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o Fósforo e a Vida

por
Roberto Mattioli Silva (a)

Há quatro bilhões de anos atrás, a terra começou a esfriar ate atingir um estágio em que a
maior parte dos vapores se condensaram, originando líquidos e dando início a um processo de
solidificação. Neste estágio, considerável segregação dos materiais deve ter ocorrido sob a ação
das forças gravitacionais e potenciais químicos. Desde então existe um largo excesso de metais
em relação aos não-metais, uma vez que as condições do planeta eram redutoras. Era como se
fosse uma gigantesca operação metalúrgica de fusão: um globo de material incandescente de
quase 13 mil km de diâmetro, onde o excesso de metal migrou para o centro, ficando recoberto
por uma camada de sulfetos pesados e uma outra camada externa de óxidos leves (escória). Um
resfriamento adicional dessa camada de escória provocou a formação de uma crosta contínua, ao
redor do globo terrestre. Essa camada tem agora 50 km de espessura. O núcleo metálico do
planeta (siderosfera) tem cerca de 7.000 km de diâmetro, sendo circundado primeiramente por
uma camada rica em sulfetos de 1.500 km de espessura (calcosfera) e por uma outra camada de
1.400 km de espessura de óxidos (litosfera). Essas duas últimas camadas são chamadas de manto.
Assim, o planeta está subdividido em crosta, manto e núcleo. A crosta flutua no manto, de
consistência plástica.

Quimicamente, a partição dos elementos por estas três camadas foi determinada pelas
propriedades termodinâmicas dos compostos formados sob os efeitos combinados das altas
temperaturas e pressões que prevaleceram naqueles ambientes. O núcleo terrestre ficou
constituído principalmente por ferro e níquel. Na camada de sulfetos estão presentes o ferro, os
metais básicos - zinco, cobre, chumbo, mercúrio, prata, entre outros -, além do selênio e telúrio,
que acompanham o enxofre. Na camada de óxidos estão contidos, preferencialmente, aqueles
elementos que têm afinidade com o oxigênio, como: silício, alumínio, titânio, os metais alcalinos,
alcalinos-terrosos e ainda notáveis quantidades de ferro. Felizmente, a separação dos elementos
entre as camadas não é completa e, mesmo nas condições de equilíbrio, é de se esperar a presença
dos mesmos na crosta terrestre, ainda que em pequena quantidade.

Apenas oito elementos - oxigênio, silício, alumínio, ferro, cálcio, sódio, potássio e
magnésio - perfazem 98,5 % de todo o material presente na crosta terrestre. Somente cinco
elementos mais - carbono, hidrogênio, manganês, fósforo e titânio são abundantes na proporção
entre 0,1 a 1%. Esses treze elementos representam cerca de 99,5% da crosta terrestre. O fósforo
está presente na proporção de 0,12%. Forma uma grande variedade de compostos em combinação
com diversos elementos, originado ao redor de 150 minerais; dentre eles, um em especial, que é o
mais utilizado pelo homem na atualidade: a fluorapatita - CalO(P04)6.F2.

A atmosfera primitiva da terra era composta de gases simples como hidrogênio (H2),
metano (C~), amônia (NH3) e vapor d'água (H20). Apresentava também condições de energia
(calor, eletricidade, luz e radiações) que, provavelmente, levaram à formação de compostos
orgânicos, como aminoácidos e carboidratos (açúcares).

(a) Engenheiro Químico, Consultor de Empresas.


Tecplan Consultoria e Planejamento Ltda.
À medida que essas moléculas orgânicas se acumulavam nos oceanos durante milhões de
anos, reações químicas se processavam originando moléculas mais complexas. Duas moléculas
de aminoácidos podem combinar-se para formar uma única molécula. Uma molécula de proteína
pode conter de 100 a 3.000 aminoácidos. Nos seres vivos há, somente, cerca de 20 aminoácidos.
A glicose é um dos carboidratos mais simples e pode ser combinada para formar moléculas muito
maiores como o amido.

Todas as formas de organização se fazem às custas de energia. Os conjuntos de


moléculas, para se organizarem, necessitavam de energia constante e controlável. A energia
contida nas ligações químicas das moléculas orgânicas representavam um imenso estoque de
energia química, mas ainda de difícil utilização, em razão da intensidade das ligações químicas
envolvidas. Naquele estágio do processo evolutivo, na presença de fosfatos dissolvidos nos
oceanos, provenientes do intemperismo da crosta terrestre, desenvolve-se na natureza um novo
mecanismo de utilização da energia química armazenada nas moléculas: a adição de grupos
fosfóricos - H3P04 - a uma molécula de glicose torna mais fácil a quebra das suas ligações e a
utilização da energia nelas contidas. A adição de fosfato à glicose requer energia e uma das
importantes etapas na origem da vida foi o desenvolvimento de um agente que pudesse fornece-
Ia: a molécula de ATP - trifosfato de adenosina - formada de carbono, nitrogênio, hidrogênio,
oxigênio e fósforo. O ATP contém três grupos fosfóricos e a ligação fosfato-fosfato armazena
muita energia, sendo facilmente rompida para formar ADP - difosfato de adenosina e ácido
fosfórico -, liberando 7.500 cal/moI. O ADP pode combinar-se novamente com o ácido fosfórico,
formando-se ATP e armazenando novamente 7.500 cal/moI. Estava criada a "casa de força" da
natureza!

