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ISSN 1679-6748
VISUALIDADES . GOIÂNIA . v. 14 n.2 . Jul-Dez/2016
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
Reitor
Orlando Afonso Valle do Amaral
Pró-Reitor de Pós-Graduação
José Alexandre Felizola Diniz Filho
Editora
Profa. Dra. Alice Fátima Martins
Conselho Editorial
Christinne Bernier (UDM, Canadá) / Denise Bernuzzi de Sant’Anna (PUC-SP, Brasil)
/ Eliane Chaud (FAV/UFG, Brasil) / Fernando Miranda (UdelaR, Uruguai) / Helio
Fervenza (UFRGS, Brasil) / Jorge La Ferla (Universidad de Buenos Aires, Argentina) /
Laura Traffi (University Of Wisconsin Milwaukee, EUA) / Nicholas Mirzoeff ( New York
University, EUA) / Remedios Zafra (Universidad de Sevilla, Espanha) / Ricardo Campos
(Universidade Aberta, Portugal) / Rosana Horio Monteiro (UFG, Brasil) Thiago Fernando
Sant’Anna e Silva (UFG, Brasil)
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (GPT/BC/UFG)
V834 Visualidades
Visual I Faculdade de Artes Visuais I UFG. – V. 14, n.2
(2016). – Goiânia-GO: UFG, FAV, 2016.
V. :il.
Semestral
Descrição baseada em V.14, n.2
ISSN: 1679-6748
1. Artes Visuais – Periódicos I. Universidade Federal de Goiás.
Faculdade de Artes Visuais II.
Título.
CDU: 7(05)
Tiragem: 150 exemplares Data de circulação: julho/2016
Pareceristas deste número:
Bruno Souza Leal (UFMG, Brasil) / Carla Abreu (FAV/UFG, Brasil) / César Lignelli (UnB,
Brasil) / Clélia Maria Lima De Mello e Campigotto ( UFSC, Brasil) / Edgar Franco (FAV/
UFG, Brasil) / Emerson Dionisio Gomes de Oliveira (UnB, Brasil) / Erika Savernini Lopes
(UFJF, Brasil) / Fábio Oliveira Nunes (UNESP, Brasil) / Gazy Andraus (FIG-Unimesp, Brasil)
/ Heloisa Selma Fernandes Capel (FH/UFG, Brasil) / Henrique Magalhães (UFPB, Brasil) /
Irene Tourinho (FAV/UFG, Brasil) / Juzelia de Moraes Silveira (UDESC, Brasil) / Laura Maria
Coutinho (UnB, Brasil) / Lavinnia Seabra Gomes (FAV/UFG, Brasil) / Luís Edegar de Oliveira
Costa (UFRGS, Brasil) / Luisa Günther Rosa (UnB, Brasil) / Luiz Sérgio de Oliveira (UFF, Bra-
sil) / Madalena Zaccara (UFPE, Brasil) / Manuelina Maria Duarte Cândido (FCS/UFG, Brasil)
/ Maria Claudia Bonadio (UFJF, Brasil) / Nilson Almino de Freitas (UVA, Brasil) / Pablo Petit
Passos Sérvio (FAV/UFG, Brasil) / Thiago Fernando Sant’Anna e Silva (UFG, Brasil) / Rita
Andrade (FAV/UFG, Brasil) / Rebeca Lenize Stum (UFSM, Brasil) / Rodrigo Cássio Oliveira
(FIC/UFG, Brasil) / Ronaldo Alexandre de Oliveira (UEL, Brasil) / Rosana Horio Monteiro
FACULDADE DE ARTES VISUAIS (FAV/UFG, Brasil) / Rosillandes Cândida Martins (EMAC/UFG, Brasil) / Vanessa Freitag
UFG (Universidad de Guanajuato, México) / Wolney Fernandes (UFG, Brasil)
Secretaria de Pós-Graduação
Revista Visualidades Créditos
Avenida Esperança, s/n Capa e Ensaio Visual: Moacir - Coleção de desenhos do acervo do CCUFG | Curadoria:
Câmpus Samambaia (Câmpus II) Alice Fátima Martins, Cátia Ana Baldoino da Silva e Wagner Bandeira | Fotografia: Alice
CEP: 74690-900 Fátima Martins | Editoração: Cátia Ana Baldoino da Silva | Direção de arte: Wagner
Bandeira | Projeto gráfico: Márcio Rocha | Revisão: Divisão de Periódicos do CEGRAF/
UFG: Janaynne C. do Amaral, Bruna Mundim, Fabiene Riâny Azevedo Batista, Pedro Augusto
+55 (62) 3521-1442 de Lima Bastos e Camila Di Assis (Revisão Português), Letícia Lima e Pedro Augusto de Lima
revistavisualidades@gmail.com Bastos (Revisão Inglês), Bruna Mundim, Fabiene Riâny Azevedo Batista e Sara Guiliana G.
www.fav.ufg.br/culturavisual Belaonia (Revisão e tradução ao Espanhol).
Sumário
ARTIGOS
Experiências a/r/tográficas:
gênero e sexualidades
Luciana Borre Nunes (UFPE, Brasil) 10
Comida e visualidade
Elaine de Azevedo (UFES, Brasil)
Shay Peled (UFES, Brasil) 30
Ensaio visual
relato de pesquisa
teses e dissertações
ARTICLES
A/r/tografhic experiences:
gender and sexuality
Luciana Borre Nunes (UFPE, Brasil) 10
Visual eSSAY
Research Report
ARTÍCULOS
Experiencias a/r/tográficas:
género y sexualidades
Luciana Borre Nunes (UFPE, Brasil) 10
Comida y visualidad
Elaine de Azevedo (UFES, Brasil)
Shay Peled (UFES, Brasil) 30
Ensayo visual
Resultado de Investigación
Resumo
Abstract
Resumen
Figura 3
“Pequenas Agressões”, Nanquim,
Luana Andrade, 2015
Figuras 4 e 5
“Pequenas Agressões”, Lambe-
-lambe, Luana Andrade, 2015
Figura 6
“Tramações”, Instalação, Instrumento humano indispensável - Rafael
Luciana Borre, 2015 Vascon
O reconhecimento do “outro” como semelhante é um
processo de aceitação das diversas identidades e da plura-
lidade de experiências humanas. Os muros físicos e sim-
bólicos, assim como os murais das redes sociais em que
o ódio e os diversos preconceitos são abertamente con-
fessados, foram traduzidos numa experiência de reflexão,
cuja síntese seja, talvez, a construção de uma sociedade
mais justa e participativa.
Figura 7
“Instrumento Humano Indispen-
sável”, Escultura,
Rafael Vascon, 2015
Referências
AGUIRRE, Imanol. Cultura visual, política da estética e edu-
cação emancipadora. In: MARTINS, Raimundo; TOURI-
NHO, Irene (Org.). Educação da cultura visual: conceitos e
contextos. Santa Maria: Editora UFSM, 2011, p. 69-111.
CONELLY,M.; CLADININ, J. Narrative inquiry. San Francisco:
Jossey-Bass, 2000.
DIAS, Belidson. A/r/tografia como metodologia e pedagogia
em artes: uma introdução. In: DIAS, Belidson; IRWIN, Rita
(Org.). Pesquisa educacional baseada em arte: a/r/tografia.
Santa Maria: Editora UFSM, 2013, p. 21-28.
EÇA, Teresa Torres. Perguntas no ar sobre metodologias de
pesquisa em arte-educação. In: DIAS, Belidson; IRWIN,
Rita (Org.). Pesquisa educacional baseada em arte: a/r/to-
grafia. Santa Maria: Editora UFSM, 2013, p. 71-82.
FOUCAULT, Michael. Vigiar e Punir: nascimento da prisão.
Petrópolis: Vozes, 1987.
IRWIN, Rita. A/r/tografia. In: DIAS, Belidson; IRWIN, Rita
(Org.). Pesquisa educacional baseada em arte: a/r/tografia.
Santa Maria: Editora UFSM, 2013, p. 27-35.
LOURO, Guacira Lopes. Gênero Sexualidade e Educação: uma
perspectiva pós-estruturalista. Rio de Janeiro: Petrópolis, 2007.
LOURO, Guacira Lopes. Educação e docência: diversidade,
gênero e sexualidade. Revista Brasileira de Pesquisa sobre
Formação Docente, v. 4, 2011, p. 1-6.
MARTINS, Raimundo. Metodologias visuais: com imagens
e sobre imagens. In: DIAS, Belidson; IRWIN, Rita (Org.).
Pesquisa educacional baseada em arte: a/r/tografia. Santa
Maria: Editora UFSM, 2013, p. 83-95.
MARTINS, Raimundo; TOURINHO, Irene. Encontros com sensi-
bilidades em saudáveis desequilíbrios da razão: atos e proces-
sos de aprender, pesquisar e ensinar. In: ______; ______
(Org.). Educação da Cultura Visual: Aprender... Pesquisar...
Ensinar... Santa Maria: Editora UFSM, 2015, p. 133-146.
MORIN, Edgar. Educação e complexidade: os sete saberes e
outros ensaios. São Paulo: Cortez: 2007.
Elaine de Azevedo
Shay peled
Resumo
Elaine de Azevedo
Shay peled
Abstract
Elaine de Azevedo
Shay peled
Resumen
Gastromídia
Os programas culinários na TV tornam-se cada vez mais atra-
entes. Talvez devido ao gradual afastamento do meio rural
Notas
Referências
Elaine de Azevedo
elainepeled@gmail.com
É Professora Adjunta no Depto de Ciências Sociais do Centro de Ciên-
cias Humanas e Naturais da Universidade Federal do Espírito Santo
(UFES). Coordena o Grupo de Pesquisa CNPq/UFES: Diálogos entre
Sociologia e Arte/ DISSOA.
Shay Peled
shay@ufes.br
É Graduanda em Cinema e Audiovisual no Depto de Comunicação
Social do Centro de Artes da Universidade Federal do Espírito Santo
(UFES). Integra o Grupo de Pesquisa CNPq/UFES: Diálogos entre
Sociologia e Arte/ DISSOA.
Fabio Mourilhe
Resumo
Fabio Mourilhe
Abstract
Fabio Mourilhe
Resumen
Introdução
Os estudos realizados anteriormente sobre o trabalho de
Henfil têm o mérito de serem bem fundados e minuciosos,
mostrando aspectos que se relacionam a sua vida pessoal e a
realidade sociopolítica de sua época. Esta pesquisa não des-
considera essas questões, principalmente o conteúdo político,
porém, aqui trazemos o foco para os problemas derivados da
seca representados em Zeferino.
Neste seu trabalho, o humor de Henfil parte de uma não
conformação com uma realidade sofrida e insuportável da
seca e da fome no Nordeste e da crítica à grande imprensa e ao
governo com seu “milagre brasileiro” na década de 1970.
Antes, contudo, apresentaremos uma contextualização
do local onde passam a narrativa e as imagens das tiras de Ze-
ferino, senão corre-se o risco de generalizar a ideia de Nordes-
te sofrido como única visão possível para a região. A caricatu-
ra de Henfil foca justamente no aspecto carente desta região.
Tenta denunciar o problema com os recursos humorísticos e
caricaturais do exagero sempre carregados de ambiguidade.
Serão utilizados aqui os termos característicos do trabalho
de Henfil, de forma a deixar clara sua postura. Não acredito
que estes cartuns e sua linguagem sejam capazes de denegrir
a imagem do Nordeste. Trata-se de uma representação neces-
sária para compreender o tema e os personagens envolvidos.
É comum, principalmente no Sudeste do país, conceber o
Nordeste como o local onde só existe seca, morte, atraso, fome,
dentre outros aspectos que ressaltam a condição desumana
de sobrevivência. Apesar disso, se utilizarmos a imagem cria-
da por Euclides da Cunha, que parece inspirar Henfil, temos a
condição desumana do sertanejo e ao mesmo tempo uma força
Zeferino
As tiras de Zeferino trazem Zeferino, Graúna e o Bode Francis-
co Orelana, personagens de Henfil que sentem os contrastes
do Brasil da década de 1970. Apesar de viverem no Nordeste,
suas aventuras tangem os problemas socioeconômicos de todo
o Brasil. O convívio dos três personagens é apontado como
aquele onde é possível “apesar das diferenças de raça e cor...”
(HENFIL, 1980a, p. 48). Aponta o valor da relação entre eles,
colocando que “só a cooperação constrói um mundo justo e
equânime” (HENFIL, 1980a, p. 48).
Henfil (apud SEIXAS, 1996, p. 73) apresenta Zeferino con-
textualizado na caatinga: “No alto da caatinga, légua e meia
A presença da Sudene
Na caatinga, não temos grandes aberturas de jogos ou olim-
píadas, mas a “Abertura-oficial-da-temporada-da-seca”, com
um banquete servido pela Sudene, onde Graúna toma um
porre de água (HENFIL, 1977c, p. 30-31). Porém, Bode Orela-
na mostra o posicionamento da Sudene, que tenta maquiar a
dura realidade com o discurso: “não há seca... o que há é ca-
rência de chuvas!” (HENFIL, 1977c, p. 32), posição que é corro-
borada nas tiras subsequentes com o aval do fiscal da Sudene.
Quando o poço seca, a solução apontada por Zeferino é pedir à
Sudene um caminhão-pipa para a caatinga, mas ele descobre
que isto não seria possível, pois a Sudene ainda não decretou
a seca. Além disso, ainda teriam de esperar pelo percurso bu-
rocrático: esperar sair o decreto e sua publicação 10 dias mais
tarde no Diário Oficial (HENFIL, 1977c, p. 34-35). Ao “co-
mer” a “legislação sobre a seca”, Bode Orelana descobre que
é necessário antes de tudo “tirar a certidão de seca, deve-se
fazer requerimento em seis vias”, e levar na seção de protocolo
(HENFIL, 1977c, p. 36). Depois de ir e vir várias vezes, Zeferino
é informado também da necessidade de “tirar certidão nega-
tiva de chuva”, o que o leva à atitude extrema de querer cortar
os pulsos (HENFIL, 1977c, p. 38). Eles conseguem a certidão,
mas acham que provavelmente será indeferida. Para tal, será
enviado à caatinga um fiscal de chuva. “A certidão será dada
se ele não encontrar uma gota d’água nos exercícios de 1948 a
1976” (HENFIL, 1977c, p. 40). Com a chegada do fiscal (HEN-
FIL, 1977c, p.41), Bode Orelana aconselha que não se produza
mais qualquer umidade, seja através de suor, choro ou saliva,
para não prejudicar a obtenção da “certidão negativa de chu-
va”. A figura improvável do fiscal – como quem quer garantir
a todo custo que a ajuda da Sudene não seja necessária – traja
galochas, capa e guarda-chuva, e aconselha aos personagens
que se vistam da mesma forma para não ficarem gripados
descalços na “enxurrada” (!). A “última chuva de 1936” para o
O problema da vida
No número 12 de Fradim, o foco dos quadrinhos de Zeferino
é a mortalidade infantil. Quando Graúna fica grávida, temos
a crítica à falta de médicos, farmácias e hospitais na caatinga,
responsabilidades da Sudene (HENFIL, 1976d, p. 21-22). Para
o ato de correr para uma farmácia inexistente, Bode Orelana
levanta uma comparação com o fundo 157 (HENFIL, 1976d,
p. 22), vigente entre 1967 e 1983, que permitia que os contri-
buintes adquirissem cotas de fundos administrados por ins-
tituições financeiras, porém só para aqueles que contribuem
com imposto de renda, ou seja, não incluía a população ex-
tremamente pobre da caatinga. No Fradim #13 (HENFIL,
1976e, p. 26), o problema da saúde continua a ser enfatizado
quando Graúna nota que, quando ela nasceu, “na caatinga,
não se tinha notícia de que existia vacina pra sarampo”, mas
tinha melhorado, pois, mesmo não tendo chegado vacina, já
se sabia de sua existência. No número 7 de Fradim (HENFIL,
1976a, p. 25), por ocasião do racionamento de gasolina no sul-
-maravilha, temos a proposta de “um racionamento pioneira:
vida máxima de cinco anos na caatinga!”
