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memória nos livros/objeto
de Fernando Augusto
Augusto.” Revista Gama, Estudos Artísticos. ISSN 2182-8539, e-ISSN 2182-8725. Vol. 2 (3): 121-130.
Lopes, Almerinda da Silva (2014) “A distensão do tempo e da memória nos livros/objeto de Fernando
The distension of time and memory in the
books/object of Fernando Augusto
*Brasil, historiadora, curadora, artista visual, pesquisadora (CNPq). Licenciatura em Artes Visu-
ais, Bacharelado em Artes Plásticas pela Universidade Estadual Paulista (UNESP); Mestrado pela
Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP); Doutorado em Artes
Visuais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Universidade de Paris I.
AFILIAÇÃO: Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Centro de Artes, Programa de Pós-Graduação em Artes. Av.
Fernando Ferrari, 514, Goiabeiras, Vitória — ES — CEP 29075-910, Brasil. E-mail: aslopes@npd.ufes.br
Resumo: Este artigo reflete sobre a especi- Abstract: This article reflects on the specificity of the
ficidade dos livros/objeto de autoria do ar- books/object authored by visual artist Fernando
tista visual Fernando Augusto, resultantes Augusto, resulting of being from interference with
seja da interferência com camadas de tinta layers of paint and drawings on their pages of old
e desenhos sobre as respectivas páginas de works, which incorporated his personal library,
obras antigas, que integram sua biblioteca or being from the insertion, reinvention and hy-
particular, seja da inserção, reinvenção e hi- bridization of codes as well as the visual and verbal
bridização de códigos e narrativas visuais e narratives found in the files/memory of the studio.
verbais encontrados nos arquivos/memória Keywords: Books artist / Contemporary art / File
do ateliê. and memory / Fernando Augusto.
Palavras chave: Livros de artista / Arte
Contemporânea / Arquivo e memória /
Fernando Augusto.
Introdução
Se muitos afirmam que a produção de livros como objetos de arte surgia como
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de diferentes remetentes, reinserindo-as nas páginas sequenciais dos livros/
objeto de sua autoria. Insere sobre essas manchas pictóricas, ou mesmo sobre
as partes legíveis dos textos, esboços, desenhos, colagens de fotografias, pala-
vras ou frases, interferindo assim na narrativa (Figura 1). Fragmenta, modifica
e atribui novos sentidos a essas cartas, desenhos antigos, folders e outros docu-
mentos encontrados nesses arquivos/relicários, enquanto depositários do afeto
e da memória.
Revista Gama, Estudos Artísticos. ISSN 2182-8539, e-ISSN 2182-8725. Vol. 2 (3): 121-130.
Se muitas dessas cartas amareladas pelo tempo foram guardadas dentro dos
respectivos envelopes selados e carimbados, ao reutilizá-las e ao reinventar seu
conteúdo em novos repertórios de imagens e discursos de natureza poética, fic-
cional e reflexiva. Assim, ao reordenar esses guardados nos livros/objeto, for-
mulando a partir deles outras narrativas ficcionais e contextos visuais, o artista
reformula pensamentos sobre seus próprios afetos, intimidades, frustrações,
anseios e dúvidas. Fernando Augusto busca libertar-se de um sentimento de
saudosismo, angústia, exorcizando pensamentos incongruentes ou fantasmá-
ticos, por meio de um olhar muitas vezes carregado de ironia. Sinaliza por esse
viés que a tentativa de atravessar e redimensionar o tempo/memória envolve
um posicionamento ético e político.
Mas, mais do que partilhar alegrias e dramas, ou rememorar amores e desa-
mores, interessa prioritariamente ao autor, por meio dessa organização cumu-
lativa de imagens e textos, postular outra lógica particular ou subjetiva. Tal
intenção transparece em intermináveis sequências de esboços gráficos, formu-
lados sobre as áreas em foi obstruído ou suprimido o conteúdo das cartas, por
meio de aguadas de tons avermelhados, em preto ou branco, inserindo sobre al-
guns trechos legíveis do texto esboços gráficos, ora de traços sintéticos e gestos
impulsivos, ora de elaboração mais detalhada ou minuciosa. O mesmo ocorre
com o nome do remetente escriturado nos envelopes das cartas, que é também
eliminado do contexto para preservar sua identidade.
As páginas de muitos livros são compostas, no entanto, a partir de dese-
nhos escriturados sobre suportes de papel branco, de diferentes dimensões e
suavemente aquarelados, ocupando todo o campo visual. Formula imagens ora
mais detalhadas, ora esquemáticas, inacabadas ou mesmo caóticas, às quais
associa frases ou anotações de acontecimentos fragmentários do cotidiano,
num processo em que texto e imagem se tornam equivalentes plásticos. Cons-
titui uma espécie de diário, cujas ideias não seguem uma ordenação sequencial
ou encadeamento narrativo lógico. Nessas configurações gráficas se desvelam
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curvas sedutoras, estabelecendo com eles um jogo ou montagem: desvendar
e ocultar, potencializar e esmaecer, para interrogar a evidência do visível e a
eficácia da representação.
