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4.3 A causalidade dos acidentes de trabalho

A concepção do acidente do trabalho como fruto do azar, segundo Kouabenam


(1999) apud Baumecker (2000), remonta a períodos muito antigos. O autor comenta que
para Paracelso (1493 – 1541) os acidentes escapavam de qualquer causalidade e que
eram fruto dos caprichos de demônios subterrâneos e que “tais explicações fatalistas se
originam na própria história da humanidade, estando ancorada firmemente nas
representações populares onde o acidente, a morte e qualquer outra forma de sofrimento
são considerados como um preço a pagar pela violação da ordem estabelecida. Aliada à
idéia de fatalidade aparece a da causalidade pessoal uma, vez que o azar é pessoal”. À
idéia da fatalidade está amiúde associada o conceito do acaso. Ocorre que, conforme
nos ensina Ruelle (1993), a interpretação científica do acaso começa pela introdução das
probabilidades e o acidente não se caracteriza por ter distribuição uniforme no tempo,
no espaço e nos grupos humanos, tendo determinantes, entre outros, de caráter
econômico, político e social.

Estando superada a compreensão do acidente do trabalho como fruto da


fatalidade, onde sua ocorrência seria completamente tramada no insondável à percepção
humana, descortina-se o desafio de estudar e apreender o fenômeno de maneira
multicausal, identificando seus determinantes da forma mais ampla possível, ensejando
a concepção de medidas necessárias à prevenção de acidentes semelhantes ou que
tragam, em sua estrutura, elementos materiais ou imateriais comuns àquele objeto de
análise. Embora seja nítido o entendimento que cada acidente é único, é possível
identificar na sua dinâmica e estrutura elementos que podem vir a atuar como suporte
para outros eventos que se deseja evitar.

O grande argumento teórico e prático que sustenta a necessidade de promover


exaustivas investigação e análise dos acidentes é a prevenção; é a possibilidade de
conceber e implementar medidas de prevenção que sejam capazes de eliminar a chance
da ocorrência de acidentes semelhantes ou que tenham na sua rede de causalidade
aspectos comuns àqueles acidentes objeto de análise. Nesse sentido, desde suas
primeiras versões, o método da árvore de causas traz referências à noção de focos de
2

risco ou de rubricas, conceito esse que evoluiu para os denominados fatores potenciais
de acidentes.

Embora haja algumas identidades, o termo não deve ser confundido com os
chamados fatores de riscos da técnica do mapa de riscos. Conforme enunciado por
Nahas; Vago (2002), “fator de risco é uma condição ou um conjunto de circunstâncias
que têm o potencial de causar danos à saúde, à integridade física das pessoas, ao
ambiente, ao processo ou aos equipamentos, ou seja, é tudo aquilo que tem o potencial
de causar danos”.

Um fator potencial de acidentes não precisa causar diretamente o dano, pode


estar associado ao acidente embora alheio à cena do acidente ou mesmo ter caráter
imaterial como os aspectos organizacionais e/ou culturais. Por conta de sua natureza,
não é razoável considerar como fator potencial de acidentes aquelas situações
representadas pelas ausências das mais elementares medidas de prevenção de acidentes,
previstas na legislação específica ou de imediata percepção numa inspeção no ambiente
de trabalho.

É possível que seja regra geral, mas com certeza na indústria há um elevado grau
de dependência entre as políticas de segurança e manutenção; o fracasso de uma não
significa o sucesso da outra. Nesse caso, em particular, a comunicação, tanto como
manifestação cultural, quanto como política normativa da empresa, desempenha
importante papel no estabelecimento de um regime cooperativo entre as atividades de
manutenção e as exigências da segurança. O acidente da Piper Alpha1 é exemplo
histórico do quão grave pode se tornar a não comunicação de uma intervenção da
manutenção a uma equipe que está assumindo o seu turno de trabalho (Paté-Cornell,
1993). Na aviação civil, segundo Reason; Maddox (1998), a percepção da importância
da manutenção para a segurança dos vôos comerciais teve radical transformação após o
acidente do B-737 da Aloha Airlines ocorrido em 1988.

1
O acidente com a plataforma Piper-Alpha ocorreu em 6 de julho de 1988 no Mar do Norte; matou 167
pessoas e gerou perda material da ordem de bilhões de dólares (Paté-Cornell, 1993).
3

No estudo do acidente de trabalho, o foco esteve historicamente dirigido para o


erro ou falha humana. A respeito da causalidade dos acidentes industriais, Heinrich
(1941) afirmava que, para o senso comum, era admitido que a grande maioria dos
acidentes industriais seria causada diretamente por determinados atos inseguros
cometidos por pessoas ou pela exposição a determinados riscos materiais ou mecânicos.
Ao expor sua filosofia básica da prevenção de acidentes, Heinrich (1941) relaciona uma
série de axiomas da segurança industrial dos quais destacamos os seguintes:

● a ocorrência de uma lesão invariavelmente resulta de uma seqüência


completa de fatores, sendo o próprio acidente um desses fatores;

● um acidente somente pode ocorrer quando precedido ou acompanhado por


uma ou ambas das duas circunstâncias: o ato inseguro de um indivíduo ou a
existência de um risco material ou mecânico;

● os atos inseguros das pessoas são responsáveis pela maioria dos acidentes.

Heinrich representou sua concepção da causalidade dos acidentes de trabalho


por meio de um arranjo específico de cinco peças de dominó, conforme sugere a Figura
5 a seguir:

Fonte: Adaptado de Heinrich (1941).

