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Mahin

Número 1, Ano 1, Maio, 2019 | www.editoramale.com.br

Revista Literária

ENTREVISTA
O escritor Dany Wambire
entrevista Paulina
Chiziane “Literatura como
lugar de negociação, de
luta pela justiça”

Brasil, Moçambique –
Conexões literárias em Do
Índico e do Atlântico

IMPRESSÕES
Conceição Evaristo:
Pesquisadores comentam
a obra da escritora

O Livro do avesso de

Elisa Lucinda
Resenhas. Inéditos. Destaques de 2018. 1
Entrevista
Paulina Chiziane “Literatura como lugar
de negociação, de luta pela justiça”
pág. 4
Mahin é uma publicação quadrimestral da Editora Malê.

Expediente Online: www.editoramale.com.br/revista Lançamento


Editor – Vagner Amaro Matérias e sugestões de pauta: revista@editoramale.com.br Do Índico e do Atlântico: contos brasile-
Assistente editorial: Marlon Souza Para anunciar: vendas@editoramale.com.br iros e moçambicanos.
Capa – Foto: Caio Basílio A Editora Malê não se responsabiliza pelas ideias e pág. 9
Colabores desta edição conceitos expressos nos artigos assinados, que trazem so-

SUMÁRIO
Aline Ramos mente o pensamento dos autores e não representam ne-
Eduardo de Assis
Capa
cessariamente a opinião da revista.
Dany Wambire Livro do avesso, o pensamento de Elisa
É proibida a reprodução total ou parcial desta publi-
Simone Ricco Lucinda.
cação, para qualquer finalidade sem prévia autorização.
Cristiane Veloso pág. 11
Marlon Souza
Fortuna Crítica
EDITORIAL Cristiane Sobral produzindo novos reflexos
na escrita feminina (Cristiane Veloso)
Eu sou porque nós somos. Para mudar este cenário, livrarias foram pág. 14
Vimos surgir nos últimos quatro anos um empreendidas e voltadas para a venda de
acirramento nos debates sobre presenças e livros da literatura negro-brasileira, eventos li- Impressões - Conceição Evaristo
ausências dos artistas negros na cena cultural terários tematizaram a diversidade e a iden- Pesquisadores comentam a obra da es-
brasileira. Se a identidade da cultura brasilei- tidade em suas pautas e editoras foram cria- critora
ra abriga em sua diversidade o conteúdo ori- das, o que fez emergir, mesmo que ainda de pág. 17
ginalmente elaborado e difundido por artistas forma menos intensa que a necessária, uma
negros e negras, a presença destes sujeitos, literatura brasileira contemporânea que se
Resenhas
com raras exceções, ainda é pequena nos es- aparenta como nova para muitos amantes
paços privilegiados de visibilidade do mercado da leitura literatura, que estiveram alienados A Adubada fecundidade e outros contos
cultural e, em uma suposta hierarquia cultural, de uma produção de grande força artística, (Simone Ricco)
mantida no senso comum(embora não faça o criativa e imprescindível para se entender a pág. 20
menor sentido), quanto mais for elaborada a arte literária brasileira.
arte, maior é a exclusão dos artistas negros nos Desta margem surge a Mahin - revista li- O canto dos escravizados (Dany
canais voltados para a promoção artística. terária, para ser um espaço de informação, Wambire)
Neste sentido, a presença da inteligência interação, novidades, debates e expansão pág. 22
e da sensibilidade de artistas negros e negras do conhecimento em relação a literatura, a
é mais naturalizada em expressões da cultu- cultura e a memória afro-brasileira. Inéditos
ra popular como o artesanato, ou o samba, Neste primeiro número, apresentamos Paulo Vicente Cruz
do que em atividades como compor uma uma matéria sobre Livro do avesso, o pensa- Ronald Lincoln
música erudita ou escrever um romance. No mento de Edite, romance de Elisa Lucinda e pág. 24
meio literário, nestes últimos anos, se desta- sobre Do Índico e do Atlântico: contos brasi-
caram iniciativas como a da editora Malê, leiros e moçambicanos, duas impressões so-
Perfil
lançada em 2015 e voltada para promover bre a obra da escritora Conceição Evaristo,
Fábio Kabral, um escritor afrofuturista
a diversidade cultural na literatura, a partir da uma entrevista realizada pelo escritor mo-
pág. 27
publicação de obras de escritores e escrito- çambicano, Dany Wambire, com a escritora
ras negras. É importante citar a campanha Paulina Chiziane, além de resenhas, textos
como Vista nossa palavra Flip, que em 2016, inéditos, e um guia destacando alguns livros Destaques de 2018
denunciou a ausência de escritoras negras que foram lançados em 2018. pág. 30
na programação principal da Festa Literária Boa leitura!
Internacional de Paraty. Vagner Amaro
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Foto: Octávio de Souza

Algumas pessoas a criticam É por isso que insiste em dizer na primeira porque eu tam-
ENTREVISTA por a sua escrita não se en- que não escritora? bém mergulho na estória. Eu e
quadrar nas escolas literá- Eu não sou escritora, eu sem- os meus personagens fazemos
rias tradicionais. Tem seguido pre disse isso. Não gosto dis- parte da mesma corrente.
Irreverência é o que
esse debate? so. O ser escritora, no sentido
caracteriza a escritora Devemos deixar uma coisa formal, significa buscar um No contexto moçambicano
moçambicana Paulina bem clara: existem diversida- projecto literário. Para mim, a e não só ainda se confunde
Chiziane. Mas não o faz des de estéticas. E eu venho escrita é um lugar de liberda- o narrador com o autor. Não
por mal, segredou-nos. É de uma cultura, a africana, de. Os temas são tão diversos, acha que os leitores podem
puro amor à liberdade. que tem a sua maneira de tão vastos, tão profundos. Por considerar as experiências dos
fazer as coisas. Aprendi tam- que eu apenas tenho de sen- livros como se fossem suas?
“Tenho a minha própria
bém, nas escolas formais, ou- tar a olhar apenas para um As minhas marcas pessoais
expressão e ninguém me tras formas de fazer as coisas. tema? Quando me apetece estão sempre nos livros. Há
deve proibir de seguir Logicamente, eu sou o pro- escrever sobre a borboleta, pessoas que dizem que es-
este caminho”, reforça. A duto de várias escolas. Não escrevo. Sobre ovo de gali- crevo sobre feminismo, o que
sua escrita é de compro- seguir o caminho dos outros nha, idem. não é verdade. Eu sou do
misso, mesmo sabendo não significa não ter estética. sexo feminino, eu vejo com
Eu tenho a minha própria ex- De onde lhe vem a inspiração: olho feminino. Apenas estou
que não será capaz de
pressão e ninguém me deve leituras, observação, conver- a descrever o meu mundo,
mudar alguma coisa na proibir de seguir este caminho. sa… Ou é algo inconsciente? não estou a seguir uma linha
sociedade. “Meus escri- Se eu quiser seguir aquilo que Inconsciente não é. Às ve- filosófica. Escrevo aquilo que
tos não são para mudar os outros ditam como o ideal, zes me vem nas conversas. sinto, o que as outras mulhe-
nada, são apenas uma eu estarei a sufocar-me. A mi- De tantas palavras, na con- res sentem, resumo isso e co-
contribuição para uma nha expressão, se calhar, não versa, há-de haver uma que loco no papel. Os meus livros
vai ser perfeita. Resumindo: eu me prende. Outras vezes, são são ricos nisso e fica muito di-
reflexão, diz, nutrida de fé
tenho alguma coisa para di- crianças passando na rua, fícil saber quem é o autor e
que essa reflexão possa zer, dentro de mim existe uma do que falam há alguma coi- quem é o narrador.
conduzir para uma nova mensagem, uma vontade de sa que capto. Outras vezes,
visão. Será o caso de “o dialogar com o outro. Eu te- ainda, vem duma simples ob- Fora do livro, você já terá abra-
canto dos escravos”, seu nho que ser aquilo que eu sin- servação. Mas a minha ver- çado a causa do feminismo?
mais recente livro e pre- to. As pessoas devem aceitar dadeira inspiração acontece Sem dúvidas. Para mim, o li-
a diversidade, pois a vida só quando estou acordada, ao vro ou a literatura funciona
texto para esta entrevis-
é perfeita quando diferentes som duma música, que me como um lugar de negocia-
ta? A escritora guarda fé pessoas se juntam. leva à imaginação. Eu nun- ção, de luta pela justiça. Eu
nisso. A ver vamos! Mas ca disse: agora vou escrever quero negociar a partir da es-
enquanto os livros não Essa irreverência, pelos vistos, sobre isso ou aquilo. As coisas crita, ajudar as pessoas com
chegam aos leitores, fi- estende-se para a escolha dos vêm ao meu encontro, nas dificuldades de expressar o