A crítica ao controle de natalidade aparece de forma incisi-
va no número 30 do Fradim (HENFIL, 1980b). Na página 21, é
incluída uma representante do Bem-Estar Familiar no BRASIL
(BEMFAM)8, que dissemina sua campanha de controle da na-
talidade com o slogan: “Este é um controle de natalidade que
vai pra frente... uôu! uôu! uôu!” (HENFIL, 1980b, p. 27). Bode
Orelana reconhece a visitante, pois por onde eles passam “não
nasce nem grama”. O interesse da agente é só “ajudar a plane-
jar os filhos”. Graúna acha que a ajuda seria ótima, em um pla-
nejamento de “creche, escola, merenda, livros, bibliotecas...”
(p. 27). A agente retruca dizendo que o auxílio seria realizado
As “belezas” da caatinga
Ao perceber as “belezas” da caatinga, realidade sofrida e seca,
Graúna deseja que seu filho nasça míope. E para suportar as
altas temperaturas, Zeferino ingere bebidas alcoólicas eventu-
almente acompanhado por Graúna – quando esta não apanha
dele bêbado. Neste estado embriagado, toda a realidade pode
se tornar muito mais bela (HENFIL, 1976a, p. 35).
Neste número, as variações cômicas continuam a ser dis-
postas em torno do sol e seus efeitos na caatinga, incluindo o
momento em que Graúna pega fogo (HENFIL, 1976a, p. 36).
Considera-se, assim, o sol como o “tipo do negócio burro”
(pelo menos em termos de caatinga). Graúna ainda assume
a necessidade de “fazer um movimento para conseguir a re-
tirada do sol da caatinga” (HENFIL, 1976a, p. 38), de forma
semelhante ao que ocorreu quando “os vietcongues [...] con-
seguiram a retirada americana do Vietnã” (HENFIL, 1976a, p.
38). Mas Bode Orelana informa “que o culpado pela seca na
Resistência ao latifúndio
Um posicionamento de combate na tira também está presente
quando é tratada a questão do latifúndio9, a partir da página
43 do Fradim #15 (HENFIL, 1976g), como o “Lati”, que aparen-
temente matou o Bode Orelana. Como ocorreu na caatinga
nas últimas décadas, trata-se de uma expansão das fronteiras
agrícolas que não veio acompanhada de uma democratização
da propriedade. Muitas vezes envolveu a expulsão com violên-
cia de pequenos proprietários ou sua absorção nos latifúndios.
Bode Orelana se queixa: “Lati vem aí de novo pra nos expulsar
da caatinga com uma metralha!” (HENFIL, 1976g, p. 44). Graú-
na reclama com o Lati, questionando sua covardia, atacando-os
“na tocaia” para expulsá-los da caatinga, onde não tem água,
“o sol queima as pestanas da gente” e “de verdura só tem cac-
tos” (HENFIL, 1976g, p. 45-46). Lati responde com uma bala ou
com o cano da espingarda (HENFIL, 1976g, p. 45-46). Zeferino
decide construir uma cidadela para resistir ao Lati. No núme-
ro seguinte de Fradim (#16) (HENFIL, 1977a, p. 25), Lati prega
uma misteriosa placa que tem seu conteúdo revelado: “Proibida
entrada de estranhos”. Bode Orelana considera a atitude positi-
va, pois auxiliaria a proteger a caatinga “destes depredadores da
fauna e da flora” (HENFIL, 1977a, p. 25), porém Zeferino adverte
que os estranhos indicados na placa são eles mesmos.
Pires (2012) mostra a necessidade de contextualizar este
conflito armado representado em Zeferino junto a todo o pro-
cesso que se deu nas guerras campesinas e na repressão à refor-
ma agrária que acompanhou o golpe de 64. As lutas campesi-
nas anteriores a 64 envolviam o homem comum do campo, mas
também tinham apoio do governo e das lideranças sindicais. “O
golpe de 1964 representou, entre outras coisas, a tentativa de
frear a discussão e a movimentação democrática que tais movi-
mentos suscitaram, com a desmobilização e repressão destes”
(PIRES, 2012, p. 259). A resistência dos trabalhadores rurais
contou com o apoio da Confederação Nacional dos Trabalha-
dores na Agricultura (CONTAG) e da Igreja Católica, auxílios
decisivos para que o movimento não acabasse. Basearam-se no
Estatuto da Terra e no Estatuto do Trabalhador Rural para exigir
os seus direitos. O movimento de resistência ganhou força a
partir de 1968, “quando um grupo de oposição assumiu a dire-
Associações livres
Além da especificidade das representações veiculadas nas ti-
ras, em outros momentos Henfil realiza diversas associações
livres que garantem uma potência para o trabalho. Entre Viet-
nã e caatinga, mostra através de Bode Orelana a caatinga como
um resultado funesto. “Graúna de Deus! Comi um livro que
dizia terem os americanos bombardeado o Vietnã com tantas
bombas desfolhantes que aquilo virou um deserto” (HENFIL,
1980a, p. 52). Graúna responde: “escuta, Francisco Orelana, a
caatinga já entrou em guerra com os americanos” (HENFIL,
1980a, p. 52). Em entrevista veiculada no Fradim #21, Henfil
mostra que os personagens não têm realmente noção de tem-
po e espaço. Em outro exemplo, eles comemoram São João no
dia de Natal. Esta, segundo Henfil (1977b, p. 31-32), seria “a
realidade na caatinga, os caras lá não sabem em que dia estão”.
Deslocamentos dos fatos também são utilizados no tra-
tamento dos problemas do país, que nas tiras de Zeferino ga-
nham uma especificidade e são adaptados à realidade ali vigen-
te. Aqui, como vimos, mesmo o movimento das rachaduras do
chão serve de ritmo para a música. No Fradim #9, aspectos da
economia brasileira são encaixados na realidade sertaneja. A
necessidade de distribuição da renda bruta nacional e o slogan
Conclusão
Devem-se conhecer e estudar os problemas locais do Nordes-
te seco e do sertão para que seja possível tentar descobrir solu-
ções para a realidade social ali vigente. Os recursos destinados
a sanar essas dificuldades devem ser utilizados em socorro dos
mais necessitados.
O humor de Henfil serve para apontar os problemas ali
vigentes e direcionar essa percepção para uma atitude crítica.
Não apresenta exatamente uma solução, mas uma exacerbação
do problema para que ele possa ser utilizado fora do contexto
em metáforas e através de um humor que emerge com a criação
de caricaturas da realidade, tornando-a menos insuportável.
Sob este viés, a variedade física e ecológica do Nordeste
seco é reduzida nas tiras de Zeferino a cactos e cadáveres de
cabeças de gado. Apesar de o Nordeste ser mais do que isso,
esta é uma boa representação para salientar o problema da
seca, como se essas fossem as únicas “espécies” capazes de se
“adaptar” ao calor.
A figura constante de um grande sol nas tiras marca a pre-
sença não só do calor e da seca, mas do poder de destruição
secular que através das queimadas e corte indiscriminado das
florestas transformou certas áreas em um estado desértico
quase irreversível; e de um poder de dominação que persiste
com o latifúndio.
Com estes efeitos de poder, temos também tradicional-
mente na região revoltas populares agravadas pela falta de
moradia e pela falta de emprego. Inconformado com tais si-
tuações e com outros problemas específicos de seu tempo,
Henfil, através das tiras de Zeferino, deixa claro seu posicio-
namento anticapitalista, de resistência sertaneja contra os la-
tifundiários e de luta contra o governo militar.
Notas
1. Órgão instituído a partir de 1959, dirigido por Celso Furtado, cujo objetivo
era diminuir a desigualdade da região com projetos de irrigação e cultivo de
plantas resistentes à seca.
3. Monte Santo, segundo Toledo (2002, p. 107), evoca a religião - por ter sido
cidade santuário - e a Guerra de Canudos, narrada por Euclides da Cunha em
Os Sertões. Canudos, também considerada cidadela santuário, foi defendida
por uma coligação de jagunços e beatos liderados por Antônio Conselheiro em
forte resistência contra quatro expedições militares (TOLEDO, 2002, p. 94).
Monte Santo - fundada 100 anos antes de Canudos no século XVIII pelo frei
Apolônio de Todi -, localizada a 100 quilômetros ao sul de Canudos, foi uti-
lizada pelos militares como base de apoio. A guerra ocorreu por causa de um
boato, de que, com o atraso da entrega de madeira para construção de uma
igreja, os conselheiristas preparariam uma invasão da cidade (TOLEDO, 2002,
p. 106). “Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a História, resistiu
até o esgotamento completo” (CUNHA, 2010, p. 507).
6. Tipo de malária.
Referências
ALBUQUERQUE JUNIOR, Durval Muniz. O engenho anti-
-moderno: A invenção do Nordeste e outras artes. Tese de
doutorado em história. Instituto de Filosofia e ciências hu-
manas da Universidade Estadual de Campinas, 1994.
Fabio Mourilhe
funkstroke@yahoo.com
Fabio Mourilhe é doutor em Filosofia pela Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ) com doutorado-sanduíche na Florida Atlantic
University (FAU) (EUA), Mestre em Design pela Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e Bacharel em Filosofia pela Uni-
versidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Foi professor temporário
no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS-UFRJ) e no Colégio e
Faculdade Silva e Souza. Realizou pós-doutorado em Filosofia na UERJ.
É autor de diversos livros, dentre eles “O quadro nos quadrinhos” e
“Cuidado de si e aufklarung: caminhos para a vida como obra de arte”.
Organiza o evento anual Colóquio Filosofia e Quadrinhos.
Carina Sehn
Paola Zordan
Resumo
Carina Sehn
Paola Zordan
Abstract
Carina Sehn
Paola Zordan
Resumen
Corpos em mostra
Terra Comunal – Marina Abramovic + MAI1 (2015) realizada de
março a maio no Sesc Pompéia em São Paulo foi o mais im-
portante evento de performance já realizado até agora no Bra-
sil. Uma mega exposição que contou com trabalhos de quatro
décadas de carreira da aclamada artista sérvia e que abordava
três pontos focais: o Corpo Artista, que referia-se à presença
de seu próprio corpo em suas performances; o Corpo Públi-
co, que se percebe na superação dos limites entre performer e
Carina Sehn e Paola Zordan . Algumas demonstrações para introduzir a arte da performance 71
público mesmo; por último, o Corpo Estudante, que propicia
espaços de colaboração para artistas, pesquisadores e público,
nesta exposição chamada Espaço Entre.
Além das obras de Abramovic, em Terra Comunal havia,
ainda, oito obras performáticas de artistas brasileiros, sele-
cionadas por Linsey Peisinger, assistente de Abramovic, por
Paula Garcia, artista brasileira, e pela própria Abramovic. São
elas: Transmutações da Carne, de Ayrson Heráclito2; DNA de
DAN, de Maikon K3; Preenchendo o Espaço, de Marco Paulo
Rolla4; apresentadas em dias e horários específicos e, outras
cinco obras de longa duração, realizadas diariamente no Sesc
Pompéia durante todos os dias da exposição: Corpo Ruindo, de
Paula Garcia5; O Datilógrafo, de Fernando Ribeiro6; O Jardim,
de Rubiane Maia7; O Vínculo, de Maurício Ianês8; e Vesúvio, do
Grupo Empreza9. Durante dois meses estes artistas performa-
ram diariamente e o público podia tê-los ali ao vivo todos os
dias, durante seis horas por dia.
Performar: um infinitivo, verbo que não consegue conter
os múltiplos sentidos implicados na ação. Uma performance
não se fecha na palavra ou título que a define. Não há um con-
ceito fechado, seja numa performance, seja no que se enten-
da por performance. Pode ser intervenção, exercícios entre o
corpo performático e outros corpos, manifestação, testagem
de limites, exploração de espaços, interação e relações diver-
sas entre pessoas, objetos, tempo e lugar. O(s) performer(s)
é/são o(s) corpo(s) que está(ão) exposto(s). Quem performa
se permite experimentar. Nem toda experiência é uma perfor-
mance, mas toda performance configura experiências. Expe-
rimentar: pressuposto infinito da performance.
Uma experiência única foi proposta a estes artistas, que
para se prepararem para o acontecimento inédito na vida de
todos ali, passaram cinco dias em companhia de Abramovic e
Linsey em um workshop chamado Cleaning The House, reali-
zado em um sítio no interior de São Paulo, em meio à natu-
reza. Ali, eles foram convidados a permaneceram em silêncio,
jejuarem (alimentando-se com 21 amêndoas no terceiro e no
quarto dias), e relacionarem-se, sem ressalvas, com a nature-
za. Maurício Ianês, um dos artistas convidados, em entrevista a
revista Trip10 abriu o seu diário e contou alguns detalhes sobre
este tempo proposto por Abramovic. Ao longo do artigo volta-
remos a falar deste workshop que a artista já havia realizado em
Nova York com os artistas que iriam reperformar as suas obras
na exposição The Artist is Present11 (2010).
Carina Sehn e Paola Zordan . Algumas demonstrações para introduzir a arte da performance 73
Fronteiras imprecisas
A performance, por não ter fronteiras precisas, se afirma como
uma arte da presença que imiscui artes cênicas, artes visuais
e outras artes possíveis. Ela está ligada ao termo live art: arte
viva. Este termo visa dessacralizar a arte, tirá-la do lugar me-
ramente estético, ilusionista, artificial dos quadros, espetá-
culos, esculturas e outros objetos comumente considerados
“arte”. Trata-se de uma arte ligada ao corpo, à presença do ar-
tista e de acontecimentos que procuram colocar a arte mais
perto “da vida como ela é”; executando-a a partir dos rituais
cotidianos do homem e seu modo de existir.