Figura 5. Os cinco fatores de Heinrich da seqüência do acidente.

Segundo Heinrich (1941), o acidente seria causado por uma seqüência linear de
fatores que culminariam na lesão, de modo que “a ocorrência de uma lesão passível de
4

prevenção é a culminação natural de uma série de eventos ou circunstâncias, as quais


ocorrem invariavelmente seguindo uma ordem lógica e fixa”. Nesse modelo cada fator é
dependente do outro, constituindo uma fila que pode ser comparada a uma fila de peças
de dominó, postas de maneira tal que a queda da primeira peça implica a queda de toda
a fila. O acidente é apenas um elemento da fila. A lógica da prevenção concebida por
Heinrich é que a subtração de uma das peças intermediárias impediria a queda da peça
que simboliza o acidente ou a lesão.

A cadeia proposta por Heinrich inicia-se com a ancestralidade e o meio social,


que seriam responsáveis por características como o descuido, a teimosia e outros traços
indesejáveis de caráter que, na compreensão do autor, podem ser hereditários e/ou
serem desenvolvidos pelo meio social. Essa “peça” seria causadora da segunda, que é
referida como sendo defeitos pessoais, que são exemplificados por meio do
temperamento violento, nervosismo, falta de cuidado e outros. Essa segunda “peça”
seria causadora da existência da terceira, que é referida como ato inseguro e condição
insegura2. Essa “peça” seria causadora da queda da quarta “peça” (o acidente), que por
sua vez, causaria a lesão, representada pela última peça da fila.

Na concepção de Heinrich, o elemento chave para a prática de prevenção,


conforme sugere a Figura 6 a seguir, é o terceiro, representado pelo ato inseguro e pela
condição insegura, sendo que a grande maioria dos acidentes seria causada pelo
comportamento inseguro do trabalhador.

2
Na ilustração original de Heinrich (1941), essa peça do dominó é referida como ato inseguro e risco
material ou mecânico. Na adaptação aqui realizada optou-se pela linguagem que é a mais conhecida, que
é a do ato inseguro e condição insegura.
5

Fonte: Adaptado de Heinrich (1941).

Figura 6. Elemento chave de Heinrich para a prática da prevenção.

Segundo Monteau; Pham (1988) apud Almeida (1995), a classificação das


“causas” dos acidentes em atos inseguros e condições inseguras foi desenvolvida por
Lateiner com fundamento na terceira peça de dominó de Heinrich.

Esse tipo de abordagem do problema prima pela superficialidade, pois reduz o


universo da investigação à cena na qual ocorreu o acidente, onde quase que
invariavelmente a vítima ou um seu companheiro de trabalho surge como elemento
deflagrador, como autor daquela ação categorizada por Reason (1997) como uma falha
ativa. Essas falhas ativas ou erros ativos seriam cometidos pelos trabalhadores que
atuam na linha de frente das empresas e teriam conseqüências imediatas. Reason
também introduziu o conceito de erros latentes, que seriam cometidos em níveis de
concepção e de gerenciamento. Reason compara os erros latentes das organizações
tecnológicas aos patógenos residentes no corpo humano; da mesma maneira que os
patógenos, os erros latentes como projeto precário, lacunas na supervisão, defeitos não
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detectados de fabricação ou falhas de manutenção, procedimentos não factíveis,


automação mal concebida, treinamentos mal formulados e ineficazes podem estar
presentes por um grande intervalo de tempo antes de, mediante combinação com
circunstâncias locais e erros ativos, conseguirem penetrar as defesas do sistema.

A compreensão de Reason (1997) sobre a estrutura daqueles que ele chama de


acidentes organizacionais evidencia-se na Figura 7, a seguir:
7

Defesas

PERIGO
Perdas
Riscos

Caminhos das Causas


Condições
Atos Inseguros
Latentes Investigação

Fatores Internos ao Local de Trabalho

Fatores Organizacionais

Fonte: Adaptado de Reason (1997).

Figura 7. Estágios no desenvolvimento e investigação de um acidente organizacional.

De acordo com o modelo de acidente organizacional de Reason, as falhas ativas


são produtos de ações individuais ou de equipe que, usualmente, envolvem erros (sem
má-fé) e/ou violações cometidas pelos trabalhadores de linha de frente da empresa.
Esses fatores ao combinarem-se com fatores ambientais ou outros eventos
desencadeadores encontram ou criam caminhos através das defesas (de engenharia ou
individuais) que foram engendradas pela organização para tentar impedir a ocorrência
de acidentes. Uma visualização dessa imagem é apresentada na Figura 8, a seguir:
8

Tarefa e Condições Ações Individuais


Ambientais Defesas Falhas
Fatores e de Equipe
ou Ausentes
Organizacionais
e Sistêmicos

ACIDENTE

Condições Falhas Ativas


Latentes

Fonte: Adaptado de Gibb; Hayward; Lowe (2001).

Figura 8. Modelo de acidente organizacional de Reason.

A grande limitação do tratamento superficial dispensado ao acidente do trabalho,


ao considerar apenas as falhas mais evidentes ou ativas, que se materializam nos
chamados atos inseguros, é não alcançar as causas raízes ou as condições latentes, de
acordo com Reason (1997), que repousam inativas no sistema de produção e que têm
potencial para contribuir, provocar ou permitir as ações praticadas pelo(s)
trabalhador(es) e que tiveram o condão de precipitar a indesejada ocorrência.

