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Adélia Prado
and the Brazilian Literary Criticism
Adélia Prado
RESUMO: O presente artigo se propõe a discutir sobre como a obra poética de Adélia Prado foi
recebida pela crítica literária ao longo de sua trajetória como poeta. Pretende-se colocar em
debate a pouca presença de contribuições da crítica escrita por mulheres, especialmente nos
primeiros anos de publicação dos livros da autora, bem como isso evoluiu com o passar dos
anos, não só pela presença de mais representantes femininas no contexto acadêmico e
Doutora em Letras Neolatinas - Literatura em Língua Espanhola pela Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ).
Doutoranda em Letras pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Bolsista Capes.
ABSTRACT: The present article proposes to discuss how the poetic work of Adélia Prado was
received by literary criticism throughout his trajectory as poet. It is intended to put in debate
the low presence of contributions of written criticism by women, especially in the first years
of publication of the author's books, as well as this has evolved over the years, not only by the
presence of more female representatives in the academic and journalistic context, but also by
the growth of studies on women's writing in Brazil. Aspects related to the object of this study
will be evidenced from the considerations of several expressions of the Brazilian literary
criticism, such as Ítalo Moriconi, Lúcia Castelo Branco, Regina Zilberman, Nelly Novaes Coelho
and others.
KEYWORDS: Adélia Prado. Contemporary Brazilian Poetry. Literary Criticism. Literary Criticism
made by Women.
Adélia Prado teve uma trajetória singular na construção de sua história como
poeta. Os rudimentos dessa experiência, ligados à convivência com a poesia 152
Mas a aceitação de sua obra nem sempre foi consensual, e seu trabalho teve,
ao longo do percurso de quarenta anos de publicação, de Bagagem a Miserere,
certas resistências por parte de algumas expressões da crítica literária nacional, 153
especialmente nos primeiros anos de publicação, até mesmo sofrendo certa
marginalização em face de seu discurso poético. Como afirmou Medina naquele
período (1985, p. 419), muitos “[...] implicaram e até hoje não aceitam uma
mulher simples, mãe de cinco filhos, dona de casa competente, mãos fortes de
amassar pão, gesto sensual de um erotismo realizado no próprio casamento.”
Nos primeiros anos pós-Bagagem, Adélia era estranhamente tratada pela crítica
e entrevistadores, por causa do fato de ser uma mulher do interior de Minas,
que nunca saiu de sua terra, casada com um bancário, mãe e dona de casa. Aos
que se espantavam com esse fato, respondia:
A geração era marginal, não só pela dicção poética, que, nesse sentido, embora
mantendo aspectos formais comuns, mostrava-se um conjunto composto de
singularidades. Marginal era mais a forma de veiculação, paralela ao mercado
editorial, adotada por jovens poetas. Hollanda mesmo esclarece: “Frente ao
bloqueio sistemático das editoras, um circuito paralelo de produção e
distribuição independente vai se formando e conquistando um público jovem
que não se confunde com o antigo leitor de poesia” (HOLLANDA, 2007, p. 9). E
onde estavam as mulheres produtoras de poesia em suas singularidades naquele
movimento marginal?
Como muitas delas daquele período, Adélia não se inseriu no circuito jovem
predominantemente carioca, onde a poesia marginal aflorou. Além do quê, não
era jovem, vinha do interior de minas, era casada, mãe de cinco filhos e com 155
uma dicção poética particular, de alguma forma arraigada ao modernismo.
Então, as aproximações e diferenciações de sua obra em relação à poesia
daquele momento foram se constituir mais tarde, tempos depois, com olhares
críticos mais aguçados pelo distanciamento do tempo.