Carlson (2010, p. 12), baseado no contexto norte-ameri-
cano, embora observe a popularidade do termo, não consi-
dera que, mesmo tendo se passado mais de cem anos desde
que o lugar sacralizado das “grandes obras” de arte tenha sido
amplamente discutido e seus aspectos sociais pesquisados,
propostas performáticas ainda são extravagantes e polêmicas
entre o público. As primeiras problematizações em torno dos
conceitos de arte e do que pode vir a ser a linguagem dentro
das artes se situam com Marcel Duchamp. Objetos prosaicos,
como um secador de copos, um ancinho, um urinol, expostos
de modo a serem vistos como esculturas, chamados readyma-
des, provocaram uma decisiva ruptura com a tradição e for-
çaram uma reavaliação do que podia e devia ser considerado
arte. A alegação de Duchamp, leitor de Nietzsche, pensador
que concebe a vida como obra de arte, era que os artistas não
deveriam ser limitados a um âmbito tão rígido de represen-
tação. Antes da intervenção provocativa de Duchamp, arte
era algo feito pelo homem, tipicamente de mérito estético,
técnico e intelectual, meios através dos quais expressar suas
ideias e emoções (GOMPERTZ, 2013, p. 330-31). Renato Cohen
(2002) no seu livro Performance como Linguagem pergunta-
-se: “Qual o desígnio da arte: representar o real? Recriar o
real? Ou, criar outras realidades? À medida que se quebra com
a representação a performance abre espaço para o imprevisto,
e portanto, para o vivo, pois a vida é sinônimo de imprevisto,
de risco” (COHEN, 2002, p. 97).
Algumas pistas para o aparecimento de tais questões são
encontradas ao longo da história da arte contemporânea já
nos anos 50, tendo seu auge entre os anos 60 e 70. Em 1933 a
escola de artes Black Mountain College recebeu 22 estudantes
e nove professores da antiga Bauhaus, após o fechamento da
mesma pela censura prussiana em 1932. Entre os anos de 1919
Carina Sehn e Paola Zordan . Algumas demonstrações para introduzir a arte da performance 75
movimento pôde ouvir o barulho do vento que soprava lá fora,
seguido do tamborilar de gotas de chuva no telhado. A obra,
disse, não era sobre silêncio e sim sobre audição.
Allan Kaprow, pintor e intelectual americano que havia
sido aluno de composição de Cage na New School for Social Re-
search em Nova York, “trouxe os happenings para o público em
geral ver” (GOLDBERG, 2006, p. 118). Em 1959, dentro da gale-
ria Reuben em Nova York, Kaprow realizou a sua obra 18 happe-
nings em 6 partes15, onde o público, que ele mesmo havia con-
vidado através de cartas enviadas pelo correio, chegava à galeria
e podia ver o seu nome constando no programa como parte do
elenco. Então cada um tomava seu lugar e iniciavam-se uma
série de ações comuns como subir em uma escada, sentar-se
em uma cadeira ou espremer uma laranja. Estas ações levavam
o público a se deslocar por três diferentes espaços separados por
painéis semitransparentes e montados dentro da galeria. Tudo
acontecia de forma sequencial e os performers haviam passado
por duas semanas de ensaios para que tudo acontecesse den-
tro de um rigoroso controle. Para Kaprow, que também havia
sido “aluno e pesquisado a obra de Jackson Pollock” e sua ac-
tion painting, era preciso remover a tela por completo e, em vez
disso, “tornar-se preocupado e até deslumbrado com o espaço
e os objetos da nossa vida cotidiana, quer sejam os nossos cor-
pos, roupas ou quartos...” (GOMPERTZ, 2013, p. 337). Kaprow
em seus trabalhos utilizava materiais como lâmpadas, neóns,
meias velhas, um cachorro, filmes, cadeiras, comida, água etc.
Ele dizia que no futuro não mais se diria “sou um pintor”, “sou
um poeta” ou um “dançarino” e sim, simplesmente, “sou um
artista” (GOMPERTZ, 2013, p. 337). Ressaltamos que em um
happenig as imagens relacionam-se com outras imagens e
umas influenciam as outras, com nos diz Bergson em Matéria
e Memória ao falar sobre o universo onde “tudo o que existe são
imagens relacionando-se entre si infinitamente” (BERGSON,
1990, p. 9). No happening tudo é acontecimento, os performers,
a ação dos performers, o lugar/espaço onde acontece a ação e
o tempo que cada uma delas leva para se efetivar no corpo e na
visualidade, na latitude e na longitude.
Em City Scale16, de Ken Dewey, o público se reunia numa
das extremidades da cidade ao anoitecer e preenchia uma sé-
rie de formulários do governo. Logo após era levado a circular
pela cidade e presenciar uma série de happenings/ações per-
formáticas em diferentes lugares: uma mulher que despia-se
na janela de um apartamento, um balé de carros num esta-
Carina Sehn e Paola Zordan . Algumas demonstrações para introduzir a arte da performance 77
honra ao comum. “Honrar o comum é notar como se parece
com um ritual à vida cotidiana, o quanto consiste-se em repe-
tições” (SCHECHNER, 2006, s/p). Podemos pensar a perfor-
mance como ritual?
O artista alemão Joseph Beuys acreditava que a arte deve-
ria transformar concretamente a vida das pessoas: “Precisa-
mos revolucionar o pensamento humano. Antes de mais nada,
toda a revolução ocorre no interior do ser humano. Quando o
homem é realmente criativo, capaz de produzir algo novo e
original, ele pode revolucionar o tempo” (BEUYS apud GOL-
DBERG, 2006, p. 139). Foi exatamente o que ele tentou com
suas ações. Em Como explicar pinturas a uma lebre morta18
(1965), Beuys, com mel e folhas secas no rosto, sentou em um
canto da galeria segurando em seus braços uma lebre morta,
depois de um tempo passeou com ela por toda a galeria, suas
patas encostavam nos quadros expostos. Às vezes parava em
frente a uma das pinturas, mostrava-a ao animal e sussurrava
ao seu ouvido algo sobre o sentido da obra. “Mesmo morta,
uma lebre tem mais sensibilidade e compreensão instintiva
do que alguns homens, com sua obstinada racionalidade”
(BEUYS apud GOLDBERG, 2006, p. 140). A performance du-
rou três horas e em nenhum momento Beuys se dirigia à pla-
teia ou reconhecia a sua presença, o que deixava mais claro
ainda a crítica que fazia o artista. “A performance, como um
código secreto, contem rituais invisíveis atrás de rituais visí-
veis” (GLUSBERG, 2011, p. 118).
O que não se pode identificar assombra, apavora e para
isto imediatamente se procura dar nome, a fim de que o ino-
minável da experiência possa ser classificado e enquadrado
na linguagem. A linguagem insere a vida na normalidade
dominante das imagens já conhecidas. Saber ser um ser di-
ferente em si mesmo, único, constituído de caos e diferença,
está além das possibilidades do homem que tem vontade de
verdade, como diz Nietzsche (2009). O homem é moralizado
desde que nasce, pois já nasce sob uma luz branca – a luz da
transcendência, do que é superior –, a linguagem que tudo
organiza e mantém funcionando a vida conforme as leis da
ciência. O homem que necessita de uma verdade cria para si
as mais variadas referências visuais, os mais variados ideais.
Ele encontra-se longe da terra, num lugar rarefeito, quase sus-
penso por uma corda, sufocado e regulado. Toda a liberdade
cultivada desde os saraus do Black Mountain College, culmi-
na então com uma arte que é uma arma de guerrilha peran-
te a obsolescência das Belas Artes, uma “máquina de guerra”,
Carina Sehn e Paola Zordan . Algumas demonstrações para introduzir a arte da performance 79
Arte presente
A arte da performance ganha status no mercado da arte con-
temporânea. No entanto, não deixa de ser política, provocante
e polêmica, pois como é que se compra uma das obras presen-
ciais de Abramovic, as quais abrem mão de quaisquer objetos,
mas não do próprio corpo e presença da artista? O que se pode
comprar na sua última obra The artist is presente? O que se leva
dali senão o que se viveu, experimentou estando ali em frente
à artista, na sua presença, olhando-a no olho? A performan-
ce dentro de um museu de arte, com todo o glamour, status e
críticas que este acontecimento contém, mas ao mesmo tem-
po ela manteve a força, a imponência, a provocação plena de
músculos e sangue do corpo da artista. Contendo sim um es-
tranhamento para quem a experienciava (basta ver as fotos das
expressões dos visitantes e o noticiário da televisão americana
durante a exposição). Serve, definitivamente, de uma abertura
para um novo lugar para o pensamento, para a emoção dentro
da arte. Abramovic pode sim ter cedido às exigências do merca-
do, mas não deixa de fazer o que se propõe desde o início da sua
trajetória: estar viva perante os olhos de quem a vê.
Richard Schechner (2006), em seu artigo O que é perfor-
mance?, disserta sobre as variadas possibilidades que temos
de nos relacionarmos com a performance. Segundo o profes-
sor da Tisch, um artista pode viver “sendo” a sua performan-
ce, pode estar “fazendo” a sua performance, pode “mostrar
fazendo” e “pode explicar mostrar fazendo”. “Sendo” a sua
performance a existência por ela mesma, quando um artista
já não separa mais a sua arte da sua vida, como diz Allan Ka-
prow, “arte como a vida”. Tehching Hsieh20 é um exemplo des-
te modo de fazer performance. Ao longo da sua vida realizou
performances longas que duravam um ano cada uma delas.
Se chamavam One Year Performance e consistiam sempre de
um statement que continha todas as “regras” da performance
assinada por ele. Hiseh vivia a sua proposição durante todos
os 365 dias do ano, ininterruptamente “in action”. Na One
Year Performance 1980-198121, iniciada em 11 de abril de 1980 e
concluída em 11 de abril de 1981, o artista raspou o seu cabelo
e instalou uma máquina de ‘cartão ponto’ em seu atelier e
de uma em uma hora filmava-se ao lado da máquina. Depois
mandou revelar frame a frame as imagens e preencheu muitas
paredes de galeria com seus autorretratos. O resultado é um
filme que mostra a passagem do tempo no relógio e na apa-
Carina Sehn e Paola Zordan . Algumas demonstrações para introduzir a arte da performance 81
Na performance há uma acentuação muito maior do instan-
te presente, do momento da ação (o que acontece no tempo
“real”), isso cria a característica de rito com o público, não
sendo só espectador, e sim, estando numa espécie de comu-
nhão (COHEN, 2002, p. 97).
Sentidos caósmicos
Se pensarmos o conceito de sentido aqui, nos é possível deixar
claro que o sentido para a performance nada tem a ver com
uma significação, com um significado, com uma essência,
mas sim com um efeito, “um efeito produzido, cujas leis de
produção devem ser descobertas” (DELEUZE, 2006, p. 177).
Este sentido é produzido por certa maquinaria, com efeito fí-
sico, assignificante; por “todas as espécies de máquinas que
estão entre a complexidade e o caos” (GUATTARI, 2012, p.
127), que buscam reconciliar o caos com a vida no corpo, com
o acontecimento. A noção de sentido aqui é uma “contestação
absoluta, uma crítica absoluta, e também de uma determina-
da criação” (DELEUZE, 2006, p. 177), que o quer não como
predicado, como propriedade, mas como acontecimento,
como uma nova realidade, como uma sutileza que ora está no
corpo, ora na natureza, na Terra, no grito, nas nuvens, aqui
bem dentro do estômago, dobrando-se, efetuando-se diferen-
te e provido de uma estrutura problemática sempre aberta ao
virtual – o qual não tem compromisso com a realidade, mas
sim com a experimentação de si e da sua existência, com o seu
processo de engendrar-se sempre novo, integrado e cósmico.
Numa perspectiva esquizoanalítica, é possível pensar a
ação performática como ocupação de território, a expandir-se
como grama, rizoma, sempre valendo-se do corpo e de suas
Carina Sehn e Paola Zordan . Algumas demonstrações para introduzir a arte da performance 83
variações contínuas. Ela acontece no espaço, metamorfosean-
do corpos e entorno a partir das afecções que lhe acontecem,
aberta para o que a transborda. Efêmera, revolucionária, ex-
perimentadora, a performance sempre opera uma micropolí-
tica. Como os nômades, perambula, se reveza em si mesma,
equilibra suas forças e dissipa a sua energia condensada em
imagens-processo que avançam progressivamente sobre quem
vê, velozes e não pesadas. A performance aproxima o corpo da
vida, da singularidade da vida. Ela põe em contato com o que
se desconhece, com o que não está dado. Na performance, não
há sujeito, este fica borrado porque está imerso na vida, em um
processo de subjetivação ético-estético que se distingue de toda
a moral, de todos os códigos da moral, pois cria outros estilos
de vida. A performance oferece um corte mais profundo da re-
alidade (DELEUZE, 1990, p. 62). O performer subjetiva-se ao
realizar a performance, dobra-se sobre si mesmo, sobre a sua
singularidade-acontecimento – sem sujeito – “um vento, uma
atmosfera, uma hora do dia, uma batalha” (DELEUZE, 1992, p.
143), algo que viu na rua, a morte de um amigo, uma nova medi-
da econômica, etc... O performer se volta para as intensidades,
para as virtualidades e deixa de lado todas as formas da identi-
dade, produz multiplicidades, que não dizem mais respeito a
um único e sedentário sujeito, a um número.
Irrepetível
Ao longo da história da performance, muitas obras e artistas
somente nos deixaram com as imagens das suas ações, por
estas nunca mais serem reapresentadas, como por exemplo
o brasileiro capixaba Marcus Vinícius na performance O im-
previsível, o acaso e o que não se sabe24 (2011); a cubana Ana
Mendieta em Sin titulo (señales de sangre)25 (1974); o ameri-
cano Chris Burden em Shoot26 (1971); o alemão Bas Van Ader
em Fall 1 & 227(1970); Berna Reale em Palomo28 (2013), a ma-
ranhense radicada em São Paulo; Elen Gruber em O peso (da
série os 12 trabalhos)29, entre outros. O que o público em geral
aprecia das performances são as suas imagens, seus registros
visuais e audiovisuais, o que quer dizer que a imagem assu-
me aqui um papel fundamental à performance. Apesar de
imensurável e extemporânea, enquanto acontecimento que
começa sempre na nossa pele e músculos, o que resta de uma
performance é a imagem que a registrou. A imagem afirma o
Carina Sehn e Paola Zordan . Algumas demonstrações para introduzir a arte da performance 85
e em seguida exige do pensamento de quem a vê. Faz brotar
em nós o milésimo diferencial, a diferença intensiva. Porque
quando se performa, não mais se representa nada, não faz
sentido ser idêntico a nada, buscar um personagem, fazer
uma cena, uma imagem fora de si.
A ação performática pretende oferecer resistência a todo
o tipo de limite, de obstáculo à liberdade da criação. O per-
former não se fixa em nenhuma linguagem, pois a perfor-
mance não precisa se definir como uma linguagem, mas sim
como um espaço possível, um lugar para novas ideias, uma
experiência que transforme em primeiro lugar quem a re-
aliza e depois quem entra em contato com ela. Mesmo sob
rígido treinamento, movimentos involuntários respondem
aos acontecimentos que perpassam o corpo performático
preparado às mais duras resistências físicas e emocionais. Na
aclamada ação The Artist is Present, a reação de Marina Abra-
movich quando Ulay, seu companheiro de performances nos
anos 1970, senta à sua frente30, mostra que mesmo os prepa-
ros mais ascéticos não controlam certas emoções. Entre 736
horas e trinta minutos de performance há uma notável que-
bra de continuidade quando Marina é surpreendida por Ulay,
fato notório que inspirou a canção “Ulay Oh”, em vídeo que se
tornou viral na internet31. A experiência performática oferece
um novo entendimento para o próprio performer sobre o seu
corpo e sua realidade. Ela demonstra que a consciência não
está separada das suas mãos muito menos do seu pulmão, que
se expande e se recria. O corpo que pulsa e respira vive. Arte
e vida não se distinguem para o artista e o público entregue à
experiência provocada por uma performance.
