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maio 2010 _

Editorial
03_« eu gostaria de não precisar explicar que Exagero dizer que renascemos das cin-
tudo o que havíamos passado nos isentava de
discutir o fim », escreve Cecilia Giannetti. zas, mas a imagem é válida. Estivemos
espalhados por aí, como cinzas, agarra-
05_« deixem o povão viver o sonho. Não o dos aos móveis do escritório, em vãos
discriminem por suas utopias escalafobéticas
», pede Miguel do Rosário. ocultos da cozinha, nas lombadas de
06_10_26_recebemos a Visita das gra- livros velhos, ou no balcão imundo de
vuras de Juliano Guilherme e as fotos de Chris bares anônimos. Acumulando experiên-
Duarte e Dubes Sônego. cias? Cozinhando? Bebendo cerveja?
08_por dentro do Caveirão, com Tomás Seja como for, o Arte & Política com-
Ramos. bateu seus próprios fantasmas, e agora
12_as aventuras sexuais de Orlando Vinil dança com eles. Prosseguimos, como
com sua empregada. dizia Pessoa, «desfraldando ao conjunto
13_um passeio pela Praça Tiradentes, entre dos céus estrelados, o esplendor do sen-
a história, cabelos e galerias de arte. tido nenhum da vida». E, no entanto,
21_quadrinhos com Zé Dassilva. os poetas não tem a palavra final e pode
haver sentido, sim, em existir. Nessa
22_cinco anos depois, Bruno Dorigatti e dúvida incendiária, forjamos estéticas,
Elia Schramm voltam à Ocupação Chiquinha
Gonzaga para saber como anda a batalha do romances, ideologias. Editamos jornais,
dia a dia. enfim. Votamos. Discutimos política,
28_Angelo Defanti conta a Julia Pina como a trabalhamos, escutamos música. Esfor-
proliferação de festivais e mostras de cinema çamo-nos para não ser apenas jovens,
tem ajudado a crescente produção de longas,
curtas e documentários. mas cidadãos, com toda carga de me-
lancolia, fúria e poder correspondentes.
30_um bom ceviche baiano, com Elia Quando o A&P nasceu, em 1997, o Brasil
Schramm.
era um país sem esperança, onde as vir-
31_Luizinho do Posto 9 vai deixar saudade, tudes maiores eram sarcasmo, cinismo
nos conta Marcelo Ceará.
e humor negro. Agora temos que nos
conter para não sermos ufanistas piegas
Expediente e exagerados. Nosso ideal maior, porém,
Edição § Bruno Dorigatti, Talitha Magalhães, é o mesmo. Eduque-se o povo. Invista-
Elia Schramm, Miguel do Rosário
se tudo e mais um pouco em escolas e,
Colaboradores § Camilla Lopes, Cecilia Giannetti, Chris
Duarte, Dubes Sônego, Julia Pina, Juliano Guilherme, sobretudo, nos professores, oferecendo-
Luiz Octavio Guimarães, Tomás Ramos lhes condições de trabalho mais atraen-
Fotografia § Arissas Multimídia, Bruno Lira, Chris Duarte,
Julia Pina, Bruna Benvegnu
tes. Optamos ainda por valorizar o chão
Foto capa § Praça Tiradentes, por Clarissa Pivetta onde pisamos. O A&P também é, agora,
Ilustra § João Burle, Latuff um jornal que investiga o centro históri-
HQ § Zé Dassilva co do Rio, uma região em grande parte
Diagramação e Arte § Talitha Magalhães
arruinada, abandonada, esquecida, mas
Agradecimentos mais que especiais § Eduardo Moras;
Boteco da Praça, esquina da Augusto Severo com a onde vemos um potencial imenso de de-
Joaquim Silva, na Glória. senvolvimento social, econômico e mes-
Rio de Janeiro | maio 2010 |ano 7 | número 23 mo político, com reflexos positivos em
Tiragem de 5 mil exemplares
todo Brasil. Boa leitura e não esqueça de
Jornal independente voltado aos espíritos inquietos
visitar nosso site, onde poderá ver tudo
Arte & Política também está na nuvem. aquilo que as limitações do papel jornal
Descubra em arteepolitica.com.br
nos impediram de publicar por aqui.

Edição feita ao som de


Karina Buhr, Jorge Ben, Otto, Djavu, Calypso, André Abujamra, Gorillaz, Roberto Carlos, Bezerra da Silva,
Mayra Andrade, LCD Soundsystem, Gerasamba, Completo sem Cebola, João Nogueira, Marcelo Jeneci, Se-
quelas do Povo, Beastie Boys, Noel Rosa, Tom Zé, Cidadão Instigado, Céu, Nelson Cavaquinho.
T CECILIA GIANNETTI
JOÃO BURLE

O GARÇOM JÁ PASSOU A PORCARIA DO CARTÃO DE DÉBITO.


PEGUE SEU CANHOTO E DEIXE O RESTAURANTE

O aeroporto de Kanton Zürich é inteiro branco, minha impressão


a respeito de Zurique vai ser para sempre a de um local
imensamente branco. Eu tinha aproximadamente uma hora e 15
minutos de espera a cumprir olhando para toda aquela brancura.
Outras opções para matar o tempo eram ler uma revista ou me
aborrecer com notícias de casa via e-mail. Quando eu sei que
posso receber uma mensagem sobre assunto que prefiro não
discutir no momento ou prefiro não discutir mais, em tempo
algum, em vez de evitá-la, fico angustiada até que de fato leia a
tal mensagem.

***
¶ Eu sabia que um e-mail desse tipo me aguardava, ignorante
de todas as regras silenciosas estabelecidas para mantermos
um mínimo de privacidade nesta época miserável na qual você
pode ser encontrado por qualquer um, em qualquer lugar, a
qualquer hora. ¶ A habilidade de compreender quando encerrar
um assunto é uma das grandes conquistas da Humanidade. Pode
refletir as boas maneiras de quem dela tira proveito, pode ser a
melhor estratégia ou a única alternativa adequada. Infelizmente,
é subaproveitada. ¶ Procuro não subestimar as oportunidades de
bem-estar que tal habilidade proporciona, e freqüentemente faço
propaganda desse conforto que ela estende a seus partidários.
Acontece que, pouco antes de eu sair de casa em direção ao
primeiro aeroporto (Internacional do Rio de Janeiro) dos quatro
por onde passaria até chegar ao meu destino, aproveitei minha
chance de tomar esse caminho tão pacífico quanto desprezado,
e dei por encerrado meu assunto com L. - A saber: não era
que eu não quisesse ter filhos; eu não queria nenhum com ele.
Desconversava se ele vinha com o papo sobre sua idade, e que
não queria começar aos 50 anos - e «começar», aí, soava para
mim como uma ameaça mais grave do que apenas «fazer»: queria
dizer, então, que haveria mais de um filho, que começar era... só
o começo. ¶ Ao longo dos três anos que passamos juntos, ele foi
insistindo e eu, correndo. Quando dei por mim, já estava longe.
Surgiu o convite para escrever em Berlim, o que, aceito, permitiria
o melhor dos desfechos: um corte rápido e exato entre nós. Por
que a parte demorada, discutida e cansativamente avaliada da
coisa já tinha acontecido. Era só olhar para os últimos meses e
reconhecer isso. O que eu não entendia, portanto, era por que
ele também não podia perceber essa configuração imensamente
favorável e aproveitá-la como eu. ¶ As malas prontas e enfileiradas
na sala legitimavam a urgência de acabar logo com aquilo, mas,