Paulina Chiziane
quemos com a entrevista. temas. Cada livro seu destapa minhas vivências, e mante- seu pensamento. Não foi sem
assuntos polémicos. Você tem nho a sensibilidade sobre as razão que na última trilogia,
um projecto temático definido coisas nestas vivências. De- eu entrevistei uma espírita e
ou tudo vem ao acaso? pois vem o sonho e o traba- dois curandeiros, e deixei-os
Eu acho que há acaso nisso. lho que acaba em papel. falar na primeira pessoa. Eu
Existe apenas vontade de simplesmente dei as minhas
comunicar sobre diferentes Algo que salta à vista: você mãos para que eles pudes-
aspectos da vida. Se num gosta de escrever na primei- sem expressar o seu próprio
dia, eu comunico sobre um ra pessoa. Quer comentar? sentimento. E a razão é sim-
assunto, no dia seguinte, sou Em muitos livros, como Nike- ples: nós sabemos que o
capaz de comunicar sobre tche e Balada de amor ao nosso mundo está cheio de
um outro assunto. vento, eu escrevo na primeira tabus. E eu queria quebrar
“Literatura como lugar de negociação, de luta pela justiça” pessoa. Eu gosto de trabalhar isso. E como o assunto é com-
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plexo e que não podia mer- poucas saberão. E isso des- na comunidade. barreira colonizadora. Quan-
gulhar no assunto, eu pus as pertou, em mim, muita curio- As pessoas dão os nomes em do o Ocidente chegou a Áfri-
pessoas a falar. Eu apenas fui sidade. Por que é que se fala função do contexto em que ca tentou reprovar tudo para
a máquina operadora. de alguém, lhe dão nomes vivem. Na América Latina, impor a sua visão do mundo.
feios, se procura às escondi- isso que estou a dizer chama- Mas estamos na fase de des-
Acha que isso é da função do das, mas não se sabe exac- riam realismo mágico ou ma- construção desta barreira fi-
escritor? tamente quem é. Eu simples- gia, sei lá. Mas que fique cla- losófica colocada.
Eu acredito que essa é uma mente tive a curiosidade de ro que para meu povo não é Um exemplo que dou, em
das funções do escritor ou do procurar saber com um pou- nada disso, é realidade. relação ao curandeirismo,
autor. Umas vezes falando de co mais de profundidade. é que quase 70% da popu-
si, outras vezes ajudando a des- Há quem diga que existe pro- lação moçambicana bus-
vendar o seu próprio mundo. Sente esse saber estar a ser blema entre o curandeirismo e ca saúde no curandeiro. No
Eu encontro estes dois mun- marginalizado pela ciência? a religião. Partilha dessa visão? campo, o hospital, às vezes
dos e tento trazer ao livro Vem aí a questão da ciência, Não há mesmo. Eu diria mais: dista a 50 Km. Então tem ali al-
este debate. E como eu não do pensamento ocidental. o curandeirismo, no sentido guém que domina o conhe-
tenho propriedade para falar Chama-lhe esse conheci- positivo – note-se que todas cimento sobre as ervas, por-
de certos assuntos, coloco a mento de magia, de realismo as profissões têm o seu lado tanto, enquanto se demora
pergunta, o conflito e peço mágico, porque não conse- mau e seu lado bom – tra- para se chegar aos 50km, por
que os entendidos dêem o guem explicar esse conhe- ta dos assuntos do corpo, é dificuldades de transporte, as
devido esclarecimento. cimento. Outros ainda, os uma ciência um pouco mais pessoas vão ao curandeiro.
religiosos, chamam-lhe de concreta. O padre trata ape-
Você explora as temáticas diabólico. Mas o que é isso de nas dos assuntos do espírito. Você vive numa sociedade pa-
de magia africana: o curan- diabólico, de realismo mági- O médico apenas da carne triarcal, que subjuga a mulher.
deirismo e a feitiçaria. Sente- co. Quando eu saio daqui da Veja-se que o ocidente con- Depois de quase 3 décadas de
-se à vontade para abordar cidade e vou para a zona ru- seguiu dividir estas áreas. A escrita, como vê a relação en-
esse assunto complexo? ral, vejo um outro povo, que parte física ficou com os mé- tre o homem e a mulher?
Todos falam de espíritos e tem outra maneira de ver o dicos e a espiritual ficou com Eu acho que no mundo não
curandeiros. Mas se tu procu- mundo, de pensar e acredita os padres. Mas em África, as há razão para um sobrepor-
rares saber, naquelas pessoas nessas pessoas [curandeiros], duas partes são tratadas com -se ao outro. O homem não fez negra, só ele sabe porquê. entrar num território em que há
que falam, de quem verda- algumas das quais são prove- a mesma entidade. Não há se pode achar dono de tudo, Porquê alguém me pode vir outro tipo de sabedoria.
deiramente elas falam, muito doras de saúde e bem-estar conflito, o que existe é uma porque para ele existir é houve dizer que ele é melhor que Outra coisa que gosto de di-
antes uma mulher. E esta não eu. Aquele que se julga letra- zer: veja que um chefe de
pode pensar que foi feita para do, que estudou nas acade- Estado, todo-poderoso, os
servir, ela tem a sua parcela. A mias olha para outro como se militares, os magnatas, todos
natureza já criou as condições nada fosse. Porquê? esses quando no avião rece-
para que cada um assuma a bem ordens e obedecem.
sua função no mundo. Se a Por dominar o conhecimento… Ordem para sentar, ordem
mulher tem inteligência por Que conhecimento? Há uma para comer, etc.
que não pode aprender? Se coisa de que gosto quando Com isso quero dizer que exis-
a mulher tem voz por que não vou a certas zonas rurais. Uma te mundo dos que se julgam
pode cantar ou expressar os vez eu estive na reserva do letrados, que é bom, que dá
seus sentimentos? Gilé. Quando chegámos, a pri- benefícios, mas existe o mun-
Se é verdade que a mulher é meira coisa que nos disseram é do daquele indivíduo não le-
um ser inferior, que deve ser silenciar os telefones, desligar trado, mas que tem a sabedo-
humilhado, o que seria um os flashes das máquinas foto- ria que lhe vai fazer sobreviver.
mundo sem mulheres, só com gráficas e proibiram-nos urinar
homens? E há ainda outros em qualquer sítio. Devia-se
contextos em que as pessoas seguir o guia. Então naquela
são catalogadas em função fronteira, toda a sabedoria ad-
da cor da pele. Se Deus me quirida cai porque estamos a
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Brasil, Moçambique
A ideia de colonização não E os desequilíbrios também co que está trabalhar para
está só com os brancos ou acontecem na relação entre a telenovela é do alto nível.
com os homens. Pode comen- as profissões? Não acreditei que fosse ver-
tar, tomando em considera- Sim. Os médicos, governado- dade aquilo que eu vi.
ção, o caso do livro Niketche? res, académicos, etc. acham
As mulheres que se sobre- que os artistas acham são Recentemente uma delega-
põem às outras. Para mim, marginais. Mas o que é um ção de escritores moçambi-
a questão é seguinte: todos médico sem música? No canos foi homenageada no
os seres nasceram para a li- momento de rebaixamento, Festival Literário de Poços de
berdade e cada um nós, no aquele som que lhe suaviza a Caldas (Flipoços 2017) que Conexões literárias em Do Índico e do Atlântico
seu quotidiano, tem que lutar alma, quem o produz? É o ar- decorreu no Brasil. Que me-
Com o principal intuito de O escritor Dany Wambi-
para ter essa liberdade. E ter tista. Como ele se pode consi- mórias guarda deste festival?
estreitar laços culturais entre re, responsável pela seleção
um lugar para existir. Muitas derar superior àquele que lhe Foi bom, bom demais. É muito
o Brasil e Moçambique, so- dos escritores moçambica-
vezes, pelas dinâmicas da faz a massagem do espírito. bonito um país apresentar-se
bretudo o literário, as editoras nos, trouxe uma seleção com
vida, há sempre aqueles que ao outro através da voz dos
Malê e Fundza lançam a an- uma diversidade literária ins-
se querem sobrepor aos ou- Qual é o fim último da sua es- seus artistas. Foi um acto su-
tologia Do Índico e do Atlânti- tigante em contos que apre- Do Índico:
tros. O racismo, o tribalismo, o crita? Pretende mudar algu- blime, foi o reconhecimento
co com escritores e escritoras sentam grande domínio téc-
machismo e outras formas de ma coisa na sociedade? de que nós como povo existi- Mia Couto (1955).
do Brasil e de Moçambique. nico narrativo e estilos bem
discriminação são lutas de in- Meus escritos não são para mos. Afinal, nós moçambica- Escritor, professor, jorna-
Com a aproximação do definidos de cada escritor.
teresse. O negro tem que lu- mudar nada, são apenas uma nos também produzimos va- lista e biólogo. Estreiou na
escritor Moçanbicano Dany E o editor Vagner Amaro,
tar para ter o controle sobre contribuição para uma refle- lores que são reconhecidos literatura com um livro de
Wambire com o Brasil e a responsável pela organiza-
si e não permitir que o outro xão, e esta reflexão pode con- além-fronteiras. poesia, Raíz de Orvalho, pu-
publicação de suas obras e ção da antologia e seleção
possa invadir o seu espaço. A duzir para uma nova visão. E Eu considerei aquele festi- blicado em 1983 e no conto,
suas passagens pelo nosso dos escritores brasileitos, nos
mulher deve ter consciência quero confessar, com toda a val um momento muito no- com o livro Vozes Anoiteci-
país, deixou claro a falta de apresenta escritores e escri-
da sua liberdade, seu valor certeza, que Niketche é um bre. Note quando se fala de das, em 1986. Recebeu di-
conhecimento da literatu- tores sensíveis e hábeis, que
para não se deixar subjugar livro que criou reflexões. Se África, fala-se da fome, das versos prêmios, entre eles o
ra contenporânea produzi- por temáticas, estilos e apuro
àquela mulher que se julga criou mudanças, isso não sei. epidemias, da pobreza, etc. Prêmio Camões, em 2013. No
da em seu país, assim como técnico, contribuem em tex-
Dona. Esta é a dinâmica da Mas nós fomos para o Brasil, conto “Rosalinda, a nenhu-
também acontece em Mo- tos ficcionais, com muito do
vida. Nesta coisa de conflitos A propósito, este livro está ser levando a alma e a sabedo- ma”, o autor narra de forma
çambique com a falta de que há de mais interessante
entre homens e mulheres, o adaptado para telenovela no ria do nosso povo. metafórica uma história de
conhecimento de escritores na nossa literatura atual.
que chamo atenção é a ne- Brasil. Como se sentiu quan- amor póstumo, mas também
brasileiros contemporâneos. Além dos contos publica-
cessidade da mulher sentir a do soube disso? de busca pela identidade.

