Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Editorial
03_« eu gostaria de não precisar explicar que Exagero dizer que renascemos das cin-
tudo o que havíamos passado nos isentava de
discutir o fim », escreve Cecilia Giannetti. zas, mas a imagem é válida. Estivemos
espalhados por aí, como cinzas, agarra-
05_« deixem o povão viver o sonho. Não o dos aos móveis do escritório, em vãos
discriminem por suas utopias escalafobéticas
», pede Miguel do Rosário. ocultos da cozinha, nas lombadas de
06_10_26_recebemos a Visita das gra- livros velhos, ou no balcão imundo de
vuras de Juliano Guilherme e as fotos de Chris bares anônimos. Acumulando experiên-
Duarte e Dubes Sônego. cias? Cozinhando? Bebendo cerveja?
08_por dentro do Caveirão, com Tomás Seja como for, o Arte & Política com-
Ramos. bateu seus próprios fantasmas, e agora
12_as aventuras sexuais de Orlando Vinil dança com eles. Prosseguimos, como
com sua empregada. dizia Pessoa, «desfraldando ao conjunto
13_um passeio pela Praça Tiradentes, entre dos céus estrelados, o esplendor do sen-
a história, cabelos e galerias de arte. tido nenhum da vida». E, no entanto,
21_quadrinhos com Zé Dassilva. os poetas não tem a palavra final e pode
haver sentido, sim, em existir. Nessa
22_cinco anos depois, Bruno Dorigatti e dúvida incendiária, forjamos estéticas,
Elia Schramm voltam à Ocupação Chiquinha
Gonzaga para saber como anda a batalha do romances, ideologias. Editamos jornais,
dia a dia. enfim. Votamos. Discutimos política,
28_Angelo Defanti conta a Julia Pina como a trabalhamos, escutamos música. Esfor-
proliferação de festivais e mostras de cinema çamo-nos para não ser apenas jovens,
tem ajudado a crescente produção de longas,
curtas e documentários. mas cidadãos, com toda carga de me-
lancolia, fúria e poder correspondentes.
30_um bom ceviche baiano, com Elia Quando o A&P nasceu, em 1997, o Brasil
Schramm.
era um país sem esperança, onde as vir-
31_Luizinho do Posto 9 vai deixar saudade, tudes maiores eram sarcasmo, cinismo
nos conta Marcelo Ceará.
e humor negro. Agora temos que nos
conter para não sermos ufanistas piegas
Expediente e exagerados. Nosso ideal maior, porém,
Edição § Bruno Dorigatti, Talitha Magalhães, é o mesmo. Eduque-se o povo. Invista-
Elia Schramm, Miguel do Rosário
se tudo e mais um pouco em escolas e,
Colaboradores § Camilla Lopes, Cecilia Giannetti, Chris
Duarte, Dubes Sônego, Julia Pina, Juliano Guilherme, sobretudo, nos professores, oferecendo-
Luiz Octavio Guimarães, Tomás Ramos lhes condições de trabalho mais atraen-
Fotografia § Arissas Multimídia, Bruno Lira, Chris Duarte,
Julia Pina, Bruna Benvegnu
tes. Optamos ainda por valorizar o chão
Foto capa § Praça Tiradentes, por Clarissa Pivetta onde pisamos. O A&P também é, agora,
Ilustra § João Burle, Latuff um jornal que investiga o centro históri-
HQ § Zé Dassilva co do Rio, uma região em grande parte
Diagramação e Arte § Talitha Magalhães
arruinada, abandonada, esquecida, mas
Agradecimentos mais que especiais § Eduardo Moras;
Boteco da Praça, esquina da Augusto Severo com a onde vemos um potencial imenso de de-
Joaquim Silva, na Glória. senvolvimento social, econômico e mes-
Rio de Janeiro | maio 2010 |ano 7 | número 23 mo político, com reflexos positivos em
Tiragem de 5 mil exemplares
todo Brasil. Boa leitura e não esqueça de
Jornal independente voltado aos espíritos inquietos
visitar nosso site, onde poderá ver tudo
Arte & Política também está na nuvem. aquilo que as limitações do papel jornal
Descubra em arteepolitica.com.br
nos impediram de publicar por aqui.