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em minha defesa - se é que preciso de
uma - não tive a intenção de me beneficiar da
pressa. ¶ O jeito como eu via a situação: a porcaria da
conta estava paga, o garçom tinha passado o cartão de débito e
o canhoto azul, pertencente aos clientes, que registrava nossos
prejuízos e usufrutos, até já havia sido amassado num cinzeiro
diante de nós. Para que ficar agora sentado à mesa discutindo
o preço do couvert? ¶ Desse modo, todos os momentos não tão
bons ou francamente detestáveis da relação, quando nossos
argumentos colidiram e produziram insatisfação para ambos os
lados (sem contar quando enchemos o saco de terceiros com esse
tipo de problemas), todos os episódios em que nossa história se
mostrou arrastada e entediante, todas as vezes em que eu ou ele
pensamos: «é isso, quero ir embora daqui quero ir embora daqui
quero ir embora daqui» e o «aqui» era a casa, o relacionamento e a
trincheira na cama de onde olhávamos a fuça do inimigo - tudo isso,
visto como um processo que nos levara até o desfecho acordado,
nos isentava de termos que nos encarar longamente outra vez,
naquele momento em que as malas praticamente levantavam vôo
sozinhas, eu dependendo delas como se me agarrasse à cesta de
um balão. Eu gostaria de não precisar explicar que tudo o que
havíamos passado nos isentava de discutir o fim. ¶ Mas ele quis
falar sobre o futuro, ali mesmo, na hora de eu tomar um táxi para
o aeroporto, como se o tal processo (favor ler o histórico detalhado
acima) não tivesse cumprido seu propósito de erodir e avacalhar os
tais sentimentos que, quando ainda bons e fortes, até justificariam
tal discussão. Como se ele já não tivesse me entregado suas chaves
na noite anterior, e como se a entrega das chaves não tivesse sido
o resultado de uma decisão que tomamos juntos, precisamente
porque nossas vontades não combinavam mais. Então, naquele
momento, eu só queria e só podia dizer a ele - nada. ¶ Se eu abrisse
meu notebook na branquíssima sala de espera da conexão, seria
como entregar de novo a chave a L. Ou permitir que ele viesse
comigo, e, da cama do hotel, percebesse como eu me divertia
na escrivaninha, inventando pessoas que respirariam através
dos aparelhos artificiais viabilizados por atores, e dessa maneira
sofresse mais uma vez ao perceber o prazer com que eu gerava e
paria o que eu nasci para gerar e parir. ¶ Depois de deletar spams,
piadas forwardeadas e responder umas cinco páginas de dúvidas
de produção, a caixa de entrada ficou quase inteira da cor cinzenta
que indica os e-mails que foram lidos. Exceto por uma linha preta-
não-lida, remetente: L.

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T MIGUEL DO ROSÁRIO
BRUNO LIRA

Os horizontes se avermelham
Grandes embates se delineiam no horizonte
político da América Latina. E há pontos em
comum em todos países. O voto popular es-
colhe governantes de esquerda, e a imprensa
assume o papel de protagonista das oposições
conservadoras. Nem os EUA escaparam desse
quadro repetitivo. Por mais que mantenha po-
sições tradicionais de política externa, Obama
lidera as forças progressistas (ou de esquerda)
no país, e tem como seu principal adversário a É aí que acontece o embate. A
poderosa Fox - a ponto de assessores da Casa blogosfera emerge como contra-
Branca afirmarem que a rede é vista agora não força ao poder dos conglome-
como «imprensa» e sim como um agente polí- rados de mídia. Blogueiros
tico de oposição. esfomeados, irreverentes, par-
tidários, de uma franqueza per-
Recentemente, a presidente da Associação Na- turbadora, vem causando sérias
cional de Jornais (ANJ), Judith Brito, afirmou fissuras no domínio férreo que
categoricamente que a imprensa brasileira meia dúzia de colunistas exer-
«teve que» assumir o papel de oposição política ciam sobre centenas de milhares,
no Brasil em vista da «fragilidade» da oposição quiçá milhões, de brasileiros.
partidária. Também nesse primeiro trimestre
de 2010, o instituto Millenium reuniu os pu- Os exércitos se alinham, frente
blishers dos grupos Globo, Abril, Folha, e seus a frente, no campo de batalha. É
empregados, e divulgou declarações de cunho uma guerra estranha, com guer-
radicalmente partidário. Excetuando-se a te- reiros liliputianos de um lado,
levisão, que é uma concessão pública, e por isso mas extremamente numerosos,
objeto de questionamentos sobre a legalidade autônomos e combativos, e meia
ou não de posições partidárias, os jornais são dúzia de gigantes de outro, se-
propriedade privada e, como tal, constituem gurando pela coleira seus cães
efetivamente um espaço privado e livre de opi- de briga. Não creio, porém, que
nião política. Ou seja, manda quem pode, obe- haverá um vencedor definitivo.
dece quem tem juízo. O conflito já evoluiu para uma
espécie de guerra de trincheiras,
A imprensa mantém seu poder de gerar crises, longa e cansativa, com a tendên-
intervir na pauta do Congresso, influenciar de- cia, também irônica, de criar
cisões da Justiça, mas perdeu pontos em rela- dependência entre as partes. No
ção ao passado. O cidadão hoje encontrou uma caso do Brasil, há ainda o risco
área de sombra para se proteger do sol ofus- da guerra ser periodicamente in-
cante das corportações midiáticas. A internet, terrompida para todos participa-
particularmente a blogosfera, permite às pes- rem de uma roda de samba, ou
soas acessar um arsenal mais completo e múl- recuperarem as energias partil-
tiplo de opiniões e dados. hando uma pizza calabresa.

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Juliano Guilherme, de um Hades a outro
caderno de anotações Emergindo diariamente do ha-
des carioca, a caótica, suja e
deslumbrante Lapa, onde tem
seu ateliê, Juliano Guilherme,
quarentão flamenguista e boê-
mio, pega uma van na Lavradio
para se dirigir a sua casa em
Santa Teresa. Então mergulha
em outro inferno, o mundo cão
da blogosfera política, onde
participa ativa e corajosamente,
com seu próprio nome, em qua-
se toda polêmica, na defesa de
um Estado forte, progressista,
democrático e soberano.
T TOMÁS RAMOS
LATUFF

A DISTORCIDA VOZ ANÔNIMA DO VEÍCULO URRA ENQUANTO PENETRA ENTRE


AS RUELAS DAS FAVELAS CARIOCAS: “VIM BUSCAR A SUA ALMA!”.