Embora a definição de causa raiz possa gerar controvérsias, é razoável especular


que, de uma maneira geral, as tentativas de conceituação da expressão, ainda que de
caráter intuitivo, guardem alguma identificação. A metodologia SOURCE3 utiliza a
seguinte definição: causas raízes referem-se à maioria das causas básicas que podem
razoavelmente ser identificadas, das quais o gerenciamento tem controle para tratar e
para as quais podem ser geradas recomendações efetivas para prevenir sua repetição
(USA, 1999). Paradies; Busch (1988) apud Almeida (2003) definem a causa raiz como

3
A metodologia SOURCE™ (Seeking Out the Underlying Root Causes of Events) é baseada em
metodologia desenvolvida pelo Departamento de Energia da Westinghouse Savannah River Corporation
em 1991 (USA, 1999).
9

uma “causa básica que pode ser razoavelmente identificada e que a gerência tem meios
de controle para corrigir”.

De acordo com Reason (1997), é possível agrupar os modelos da gestão da


segurança e saúde no trabalho em três grandes modelos, que poderiam ser referenciados
como modelos centrados no indivíduo, na engenharia e de abordagem sistêmica. Os
modelos de gestão da segurança e saúde no trabalho constituem uma proposta de caráter
técnico-administrativo para o enfrentamento de uma classe de eventos que inclui o
acidente de trabalho. A fundamentação teórica de cada modelo de gestão das condições
de trabalho dentro do sistema empresarial denota ou se dá em razão também da
compreensão que se tem do acidente de trabalho e das disfunções do sistema de
produção que podem redundar em prejuízo para os empreendedores. Prosseguindo com
esse raciocínio, pode-se pensar em também três grandes agrupamentos teóricos para a
causalidade dos acidentes de trabalho; eles seriam calcados no indivíduo, nas falhas de
engenharia e nos problemas organizacionais.

Entre os elementos que embasam a estratégia de um importante grupo


empresarial presente na mineração (BHP Billinton, 2003), para o melhoramento do
desempenho da sua política de segurança, estão as condições seguras e o
comportamento do pessoal no local de trabalho e uma das metas do programa de
segurança é fazer com que todo seu efetivo adote comportamentos seguros no trabalho,
com as gerências estimulando o envolvimento e motivação do pessoal no uso de
processos comportamentais para melhorar o desempenho da política de segurança.

Coerentemente, a ferramenta que o grupo aplica nas investigações de acidentes,


o ICAM – Incident Cause Analysis Method, foi desenvolvido tendo como referência e
orientação o trabalho do Professor James Reason, da Universidade de Manchester, do
Reino Unido, que é um psicólogo organizacional especialista em erro humano (Gibb;
Hayward; Lowe, 2001).

A abordagem comportamental também mostra variantes e o comportamento


humano pode ser um argumento para que se chegue às causas de caráter não imediato.
A EQE International (USA, 1999), discorrendo sobre um dos cursos que oferece sobre a
investigação e análise de acidentes afirma que o curso “Preventing Human Error”
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propicia ao participante habilidade para examinar o erro humano e identificar as


condições que contribuíram para sua ocorrência, de modo que o participante se tornará
apto a reconhecer as verdadeiras causas por trás da maioria dos erros humanos, como a
fragilidade dos sistemas de gerenciamento que se usa para projetar equipamentos e
processos; desenvolver e aplicar procedimentos e políticas e selecionar, treinar,
supervisionar e comunicar-se com os trabalhadores.

No modelo do ato inseguro versus condição insegura, dois desses três grupos
apareceriam associados, como se fossem as duas faces da mesma moeda, de maneira
que o acidente seria causado por uma falha individual ou por uma falha da engenharia
ou, quiçá com mais propriedade, por uma falha técnica, de caráter operacional. Talvez
por tomar duas pretensas categorias de causas em consideração, essa visão tenha
assumido, enganosamente, ares de visão abrangente para a interpretação dos acidentes
de trabalho e venha se perpetuando no arsenal de recursos que os profissionais de
segurança e saúde no trabalho das empresas mobilizam para realizar a investigação e
análise de acidentes.

Estudos realizados no início da década de 90, no âmbito das atividades do


Programa de Saúde do Trabalhador, desenvolvido pela disciplina de Medicina do
Trabalho da Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP, em colaboração com o
Escritório Regional de Saúde (Secretaria de Estado da Saúde – SP), por meio da
vigilância epidemiológica dos acidentes de trabalho, constataram que as investigações
realizadas pelo SESMT e CIPA das empresas eram sempre superficiais, restritas à cena
do acidente; além de não proporcionar a experiência e o aprendizado que a busca das
causas implica, responsabilizavam o trabalhador, atribuindo-lhe a culpa pela ocorrência.

Esses estudos levaram à realização de uma pesquisa específica executada em


empresas situadas nos municípios de Botucatu e Osasco, ambos no estado de São Paulo.
Conforme relatam Binder; Almeida (1993), foram analisadas as fichas relativas aos
acidentes ocorridos em 1990, no período de janeiro a junho, inclusive, que tiveram
11

emissão de CAT4 e foram investigados pela CIPA da empresa. Por conta disso, uma das
principais fontes de informação foi o Anexo II da Norma Regulamentadora 5, que
vigorou até 23 de fevereiro de 1999, quando foi publicado o texto atual da
regulamentação da CIPA. Desse Anexo II, que está reproduzido na Figura 9, a seguir,
foram compiladas e processadas as informações do tópico “Investigação do Acidente”
das fichas relativas a 125 acidentes investigados pelas respectivas Comissões Internas
de Prevenção de Acidentes.