***
¶ Eu sabia que um e-mail desse tipo me aguardava, ignorante
de todas as regras silenciosas estabelecidas para mantermos
um mínimo de privacidade nesta época miserável na qual você
pode ser encontrado por qualquer um, em qualquer lugar, a
qualquer hora. ¶ A habilidade de compreender quando encerrar
um assunto é uma das grandes conquistas da Humanidade. Pode
refletir as boas maneiras de quem dela tira proveito, pode ser a
melhor estratégia ou a única alternativa adequada. Infelizmente,
é subaproveitada. ¶ Procuro não subestimar as oportunidades de
bem-estar que tal habilidade proporciona, e freqüentemente faço
propaganda desse conforto que ela estende a seus partidários.
Acontece que, pouco antes de eu sair de casa em direção ao
primeiro aeroporto (Internacional do Rio de Janeiro) dos quatro
por onde passaria até chegar ao meu destino, aproveitei minha
chance de tomar esse caminho tão pacífico quanto desprezado,
e dei por encerrado meu assunto com L. - A saber: não era
que eu não quisesse ter filhos; eu não queria nenhum com ele.
Desconversava se ele vinha com o papo sobre sua idade, e que
não queria começar aos 50 anos - e «começar», aí, soava para
mim como uma ameaça mais grave do que apenas «fazer»: queria
dizer, então, que haveria mais de um filho, que começar era... só
o começo. ¶ Ao longo dos três anos que passamos juntos, ele foi
insistindo e eu, correndo. Quando dei por mim, já estava longe.
Surgiu o convite para escrever em Berlim, o que, aceito, permitiria
o melhor dos desfechos: um corte rápido e exato entre nós. Por
que a parte demorada, discutida e cansativamente avaliada da
coisa já tinha acontecido. Era só olhar para os últimos meses e
reconhecer isso. O que eu não entendia, portanto, era por que
ele também não podia perceber essa configuração imensamente
favorável e aproveitá-la como eu. ¶ As malas prontas e enfileiradas
na sala legitimavam a urgência de acabar logo com aquilo, mas,
Os horizontes se avermelham
Grandes embates se delineiam no horizonte
político da América Latina. E há pontos em
comum em todos países. O voto popular es-
colhe governantes de esquerda, e a imprensa
assume o papel de protagonista das oposições
conservadoras. Nem os EUA escaparam desse
quadro repetitivo. Por mais que mantenha po-
sições tradicionais de política externa, Obama
lidera as forças progressistas (ou de esquerda)
no país, e tem como seu principal adversário a É aí que acontece o embate. A
poderosa Fox - a ponto de assessores da Casa blogosfera emerge como contra-
Branca afirmarem que a rede é vista agora não força ao poder dos conglome-
como «imprensa» e sim como um agente polí- rados de mídia. Blogueiros
tico de oposição. esfomeados, irreverentes, par-
tidários, de uma franqueza per-
Recentemente, a presidente da Associação Na- turbadora, vem causando sérias
cional de Jornais (ANJ), Judith Brito, afirmou fissuras no domínio férreo que
categoricamente que a imprensa brasileira meia dúzia de colunistas exer-
«teve que» assumir o papel de oposição política ciam sobre centenas de milhares,
no Brasil em vista da «fragilidade» da oposição quiçá milhões, de brasileiros.
partidária. Também nesse primeiro trimestre
de 2010, o instituto Millenium reuniu os pu- Os exércitos se alinham, frente
blishers dos grupos Globo, Abril, Folha, e seus a frente, no campo de batalha. É
empregados, e divulgou declarações de cunho uma guerra estranha, com guer-
radicalmente partidário. Excetuando-se a te- reiros liliputianos de um lado,
levisão, que é uma concessão pública, e por isso mas extremamente numerosos,
objeto de questionamentos sobre a legalidade autônomos e combativos, e meia
ou não de posições partidárias, os jornais são dúzia de gigantes de outro, se-
propriedade privada e, como tal, constituem gurando pela coleira seus cães
efetivamente um espaço privado e livre de opi- de briga. Não creio, porém, que
nião política. Ou seja, manda quem pode, obe- haverá um vencedor definitivo.
dece quem tem juízo. O conflito já evoluiu para uma
espécie de guerra de trincheiras,
A imprensa mantém seu poder de gerar crises, longa e cansativa, com a tendên-
intervir na pauta do Congresso, influenciar de- cia, também irônica, de criar
cisões da Justiça, mas perdeu pontos em rela- dependência entre as partes. No
ção ao passado. O cidadão hoje encontrou uma caso do Brasil, há ainda o risco
área de sombra para se proteger do sol ofus- da guerra ser periodicamente in-
cante das corportações midiáticas. A internet, terrompida para todos participa-
particularmente a blogosfera, permite às pes- rem de uma roda de samba, ou
soas acessar um arsenal mais completo e múl- recuperarem as energias partil-
tiplo de opiniões e dados. hando uma pizza calabresa.