De longe, o Caveirão não parece muito cima e para baixo, o que dificulta muito
diferente dos carros blindados que cir- a mira dos tiros. Mas como o veículo
culam pela cidade transportando din- só é utilizado nas “zonas de risco” dos
heiro de banco em banco. Embora pese morros cariocas, os possíveis erros são
cerca de oito toneladas, ele pode alcan- calculados como meros danos colaterias
çar velocidades de até 120km/h e tem da “guerra” declarada “em defesa da so-
capacidade para levar 11 policiais. ciedade”. Equipado com alto-falantes, o
veículo é totalmente preto e com vidros
fumê, o que garante o anonimato dos
agentes que o utilizam. Mas, acima de
tudo, tais blindados são marcados pelos
símbolos oficiais macabros e pinturas
especialmente estilizadas para aterrori-
zar os “inimigos” do Estado.

Embora não tenha armas acopladas à


sua maquinaria, o que permite para al-
guns defini-lo como um “veículo civil”,
o Caveirão é um automóvel militar de
combate. Não funciona como camburão
Ao lado do motorista, um policial segue ou ambulância. Não foi forjado para
armado para repelir ataques frontais. transportar pessoas presas em flagrante.
Para acomodar os demais atiradores, um Também não carrega nenhum tipo de
banco de oito lugares atravessa o centro equipamento para socorrer feridos. Seu
no fundo do carro. São quatro lugares papel é outro. O Caveirão na verdade
virados à esquerda e outros quatro à exprime todo um acúmulo de experiên-
direita. Ao seu redor, o veículo dispõe cias militares de policiamento urbano
de mais de 20 pequenas cavidades nas que o Bope aglutinou durante anos de
paredes laterais onde os policiais podem operações nas favelas cariocas. O obje-
colocar os canos de suas armas para ti- tivo principal é conseguir transportar
ros estratégicos. Porém, as “seteiras” policiais durante conflitos armados até
apenas permitem aos policiais mo- os pontos estratégicos de confronto,
ver suas armas cerca de 50 graus para além de abrir passagem para outros

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agentes a pé e garantir a retaguarda do
restante da tropa. Trata-se de um meca-
nismo de proteção de soldados treina-
dos para “subir a favela e deixar corpos
no chão”, como prega um dos mantras
que os policiais cantam durante seus de máquinas; a cada esquema de vida, um
treinamentos. Não deve haver dúvi- conjunto de parafernálias; a cada regime
das. O Caveirão é um aparelho de caça. de poder, um agenciamento estratégico.
Basta lembrar a frase que a distorcida As velhas sociedades monárquicas or-
voz anônima do veículo urra enquanto gulhosamente operavam seus aparelhos
penetra entre as ruelas das favelas ca- de tortura nas grandiosas cerimônias
riocas: “Vim buscar a sua alma!”. dos suplícios. As antigas sociedades in-
dustriais tinham nas torres de vigilância
As tecnologias nunca são simples próte- da prisão a chave de leitura para seus
ses, porém. Para além das funções for- rituais de disciplina. No início do século
mais e imediatas, as ferramentas tam- XXI, o Caveirão, como forma material e
bém são formadoras de virtualidades, ao mesmo tempo imaginária de um certo
geram efeitos de realidade, criam mun- estilo de poder, parece representar, mel-
dos específicos nos quais nos tornamos hor do que qualquer outro dispositivo, a
o que somos. Se toda invenção assinala o real dinâmica do Rio de Janeiro. Cidade
despertar de novos anseios, todo instru- que hoje, mais do que nunca, é celebra-
mento indica uma espécie de programa- da como cenário de grandes telenovelas
ção. Já foi dito que não é difícil fazer cor- nacionais e palco dos mais importantes
responder a cada sociedade certos tipos eventos internacionais.

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Chris Duarte
flickr.com/photos/chrisduarte/

é arquiteta e esteve pela primeira vez em


Paris em 2008. Fotogafa o Rio de Janeiro,
onde mora, desde 2001.
T MIGUEL DO ROSÁRIO

Durante muito tempo o cumprimentava segundo ano, mas sempre a poesia me


somente à distância. Sempre o via tra- levou a conhecer autores que me encan-
balhando, o tempo inteiro. Catando la- tavam, porque debatiam questões que
tinha, vendendo discos, livros, se viran- não eram debatidas pelo pensamento
do. Há pouco tempo, aproximei-me mais comum, como Nietzsche, Drummond,
dele. Ainda luta muito para sobreviver, Vinicius de Moraes e Monteiro Lobato.
vendendo seus discos de vinil. É o pri-
meiro entrevistado de nossa seção com Conte mais sobre sua família.
pessoas que, apesar de (por enquanto) Aconteceu de eu ficar muito protegido
desconhecidas, são ilustres para nós. Se em casa. E a primeira vez que eu saí para
você quer um vinil raro, de qualidade, rua, foi para brincar de polícia e ladrão,
pode encontrá-lo nas noites de quinta e que era muito popular na época. Comecei
sábado nos bares da Lapa, sobretudo no a brincar de bola de gude, carniça, soltar
Paulinho, na esquina entre a Riachuelo e pipa. O bicho pegou, tive que ralar para
Lavradio. Alguns trechos da entrevista. ser reconhecido. Apanhei muito, mas
também bati muito. Antes meu mundo
era só dos muros para dentro de casa.

O ilustre
desconhecido
Um papo com José Orlando Rangel
Machado, o Orlando «Vinil».

leia a íntegra em | arteepolitica.com.br _


Orlando, fale um pouco sobre
a sua vida.
Nasci na Praça Mauá, no hospital dos Tinha empregada, foi até uma experiên-
Servidores do Estado. Tenho orgulho de cia que eu tive, sexualmente.
ter nascido no Rio, que é muito lírico.
Depois eu fui pro subúrbio. Meu pai tra- Você transou com sua empregada?
balha com geladeira, é mecânico de re- Claro, foi meu aprendizado sexual. Aliás,
frigeração. Minha mãe não tem estudo. é meu conselho aos mais jovens. Tem
Foi difícil porque eles não sabiam o que empregada? Coma. É uma experiência
eu queria em termos de cultura. única. Eu tinha oito anos, ela, 17. Comi
embaixo da cama. Porque minha mãe
Tem lembranças da sua infância? queria me dar uma surra, eu me escondi,
Estudei o primeiro grau em Ricardo de ela veio junto. Ela era muito linda. De-
Alburquerque, perto de Deodoro. Lá eu pois disso eu fiquei muito tempo sem
gostava de fazer rimas, gostava da língua transar. Eu era tímido, poeta, queria
portuguesa. Eu era um moleque irascível aquela musa. Tinha problemas no colé-
e selvagem, mas fazia poesia. Essa coisa gio. Tinha várias amigas, mas nos final-
da poesia me deixou pronto para obser- mente não comia ninguém. E só pensava
var mais o mundo a meu redor, foi uma em estudar. Estudava dia e noite. Gos-
escola paralela. Passei pelo ginasial, tava muito de ler. Poesia, história grega.

