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Do mito da tecnologia ao paradigma tecnológico

Do mito da tecnologia ao paradigma


tecnológico; a mediação tecnológica nas
práticas didático-pedagógicas *

Maria Rita Neto Sales Oliveira


Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais

Introdução Da expressão mediação para a expressão


intermediações tecnológicas
Inicialmente, gostaria de mencionar alguns as-
pectos tomados como ponto de partida para o conteú- Inicialmente, importa registrar concepções de tec-
do a ser aqui abordado. Em primeiro lugar, tenho como nologia, educação e da própria característica de me-
preocupação não apenas retomar estudos já realizados diação, tal como aqui defendidas.
sobre o tema em diversos fóruns de discussão, tais como Em uma perspectiva técnico-científica, tecnolo-
os Grupos de Trabalho da ANPEd. Sem desconsiderar gia refere-se à forma específica da relação entre o ser
tais estudos, porquanto defendo que o conhecimento é humano e a matéria, no processo de trabalho, que en-
histórico e social, além de prático, pretendo apresen- volve o uso de meios de produção para agir sobre a
tar algumas reflexões mais recentes em torno da matéria, com base em energia, conhecimento e infor-
temática. Além disso, as opções feitas e a abordagem mação. Nesse sentido e conforme tenho defendido em
do conteúdo aqui apresentado implicam, obviamente, outros estudos (por exemplo: Oliveira, 1999, 2000), a
concepções e posições que assumo sobre a matéria e tecnologia refere-se a arranjos materiais e sociais que
têm como ponto de partida o que o tema proposto su- envolvem processos físicos e organizacionais, referi-
gere: tomar a tecnologia como foco central de nossas dos ao conhecimento científico aplicável. No entanto,
discussões. a tecnologia não é propriedade neutra ligada à eficiên-
cia produtivista, e não determina a sociedade, da mes-
ma forma que esta não escreve o curso da transforma-
ção tecnológica. Ao contrário, as tecnologias são
* Trabalho apresentado no GT Didática, durante a 24ª Reu- produtos da ação humana, historicamente construídos,
nião Anual da ANPEd, realizada em Caxambu-MG, de 7 a 11 de expressando relações sociais das quais dependem, mas
outubro de 2001 que também são influenciadas por eles. Os produtos e

