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Resposta para: CONSULTANDO OS DICIONÁRIOS II: O QUE É FILOLOGIA?


Categoria: FILOLOGIA: História e Definição de Filologia

Pelo que percebi, todos os autores buscam traçar diferenças entre a Filologia e a
Linguística, embora nenhum se comprometa a situar a Filologia entre as ciências, se
está mais para as humanas ou mais para a linguagem, o que advém, a meu ver, do fato
de não determinar que papel tem a cultura no estudo filológico, se é objeto, pré-
requisito e/ou resultado. Dubois, por exemplo, põe-na inteiramente no âmbito da
História.
Bastante precisa pareceu-me a definição de Koogan-Houaiss. Xavier-Mateus também
o são, mas ao mesmo tempo breves demais. Mattoso Camara e Jota apresentam ponto
de vista semelhante ao dos anteriores, mas pecam por restringirem o campo da
Filologia aos textos literários. Bastante completa é a definição de Carreter, embora a
sua partição entre “antigamente” e “modernamente” tenha ficado vaga. Absolutamente
vaga, por outro lado, é a definição de Crystal.
À parte ficam as definições de Silveira Bueno e Miazzi. Por não se tratar de
dicionários, o parecer é mais completo, porém enquanto o primeiro apresenta pontos
incontestavelmente falhos, a segunda se sobressai pela precisão. Silveira Bueno diz
não ter havido diferença entre o filólogo e o gramático na Antiguidade, mas Bassetto
demonstra o contrário nos seus Elementos de Filologia Românica. Além disso,
restringe o campo de trabalho à literatura e a metodologia é idealista, vaga.
Para concluir, gostaria de deixar uma contribuição já implícita no texto de Carreter.
Diz esse autor que a Filologia se tornou “a ciência que estuda a linguagem, a literatura
e todos os fenômenos da cultura de um povo ou de um grupo de povos por meio de
textos escritos”. Essa referência converge com a definição que dá Leite de
Vasconcelos (citada por Mattoso Camara), a saber, “o estudo da nossa língua em toda
sua plenitude, e o dos textos em prosa e verso, que servem para a documentar”. Se
acrescentamos aí a fala, temos, vejam, o sentido do termo “filologia” tal como é usado
na Espanha hoje. Quem se licencia em Letras por alguma universidade espanhola
recebe o título de filólogo; aliás, o nome da licenciatura é Filologia. Se vocês
consultarem o sítio da Faculdade de Filologia da tradicionalíssima Universidad de
Salamanca (em http://campus.usal.es/~filologi/index.shtml), por exemplo,
comprovarão que essa Filologia não é nada mais nada menos que as nossas Letras.
Assunto: DIaletos e linguas e Mirandês
Resposta para: Resposta
Categoria: FILOLOGIA: História e Definição de Filologia

Meu caro Miguel,

Finalmente, depois de 20 dias viajando, tenho um tempo pra responder a sua resposta.

Bom, vamos por partes, você disse : « Se assumirmos o termo “dialeto” (…) apenas
como variante, sem mais hierarquias, a nossa vida já fica bem mais fácil. »

O grande problema é que o próprio termo variante já é usado e consagrado em


linguística. Se um equivalesse ao outro não poderíamos falar das variantes britânica e
americana do inglês e teríamos que considerá-las duas línguas diferentes ou então
referir-nos ao dialeto americano. Pelo que eu entendi, o que você sugere é que os
termos dialeto e variante sejam considerados equivalentes. O que faríamos em casos
como o que já citei do inglês ou então do português ou então do francês e a lista
poderia continuar por uma página inteira?

Mais em baixo, você disse :

« Em Portugal, além do português, fala-se, lá no extremo nordeste, o mirandês,


reconhecido como língua ―por decreto―. »

Engraçado que você citou como exemplo do Mirandês. Eu estive em Miranda do


Douro no ano passado, antes de ir a um congresso na universidade de Vila Real. Nesta
universidade eles fazem um grande trabalho para a revitalização do Mirandês (uma
das três línguas oficiais de Portugal, junto com o português e a linguagem de sinais
portuguesa). Confesso que em Miranda procurei por todos os lados alguém que me
falasse em Mirandês, mas todos sempre me diziam que tinham um avô ou uma mãe ou
um tio que falava, mas eles mesmos não. Mas havia algumas livrarias exclusivas que
vendiam CDs e livros na língua. Assim que terminar de escrever esta resposta aqui eu
vou colocar um trecho de um texto do Ivo Castro que fala sobre o Mirandês no
próximo post.