4
A sigla CAT refere-se à Comunicação de Acidente de Trabalho que deve ser feita pela empresa nos
termos do Artigo 336 do Decreto Nº 3.048, de 6 de maio de 1999 (Saliba; Saliba, 2002)
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ANEXO II DA NR 5

FICHA DE ANÁLISE DE ACIDENTES


COMISSÃO INTERNA DE PREVENÇÃO
DE ACIDENTES
CIPA Nº.....................................................

EMPRESA ..............................................................................................................................

ENDEREÇO ...........................................................................................................................

Nº ...........................................................................DATA .....................HORA ....................

NOME DO ACIDENTADO................................................................................................

IDADE................................................OCUPAÇÃO .............................................................

DEPARTAMENTO EM QUE TRABALHA .....................................SEÇÃO ..................

DESCRIÇÃO DO ACIDENTE ............................................................................................


..................................................................................................................................................

PARTE DO CORPO ATINGIDA ........................................................................................

INFORMAÇÃO DO ENCARREGADO .............................................................................


..................................................................................................................................................

.......................................................
ENCARREGADO

INVESTIGAÇÃO DO ACIDENTE

COMO OCORREU ...............................................................................................................


..................................................................................................................................................
CAUSA APURADA ...............................................................................................................
..................................................................................................................................................

........................................................
MEMBRO DA COMISSÃO
Fonte: Atlas (1998).
Figura 9. Anexo II da Norma Regulamentadora 5 vigente até 1999.
13

O tratamento das informações constantes nos campos “causa apurada”, “medidas


propostas”, “causa do acidente” e “responsabilidade” estão reproduzidos,
respectivamente, nas tabelas 3, 4, 5 e 6. Conforme Binder; Almeida (1993), a
distribuição das “causas apuradas” atribuídas aos acidentes de trabalho foi a que se
observa na Tabela 3, a seguir:

Tabela 3

Distribuição das “causas apuradas” para os 125 acidentes de trabalho


investigados.

Causa Apurada Acidentes de trabalho

Quantidade %

Descuido, negligência,
desatenção, exposição
54 37,77
desnecessária ao perigo

Operação incorreta 22 15,38

Não uso de Equipamento de 13 9,09


Proteção Individual

Risco inerente à atividade 12 8,39

Defeito de equipamento, 12 8,39


instalação ou ferramenta

Gerado por terceiro 7 4,90

Improvisação 4 2,80

Pressa na execução da 3 2,10


tarefa

Outras causas 8 5,59

Sem informação 8 5,59

TOTAL 143 100,0


Fonte: Adaptado de Binder; Almeida (1993).
14

A análise das “causas apuradas” apontadas na Tabela 3 permite, entre outras


leituras, a de que 103 dessas causas são associadas à presença humana na execução da
tarefa, o que percentualmente representa aproximadamente 72% do total.

Em relação às “medidas propostas”, a distribuição da sua natureza nos acidentes


investigados foi aquela explicitada na Tabela 4, a seguir:

Tabela 4

Distribuição das “medidas propostas” para os 125 acidentes de trabalho


investigados.

Medida proposta Quantidade %

Conscientizar, orientar,
insistir em maior atenção, 86 59,7
disciplinar

Insistir no uso de
16 11,1
Equipamento de Proteção
Individual

Melhorar treinamento na
3 2,1
tarefa

Melhorar equipamento,
mudar processo,
inspecionar 32 22,2
periodicamente, eliminar
condições inseguras,
melhorar sinalização

Sem informação 7 4,9

TOTAL 144 100,0


Fonte: Adaptado de Binder; Almeida (1993).
15

Dirigindo a essa Tabela 4 a mesma questão formulada à Tabela 3, das causas,


temos que aproximadamente 73% das medidas propostas têm como foco o
comportamento do trabalhador; esse resultado é derivação do relatado na Tabela 3, onde
72% das causas estão associadas ao trabalhador.

A distribuição em função da conclusão, por parte das empresas, quanto à causa


dos acidentes de trabalho investigados, está na Tabela 5, a seguir:

Tabela 5

Distribuição dos 125 acidentes de trabalho investigados segundo a conclusão das


empresas quanto às causas.

Conclusão Acidentes do trabalho

Quantidade %

Ato inseguro 88 (1) 70,4

Condição insegura 26 20,8

Ato e condição inseguros 4 3,2

Sem informação 7 5,6

TOTAL 125 100,0


Fonte: Adaptado de Binder; Almeida (1993).
(1) Para um acidente sobre o qual não havia registro de “causa” (sem informação na Tabela 3),
no item “Conclusão” houve registro de ato inseguro.

Também nessa Tabela 5, a parte maior da distribuição está associada ao


trabalhador, que em aproximadamente 73% dos casos teria cometido um ato inseguro.

Os dados obtidos para a distribuição da responsabilidade pela ocorrência ao


longo do universo de acidentes investigados são mostrados na Tabela 6 a seguir:
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Tabela 6

Distribuição das responsabilidades pela ocorrência nos 125 acidentes de trabalho


investigados.

Responsável Quantidade %

Acidentado 69 55,2

Outro trabalhador 4 3,2

Empresa e acidentado 2 1,6

Empresa 8 6,4

Subtotal 83

Sem informação 42 33,6

TOTAL 125 100,0


Fonte: Adaptado de Binder; Almeida (1993).