Lançamento
Fazendo então surgir a dos na antologia, no início do
sua força e sentir o seu lugar A minha surpresa foi boa de-
ideia de apresentar os escrito- livro há um breve estudo escri-
no equilíbrio do mundo. mais. Primeiro porque o elen-
res brasileiros para os leitores ta por Vagner Amaro que nos Diogo Araújo Vaz (1978).
de Moçambique através da apresenta de forma abrevia- Escritor e gestor. Estreiou
publicação da antologia pela da um pouco da produção na literatura com Contos de
editora Fundza, bem como a literária contemporânea em Guicalengo (2010) – Prêmio
publicação de escritores mo- Moçambique e no Brasil para Minerva Central 100 anos e
çambicanos, apresentando-os que possamos compreender Maria Odete de Jesus. Em
para um público leitor através melhor a proposta inicial da “Apocalipse”, o autor narra a
Título: Do Índico e do Atlântico: contos brasileiros e moçambicanos da edição da editora Malê. coletânea e estreitar ainda atuação do homem no mun-
Organização: Vagner Amaro Os contos demonstram mais os laços entre os dois do, o antropocentrismo e a
Autores: Conceição Evaristo, Marcelo Moutinho, João Anzanello uma variedade de gêneros países e suas literaturas. necessidade de se buscar um
Carrascoza, Rafael Galo, Eliana Alves Cruz, Cristiane Sobral e Mi- e narrativas e mantendo as Apresentamos aqui os sentido, uma invenção para
guel Sanches Neto; Mia Couto, Lilia Momplé, Alex Dau, Diogo variantes da lingua portugue- autores que compõe Do Índi- explicar as desmedidas huma-
Araújo Vaz, Dany Wambire, Carlos dos Santos e Daniel da Costa. sa falada no Brasil e em Mo- co e do Atlântico, bem como nas em relação à natureza.
Assunto: Literatura brasileira - contos; Literatura moçambicana - contos. çambique para uma maior seus contos pela ordem que
Páginas: 139 incersão a literatura produzi- se apresentam no livro:
ISBN: 978-859-2736-38-5 da em cada páis.
Editora: Malê
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Carlos dos Santos (1962). sua aldeia, obedecendo às teratura. Em “Corte”, Rafael
Escritor e professor, forma- ordens de seu pai. Gallo conta a história da rela- CAPA
do em Psicologia e Pedago- ção de uma avó com a sua
gia. Estreou com o romance Alex Dau (1972). neta afrodescendente.
Revista Mahin: Como surgiu a
de ficção científica A quinta Estreou em 2014, com a ideia de escrever Livro do aves-
dimensão (2006). No conto “O obra Reclusos no tempo. Em Miguel Sanches Neto (1965).
so, o pensamento de Edite?
ilusionista”, Carlos dos Santos “Menina Teresinha”, Alex Dau É escritor, professor uni-
Elisa Lucinda: Edite nasceu
apresenta uma experiência apresenta a história de uma versitário e crítico literário. Es-
espontaneamente, eram
com o fantástico quando uma menina de quinze anos e treou com o romance Chove
anotações de um certo aves-
menina vai até o galinheiro seus pequenos desafios para sobre minha infância (2000).
so. Apontamentos de um co-
buscar ovos para a mãe. cuidar do pai que tanto ama. Em “Sabor”, o escritor narra
tidiano numa hora em que
as experiências de três me-
eu me sentia muito pressio-
Lília Momplé (1935). ninos quando testemunham
Escritora e professora.
Do Atlântico duas cenas de morte.
nada: escrevia o Fernando
Pessoa, meu primeiro roman-
Entre 995 e 2001, exerceu a ce, e tinha um prazo para en-
Eliana Alves Cruz (1966). Marcelo Moutinho (1972).
função de secretária-geral tregar a revisão de um outro
Escritora e jornalista pós- É escritor e jornalista. Es-
da Associação dos Escritores livro por uma outra editora.
-gratuada em Comunicação treou com o livro de contos
Moçambicanos. Estreou com Isso foi criando um tumulto
Empresarial. Foi vencedora Memória dos barcos (2001).
o livro Ninguém matou Suhur- no meu peito e um certo su-
do concurso de romances da Oxê é um machado de dois
ra (contos, 1988); na sua obra focamento. Explico: toda po-
Fundação Cultural Palmares/ gumes, no candomblé é
também se destacam Nei- esia que ameaçava nascer
MINC em 2015, com o roman- chamado de machado de
ghbours (romance, 1996) e Os dentro de mim, ia logo para
ce Água de Barrela. Em 2018, Xangê. O conto “Oxê” de
olhos da cobra verde (contos, a boca enorme do romance.
publicou pela editora Malê o Marcelo Moutinho se passa
1997). Em “Stress”, um profes- Tudo que eu pensava poeti-
romance O crime do Cais do na história derrota do Brasil
sor comete um crime quando camente acabava indo fa-
Valongo. Em “Noite sem lua”, para a Alemanha na Copa
é interrompido de assistir a te- zer parte de um capítulo, de
Eliana apresenta as angústias do Mundo de 2014, sob a
levisão; uma vizinha testemu- uma cena do Cavaleiro de
de Marilene diante de uma perspectiva de um seguran-
nha o assassinato. Nada. As outras horas eram
sociedade que discrimina a ça apaixonado.
sua cor. dedicadas à revisão do outro
Daniel da Corta (1966). livro. Então que horas eram
Escritor, professor, jornalista João Anzanello Carrascoza
Cristiane Sobral (1974). minhas? Comecei então a
e diplomata. Estreou em 2003 (1962).
Escritora, dramaturga e fazer umas anotações de um
com uma coletânea de crô- É escritor e professor uni-
atriz. Estreou na literatura em modo quase escondido de
nicas, Xingondo. Em “A flauta versitário. Estreou com o livro
2010, com o livro de poemas mim. Ninguém podia saber
do Oriente”, o velho Saguate Hotel Solidão (1994). No conto
Não vou mais lavar os ratos. que eu estava escrevendo
consegue domar a sua dor “Dias Raros”, Carrascoza nar-
No conto “223784”, a escrito- outra coisa além das enco-
com o recurso de uma flauta ra a visita de um menino a sua