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maio 2010 _
Ali jaz um nobre falido. Dorme fundo na decadência. Frequentada T MIGUEL DO ROSÁRIO
AUGUSTO MALTA
no chão, encostado à grade da por vagabundos, marginais e pros-
praça, em quase coma alcóolico; titutas, a Tiradentes já foi o centro
sujo e triste. Passam por ele, zom- intelectual, boêmio, artístico e po-
bando de sua pose, prostitutas de- lítico do Brasil.
cadentes, feias, gordas. Ele já foi, Em seus arredores iniciou-se
Tiradentes,
todavia, imensamente rico. Dono a boemia carioca. Teatros, ca-
do maior teatro do Brasil, o Real fés, tavernas, restaurantes, clubes tantas recordações...
Teatro São João, inaugurado em políticos, livrarias, tipografias,
12 de outubro de 1813, freqüen- jornais, tudo girava em torno da
tado pela corte portuguesa e pela praça Tiradentes. Machado de As-
alta burguesia. Um vasto teatro sis iniciou sua carreira na tipogra-
com 1.020 lugares, cujas arrojadas fia do mulato Francisco de Paula
formas neoclássicas destacavam-se Brito, onde revisava e escrevia
no ambiente colonial e simplório para a Marmota Fluminense, bis-
da cidade. A aristocracia vinha de semanário de humor e variedades,
longe assistir às peças e óperas ali «a favor de todos os governos». A
representadas por companhias na- tipografia funcionava nos fundos
cionais e estrangeiras. de uma casa de chá, na qual se reu-
Nesse mesmo teatro, D. Pedro niam a nata da intelectualidade, e
I, voltando de São Paulo, após onde trabalhava um caixeiro me-
a gloriosa jornada da independên- lancólico, o nosso trágico Casimiro
cia, quando libertara o Brasil do de Abreu. Na loja de Paula Brito, o
jugo português, compareceu a um ator João Caetano fundou a Socie-
Em 1862, inaugurou-se a es- final na Tiradentes.
espetáculo promovido em sua ho- dade Petalógica, que reuniu gente
tátua de Dom Pedro I, que Vejam! O nobre falido, o mi-
menagem, durante o qual a platéia da estirpe dos já mencionados es-
domina o centro da praça. A obra lionário que hoje se tornou
gritava, a todo momento, o pri- critores, além de Gonçalves Dias,
foi feita na França, por Louis Rou- mendigo, parece acordar de seu
meiro slogan de nossa autonomia: Martins Pena, Quintino Bocaiúva
chet, cujo assistente era Auguste pesado sono de bêbado. Contempla
«Independência ou morte!» e muitos outros.
Nosso personagem testemun- «O espaço da cidade é o espaço Rodin. Até algumas décadas atrás, algumas jovens bonitas se dirigindo
haria muitos outros aconteci- da história», dizia o italiano a praça era aberta, sem as grades a um canto da praça, entrando num
mentos históricos importantes. Não Carlo Argan, quiçá mirando as ruí- que lhe dão o aspecto agressivo de sobrado e assomando à varanda,
nos apressemos, porém. Naqueles nas de Roma. De igual maneira se hoje. Um gramado bonito e bem um copo de cerveja à mão. Mais
velhos tempos, ele, apesar de nobre, pode olhar a Praça Tiradentes: um cuidado ladeava os arborizados uma vernissage de arte, pensa, com
freqüentaria a suja taberna do Jacá, olhar arqueológico sobre um passa- caminhos da praça e a ausência lágrimas de saudade nos olhos, re-
sempre que não lhe apetecia algum do cheio de fausto, gênio, boemia, de carros em seu entorno confer- cordando-se da belle époque, quan-
espetáculo, ou já o tinha visto di- e que agora repousa enterrado sob iam ao ambiente uma sensação de do a praça apinhava-se de gente to-
versas vezes. Lá conversava com edifícios de mau gosto, esquecido espaço e liberdade. As primeiras e das as noites, e onde mais de uma
os terríveis capoeiras, ex-escravos pela agitação frenética dos passan- principais linhas de bondes, puxa- vez conhecera, saindo de uma peça,
que formavam gangues e protago- tes, ofuscado pela pobreza caótica dos a tração animal no começo, alguma bela manceba, de olhar
nizavam lutas cinematográficas nos de lanchonetes populares, bote- depois elétricos, tinham seu ponto sonhador e romântico...
espaços vazios do largo. Lá se intei- quins suspeitos, lojas obscuras e
rava das intrigas domésticas com sebos caindo aos pedaços.
os cocheiros que se embebedavam Além da suja e popular taver-
enquanto esperavam seus senho- na do Jacá, que durou ainda
res saírem do teatro. alguns anos, surgiram estabele-
Bem, expliquemos nossa fan- cimentos de melhor nível para a
tasia antes que tudo se com- boemia em formação: o Café do
plique. O nobre ao qual me refiro é Braguinha, muito popular entre
a Praça Tiradentes, outrora Largo poetas e intelectuais; a Botica do
do Rocio Grande, depois Praça da Juvêncio, um dos primeiros bares
Constituição, até receber o nome «ideológicos do Rio», conforme
atual em 1889. Poucos lugares no a descrição de Nelson Rodrigues,
Brasil, quiçá no mundo, atingiram quase cem anos depois; o cosmo-
um esplendor social e urbano tão polita Criterium, surgido no mes-
brilhante, tão suntuoso, tão pro- mo local do Braguinha, após a de-
missor, e depois mergulharam tão molição deste.
T
BRUNO DORIGATTI e MIGUEL DO ROSÁRIO
CLARISSA PIVETTA
«

Zona de baixo meretrício, freqüentada por personagens de João


Antonio, a Praça Tiradentes é muito mais que isso. Nem todos
sobrados ainda estão de pé, mas alguns foram reformados. O
descaso, porém, persiste, com o cheiro nada agradável impreg-
nado em todo seu entorno. A grade que a circunda, afasta e se-
grega os transeuntes; colocada em 1996, não teve aprovação dos
comerciantes do local, que sequer foram consultados. Um dos
portões segue quebrado e, por mais que a praça seja aberta nos
dois lados, até às 18h durante a semana e 17h aos sábados, as
pessoas preferem contorná-la. A estátua ao centro traz D. Pedro
I sobre seu cavalo, dando o grito de independência, cercado por
índios e animais que representam quatros importantes regiões
brasileiras e seus principais rios: Amazonas, Paraná, São Fran-
cisco e Madeira. Em março de 2010, a Secretaria de Cultura da
cidade publicou no Diário Oficial nova licitação para retomar a
urbanização do local. Estão previstos RS 2,5 milhões para esta
nova etapa. Alguns terminais de ônibus suburbanos devem dei-
xar a praça. O projeto de transformar em moradia popular al-
guns dos sobrados da região, no entanto, segue parado.
T JULIA PINA
CLARISSA PIVETTA