Notas
12. Objetos Transitórios para Uso Humano – feitos de pedra, ervas, madeira
e espelhos, são objetos que propõem uma experiência ao público, quando
este se relaciona com os objetos. Este trabalho de Abramovic lembra muito o
trabalho de Lygia Clark e seus “objetos relacionais”.
19. O treino ou workshop que a artista chamou “Cleaning the house” consis-
tia em variadas proposições da artista, desde passar uma noite na floresta,
entrar nu no rio gelado, andar segurando um espelho de rosto na floresta,
etc. Pode-se conferir trechos e a própria artista explicando sobre o workshop.
Disponível em: <http://www.moma.org/interactives/exhibitions/2010/mari-
naabramovic/retreat_participants.html>. Acesso em: 02 set. 2015.
Carina Sehn e Paola Zordan . Algumas demonstrações para introduzir a arte da performance 87
27. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=8loz4lHZxwk>.
Acesso em: 07 set. 2015.
Referências
Carina Sehn
carinasehn@gmail.com
É mestra em Educação, Bacharela em Teatro e Especialista em
Saúde Mental Coletiva. Professora do Departamento de Dança da
Universidade de Caxias do Sul (UCS), pesquisa o corpo performáti-
co, a imagem e os processos vivos da natureza.
Paola Zordan
paola.zordan@gmail.com
É Doutora e Mestra em Educação, Bacharela em Desenho e Licen-
ciada em Educação Artística. Professora do Departamento de Artes
Visuais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS),
pesquisa epistemologia das artes e historiografia do corpo. Na
mesma instituição é professora do Programa de Pós-Graduação em
Educação (PPGEDU/UFRGS).
Carina Sehn e Paola Zordan . Algumas demonstrações para introduzir a arte da performance 89
Histórias em quadrinhos, filosofia
pop e filosofia política: a América da
Liberdade versus os Estados Unidos
da Verdade em “Uncle Sam”
Resumo
Abstract
Resumen
Introdução
No campo da crítica filosófica, durante quase três décadas a
leitura dos quadrinhos foi bastante tendenciosa e limitada em
termos teóricos, visto que, basicamente, as abordagens das
HQs eram feitas mediante os aportes teóricos do marxismo
(Marx, Escola de Frankfurt, Althusser), da semiótica (Peirce,
Eco) e da semiologia (Saussure, Barthes, Propp). Em grau me-
nor, também era possível encontrar artigos esparsos que dis-
corriam sobre quadrinhos a partir de outros aportes teóricos,
como a Psicanálise (Freud, Jung), a Fenomenologia (Husserl,
Merleau-Ponty), o Existencialismo (Sartre), além de estudos
baseados em autores isolados como: Nietzsche, Heidegger,
Bachelard e Deleuze (MARNY, 1970; NEOTTI, 1971; CAGNIN,
1975; MOYA, 1977; LUYTEN, 1985; ECO, 1993; CIRNE, 2000).
Durante as décadas de 70 e 80, até meados dos anos 90 do
século XX, esse foi o padrão das chamadas leituras críticas que,
invariavelmente, repetiam exaustivamente os mesmos temas
(ideologia, alienação, comunicação, forma, conteúdo, leitura
e letramento, estrutura, semântica, narrativa) e concorriam
entre si, alguns abertamente e outros sub-repticiamente, pela
posse da leitura correta e cabal das histórias em quadrinhos
(NEOTI, 1973; CIRNE, 1974; DORFMAN; JOFRÉ, 1978; DORF-
MAN; MATTELART, 1980; CALAZANS, 1997).
A partir dos anos 2000, uma iniciativa norte-americana e
europeia que visava a popularização da filosofia, vista até en-
tão como algo acadêmico e árido, buscou humanizar os grandes
vultos da história da filosofia e abordar temas atuais a partir da
perspectiva filosófica mediante elementos não filosóficos. Den-
tre tais elementos, se destacavam filmes, músicas, histórias em
quadrinhos, literatura, poemas, documentários, romances filo-
sóficos, seriados televisivos, desenhos animados, cafés filosófi-
Heraldo Aparecido Silva . Histórias em quadrinhos, filosofia pop e filosofia política (...) 93
cos e temas do cotidiano. Essa abordagem filosófica terapêuti-
ca e prática ficou conhecida como Filosofia Pop (MARINOFF,
2006; ROSS, 2006; BAGGINI, 2008; ROOS, 2008; CATHCART;
KLEIN, 2008; POWERS, 2012; COHEN, 2012).
Em virtude da delimitação temática, não trataremos aqui
das polêmicas em torno das distinções feitas a partir da noção
originária de pop filosofia de Deleuze (1998). Registramos, no
entanto, que a nomenclatura filosofia pop não é um ponto pa-
cífico na comunidade filosófica. Inclusive, há quem defenda a
necessidade de se estabelecer cisões entre tipos de filosofia pop,
em virtude das concepções subjacentes aos questionamentos,
abordagens e procedimentos defendidos por seus praticantes.
Também a respeito disso, é preciso notar que muitos intelectu-
ais ou expertises filosóficos que atuam junto ao grande público
(programas televisivos, colunas de jornal, revistas não acadê-
micas, sites e outras mídias) não consideram o seu trabalho
como uma expressão da filosofia pop (OLIVEIRA, 2015). Assim,
alguns estudiosos sustentam que é possível dividir esquema-
ticamente a filosofia pop em três variantes: a filosofia pop boa
(criativa); uma filosofia pop má (comercial); e uma filosofia pop
relutante (que não se reconhece como tal).
Então, em conformidade com os objetivos do presente ar-
tigo, suspenderemos a discussão acerca do estatuto da filosofia
pop para praticar a filosofia pop, pois no âmbito dessa proposta
é possível ampliar consideravelmente o escopo temático passí-
vel de articulação com o universo das histórias em quadrinhos
e abdicar da pretensão de elaborar qualquer leitura crítica que
se arrogue como completa e definitiva. Em linhas gerais, é nessa
perspectiva que transladamos do campo cinematográfico para
o campo das HQs o enfoque sugerido por Goodenough (2005),
cuja abordagem propõe que os filmes podem: ilustrar teorias
filosóficas; ser sobre filosofia; e ser filosofia.
Essa diretriz também coincide com a proposta de McLau-
ghlin (2005) sobre a abordagem dos quadrinhos como filoso-
fia. E também é nessa linha de estudos que apresentaremos
posteriormente a nossa interpretação acerca da obra quadri-
nizada U.S. Tio Sam, de Steve Darnal e Alex Ross.
Heraldo Aparecido Silva . Histórias em quadrinhos, filosofia pop e filosofia política (...) 95
Na Europa, existe uma terminologia diversificada e cam-
biante para designar as HQs que tematizam principalmente a
história, a política, o erotismo, a ficção e a fantasia; na Itália, são
conhecidos como fumetti; na França, são chamados de bandes
dessinéss; em Portugal, são tratados como histórias aos qua-
dradinhos; na Espanha, são cognominados de tebeos. Em quase
todos os países da América Latina os quadrinhos são chamados
de historietas e sua temática assemelha-se aos tópicos aborda-
dos nos tebeos espanhóis. Na Argentina, Chile, Cuba e México,
por exemplo, a ênfase reside nas questões políticas e nos qua-
drinhos de humor (LUYTEN, 1987; MOYA, 2003).
Já os quadrinhos originários do Japão, denominados de
mangás, são considerados bastante originais tanto na forma
quanto no conteúdo, pois os desenhos mais estilizados e a téc-
nica inovadora conferem maior dinamismo narrativo, cons-
tituindo uma evolução na linguagem imagética dos quadri-
nhos; com suas metáforas visuais, convenções iconográficas e
símbolos cinéticos (LUYTEN, 1991; MOYA, 2003).
Finalmente, no Brasil, os quadrinhos, gibis, ou simples-
mente HQs, são bastante conhecidos e apreciados. Todavia,
embora a avidez brasileira nos situe entre os três maiores pa-
íses consumidores de quadrinhos, a produção nacional ainda
é relativamente escassa e com pouca projeção internacional.
A razão disso não decorre em virtude da falta de talento, pois
muitos artistas trabalham ou produzem nos EUA e Europa,
mas em decorrência do fato da produção nacional ser bastan-
te dificultada.
Aqui ainda se publica poucos quadrinhos em comparação
ao material que é importado das grandes editoras mundiais
de quadrinhos. Ainda há falta de estrutura tanto na produção
quanto na distribuição para se competir com os quadrinhos
internacionais. Exceções são poucas, uma delas é Maurício de
Souza, que conquistou uma importante fatia do mercado edi-
torial brasileiro e, de modo similar ao império Disney, expan-
diu sua Turma da Mônica para diversos países como Argenti-
na, Alemanha, Bélgica, Canadá, Espanha, França, Holanda,
Inglaterra, Itália, Uruguai, dentre outros.
A partir de meados dos anos 90, este cenário começa a
mudar devido, principalmente, a revolução tecnológica pro-
tagonizada pelo advento da internet (CALAZANS, 1996).
Muitos talentos que em outros tempos somente lograriam um
tímido êxito após árdua luta mediante o abnegado trabalho
artesanal de fanzines, agora conseguem ganhar visibilidade
em sites próprios para divulgação de seus trabalhos (MAGA-
Heraldo Aparecido Silva . Histórias em quadrinhos, filosofia pop e filosofia política (...) 97
outros países, no qual aparecia um homem branco, grisalho e
de olhar severo, trajando terno e cartola nas cores vermelho,
azul e branco, com o dedo indicador em riste conclamando: “I
want you for U.S. Army!”. Essa famigerada figura foi criada por
James Montgomery Flagg.
Já em relação ao desenho da personagem, grosso modo, o
que ocorreu foi uma “sofisticação” na sua imagem original, de
1838 (que antes era caricatural, visto que sua área de atuação
primeva era a dos cartoons políticos de Thomas Nast), e uma
alteração em suas funções, pois, se antes ocupava uma posição
de crítica e de destaque em relação aos problemas estritos de
seu país, satirizando-os; a partir dos resultados da Primeira
Grande Guerra e da reconfiguração da ordem mundial, quan-
do os EUA emergem como potência econômica e política, a
figura passa a simbolizar para o resto do mundo, primeiro, os
ideais e a força deste país e, depois, o imperialismo.
A respeito disso, podemos destacar, por exemplo, que em
1877, charges do Tio Sam foram publicadas em Nova Iorque
no semanário humorístico Puck. Nesta ocasião, o referido
personagem foi apresentado como uma espécie de defensor
de Cuba contra os guerrilheiros da época, além de ser mostra-
do de modo simpático em relação aos patriotas cubanos que
estavam em guerra pela libertação contra a Espanha, que era a
sua colonizadora na época (FERNANDES, 1977).
Há também um Tio Sam criado por Will Eisner e Lou
Fine. Trata-se de um super-herói que “militou” do início da
década de 1940 até o final de 1944, sob o selo da antiga editora
Quality Comics. Esta versão do Tio Sam incorporava o espírito
da nação americana, possuía super força, um relativo grau de
invulnerabilidade e era capaz de viajar para outras dimensões
através de vórtices tricolores (azul, vermelho e branco). Tais
poderes eram idealisticamente derivados da consciência ame-
ricana e declinavam conforme o povo americano perdia a fé na
sua nação (patriotismo). Ele também foi líder de um grupo de
super-heróis cognominados Combatentes da Liberdade [Free-
dom Fighters] que lutaram e detiveram os nazistas num mun-
do alternativo, uma distópica Terra-X, onde a Segunda Guerra
Mundial durou mais tempo do que em nossa realidade e que
havia sido vencida pelos países da aliança do Eixo (Alemanha,
Itália e Japão). Atualmente, esse personagem e sua Terra-X fo-
ram incorporados ao multiverso da editora DC comics.
A minissérie em quadrinhos U.S. Tio Sam, escrita por Steve
Darnall e Alex Ross, que também faz a arte, foi publicada no
Heraldo Aparecido Silva . Histórias em quadrinhos, filosofia pop e filosofia política (...) 99
Diante de tal cenário desalentador Sam é ao mesmo tem-
po o protagonista da violência em profusão e o espectador in-
voluntário de uma miríade de injustiças. E a possível redenção
reside justamente na sua capacidade de reconhecer e assumir
a responsabilidade por tais atos.
Embora o propósito deste artigo seja relacionar, ainda que de
modo breve e lacunar, tópicos do comic book U.S. Tio Sam com
algumas ideias dos dois principais filósofos políticos americanos
da contemporaneidade, John Rawls (1921-2002) e Robert Nozick
(1938-2002), nesta ocasião, restringiremos nossa exposição ao
tema da liberdade. Entretanto, antes de indicarmos certos aspec-
tos teóricos extraídos de Uma Teoria da Justiça (2000) e Anarquia,
Estado e Utopia (1991) obras produzidas na Colúmbia (América),
faremos uma rápida digressão para situar o tema da liberdade na
Britannia (Inglaterra), com Sir Isaiah Berlin (1909-1997).
No ensaio Dois conceitos de Liberdade, Berlin (1980) afir-
ma que é necessário distinguir entre dois tipos de liberdade:
a negativa, compreendida como ausência de coerção; e a po-
sitiva, compreendida como possibilidade de autorrealização,
isto é, plena e autodirigida, sem os impedimentos das forças
culturais e sociais. Uma vez que os propósitos e os direitos do
indivíduo (cidadão) nem sempre se coadunam com os objeti-
vos definidos de uma sociedade estruturada (Estado), as duas
noções de liberdade inevitavelmente se opõem.
Para Rawls (2000), um Estado democrático liberal deve
garantir justiça social. O ideal de justiça (um dentre os vários
possíveis) esboçado por ele propõe assegurar que os membros
de tal sociedade sejam providos com direitos básicos e oportu-
nidades mais ou menos iguais. A configuração desta socieda-
de teria como ponto de partida dois princípios fundamentais
de justiça: primeiro, o estabelecimento de direitos básicos; e
segundo, a igualdade de oportunidades (também chamado de
“princípio da diferença”). Assim, na sua teoria da justiça como
equidade temos respectivamente um princípio de liberdade e
um princípio de igualdade.
Para combater as antinomias da sociedade democrática,
particularmente aquelas que envolvem justiça/injustiça e
opulência/miséria, Rawls (2000) propõe que os socialmente
mais favorecidos atuem de maneira altruísta, no sentido de
reparar as desigualdades que afligem os socialmente desfa-
vorecidos. Na prática, isto implica no fato que uma parcela
significativa da população teria de abdicar de forma conscien-
te e benevolente de alguns privilégios e vantagens materiais,
obtidas de forma legítima (por mérito, herança, virtude) em
Heraldo Aparecido Silva . Histórias em quadrinhos, filosofia pop e filosofia política (...) 101
conformidade com a descrição oferecida nessa saga imagética
e textual, somos admoestados a permanecer atentos com re-
lação ao outro Tio Sam que personifica a Verdade e que é jus-
tamente o amálgama de tudo aquilo que obsta as liberdades
individuais, visto que se trata de uma espécie velada de um
Estado totalitário.