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processos tecnológicos são considerados artefatos so- Do recurso tecnológico e das hipóteses da
ciais e culturais, que carregam consigo relações de tecnologia educacional revisitada, do modelo
poder, intenções e interesses diversos. de competência e do mito da tecnologia à
Quanto à educação, entende-se que ela é um tra- superação dos problemas, reducionismos e
balho concreto de produção e reprodução social da limites nelas presentes
existência humana, nas esferas material e espiritual,
pelo qual os atores da situação pedagógica relacionam- Embora, por razões óbvias, não pretenda me es-
se entre si e com o mundo natural e social. Nesse tra- tender acerca do tema da tecnologia educacional trata-
balho, defendo o compromisso com a formação huma- da, particularmente no Brasil, na década de 1970 e
na ligada à assimilação, construção e produção cultural início da década de 1980, importa retomar o fato de
e não apenas à transmissão de idéias, valores e conhe- que ela é marcada pela visão e crítica correspondente
cimentos. Nesse sentido, a educação escolar, articula- dos aparatos tecnológicos entendidos como recursos
da às bases materiais da sociedade e a outras práticas supostamente neutros a serem utilizados nas práticas
sociais com as quais se relaciona dialeticamente, é prá- didático-pedagógicas de sala de aula ou na organiza-
tica intencional transformadora. Dentro disso, a con- ção do processo de trabalho pedagógico na escola.
cepção de educação aqui assumida envolve o compro- Isso posto, da segunda metade da década de 1980
misso com a superação das relações de desigualdade, até a primeira metade da década de 1990, no período
dominação, exploração e exclusão societárias. que antecedeu a aprovação da LDB de 1996, pode-se
Finalmente, a propriedade de mediação da tecno- dizer que há refluxo da posição de defesa do uso das
logia, tal como expressa na formulação do tema, im- tecnologias como meios supostamente neutros nas prá-
plica sua situação em um conjunto de relações, de ações ticas didático-pedagógicas e também refluxo das crí-
recíprocas, no interior das práticas didático-pedagógi- ticas a respeito. Mas a questão permanece, com ênfa-
cas. No entanto, não é raro entender-se, sob a expres- se, no âmbito das propostas e discussões ligadas agora
são mediação, relações lineares, determinismos e mo- à informática na escola e vinculadas principalmente
delos conectivos entre os fenômenos aos quais se aos centros-piloto de informática na educação, cria-
referem. Nessa perspectiva, mediação tecnológica po- dos no segundo semestre de 1984 em cinco universi-
deria ser entendida como mera ponte estabelecida en- dades do país.
tre as práticas pedagógicas, entre aspectos delas, ou Os educadores e professores que lidam com a área
até mesmo entre essas práticas e outras práticas so- e as orientações das políticas públicas para ela orga-
ciais, consideradas de forma independente umas das nizam-se em torno da proposta de alternativas, não
outras. necessariamente excludentes, denominadas como: in-
Talvez essas questões pareçam superadas; entre- formática na educação (uso de recursos informáticos
tanto, não é essa superação que tenho encontrado pre- na gestão e administração escolar, na organização de
sente no discurso e na prática educacional, em dife- dados na pesquisa educacional, ou nas exposições di-
rentes tempos e espaços no país. Assim, considero dáticas); informática educacional (uso de software para
importante, inicialmente, que o nosso entendimento ensinar); e informática educativa (para caracterizar,
da questão da tecnologia nas práticas didático-peda- em geral, os programas computadorizados interativos,
gógicas seja formulado pela expressão intermedia- no ensino, fundados no construtivismo piagetiano).
ções, justificando o subtítulo: “da expressão media- Essas alternativas consolidam-se, na segunda meta-
ção para a expressão intermediações tecnológicas”, de da década de 1990, quando a questão das tecnologias
no tratamento da tecnologia nas práticas didático-pe- reaparece com uma nova força no contexto do trabalho
dagógicas. escolar, quer no âmbito da sala de aula, propriamente
dita, quer no âmbito da gestão e administração. Nessa