Segundo essa Tabela 6, a própria vítima é responsabilizada em mais da metade


(69) de todos os casos (125) analisados. Também temos que em 42 fichas esse campo
não foi preenchido, de forma que o volume de acidentes com essa informação se reduz
de 125 para 83.

Em relação à responsabilidade apontada, podemos considerar que em 75 dos


casos (incluímos a responsabilidade de outro trabalhador e a responsabilidade solidária
com a empresa) ela recai sobre o trabalhador. Isso, em relação ao subtotal de 83,
corresponde a 90,36%. Relacionando esse achado com o modelo aplicado nas
investigações realizadas, segundo o qual o acidente ocorre por um ato inseguro do
trabalhador ou pela existência e exposição a uma condição insegura de trabalho, temos
que, do total de acidentes investigados, cerca de 90% teriam sido causados por um ato
inseguro do trabalhador, na sua grande maioria, a própria vítima.

É digno de menção que essas proporções reproduzam aquelas encontradas em


outro estudo realizado há mais de 60 anos nos EUA (Heinrich, 1941). Nesse estudo,
17

foram colecionados dados relativos a 75.000 acidentes industriais. Desse total, 2%


teriam tido como causa fatores imprevisíveis e os demais 98%, fatores previsíveis. Esses
números são, de certa maneira, alentadores para os profissionais de segurança e saúde
no trabalho; afinal, o atributo da previsibilidade do acontecimento é condição necessária
à prática da prevenção, que emerge da relação entre o prever e o prevenir. Assim,
prevenibilidade e previsibilidade são atributos que mantém inter-relação, embora não
sejam, na linguagem estatística, mutuamente exclusivos, pois a capacidade de prever
não implica obrigatória e exaustiva capacidade de prevenir.

Voltando ao estudo realizado por Heinrich (1941) nos EUA, após definição da
natureza dos fatores quanto à previsibilidade, ele apresenta, para a fração posta como
previsíveis, uma classificação quanto aos fatores causais que é a seguinte: 10% dos
acidentes previsíveis foram causados por condições inseguras de trabalho, enquanto
88% teriam sido causados por atos inseguros dos trabalhadores. Um resumo gráfico
dessa classificação é exposto na Figura 10, a seguir:

Acidentes

2% Causas 98% Causas


imprevisíveis e previsíveis e
impreveníveis preveníveis

88% Fatores 10% Fatores


humanos – atos materiais –
inseguros condições inseguras

Fonte: Sindicato dos Químicos SP/Sindicato dos Plásticos SP (1993).


Figura 10. Classificação das causas no estudo de Heinrich (1941).
18

Magrini; Ferreira (s/d) argumentam que a expressão “ato inseguro”, enquanto


locução da língua portuguesa não tem sustentação, pois não guarda significação por si
só, sem considerar outros elementos do contexto no qual teria ocorrido o ato
considerado como inseguro. Alguns aspectos que têm clara relação quanto à segurança
presente em cada atitude no ambiente de trabalho são: o ambiente, a tecnologia
empregada, o domínio do trabalhador em relação a essa tecnologia e, por último mas
não de forma menos importante, os sistemas de proteção existentes e efetivamente
utilizados. Corroborando essa abordagem do problema, Almeida (1995) afirma que a
proposição da prevenção, apenas com base na eliminação dos atos inseguros, deriva da
compreensão do comportamento do trabalhador como autodeterminado, configurando
uma leitura reducionista do acidente de trabalho.

No Brasil, lamentavelmente, a compreensão do acidente de trabalho como fruto


de um ato inseguro do trabalhador ou de uma condição insegura do ambiente de
trabalho ainda é o pensamento hegemônico. Conforme lembra Binder (1997),
possivelmente por influência do que ocorria internacionalmente, essa concepção foi
trabalhada e difundida no Brasil por meio de uma série de publicações como o Cadastro
de Acidentes – Norma Brasileira 18 (Associação Brasileira de Normas Técnicas, 1975)
e aquelas editadas pela Fundacentro, onde merecem destaque as coleções “Curso de
Engenharia do Trabalho” (Clemente, 1981) e “Curso de Medicina do Trabalho”
(Ribeiro Filho, 1981; Saad, 1981).

A expressão “ato inseguro” pode levar à compreensão de que todas as falhas


humanas no ambiente de trabalho podem ser agrupadas em uma só categoria.
Entretanto, conforme nos ensina Reason (1997) os erros humanos podem assumir
diferentes formas, ser gerados por diferentes mecanismos psicológicos e ocorrer em
diferentes partes do sistema.

O “ato inseguro” tal qual é compreendido e aplicado na análise de acidentes na


maioria das empresas do Brasil assemelha-se a uma caixa preta indevassável. Assim,
para fins de compreensão do fenômeno acidente, trata-se de conceituação inútil, que não
produz informação passível de tratamento no âmbito dos sistemas de gestão de
segurança e saúde no trabalho. Na verdade, trata-se de modelo que tem o condão de
19

elidir qualquer possibilidade de aprendizado que poderia ser gerado pela investigação e
análise de acidentes e atua como mecanismo de culpabilização do trabalhador.

Oliveira (1997) ao discorrer sobre as tentativas de perpetuação de certa versão


da realidade reproduz o seguinte trecho de publicação utilizada nas campanhas de
prevenção de acidentes de uma determinada empresa:

“...a prevenção de acidentes não depende somente de boas condições materiais,


mas, principalmente, do elemento humano, ou seja, você [...] Grande parcela de
responsabilidade na prevenção de acidentes cabe ao empregado, não ao dirigente, pois
devido à natureza de seu trabalho, é quem corre maior risco de acidentes, por estar
fazendo trabalhos que exigem movimentos físicos, estar em contato direto com
máquinas, equipamentos etc. [...] Para o seu benefício não seja igual a um destes:
distraído, imprudente, gozador, curioso, sabido, ingênuo, exibicionista, displicente,
teimoso5”.