Considerações finais
Diante do exposto, embora haja nítidas divergências entre as
teorias sociais dos filósofos políticos John Rawls (2000) e Ro-
bert Nozick (1991), podemos entrever nos escritos de ambos
um forte antagonismo ao tipo de regime político, econômico e
de organização social “representado” pelo Tio Sam da Verdade
totalitária.
Desse modo, tal como o Tio Sam idealizado para reivin-
dicar sua “consciência social sobre a América”, na perspectiva
de Darnall e Ross (1998), a noção de Liberdade defendida por
Rawls (2000) e Nozick (1991) nem sempre possui traços defi-
nidos e conciliadores: seus matizes, assim como seus contras-
tes, ora advém do Liberalismo, ora do Libertarismo.
Finalmente, assim como ocorre na obra de Darnall e Ross
(1998), esperamos que após o inevitável confronto entre as
duas versões de Tio Sam, emerja vitorioso aquele que carrega
as multidiversificadas cores da bandeira da liberdade. Embo-
ra saibamos que, na contemporaneidade, sombrias versões
alternativas sempre rondam as sociedades democráticas e
liberais em terras paralelas não tão distantes (Talvez seja me-
lhor seguirmos o exemplo de liberdade de Corto Maltese, de
Hugo Pratt, e não acreditar nem em dogmas e tampouco em
bandeiras...).
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Heraldo Aparecido Silva . Histórias em quadrinhos, filosofia pop e filosofia política (...) 105
Flores, cores e formas: o Brasil
estampado de chita
Resumo
Abstract
Resumen
Introdução
Neste estudo buscamos tecer as relações entre um objeto his-
tórico cultural: o tecido chita e os processos de memória e de
significação da/para a identidade brasileira. Nesse sentido,
optamos por analisar a composição pictórica de imagens cul-
turais por meio da narrativa e da incorporação do tecido nas
visualidades presentes em uma história destinada ao segmen-
to infantil. Trata-se da obra Uma festa de cores: Memórias de
um tecido brasileiro (2014), de Anna Gobel e Ronaldo Fraga.
O livro conta de forma poética a história de uma perso-
nagem simples, chamada chita, presente no dia a dia de nós
brasileiros. A narrativa é toda em primeira pessoa feita pela
protagonista da história: a chita que conta sua origem e fala de
seus antepassados originários da Índia na Idade Média, conhe-
cidos como chintz. Ela narra que a variação dessa nomenclatu-
ra nasceu aqui no Brasil, com esse tecido com caráter tropical
que conhecemos hoje, com novas padronagens, motivos florais
vibrantes, contornos em preto, cores vivas e contrastantes. Na
composição visual da obra as imagens rompem estereótipos
e exploram linguagens artísticas, tais como as cores, formas,
padrões e texturas da chita, construindo figuras e cenários de
festas populares como o maracatu, as festas juninas, as danças
folclóricas etc. Com este projeto estético, o livro propõe-se a
apresentar aos seus/suas leitores/as a história de usos e apro-
priações desse tecido democrático, de personalidade suficiente
para sobreviver à globalização (GOBEL; FRAGA, 2014).
A ilustradora da obra, Anna Gobel, nasceu em Valencia,
na Espanha, e quando tinha apenas um ano de idade foi para
a Alemanha. Aos cinco anos veio para a América do Sul para
morar em Buenos Aires, e então não parou mais de viajar. Veio
para o Brasil em 1995 e, hoje, mora em Belo Horizonte, Minas
Ivana Guilherme Simili e Priscila Barbeiro. Flores, cores e formas: o Brasil estampado de chita 109
Gerais. Atualmente é professora, ilustradora e artista plástica.
Suas produções artísticas contemporâneas trabalham com a
linguagem pictórica do desenho e da gravura. Gobel conta que
é apaixonada pela chita desde que chegou ao Brasil: “A chita,
com seu colorido, piscou para mim logo que cheguei ao Brasil”
(GOBEL; FRAGA, 2014, p. 42). Desde pequena as festas popu-
lares exerciam um fascínio especial sobre ela. Impressionada
com a riqueza do tecido, convidou o estilista mineiro Ronaldo
Fraga para dar palavras aos seus desenhos.
Ronaldo Fraga, estilista mineiro que nasceu em Belo Ho-
rizonte, é um narrador da cultura brasileira que a traduz por
meio das linguagens artísticas e da costura de roupas. Fraga
criou mais de trinta coleções, celebrando uma interpretação
particular das obras de grandes ícones da música, literatura,
arte e de outras manifestações artísticas e culturais. Aspecto
marcante na trajetória de Ronaldo Fraga é a valorização de
suas origens por meio da produção de moda. Em suas cria-
ções ele procura manter viva a lembrança de sua infância no
interior de Minas Gerais, estado pioneiro na chita, e que ainda
continua fabricando o tecido. O destaque conquistado pelo
mineiro no mundo fashion fez com que passasse a usar chita
também em suas coleções. Na ótica de Ronaldo, “O sucesso
do tecido vem do fato de ele representar um Brasil que a gen-
te quis negar. Nossa identidade só vai ser construída se nos
aproximarmos de todas as referências iconográficas brasilei-
ras, conclui” (MELLÃO; IMBROSI, 2005, p. 178).
Na narrativa do estilista é patente a maneira como conce-
be seus fazeres na moda e o papel que os bens do patrimônio
cultural, entre os quais, os tecidos, desempenham na constru-
ção de sentidos simbólicos para a formação de ideias e ima-
gens sobre/para a identidade brasileira.
Entre os recursos envolvidos nos processos de construção
de identidades estão a história, a memória coletiva, os proje-
tos culturais desenvolvidos pelos indivíduos e pelas socieda-
des em diversos tempos/espaços. Processos que envolvem as
apropriações e as ressignificação de vários elementos simbóli-
cos (CASTELLS, 1999).
Face ao exposto, um livro que escreve a história da chi-
ta, como elemento simbólico na história da cultura brasileira,
permite entender os caminhos por ela percorridos nos proces-
sos das formações das identidades, dentre os quais, aqueles
desenvolvidos em diferentes tempos/espaços e que consti-
tuem o tecido em emblemas das brasilidades.
Ivana Guilherme Simili e Priscila Barbeiro. Flores, cores e formas: o Brasil estampado de chita 111
para um sentido mais amplo, no qual, nos voltamos à análise
de um elemento imagético presente na vida comum, de gran-
de valor estético para nossa cultura, que é a chita. É a história
que a chita escreve sobre/para a cultura brasileira, em suas
redes de apropriações e de significações, que procuramos des-
lindar no livro de Fraga.
Ivana Guilherme Simili e Priscila Barbeiro. Flores, cores e formas: o Brasil estampado de chita 113
ambiente, introduzindo aos tradicionais trajes lusitanos o
despojamento no vestir exigido pelo clima tropical brasileiro.
Os escravos que vieram da África para o Brasil por meio
do tráfico negreiro não possuíam vestimentas características
de sua cultura, chegavam de navio na costa brasileira usando
apenas trapos. Assim, também tiveram que buscar opções nas
vestimentas aqui encontradas:
Ivana Guilherme Simili e Priscila Barbeiro. Flores, cores e formas: o Brasil estampado de chita 115
(MELLÃO; IMBROSI, 2005, p. 118). Segundo o relato de José
Henrique Mascarenhas, diretor da Fabril Mascarenhas, o au-
mento de tamanho dos motivos estampados teve muito mais
a ver com a tecnologia disponível do que com opções estéticas.
É impossível precisar exatamente quando o chitão ganhou as
cores vivas que tem hoje e até mesmo a dimensão dos motivos
florais, tudo o que há são especulações. Uma delas diz respeito
ao fato de que nas décadas de 1950/1960, as estamparias conse-
guiam utilizar no máximo seis cores de cada vez, assim, talvez
o uso de cores vivas fosse uma alternativa frente à impossibili-
dade de misturar mais de seis tonalidades, obtendo-se, dessa
forma, uma estampa vibrante. Uma das dificuldades para achar
o autor ou a empresa que primeiro tingiu o chitão com as atuais
características está na ausência total de patentes de estampas.
No que diz respeito à fabricação da estampa, era comum
ampliar uma flor de chita para utilizá-la no chitão, conforme re-
vela a estampadora mineira Jaqueline Mendes, que utilizou um
truque manual até pouco mais de dez anos atrás: “Copiávamos
a estampa com papel vegetal quadriculado para ampliá-la”, diz,
referindo-se ao tempo em que trabalhou na tecelagem Santa
Elisabeth, em Belo Horizonte (MELLÃO; IMBROSI, 2005, p.
128). Nessa reciclagem sem fim, de cópias e cópias, perdiam-se
os contornos originais, as proporções ou o realismo dos moti-
vos, gerando até flores inusitadas, inexistentes, que convivem
placidamente com hibiscos, margaridas, rosas e outras que se
reconhecem no chitão. “É possível identificar no tecido, ain-
da hoje, esse reaproveitamento artesanal, que faz parte do seu
charme” (MELLÃO; IMBROSI, 2005, p. 134). Além das estam-
pas florais, começaram a surgir também outras que escapavam
dos motivos originais, muitas vezes copiadas de motivos euro-
peus, como flocos de neve, maçãs, ursinhos ou figuras geomé-
tricas, podendo ser encontradas facilmente nos dias de hoje.
Surge, nesse período também, o apelido de chita “mamãe
– Dolores”, para as chitinhas de estampa floral miúda, inspira-
das na personagem de mesmo nome da novela de mais sucesso
da época, Direito de Nascer, da TV Tupi. Assim, nessa época,
o vestidinho de chita tornou-se indispensável para a mulher
brasileira: básico, fresquinho e ideal para o verão do nosso país.
Logo, a chita, chitinha e chitão começam a ser amplamente pro-
duzidos pela maioria das fábricas de tecidos brasileiras, sempre
comercializadas por preços baixos, já que o tecido é básico e a
fabricação muito simples.
Ainda na década de 1960, período marcado pela revolução
nos costumes, no comportamento, na moda, na sexualidade
Ivana Guilherme Simili e Priscila Barbeiro. Flores, cores e formas: o Brasil estampado de chita 117
A década de 1980 chegou ao fim com a chita fora da indús-
tria da moda e das passarelas. Apenas alguns estilistas viriam
a ressuscitá-la, como foi o caso do mineiro Ronaldo Fraga, au-
tor do livro de análise. Em 2001, o estilista apresentou uma
coleção em homenagem à grande estilista Zuzu Angel, deno-
minada: “Quem matou Zuzu Angel ?”. Esta coleção retrata a
luta da estilista contra a ditadura militar brasileira. Foi muito
caracterizada pelo uso de chitas de variadas cores e tamanhos,
peças com estampas de pássaros e anjos misturavam-se em
perfeita harmonia.
Além da indústria da Moda, a chita também foi utiliza-
da por artistas. Em 1992, o Grupo Corpo de Belo Horizonte
estreou o espetáculo 21, como pano de fundo do palco uma
tela imensa reproduziu em escala teatral detalhes de telas do
responsável pela cenografia do espetáculo, o artista plástico
Fernando Velloso, cujo tema de sua obra é o Chitão.
Ivana Guilherme Simili e Priscila Barbeiro. Flores, cores e formas: o Brasil estampado de chita 119
ser um produto originário do Brasil. É importante, então, refle-
tirmos sobre como um objeto estrangeiro se desdobra ao ponto
de ser considerado um ícone de nossa identidade nacional.
Nesse desdobramento, os processos de traduções culturais,
como definido por Burke (2003), são os trabalhos desenvolvi-
dos por indivíduos ou grupos para domesticar o que é “estran-
geiro” por meio de estratégias e de práticas sociais e culturais
que envolvem apropriações, adaptações e ressignificações. Pro-
cessos de tradução que desempenham múltiplas funções nas
formações das identidades culturais de grupos e na imagem de
nação. Logo, falar em identidade cultural-nacional significa re-
conhecer que se trata de uma problemática que lida com a per-
cepção de um grupo acerca de si mesmo, de sua história, de seu
destino e de suas possibilidades, refletido na sua forma de vida.
A identidade cultural está associada a quem somos e a quem
queremos ser, nos possibilitando decidir quais de nossas tra-
dições nós queremos continuar e quais não queremos: há uma
capacidade de filtragem das tradições; “nossa identidade não é
somente algo que nós recebemos; ela é ao mesmo tempo nosso
próprio projeto” (MAIA, 2009, p. 104).
Em vários contextos históricos desde o final do século
XIX, percebemos que a afirmação de nossa identidade tinha
a cultura popular como elemento simbólico fundamental. No
entanto, esse tipo de concepção caracteriza-se principalmente
na idealização romântica em associar à cultura popular a ideia
de tradições. “A cultura popular é heterogênea, as diferentes
manifestações folclóricas – reisados, congadas, folias de reis
– não partilham um mesmo traço em comum, tampouco se
inserem no interior de um sistema único” (ORTIZ, 1985, p.
134). Nesse novo momento, a Cultura, com maiúscula, é subs-
tituída por culturas no plural. O foco não é mais a concilia-
ção de todos, nem a luta por uma cultura em comum, mas
as disputas entre as diferentes identidades nacionais, étnicas,
sexuais ou regionais. A noção de cultura brasileira vem pro-
curando atualmente enfatizar as diversas matrizes históricas
de formação de nossa nacionalidade. Portanto, é corrente a
utilização do conceito no plural, ou seja, culturas populares,
uma vez que nossa formação é diversa.
Segundo Renato Ortiz (1985), a identidade cultural bra-
sileira está intimamente ligada ao conceito de mestiçagem,
ou seja, de misturas raciais e culturais. Essa mescla formaria
nossos próprios traços identitários, que se caracterizam no
próprio elemento de diversidade. Logo, poderíamos definir a
cultura brasileira como o produto da culturação de diversas
Ivana Guilherme Simili e Priscila Barbeiro. Flores, cores e formas: o Brasil estampado de chita 121
comenta que: “[...] os tecidos floridos e coloridos de algodão
também são signos de uma brasilidade associada ao ambiente
tropical e a alegria do nosso povo, considerada, muitas vezes,
o caráter que nos identifica”. Faz-se necessário então, refle-
tirmos sobre nossa identidade ser fundamentada nos signos
da “natureza”. Conforme Ortiz (1985), no Brasil, natureza e
nação estão indissoluvelmente ligadas. A identidade nacional
está mais ancorada na natureza do que na história. Há um
sentimento generalizado que se orgulha mais da natureza, das
belezas naturais do meio ambiente, do que da história. Isso
é uma atitude cultural que se tornou visível no Romantismo
literário que predominou no século XIX e deixou marcas que
se estendem até hoje. Portanto, podemos compreender que
a associação de identidade cultural brasileira ao tecido chita
se dá tanto pela sua historicidade e hibridação quanto pela
reprodução da tropicalidade e da natureza estampada visual-
mente. Hibridação e reprodução que não deixaram registros
visuais sobre as apropriações e mutações das estampas, co-
res, texturas, limitando, assim, os conhecimentos da história
da estética do tecido. Todavia, hibridação e reprodução que
compõem a história da chita por meio de várias apropriações
e construções de sentidos para o consumo real e simbólico do
tecido como emblemático da brasilidade ou das tentativas de
criar uma identidade para a moda brasileira.