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condição, podem-se identificar o que denomino de hipó- Não se pode desconsiderar que as estratégias cul-
teses: da tecnologia educacional revisitada, do modelo de turais e educacionais do novo capitalismo envolvem a
competência e do mito da tecnologia. construção de novas subjetividades, na formação de
A hipótese da tecnologia educacional revisitada novos trabalhadores que não apenas demonstrem no-
refere-se ao vos requisitos de qualificação, ou novas competências,
mas que sejam viáveis segundo valores e objetivos do
[...] resgate da importância da tecnologia educacional, tal
estágio atual de acumulação do capital. Dentro disso,
como defendida pelo tecnicismo pedagógico, mas tratada,
os novos recursos e meios tecnológicos, no âmbito das
agora, de forma diferente: – a partir de discussões relativas
práticas didático-pedagógicas, estão relacionados, tam-
ao paradigma da empresa flexível e integrada; e (estreita-
bém, com processos de mobilização de subjetivida-
mente ligado a isso) – em termos da consideração das tecno-
des.
logias no trabalho escolar não apenas como método/recurso
Relacionada à anterior, a hipótese do modelo de
de ensino, (ou de gestão escolar), mas também como con-
competência identificaria a posição pela qual, com base
teúdo/objeto de ensino.(Oliveira, 1999, p. 155).
no paradigma da empresa flexível e integrada, se de-
Essa posição envolve a defesa da presença das fende a presença das tecnologias, na educação e no
novas tecnologias na escola, particularmente o ensino, a partir do relacionamento entre educação e
microcomputador, na condução e na organização dos trabalho, mediado pela questão da exigência de um
processos educativos com e para o uso da tecnologia, novo padrão de formação profissional, diante do uso
respectivamente nos casos em que: se utiliza o de novas tecnologias no setor produtivo. Nesse senti-
microcomputador como recurso didático ou as novas do, defende-se o uso de novas tecnologias de cunho
tecnologias organizacionais na administração (por exem- informacional nos processos escolares de formação de
plo: a Gerência da Qualidade Total – GQT); essas tec- novos trabalhadores, que estariam sendo requeridos pelo
nologias são inseridas como componentes do conteúdo estágio atual de desenvolvimento tecnológico, por um
curricular nas escolas, com o objetivo de preparar o aluno processo didático-pedagógico que não deveria e não
para uma nova sociedade, cheia de tecnologias. poderia ser atrasado. (Oliveira, 1999, p. 152).
A posição descrita acarreta problemas quando, Essa posição implica problemas, reducionismos,
na defesa do domínio do aparato tecnológico por parte quando assume a suposta generalização da reestrutu-
do aluno, em função do fato de o seu não domínio im- ração produtiva no país e a trata como destino e desti-
plicar um novo fator de desigualdade e exclusão tuída de conflitos; quando afirma, de forma absoluta,
societárias, não há a preocupação com o entendimento a elevação e a mudança da natureza dos requisitos de
socioistórico desse aparato. Acarreta problemas tam- qualificação do trabalhador, de quem estariam sendo
bém quando se desconhece que a transferência de mé- requeridas novas competências; e quando equaciona
todos de gestão da produção na reestruturação pós- as questões educacionais nos limites da modernização
fordista para o setor educacional e escolar está econômica e dos interesses empresariais.
comprometida com a internalização das relações de Finalmente, em estreita relação com as hipóteses
produção, enquanto componente da inserção social. mencionadas e, a rigor, quase sempre presente em suas
Dentro disso, os processos educativos e as relações formulações, encontra-se a hipótese do mito da tecno-
sociais que se estabelecem na escola não são apenas logia, ou seja, afirmar-se que o uso das novas tecnolo-
formadores mais eficientes de novas qualificações, nem gias no ensino, particularmente o microcomputador,
lidam apenas com o desenvolvimento de competências. garante melhorias na aprendizagem e no desenvolvi-
De forma mais ampla, eles envolvem a construção de mento do aluno. Essa posição é denominada de mito
nova cultura, centrada em valores e objetivos da nova da tecnologia, uma vez que implica a ilusão de se atri-
dinâmica da produção e do consumo. buir aos recursos tecnológicos um valor acima das suas

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possibilidades de influência na melhoria do processo formação; b) possui ampla penetrabilidade, ou seja, o