De longe, o Caveirão não parece muito cima e para baixo, o que dificulta muito
diferente dos carros blindados que cir- a mira dos tiros. Mas como o veículo
culam pela cidade transportando din- só é utilizado nas “zonas de risco” dos
heiro de banco em banco. Embora pese morros cariocas, os possíveis erros são
cerca de oito toneladas, ele pode alcan- calculados como meros danos colaterias
çar velocidades de até 120km/h e tem da “guerra” declarada “em defesa da so-
capacidade para levar 11 policiais. ciedade”. Equipado com alto-falantes, o
veículo é totalmente preto e com vidros
fumê, o que garante o anonimato dos
agentes que o utilizam. Mas, acima de
tudo, tais blindados são marcados pelos
símbolos oficiais macabros e pinturas
especialmente estilizadas para aterrori-
zar os “inimigos” do Estado.
O ilustre
desconhecido
Um papo com José Orlando Rangel
Machado, o Orlando «Vinil».
num total aproximado de 300 pessoas. ¶ radoxal. Coisas melhoraram nestes cinco
A rua cheia de poças d’água, enlameada, anos, os moradores admitem. Por outro
faz recordar da recente enxurrada que lado, novas circunstâncias, a preocupa-
desabou no Rio de Janeiro dias antes. O ção cada vez menor com o coletivo e com
fornecimento de água e luz permanece. A a construção por todos demanda ainda
Light chegou a cortar a energia, por conta muito tempo e disposição, que poucos
de uma antiga dívida do Incra, mas, de- têm para levar adiante. ¶ No começo,
pois de decisão judicial, a luz foi religada. quando precisava garantir um chão,
A água é divida entre todos os aparta- muitos se mobilizavam, corriam atrás.
mentos, o que dá, em média, seis reais Depois, as pessoas se acomodam, e vão
por mês. De Brasília, veio outra boa no- cuidar da sua vidas”, nós ouvimos mais
tícia: a liberação da verba de R$ 1,5 mil- de uma vez. “Era para ser muito bom isso
hão, através do Ministério das Cidades, aqui. Mas tem muita confusão. O povo é
destinada à reforma das instalações elé- muito complicado”, confessaram outros
deles pagavam aluguel, 17% viviam em para se incomodar mais. Depois de uma
outra ocupação, 14,9%, na casa dos pais, transfusão de sangue ainda menina, ela
10,6%, na rua, e 6,4% em hospedaria. teve leucopenia (quando o número de
¶ Mesmo assim, aqui se vive e muito glóbulos brancos desce abaixo da norma-
melhorou para algumas destas pessoas. lidade) e seu caso foi estudado na Santa
Dona Rosilene morava em Sepetiba, ex- Casa, tão rara era a sua doença. Além dis-
Dona Lívia,
em um sábado
à tarde. Dia
de coxa
e sobrecoxa
de frango.
Mas depois de um inverno de sete meses, com dias curtos, muito frio e a rinite atacando
forte, voltei gostando mais do Brasil do que quando parti, apesar de praticamente tudo
lá funcionar melhor que aqui. Uma cena pra mim é emblemática de porque o Canadá é
uma merda, mas é bom. E o Brasil é bom, mas é uma merda. É a de um poster do Bob
Marley pendurado na parede de uma escola primária local judaica, ao lado de fotografias
de outros ícones das ciências, dos esportes e das artes, e de mapas do estado de Israel
e do Canadá e acompanhado do refrão: «Get up, stand up, get up for your rights». Estas
fotos foram tiradas em minhas andanças pela cidade, no final de 2007 e início de 2008.
T JULIA PINA
BRUNA BENVEGNU