Outras performances e instalações cobrindo toda a parede lateral da


se seguirão ao longo do dia. Uma galeria. A obra é do cineasta Neville
forma de arte transitiva para tran- d’Almeida e o projeto se chama Pa-
seuntes. Esse evento faz parte do rede Gentil. A cada edição um ar-
Viradão Cultural, promovido pela tista é convidado para desenvolver
Secretaria de Cultura em parceria um trabalho para a parede externa
com o Centro de Arte Helio Oiti- da galeria por quatro meses. A ca-
cica que fica logo ali, na rua Luís pacidade da obra de se dissemi-
de Camões, 68. Fundado em 1996 nar no ambiente é tão importante
num antigo casarão do século XIX, quanto a obra em si. Dirigida pelos
o centro se situa no meio povo. artistas Laura Lima, Márcio Botner
«Estamos no coração da cidade, na e Ernesto Neto, a Gentil acredita
área do meretrício e das manifesta- que “tornar a arte algo público é
ções populares”, diz Dilson Miklos, uma chance de educar”. “É muito
gestor do centro em entrevista ao significativo ocuparmos um espaço
site da secretaria. Em 2003, surge no Centro Histórico do Rio de Ja-
a galeria de arte A Gentil Carioca, neiro, nas costas do Saara, o maior
situada num sobrado da Rua Gon- mercado aberto da América Latina,
çalves Dias, 17, ali no meio do caos com árabes, judeus. Ocupar os ar-
T CAMILLA LOPES
CLARISSA PIVETTA

redores da Praça Tiradentes é o


grande grito”, diz Botner, também
ao site da secretaria. Situada num
sobrado na Praça Tiradentes, em
cima da Livraria São José, a Durex
Arte Contemporânea, inaugurada
em julho de 2007, é uma galeria co- «Quer cabelo, ném?» Se você já passou mais de uma vez pela Praça
letiva. “Optamos por mostrar uma Tiradentes, com certeza alguém já lhe abordou assim. «Se você levar
arte menos convencional, que pro- o meu papelzinho lá no quarto andar, eu ganho uma comissão », diz
voque discussões sobre a contempo- a garota propaganda/promotora/panfletista de um dos salões que
raneidade. Há artistas premiados e vendem os alongamentos. O panfleto informa que «cabelos em geral,
artistas em início de carreira”, diz o tecemos e vendemos» e a comissão da moça é de dois reais. Quem
curador Marcos Dana. Ele acredita vende cabelo não aplica e quem aplica não vende. Em uma das lojas,
que o fato da galeria estar situada os cabelos ficam na vitrine expostos junto com o sonho da maioria
do Saara. Entre guarda-chuvas no centro da cidade permite a apre- das mulheres brasileiras em ter longos fios. «O cabelo da mulher ne-
chineses, pipas, tecidos, videoquês sentação de propostas mais ousa- gra é crespo e frágil, só com alongamento que ele chega até a cintura.
e outros balangandãs, ninguém das, menos convencionais e aposta O da Juliana Alves, da Vânia Love é tudo alongamento», explica Va-
imagina que, subindo a escadaria no fortalecimento desse pólo cultu- nessa a gerente da loja, com 15 anos de tradição. As mencionadas
espremida entre duas lojas de quin- ral. Sempre que possível, as galerias «celebridades», ambas modelo, atriz e rainha de bateria, são mula-
quilharias, se encontra uma galeria da região inauguram exposições no tas tipo Sargentelli, com cabelos cacheados até a cintura. Aliás, como
de arte. Antes de entrar, esbarra- mesmo dia e promovem eventos os de Viviane Araújo, rainha de bateria do Salgueiro, ex-mulher do
mos com a enorme foto de uma conjuntos. A praça está aberta, é só pagodeiro Belo e garota propaganda da loja que exporta cabelos até
mulher nua dentro de uma mala chegar. para Angola e Suíça.
+ cabelo e arte em | arteepolitica.com.br _
A tradição sinuqueira é mantida por dois estabelecimen-
tos: o Bilhar Guanabara, em frente ao Teatro Carlos Go-
mes, reformado recentemente; e o Salão Guarany [foto]
ao lado da Estudantina Musical, que inspira cuidados.

«Já veio alemão, inglês, françês, brasileiro fotografar


aqui», avisa Seu Chico, há 20 anos resistindo no Guara-
ny, sinuca onde Paulinho da Viola encaçapou umas para
seu documentário...

capa JULIA PINA


contracapa CLARISSA PIVETTA

+ fotos, textos e vídeos em | arteepolitica.com.br _


Zé Dassilva é jornalista, roteirista, cartunista e atende no
zedassilva.blog.uol.com.br.

maio 2010 | arteepolitica.com.br _ 21


CINCO ANOS DEPOIS, O ARTE & POLÍTICA
RETORNA AO PRÉDIO DO INCRA PRÓXIMO
A CENTRAL DO BRASIL, PARA SABER
COMO ANDA A BATALHA DO DIA A DIA.
T BRUNO DORIGATTI e
ELIA SCHRAMM
BRUNO LIRA

Atrás do prédio do Ministério da Defesa,


no centro do cidade e nas proximidades
da Central do Brasil, um prédio aban- tricas, hidráulicas e do elevador. Ele hoje
donado há mais de 20 anos pelo Incra, tem todas as portas lacradas, que servem
o instituto dedicado à reforma agrária, como mural para avisar das assembléias
nem tem mais a sua entrada fechada a e de eventos de outras ocupações, como
cadeado, como tinha em 2004. Em mea- a Zumbi dos Palmares, situada ali perto,
dos daquele ano, ele se transformava na na Rua Venezuela, e recordar os atrasa-
Ocupação Chiquinha Gonzaga, e em um dos com a cota da água. ¶ A condição dos
período turbulento, de incertezas, o risco corredores, sujo, rabiscado, contrasta
de desocupação, da entrada de pessoas com a de alguns apartamentos, arruma-
mal intencionadas era grande. A ocupa- dos, com mobília, televisão, geladeira.
ção persiste por mais de cinco anos e hoje Esta diferença entre o espaço público
não necessita mais do cadeado. O prédio e privado revela também as contradi-
foi desapropriado e passou para o nome ções que uma ocupação, como espaço de
do Estado do Rio de Janeiro, que garante convivência e vivência nas grandes cida-
a permanência das 68 famílias no local, des, é tão contraditória, complexa e pa-

num total aproximado de 300 pessoas. ¶ radoxal. Coisas melhoraram nestes cinco
A rua cheia de poças d’água, enlameada, anos, os moradores admitem. Por outro
faz recordar da recente enxurrada que lado, novas circunstâncias, a preocupa-
desabou no Rio de Janeiro dias antes. O ção cada vez menor com o coletivo e com
fornecimento de água e luz permanece. A a construção por todos demanda ainda
Light chegou a cortar a energia, por conta muito tempo e disposição, que poucos
de uma antiga dívida do Incra, mas, de- têm para levar adiante. ¶ No começo,
pois de decisão judicial, a luz foi religada. quando precisava garantir um chão,
A água é divida entre todos os aparta- muitos se mobilizavam, corriam atrás.
mentos, o que dá, em média, seis reais Depois, as pessoas se acomodam, e vão
por mês. De Brasília, veio outra boa no- cuidar da sua vidas”, nós ouvimos mais
tícia: a liberação da verba de R$ 1,5 mil- de uma vez. “Era para ser muito bom isso
hão, através do Ministério das Cidades, aqui. Mas tem muita confusão. O povo é
destinada à reforma das instalações elé- muito complicado”, confessaram outros