Elisa Lucinda
ra narra uma relação de afe- mendas já em curso; nem eu.
importada da Índia. avó e as descobertas que sur-
to e cumplicidade entre pai Então, qualquer pensamento
gem da relação de afeto que
que passasse na minha cabe-
Dany Wambire (1989).
e filha. A relação é afetada
pelo relacionamento amoro-
se instaura entre eles. O Livro do avesso de ça e que fosse simples, livre,
Escritor e professor. Es- solto, eu comecei a anotar.
so inter-racial da filha. Conceição Evaristo (1946).
treou em 2013, com o livro A E tudo começou com um so-
adubada fecundidade e ou- É escritora e professora. Es-
Rafael Gallo (1981). nho que tive. Foi aí que eu vi
tros contos. É diretor da revis- treou com o romance Ponciá
Escritor, autor do roman- Edite aparecendo, surgindo.
ta Soletras – a sopradora de Vicêncio (2003). No conto “Os
ce Rebentar (2015), livro ven- Avistei sua lógica,seu funcio-
letras. Em “A mulher sobressa- pés do dançarino”, Conceição
cedor do Prêmio São Paulo namento.Uma personagem
lente”, Dany apresenta a ten- Evaristo apresenta a história de
de Literatura e de Réveillon caleidoscópica da qual eu
são entre tradição e contem- Davenir, exímio dançario, e a Nesta entrevista a escritora comenta sobre seu se- anotei umas 113 observações
e outros dias (2012), livro ven- necessidade de um reencon-
poraneidade, quando uma gundo romance, Livro do avesso, o pensamento de de sua mandala existencial.
cedor do Prêmio Sesc de Li- tro com sua ancestralidade.
mulher precisa retornar para Edite. Confira! Logo percebi também que
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as vozes que moravam com extensão do campo. A poesia Fernando Pessoa, tentando
a Edite precisavam sair de tem mais compromisso com pensar como ele, o pensa- Trecho de
casa. É um livro despretensio- a síntese. É difícil suportar um mento opiário, um pensa- Livro do avesso,
so e isso faz dele pra mim, um poema de 120 páginas, mas mento ébrio, um pensamento
filho muito legítimo. Brotou. no romance é perfeitamente homossexual, um pensamen- o pensamento
comestível, palatável!O ro- to judeu português e acima de Edite
Revista Mahin: E quando você mance não tem limite, tem de tudo um pensamento de
decidiu que seria um romance? um outro time para a riqueza um poeta foda. Foi uma tese, Ontem não aguen-
Elisa Lucinda: A maioria das de detalhes porque, se pre- uma faculdade, uma viagem tei. Olhei pra ele e falei:
passagens tiveram seu nasce- cisar, o romance usa uma, longa que fiz ao país daque- Você me desperdiça,
douro na realidade. Viraram duas, três páginas para des- la alma. E aquilo tomou muito não me aproveita. En-
ficção quando se tornaram crever uma cena de amor. minha existência , meu espa- che de ausência nosso
literatura. Agora eu acredito Enquanto na poesia sou mais ço interno. Edite era a minha amor. Não quero mais,
até no que inventei. Acre- impressionista, tenho menos transgressão, minha subver- pra mim é pouco. Então
dito na Edite. Eu não sabia espaço. a questão é que o são, o porão de mim. eu vou ficar com você
que era romance. A princípio poeta já é, por prática, um mas vou dormir com ou-
pensei: é um livro de prosa, experiente narrador. Quando Revista Mahin: O livro apre- tros homens também,
um certo diário, uma con- ele vira romancista, se espa- senta a partir da protagonis- tá? Você não dá conta
versa banal de alguém com lha. Mas a poesia é um olhar, ta uma voz literária feminina sozinho do serviço. Paci-
a própria vida, mas quando um jeito de olhar, um viés. Por muito marcante. Foi uma es- ência. Tô na pista! Você
Edite se configurou se apre- isso que minha prosa é sem- colha intencional? está me ouvindo?
sentou como narradora do pre vista pelos críticos e pelos Elisa Lucinda: É interessante Claro que ele não
começo ao fim. Não havia fãs como uma prosa poéti- também que essas vozes pos- está me ouvindo, não
dúvidas. O que ficou pron- ca, o que muito me alegra e sam sair de dentro de mim sou doida de falar isso
to foi um romance. Esse livro me agrada. No entanto, Livro através da Edite porque elas na cara dele. Se eu fa-
nasceu pronto. Mistério. do avesso, o pensamento marcam uma grande trans- lar ele vai embora. Não
de Edite, é um livro de preço formação no feminino desde quero que ele vá em- Elisa Lucinda nasceu em A menina transparente. Rio
Revista Mahin: Entre o roman- acessível e acho que é o meu quando eu era criança. No bora assim, por ele. Só Vitória (ES), onde se formou de Janeiro: Record, 2010.
ce e a poesia, qual o gênero livro mais magro de páginas. meu inconsciente moram e quando eu mandar. Ai, em jornalismo e chegou a (Prêmio altamente recomen-
que você mais se identifica? Flávia Oliveira, nossa queridís- eu testemunhei tias, vizinhos, por que pensei isso? De- exercer a profissão. Atua em dável, da Fundação Nacio-
Elisa Lucinda: Eu gosto dos sima jornalista, economista e dias riquíssimos dos subúrbios via ter uma caixinha no teatro, cinema e televisão, nal do Livro Infantil e juvenil
dois. Mais o que acontece no grande observadora socio- daquele tempo onde a his- canto da gente só para publicou seu primeiro livro de – FNLIJ.); A dona da festa. Rio
romance é uma questão de lógica da história brasileira, teria era mais alegórica ain- pensamento feio, aí nem poesia “A lua que menstrua”, de Janeiro: Record, 2011.
disse que é livro pra se ler de da porque as mulheres eram eu ia saber deles. Ainda em 1992.
*****
uma sentada só. Confio. To- muito castradas e oprimidas bem que a Voz não está Conheça os outros livros
50 Poemas Escolhidos
mara que Edite possa abrir o em suas potencialidades. O me escutando. Onde de Elisa Lucinda
pelo Autor. Rio de Janeiro:
avesso de outras mulheres, e livro é um brinde à libertação será que ela fica quan- Sósia dos sonhos. Produ-
Edições Galo Branco, 2004;
outros homens, e outros seres. feminina, de uma certa for- do ela não está aqui? Eu ção independente. 1994; O
Contos de Vista. São Paulo:
ma. Edite não é uma ativista, hein, vou sair, estou com Semelhante. Rio de Janei-
Global, 2005. (Primeiro livro
Revista Mahin: E como foi o oficialmente falando. Seu dis- medo de mim. ro: Record, 1999; Euteamo e
de contos da autora); A fú-
processo de criação do ro- curso não é panfletário, ela suas estreias. Rio de Janeiro:
ria da Beleza. Rio de Janeiro:
mance? não está num comício, todas Record, 1999.
Título: Livro do avesso, o pen- Record, 2006; A poesia do
Elisa Lucinda: Uma liberta- as suas observações políticas samento de Edite. ***** encontro. Com Rubem Alves.
ção. Fernando era uma de- são ditas de um ponto de Autor: Elisa Lucinda Coleção Amigo Oculto São Paulo: Papirus, 2008; Pa-
lícia. Escrevê-lo em primeira vista muito íntimo e pessoal. Editora: Malê (infantojuvenil): O órfão fa- rem de falar mal da rotina.
pessoa me fez usar de práti- Não tem grandes extensões Assunto: Romance brasileiro; moso. Rio de Janeiro: Record, Rio de Janeiro: Leya, 2010;
cas teatrais e aplicá-las na teóricas. Não fica em silêncio cultura brasileira 2002; Lili, a rainha das esco- Fernando Pessoa, o Cavaleiro
literatura. investigar para sê- Edite é singela na sua com- Formato: 14x21 lhas. Rio de Janeiro: Record, de Nada. Rio de Janeiro: Re-
-lo.Ser ator é ser o outro. Eu preensão do mundo e esse Páginas: 156 2002; O menino inesperado. cord, 2014; Vozes Guardadas.
escrevia brincando de ser pra mim é o seu charme. ISBN 978-85-92736-35-4 Rio de Janeiro: Record, 2002; Rio de Janeiro: Record, 2016.
12 13
Nestas breves considera- na sociedade, construir uma mental para os esforços de
ções sobre a autora, iremos família, uma carreira, enfim, todas as pessoas oprimidas
nos referir apenas a alguns ser o que ela quiser ser. A e/ou exploradas, que pas-
aspectos de sua obra poéti- construção dessa nova visão sariam de objeto a sujeito”
ca. da mulher negra é urgente (1995, p.466). Para a autora,
A relevância da obra e a poesia é um campo fér- a reflexão e o posicionamen-
poética de Cristiane Sobral til para tal. Para a professora to intelectual de mulheres ne-
está pautada em seu enga- e pesquisadora sobre Litera- gras, inspiram outras mulheres
jamento político e social, em tura afro-brasileira Zilá Bernd negras, e este fato, tira essa
seus textos que mesclam críti- “a proposta do eu lírico não mulher de uma posição de
ca e suavidade e ainda pos- se limita à reivindicação de inferioridade, obscuridade e
suem uma linguagem atual, um mero reconhecimento, abnegação, na qual ela foi
fácil e motivadora. Os textos mas amplifica-se, correspon- colocada pela sociedade
de Sobral transgridem as re- dendo a um ato de reapro- racista e machista. Conco-
presentações estereotipa- priação de um espaço exis- mitantemente, Sobral afirma
das, privilegiando a beleza, a tencial que lhe seja próprio” “Ao escrever procuro pala-
FORTUNA cultura e a intelectualidade (1988, p.77). Como ratifica vras como quem monta um
das mulheres negras. Em seus Sobral “Nunca mais aceitarei quebra-cabeça, num exercí-
CRÍTICA poemas, a autora combate a sua visão deturpada das cio de imaginação e sensibili-
o preconceito e o racismo e coisas que fere e mata. Ago- dade. Escrever é o meu grito
propõe uma nova visão so- ra serei a protagonista” (2011, de liberdade”. (2011, p.123)
bre a mulher negra brasileira. p.87). Através dos textos em É justamente por isso que
O processo do racismo, que a mulher negra assume a obra poética de Cristiane
dentro de uma perspecti- seu lugar de fala e de perten- Sobral é tão significativa, pois
va de gênero, “coisificou” a cimento, ela poderá ser ca- busca nitidamente inspirar as

Cristiane Sobral
mulher negra e deu-lhe uma paz de recuperar sua história mulheres leitoras a se conhe-
inferioridade que justificou, e sua imagem. cerem (ou se reconhecerem),
durante muito tempo, (e ain- Para fomentar essa Litera- se aceitarem e se posiciona-
da justifica) os abusos domés- tura transformadora, é essen- rem diante desse mundo de
ticos e de origem sexual. De cial que as mulheres negras preconceitos e racismo.
acordo com bellhooks (1995, ocupem o lugar de intelec- Para que seja possível
p.468) “perpetua uma icono- tual, que, segundo bellhooks, romper com paradigmas e
grafia de representação da “é uma parte necessária da posturas consolidadas numa
mulher negra que imprime na luta pela libertação, funda- sociedade, é preciso muita
consciência cultural coletiva
a ideia de que ela está neste
produzindo novos reflexos na escrita feminina planeta principalmente para
servir aos outros”.
Cristiane Sobral é uma escritora, atriz e professora de teatro. Nasceu no Rio de A visão de uma mulher
Janeiro e, atualmente, reside em Brasília. Iniciou sua carreira como escritora em negra, sem estereótipos racis-
2000 publicando nos Cadernos Negros onde publica até hoje. Possui dois livros tas, vem tentando conquis-
de poemas e dois de contos, sendo o mais famoso deles o livro de poemas “Não tar seu espaço na Literatura
através de escritoras como
vou mais lavar os pratos”, que já está em sua terceira edição. O referido livro traz Cristiane Sobral, que retrata
poemas que tratam de vários assuntos, como maternidade, amor, beleza, cabe- a mulher negra num papel
lo da mulher negra, relações de gênero e empoderamento feminino. É um livro de luta e resistência. Tal novo
muito rico e completo, assim como toda a obra de Sobral. Os contos também paradigma de mulher negra
são profundos e trazem à tona, para discussão e reflexão, aspectos reais da vida seria um indivíduo dotado
de negros e negras. de desejos, sentimentos, ca-
paz de intervir positivamente
14 15
coragem. Coragem para se demonstrar clareza de opi- BERND, Zilá. Introdução à li-
posicionar de forma contrá- nião e posicionamento frente teratura negra. São Paulo: Editora
Brasiliense, 1988.
ria ao esperado, criando uma à vida. A autenticidade dos
nova rota, um caminho de escritos de Sobral é o que HOOKS, Bell. Intelectuais ne- IMPRESSÕES
fuga, que aqui é a criação de agrega mais valor à sua obra. gras. Revista Estudos Feministas. Rio
novas possibilidades e novos Cristiane Sobral arrisca de Janeiro, v.3, nº 2, p. 464 – 478,
sujeitos. E é justamente nesta e faz de suas experiências, 1995.
perspectiva, que os poemas uma obra de arte cheia de SOBRAL, Cristiane. Espelhos,
de Cristiane Sobral descons- energia e substância, rica em miradouros, dialéticas da percep-
troem uma estética padroni- criatividade e polimento, por- ção. Brasília: Dulcina Editora, 2011.
zada da Literatura, gerando tanto merece o nosso estudo,
uma força propulsora para a nossa atenção, nosso deleite _______. Não vou mais lavar
os pratos. Brasília: Dulcina Editora,
criação de uma nova Litera- e nossa reverência. “Brinda- 2011.
tura Negra, com estilo próprio, -se pelas páginas o ato, o
ousado e moderno. ato-escrever, quando por tal _______. O tapete voador. Rio
Abordar tais temas, que atitude se unem ao pensar e de Janeiro: Malê, 2016.
não se enquadram numa ao expor, audácia, radiân-
_______. Só por hoje vou deixar
perspectiva tradicionalista e cia, agudeza, entrega” (PU- meu cabelo em paz. Brasília: Ed.
pré-determinada, é ousar e CHEU, 2007, p. 5). Teixeira, 2014.

