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r q u e
Po
trocando
olhares
entre arte e
sociedade
Numa conversa sobre arte e educação, mais bem mais amplo que estudar as biografias de artistas
especificamente a partir de um conjunto de obras – nos permite a ampliação e a potencialização de
de artes visuais, ao perguntarmos “o que é isto?”, conexões. Além disso, este tipo de aprofundamento
podemos estar nos referindo ao exercício da também nos permite a vivência de experiências
interpretação, da fruição e/ou da leitura de imagem. estéticas junto às produções que seriam “condensadas
Ao perguntarmos “como se faz?”, entramos na esfera de experiência”, nas palavras de Imanol Aguirre1.
do debate sobre processos e procedimentos, ou
seja, na busca da compreensão sobre a produção e/ Neste 3º encarte do material Trocas e Olhares,
ou o fazer artístico, foco do segundo encarte deste a conversa, agora focado em questões de
material. E como fica a presença da contextualização contextualização, se dá entre dois adultos
nesta conversa? A pergunta escolhida aqui é: por que (educadores) e não mais entre um adulto e uma
fazemos arte? criança. A razão desta escolha foi a possibilidade de
aprofundamento em alguns temas, pela conversa,
Embora a ideia do que venha a ser arte varie em cada a partir de uma abordagem voltada a educadores,
cultura, parece ser um ponto comum a existência em permanente processo de formação. Embora
de manifestações que podemos entender como a linguagem se diferencie um pouco dos outros
estéticas. As motivações e os objetivos que levam encartes, este material também busca uma coerência
as pessoas a produzirem o que chamamos de arte entre forma e conteúdo, aqui entendido como
são muito variadas; no entanto, por mais que se inseparáveis, e apresenta aos seus leitores uma
relacionem a aspectos subjetivos dos indivíduos, proposta em forma de diálogo sobre algumas obras
questões de ordem cultural, social e política, entre do Acervo Sesc de Arte Brasileira.
outras, estão sempre presentes nos processos de
criação de obras de arte, de forma consciente ou não Em cada um dos encartes, podemos ler conversas
em seus produtores. específicas sobre obras selecionadas. Essas conversas
buscam, sobretudo, informar e inspirar leitores que
Em razão disso, investigar e conhecer os múltiplos se reconheçam como educadores, em contextos
contextos nos quais se inserem obras de arte – algo diversos, com ou sem formação prévia em artes
visuais. Isso inclui professores de escolas, profissionais
de educação não formal e até mesmo pais atentos à
formação cultural de seus filhos.
Alex Flemming
Sem título – Série Paulistana, fotogravura, 37,5 x 52
cm, 1980
Marcelo Moscheta
Equalizador para Horizontes Distantes – Itatiaia,
Políptico, Impressão com tinta pigmentada mineral e
colagem 65x 430 cm, 2015
Cristiano Mascaro
Toninho na Fazenda Venerando, fotografia, 80 x 60 cm,
1982
– Sabe de uma coisa? Estamos tratando
de olhar e eis que a santa retratada é a
padroeira dos olhos, que representa a
9 José Ferraz de Almeida luz. Parece até que o Mascaro montou
Júnior (1850 - 1899), a cena... Curioso. Tem tanta carga
Caipira picando fumo,
1905, óleo sobre tela,
simbólica, mas deve ser justamente
141 X 202, Transferência, essa capacidade de captar o momento
do Museu Paulista. Essa certo, de uma realidade na qual ele já
obra é emblemática
está imerso.
porque é de um período
em que o comum era que
apenas pessoas nobres
– Vamos seguir na leitura de fotografias, mas agora
eram retratadas. Em vamos mudar um pouco o foco. Vamos observar
contraposição, Almeida uma obra mais conceitual, que explora um gênero
Júnior pinta imagens de de pintura tradicional que é a paisagem [obra de
pessoas humildes, em
situações cotidianas, Marcelo Moscheta]. Quando ele faz essa inclusão,
em cenários igualmente que é totalmente conceitual, com os medidores
simples. http://pinacoteca. de precisão (paquímetros), ele traz um elemento
org.br/acervo/obras
de estranhamento para a composição, rompendo
com a estética da paisagem bucólica. Ele gera
oposições, porque traz a paisagem, que seria algo
natural, impreciso, fora do domínio humano, com
objetos que servem para medir.
– É um padrão de retrato e você está – São distintas, mas vejo muitos pontos de encontro
trazendo um novo elemento para a com “Paisagem suspensa” [obra de Pedro Motta],
leitura. Essa fotografia do Mascaro que talvez possa ser vista como mais provocativa.
daria uma tese sobre o conceito de
– Embora possa parecer uma
retrato! Sério, porque tem: o retrato
provocação, o artista diz que não quer
dos noivos; o retrato de Cristo; o
provocar, mas apenas sugerir pontos
retrato do homem; a possibilidade
de vista. Ele usa a fotografia de forma
de uma associação com uma pintura
muito consciente, porque primeiro
icônica da arte brasileira do século XIX;
escolhe o que quer fotografar, às vezes
e a própria fotografia de Mascaro. São
até por indicação, para então interferir
muitas camadas imagéticas.
digitalmente. Atualmente, ele tem
– Espera! Não é Cristo, é uma santa! É Santa Luzia feito mais interferências artesanais nas
e a história dela é interessante: ela é tentada e fotografias impressas.
desafiada pelo imperador romano a deixar de
– Isso é interessante porque parece um percurso
acreditar no Deus católico, para se converter ao
inverso, de primeiramente explorar a manipulação
paganismo, mas como ela se nega veementemente,
digital, para então aprofundar a pesquisa com a
por isso ele a tortura, chegando a arrancar-lhe os
manipulação artesanal, como no início do século XX.
olhos. No momento em que lhe mostra os olhos
dela própria numa bandeja, novos olhos ainda
mais belos surgem em seu rosto. Existem outras
histórias da santa, mas essa é a que me lembro.