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moradores. ¶ Com o tempo, o apoio do tremo oeste do Rio Janeiro. Para vir ao
pessoal de fora também minguou. Os centro, gasta-se muito, em horas e reais.
sindicatos não ajudam mais depois que Lá, emprego não havia, para ela e seus
um morador mal intencionado foi pedir dois filhos na casa dos 20 anos. Na ocu-
dinheiro em nome da ocupação, quando pação, além de não pagar aluguel, está
nada havia sido deliberado. As oficinas no centro da cidade. No dia em que nos
e apoios de ONGs e estudantes também recebeu, um sábado, estava cozinhando
acabaram. Logo atrás do prédio, há um um arroz e um frango. Com um adesivo
galpão, que também pertence a ele e po- do presidente Lula na porta da sua casa,
deria ser usado como local de aulas de perguntamos o que acha do seu governo.
crochê, estacionamento, uma cozinha “Ele foi muito bom, ajudou um monte
para fazer quentinhas e vender nas re- de gente. Pena que vai acabar”, diz ela,
dondezas da Central do Brasil, onde cir- que conhece e vai votar na ex-ministra
culam centenas de milhares de pessoas Dilma Roussef. Dona Rosilene gostaria
diariamente. Todas as idéias acima foram de ter montado a oficina de crochê, mas
pensadas. Nenhuma saiu do papel. ¶ Em a idéia não foi adiante ¶ Denise é estu-
pesquisa realizada em 2008, o então es- dante de nutrição na Faculdade Bennet,
tudante de Geografia da UFRJ, Fernando no Flamengo, e estagia na Ilha do Fun-
Mamari, levantou alguns números com dão. Acorda todo dia as cinco horas da
47 moradores. Destes, 80% têm empre- manhã e chega em casa às onze da noite.
go. Em relação à escolaridade, 27,7% têm Queria fazer o curso de gastronomia da
o ensino fundamental, 21,3% o ensino Estácio de Sá, mas a mensalidade de mil
médio e 6,4% o superior incompleto. Um e seiscentos reais inviabiliza o seu de-
deles tinha o superior completo. Antes de sejo. “Antes, pensava que nós iríamos
habitarem na Chiquinha Gonzaga, 48,9% nos organizar aqui para formar coopera-
tivas. Hoje, a maioria
trabalha”, conta ela,
e um dos motivos do
galpão vizinho ainda
estar fechado está
aí. Como disse uma
moradora, “na teo-
ria funciona, mas, na
prática...” Para outro,
porém, “a gente conti-
nua aí, cada um tem
um modo de olhar o
coletivo”. ¶ Guerreira,
Dona Lívia, aos 66
anos, diz não ter idade

Dona Rosilene vive com os filhos e a


neta na Chiquinha Gonzaga, depois
que deixou Sepetiba.

deles pagavam aluguel, 17% viviam em para se incomodar mais. Depois de uma
outra ocupação, 14,9%, na casa dos pais, transfusão de sangue ainda menina, ela
10,6%, na rua, e 6,4% em hospedaria. teve leucopenia (quando o número de
¶ Mesmo assim, aqui se vive e muito glóbulos brancos desce abaixo da norma-
melhorou para algumas destas pessoas. lidade) e seu caso foi estudado na Santa
Dona Rosilene morava em Sepetiba, ex- Casa, tão rara era a sua doença. Além dis-

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so, teve que tirar um terço do estômago, e às reformas? Esse ano não sai, dizem,
depois do intestino, por conta de um cân- para não ser considerada obra eleitorei-
cer. Dos 56 quilos que tinha, ficou com os ra. Ela tenta uma solução enquanto isso,
37 que mantém hoje. “Lá fora, fui ajudar procura por empresas que poderiam re-
o pessoal do Morro do Bumba, participei solver o seu problema, mas que teria que
da passeata de protesto. Pra mim, aqui ser dividido por todos, algo em torno de
dentro, não quero mais, não.” Ela hoje dá doze reais, segundo Diana. “Se colocas-
guarida em sua casa a um garoto de 19 sem em prática o que falam, não seria
anos, sua namorada e o filho recém-nas- assim”, afirma. ¶ As reuniões do coletivo,
cido, que morava no Morro dos Prazeres, quando a ocupação começou, chegaram
mas a casa teve de ser abandonada por a acontecer duas vezes por dia. Depois,
risco de desabamento depois das chu- passou para toda segunda-feira, então
vas que deixaram o Rio debaixo d’água, virou quinzenal, para ficar até três meses
literalmente. Num sábado a tarde, a te- sem. Outros falam em até cinco meses.
levisão sintonizava o SBT, em mais um “O povo não descia, eram sempre as mes-
filme norte-americano. Na estante, logo mas pessoas”, nos contaram. ¶ “Acho que
abaixo da TV, alguns livros, entre eles, vai muito pela necessidade. Quando não

Dona Lívia,
em um sábado
à tarde. Dia
de coxa
e sobrecoxa
de frango.

Trabajo, derechos y sindicato en el se tem onde morar, as pessoas se mobili-


mundo. Além da cama, dos armários de zam. Com o tempo, estabiliza, acomoda.
roupa e da cozinha, da geladeira, a mesa O individualismo é nosso pior inimigo”,
redonda de vidro e a rede ocupam o res- aponta Manuel, morador desde o começo
tante do apartamento com vista para os da ocupação, assim como os demais com
fundos do Ministério da Guerra, o céu quem falamos para esta reportagem. “O
azul, Santa Teresa e o maçiço da Floresta pessoal que puxa o coletivo é da antiga,
da Tijuca. As coxas e sobrecoxas de fran- quem não participa, respeita”, acrescenta
go em bacias, a descongelar, indicavam Carlos. Mas quando a corda aperta, mui-
o almoço daquele dia. ¶ Diana, também tos buscam apoio no coletivo. Sempre é
moradora da Chiquinha Gonzaga, junto bom lembrar, dizem por lá, que o coletivo
com o marido, reclama do descaso com o é você. Parte dele, por exemplo, formou
seu problema com a água. Após uma lim- um mutirão entre os mais jovens e está
peza nas colunas, justamente a sua ficou montando uma sala de informática, para
entupida. Melhorou o fornecimento de reclicar computadores antigos. A idéia é
todo mundo, mas acabou com o seu. Ela que em breve a nova sala esteja dando
então pega água de uma vizinha através aulas de informática e acesso à internet
de uma mangueira. Continua pagando a para a gurizada e os demais moradores
taxa de água. Mas e o dinheiro destinado da Chiquinha Gonzaga.

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Dubes Sônego
projetostock.com/dubes/photos.php
flickr.com/photos/dubes

jornalista, conheceu Toronto em 2007,


onde passou muito frio e então voltou
para São Paulo no ano seguinte.
Tenho carinho especial pelo Canadá. Passei um ano em Toronto com minha mulher, em 2007.