PUCHEU, Alberto. Pelo colori-


do, para além do cinzento (quase
Cristiane Veloso de Araujo Pestana é mestre em Estudos um manifesto). In: Pelo colorido,
Literários e Especialista em Literatura e Cultura Afro-brasileira para além do cinzento (a literatura
pela Universidade Federal de Juiz de Fora. e seus contornos interventivos). Rio
de Janeiro: Azougue Editorial, 2007,
p.11-26.

Conceição Evaristo
Por Eduardo de Assis Duarte

O ano de 2017 ficará nova biografia; e ainda de Firmina dos Reis – autora de
marcado na história da litera- Edimilson de Almeida Pereira, Úrsula (1859) e primeira mu-
tura afro-brasileira pela visibi- Ana Maria Gonçalves e Láza- lher a escrever um romance
lidade midiática alcançada ro Ramos, Conceição Evaris- abolicionista em português.
pelos autores negros partici- to chamou a atenção do pú- Conceição segue a trilha de
pantes da Festa Literária de blico e da crítica para o vigor Firmina e de outras precurso-
Paraty, em especial Concei- e a potência da vertente afro ras e traz para a construção
ção Evaristo. Ao lado de Lima da literatura brasileira. do texto o que ela mesma
Barreto, autor homenageado Coincidência ou não, teoriza como escrevivência
e contemplado com reedi- a data marca o centenário – diálogo constante da es-
ções de sua obra e com uma de morte da pioneira Maria crita com a memória e as li-
16 17
ções do vivido. Se, nos versos (2011), do premiado Olhos Nos becos da Ponciá. Emocionada, verteu tamanho ao ver reconhecida fazem literatura. Questionam
de Poemas da recordação e d’água (2014) e de Histórias lágrimas, vertemos. Lá esta- uma das melhores escritoras se há de fato “estética” em
outros movimentos, ela afir- de leves enganos e pare- Memória vam ainda Miriam Alves, Mãe contemporâneas brasileiras. suas obras, sem lê-las! Ironi-
ma querer “morder a pala- cenças (2016), ouvem-se as Por Aline Arruda Beata de Iemonjá, escritoras Passo pelas fotos e vídeos, zam as presenças suas com
vra” para sorver o “tutano do mesmas “vozes mulheres” a negras num evento de maio- inebriada. À medida que leio piadas sobre cotas. Julgam-
verbo” e “versejar o âmago costurar enredos cravados Conheci Ponciá Vicêncio ria branca, era um passo sua história, leio também a de -lhes ser melhor não inserir pre-
das coisas”, nos romances e nas falas subalternas ansiosas antes de conhecer Concei- ainda tímido comparado a nossos ancestrais, a de nossas fixo, cor ou gênero para suas
contos não é diferente. Em por ouvidos que deem aten- ção Evaristo. Foi numa disci- uma FLIP como a deste ano, lutas e conquistas diárias em literaturas. No entanto, elas
suas estórias, ela sorve o tuta- ção ao drama que começou plina de literatura na UFMG, entretanto, era um regozijo sala de aula, congressos e ocupam a TV, até o apresen-
no de uma memória pessoal lá atrás, nos porões dos tum- ministrada pelo professor para a literatura de escrito- grupos de pesquisa. As cores tador de Big Brother é obri-
e coletiva e constrói enredos beiros. Vozes como a de Ma- Eduardo de Assis Duarte. Meu res e escritoras negras e para da exposição revelam uma gado a entrevistá-las. Apare-
que impregnam para sempre ria ou de Ana Davenga, de encanto foi tamanho, que nós pesquisadores. Naquela boa notícia em meio às deso- cem nos textos acadêmicos,
as memórias dos leitores. Olhos d’água, surpreendidas resolvi inseri-lo no meu proje- ocasião ainda era necessário ladoras que nos cercam nes- viram tema de disciplinas nas
Que o diga Ponciá Vicên- (juntamente com os leitores) to de mestrado. Isso foi em apresentar Conceição Eva- ses tempos. Os manuscritos graduações, são ilustradas
cio, do romance homônimo pela irrupção da barbárie no 2004! Eu nunca tinha ouvido risto, contar de sua biografia, são arquivos de uma escrita em quadrinhos, compõem
(2003), herdeira dos horrores cotidiano aparentemente falar de Conceição antes dis- resumir o livro. Imaginem que que perpetua a de Maria Fir- livros e participam de feiras,
do cativeiro, a viver a favela prosaico da metrópole con- so. Ponciá e sua família, com hoje há até cerveja feminista mina dos Reis e Auta de Sou- festivais literários e mostras.
como atualização da senza- temporânea. Vozes que re- suas idas e vindas no “trem em seu nome! Maravilha! za, passa por Carolina Maria No slam poético, levantam
la, e a trazer para o século XXI metem a falas ancestrais e negreiro” me acertaram em Em 2017, quando visito a de Jesus e encontra Mirians, as vozes múltiplas. Nos becos
um passado que não passa que clamam aos “malungos, cheio na alma. A linguagem Ocupação Conceição Eva- Esmeraldas, Lívias, Lias, Anas, da memória, contam sobre
e que a emudece perante broders, irmãos” – também poética, o lirismo conjugado risto na Avenida Paulista, gi- Julianas, Cristianes, e tantas as insubmissas mulheres, po-
a violência e a desigualda- eles vítimas, mesmo quan- à violência e o enredo críti- gante insígnia da megalópo- negras literatas que escre- etam pelo mundo e provam
de; ou Maria Nova, de Becos do instrumentos da violência co me tiraram do lugar e en- le São Paulo, outra emoção vem a mesma história. que vieram para ficar.
da memória (2006), menina- – por uma vida diferente, a contraram meu apreço pela me invade, uma alegria sem Ousam dizer que elas não
-mestra da resistência frente ser construída na supera- cultura afro-brasileira. Meses
à voracidade capitalista que ção. Mulher conectada a depois eu conheci a escrito-
passa por sobre barracos e “seu tempo” e a “seu país”, ra. Apresentadas pelo meu
vielas, crianças e velhos, feito para ficarmos com a síntese orientador, antes de levá-la
trator a refazer a paisagem re- centenária do irmão de cor em casa, convidei para uma
movendo a incômoda gente e pai de Capitu, Conceição entrevista informal. Na mi-
“diferenciada”. Em ambos os Evaristo trata a ficção como nha cozinha, conversamos
romances emerge o espaço tecelã a unir documento e sobre o livro, sobre nossas
da ocupação e da moradia invenção, lastro histórico e vidas, nossas semelhanças.
precária como resultado do crítica social. Esquecida da Era também um encontro de
processo de modernização triste “arvore do esquecimen- almas. Teimosa que só, Con-
excludente, já encenado fei- to”, nos acorda a cada dia ceição não me confirmava
to nervo exposto nos diários e para a crueza que nos cerca algumas suspeitas estéticas
na ficção de Carolina Maria e quase não percebemos. sobre o livro, ria e me levava
de Jesus. E em ambos o texto Tudo isto, sem perder a ternu- para outro lado dos bastido-
dialoga com o vasto arquivo ra jamais. res de sua escrita, de sua es-
humano construído em sécu- BH, inverno de 2017. crevivência. Entre um gomo
los de escravização e de seu e outro de mexerica, eu me
irmão gêmeo, o preconceito encantava com a doçura e
de cor. E em ambos ouve-se simplicidade da autora que
a fala do Outro, na contracor- eu havia canonizado em mi-
rente das metanarrativas do nha mente. Outros encontros
país tropical, “abençoado por vieram... no seminário Mulher
Deus e bonito por natureza.” e Literatura no Rio de Janei-
Nos contos de Insubmis- ro, em 2005, ela foi me assis-
sas lágrimas de mulheres tir numa comunicação sobre
18 19
Dany Wambire
A adubada Fecundidade e Outros Contos, de
RESENHAS