Nesse sentido, importa destacar que com a criação de um
mercado brasileiro de moda nos anos 1960, o tema da iden-
tidade da roupa brasileira se transformou em ideológico, no
sentido de procurar vender uma imagem de Brasil; de que as
vestimentas criadas por costureiros brasileiros se diferencia-
vam daquelas produzidas por europeus e norte-americanos.
Nas construções estéticas e discursivas, a brasilidade foi es-
tampada com os símbolos da beleza e da elegância do país e
das mulheres (BONADIO, 2014; NEIRA, 2008; SIMILI, 2014).
Ivana Guilherme Simili e Priscila Barbeiro. Flores, cores e formas: o Brasil estampado de chita 123
de leitura de imagens, os estudos do autor Feldman (1993),
que aponta quatro estágios a serem seguidos para a leitura da
imagem que, embora distintos, são interligados entre si e não
ocorrem necessariamente nessa ordem. São eles: descrição,
análise, interpretação e julgamento.
A primeira etapa, a descrição, refere-se a prestar atenção
ao que se vê e, a partir da observação, listar apenas o que está
evidente. Nesta etapa identifica-se, também, o título da obra,
o artista que a fez, o lugar, a época, o material utilizado, a
técnica, o estilo ou o sistema de representação, se figurativo
ou abstrato etc. Na segunda etapa, a análise, diz respeito ao
comportamento dos elementos entre si, como se influenciam
e se relacionam. Por exemplo: os espaços, os volumes, as co-
res, as texturas e a disposição na obra criam contrastes, seme-
lhanças e combinações diferentes que neste momento serão
analisadas. O terceiro estágio, da interpretação, é quando
procuramos dar sentido ao que se observou, tentando iden-
tificar sensações e sentimentos experimentados, buscando
estabelecer relações entre a imagem e a realidade, no sentido
de apropriar-se da primeira. No quarto estágio, o julgamento,
emitimos um juízo de valor a respeito da qualidade de uma
imagem e sua importância.
Portanto, selecionamos algumas imagens do livro para aná-
lise, a fim de responder: Como os elementos visuais comunicam
aos seus leitores características de brasilidades, a partir da histó-
ria de um tecido que fabricou uma história da cultura brasileira?
Nesta imagem, identificamos cinco círculos com a repe-
tição de um desenho de flor em seu interior, esquematizan-
do um diagrama que indica, por meio de setas, o processo de
estamparia da chita, desde seu desenho em preto e branco
no primeiro círculo até os outros que aos poucos vão sendo
Figura 1
Fonte: GOBEL; FRAGA
(2014, p. 12)
Ivana Guilherme Simili e Priscila Barbeiro. Flores, cores e formas: o Brasil estampado de chita 125
subjetivas, na tentativa de decodificá-la. Quando o coletivo
começa a identificar a mesma forma ligada ao mesmo signifi-
cado, a configuração desta forma torna-se simbolismo. Assim,
a forma Flor da chita estampada no tecido, ultrapassa o signo
e se torna símbolo da brasilidade, uma vez que seu significan-
do é reconhecível a todos.
Ainda nesta ilustração, observamos a composição didáti-
ca dos elementos e a relação do texto com a imagem. A grafia
das cores primárias é contornada pelas cores corresponden-
tes, ressaltando a visualidade dos tons. Há também o resul-
tado das suas misturas, que são as cores secundárias, repre-
sentadas por paletas de cores logo abaixo da escrita. Portanto,
a imagem trabalha, além da visualidade, a correspondência
entre texto e imagem, de grande importância para a aprendi-
zagem e a compreensão da mensagem comunicada pela obra.
Figura 2
Fonte: GOBEL; FRAGA
(2014, p. 20)
Ivana Guilherme Simili e Priscila Barbeiro. Flores, cores e formas: o Brasil estampado de chita 127
e homogenização (GOMES, 2002). Ou seja, as crianças e adoles-
centes têm sua visualidade fortemente influenciada pelas ima-
gens da mídia, cópias e reproduções, que afetam sua imagina-
ção, assim, seus desenhos se arraigam a modelos padronizados,
limitando a expressão e a criação de imagens singulares e formas
inimaginadas. Portanto, tomando como exemplo a Figura 2 e as
ilustrações presentes na obra, podemos caracterizá-las como ex-
pressivas, criativas e artísticas, apresentando aos seus leitores e
leitoras novas possibilidades de criação de desenhos, com dife-
rentes linguagens compositivas.
Figura 3
Fonte: GOBEL; FRAGA
(2014, p. 28)
Ivana Guilherme Simili e Priscila Barbeiro. Flores, cores e formas: o Brasil estampado de chita 129
chita, com seu valor de compra acessível para as camadas da
população de menor poder aquisitivo e sua alegria evocada pe-
los florais de intenso colorido, fizeram dela a representação da
própria alegria festiva, espalhando-se nos figurinos dos festejos
do nosso imenso território. Conta-nos Mellão e Imbrosi (2005)
que já na primeira capital da República, onde estava a maior
população negra do país após a Abolição da Escravatura, o car-
naval de rua se vestia de chita. Os festejos carnavalescos são
comemorados em praticamente todo o Brasil e exibem em seu
bojo uma multiplicidade de manifestações culturais que são
capazes de movimentar, num mesmo momento, tantas ma-
nifestações artísticas diferentes. Uma dessas manifestações é
ação performática do Maracatu, que representa a permanência
e resistência da cultura africana. Tais festividades caracterizam
a miscigenação de várias culturas, a chita é o ícone que melhor
traduz o significado de brasilidade presente nestas celebrações.
Pode-se dizer então que a indumentária é um dos elementos
fundamentais de tais festas e que colabora profundamente para
a visualidade do espetáculo, como objeto cênico emblemático
capaz de compor e materializar personagens.
Assim, no que diz respeito ao juízo de valor, a imagem traz
para seus leitores diversos elementos de interculturalidade, de
extrema significância para nossa compreensão sobre a diversi-
dade das manifestações artísticas e culturais do povo brasileiro.
Figura 4
Fonte: GOBEL; FRAGA
(2014, p. 29)
Ivana Guilherme Simili e Priscila Barbeiro. Flores, cores e formas: o Brasil estampado de chita 131
“curi – madeira – e imbó – ôca”. Esta palavra designa o instru-
mento de percussão do carimbó e a própria dança. O carimbó,
assim, seria uma derivação do batuque trazido pelos negros. De
acordo com Salles (1969, p. 281), este ritmo seria o “gerador da
imensa variedade do carimbó, talvez a principal dança africana
ainda possível de se observar e estudar na Amazônia”. A vesti-
menta das mulheres inclui conjuntos de saias longas rodadas
e muito coloridas de chita e blusas que exibem os ombros e o
pescoço, confeccionadas com rendados, em geral de uma só cor.
Os cabelos são enfeitados com uma rosa em um dos lados. Há
também o uso de acessórios como pulseiras e colares coloridos
que dão muitas voltas no pescoço e vão até a altura do umbi-
go. Os homens usam um lenço vermelho no pescoço, calças de
uma só cor e camisas de mangas compridas tão coloridas quan-
to as saias das parceiras. As camisas são amarradas na cintu-
ra. Homens e mulheres dançam descalços. Para o antropólogo
Salles (1969), o carimbó também constitui-se com a influência
indígena, em elementos como a coreografia, música e versos,
sendo considerado na Amazônia a manifestação mais evidente
resultante do contato de etnias e culturas.
O Bumba meu boi, de acordo com Mário de Andrade
(1982), é uma dança dramática, derivada do misticismo, mas
que em seu contexto histórico mantém a religiosidade numa
mistura de sagrado e profano, impregnada pela memória das
culturas ibérica e moura. Nota-se na manifestação a associa-
ção ao cênico, mímicas, danças e jogos construídos com rou-
pagens e máscaras, ou seja, a estrutura do bumba meu boi,
que condensa um enredo desenvolvido de forma dramática e
coreográfica em torno do tema central da morte e ressurreição
do boi. A cena é composta por vários personagens, animais e
figuras míticas, que provavelmente evoluíram das antigas his-
tórias europeias, o que faz supor sua forma de representação
por meio do improviso e de acrobacias.
Segundo a autora Moura (2010), na construção do perso-
nagem, o couro do boi, como é chamada a indumentária do
brincante que faz dançar o boi, pode ser comparado a uma
máscara de corpo inteiro, confeccionada em veludo com apli-
cação de bordados e ajustada a uma armação de madeira. Os
bordados seguem a tradição artesanal, ricamente elaborados
com miçangas, lantejoulas e contas, e sua linguagem plástica
detalha paisagens, cenas históricas e santos com riqueza de
detalhes. Essas imagens sagradas: figuras de santos, passagens
bíblicas, ou profanas como o brasão do Maranhão, a bandeira
do Brasil, podem apresentar ornamentação de flores em torno
Figura 5
Fonte: GOBEL; FRAGA
(2014, p. 32)
Ivana Guilherme Simili e Priscila Barbeiro. Flores, cores e formas: o Brasil estampado de chita 133
Na Figura 5, identificamos novamente a figuração hu-
mana, na imagem feminina feita de recortes. Com chapéu de
chita, cabelos loiros e vestimentas simplificadas florais. Há
também linhas costuradas que representam um globo, com
a delimitação dos continentes. A personagem posicionada à
esquerda, no primeiro plano, ocupa uma grande parte da pá-
gina, destacando-se na imagem ilustrativa. O plano de fundo
segue o mesmo padrão, feito de tecido floral salmão, com suas
tramas visíveis. A composição da imagem é feita por meio das
colagens, que simplificam as formas corporais, estilizando-as.
Interpretando a imagem e relacionando-a ao texto narra-
tivo, a personagem em específico aparenta estar em um país
tropical; suas vestes são leves, florais, coloridas e o uso do
chapéu indica a sensação térmica elevada. Ela representa o
olhar do estrangeiro ao Brasil, a democratização da moda e da
cultura. Referente à moda, por meio dela é possível apreen-
der fatos de uma época, bem como perceber na sua linguagem
não verbal, de tecidos e estampas que constituem as roupas e
o trajar, os aspectos culturais em determinado tempo e espa-
ço. Assim, desde o século XIX, mais precisamente no século
XX, percebemos que a identificação e a divulgação da moda
brasileira para o estrangeiro era associada a nossa condição
tropical. Segundo Pedrosa (1998), no Brasil tudo o que indi-
cava primitivismo, romantismo, selvagismo, isto é, no fundo,
exotismo, tinha muito mais interesse e era desejado pelos
estrangeiros. Podemos acrescentar que, como imagem, todo
o universo de cores também era associado a esse conceito, e
desfrutava de um grande apelo midiático. Logo, o que se en-
tende é que as características plásticas das estampas brasilei-
ras, embora muito similares as suas concorrentes estrangeiras,
puderam coincidir com um discurso de brasilidade.
Sendo assim, podemos caracterizar o tecido chita apro-
priado na ilustração, como um elemento que mantém uma li-
gação direta com a noção de brasilidade, e por meio da globa-
lização, da publicidade, dos meios de comunicação e do apelo
midiático, ela desfila nas passarelas e é inserida na indústria
da Moda. Como já mencionado, Zuzu Angel, estilista da dé-
cada de 1960, e o próprio autor do livro em análise, Ronaldo
Fraga, são exemplos de estilistas brasileiros que utilizaram as
chitas em suas coleções de roupas e fizeram grande sucesso
para o público estrangeiro.
No entanto, mesmo com o caráter de efemeridade das cole-
ções de moda, a estampa chita continua a ter seu próprio valor,
Considerações finais
Por toda esta carga artística, cultural e simbólica, a estampa
chita foi digna deste estudo. Sua memória deve ser constante-
mente resgatada e trabalhada para que se possa ter outro olhar
sobre a cultura brasileira. Com este intuito, a pesquisa, tendo
como suporte a Literatura infantil focalizando em ilustrações
como narrativas visuais; e como principal elemento imagético
a estampa chita, provoca através de sua estética a nostalgia e
resgata as raízes simbólicas e híbridas de nossa cultura. Na
Literatura, Macabéa e Gabriela também vestiram chita. Talvez
como uma tentativa de caracterizar a alma do povo brasileiro,
dar lhe cor e forma. É como se a estampa chita pudesse afir-
mar conceitos, fazer verossimilhanças ou lutar contra tabus
e conceitos preestabelecidos (SILVA, 2010). Face ao exposto,
Ivana Guilherme Simili e Priscila Barbeiro. Flores, cores e formas: o Brasil estampado de chita 135
a utilização da chita nas narrativas infantis contém fios que
“tramam contextos, alinhavam histórias, arrematam elos de
nossa cultura” (CHATAIGNEIER, 2006, p. 11).
Portanto, por meio da pesquisa, consideramos que as
diversas referências culturais formam um “tecido” de fun-
damental importância para pensarmos nossas identidades.
Embora muitas vezes nos deparemos com a noção de que os
objetos tradicionais são restritos às manifestações folclóricas
e às culturas populares, tentamos demonstrar que estão ar-
raigados de forma efetiva aos nossos modos de fazer, vestir,
celebrar, fazendo parte, conscientemente ou não, do dia a dia
do brasileiro. Mesmo na modernidade, as formas de expres-
sões tradicionais estão muito vivas, exemplo disso se constitui
o tecido Chita, que se adaptou à dinâmica das transformações
modernas, assimilando o novo e sendo apropriada e apre-
sentada de diferentes formas, sem perder sua força. Quando
compreendemos que cada grupo social tem suas dinâmicas
culturais, e que nossas próprias referências são conceitos
construídos historicamente, sabemos que um único artefato
possui em sua singularidade um sistema cultural simbólico,
com significados particulares.
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Priscila Barbeiro
priscilabarbeiro@hotmail.com
Graduada em Artes Visuais pela Universidade Estadual de Maringá-PR.
Realizou pesquisas de iniciação científica na área de arte e cultura, com
foco no ensino intercultural e na estética do cotidiano.
Ivana Guilherme Simili e Priscila Barbeiro. Flores, cores e formas: o Brasil estampado de chita 139
Pedagogias culturais e conhecimentos
escolares: interpelações à educação
contemporânea
Resumo
Abstract
Resumen
Odailso Sinvaldo Berté e Raimundo Martins . Pedagogias culturais e conhecimentos escolares (...) 143
in the field of visual culture and its intersections with other areas
of knowledge. On this assumption, we chose, in this article, to
share theoretical reflections based on different investigations
conducted in such perspective.
The school may be regarded as a second home where
children, teenagers, and even adults spend a considerable
amount of their time. Society still relies on the school’s
responsibility as a place that instructs and forms individuals
for social life, for the job market, for civic participation, for
decision-making, and for taking up critical viewpoints.
Towards achieving that, the school organizes a series of bodies
of knowledge, practices, and procedures that are considered
appropriate for educating individuals who attend it daily in
their search for knowledge. The curriculum is viewed as the
main tool to list, organize, and pass on the school knowledge
required forthedevelopmentand training of its individuals – the
students. However, even though this may sound obvious, it is
important to remember that students are not empty, passive,
or inert when they start attending school; rather, they are
available and open to acquiring school knowledge.