Apesar de seu forte discurso lírico e feminino, singular como o de outras poetas
do período, como Ana Cristina César que se destaca, Adélia apresentava uma
poesia que, para a crítica das décadas de 70 e 80, delineava um trajeto inverso
ao da dicção libertária e feminista vigente no conjunto da poesia em ascensão
nesse tempo. Além disso, o tom religioso de muitos de seus poemas suscitava
resistências no meio crítico e acadêmico. Hohlfeldt (2000, p. 73) escreve:
De fato, as temáticas políticas e sociais não são a tônica principal dos versos de
Adélia. No entanto, sua escrita não se reduz a um lirismo intimista. A poesia
adeliana, lembrando a primeira menção que Drummond fez de seus versos, é,
sobretudo, existencial e se reveste de caráter histórico, na medida em que
reflete sobre a vida, a morte, a relação amorosa e extrai do cotidiano mais
corriqueiro de um eu lírico interiorano, regionalizado, localizado, o que há de
mais universal.
Ítalo Moriconi, em livro posterior, Como e por que ler a poesia brasileira do
século XX (2002), amplia a análise de alguns aspectos da poesia daquele
momento. Para ele, ao final dos anos 60, início dos 70, havia uma polarização
teórica clara entre a estética concretista e a tradição modernista, fortemente
influenciadora para uma nova geração de poetas emergentes:
Adélia, que publicou seu primeiro livro somente aos 40 anos, se vincularia a
160
uma estética mais ligada ao modernismo, à discursividade lírica, de uma
expressão e força incomum, capaz de marcar uma época de transição e
superação, pois os anos 80 se mostraram como um período de transição para
uma nova fase da poesia brasileira, que presenciou uma tendência forte de
valorização da tradução de autores canônicos para os concretistas e outros
lastros deixados pelos anos 70. Quanto a esse período de transição pós-70,
Moriconi aponta: “A década de 1980 foi muito de acúmulo, de leituras de poetas
estrangeiros, de superação do cânone tradutório dos concretistas, de
sobrevivências dos 70, de culto à poesia de Ana Cristina Cesar, Adélia Prado e
Manoel de Barros” (MORICONI, 2002, p. 126).
Para Ítalo Moriconi, então, Adélia Prado estaria entre as maiores expressões da
poesia contemporânea brasileira, e Bagagem estaria entre os melhores livros
da década de 70, ao lado do Poema sujo, de Ferreira Gullar, e da série de
Boitempos que Drummond publicou a partir de 1968 (MORICONI, 2002, p. 134).
Ainda segundo esse autor (MORICONI, 2002, p. 138) a poesia brasileira do final
161
do século XX e início do XXI, na segunda fase do seu pós-modernismo, como ele
mesmo denomina (p. 141), traz a marca da subjetividade, mas não mais a
subjetividade modernista. O sujeito vem trajado de diversidade,
principalmente de gênero. A poesia escrita por mulheres ganha projeção, e o
olhar sobre a obra de Adélia, de um discurso feminino singular, cresce em
admiração por parte da crítica.
Referências:
BETTO, Frei. Adélia nos prados do Senhor. In: INSTITUTO MOREIRA SALLES.
Cadernos de Literatura Brasileira: Adélia Prado, São Paulo, n. 9, p. 121-127,
jun. 2000.
BRANCO, Lúcia Castello. O que é escrita feminina? São Paulo: Brasiliense, 1991.
COELHO, Nelly Novaes. A literatura feminina no Brasil contemporâneo. São
Paulo: Siciliano, 1993.
HOHLFELDT, Antônio. Ensaio. A epifania da condição feminina. In: INSTITUTO
MOREIRA SALLES. Cadernos de Literatura Brasileira: Adélia Prado, São Paulo,
n. 9, p. 69-120, jun. 2000.
HOLLANDA, Heloísa Buarque. 26 poetas hoje: antologia. 6. ed. Rio de Janeiro:
Aeroplano, 2007.
MASSI, Augusto. Móbile para Adélia. Posfácio. In: PRADO, Adélia. Poesia
reunida. Rio de Janeiro: Record, 2015. p. 495-526.