Por Simone Ricco

A escrita de Dany A estrutura dos doze con- ciona seus personagens nesta
Wambire pode ser acessada tos ressalta a escolha do diá- encruzilhada, que convoca a
em diferentes formatos de logo com a tradição existen- decidir por ser ou não ser; ou
textos publicados em jornais te em um modo karingana como ser. Dessas questões, o
e revistas de Moçambique, de contar – em conformida- contista extrai episódios opor-
em antologias, na mídia di- de com a palavra que signifi- tunos para reflexão e para a
gital e no livro infantil Quem ca licença para contar histó- efabulação produzida com se-
Manda na Selva (2016). Lan- rias. Wambire reconfigura as quências narrativas moldadas
çada no Brasil, a obra A Adu- fórmulas usadas na abertura por ironia, dramaticidade e um
bada fecundidade e outros das narrativas orais, transfor- realismo poético que configura
contos apresenta aos leitores mando-as emepígrafes que momentos de encantamento.
brasileiros a ficção produzi- ajudam a entender a sub- Sua ficção é convite para
da por este jovem autor, que jetividade de narradores e “deslocações” geográficas,
mereceu de Mia Couto a se- personagens, sinalizando a como as que movem o prota-
guinte observação: “perce- necessária atenção ao tex- gonista do conto “Amor proibi-
be-se que não está apenas à to e ao contexto, pois como do” em seu percurso por uma
busca de um modo de dizer: sentencia Cristoamo Martírio, “terra que assemelhava-se a
ele tem uma raiz que é sua, “Olhar, olha-se sempre. Mas um mar, recebendo e aco-
um traço estilístico que define ver, é às vezes”. lhendo o que era conduzido
sua identidade.” Em cada conto, Wambi- pelos rios”. O texto flui - com
Neste primeiro livro de- re “passa a visão” trazida por acidez, com ternura. É acolhi-
dicado ao público adulto, diversas vozes periféricas que, da e viagem, trafegando por
Wambire ergue fictícias pa- a despeito de sua condição entre calamidades naturais -
ragens – como cidade de econômica, encontram-se dis- secas, inundações, e calami-
Independência, Demolido e tantes da “verdadeira pobre- dades naturalizadas por ações
Título: A adubada fecundidade e Fim-de-Mundo - pontos de za, aquela que vem de dentro produtoras de “Um gueto sem
outros contos partida para adentrar cená- do indivíduo”. Contista hábil, saída” que serve a Wambire
Autor: Dany Wambire rios, memórias e histórias que transforma em fortuna os dile- como terra fértil, barro para
Assunto: Literatura Moçambicana remetem a Moçambique. Os mas, relações, contradições e a (re)criação de uma paisa-
ISBN: 9788592736101 nomes dessas cidades, po- escolhas de Gostavo, Luisânge- gem natural e humana que
Idioma: Português voados e bairros suburbanos la, Josabela, Almerda, Estêvã ele converte em manancial
Formato: 14 x 21 configuram pistas para de- Saudade, Geraldinho Saudoso, de expectativas atendidas no
Páginas: 92 cifrar a realidade que serve Jesustóvão, João Forasteiro e desenvolvimento das tramas,
Ano de edição: 2017 de terra fértil para Wambire outros sujeitos das histórias que ou quebradas por aconteci-
Edição: 1ª criar sua ficção adubada por entrelaçam diferentes tempos mentos e desfechos surpreen-
elementos coletados na tra- e espaços de um território que dentes, decorrentes de uma
dição, como Nhamussoros, adota“modos da modernida- fecundidade narrativa adu-
curandeiros e pitadas de sa- de”, sem descartar a orienta- bada pelo imaginário repleto
bedoria ancestral. ção tradicional. O autor posi- de grande simbolismo.
20 21
Paulina Chiziane
canta liberdade em novo livro
Em 122 páginas, a consa- canto de dor e desespero; colocar o pensamento que
grada escritora moçambica- canto de resistência; trans- estaria no papel literário na
na Paulina Chiziane decidiu cendência; canto de liber- voz ou numa tela.
compor uma canção para dade; à volta da fogueira e Para a escritora, insistiu, o
os ‘escravos’ deste século, canto de esperança, temas a mais importante é a liberda-
apelando à sua liberdade. ser estudados por uma vítima de. Como é importante para
“O canto dos escravos”, é o da escravatura, processo his- o negro, que “não se sente
título da canção, ou melhor, tórico que, de acordo com a humano”, segundo a autora,
do livro, que será lançado autora, pode reavivar a histó- por ter sido vulgarizado du-
neste mês em Maputo, capi- ria de Moçambique “na me- rante séculos. “A vida de um
tal de Moçambique. mória de África e do Mundo” negro é uma busca de ser
O livro lembra a falta de O livro está escrito em o outro, de deixar de ser ele
liberdade a que estiveram versos, mas a escritora adver- mesmo”, desabafou para de-
votados muitos escravos afri- te que “qualquer semelhan- pois trazer provar o que disse:
canos, sobretudo nos séculos ça com a poesia é pura coin- “Estão aí nas farmácias
XVII e XVIII, mas não é isso que cidência”, diluindo, deste pomadas para clarear a
se trata na obra, segundo a modo, as fronteiras entre as pele. E as mulheres vão atrás
autora. “Não estou a falar do expressões artísticas. “Às ve- destas pomadas porque na
passado”, rematou. zes, nós colocamos fronteiras sua concepção o escuro não
Está a chamar atenção, entre diferentes expressões é humano. O exemplo dos
prosseguiu a escritora, para a artísticas. Para mim, isso não cabelos é o mais flagrante, as
importância da preservação existe”, disse. pessoas querem ter o cabelo
da liberdade para todos os in- A arte, continuou a escri- do outro. O cabelo do negro
divíduos, tendo um olhar para a tora, é a essência e a expres- tornou-se uma espécie de es-
linha da nossa história. “A liber- são da mesma arte é que faz tigma” concluiu.
dade é uma coisa que temos um indivíduo se empacotar Esta mais recente obra
Título: O Canto dos Escravizados hoje, mas se não soubermos ou dizer que tem capacida- de Paulina Chiziane foi pu-
Autora: Paulina Chiziane cuidar dela podemos perder”, de para escrever ou fazer ou- blicada no Brasil, sob o título
Editora: NANDYALA recordou a artista moçambi- tra coisa. A autora lembrou “O canto dos escravizados”,
Edição: 1 cana, uma das mais aclama- que o seu espírito artístico lhe sucedendo, deste modo, “As
Ano: 2018 das pelo público brasileiro. faz expressar na forma de es- andorinhas”.
Idioma: PORTUGUÊS “O canto dos escravos” é crita, mas se for impedida,
ISBN: 8583580367 composto por sete livros, no- por alguma razão, de escre-
Páginas: 168 meadamente: testamento; ver, poderá eventualmente
22 23
INÉDITOS

A calma permanece
(variação sobre o fim do mundo)

Garrincha
polícia e ladrão, esquecía-
mos do treino e, por um mo-
A rua está calma. Uma qualidade estranha que corre a vida dita o nível de normalidade. mento, só sabíamos correr
para se atribuir a um lugar. Talvez porque seja Portanto, tudo tem a ver não apenas com os desenfreados pelo campo.
um atributo não do espaço, mas dos elemen- seres e os elementos no espaço; mas tam- Sempre havia um mais rápido
tos e seres que o ocupam. Veem-se os cachor- bém com a velocidade. e mais esperto que escapava
ros e seus donos no passeio matinal, as con- A ordem segue pacata e semicordial de todos. Sempre era o Juni-
versas triviais de esquina, zeladores de prédios nesse perímetro residencial e urbanizado. A nho, esse cara. Ele
ocupados na varredura de calçadas, a gente fumaça vem de longe, os estrondos de mor- Rala coco é como cha- tas, jogávamos no campão. era o atacante do time.
saindo das casas para os afazeres do dia. teiros vêm de longe, o barulho de rajadas de mamos os campos de fute- Professor era um homem sé- Era quase impossível capturar
Helicópteros e aves desavisadas com- fuzis vem de longe, os helicópteros vão para bol cobertos de areia ou ter- rio, havia ensinado futebol o Juninho, uma flecha! Ape-
põem o céu do bairro desde as 5 da manhã. longe. Essa rua próxima segue em paz. A cal- ra batida em vez de grama. há gerações e era muito res- nas com 12 anos de idade,
Há estrondos de morteiros, barulho de rajadas ma permanece. Não há maior violência. Quase sempre, são cheios peitado no morro. Nem tanto até os garotos mais velhos o
de fuzis e sinais de fumaça vindo de longe. de buracos e, por causa da por revelar craques, mas sua respeitavam. A melhor estra-
A calma não tem relação necessária com o Paulo Vicente Cruz dureza do piso, a bola corre escolinha de futebol tirava os tégia para alcançá-lo era
som. O ritmo nem lento nem apressado em muito mais rápido. Um tombo meninos da rua e isso era o juntar o time todo contra ele.
ali é certeza de um machu- mais importante para os pais. Mas quando um desavisado
cado bem feio e doloroso. Ali no campinho, a molecada caçava sozinho, Juninho cor-
Mas só pisa em grama fofa, podia correr livre sem a mãe ria para direita, o otário se-
tapete, quem suou na areia, reclamar que estavam na guia, gingava para esquerda
nos dizia Professor. rua à toa, que era perigoso, e o otário passava longe. A
Professor era o nosso téc- que podia aparecer polícia e meninada, que assistia, grita-
Paulo Vicente Cruz é jornalista carioca. Tem textos literários publi-
nico e todos os dias nos fazia nos confundir com bandido e va eufórica: “oléee”.
cados em revistas digitais como Subversa, Gueto e Plástico Bolha. Par-
treinar como profissionais. Às ter tiroteio. Algum menino sempre fi-
ticipou da coletânea de contos Cadernos Negros – Volume 40.
segundas fazia preparação Antes de o professor che- cava de vigia no portão do
física, às terças e quintas, trei- gar, nos dividíamos em dois campo para avisar caso o
no tático e às quartas e sex- times para brincar de pique Professor estivesse chegando
24 25
pela descida da grande la- campo um menino bem ma- que iria para linha de fundo,
deira que ligava o morro ao grelo, não era do time, mas mas só fingiu e voltou. O poli-
campo. Mas toda nossa pre- lembrava de já tê-lo visto no cial não entendeu o drible e
caução, às vezes, valia de morro. Descalço e sem ca- tombou com a arma em uma
nada. Seu faro de homem se- misa pulou o muro e caiu no das mãos, enquanto a outra
vero e disciplinador era mais campo de piso escaldante. tentava segurar no ar para
eficiente. O Professor nos adi- O vento soprava quente e não cair. Caiu.
vinhava no primeiro olhar e fazia redemoinhos de areia O menino despinguelou
começava o interrogatório. e folhas, como num filme de reto em direção ao portão
“Está suado jogador? Estava velho oeste. Vimos o mole- do campo, para poder subir
correndo? Vai ficar cansado que correr até o centro do a ladeira, em fuga, rejeitan-
na hora do exercício.” E aí vi- campo, confuso, respirando do a pena que lhe fora im-
nha a sentença “Quero que ofegante. Não trazia revólver putada por levar de alguém
todos deem vinte voltas ao na cintura, as mãos estavam um objeto que não era seu,
redor do campo, para ver se vazias. Mas carregava terror talvez. O outro policial nem
amanhã vão continuar cor- nos olhos. para ajudar o colega, caído
rendo antes do treino”.Pas- Logo atrás, chegavam no chão. Disparou. A bala
savam as vinte voltas, mas só os inimigos de duelo, dois po- passou zunindo ao lado do
parávamos de correr quan- liciais vestidos de farda, cole- ouvido. Mas o moleque es-
do o professor ficava de bom te, pistola e botas. Tinham o capuliu por trás do muro.
humor novamente. dobro do tamanho do ma- Os policiais não tiveram
Sonhava em ser um joga- grinho, mesmo assim foram coragem de subir a ladeira
dor de futebol, em correr em armados para uma guerra. sozinhos. Lá em cima o time
um estádio de grama verdi- Prontos para aplicar a pena do menino poderia estar
nha e arquibancada cheia. capital de um julgamento completo e aí a guerra seria
Ganhar muito dinheiro para que não ocorreu senão nas outra. Saíram do campo ba-
minha mãe e comprar um mentes daqueles homens da tendo areia das fardas sujas,