ensino-aprendizagem (Oliveira, 1999, p. 153). efeito das novas tecnologias é penetrável em todos os
No entanto, no interior dessa posição, lida-se, de processos da existência individual e coletiva, pois a
forma contraditória, com a natureza atribuída à tecno- informação é parte integral de toda atividade humana;
logia. Esta teria caráter quase sagrado e perene, de- c) implica convergência e interdependência tecnológi-
mandando celebração. Ao mesmo tempo, teria caráter cas, resultantes da lógica compartilhada entre diferen-
efêmero, pelo qual a tecnologia é entendida como uma tes tecnologias, na geração da informação; d) relacio-
mercadoria, para ser consumida e trocada, em um mer- na-se à lógica de redes e, ligado a isso, implica
cado competitivo e integrado. Este ponto é problemá- flexibilidade, capacidade de reconfiguração das orga-
tico, sobretudo quando se ignora também que os no- nizações, que são aspectos decisivos em uma socieda-
vos aparatos tecnológicos informacionais não são de caracterizada por constante mudança e fluidez orga-
destituídos de cultura, de linguagem, de reconceptua- nizacional. Nesse sentido, as tecnologias da informação
lizações do espaço e do tempo, e que imprimem as viabilizam mudança de regras, sem destruir uma dada
características próprias de sua lógica, por exemplo, organização, visto que a base material desta pode ser
nos conteúdos de ensino com os quais lidam. reprogramada e reaparelhada.
Em síntese, as visões apresentadas envolvem limi- Para a discussão do tema, importa lembrar ainda
tes quando não expressam, na teoria e na prática, o que esse novo paradigma tecnológico é apropriado para
entendimento da tecnologia em termos do contexto mais as relações capitalistas de produção baseadas: na
amplo do novo modo de desenvolvimento, no estágio atual globalização, no trabalho e na empresa voltados para
de acumulação capitalista. Isto tem a ver com o entendi- a flexibilidade; na política destinada ao processamen-
mento do denominado novo paradigma tecnológico. to instantâneo de novos valores e humores públicos;
em uma organização social que lida com a superação
Das hipóteses ao paradigma tecnológico do tempo e do espaço de lugares, e com a reorganização
das relações de poder e de interações entre identidades
No novo modo de desenvolvimento, a fonte de culturais, sem ameaças à estrutura social vigente.
produtividade encontra-se na tecnologia da informa- Dentro do exposto, as novas tecnologias da infor-
ção, ou seja, na geração de conhecimentos, de proces- mação, no designado capitalismo informacional, estão
samento de informação e de comunicação de símbo- integrando o mundo em redes globais de instrumenta-
los. A rigor, conhecimentos e informação são lidade, gerando as comunidades virtuais, no espaço
fundamentais em todos os modos de desenvolvimento. de fluxos. No entanto, em um mundo de fluxos globais
No entanto, no novo modo de desenvolvimento, o dife- de riqueza, poder e imagens, há a tendência da cons-
rencial é o fato de a principal fonte de produtividade trução da ação social e de políticas em torno de identi-
ser a ação de conhecimentos sobre os próprios conhe- dades primárias, enraizadas no tempo e no espaço de
cimentos. A partir daí, pode-se dizer que este é um lugares. Nesse sentido, surgem novos sujeitos e no-
modo de desenvolvimento informacional, constituído vas identidades, pelas quais os atores sociais se reco-
por um novo paradigma tecnológico. nhecem, com base em atributos culturais inter-relacio-
Com base na trilogia de Manuel Castells: A so-
ciedade em rede (2000b), O poder da identidade
(2000a) e Fim de milênio (1999),1 são características
desse novo paradigma: a) a sua matéria-prima é a in- conhecimento e entende-o em seu caráter de aplicação e não como
uma categoria em si; desconhece a crise do emprego e o caráter
excludente da economia intensiva de conhecimento; desconhece,
1
Para uma crítica ao trabalho de Castells, ver Demo (2001). também, a intenção de competitividade presente na defesa neolibe-
Segundo este autor, Castells: possui uma visão americanizada do ral da educação de qualidade.