Estamos sempre prontos para julgar nossos semelhantes; é comum que ao


presenciar determinadas situações onde se observou um acidente, as pessoas tenham a
propensão de eleger responsáveis, ou melhor, culpados. Conforme assinala Reason
(1997) essa tendência encontraria explicação na “ilusão do livre arbítrio6”, que faz a
atribuição do erro ser tão usual para a natureza humana. Faz parte da nossa cultura,
também com raízes fincadas na fé cristã, a crença de que somos todos artífices de nosso
destino, de forma que os indivíduos têm a liberdade de escolha entre o certo e o errado.
Em função dessa compreensão dos indivíduos como seres livres, suas atitudes também
tendem a ser entendidas, pelo menos em parte, como de caráter voluntário. Assim, se o
erro carrega vontade, ao seu autor pode ser imputada a responsabilidade pelo que
provoca.

5
Oliveira (1997) registra que cada um dos tipos elencados se faz acompanhar de uma ilustração
caricatural.
6
Diz-se que o livre arbítrio é uma ilusão porque nosso espaço de ação é sempre limitado pelas
circunstâncias locais (Reason, 1997).
20

Reason (1997) ao desenvolver suas idéias sobre o gerenciamento do erro


humano ilustra a nocividade que o conceito de culpa acarreta por meio de um ciclo, por
ele chamado de ciclo da culpa, conforme se observa na Figura 11 a seguir:

As ações humanas são


vistas como as causas
de acidentes que
menos restrições
sofrem.
Por que? Porque as
pessoas são vista
Os erros agora são como agentes livres,
tratados como aptos à escolha entre
realmente algo o certo e o errado.
censurável, pois
quem errou parece
ignorar as
advertências e Uma vez que os
punições. erros são tratados
como parcialmente
deliberados, são
passíveis de
caracterizar culpa.

Tais medidas são


ineficazes, de modo Ações entendidas como
que os erros recrimináveis são tratadas
continuam com avisos, sanções e
associados aos exigências de maior
eventos indesejados. cuidado da próxima vez.

Fonte: Adaptado de Reason (1997).

Figura 11. O ciclo da culpa.

Esse ciclo vicioso configura verdadeira armadilha para o combate ao erro. A


culpa, também é importante frisar, é elemento comprometedor da investigação,
particularmente se está associada na cultura da empresa à punição.
21

“A clareza com que o esquema ou árvore expõe os “mecanismos” envolvidos na


ocorrência dos acidentes pode facilitar a superação da “cultura” da culpa” (Almeida,
1995).

Discorrendo sobre a existência de inquéritos e processos que atestam a fatalidade


como causa de acidentes, Ussier (2002) lembra e comenta: “Por exemplo, até 1988 eu
era promotor criminal no interior de São Paulo, onde a gente faz de tudo um pouco.

Cheguei a arquivar inúmeros inquéritos policiais de acidentes de trabalho porque


na minha cegueira de então eu sempre questionava: Mas será que alguém empurrou o
cara da obra? A vítima não tomou o cuidado necessário! O que ele estava fazendo lá em
cima? E acabava arquivando o inquérito porque não conseguia ver a ocorrência de um
crime ali, no ambiente de trabalho.

Mas depois que passei a conhecer aquele mundo subterrâneo das relações de
trabalho, eu venho afirmando com todas as letras, que nenhum acidente ocorre por
acaso, porque o trabalhador quis se acidentar, ou se descuidou. Não existe legalmente, o
que antigamente a ideologia ‘prevencionista’ chamava de ato inseguro. Mas essa cultura
de que o acidente acontece por culpa do empregado existe até hoje.

Eu trabalho e venho trabalhando há 10 anos para tentar mudar um pouco essa


cultura nos inquéritos civis que são da minha responsabilidade.

Toda vez que chega ao nosso conhecimento lá na promotoria um acidente grave,


um acidente fatal, eu peço para um dos engenheiros de segurança do trabalho que
assessoram o Ministério Público de São Paulo, elencar todas as causas que levaram à
ocorrência daquele acidente. Nós chegamos sempre à conclusão de que aquele acidente
aconteceu, no mínimo, em razão de uma multicausalidade na qual a irresponsabilidade
da empresa sempre aparece”.

A sujeição do trabalhador a uma condição de trabalho onde existe risco grave e


iminente é precedida pela opção por uma concepção do trabalho em formato que
implica risco de morte para quem o executa. Nessas circunstâncias, só a recusa ao
trabalho significa a determinação do não-acidente, vez que a mensuração do risco grave
e iminente recai no campo regido pela teoria das probabilidades.
22

No arcabouço teórico da Convenção 1747 da Organização Internacional do


Trabalho, em relação à análise dos grandes acidentes, tem-se que as causas principais
são classificadas nas seguintes categorias: operacionais; ambientais; organizacionais e
pessoais. Embora a classificação das causas sugira uma abordagem multicausal do
acidente, não há indicação de método a ser aplicado para a identificação das causas
denominadas principais (Almeida, 2003).