Fábio Kabral
playstation. Mas para isso lei. Lei do cão, talvez. pareciam não ter nos per-
acontecer, eu precisaria trei- Eu não entendia o que se cebido no meio da perse-
nar duro e me dedicar no rala passava, a razão da persegui- guição. E, de repente, tudo
côco do morro. ção. Mas sabia que não podia ficou calmo. Não passou mui-
Juninho morava na mi- correr. Corre quem está deven- to tempo e o restante da mo-
nha rua. Costumávamos ir
juntos ao campo. Um dia, saí-
do, essa é a lei. A lei do cão,
com certeza. O melhor era fi-
lecada começou a chegar
ao campo, falando e garga- PERFIL
mos muito cedo pro treino. Es- car quietinho, na disciplina. lhando alto, alheios ao que
tava muito quente e o chão Ciente da sentença, o tinha acontecido ali minutos
de areia ardia sob nossos pés. garoto voou para a ponta es- antes. Juninho, eu e os outros
Alguns moleques já estavam querda, com o policial chei- garotos que presenciaram a
até esperando. Depois do rando seu cangote. E o ne- perseguição permanecemos
castigo no dia anterior, nin- guinho gingou para um lado, no mesmo lugar, quietos e Natural do Rio de Janeiro, Fábio Kabral atualmente reside em São Paulo. Ator
guém se arriscava a correr o soldado acompanhou. Gin- congelados de medo, até o formado pela Casa das Artes de Laranjeiras (CAL), estudou Letras na Universi-
pelo campo antes do treino. gou para o outro, o soldado Professor por o pé no campo dade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e na Universidade de São Paulo (USP).
Juninho e eu sentamos perto seguiu. O Garrincha disparou e começar o treino. Naquele Trabalhou como ator, dublador e analista de mídias sociais em agências de
da trave para calçar nossas pelo meio de campo em di- dia não brincamos de pique.
chuteiras, quando surgiu no reção à ponta direita, fez
publicidade e relações públicas. Autor do livro “Ritos de Passagem” e da nova
coleção Afrofuturismo, colabora e é co-fundador d’O Lado Negro da Força -
site que destaca, valoriza e fomenta a presença negra na cultura pop. Leitor
Ronald Lincoln – é jornalista e escritor, foi um dos finalistas voraz de gibis e RPGs; candomblecista filho de Oxóssi, flamenguista, sagitariano
do Prêmio Malê de Literatura 2018, participa da coletânea O e herói com rosto africano. Lançou em 2017, pela editora Malê o livro O Caça-
movimento leve (Editora Malê). dor cibernético da Rua Treze.
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Revista Mahin: O que você lia pessoas, é crítica e ataques crever um personagem é es-
quando adolescente? de todos os lados. Acho que crever um ser humano. Para
Fábio Kabral: Literatura brasi- cada um deve ser o exemplo escrever seres humanos, bas-
leira - Machado de Assis, Cla- daquilo que acha ser o certo. ta observar as pessoas e suas
rice Lispector e outros - litera- Estou com uma mulher pre- especificidades, e, principal-
tura fantástica - O Senhor dos ta candomblecista, que eu mente, observar a si mesmo.
Anéis, Harry Potter e outros - amo demais e com quem me
muitos livros de RPG e muito, casarei e terei filhos. É o que Revista Mahin: Acredita em
muito gibi - X-Men, Homem sempre quis, estou mais do uma ideia de lugar de fala
Aranha e outros. que feliz. Que cada um faça para a literatura?
o que quiser. Há muitas com- Fábio Kabral: Prefiro muito
Revista Mahin: Quando você plexidades e afetividades en- mais personagens pretos fei-
não está escrevendo o que volvidas, nada é tão simples. tos por pessoas pretas, mas a
costuma fazer? verdade é que qualquer um
Fábio Kabral: Namorada, Revista Mahin:Como você teoricamente pode escrever
amigos, candomblé, leituras, entende a situação do ho- sobre qualquer um, desde que
seriados, playstation 3. mem negro no Brasil? Existe tenha a responsabilidade de
muita cobrança? fazer com respeito e assuma
Revista Mahin: Comente um Fábio Kabral:Ser um homem eventuais erros cometidos.
livro que tenha sido marcan- negro atualmente é um ata-
te na sua vida? que de todos os lados. Se Revista Mahin: Qual sua ex-
Fábio Kabral:”O herói com você é considerado “decen- pectativa em relação ao lan-
rosto africano” (Clyde W. te”, empreendedor, intelec- çamento do segundo volume
Ford) - mesmo hoje eu reco- tual e “bom caráter”, então da série afrofuturista? Já tem
nhecendo que o livro possui esperam que você salve o planos para os próximos?
inúmeras limitações, foi o livro mundo e apoie todas as cau- Fábio Kabral:Espero que o li-
que me fez decidir me dedi- sas. Se você falha, então é vro da Jamila alcance ainda
car a escrever histórias fan- imperdoável, é linchado. So- mais sucesso que o do João Em O caçador ci-
tásticas e lendárias inspiradas Revista Mahin: Quando você pessoas perceberam tam- mos vítimas de uma masculini- Arolê, porque hoje há mais bernético da rua treze,
em cosmologias e espirituali- pensa escrever um livro o que bém de imediato as influên- dade doentia que nunca nos expectativa no protagonis- Fábio Kabral apresenta
dades africanas e com pro- prioriza, o perfil dos personagens cias de gibis e videogames pertenceu. Estamos solitários e mo das minas pretas. Os pla- elementos da mitologia
tagonistas de rosto africano. ou a ação que quer narrar? no livro. Uma moça disse que doentes. “Pegar geral” não é nos para os próximos livros Iorubá em uma aventu-
Fábio Kabral:O que priorizo é o livro dá a entender que se privilégio, porque não é nada, seguem firmes; espero encer- ra futurista de tirar o fôle-
Revista Mahin: Como se ini- contar uma boa história. Utili- passa num mundo “pós-bran- não resolve nada. Nossos mo- rar o primeiro arco narrativo go. Com uma linguagem
ciou seu envolvimento com o zo todos os recursos à dispo- co”, rs. delos ficcionais sempre envol- envolvendo Ketu 3 em mais contemporânea, o autor
Afrofuturismo? sição no momento. Contar vem malandragem, crime, três livros, e aí no sexto livro cria um universo fantás-
Fábio Kabral: Acho que al- uma boa história e a maneira Revista Mahin: Como você vê bebida, drogas. O T’Challa do partir para as outras cidades, tico rico em detalhes,
guém me marcou nalgum como essa história é escrita o debate sobre o amor afro- filme Pantera Negra é o pri- e depois para outros mundos, onde vive um povo me-
post, aí fui atrás pra ver o que será sempre prioridade. centrado? meiro homem preto que me para o espaço. A pretensão laninado, com visual ar-
era, aí comecei eu mesmo a Fábio Kabral: Amor afrocen- apresenta uma masculinida- é que seja uma coleção in- rojado e usuário de uma
escrever “O Caçador Ciber- Revista Mahin: Cite um re- trado não é o mesmo que re- de ideal, segura de si, sem es- finita contando um protago- tecnologia avançada.
nético da Rua 13” na marra torno interessante que você lacionamento entre duas pes- ses estereótipos ruins. Estamos nista por vez e vários deles
mesmo, resgatando todas as teve de algum leitor dos seus soas pretas. Ser afrocentrado sem apoio e ferrados... participando dos outros livros.
minhas influências enquanto livros? é uma outra coisa. Falando Vários enredos e persona-
“nerd” e candomblecista. O Fábio Kabral: No geral, estou apenas de relacionamentos: Revista Mahin: No seu próxi- gens fervilhando na mente,
livro “Herói com rosto africa- achando muito legal muita não tenho nada pra falar mo livro (A Cientista guerreira vão todos virar livro muito em
no” foi crucial nesse sentido, gente falando que quando além do que já falei em ou- do facão furioso) a protago- breve. Ketu 3 e as demais ci-
bem como o “Afrocentricida- via a Wakanda dos cinemas tras redes. Seria uma respos- nista é uma mulher, como foi dades do Mundo Novo vão
de” da coleção Sankofa. se lembrava imediatamen- ta longa demais, mexe com essa experiência? se expandir para além dos li-
te da minha Ketu 3. Algumas muitas emoções e feridas das Fábio Kabral:Foi tranquilo. Es- mites da imaginação...
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Destaques 2018

Angola Janga – Uma História


Um exu em nova York (Pallas de Palmares (Veneta) Pesado Demais Para A Venta-
Editora) Marcelo de Salete nia: Antologia Poética (Toda
Cidinha da Silva Via)
Um grandioso romance Ricardo Aleixo
Cidinha da Silva apre- histórico em quadrinhos que
senta uma perspectiva con- fala de Zumbi, e de vários ou- O poeta mineiro demons-
temporânea e ficcional do tros personagens complexos tra engenho e arte para falar
cotidiano, sobre temas como como Ganga Zumba, Domin- do amor, da família, da cultura
política, crise ética, racismo gos Jorge Velho, Ganga Zona afro-brasileira, das grandes ci-
religioso, perda generalizada e diversos homens e mulheres dades e da própria literatura...
de direitos (principalmente que compõe o retrato de um são observações líricas e pode-
por parte das mulheres), ne- momento definidor do Brasil. rosas sobre os relacionamen-
gros e grupos LGBT. tos, o racismo, o amor, os ante-
passados e a própria poesia.