Mas depois de um inverno de sete meses, com dias curtos, muito frio e a rinite atacando
forte, voltei gostando mais do Brasil do que quando parti, apesar de praticamente tudo
lá funcionar melhor que aqui. Uma cena pra mim é emblemática de porque o Canadá é
uma merda, mas é bom. E o Brasil é bom, mas é uma merda. É a de um poster do Bob
Marley pendurado na parede de uma escola primária local judaica, ao lado de fotografias
de outros ícones das ciências, dos esportes e das artes, e de mapas do estado de Israel
e do Canadá e acompanhado do refrão: «Get up, stand up, get up for your rights». Estas
fotos foram tiradas em minhas andanças pela cidade, no final de 2007 e início de 2008.
T JULIA PINA
BRUNA BENVEGNU

A atual produção cinematográfica no Bra- aumento na produção cinematográfica


sil é a maior da história. Filmes nacionais no país. Além da facilidade imposta
batem recorde de público. Junto com esse pelos meios digitais, tanto na captação
fenômeno vemos o crescimento e a cria- quanto na exibição, é possível
ção de novos festivais de cinema pelo país. apontar que há cada vez
Atualmente, existem no Brasil mais de
150 eventos audiovisuais, desde pequenas
mais pessoas interessa-
iniciativas regulares de exibição até os fes- das em construir cine-
tivais já consolidados. É um circuito que ma. Tenho, porém, uma ressalva.
abrange quase todo o país e atrai mais de 2 Hoje temos uma recorte exagerado
milhões de espectadores por ano. Os festi- de festivais que em muitos casos traz
vais são uma vitrine do cinema mundial e banalidade ao formato. É festival de
principalmente do cinema brasileiro. Fil- documentário musical, festival de fil-
mes de curta, média e longa-metragens, mes de aventura, festival de filmes de
documentários, ficção, vídeos, internet e montanha... É preciso ou repensar a
outros suportes têm lugar garantido. Os maneira como esses eventos dialogam
festivais representam também um espaço com o público levando-o a uma reflexão
fundamental de reflexão e organização da diferenciada, ou repensar os festivais já
classe audiovisual. Um espaço aberto pra existentes e que poderiam agrupar cer-
o exercício e o debate. tos olhares diluídos nesta banalização.
Existem mais de 100 festi- O curta-metragem não tem
vais de cinema espalhados pelo conseguido alcançar valor comer-
Brasil e a cada ano surgem mais. cial, ainda depende essencialmente
O que significa esse crescimento? dos festivais para ser exibido. Qual
Significa que aumentou o interesse, prin- é então a sua importância? Ainda
cipalmente no cinema nacional. E não só existe um preconceito do público médio
do público, mas também em viabilizar exi- em relação ao curta-metragem. Em todo
bições e eventos que reúnem e pensam fil- festival que trabalho, parece regra, há
mes. O grande boom de festivais não tem sempre ao menos uma pessoa que, depois
só acontecido nas capitais, que já têm seus de perguntar a programação do momento
grandes festivais como o Festival do Rio, e receber como uma resposta que se trata
a Mostra de São Paulo, o Cine PE ou o É de uma sessão de curtas, diz: “Ah, é curta,
Tudo Verdade, mas em cidades pequenas não é cinema, né?” A lei do curta, de 1975,
de todos os cantos do país afloram festi- exigia que um curta nacional fosse exibido
vais a todo o momento. O cinema, antes de todo longa, e que 5% da bilhete-
ria fosse destinada ao curta. Para não per-
em toda a sua variedade,
der essa fatia, os exibidores passaram a
está chegando a locais que produzir seus próprios curtas que, muitas
antes tinham pouco ou vezes, não passavam de uma imagem es-
tática, ou, no mínimo, uma proposta pre-
nenhum contato com essa guiçosa. O curta passou a ser ainda mais
linguagem. Filmes fora do cir- mal visto no Brasil. Hoje essa idéia está
cuito comercial viajam o Brasil, pro- mudando, com a ramificação do acesso e a
movem debates e formam um novo crescente produção de qualidade, um novo
público. O avanço progressivo no público vem se formando. Verdade é que,
número de festivais coincide com o no que se relaciona à produção, o curta

28 _ arteepolitica.com.br | maio 2010


funciona ainda como um exercício para os portáteis e de simples manuseio, foi na-
novos realizadores, uma maneira de expe- tural que a viabilização de documentários
rimentar sua própria linguagem e começar começasse a ficar mais recorrente, tendo
a obter uma pequena chancela antes de dar em vista o aparato mais complexo que cos-
o passo para o primeiro longa. Jorge Fur- tuma requerer a ficção. E o público seguiu
tado, por exemplo, realizou grandes cur- o compasso deste crescimento e começou a
tas, todos esperavam seu primeiro longa se interessar mais pelo formato.
muito antes de ser rodado. Aconteceu o Quais medidas tomadas pelos
mesmo com Philippe Barcinski e agora festivais para atingir um público
com Kleber Mendonça Filho. cada vez maior? Antes de tudo, não
Um carreira bem sucedida se pode criar barreiras. Por exemplo, o
em festivais garante a entrada do Curta Cinema (RJ) até 2007 cobrava R$
filme no circuito comercial? Em sua 5 pela sessão. O cinema ficava vazio. Ses-
maioria sim, mas longe de ser uma regra. sões excelentes, filmes incríveis, de todos
Muitas vezes, um longa ganha prêmio mas os cantos, mas sem platéia. A partir de
demora a chegar ao circuito comercial ou, 2007, quando as exibições passaram a ser
como em muitos casos, nunca chega. Den- gratuitas, o público compareceu. Existem
tre tantos, temos Estrada real da cachaça, ainda diversos projetos que trazem um
documentário de Pedro Urano, Prêmio de público específico ao festival e os que reali-
Melhor Documentário no Festival do Rio zam o caminho inverso, levam os filmes a
quem não os alcançaria,
na maioria das vezes, à
Angelo Defanti é produtor, diretor e cura-
dor. Já trabalhou na produção do Festival do Rio, É
Tudo Verdade. Idealizou as mostras «As muitas vi-
das de Robert Altman» e «A elegância de Woo-
dy Allen», e dirigiu três curtas. Atualmente,
prepara uma mostra sobre o diretor Tim
Burton, está prestes a rodar seu quar-
to curta, e desenvolve o projeto de
seu primeiro longa.

de 2008 e bela carreira interna-


cional. Ou seja, conceitualmen-
te, uma obra que despertaria
interesse artístico, e ainda sem
previsão de chegar ao circuito.
Nesse momento, o espírito comercial pre- comunidades carentes de cultura. É o caso
valece, o que reforça ainda mais a impor- das lonas culturais utilizadas pelo Festival
tância dos festivais como forma de acesso do Rio em bairros distantes de toda a ci-
à nossa produção. dade. Já o Festival de Curtas de SP traz a
A partir dos anos 1990 aumen- população da periferia para as salas de ci-
tou o número de documentários, nema. Outro projeto interessante é o Curta
junto com o interesse do público. nas Praças que acontece no Goiânia Mostra
Como isso se reflete nos festivais? Curtas, em que a tela é montada em diver-
Os avanços na tecnologia digital facilitaram sas praças da cidade com sessões gratuitas.
a proliferação da exibição em locais e de O investimento em sessões infantis tam-
maneiras antes impossíveis e também fo- bém é fundamental para a formação de um
mentaram de forma inequívoca a captação novo público, o contato com a linguagem
de imagens. Com câmeras cada vez mais desde cedo estimula o interesse.

