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DIVORCIO 1

DIVÓRCIO, TEMPO DE PASSAGEM


Entrada: Não obstante o aumento constante dos divórcios em Portugal, as pessoas
acreditam profundamente no casamento. É difícil mas extremamente compensador do
ponto de vista afectivo, que é, afinal, o que mais conta para homens e mulheres.
Ana Vieira de Castro

Texto: Apesar dos alarmismos sobre o incessante aumento dos divórcios em Portugal, e
do pessimismo que daí decorre sobre a estabilidade das uniões, a verdade é que os
números mostram que a esmagadora maioria das pessoas continua casada e é feliz. São
dados reais, disponíveis para quem os queira comprovar, como sublinha Anália Torres,
socióloga e professora universitária, especialista nestas questões (ver entrevista). Senão,
vejamos: da totalidade dos casamentos celebrados em Portugal, apenas uma pequena
percentagem acaba por se divorciar, ou seja, nos dias de hoje, em cada cinco uniões
formalizadas, há 1.8 de divorciados. E se é verdade que se tem vindo a registar uma
subida progressiva de divórcios, em particular nos últimos cinco anos, também é certo
que os números estão muito àquem do que se verifica no centro e norte da Europa, e nos
Estados Unidos. São países em que as revoluções sociais se fizeram mais cedo do que
em Portugal, e em que, por cada dois casamentos, verifica-se um divórcio.
Distinguidas "por razões culturais básicas" dos países do sul da Europa, a França,
Noruega e Suécia, por exemplo, viveram as novas questões relacionadas com a família
muito antes de nós, devido a "um conjunto de coisas como a descida da nupcialidade, a
subida do divórcio e a descida da natalidade", recorda Anália Torres. Problemas estes
que se puseram por volta dos anos 60, quando em Portugal ainda o divórcio não era
possível para quem se casava pela igreja: "era uma impossibilidade objectiva", diz a
socióloga. "Se as mulheres separadas tivessem um filho de outro homem ele seria
considerado ilegítimo, o que era terrível", lembra Anália Torres. Nesse tempo o divórcio
estava fora de questão, a não ser em último caso e por razões consideradas graves, como
o grande alcoolismo e a violência.
As grandes mudanças sociais, em Portugal, começaram a fazer-se sentir há escassos
trinta anos, de uma forma "rápida e concentrada", como lembra Anália Torres. De uma
geração para a outra, tudo mudou a partir de 74/75. De uma forma sobreposta, sem
transição, alterou-se "um conjunto de valores e de práticas". Daí que ainda subsistam,
em simultâneo, atitudes tradicionais e outras mais modernas e actuais. Talvez devido ao
efeito explosivo da revolução dos costumes portuguesa, rápida e concentrada, seja
divulgada como "calamitosa" a ideia de que o aumento progressivo do divórcio se
sobrepõe, perigosamente, à realidade do casamento, comprometendo a credibilidade
dessa instituição. Quando, na verdade, isso está longe de acontecer.