– Eu li nas pesquisas sobre fotografia – E aqui ele não enquadra apenas a
contemporânea que afirmam que as natureza... Tem o entorno presente,
novas tecnologias podem ser aliadas com construções que indicam um
nas produções dos artistas, mas por bairro novo... o que me sugere a ideia
outro lado, alguns podem se perder de loteamento, de posse de terra.
no excesso de recursos e perder a
característica autoral e artística da – Simbolicamente, é como se essa terra/paisagem
linguagem, o que pode transformar a original estivesse sendo suspendida para que esse
fotografia numa colagem. espaço fosse transformado. A paisagem natural
está sendo transportada para algum lugar.
– Não sei se isso é um problema, mas dá um receio
da fotografia se distanciar demais deste olhar – Para onde? Ela está sendo levada por
“sensível”, daquele momento de captar a imagem. um balão, que não temos controle de
onde vai parar. Vai para o espaço, vai
– Talvez isso não seja um problema, para os ares.
mas acredito que seja importante
a consciência do artista sobre essa – O que seria o oposto de uma ideia de paisagem mais
transformação. Tem fotógrafos tradicional, que normalmente a paisagem traz o
que exploram, ao extremo, essas contorno do horizonte, que é o chão. Mas, levando a
possibilidades de manipulação de terra para o espaço, o céu e a terra invertem-se.
imagem, o que pode continuar sendo – Enfim, a fotografia é um recurso
um trabalho de arte e de fotografia. imagético e tecnológico que esses
– Dentre os diálogos possíveis entre a obra de Motta artistas utilizaram para criar realidades
e a de Moscheta, vejo questões como homem/ ou transformar visões acerca da
natureza, homem/paisagem, homem/natureza realidade. Outros artistas utilizaram
construída, ... recursos diferentes, como o Hudinilson
Jr., que explorou a fotocópia e o
– Em outros trabalhos de Pedro Motta, próprio corpo como ferramenta de
ficamos mais em dúvida sobre o que trabalho. Claro que a temática é bem
é natural e o que é manipulado, mas diferente, mas é interessante citar o
essa obra é praticamente uma ironia, trabalho [obra Hudnilson Jr.] aqui
ela é lúdica, quase infame. Porque aqui para expandir a ideia de que outras
não tem ilusão, tem fantasia. Ela não tecnologias, em outros momentos
sugere uma realidade “possível”. E ao históricos, também foram muito
mesmo tempo ela leva a uma leitura exploradas como ferramentas nas
muito simbólica. mãos dos artistas. Esse artista,
que tinha veneração pelo corpo
– Como diz o nome da obra, o que está suspenso, é masculino desenvolveu um trabalho
a paisagem e ele está extraindo um bloco de terra autobiográfico por meio de fotocópias
do chão, o que dá a ideia de território, como um de seu próprio corpo, de tal forma que
trânsito de territórios. em alguns casos beiravam o abstrato.
Pedro Motta
10 Arte Conceitual: Para O conceito se amplia para
Sem Titulo (#1 a #6) – série este movimento, que tem além dos movimentos
origem na Europa e nos do século XX e “Devido à
Paisagem Suspensa, fotografia, Estados Unidos no fim nos grande diversidade, muitas
100 x 100 cm (cada módulo), anos de 1960, “o conceito
ou a atitude mental tem
vezes com concepções
contraditórias, não há um
2010 / 2012 prioridade em relação consenso que possa definir
à aparência da obra” e os limites do que pode ou
“o mais importante para não ser considerado como
a arte conceitual são as arte conceitual”. http://
Hudinilson Jr. ideias, a execução da obra enciclopedia.itaucultural.
fica em segundo plano e org.br/termo3187/arte-
Intra-Narciso, Composição com tem pouca relevância”. conceitual
ampliações xerográficas,
75 x 125 cm, 2004
– O que mais nos interessa do trabalho de Hudnilson
nessa conversa é o experimentalismo, que é
outra forma de desenvolver olhares, explorando
linguagens. Em meu entendimento, quando
artistas criam obras, fazem isso não por meio de
uma linguagem visual, mas em diálogo com ela.
Como no caso deste artista, que colocou a máquina
de fotocopiar como coautora do trabalho.
Paulo Bruscky
Poema Linguístico,
Impressões de língua
embebida em tinta para
carimbo sobre papel,
89 x 67 cm, 1992
ARTE Conceitual. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras.
São Paulo: Itaú Cultural, 2017. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.
org.br/termo3187/arte-conceitual>. Acesso em: 19 de Mar. 2017. Verbete da
Enciclopédia.
ARTE Naïf. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São
Paulo: Itaú Cultural, 2017. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.
br/termo5357/arte-naif>. Acesso em: 19 de Mar. 2017. Verbete da Enciclopédia.
Bibliografia
cultural e social. São Paulo: UNESP, 2009.