Individuals – in this case, students – are not a “tabula
rasa” (PINKER, 2004), a blank sheet, an empty and harmless
vessel-like body, predisposed in such a way that the school,
its pedagogies, and teachers pour over and inscribe in them
summaries, formulas, and contents that are organized and,
therefore, considered appropriate for their education. Despite
sounding obvious to some and strange to others, education
deals with bodies, and, by stating this, we are not only referring
to dancing, drama, and physical education lessons. As hooks
(2001, p. 115) claims, “[some] individuals enter the classroom
to teach as though only the mind is present, not the body”1
2
– a legacy of the body versus mind dualism established in
the early days of modernity –, without accounting for the fact
that it is bodies attending the classroom, bodies which think
and feel. Bodies which, even though most of us have ignored
or not reflected on the issue, may be viewed as mediums
of information, images, and knowledge that educate them
outside school grounds.
According to Greiner and Katz (2001), when certain pieces
of information and images are presented and divulged by mass
media forms such as television, radio, newspapers, Internet,
etc., the immediate result is their rapid propagation. By
perceiving the body as a form of media or mediation, Greiner
and Katz (2001) argue that the information which reaches it
Odailso Sinvaldo Berté e Raimundo Martins . Pedagogias culturais e conhecimentos escolares (...) 145
door is closed and the learning of school knowledge begins.
School knowledge faces information and knowledge which
mediabodies – students – already possess and carry with them.
Thus, a negotiation process is set in motion between school-based
information and knowledge, on the one hand, and, on the other,
all that the students already know, have already seen and learned
outside school, in other spaces and institutions or through the
media. Reconstructions, doubts, and values emerging from such
negotiations gradually (trans)form the mediabodies – students –,
individuals involved in the educational process.
The school, together with its values and problems, is
one among a number of spaces that educate mediabodies.
Our intention is not to diminish its importance in educating
individuals, but to foster discussions and to endorse educational
processes that do not exclude the body and its range of affections
and knowledge constructed and acquired outside the school.
We wish to think of ways through which education may perceive
the individual/student/body in its entirety, considering its
vital relationship with the environment/context/culture – the
reference scope for school knowledge.
School knowledge
School knowledge as presented in the curriculum is not a set
of extraterrestrial pieces from another dimension. It comprises
curricular elements derived from social, historical, and cultural
settings that act as supporting references. These settings are
local, a part of the environment in which individuals live and
work, and contribute, directly or not, to the existence and
organization of such knowledge. As highlighted by Moreira and
Candau (2007), school knowledge is one of the curriculum’s
major elements, and learning it is an essential factor for socially
produced bodies of knowledge to be acquired, critiqued, and
reconstructed by students.
In line with Moreira and Candau (2007), we understand
that education is capable of providing students with school
knowledge that may help them to take charge of their daily
lives, to understand their realities, and broaden their cultural
universe. Education is an arena of experiences that contribute
to training independent, critical, and creative individuals that
are capable of promoting transforming actions. For Moreira
and Candau (2007, p. 22), “such processes necessarily interact
with disciplinary knowledge as well as with other forms of
socially constructed knowledge.”6 For these authors, “school
Odailso Sinvaldo Berté e Raimundo Martins . Pedagogias culturais e conhecimentos escolares (...) 147
signs representing things, situations, and relations.”8 School
knowledge, derived from sociocultural reference scopes, has
been stratified, classified, and separated from its context to
such an extent that, when approached or taught, sounds like
something from another planet.
Even though the curriculum is sometimes fetishized,
i.e. as if possessing extraordinary, transcendental, magic
powers from supernatural and superhuman sources that
enable it to perform miracles and feats, according to Silva
(2003), it is by no means a talisman. It is a socioculturally
established instrument that internalizes typically human
conflicts, powers, and interests. To quote Silva (2003, p. 10):
“the curriculum embodies the links between knowledge,
power, and identity.”9 The author explains that curriculum
policies define roles for teachers and students, the ways
these individuals relate to each other, as well as which valid
bodies of knowledge can verify whether learning has taken
place, all leading to “a process which includes certain forms of
knowledge and individuals whilst excluding others”10 (Silva,
2003, p. 11-12). Silva’s critique exposes ways in which school
knowledge expressed by the curriculum may value certain
contents, situations, contexts, and individuals over others.
This article proposes the following questions: if school
knowledge stems from reference scopes that make up the vast
sociocultural environment in which bodies and organizations
coexist and confront each other on a daily basis, to what extent
may it consider and relate to forms of knowledge established in
the contexts of cultural pedagogies? How can this dialogue help
to enhance students’ critical and creative thinking when faced
with the complexities of their sociocultural environment?
Cultural pedagogies
Slandered and often feared in certain educational environ-
ments, cultural pedagogies parade freely through many spaces,
contexts, and routines without asking for permission or autho-
rization from schools, universities or other institutions. These
pedagogies are present in the lives of children, teenagers, and
adults in highly engaging, effective, and affective ways.
Odailso Sinvaldo Berté e Raimundo Martins . Pedagogias culturais e conhecimentos escolares (...) 149
social networks, to television, to product commercialization
and consumption, to marketing and advertising, to images and
their strategies of power, oppression, control, and domination.
Though we do not dismiss the ensuing implicit and explicit
power relations, we believe that such a critique fails to stress the
dominant and domineering roles played by institutions like the
school, art, the church, and politics (parties and governments)
through old and new ways to manoeuver, terrorize, abuse,
violate, dichotomize, and discriminate bodies and their various
forms. Little is said about perverse forms of cultural pedagogy,
i.e. castrating, elitist, and dominant forms bred by high culture,
because the media, the Internet, images, and popular and mass
culture have become the order of the day.
Given our understanding that cultural pedagogies go beyond
all that is popular and mass-oriented, an understanding in line
with Aguirre’s (2009, p. 165), we consider cultural pedagogy “a set
of formative contents which are not managed by the standard
means of formal education, but basically by mass media.”14 Like
Aguirre, we have come to perceive just how much the school and
other established institutions abominate these cultural contents
which currently instruct “ethical and aesthetic values in our
young people”15 and reveal to the juvenile imaginary the extent to
which school and life are distant scopes “which turn their backs
on each other”16 (AGUIRRE, 2014, p. 165).
Aguirre (2014, p. 250) points out that cultural pedagogies
may include not only products, images, and artifacts that are
commercialized and consumed, but also “practices of cultural
production”17 that may be visual, narrative, poetic, popular, ethnic,
etc. Forms of cultural production arise from the relationship
between equals, through learning strategies that take place “side
by side”. By alluding to the experiences of certain groups, ghettos,
movements, and communities with various backgrounds and
objectives, Aguirre (2014) stresses that such cultural practices act
towards challenging the conventional, dichotomous relations
between master and apprentice or between experienced and
novice. In line with Aguirre’s (2014) analysis, we understand that
cultural pedagogies are more than sociocultural strategies that
instruct and/or dominate bodies, for they may also be regarded
as a form of cultural production, i.e. “[a] way of producing
knowledge, identity, and values”18 (AGUIRRE, 2014, p. 250).
Like Aguirre (2014, p. 250), we believe these forms of cultural
production in line with cultural pedagogies, by involving
subjectification processes, may prove to be “a political response”19
Odailso Sinvaldo Berté e Raimundo Martins . Pedagogias culturais e conhecimentos escolares (...) 151
In line with Silva’s arguments, it should be stressed that one
of the distinctive sociocultural features of contemporariness
– strongly marked by revolutions in information and
communication systems, like the Internet – is: “[the] bringing
down of barriers between institutions and spheres previously
viewed as different and separate”27 (SILVA, 2007, p. 141). In
this sense, keeping apart bodies of knowledge produced in
daily life, in mass culture, and in the school or university may
be seen as problematic, as a source of cognitive asepsis, as a
chasm between school and life, as well as a haziness within
the reference scopes shared by knowledge and bodies even
before such knowledge is organized by the school curriculum.
Odailso Sinvaldo Berté e Raimundo Martins . Pedagogias culturais e conhecimentos escolares (...) 153
pedagogical propositions: the “pedagogy of pleasure” (GIROUX,
1999); the “pedagogy of conflict” (SANTOS, 1996); the “pedagogy
of the question” (FREIRE; FAUNDEZ, 2008).
Conceiving possible ways of decolonizing the body by
understanding popular and mass culture as a pedagogy of
pleasure and meaning, Giroux (1999, p. 213) arguments: “pedagogy
must be attentive to ways in which students make both affective
and semantic investments as part of their attempts to regulate
and give meaning to their lives.”32 To include popular culture
within pedagogy, according to Giroux, provides us opportunities
to discover ways through which students can make affective
investments on certain sociocultural forms and practices; to
understand how a policy of pleasure can help students rebuild
their relationships – often contradictory ones – with education
and everyday life. In Giroux’s view, if pedagogy concerns itself
with understanding how students’ identities, cultures, and
experiences may offer solid grounds for learning, it must also
consider the range of elements that organize their subjectivities.
Giroux (1999, p. 219) goes on to emphasize how popular
cultural forms may help mark people’s place in history and
bring about experiences of “pleasure, affect, and corporeality.”33
Through combinations of “corporeal and ideological meanings”,
popular cultural forms – historically constructed practices –
may produce affective effects. Giroux (1999, p. 219) explains that
the ways through which popular cultural forms are mediated
and taken up, their ways of constructing particular forms of
investment, may depend less on the production of meaning
than on “affective relations which they construct with their
audiences.”34 Hence popular cultural relations should not
be dismissed as ideologically incorrect or simply as a reflex
of market-oriented systems. In the process of structuring
individuals’ affective investments on popular cultural forms,
Giroux (1999, p. 219) highlights the importance of the semantic
and the affective because they provide “new theoretical
categories for linking the domain of the everyday with the
pedagogical processes at work in the notion of consent.”35
In line with Giroux’s emphasis on the importance of affective
investments, desire, pleasure, and everyday experiences on
pedagogy, we aim to challenge pedagogy as it is solely based on
abstract rationalism and discourse acts. Giroux (1999, p. 226)
goes on to state: “pedagogy also constitutes a moment in which
the body learns, moves, desires, and longs for affirmation.”36
The author’s questions suggest “[a] rejection of the pedagogy
of modernism”37 in which “the tyranny of discourse becomes
Odailso Sinvaldo Berté e Raimundo Martins . Pedagogias culturais e conhecimentos escolares (...) 155
knowledge as order and colonialism and knowledge as
solidarity and chaos, which support alternative forms of
sociability and subjectivity. Santos (1996, p. 25) states: “it is
up to the pedagogical field to experiment, both by imagining
practice and by practicing the imagination, these alternative
sociabilities and subjectivities, broadening the possibilities
of the human.”47 According to him, pedagogy must install
conflicts at the heart of the curriculum, above all cultural ones
(cultural imperialism and multiculturalism).
The liberating pedagogical field evoked by Santos (1996)
consists in using the imagination to create a conflictuality
rejected by hegemonic models, as well as unsettling images
from cultures, groups, individuals, and issues that have been
dominated, marginalized, silenced, and made invisible.
According to Santos (1996), these images have the potential
to promote pedagogical spaces for an alternative model of
intercultural relation, that of multiculturalism. Santos (1996)
believes that the criteria for constructing good or bad learning are
the ways in which conflicts may have a place within pedagogical
experiences: destabilizing dominant epistemological models;
remembering inexcusable past injustices and sufferings so they
may not occur again in the present or in the future; creating
unsettling images capable of broadening the critical eye and
the defiance of students and teachers; encouraging emerging
models of enlightening, liberating, and multicultural relations
among bodies of knowledge, people, and social groups.
Freire and Faundez (2008, p. 54), by devising “a pedagogy
of the question”48, affirm the challenging nature of this
pedagogy which may be viewed as a provocation. Regarding
hierarchical relations, the authors put the notions of
authorship and authority into perspective and remark: “asking
questions is not always convenient”49 (p. 46). Questions
are disturbing, interrupt linearity, and cause processes to
acquire new nuances, as well as enhance and make flexible
the processuality of relations. The question “What does
asking mean?”50 is posed by Freire and Faundez (2008, p.
47) in their dialogue book on the pedagogy of the question.
According to them, “[the] heart of the matter does not lie in
producing an intellectual game with the question ‘What does
asking mean?’, but in living the question, living indignation,
living curiosity”51 (p. 48). Through dialogue form, Freire and
Faundez comment on topics like the origins of knowledge, of
the teaching process, of pedagogy.
Odailso Sinvaldo Berté e Raimundo Martins . Pedagogias culturais e conhecimentos escolares (...) 157
According to Giroux (1999, p. 220), “the content of popular
culture cannot be understood as prespecified content”56, and
students’ affective investments on popular culture “cannot be
determined simply through an analysis of the meanings and
representations that we decode in them”57 (p. 228). Giroux
(1999) claims: “affective investments have a real cultural
capacity and may be indifferent to the very notion of meaning
itself as constructed through the lens of the ideological”58 (p.
228). The author also stresses that important political and
pedagogical principles arise from these investments, e.g.
attention to the policies that regulate, establish, constitute,
and express desire in order to understand students’ relations
with popular cultural forms; the political construction of the
idea and experience of pleasure, so that the body is a subject of
pleasure, not its object; acknowledgement of popular culture
as a field in which students are able to appropriate cultural
artifacts, questioning their tastes and ways of using these
artifacts, increasing their critical and creative possibilities.
In line with Greiner (2010), we believe that education can
be like friendship: it may establish a network of affections
and perceptions. Education stemming from the body is
profane, does not believe in pedestals and hierarchies or
delve deep into the master-student duality. Such form of
education is grounded on the principle that everybody learns
together, which indicates an autonomous literacy in which
we are all encouraged to discover and use our own words and
gestures without reproducing empty knowledge, ready-made
formulas, and stigmatized meanings. Moreover, this form
of education understands that the human body is neither
passive nor inert, because it acts even before an action is
under way; it communicates even before becoming aware
of its own communicability, and feels whilst processing its
thoughts (GREINER, 2010).
By emphasizing experiences, contexts and affections of
mediabodies (students and teachers), our investments in the
linking of cultural pedagogies and school knowledge do not
disregard the ways that some artifacts and advertising images
(SÉRVIO, 2015), such as film and television media, which are
proper of the cultural pedagogies, are projected to deliberately
capture our affections and get success in mobilizing
emotions (such as fear, boredom, loneliness) in favor of
various ideological interests, influencing behaviors. The
considerations about affection and pleasure proposed here
do not emerge armored against critical reviews, but envision
Odailso Sinvaldo Berté e Raimundo Martins . Pedagogias culturais e conhecimentos escolares (...) 159
teachers, and the school belong to. In short, we believe in an
education that does not separate the five senses from the many
meanings bodies may produce, neither the educational from
the vital, nor school from life.
Notes
1. All translations are the authors’. The original texts are presented as end
notes.
3. “pois toda informação que chega entra em negociação com as que já estão”
11. Pelos imensos recursos econômicos e tecnológicos que mobilizam, por seus
objetivos – em geral – comerciais, elas se apresentam, ao contrário do currículo
acadêmico e escolar, de uma forma sedutora e irresistível. Elas apelam para a
emoção e a fantasia, para o sonho e a imaginação: elas mobilizam uma economia
afetiva [...]. É precisamente a força desse investimento das pedagogias culturais
no afeto e na emoção que tornam seu “currículo” um objeto tão fascinante.