O Crime do Cais do Valongo A Cor da Demanda (Editora


Intelectuais Negras: Prosa
(Editora Malê) Malê)
Negro-Brasileira Contempo-
Eliana Alves Cruz Éle Semog
rânea (Editora Malê)
Editora Malê
Mirian Cristina dos Santos
O crime do Cais do Va-
longo, de Eliana Alves Cruz, é Em a cor da demanda,
Partitura de um discurso As férias da Lili (Editora Ciclo
um romance histórico-políti- Éle Semog lança o seu visto
claro e explícito - o da mulher Contínuo) - Lívia Natália Flechinha (Editora Malê)
co que começa em Moçam- como uma lâmina em brasa
negra - a Autora, de saída, Kenia Maria
bique e vem parar no Rio de sobre as realidades que ora
enunciando-se a si mesma, Lili é uma menina muito es-
Janeiro, mais exatamente no nos afligem, ora nos enterne-
o papel da mulher negra ao perta e sonhadora, que nem Em Flechinha: o príncipe
Cais do Valongo. O livro foi cem. Os poemas traduzem
mesmo tempo, intelectual na sempre tinha boa história de da floresta, Kenia Maria apre-
eleito pelo júri do GLOBO um com uma sinceridade emo-
luta pela sociedade brasileira, férias pra contar na escola. senta as aventuras do menino
dos dez melhores livros de fic- cionante, e sem concessões.
a partir de narrativas negras- Mas com muita poesia e uma Flechinha diante dos mistérios
ção de 2018.
-femininas contemporâneas. ajudinha dos Orixás, Lili vai vi- da floresta e sua construção
ver uma grande aventura. como defensor das matas.
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Água de Barrela (Editora
Eles (Editora Malê) Malê) A Mulher Sobressalente (Edi- Íris (Publiquei Editorial) O Movimento Leve (Editora
Vagner Amaro Eliana Alves Cruz tora Malê) Lyli Lua Malê)
Dany Wambire Helena Vitória; Ronald Lincon;
Canção Para Ninar Menino
Em Eles, estreia na litera- Como muitas mulheres ne- Talvez o medo mais es- Bianca Kelly; Caroline Ani-
Grande (Unipalmares)
tura do editor da Malê, Vag- gras não apresentam roman- Histórias que nos reme- condido de cada ser huma- ce; Israel Marques; Jorruam
Conceição Evaristo
ner Amaro, aborda os abis- ce Água de barrela, de Eliana tem para um mundo que pa- no seja o da morte. A ideia Almeida; Munah Maleque;
mos e lutas, indentificações e Alves Cruz se encontram no recem inverossímeis. Mas que de deixar este mundo sem Thaynara Henrique; Wlange
Quando se trata de con-
empatias, na construção da lavar, passar, enxugar e tirar não o é. Da importância da cumprir totalmente nossos Keindé; Eugenio Rodrigues.
quistar mulheres, o “protago-
identidade dos homens, dian- as roupas das patroas e das literatura que produz. Com o sonhos é tão desesperadora nista” Fio Jasmim se julga po-
te das exigências do padrão roupas brancas num modo de nó na garganta, nós, os seus que pode ser capaz de nos O Movimento Leve: con-
tente como qualquer homem
hegemônico de masculinida- sobrevivência em quase tre- leitores, nos contamos com impedir de realizá-los. Assim tos o livro vai buscar os me-
branco. Mas esse instinto é
de. Contos curtos, instigan- zentos anos de história. as suas credenciais. acontece com Íris. lhores textos com maior diver-
abalado por episódios trau-
tes, que abrem janelas para sidade e estilo, marcar pelo
máticos de infância. Como
reflexões sobre algo essencial Pêmio Malê de Literatura. Os
quando, na escola, uma pro-
para as relações humanas. textos mostram um pouco da
fessora o impediu de fazer
escrita de jovens de diferentes
papel de príncipe por cau-
O Homem Azul do Deserto regiões brasileiras. São con-
da de sua cor. (Fonte: http://
(Editora Malê) tos que trazem novos olhares
pvmulher.com.br/)
Cidinha da Silva para uma literatura brasileira.

“O homem azul do deserto


é uma mulher que transita por
vários tipos de mulheres, sem- Um Buraco Com Meu Nome
pre ligado pela diáspora bra- (Polen Livros)
sileira, revelando-se ao mesmo Jarid Arraes
tempo que as histórias, sem
nunca deixar de falar também Em seu livro de estreia na
do absurdo que envolve uma poesia, a escritora e corde-
vida da população negra no lista Jarid Arraes dedica seus
país.” – Giovani Martins. poemas àqueles que não en-
contram matilha.
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Sankofia (Independente) A Inútil Capacidade De Ser Um Corpo Negro (Editora No- Carolina: Uma Biografia (Edi- O Sol na Cabeça (Compa- Quem Tem Medo do Feminis-
Lu AinZaila Normal (Hope Editorial) sotros) tora Malê) nhia das Letras) mo Negro? (Companhia das
Fabricio Fonseca Lubi Prates Tom Farias Giovanni Martins Letras)
Sankofia é um livro de Djamila Ribeiro
contos de inspiração afrofu- João Lourenço tem o Um corpo negro conta, Em Carolina: uma bio- Geovani Martins narra a
turista que passeia por vários quarto do jeito que quer, li- poeticamento o processo da grafia, o jornalista Tom Farias infância e a adolescência de Quem tem medo do femi-
gêneros literários, mesclando, vros de sobra em sua estante autora do seu descobrimento apresenta a complexa tra- garotos para quem às angús- nismo negro? reúne um longo
por exemplo, empregadas para ler, e um computador como negra, a partir do que jetória da escritora Carolina tias e dificuldades próprias da ensaio autobiográfico inédito
domésticas e terror social, com internet para assistir suas manifesta fisicamente no seu Maria de Jesus. A biografia idade soma-se a violência de e uma seleção de artigos pu-
Maracatu e Sword& Soul, pa- séries favoritas. Para João corpo, até as estórias que detalha não somente sua re- crescer no lado menos favo- blicados por Djamila Ribeiro
trimônio histórico e mistério; sua vida seria perfeita se não ouve sobre seus ancestrais e lação com os filhos e o mo- recido da “Cidade partida”, no blog da revista CartaCa-
fantasia, poderes e represen- fosse por um único fator: Sua suas experiências desta iden- mento de ascensão, devido o Rio de Janeiro das primeiras pital, entre 2014 e 2017.
tatividade, ficção científica e mãe quer que ele seja um tidade, desconstruindo a re- ao sucesso editorial do livro décadas do século XXI.
o que nos faz humanos; cultu- garoto normal. presentação do negro. Quarto de despejo.
ra e mitologia africana.
Enquanto os Dentes (Toda
Cadernos Negros 40 (Quilom- Via)
bhoje) Carlos Eduardo Pereira
Várixs autorxs
Com uma escrita precisa
O volume 40 marca o qua- e mordaz, Carlos Eduardo Pe-
dragésimo ano de existência reira constrói em “Enquanto
da série criada em 1978. É um os Dentes” um retrato duro e
livro com um número recorde necessário de um Brasil vio-
de autorxs: 42. Contos que fa- lento: não a violência das
lam sobre o cotidiano dos afro- ruas, mas a agressividade da
-brasileiros, mostrando a matu- intolerância e da discrimina-
ridade de uma literatura que ção que se escondem dentro
se renova sem abrir mão da das próprias casas, famílias e
arte e do comprometimento. instituições.

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Zanga (Editora Segundo Selo)
Davi Nunes

As faces de uma percussora O preto que falava Lidiche O livro reúne na linguagem
Maria Firmina dos Reis Nei Lopes e nos enredos a vida das peri-
O encontro de duas co- ferias e a cultura afro-brasileira
Reunidos ensaios e artigos munidades degredadas no Rio - com destaque para a cultura
de autores que são referência da primeira metade do século (modo de vida) de Salvador.
na fortuna crítica da escritora XX: negros e judeus.O mais am-
maranhense, autora do pio- bicioso romance de Nei Lopes.
neiro romance Úrsula, do con-
to abolicionista “A escrava”,
do volume de poemas Cantos
à beira-mar e da narrativa in-
dianista Gupeva, todos com
reedições recentes e disponí-
veis aos leitores.

No Reino da Carapina
Fausto Antonio
No reino da carapina é
uma obra infanto-juvenil que
dialoga com a cosmogonia
afro-brasileira.

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