hu-
marias, esta obra perde muito de seu significado, pois a meta- .
t
i
...."':
elaborar um projeto de pesquisa são as obras M etodologia cientí-
fica (1982), Técnicas de pesquisa (1982) e Metodolooin do tra-
balho científico (1992), de Lakatos e Marconi. Menos extenso
•
.;
. •1
. '
..• 194 Comunicação, s P.esq~i~a l
•• mas não menos excelente, pela clareza de sua exposição e uti)ida-
••
Hegenberger e Octanny S. da Mota. São Paulo: He·rder/EDUSP.
Resta, por fim, colocar muita ênfase na obra Pesquisa em co-
ALVES-MANZOTTI, A. J. e GEWANDSZNADJER, F. (1998). O mé-
municação. Formulação de um modelo metodológico, de Maria
todo nas ciências naturais e sociais. São Paulo: Pioneira.
••
cionou como um ponto de referência para minha almejada busca ANDERSON, J. R. e BOvVER, G, H, (1973). Human associative memory,
de' complementaridade e para um diálogo cujas coordenadas es:- New York: Johns Wiley and Sons, .
pero ter conseguido, mesmo que imprecisamente, aqui desenhar. ANDERY, M. A. et al. (1996). Para compreender a ciência: uma pers-
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