Se tais elementos biomórficos não deixam de remeter à consciência e à afe-
tividade do corpo, o autor não deixa de insinuar ou evocar referências autobio-
gráficas, por meio da inserção nesses contextos de fotografias de corpos nus
em poses sensuais. Esses substratos icônicos, de indicação erótica e cultural,
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associados a palavras soltas e frases, configuram hipertextos, formalizando nas
páginas dos livros/objeto narrativas fragmentárias ou não lineares (Figura 2)..
Tais estratégias visam instigar a curiosidade, a reflexão e a imaginação do inter-
locutor interativo, pois como observa Didi-Huberman (2008, p, 43): “A imagem
exige de nós um posicionamento, por não ser possível recorrer a ela a não ser
pela imaginação”.
Assim, talvez se possa afirmar que não se trata de criar “um mundo de ima-
gens, mas imagens-mundo”, isto é, imagens que partilham o sensível e irradiam
um campo de experiências variadas, que ganharão novos significados por meio
da fruição e interação dos potenciais interlocutores desses livros (Amey, 2009:
17). Essa mesma assertiva é defendida também por Didi-Huberman (2008: 58-
59), quando observa que na arte contemporânea os artistas buscam “criar uma
imagem que seja um mundo em si mesmo, com sua própria coerência, sua au-
tonomia, sua soberania: uma imagem que pensa. Ou seja, tudo o que se pode
exigir de uma imagem de arte”.
E se a intenção de Fernando Augusto é redimensionar dialeticamente nos
livros imagens e textos, que não raramente são denotativos de paixão, desen-
canto, angústia, desamor e dor, ou a expressão de um sentimento “patético”,
que remete ao conceito de pathos ou à ideia warburguiana de pathosformel. Em
outros casos, experimenta e metamorfoseia os signos verbo/visuais atribuin-
do-lhes uma exuberante potencialidade criativa, ao imbricar signos de sensu-
alidade e erotismo enquanto marcas da cultura brasileira, numa referência a
ethos. Essa área de convergência entre pathos e ethos, que também transparece
na produção de pintura e fotografia do autor, caracteriza e estabelece um reno-
vado encontro entre pensamento e forma, ordem e desordem, avanço e recuo,
maneira encontrada para compreender aspectos da trajetória, da vivência e da
experiência do artista com o ofício da arte.
Nesse sentido não parece mera casualidade que o artista nomeie algumas
séries de livros ao conjunto de livros de Diário de Bordo ou Confissões, em que
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De maneira análoga fragmenta e atribui novos sentidos a telas, que por alguma
razão foram descartadas, interrompidas ou abandonadas inconclusas durante
o processo criativo, para inseri-las, potencializá-las, renová-las e sincronizá-las
em trabalhos pictóricos mais recentes, denominados pelo autor de Pintura so-
bre Pintura.
Todavia, grande parte dos livros/objeto de autoria de Fernando Augusto
institui-se como apropriação e reinvenção de livros antigos de arte, matemá-
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tica, filosofia, literatura, e catálogos de exposições já lidos por ele, retirados de
sua própria biblioteca. Interfere sobre os respectivos textos impressos, seja ex-
traindo as palavras com um estilete para abrir cavidades no papel, seja cobrindo
inteira ou parcialmente os signos ou códigos semânticos com camadas de tin-
ta, deixando intactas uma ou duas palavras por página, procedimento que lhe
possibilita criar outras narrativas não lineares, ou arquitetar poesias espaciais.
Em outros livros, cola sobre os textos impressos, palavras ou frases estra-
nhos ao contexto, formalizando rasuras ou áreas de tensão, que modificam o
sentido, a linearidade e a continuidade da narrativa. Interfere com tinta, grafite
ou nanquim sobre as imagens impressas, transfigurando-as, metamorfosean-
do-as e transformando-as em imago, na mesma acepção postulada por Chiron:
O que faz da imagem uma imago é precisamente sua metamorfose ou a cor que a torna
essencial. (...) Para criar uma imago, é preciso que a metamorfose afete tanto a for-
ma quanto a cor, pois como queria Cézanne: Quando a cor alcança a sua verdadeira
riqueza, a forma está em sua plenitude (...) impondo sua lei de equivalência entre a
maneira de dar a ver e o que pede para ser visto (CHIRON, 2009: 43 e 53).
Referências
Amey, Claude. “Le revers de l´image”, In: Estética”. In: JAAR, Alfredo (2008).
GIMENEZ, Marc. Org. e Apr. (2009). La política de las Imágenes. Santiago
Regards Sur l´image. Paris: Klinsksieck, (Chile):Metais Pesados: 39-67.
p.09-21. Fabris, Annateresa e COSTA, Cacilda T. da
Chiron, Eliane. “L´ Image en arte comme (1985). Tendências do Livro de Artista.
Imago”, In: GIMENEZ, Marc. Org. e São Paulo: Centro Cultural São Paulo: 3-8.
Apr. (2009). Regards sur l´image. Paris: Soulages, Pierre. “Esthétique & philosophie
Klinsksieck: 41-55. de l´image”, In: JIMENEZ, M. Org. e
Didi-Huberman, Georges. “La emoción no dice Apr. (2009). Regards sur l´image. Paris:
‘yo`. Diez fragmentos sobre la liberdad Klinsksieck: 199-213.
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