Razões para um divórcio. Uma das mais decisivas, prende-se com uma condição
básica de todos os seres humanos: a de ser feliz. Um direito hoje plenamente concedido
às mulheres, grandes benificiárias da liberalização dos costumes, em Portugal e no resto
do mundo. "A maneira de encarar o divórcio mudou. O casamento deixou de ser uma
instituição a preservar a qualquer custo. Mantém-se se é satisfatório, se produz alegria e
bem-estar", diz Anália Torres.
A mudança de atitude face à união formalizada teve, como consequência, um aumento
de divórcio, quando os elementos do casal chegam à conclusão de que o casamento
deixou de cumprir o papel de felicidade, tranquilidade e satisfação emocional "contidos
na promessa inicial". E embora o direito de ser feliz fosse negado sobretudo às mulheres
na sociedade tradicional portuguesa, em que os homens detinham todo o poder de
decisão e liberdade no casal e, portanto, podiam manter outras relações clandestinas sem
grandes agravos, a verdade é que hoje ambos beneficiam de uma exigência de qualidade
afectiva no casamento.
Mas esta não é a única razão. O trabalho feminino foi outro importante impulsionador
do divórcio. O aumento da taxa de actividade feminina deu mais autonomia às mulheres
e, em consequência, deixaram de depender financeiramente dos maridos. Por outro lado,
esclarece Anália Torres, tornou-se mais fácil para os homens divorciarem-se de
mulheres activas do que não activas. É que, embora o divórcio represente sempre uma
perda económica para ambas as partes, os homens são "directa e indirectamente
beneficiados com a nova situação", dado que, em caso de divórcio, não ficam tão
sobrecarregados.
Mas ainda a propósito das questões materiais ligadas ao divórcio, interessa salientar que
Portugal é o país do sul da Europa em que se registam mais divórcios. Em Itália,
Espanha e Grécia, a taxa de divórcio é menor e a razão invocada prende-se com a
grande taxa de trabalho feminino no nosso país em comparação com aqueles. Para
Anália Torres a ligação é clara: "aqui, as mulheres trabalham muito mais. Isto é uma
especificidade portuguesa. E não é só por uma questão económica. É porque as pessoas
perceberam que num país com uma tradição masculina matriarcal, ter um salário
permite, apesar de tudo, ter alguma autonomia", refere. Naqueles países há menos
mulheres a trabalhar e, portanto, nas gerações mais velhas, mesmo que insatisfeitas nas
relações conjugais, as mulheres não têm meios para sair delas. "Em Portugal, mesmo
que seja pela negativa, ter alguma autonomia relativa por causa de um ordenado,
permite não ficar à mercê de uma situação desfavorável", esclarece Anália Torres que
reencontra essa relação nos discursos das mulheres. "Gostava de ter outro tipo de
trabalho, este não me realiza, mas também se ganhamos para comer, já não temos que
aturar tudo". Acabam por beneficiar de uma certa noção de poder na relação conjugal,
relacionada com o respeito que os maridos acabam por ter em relação a elas.
Finalmente, uma última razão por detrás do aumento do números de divórcios: as leis,
que em todos os países, permitiram às pessoas fazer coincidir a mudança no plano dos
valores com uma transformação "no campo das ideias". Isto é, tornou possível que a
“incompatibilidade de feitios” ou um “persistente não-entendimento do casal” fossem
razões legais suficientes para um divórcio. As pessoas tornaram-se mais exigentes e as
leis acompanharam-nas no seus desejos e nas suas razões.

Divórcios de passagem. Seja qual for a idade em que as pessoas se divorciam, não
desistem, verdadeiramente, de volta a acreditar que o casamento é possível. Porque, de
uma maneira geral, as pessoas quando casam,”fazem-no sempre com uma perspectiva
de grande positividade”, revela a socióloga. “É como se fosse uma aventura, porque
apesar de se saber que é difícil, oferece muita compensação”, acrescenta. Mas apesar
deste panorama optimista e dos numeros que evidenciam o aumento constante do
recasamento, há sempre condicionalismos que podem fazer pensar duas vezes e
dificultá-lo de uma certa forma.Os dados revelam que, por exemplo, nos meios amis
populares é mais difícil encontrar parceiros solteiros. Por outro lado, ter filhos diminui a
posibilidade de casar outra vez. Essa facto deve ser ponderado, “há outros critérios de
escolha, e as mulheres têm de pensar se o seu novo parceiro se vai dar bem com os seus
filhos”, refere Anália Torres. Muitas vezes demoram até tomar uma decisão definitiva e
não raro optam por recusar a conjugalidade, preferindo os dois elementos casal ficarem
a viver cada um em sua casa. Seja como for, de uma maneira geral, as estatístiscas
mostram que as pessoas não ficam, em média, muito tempo sozinhas após um divórcio,
em particular os homens: “a situação de divórcio tende a ser transitória”, diz a
socióloga. A maioria das pessoas divorciadas voltam a casar.
Mas apesar de o recasamento aumentar, o número de mulheres divorciadas é maior do
que o dos homens: “nascem mais rapazes do que raparigas, mas estes depois morrem
mais entre os 22, 23, e 24 anos. Por causas de risco, por questões de género, de
socialização”. Além disto, há o chamado “efeito de género”. Significa que é mal visto
socialmente uma mulher casar com um homem mais novo, ao contrário do que acontece
com os homens. Para estes, o leque de escolha é maior.

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