Bom, para terminar, eu continuo achando que não é possível diferenciar


linguisticamente o que é língua do que é dialeto. A situação pode se complicar ainda
mais com a inclusão da já citada variante e de outras classificações : koinê, crioulo (eu
conheço um autor que classifica o português do Brasil como um crioulo) etc..

Deixo aqui, sobre este assunto, uma tradução que fiz para um trecho do livro Aspects
of Language de William J. Entwistle (1953)(Tenho certa dificuldade de acessar
bibliografia em português aqui onde estou e por isso acabo muitas vezes recorrendo a
coisas escritas em outras línguas)

****

Não é possível oferecer uma definição puramente linguística de língua. Hugo


Schuchardt divertiu-se ao demonstrar tal impossibilidade descrevendo uma caminhada
real ou imaginária de Roma a Paris em busca da fronteira entre as línguas italiana e
francesa. Ele começou a encontrar traços do francês no topo dos Apeninos (grand tutt
paes vzein ciel/ grand tout pays voisin ciel), e estes aspectos aumentavam na região da
Umbria e da Lombardia até encontrar um falar muito próximo ao francês em Piemonte
(mör žust caud porterai/meurs juste chaud porterai), mas, em Nice, ele acabou usando
mais o italiano do que o francês. Não havia uma fronteira linguística entre a França e a
Itália. Mas é óbvio que chamamos « Francês » àquilo que se assemelha ao tipo de
língua característica de Paris e « Italiano » ao tipo de língua próprio à região da
Toscana e agora padronizado em Roma. Cada língua é definida pelo seu centro, não
pela sua circunferência, e pela jurisdição autônoma deste padrão central sobre seus
dialetos. A fronteira entre o Francês e o Italiano não é uma linha (como ocorre entre o
Francês e o Espanhol nos Pirineus), mas uma larga faixa fronteiriça na qual um tipo de
padrão gradualmente perde suas características à medida que é metamorfoseado
dialetalmente a um outro. Devido às divisões medievais da Itália, esta faixa fronteiriça
é excepcionalmente larga.

Assunto: Trecho de texto de Ivo Castro sobre o Mirandês


Resposta para: DIaletos e linguas e Mirandês
Categoria: FILOLOGIA: História e Definição de Filologia

In Castro, Ivo (1991) . “A língua portuguesa no tempo e no espaço” in Falar melhor,


escrever melhor,
Lisboa: Selecções do Reader’s Digest.

Há quase 100 anos, Leite de Vasconcellos publicou a primeira tentativa de descrição