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nados, que prevalecem sobre outras fontes de signifi- são questões de destino, devem ser submetidas a estu-
cado e experiência. Presencia-se, assim, uma oposi- do e investigação.
ção fundamental entre o instrumentalismo universal Retomando, então, o tema das tecnologias nas
abstrato e as identidades particularistas, historicamente práticas didático-pedagógicas no país, no interior do
enraizadas, ligadas, por exemplo, a raças, etnias, cren- novo paradigma informacional, importa tecer alguns
ças, nações. comentários sobre o Livro verde (Brasil, 2000). Este
Dessa forma, em um entendimento amplo do novo contém as metas e o conjunto de ações do Programa
paradigma tecnológico, junto aos processos de trans- Sociedade da Informação, ligado ao Ministério da
formação tecnológica e econômica, não se podem Ciência e Tecnologia do País, cuja execução envolve
desconsiderar as transformações culturais, propriamen- o período do ano de 2001 até 2003.
te ditas. Elas envolvem relações de gênero, raça, etnia, O objetivo do Programa é acelerar a introdução
movimentos sociais de defesa pelos direitos humanos, das tecnologias informacionais na empresa brasileira,
movimento ambientalista, entre outros, no bojo de re- para alavancar o desenvolvimento da economia, em
sistências à nova ordem global. Nos estudos sobre as sua inserção na sociedade internacional e no sistema
interdeterminações tecnológicas nas práticas didático- econômico mundial. Ao lado disso, o Programa com-
pedagógicas, importa que haja espaços para as dis- promete-se com a universalização dos benefícios da
cussões das relações entre ser e rede. sociedade da informação e o uso crescente dos meios
E, dentro disso, importa registrar pelo menos dois eletrônicos para gerar uma administração eficiente e
pontos. Primeiro, em um mundo de desigualdade e ex- transparente. Assim, sua finalidade está referida a “in-
clusão societárias, em que há poucas oportunidades, tegrar e coordenar o desenvolvimento e a utilização de
não apenas no espaço dos fluxos, mas também no es- serviços avançados de computação, comunicação e
paço dos lugares, para os não-iniciados em computa- informação e de suas aplicações na sociedade” .
dores, para os não-atualizados com as novas tecnolo- Breve análise do documento, à luz das considera-
gias informacionais, constrói-se uma lógica de exclusão ções feitas, sugere que a fundamentação do Programa
dos próprios agentes da exclusão. Assim, em oposição equilibra-se entre uma dupla posição. De um lado, ad-
à rede, reafirmam-se velhas e constroem-se novas iden- vogam-se benefícios econômicos da sociedade da in-
tidades culturais. Estas resistem a sua discriminação e formação, vista como uma realidade global; mostram-
excluem a rede, elas próprias, ou se integram a ela, se os seus riscos entendidos, apenas, no domínio das
por meio de atividades marginais aos valores assumi- relações de distribuição, consumo, ou apropriação di-
dos pelo sistema social mais amplo. De fato, a realida- ferencial da riqueza, gerada pelos novos meios tecno-
de virtual e o tempo intemporal no novo paradigma lógicos, considerados, eles mesmos, uma riqueza; e
tecnológico, em escala global, não destroem a especi- evidencia-se, enfim, uma visão tecnocrática e de
ficidade da história, da cultura e das instituições determinismo econômico. De outro, defendem-se a
territorializadas, que reagem diferentemente às novas construção de uma sociedade mais justa, fundada na
tecnologias da informação. riqueza da diversidade e identidade cultural; a efetiva
Segundo, as interdeterminações entre tecnologia, participação social como sustentáculo da democracia;
sociedade e cultura, e entre tecnologia e as práticas e a sustentabilidade de um padrão de desenvolvimen-
didático-pedagógicas não são construídas em termos to, que respeite as diferenças e busque o equilíbrio re-
de atributos materiais bons ou maus da tecnologia. gional.
Obviamente esta não é neutra, mas as propriedades Quanto ao lugar da educação no Programa, ela
das matrizes de interação entre as forças tecnológicas, aparece fundamentalmente como meio para impulsio-
construídas pelos seres humanos, e eles próprios, indi- nar a sociedade da informação no país. Com isso, en-
vidual ou coletivamente considerados, porquanto não contram-se as propostas de: a) tratamento das novas