A sociedade moderna convive com tecnologias de alto risco, onde eventuais


erros humanos têm a capacidade de provocar efeitos catastróficos, capazes de atingir
grandes extensões territoriais e permanecerem ativos em sua nocividade por muito
tempo. Entre os sistemas complexos que utilizam tais tecnologias, Perrow (1984) cita as
plantas de energia nuclear, as plantas químicas, aeronaves e controles de tráfego aéreo,
embarcações, barragens, armas nucleares, missões espaciais e a engenharia genética.

Segundo Reason (1993), os desenvolvimentos que vêm ocorrendo na psicologia


cognitiva, nos campos teóricos e metodológicos, desde a década de 70, possibilitam que
se faça um estudo dos erros por eles mesmos. Uma melhor compreensão dos processos
mentais poderá mais que permitir a concepção de métodos eficazes para prevenir ou
reduzir os erros humanos. Para Reason (1993), se a compreensão dos processos mentais
pela psicologia cognitiva propiciar uma concepção adequada dos processos cognitivos
de controle, ela deverá também explicar, não apenas o desempenho correto, mas
também as formas mais previsíveis das falhas humanas.

Reason (1993) afirma que a precisão de nossa previsão dos erros depende
enormemente da qualidade da nossa compreensão dos fatores envolvidos na produção
desses erros, assim como a discriminação das causas é condição imprescindível à

7
Na Conferência realizada em Genebra, no dia 22 de junho de 1993, a Organização Internacional do
Trabalho (OIT) adotou a Convenção de número 174 versando sobre a PREVENÇÃO DE GRANDES
ACIDENTES INDUSTRIAIS que envolvam substâncias perigosas cujas conseqüências resultem na
exposição de trabalhadores, população e meio ambiente a riscos imediatos ou de médio e longo prazo. A
Convenção OIT 174 foi ratificada no Brasil pelo Congresso Nacional, através do Decreto Legislativo nº
246/2001 e sancionada pela Presidência da República por meio do Decreto 4.085, de 15.01.02 e entrou
em vigor no País a partir de 02 de agosto de 2002.
23

apreensão do ensinamento que o acidente implica. A abordagem sistêmica do acidente


de trabalho busca a maior qualificação da compreensão que se tem do fenômeno, para
subsidiar o incremento da capacidade de prevenção de ocorrências indesejadas pela
organização e a necessidade da melhor compreensão das vicissitudes da intervenção
humana está contemplada nesse contexto analítico. Com isso, Reason (1993) afirma que
uma concepção adequada dos processos cognitivos de controle poderá explicar as
formas mais previsíveis da falha humana.

Um bom início é tentarmos conceituar o que seria, afinal, o erro. Segundo


Reason (1990) é aceitável que o erro seja conceituado como a falha de ações planejadas
em atingir uma meta desejada.

A abordagem que será praticada para a compreensão do erro humano também


deve ter caráter sistêmico, pois seria um equívoco teórico dedicar a um componente do
sistema um tratamento diferenciado; à parte, cabe uma abordagem que seja compatível
doutrinariamente8 com aquela praticada com o todo.

Assim, com o propósito de examinar a produção dos erros com o mesmo olhar
sistêmico, Reason (1993) afirma que a compreensão dos fatores de produção desses
erros só será possível com o suporte de uma teoria que contemple e articule os
principais aspectos presentes, que são: a natureza da tarefa e as condições nas quais ela
é realizada, os mecanismos que regem a atividade e as particularidades do sujeito.

Uma teoria que considere a multiplicidade dos fatores presentes no ambiente de


trabalho e ainda atente para a forma de inserção do trabalhador no sistema de produção
objeto de análise e sua relação com os demais elementos, poderá avançar no sentido de
permitir não só a previsão das circunstâncias mais propícias à produção do erro, como
também antecipar a forma particular que o erro assumirá.

Isso posto, o grau de complexidade do sistema sob foco atua como fator
determinante para a profundidade da leitura que se consegue fazer. Quanto mais simples
os sistema, com mais facilidade se empreende com sucesso uma abordagem sistêmica.
No entanto, para a maioria dos erros, nossa capacidade de apreensão da interação

8
Doutrina é o conjunto de princípios que servem de base a um sistema filosófico, científico etc.
24

complexa entre os fatores causais mostra-se imperfeita e incompleta. A conseqüência


disso é que as especulações que pode fazer a respeito dos erros acabam tendo caráter
probabilístico.

Na discussão que faz sobre os erros humanos, Reason (1990) associa a noção de
erro à noção de intenção, de maneira inseparável; para ele, se existe o propósito de fazer
um inventário das diferentes formas que o erro assume, é producente começar pela
examinação dos variados tipos de comportamento intencional.

O algoritmo proposto por Reason (1990) permite diferenciar os tipos de


comportamentos intencionais, conforme se observa na Figura 12, a seguir:
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Não
Não Ação involuntária
ou sem intenção
Havia intenção
Havia intenção na
premeditada na
ação?
ação?
Sim
Ação espontânea ou
Sim subsidiária

Não
Ação não
As ações ocorreram intencional (falha ou
conforme previsto? lapso)

Sim

Não
As ações atenderam Ação intencional
os fins propostos? mas com falha

Sim

Ação bem sucedida

Fonte: Adaptado de Reason (1993).

Figura 12. Algoritmo de Reason - Algoritmo que permite diferenciar os tipos de


comportamentos quanto à intencionalidade.