e classificação exaustiva das variedades do português (J. Leite de Vasconcellos,
Esquisse d'une Dialectologie Portugaise, Paris, 1901, 3 ed., Lisboa, 1987), que
guarda muito do seu valor, apesar de pontuais e inevitáveis envelhecimentos.
Embora um século seja a unidade mínima de contagem do tempo, no que toca à
evolução das línguas, traçar uma comparação entre o panorama de Leite de
Vasconcellos e a actualidade não é uma proposta desprovida de atractivos.
Temos, para tanto, de adoptar a sua perspectiva, que toma Portugal como ponto de
partida temporal e espacial, aliás como costuma fazer a maioria dos autores.
Distingue Leite de Vasconcellos entre o português propriamente dito e aquilo a que
chama «codialectos portugueses», distinção que hoje não se estabelece do mesmo
modo, não por terem surgido alterações no terreno, mas sim na terminologia e nos
conceitos. Codialectos são, para ele, o galego, o riodonorês, o guadramilês e o
mirandês (com o
sendinês), variedades que reconhecia serem distintas, mas muito próximas, do
português.
O riodonorês, ou rionorês, fala-se na aldeia fronteiriça de Rio de Onor, situada
literalmente a cavalo sobre a fronteira, metade em Portugal e metade em Espanha.
Guadramil é uma aldeia vizinha, situada poucos quilómetros para o interior. Miranda
do Douro e Sendim ficam pouco afastadas e rodeiam-nas mais algumas aldeias onde
também se fala o mirandês. Todas estas terras se encontram dispostas ao longo da
fronteira nordeste de Portugal, no distrito de Bragança, e compartilham de variedades
pouco diferenciadas de um dialecto a que, por simplificação, hoje costumamos
chamar mirandês. Certamente menos pessoas o falam hoje que no tempo de Leite de
Vasconcellos, e quem o fala também fala português. Diz-se mesmo que na cidade de
Miranda só se ouve falar mirandês em dias de feira. No entanto, deve ser este, em
todo o País, o dialecto mais protegido por medidas recentes que visam o seu ensino
na escola e a sua divulgação e aquele que suscita mais orgulho nos seus utentes.
Deve ser isso facilitado por alguns traços claramente não portugueses, como o artigo
definido (la, las, em Miranda) ou ditongos que não ocorrem em português (tierra em
vez de terra, buono em vez de bom). A história destes ditongos é a seguinte: em
latim, as vogais abertas E e O, quando se encontravam em sílaba tónica, passaram a
ditongo, ie, ue ou uo, nas línguas nascidas a partir do latim do Centro da Península
Ibérica, o castelhano e o leonês. Mas no português não sofreram alteração de maior,
como aliás o resto do sistema vocálico, que foi transmitido intacto pelo latim à nossa
língua. Esta ditongação de E e O no Centro da Península é utilizada, segundo
proposta de Menéndez Pidal, como traço divisório (isófona, ou linha separadora de
duas regiões que resolvem diferentemente um problema fonético) entre, de um lado,
o leonês, que sobrevive em forma dialectal a leste de Trás-os-Montes e da Beira
Alta, com o castelhano mais a sul, e, do outro, o português e, mais a norte, o galego.
É este o traço convencionado para demarcar aquilo a que se chama a área linguística
galego-portuguesa, que corresponde a toda a faixa ocidental da Península, desde a
Corunha até Faro. Se olharmos no mapa dialectal o percurso desta isófona, que
acompanha quase sempre a fronteira política norte-sul, com pequenas excepções,
notaremos que a principal irregularidade coincide com o território do mirandês, que
surge separado da área galego-portuguesa e integrado na área do leonês. E assim é
que deve ser, pois o mirandês, nas suas três variedades, não pertence ao sistema
linguístico português e não deveria, por isso, ter entrado na enumeração de Leite de
Vasconcellos. A História conta porquê: sendo mais acessível por leste que a partir de
Portugal, o território foi povoado na Idade Média por mosteiros leoneses e por
camponeses vindos ao serviço desses mosteiros. As actuais populações são
descendentes desses colonos leoneses e conservam formas dos dialectos por eles
trazidos.
Como se vê, a questão mirandesa corresponde a uma realidade histórica muito
distanciada da galega. No tempo de Leite de Vasconcellos, e até há relativamente
poucos anos, até que o fim do franquismo possibilitou o renascer das autonomias
regionais em Espanha, o galego tinha um estatuto muito baixo, estando relegado a
dialecto rural e desprestigiado, combatido pelo ensino, que era feito exclusivamente
em castelhano. Teria, assim, um habitat confundível com o do mirandês, sendo,
como o leonês, uma língua que fora arredada da literatura, das cidades e da
administração pelo castelhano, sem a possibilidade de desenvolver modalidades
diastráticas, entre as quais uma norma culta. Mas, no plano diacrónico, os dialectos
galegos, pulverizados em falares de aldeia, provinham da língua medieval comum à
Galiza e a Portugal, dotada de uma literatura ilustre que só a sul do Minho tivera
condições políticas para sobreviver. Os dialectos galegos eram a continuação viva,
nunca interrompida, da língua que, precisamente no seu território, nascera do latim e
depois iniciara uma peregrinação pelo Mundo com os resultados que vimos há
pouco. Hoje, não se pode dizer que o castelhano tenha retrocedido : é certo que o
galego recuperou o estatuto de língua nacional, é ensinado e difundido, dispõe de
uma literatura. Mas as leis do comportamento social não são lineares: quando, sob
Franco, as famílias obrigavam os filhos a apenas falar galego dentro de casa, como
forma de resistência, hoje muitas famílias galegas falam em casa castelhano, para
que os filhos não tenham dificuldades linguísticas em vencer no competitivo mundo
do emprego. Colocam-se assim algumas sombras sociolinguísticas no futuro do
galego, para as quais não se tem achado resposta no aceso debate que na Galiza opõe
duas posições principais.
Uma, designada tanto por reintegracionista como por lusitanista, defende com
argumentos históricos, estratégicos e afectivos (para cuja importância Paiva Raposo
nos alertou) a aproximação do galego à variante nacional portuguesa, recuperando a
unidade do passado e ganhando para a comunicação, e para os escritores, um espaço
muito vasto.
A outra posição, conhecida por galeguista ou isolacionista, coloca objecções
linguísticas à compatibilização do galego falado com a norma culta e escrita que se
desenvolveu no Sul (a região entre Coimbra e Lisboa), cujas soluções de pronúncia,
gramática e léxico são inovadoras em relação ao galego. Querer ─ dizem ─ que o
galego adopte a norma culta portuguesa seria o mesmo que convencer os portugueses
a adoptarem a norma culta brasileira.
Num terreno tão minado por considerações extralinguísticas, é quase fútil perguntar
se o galego constitui um sistema em si ou se ainda pertence ao sistema português. A
favor da tese do sistema único, contam-se as razões históricas, a facilidade com que
galegos e portugueses se entendem a falar, as afinidades regionais e humanas, a
comum desconfiança face a Espanha. Mas seria para os galegos empobrecedor
submeterem-se a uma ortografia que espelha realidades fonológicas alheias, o
mesmo se podendo dizer quanto à estrutura gramatical e ao léxico. Desejável seria
que a nação galega tivesse a vontade e os meios de construir uma variante nacional
própria, que assentasse confortavelmente na sua realidade dialectal e que
enriquecesse com o seu contributo o sistema linguístico do galego-português, par a
par com as variantes portuguesa e brasileira.
Assunto: Resposta
Resposta para: DIaletos e linguas e Mirandês
Categoria: FILOLOGIA: História e Definição de Filologia

