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PUC MINAS VIRTUAL

PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOLOGIA

DISCIPLINA – LATIM: ORIGEM DAS LINGUAS ROMÂNICAS

PROFESSOR: Bruno Fregni Bassetto


ALUNA: Ana Elias
Unidade 01

Orientação de estudo

Considerando que as línguas românicas são formas modificadas do latim vulgar, é dessa
variedade que se deve partir. Como se trata de uma língua ágrafa, sua reconstituição
parte da comparação contrastiva entre os elementos conhecidos através das várias fontes
com os da variedade conhecida e documentada, o latim literário. Caso se parta de um
terminus a quo errado, como o tentou Dante Alighieri, não se chega a resultados
satisfatórios. A Filologia já fixou claramente esses elementos distintivos, com os quais
deverá ser redigida uma pequena dissertação a partir da seguinte bibliografia:

Bassetto, Bruno Fregni. Elementos de Filologia Românica. Vol. I História Externa das
Línguas Românicas. S. Paulo, Edusp, 2005. (páginas 92-99 ).

Nascentes, Antenor. Elementos de Filologia Românica. Rio de Janeiro, Botelho Edit,


2009. (páginas 27-35).

Enunciado Atividade 01

A partir da bibliografia indicada (Bassetto, 2005, p. 92-99; Nascentes, 2009, p.27-35),


elabore um relatório sobre os elementos distintivos entre o latim literário e o latim vulgar,
nos vários níveis lingüísticos. Tratando-se de dados objetivos, não deixe de exemplificar,
opondo claramente as duas normas. Poderão ser usadas quaisquer outras fontes
bibliográficas, encontráveis ou não na bibliografia complementar

Outras obras consultadas:


CAMARA Jr, Joaquim Mattoso. Dicionário de Linguística e Gramática: referente à
língua portuguesa. 26.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.
COUTINHO, Ismael de Lima. Gramática Histórica. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico,
2005.
ELIA, Silvio. Preparação à Linguística Românica. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 2004.
ILARI, Rodolfo. Linguística Românica. São Paulo: Editora Ática, 2004.
VIDOS, Benedek Elemér. Manual de Linguística Românica. Tradução de José Pereira da
Silva. Rio de Janeiro: Eduerj, 1996.
WILLIAMS, Edwim Bucher. Do Latim ao Português. Traduzido por Antonio Houaiss. Rio
de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2001.

O latim literário teve maior expressividade nos século III a.C. ao I a.C., ou seja, no

final da República e início do Império. Essa modalidade esteve ligada a literatura

aristocrática, conhecida como sermo urbanus distinguia-se pela polidez, nas palavras de

Ismael de Lima Coutinho “Caracteriza-se pelo apuro do vocabulário, pela correção

gramatical, pela elegância do estilo, numa palavra, por aquilo que Cícero chamava, com

propriedade, a urbanitas.”

A contraparte da modalidade literária era conhecida como sermo vulgaris, ou ainda,

latim vulgar. De uso oral na camada popular o latim vulgar, ao contrário do literário, era

falado e não escrito. Enquanto por um lado o latim literário deixava registro e se mantinha

fixo, por outro, do latim vulgar pouco se pôde conhecer pela escrita e por ser a língua falada

estava em constante mudança “O latim clássico se tornava uma língua morta, enquanto o

latim vulgar se desenvolvia nas chamadas línguas neolatinas ou românicas” (WILLIAMS, 2001.

p. 15).

Na comparação entre latim literário e latim vulgar tem-se a evolução fonética das

vogais na qual o valor quantitativo das vogais no latim literário (longas e breves) vai

desaparecendo no latim vulgar, o que se confirma na apresentação a seguir:

Latim clássico – ă, ā, ĕ, ē, ĭ, ī, ŏ, ō, ŭ e ū.
No latim vulgar a vogal longa torna-se fechada e a vogal breve aberta. Contudo o

desaparecimento da diferença quantitativa das dez vogais longas e breves evoluíram até

chegarem a sete a, e, é, i, o, ó e u. Ex.: faba > fava, pace > paz, dĕce > dez, cēra > cera,

sĭte > sede, vīta > vida, rŏsa > rosa, tōtu > todo, lŭpu > lobo, lūna > lua.

Na morfologia do latim clássico havia cinco declinações que passaram a três no vulgar.

Na passagem para o latim vulgar a 4ª declinação foi absorvida pela 2ª e assim como a 4ª a 5ª

declinação também era pobre e foi absorvida pela que se parecia mais a 1ª e com isso as

cinco declinações do latim clássico passou a três no latim vulgar.

No português temos exemplos da 1ª declinação em -a (mensa > mesa), da 2ª em -o

(libru > livro) e da 3ª em -e ou consoante (occidente > ocidente; imagine > imagem; feroce >

feroz; facile > fácil).

Ismael de Lima Coutinho em sua obra Gramática História diz “Com efeito, a

complexidade das formas desinenciais onera grandemente a memória do povo, obrigando-o a

um constante esforço, quando fala ou escreve. Daí procurar ele reduzi-las ao mínino, em

obediência à lei da economia do trabalho.” Com isso o latim clássico se distanciava do vulgar,

enquanto o latim literário mantinha-se rebuscado, a forma na boca do povo era simplificada e

adaptada pelos falantes de modo a tornar-se mais fácil.