Seale (1980) apud Reason (1990) introduziu uma diferenciação importante a ser
considerada na análise das ações intencionais, que comporta a intencionalidade sempre
mas não necessariamente uma intencionalidade planejada ou premeditada. É necessário
ter claro que o desenrolar de uma intenção premeditada ou planejada comporta duas
classes de ações, quais sejam: as ações intencionais e as ações sem intenção.
26

De acordo com Reason (1990), ações não intencionais ocorrem devido a falhas
da memória que impedem a realização da atitude planejada, constituindo um lapso, ou
alguma falha como falta de atenção que provoca a realização da ação equivocada, o que
constituiria um deslize.

As ações intencionais são de dois tipos: erros e violações. Erros ocorrem quando
a compreensão, o conhecimento ou julgamento, numa determinada situação, são
deficientes e uma ação é planejada e executada de uma maneira tal que não redunda no
resultado desejado. Violações são ações intencionais que, por várias razões não estão
em conformidade com as regras vigentes, padrões e normas. Exceto atitudes deliberadas
como a sabotagem, a motivação envolvida na ocorrência de uma violação não é a de
causar mal ou dano, mas freqüentemente é simplesmente “completar a tarefa” (Gibb;
Hayward; Lowe, 2001).

Encontramos exemplo de ação intencional sem intenção premeditada nas ações


subsidiárias. Atrás das ações subsidiárias eu tenho uma intenção, mas não tenho uma
intenção premeditada ou planejada. Ao discorrer sobre essa questão, Reason (1993)
exemplifica com a seguinte situação: quando você afirma que irá ao trabalho de carro,
não está conscientemente se referindo a cada ação envolvida nesse propósito, como o
fato de que vai abrir a porta do carro, sentar, por o cinto de segurança, checar posição
dos espelhos, colocar a chave no contato, dar partida no motor etc. Essas são as ações
ditas subsidiárias.

Na abordagem sistêmica do acidente de trabalho deve ser considerada a forma


na qual a preocupação com a prevenção de acidentes se faz presente na cultura
organizacional, como se manifesta nas pequenas e grandes decisões que são tomadas
durante o transcorrer de um turno de trabalho. Höpfl (1994) examina as implicações da
mudança na cultura organizacional para as formas nas quais as questões afetas à
segurança são percebidas, formuladas e atendidas.

Schein (1985) apud Höpfl (1994) define cultura como o conjunto de “assunções
básicas e crenças que são compartilhadas pelos membros de uma organização”.
Fornecendo outros elementos para a conceituação de cultura dentro da organização,
Schein (1985) apud Maximiano (1997) afirma que “cultura é a experiência que o grupo
27

adquiriu à medida que resolveu seus problemas de adaptação externa e integração


interna, e que funciona suficientemente bem para ser considerada válida. Portanto, essa
experiência pode ser ensinada aos novos integrantes como forma correta de perceber,
pensar e sentir-se em relação a esses problemas.

Robbins (1990) apud Maximiano (1997) sugere alguns indicadores para que a
cultura organizacional possa ser identificada e analisada, que são os seguintes:

● Iniciativa individual. Nível de responsabilidade, liberdade e independência


das pessoas;

● Tolerância ao risco. Nível de encorajamento da agressividade, inovação e


riscos;

● Direção. Clareza em relação aos objetivos e expectativas de desempenho;

● Integração. Capacidade de as unidades trabalharem de maneira coordenada;

● Contatos gerenciais. Disposição dos gerentes para fornecer comunicações


claras, assistência e apoio aos subordinados;

● Controle. Volume de regras e regulamentos, e de supervisão direta que se


usa para supervisionar e controlar o comportamento dos empregados;

● Identidade. Grau de identificação das pessoas com a organização como um


todo, mais que com seu grupo imediato ou seus colegas de profissão;

● Sistema de recompensa. Associação entre recompensas e desempenho;

● Tolerância ao conflito. Grau de abertura para a manifestação de conflitos e


críticas;

● Padrões de comunicação. Grau de restrição das comunicações aos canais


hierárquicos.

Turner (1978) apud Höpfl (1994) afirma que os acidentes principais têm um
“período de incubação”, no qual ocorrem uma série de eventos não registrados ou
percebidos; isso contraria o pensamento estabelecido nas organizações de que o sistema
opera de uma maneira definida e os riscos existentes já foram caracterizados. Sathe
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(1983) apud Höpfl (1994) argumenta que “as pessoas sentir-se-ão compromissadas com
os objetivos da organização quando identificam em tais objetivos alguma ligação
emocional. As crenças e os valores compartilhados que compõem a cultura ajudam a
gerar essa ligação”.

No contexto onde se dá a realização do trabalho a figura humana é central. É


necessário considerar que o acidente de trabalho é problemática social, que não tem suas
principais raízes fincadas no chão da fábrica, de forma que mobiliza, na busca da
imprescindível transformação da realidade, diversas disciplinas das Ciências Humanas,
com destaque para as Ciências Sociais e a Psicologia. A primeira porque o trabalho é
atividade basal da organização da sociedade e a segunda porque o comportamento
humano está sempre entre as múltiplas causas imediatas do acidente do trabalho. Assim,
essas disciplinas, além das interfaces que apresentam, se ocupam de áreas do
conhecimento que esteve pouco presente na revisão bibliográfica feita nesta dissertação.
Àqueles que pretenderem aprofundar sua leitura nessas áreas, Almeida (2000) e (2002)
apresenta extensa e recomendada relação de bibliografia.

O texto completo está disponível no endereço:


http://www.fundacentro.gov.br/biblioteca/biblioteca-digital/acervodigital/detalhe/2010/8/uma-leitura-da-
arvore-de-causas-no-atendimento-da-demanda-do-poder-judiciario-um-fluxograma

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