Caio,

Se não for engano meu, o termo dialeto também já se tornou recorrente, ao menos na
Linguística brasileira, na acepção de “variante”, e no caso das variedades americanas
das línguas europeias, não vejo problema metodológico em chamá-las de dialetos, ou
melhor, sistemas de dialetos, que contêm um alto grau de afinidade com os seus
congêneres europeus, também sistemas de dialetos. A meu ver, essa afinidade é o
laço que amarra a variação numa língua histórica.
Respondendo meio a você meio ao Entwistle, na minha intervenção não tencionei
oferecer uma definição puramente linguística de língua, e sim distinguir o lado
(sócio)político e o lado (sócio)linguístico, e isto para conceder jurisdição à
Linguística sobre o seu objeto, senão ficamos dependendo de parlamentos para saber
se é um dialeto ou uma língua.
Acrescento e vou mais longe: forçar os fatos políticos contra os fatos linguísticos
resulta no erro em que cai Schuchardt, sem perceber, de outra forma não teria se
divertido. Ora, o francês e o italiano são as línguas oficiais de dois poderosos estados
europeus e possuem enormes patrimônios literários. Se o que não apresenta essas
duas condições é dialeto, então tudo o que está entre o francês e o italiano são
dialetos. O problema é que de Roma a Paris nem tudo, ou melhor, grande parte, não
se apensa nem ao italiano nem ao francês; é o que é. Por que é tão difícil reconhecer
que nesse entretanto há línguas distintas do italiano e do francês? Os dialetos da
bacia do Pó são tão diferentes do italiano e do francês quanto o catalão o é do
espanhol e do francês. Não constituem um diassistema, uma língua ou um ente per si,
como queiram, só porque não conta com o exército do reconhecimento oficial que
tem o catalão ou uma armada à altura da literatura catalã?
Para concluir, acho que se nos engajamos na causa do ensino de língua que acolhe as
várias normas, é incoerente hesitarmos em apontar o dedo em casos como o do
leonês, e afirmar: é uma língua, e tem tanto direito de participar da vida dos seus
usuários quanto a outra única oficial.
Assunto: O QUE DIFERENCIA LÍNGUA DE DIALETO?...
Resposta para: Resposta
Categoria: FILOLOGIA: História e Definição de Filologia

Gostei da resposta do Miguel.


Linguisticamente, nada difere língua de dialeto, pois não há nada que uma língua
tenha e que um dialeto não tenha ou vice-versa.

Há, isto sim, dialetos privilegiados sociopoliticamente, que são denominados de


línguas e outros que não recebem a mesma avaliação sociopolítica, que são
denominados "dialetos", como se isto os qualificassem mais ou menos
positivamente.

Na verdade, há os dialetos padrões e os demais dialetos (é uma questão de prestígio e


não de qualidade; não tem a ver com suas qualidades internas, mas com o prestígio
dos seus utentes naturais). Os que são utilizados no mesmo espaço físico em que se
usa um determinado dialeto padrão, em regra, são considerados dialetos deste.

Portanto, dizer que um modo de falar é dialeto de uma língua é o mesmo que dizer
que as línguas têm grande variedades, sejam geográficas ou diatópicas(dialeto
interamnense, dialeto gaúcho, dialeto moçambicano etc), sejam sociais ou
diastráticas (linguajar da malandragem, linguajar da juventude, linguajar acadêmico
etc.) ou de registros ou diafásicas (linguagem escrita e linguagem oral; linguagem do
bilhete e linguagem do requerimento; linguagem técnica e linguagem literária).

Em regra, a maioria das pessoas falam de dialeto pensando apenas nas variedades
geográficas ou diatópicas.

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