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Resumo/Abstract
Organizadoras: Palavras-chave/Keywords
Dra. Adriana de F. A. L. Barbosa
No encalço da “escrevivência”, conceito criado a partir da obra de Con-
Dra. Milena Britto de Queiroz ceição Evaristo, a proposta deste artigo é refletir sobre formação,
transgressão e rupturas na literatura negro-brasileira escrita por mu-
Dra. Ana Flávia Magalhães Pinto
lheres, por meio de um olhar para a produção literária das escritoras
Maria Firmina dos Reis, Carolina Maria de Jesus, Miriam Alves, Con-
ceição Evaristo, Cristiane Sobral, Eliana Alves Cruz e Jarid Arraes.
v. 30, n. 57, dez. 2021
Brasília, DF
ISSN 1982-9701 Escrevivência; Literatura negro-brasileira; Formação; Transgressão;
Ruptura.
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1 bell hooks (grafado em letras minúsculas, opção da autora) é o pseudônimo de Glória Jean Watkins. Adotou esse pseudô-
nimo em homenagem à avó materna, como um ato político, uma vez que esse nome garantiria um direito de expressão au-
tônomo, que o nome Glória Watkins não permitiria (Cf. RIBEIRO, 2012).
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Alves Cruz. A escritora apresenta no seu fazer isso outra vez na minha família, está
espólio romances que, entre várias leituras me ouvindo bem? Ninguém! (CRUZ, 2018,
possíveis, oferecem um diálogo bastante p. 243). A jovem alfabetizada, exausta,
profícuo entre literatura e história, tendo a repetiu a função das suas mais velhas, mas a
escravidão como pano de fundo: “Os sua fala se fez eco e profecia.
enredos contam sobre essa migração Também a leitura da produção
compulsória, falam de replasmação de literária da escritora cearense Jarid Arraes
identidades forjadas pela diáspora e de se faz imprescindível. Em Heroínas Negras
racismo, ainda tão presente no dia a dia da Brasileiras (2017), além de resgatar
sociedade brasileira” (BATALHA, 2020, p. 247).
mulheres negras que fizeram parte da
Nesse viés, a escritora oferece ao público-
história, a escritora ainda possibilita a
leitor novos atravessamentos a partir de
leitura das biografias por meio do gênero
outra leitura da história, no encalço da
textual Cordel. “Por meio da rima e da
ficção.
cultura popular, consegue naturalizar temas
Enquanto a filha sofria banhada em suor, ainda tabus, como o racismo, a
Anolina se preocupava e pensava que ela homossexualidade e a violência contra
era muito nova... Tinha apenas 13 anos. mulheres. Filha e neta de cordelistas, Jarid
Faria 14 em dois meses. Para ela, a mantém viva a tradição que marcou sua
Martha teve a sorte de nascer depois da
tal lei que deixava livres os bebês, os
infância” (TEIXEIRA, 2018, p. 628),
“ingênuos”. E agora, refletia, já fazia fazendo da sua literatura formação,
quatro meses que os escravos tinham sido transgressão e ruptura.
oficialmente libertos. Quando
anunciaram a lei, foi uma festança, uma É por isso que eu digo: /Antonieta é
zoada, uma alegria... Mas ela sentia que exemplar /E além de inspiradora /Pode
o negócio não estava bom. Não era essa a muito desbravar
liberdade que eles queriam. Sem trabalho, /Foi abrindo os caminhos /Pra gente
sem terra, com a polícia no pé, com medo também passar.
do presente e do futuro (CRUZ, 2018, p. Pras mulheres brasileiras /Ela é
117/118). grande liderança /Deve ser muito
lembrada /De adulto atécriança /
Nesse excerto, extraído de Água de Pela sua honestidade /Por sua
Barrela, livro vencedor do Prêmio Oliveira perseverança.
Nas escolas não ouvimos /Essa história
Silveira de 2015, realizado pela Fundação impressionante /Mas eu uso o meu
Cultural Palmares, é possível perceber uma cordel /Que tambémé importante /Para
crítica a uma abolição inconclusa que ainda que você conheça /E não fique ignorante.
hoje reverbera em um processo de violência Que você também espalhe /Isso que
contínua aos corpos negros. Torna-se acabou de ler /Para que muitas pessoas /
Tenham a chancede saber /Quem foi
importante mencionar que o livro traz em essa Antonieta /Como foi o seu viver.
torno de trezentos anos de história, narradas Esse é o nosso papel /Considero
a partir de outro ponto de vista há tempos obrigação /Pra acabar o preconceito /
silenciado. O livro é atravessado por uma Pra espalhar informaçãoDestruindo esse
ciranda ancestral de mulheres, que muito racismo /E gerando inspiração
(ARRAES, 2017, p. 21/22).
lutaram pela sobrevivência. Nesse processo,
lavar, passar, cozinhar são ocupações Percebe-se que a escritora traz o
constantes passadas de gerações a gerações. poema no rastro da história da professora,
No entanto, o basta, que também é nosso, escritora e jornalista Antonieta de Barros.
aparece no grito da personagem Damiana: Nos versos, Jarid Arraes ainda nos lembra
“Pois eu vou lavar as privadas desses do silêncio do currículo escolar em torno das
brancos, vou lavar louça, roupa, passar, narrativas contra-hegemônicas das mulheres
engomar... Mas ninguém depois de mim vai
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