13. [...] se remite a la idea de que la educación tiene lugar en diversos sitios
sociales que incluyen la escolarización pero no se limitan a ella. Los lugares
pedagógicos son aquellos donde el poder se organiza y despliega, incluidas
las bibliotecas, la televisión, las películas, los periódicos, las revistas, los
juguetes, los anuncios, los juegos de vídeo, los libros, los deportes, etc.
30. “um sistema aberto, apto a contaminar o corpo e ser por ele contaminado”
32. “a pedagogia deve estar atenta às maneiras pelas quais os alunos fazem
tanto investimentos afetivos quanto semânticos como parte de suas tentati-
vas de regulamentar e dar significado às suas vidas”
Odailso Sinvaldo Berté e Raimundo Martins . Pedagogias culturais e conhecimentos escolares (...) 161
45. “o conhecimento só suscita o inconformismo na medida em que se torna
senso comum, o saber evidente que não existe separado das práticas que o
confirmam”
46. “[a] pedagogia do conflito é uma pedagogia de alto risco contra o qual
não há apólices de seguro”
51. “[o] centro da questão não está em fazer com a pergunta ‘o que é pergun-
tar?’ um jogo intelectual, mas, viver a pergunta, viver a indignação, viver a
curiosidade”
52. Saber perguntar-se, saber quais são as perguntas que nos estimulam e
estimulam a sociedade. Perguntas essenciais, que partam da cotidianidade,
pois é nela onde estão as perguntas. Se aprendêssemos a nos perguntar
sobre nossa própria existência cotidiana, todas as perguntas que exigissem
resposta e todo esse processo pergunta-resposta, que constitui o caminho do
conhecimento, começariam por perguntas básicas de nossa vida cotidiana,
desses gestos, dessas perguntas corporais que o corpo nos faz [...].
56. “o conteúdo da cultura popular não pode ser compreendido como pré-
-especificado”
57. “não podem ser determinados simplesmente através de uma análise dos
significados e das representações que neles decodificamos”
58. “os investimentos afetivos têm uma capacidade cultural real e podem ser
indiferentes ao próprio conceito do significado em si, construído através das
lentes do ideológico”
References
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drid: Ediciones Morata, 1997. 255p.
Raimundo Martins
raimundomartins2005@yahoo.es
Titular professor of Faculdade de Artes Visuais from Universidade
Federal de Goiás (FAV/UFG), holds two postdoctoral degrees: one in Art
and Cognition from University of London (England) and another in Art
and Visual Culture from Universitat de Barcelona (Spain).
Odailso Sinvaldo Berté e Raimundo Martins . Pedagogias culturais e conhecimentos escolares (...) 165
Narrativas híbridas: o estático e o móvel
no vídeo “911” do coletivo Cia de Foto
Rafael Castanheira
Resumo
Rafael Castanheira
Abstract
Rafael Castanheira
Resumen
Rafael Castanheira . Narrativas híbridas: o estático e o móvel no vídeo “911” do coletivo Cia de Foto 169
– aquele mais conectado aos meios virtuais como sites, blogs
e redes sociais disponíveis nas plataformas multimidiáticas da
internet, do que aos meios noticiosos impressos.
Ao contrário das narrativas jornalísticas tradicionais que
apresentam, em meio aos textos, uma ou mais imagens im-
pressas nas páginas de jornais ou nas revistas ilustradas, as
narrativas híbridas potencializam a capacidade discursiva do
narrador ao conjugar diferentes suportes de comunicação e
demanda ao seus receptores – antes acostumados com o mo-
delo hegemônico das narrativas lineares entendidas como
pura representação da realidade – leituras interpretativas de
seus conteúdos como, por exemplo, o vídeo “911” produzido
pelo coletivo Cia de Foto, a ser analisado no presente trabalho.
Neste sentido, pode-se refletir, de maneira mais especí-
fica, sobre a construção das narrativas atuais no campo da
produção audiovisual de cunho documental. Quais são os
possíveis impactos provocados pelas novas tecnologias nos
conceitos tradicionais de fotografia como documento e como
se dá a relação do documentário fotográfico com o vídeo de
curta duração em uma época marcada pela liberdade de pro-
cedimentos e hibridismos destas linguagens?
Rafael Castanheira . Narrativas híbridas: o estático e o móvel no vídeo “911” do coletivo Cia de Foto 171
Entretanto, no contexto atual da fotografia digital, a mani-
pulação se tornou prática comum e quase indissociável de sua
produção. Para Machado (1997, p. 243), diferente da manipula-
ção “grosseira” do passado que “podia ser facilmente descober-
ta”, hoje a manipulação pode ser feita através do processamento
digital que adiciona ou suprime qualquer elemento na fotogra-
fia sem deixar nenhuma marca de alteração. Assim, “a conclu-
são lógica é que, no limite, todas as fotografias são suspeitas e
que, também no limite, nenhuma foto pode ser legal ou jorna-
listicamente provar coisa alguma” (MACHADO, 1997, p. 243).
É preciso dizer que Machado publicou seu livro Pré-cine-
ma e pós-cinema em 1997, sendo no Brasil um dos pesquisa-
dores pioneiros nos estudos sobre a hegemonia da eletrônica
no campo midiático. À época, Machado já afirmava que, ao
perder seu poder de produzir verossimilhança, a fotografia
poderia, dentro de mais algum tempo, ser excluída de nossos
documentos de identidade. Tal fato ainda não aconteceu, mas
ao dizer que “no tempo da manipulação digital das imagens,
a fotografia já não difere da pintura, já não está isenta de sub-
jetividade e já não pode atestar a existência de coisa alguma”
(1997, p. 242), toca numa importante questão sobre o fato de,
na contemporaneidade, o registro fotográfico ser explorado
mais pela suas capacidades gráficas do que pelas fotográficas,
ou seja, a fotografia, assim como a pintura, seria explorada
mais por suas qualidades pictóricas do que por aquelas do-
cumentais que supostamente a tornaria fiel ao mundo visível.
Machado (1997) chama de “pixelização” este movimento
de informatização dos sistemas de expressão e comunicação
do homem contemporâneo que se dá não apenas na fotogra-
fia, mas em todas as esferas da cultura, e que seria responsável
pela mudança dos hábitos perceptivos do público em relação
às novas características da imagem na era eletrônica ou, se-
gundo Rouillé (2009), na “era pós-industrial”, a era da infor-
mação. Assim, a imagem digital funcionaria como “texto”, tex-
to visual, e para ser lida precisaria ter seus códigos decifrados
por seus espectadores – ao contrário da fotografia, entendida
pelo público leigo por pelo menos 150 anos, como represen-
tação fiel da realidade a ser contemplada (MACHADO, 1997).
Dito de outra maneira, as imagens contemporâneas, mesmo
manipuladas, podem tratar da realidade, mas de uma realida-
de mediada e que agora passa a ser acessada por espectadores
cada vez mais familiarizados com os processos criativos de
seus produtores e, portanto, menos ingênuos acerca dos seus
processos de construção de sentidos.
Rafael Castanheira . Narrativas híbridas: o estático e o móvel no vídeo “911” do coletivo Cia de Foto 173
tecnológico sugere que a interface, ou a luta, entre o velho
e o novo aconteça não apenas na imagem, mas também no
tempo”. Essa convergência, ao permitir que formatos análogos
sejam tratados numa mesma informação, sugere que seja o
regime poético, e não o tecnológico, que organiza a concepção
popular de tempo e memória.
Assim, as tecnologias digitais não seriam um fator deter-
minante na mudança da estética das imagens, pois a mudança
das ideias seria mais importante do que a tecnologia para al-
terar as produções fotográficas e cinematográficas do mundo
contemporâneo.
Rafael Castanheira . Narrativas híbridas: o estático e o móvel no vídeo “911” do coletivo Cia de Foto 175
Questionando os dogmas do fotojornalismo e seu tradi-
cional conceito de “foto-verdade”, os projetos documentais
contemporâneos buscam registrar temas corriqueiros com
enfoques muito pessoais, resultando em imagens enigmáticas
e de significações instáveis que, ao invés de impor verdades
sobre tais temas, convidam o espectador a refletir sobre as
questões abordadas. Como, por exemplo, o vídeo “911”, do co-
letivo Cia de foto que, ao misturar cenas estáticas com movi-
mento, propõe novas formas de leitura da realidade de vida de
moradores que ocuparam um prédio abandonado na região
central de São Paulo.
Rafael Castanheira . Narrativas híbridas: o estático e o móvel no vídeo “911” do coletivo Cia de Foto 177
Figura 1 hidráulica e elétrica precárias, expostas pelo teto sem forro; e
“911”, Cia de foto, 2006. divisórias de apartamentos feitas de improviso com pranchas
Vídeo disponível em: <http://
vimeo.com/5820275>. de madeira reaproveitadas.
Acesso em: 01 abr. 2016. Em meio a essa atmosfera de caos e não pertencimento,
uma série de retratos apresenta os moradores em poses que os
dignificam. Não são flagrantes de cenas fortuitas. Trata-se de fo-
tografias feitas com consentimento dos fotografados que estão
conscientes da presença do fotógrafo e, em sua maioria, olham
direto para a câmera. São mães e pais com filhos no colo, crian-
ças, jovens negros e pardos; todos numa relação de dialogismo
fotógrafo/fotografado, haja vista que estes são registrados em
seus afazeres cotidianos (mulher estende roupa no varal, ho-
mem carrega tapete, crianças brincam no pátio) e, em alguns
casos, estão em seus ambientes privados (mulher na janela, ho-
mem assiste televisão em seu quarto, criança brinca na sala).
Se não fosse a mistura de cenas estáticas com movimento,
“911” tratar-se-ia de mais uma projeção de fotografias com tri-
lha sonora. Mas, em sua narrativa, o hibridismo da linguagem
fotográfica e videográfica chamam a atenção do espectador
por meio do cruzamento da fotografia estática de uma mulher
que estende sua roupa no varal com a filmagem de uma se-
gunda mulher que caminha pelo pátio do prédio. Tudo se pas-
sa numa mesma cena dividida ao meio por duas personagens
Rafael Castanheira . Narrativas híbridas: o estático e o móvel no vídeo “911” do coletivo Cia de Foto 179
trabalhos individualmente e agregar ao fotojornalismo refe-
rências à publicidade e ao cinema, rompendo com a cateque-
se do realismo e expandindo a reportagem para os limites da
ficção, foram algumas bandeiras do grupo. Em “Guerra”, a Cia
seleciona fotos de São Paulo de seu arquivo, e, por meio de
edição e tratamento, lhes adiciona uma dramaticidade extra.
Assim é possível, pelo viés da ficção, demonstrar o que há de
mais real: a sensação de guerra civil que se vive na cidade. No
vídeo “911”, a Cia faz uma reportagem de rara sensibilidade ao
misturar cenas estáticas com movimento.6
Notas
Referências
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New York: MOMA, 1997.
MACHADO, Arlindo. Pré-cinema e pós-cinema. Campinas,
Papirus, 1997.
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Editora Universidade de Brasília, 2013.
PITOF, Jean-Christophe Grange. Vidocq, 2001. (100 min),
Rafael Castanheira . Narrativas híbridas: o estático e o móvel no vídeo “911” do coletivo Cia de Foto 181
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ROUILLÉ, André. A fotografia: entre documento e arte con-
temporânea. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2009.
SUTTON, Damian. Photography, cinema, memory: the crystal
image of time. Minneapolis: Minnesota Press, 2009.
Rafael Castanheira
rafaelcastanheira@hotmail.com
Rafael Castanheira nasceu em Goiânia, GO, 1977. Vive e trabalha em
Brasília, DF. Fotógrafo e pesquisador, é doutorando em Comunicação
pela Universidade de Brasília (UnB) e mestre em Artes e Cultura Visual
pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Atuou como fotojornalista e
assessor de comunicação no Rio de Janeiro, Brasília, Amazonas e Mato
Grosso. Desde 2007 trabalha como professor de fotografia, tendo lecio-
nado na UFG, PUC (GO) e no Instituto de Ensino Superior de Brasília
(IESB). Atualmente, desenvolve projetos pessoais em fotografia, como
ensaios, pesquisas e curadorias.
Carla de Abreu
Carla de Abreu
Profa. da Faculdade de Artes Visuais (FAV/UFG) e Coordenadora do
Núcleo de Intercâmbio e Ações Educativas do CCUFG.
Fernando Gerheim
Resumo
Fernando Gerheim
Abstract
Fernando Gerheim
Resumen
II
1 2
3 4
Figura 1
Intervenção em câmeras de
vigilância das ruas do Rio de
Janeiro. Videostill de 2086, 2012.
Perímetro Móvel
Figura 2
Intervenção em câmeras de vigi-
lância. Video still de 2086, 2012.
Perímetro Móvel
Figuras 3, 4 e 5
Video still de pichação em obje-
tiva de câmera de vigilância. Ae-
5 roporto Internacional de Lisboa.
2086, 2012. Perímetro Móvel
6 7
8 9
Considerações finais
A ação em “2086” altera o dispositivo de captação, que ao
tornar-se um elemento constitutivo da imagem incorpora à
linguagem o seu “exterior”. A linguagem é concebida menos
como conhecimento do mundo do que como uso construído
ou como ação sensível. Nomeamos nossa concepção estética
de “Imagem Emersiva”, em oposição à imagem imersiva da Re-
alidade Virtual. Usamos a linguagem em sua dimensão mate-
rial, considerando que a própria linguagem é imediata, ou, o
que dá no mesmo, a mediação é o seu fundamento.
“2086” resultou da ideia bastante situacionista4 de que a
teoria manejada por artistas pode e deve ser lugar de ações
estéticas. Nomeamos o grupo “Perímetro Móvel”, assinatura
12
Figuras 10, 11 e 12 que se referia tanto aos seus membros, que mudariam a cada
Vídeo still de intervenção com semestre, quanto aos limites do audiovisual e ainda à ausência
aquário com peixe em câmera de
vigilância de estação de metrô de fronteira entre reflexão teórica e prática.
do Rio de Janeiro. 2086, 2012. É possível traçar um paralelo entre “2086” e o que Dubois
Perímetro Móvel
chama de “vídeo metacrítico” (2006, p. 110). O autor define o
vídeo como um “estado da imagem”, uma maneira de pensá-la
mais do que uma nova categoria da imagem. No vídeo, ima-
gem e dispositivo são inseparáveis, e a imagem deve ser pensa-
da “junto com o dispositivo, ou como dispositivo”. Ao conside-
rar a própria captação e a transmissibilidade da imagem, que
confunde o vídeo com uma simples mídia, como elementos
componentes da linguagem, “2086” é uma meta-captação e
uma meta-transmissão. Isso parece de acordo com a ideia de
que o vídeo é “uma forma que pensa” toda e qualquer imagem
(2006, p.116).5 No caso de “2086”, pensa o vídeo, a imagem di-
gital, o cinema e a própria linguagem.
Notas
Referências
Fernando Gerheim
fernando.gerheim@gmail.com
Professor da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ/ ECO), professor do Programa de Pós-Graduação em
Artes da Cena (PPGAC/ ECO) e professor do Programa de Pós-Gradua-
ção em Artes Visuais (PPGAV/ EBA).
Resumo
Josie Agatha Parrilha da Silva . O renascimento da relação entre a arte e a ciência: discussões (...) 215
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