maio 2010 | arteepolitica.com.br _ 29


Ao olharmos para a história da coloniza- T ELIA SCHRAMM
ção latino-americana pela ótica gastrô-
nomica, ela nos fala da rica tradição que
exportou as batatas, de origem andina,
salvando a europa da fome ao longo de
pestes e guerras, do cacau azteca, que com azeite de oliva, especiarias, e usual-
serviu de matéria-prima para o chocola- mente servido como acepipe. Dizem que
te, do tomate, hoje marca registrada da o nome vem do latim cibus (comida),
cozinha italiana, e tantos outros ingre- do espanhol cebo (comida, mordida) e
dientes e preparações que já fazem parte ainda cebiche (cozido de peixe).
da cozinha mundial. Abaixo, a
Da rica culinária latina - e aqui não receita de ceviche baiano
estamos levando em consideração o traz um toque brasileiro com a com-
Brasil, que, por suas dimensões conti- binação do leite de coco com coentro,
nentais, merece análise muito mais de- dendê e o chips de batata baroa. A mis-
talhada -, selecionei uma preparação a tura básica reúne peixe cru de carne
base de peixe muito conhecida interna- branca e firme, marinado no limão e
cionalmente: ceviche. Este prato de ori- elementos aromáticos como especia-
gem controversa - Chile, Equador, Peru rias, ervas frescas e óleos, que conferem
e México autodenominam-se criadores a peculiaridade do prato. Tradicional-
da receita original - é uma mistura de mente ele vem acompanhado de milho
peixe cru marinado em suco de limão cozido, batata ou legumes.

Retire as sementes e toda a parte branca


interna dos pimentões e da pimenta dedo-
de-moça, descasque a cebola e corte tudo
em cubinhos bem pequenos. Reserve.
Vai bem com Corte o peixe em cubos de aproxima-
vinho branco chardonnay damente 1 cm de aresta. Acrescente o
leite de coco e deixe macerar na geladeira
Ingredientes por uma hora.
. 500g de filé de cherne ou namorado Descasque a batata baroa (também
(escolha sempre peixe fresco, o conge- conhecida como mandioquinha), fatie-a
lado não se presta a essa preparação) em lâminas bem finas e frite em óleo. Se-
. 1 cebola roxa média que em papel absorvente e polvilhe sal e
. 1 pimentão amarelo curry enquanto ainda estão quentes. Re-
. 1 pimentão vermelho serve.
. 2 pimentas dedo-de-moça 15 minutos antes de servir acres-
. 1 maço de coentro cente o suco dos limões, a cebola, os
. 2 batatas baroas pimentões, a pimenta dedo-de-moça, o
. 2 limões coentro picado, o azeite e o dendê ao
. 200ml de leite de coco peixe. Corrija o sal.
. 3 colheres de sopa de azeite Apresentação para porções indivi-
. 1 colher de chá de azeite de dendê duais: coloque cerca de 100g da mistura
. sal e curry em uma taça com alguns chips à parte .
Bom apetite!

30_ arteepolitica.com.br | maio 2010


15 minutos T MARCELO CEARÁ
CHRIS DUARTE

Em abril, um personagem emblemático do lado do rapper dentro do ônibus, na cena


Rio de Janeiro silenciou. Morreu o Luizinho em que Zé Ramalho faz um pregador evan-
do Posto 9, conhecido por quem costuma gélico. Ao invés da tradicional bandana de
freqüentar esta parte da praia de Ipanema. Bob Marley e o cabelo estilo rasta, no clipe
Sua famosa barraca era ponto de encontro ele revela uma desconhecida careca. O que
distinto dos demais. Conheci o Luizinho valia ali era brilhar, ainda mais num clipe
por volta de 1996, ia de bicicleta pra praia que conta com participações hilárias de Ro-
e sempre parava na barraca dele por conta naldo Fenômeno, ainda novinho, Martinho
dos amigos que o conheciam. Comecei a da Vila e Neguinho da Beija-Flor. Com o su-
ficar amigo, como todos que passaram por cesso do clipe, Luizinho tirou maior onda na
ali. Era realmente uma figura diferente. praia. Não ligava pra dinheiro, tinha outra
Conquistou a gente pelo jeito de falar. Uma sensibilidade, queria curtir, se sentia um ar-
fala calma, mansa, meio de bicha, meio de tista da vida. A troca não era em um palco
hippie, totalmente carioca. Aliás, soube há ou estúdio, mas no dia-a-dia das areias de
pouco que ele vinha da Bahia. ¶ E a Bahia é Ipanema. ¶ As bebidas, ele comprava no
bem coerente com o estilo do Luizinho. Era supermercado mais caro ali da área. Não
um contador de histórias e tinha o sonho de ligava, achava mais cômodo, vendia me-
seguir a trilha de seus ídolos de lá, Caetano, tade e bebia a outra metade. O que valia
Gal, Gil, Waly Salomão. Falava sempre do era ficar ali conversando, viajando, falando
show business e da cultura pop. Seu isopor, histórias, perguntando dos amigos, da vida.
onde vendia água e cerveja, era sempre en- Luizinho foi um cara extremamente gene-
feitado com recortes de jornais e revistas, roso. Por ironia, sofria de um problema no
e brincava com o que estava na moda, fu- coração. Acho que era inchado, aquela his-
tebol, atriz global, fotos constrangedoras tória do coração tão grande. Ele foi inter-
de presidentes, das enchentes, da musa nado justamente na época do Choque de
do verão, Rê Bordosa etc. O que enfeitava Ordem, no verão de 2010. Tudo registrado,
a barraca era uma bandeira do Bob Marley selado, carimbado. Exatamente o contrário
com as cores clássicas do reggae. Depois, do que vivia Luizinho, sobretudo em uma
ele adquiriu as bandeiras do Flamengo e do praia mais espontânea, na década de 1990,
Fluminense. Parecia que a intenção dele era com aquela informalidade, o famoso aplau-
sempre agradar. Assim conquistou muitos so para o pôr-do-sol, além de personagens
amigos. Morava na Cruzada São Sebastião, como o Seda, que vendia material para
favela vertical situada no afamado bairro fumeteiros, o Aaaaaaaaaaabacaxi, sujeito
do Leblon, perto de onde trabalhava todo que gritava o nome da fruta no ouvido das
dia. Passou perrengue com polícia, com cocotas, e a banda Farofa Carioca, com seus
bandido, com tudo. Mas era incrível como ensaios informais toda segunda na areia.
isso parecia não abatê-lo. ¶ Esse espírito Vai deixar saudade. De chegar qualquer
sonhador manteve o Luizinho sempre igual, hora na praia, deixar a bicicleta, tomar uma
fiel aos amigos, prestativo. Não deixou tam- água. Perguntar alguma bes-
bém de atrair para si acontecimentos que teira, ouvir outra qualquer.
alimentassem esse sonho de ser um artista Vai em paz,
no Rio de Janeiro. A mais marcante foi a querido amigo.
participação no clipe de Gabriel, o Pensa-
dor, «175 nada especial», onde aparece ao
estamos de volta!

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