A tendência analítica da língua com a redução dos casos fez mais comum o uso da

preposição. Dos casos nominativo, vocativo, genitivo, dativo, ablativo e acusativo do latim

clássico restaram apenas o nominativo e o acusativo no latim vulgar e para o português o

acusativo é o caso lexiogênico “O resulatado de tudo isso foi a chamada ‘redução dos casos’.

A princípio devem ter sido três: um reto (nominativo-vocativo) e dois oblíquos: um genitivo-

dativo e outro acusativo-ablativo. A confusão entre o acusativo e o ablativo deve ter

começado no singular, pois o acus. Sem o –m final tendia a identificar-se, no latim vulga, com

o albativo. Demais, só ablativo e acusativo podiam ser regidos de preposição. Uma vez que a
relação sintática ia passando aos poucos da flexão casual para a preposição, já deixava de ter

importância a forma da flexão. Daí a confusão no emprego de casos regidos por preposição,

tão comum, aliás, em inscrições, geralmente, em proveito do acus. Destarte, encontra-se, p.

ex., cum discentes suos quando a gramática do lat. cláss. Exigiria cum discentibus suis (cum,

prep. De abl.)” (ELIA, 2004. p. 199).

Quanto ao gênero existiam três: masculino, feminino e neutro. O neutro desaparece

“os neutros singulares tornaram-se masculinos e os neutros plurais tornaram-se femininos da

primeira declinação. Os substantivos femininos da segunda declinação tornaram-se masculinos

e os substantivos femininos da quarta declinação tornaram-se masculinos ou mudaram para a

primeira declinação” (WILLIAMS, 2001. p. 21).

Dos pronomes demonstrativos is, hic, idem, iste, ille e ipse apenas os três últimos

permaneceram, já os pronomes pessoais eram mais comum no latim vulgar. A simplificação

atingiu também a ordem das palavras na oração, na modalidade clássica o sujeito e o verbo

vinham encerrando a frase “O verbo deixou de ocupar preferencialmente o fim da frase”

(NASCENTE, 2009. p. 34).

Além de mais simples o latim vulgar também era mais analítico, mais concreto e mais

expressivo.

As quatro conjugações se reduziram a três com a fusão da segunda e da terceira,

alguns tempos verbais desapareceram, outros surgiram e algumas substituições aconteceram.

Exemplos: amor, amabar e amabor foram substituídas por amatus sum, amatus eram e

amatus ero, respectivamente sou amado, era amado e serei amado. As formas amatus fui,

amatus fueram e amatus fuero foram criadas.

A maior expressividade da língua falada tornou o latim vulgar mais analítico, o futuro

perifrástico é um bom exemplo cantare habeo, habeo ad cantare, habeo de cantare, volo

cantare, debeo cantare, venio ad cantare “O latim vulgar, tão rico em possibilidades
expressivas e ao mesmo tempo de uma tradição tão incerta e desvalorizada, em que têm

papel tão importante os fatores subjetivos e sentimentais, é justamente caracterizado como

‘língua livre’” (VIDOS, 2001. p. 172). Os sufixos de diminutivo era uma forma marcante da

língua popular auris por auricula (orelha), acus por acucula (agulha), apis por apicula

(abelha), pedis por pedunculus (piolho) entre outros. Já o mesmo não era comum no latim

clássico “A língua clássica é muito sóbria no emprego de formas expressivas e afetivas,

mantendo sempre um caráter aristocrático e solene” (BASSETTO, 2005. p. 97).

A diferença no grau comparativo entre as duas modalidades pode ser observada no

comparativo em -ior, edere e pulcher utilizados no latim clássico em contraste com

manducare, bellus e plus no latim vulgar.

No que se refere ao léxico tanto no latim clássico como no vulgar é possível constatar a

presença de termos estrangeiros, apesar da modalidade clássica só admitir empréstimos de

termos novos ou técnicos. Exemplos de empréstimos itálicos bos (boi), lupus (lobo) e scrofas

(porca); empréstimos celtas carrus (carro), aluda (cotovia), betulla (vidoeiro) e sapo (sabão);

e gregos petra por lapis, spatha por gladius (espada), apotheca (despensa), camera

(abóbora), crapula (bebedeira), guvernare (dirigir), tumba (túmulo), bursa (bolsa) e outros.

Chega-se a conclusão que “O latim vulgar, como qualquer outra língua falada, estava

sem dúvida diferenciado vertical (social) e horizontalmente (geograficamente). Não obstante,

para poder exercer no Império as funções de língua de uso comum, devia possuir certa

homogeneidade. A língua literária cristalizada na tradição clássica permanecia, no entanto,

muito homogênea. A relação entre a unidade e a diversidade no latim, afinal de contas, vem

a ser muito afim com a relação entre latim clássico e latim vulgar, entre urbanitas e

rusticitas. Deste modo, se com palavra ‘romanismos’ entendemos particularidades lingüísticas

que se desenvolveram em contraste com o latim culto da tradição e que lhe sobreviveram,

podemos dizer que romanismo e vulgarismos estavam presentes desde as mais remotas épocas
do latim” (VIDOS, 2001. p. 175). Então, a modalidade falada - o latim vulgar – foi que se

perpetuou nas línguas neolatinas, tem-se, assim, que não foi o latim clássico, o latim da

cultura que deu continuação a língua dos romanos, mas o latim falado pelo povo. E

finalmente “Depois da queda do Império Romano, o contraste entre latim clássico e latim

vulgar chegou a se nivelar definitivamente em proveito deste último, que por tanto tempo se

manteve em seus limites, e desta maneira foi aberto o caminho livre para o nascimento das

línguas românicas” (VIDOS, 2001. p. 175).

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