A evolução dos conjuntos organizados de moléculas, suportados pelo uso da energia


contida nas ligações químicas e poupados pela seleção natural, resultou nos primeiros organismos
vivos. A natureza estava preparada para mais um importante passo: a criação das moléculas
mestras, moléculas "inteligentes". As maiores e mais impressionantes moléculas encontradas nos
seres vivos são os ácidos nucléicos - DNA ( ácido desoxirribonuc1éico) e RNA (ácido
ribonuc1éico) -, que controlam os processos vitais básicos. Essas moléculas consistem de cadeias
nas quais grupos de açúcar estão ligados por meio de uma molécula de ácido fosfórico, de forma
alternada. Ligando todas as unidades de açúcar está um terceiro componente: um grupo
nitrogenado. É a sequencia de grupos nitrogenados nas longas cadeias de açúcar-fosfato que
determina as propriedades biológicas da molécula. Os ácidos nuc1éicos contêm, em sua estrutura,
mensagens em código, que são instruções específicas para o controle das atividades celulares.
Podem duplicar-se e as instruções biológicas, contidas na sua estrutura química, são transmitidas
às células recém-formadas. A natureza havia encontrado uma forma de armazenar e propagar
informações] O fósforo, novamente, havia viabilizado mais um passo crucial no processo
evolutivo da vida no planeta!

No homem, cerca de 67% do seu peso corporal é representado pela água, sendo que 60%
estão localizadas no interior das células: reminiscências de um passado aquoso!. Um homem
adulto tem cerca de 770 g de fósforo (P) no seu corpo (~1,76 kg de PZ05). Cerca de 80 % do
fósforo do organismo estão presentes nos ossos e dentes, associados ao cálcio. Os outros 20%
estão nos fluidos orgânicos e em cada célula do corpo, estando vitalmente ligados ao seu
metabolismo e função. Aproximadamente 9% encontram-se nos músculos e 1% no sistema
nervoso. Considerando uma eliminação de 800 mg de P/dia, aproximadamente, o ser humano

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metaboliza cerca de 50 kg de P20S ao longo de sua vida. No Brasil, com sua população de 180
milhões de habitantes, são metabolizados cerca de 75.000 t/ano de P20S pela população.

Os cinco elementos "vitais" foram descobertos na seguinte ordem:


• carbono: conhecido desde a antiguidade;
• fósforo: 1669, por Hennig Brandt (Hamburgo, Alemanha);
• hidrogênio: 1766, por H. Cavendish;
• nitrogênio: 1772, por D. Rutherford;
• oxigênio: 1774, por J. Priestley e C. Scheele

A descoberta do fósforo elementar ocorreu numa época em que a alquimia já havia


ultrapassado o seu apogeu, mas a crença na "pedra filosofal" ainda estava viva. Destilando urina
e calcinando o seu resíduo com areia e carvão, Brandt obteve uma substância que apresentava
luminescência no escuro e queimava quando exposta ao ar. O alquimista acreditou que havia
isolado o "fogo elementar", guardou seu segredo e continuou seus trabalhos, tentando
transformar metais em ouro. Entretanto, seus esforços foram em vão e Brandt decidiu colocar à
venda a substância que havia descoberto, sem revelar o método de sua obtenção. A substância
recebeu a denominação de "phosphorus", que significa "portador de luz".

À descoberta do fósforo elementar seguiu-se rapidamente a caracterização do produto de sua


combustão: o pentóxido de fósforo - P20S. Em 1694 Boyle preparou ácido fosfórico, dissolvendo
o pentóxido de fósforo em água. Em 1769, Scheele e Gahn, cientistas suecos, reconheceram que
o fósforo era um constituinte dos ossos e dentes. Existem indicações de testes realizados na
Irlanda com ossos tratados com ácido antes de 1810, por James Murray, considerado o pioneiro
na comercialização de superfosfatos. Em 1840, Justus von Líebíg demonstra que ossos tratados
com ácido são eficazes fornecedores de fósforo para a plantas. Desde essa época então, a
indústria de fertilizantes fosfatados não parou de evoluir e crescer em todo o mundo, passando a
utilizar concentrados fosfáticos de origem mineral, mais abundantes, contribuindo para o
aumento da produtividade agrícola e minorando os efeitos da fome.

O fósforo é um elemento vital, sem o qual a vida não poderia existir na face da terra. Desde
os tempos imemoriais caminha sempre das rochas para o mar. Segue de forma inexorável a sua
"alquimia", passando do reino mineral ao vegetal e deste para o reino animal viabilizando a vida
e a evolução do planeta, transformando o inerte em vida, em "ouro vivo".

Na visão de Isaac Asimov:

"Nós podemos substituir carvão por energia nuclear, madeira por plásticos, carne
por levedura e solidão por amizade, mas o fósforo não pode ser substituído nem
renovado"

.../RMS
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