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tecnologias como um recurso, apontando-se para a modo de desenvolvimento informacional, com a deno-
necessidade de serem superadas antigas deficiências minada sociedade do conhecimento, que não se pauta
do sistema educacional, ainda ligadas ao analfabetis- por valores de justiça e inclusão social, democratiza-
mo, e de serem criadas competências requeridas pela ção dos bens materiais e simbólicos construídos, sim,
nova economia. Nesse sentido, é valorizada a educa- pelo esforço coletivo; c) em conseqüência, não lida
ção à distância, com o uso de tecnologias da informa- com recursos tecnológicos neutros e não viabiliza o
ção, cujo uso contribuiria, ele mesmo, para a acesso ao universo de conhecimento da humanidade.
familiarização e o acesso dos educandos em relação Cabe lembrar, no mínimo, que o conhecimento não está
aos novos meios tecnológicos; b) tratamento das no- disponível para todos, porquanto envolve vantagem
vas tecnologias como um conteúdo do sistema educa- comparativa, e mais: conhecimento de ponta é objeto
cional, para prover a alfabetização digital, a aplica- de patente. As características da sociedade do conhe-
ção de tecnologias e a geração de novos conhecimentos. cimento nem sempre se relacionam à democratização
No entanto, causa perplexidade a seguinte afir- do saber. Assim, o barateamento dos recursos tecno-
mação, no Livro verde: “Há argumentos no sentido de lógicos e a sua oferta no cenário educacional cum-
que, para países em desenvolvimento, a capacidade de prem funções mais ligadas ao consumo do que à inten-
absorver novas tecnologias e de colocá-las em aplica- ção de construção da cidadania e respeito aos direitos
ção é tão ou mais importante do que a capacidade de humanos; d) envolve novos problemas ligados a ques-
gerar essas tecnologias” . Ao lado disso, a educação é tões éticas, de segurança e de propriedade intelectual.
entendida como um processo de formação para a cida- Deve-se buscar também propor a informática
dania, que exige acesso à informação e ao conheci- como objeto de estudo e não apenas como recurso de
mento e à capacidade crítica para processá-los. ensino-aprendizagem. Esse estudo deveria ser infor-
Por todo o exposto, no que diz respeito às mado por pesquisas na área que investiguem: a) a ques-
intermediações entre tecnologia e educação, o Progra- tão do próprio uso da informática na educação, a par-
ma vai ao encontro de contradições também presen- tir da experiência e práticas não desenvolvidas pela
tes, por exemplo, na atual reforma da educação profis- defesa a priori de que esse uso está relacionado à me-
sional no país, a qual busca equilibrar-se sobre a lhoria do processo ensino-aprendizagem e à aprendi-
polarização: “um projeto democrático de formação de zagem significativa; b) a cultura da informática,
cidadania calcado na igualdade e liberdade, aproxi- salientando-se as propriedades dos recursos informa-
mando-se de uma proposta de educação tecnológica cionais, não reduzidas à questão da racionalidade
para todos, e um projeto de modernização calcado na computacional e sua analogia com a racionalidade hu-
eqüidade e voltado para o mercado, que se distancia- mana. Importa pesquisar, por exemplo, características
ria dessa proposta” . (Oliveira, 2000, p.46.). da linguagem da informática, não entendida apenas em
seus aspectos lógicos, mas, sobretudo, em seus aspectos
À guisa de conclusão: algumas implicações de interação, que definem tribos diferenciadas de usuá-
rios; c) a cultura da informática e suas relações com a
A partir do exposto, deve-se buscar ultrapassar cultura escolar e outros universos culturais. Cabe per-
os problemas aqui apontados. Isso implica, necessa- guntar: em que medida o uso, por exemplo, da internet
riamente, o reconhecimento de que a presença das tec- favorece a construção de uma perspectiva intercultu-
nologias da informação e da comunicação na educa- ral na escola ou o fortalecimento de posturas
ção e, particularmente, dos recursos da internet: a) não monoculturais ou de preconceitos em relação à cultura
é em si um fator de equalização social, nem uma condi- dos diferentes, ou, ainda, em que medida o uso da
ção suficiente ou mesmo necessária para a formação internet implica uma cultura diferente, no entrecruza-
crítica e criativa do aluno; b) está “conectada” com o mento das culturas na escola?

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Deve-se ainda estudar, nos processos de educa- Campinas: Papirus, 2000); 20 anos de ENDIPE (em V. M. F.
ção à distância mediada pelo computador: a) a relação Candau. Didática, currículo e saberes escolares. Rio: DP&A,
da flexibilização do tempo para as atividades de ensi- 2000); A pesquisa em didática no Brasil (em S. G. Pimenta. (org.).

no- aprendizagem com questões de intensificação do Didática e formação de professores; percursos e perspectivas no
Brasil e em Portugal. 3ª ed. São Paulo, Cortez, 2001). Organizou,
trabalho docente; b) as novas características do papel
em colaboração com C. Ferreti e J. R. Silva Júnior, Trabalho, for-
do professor e dos processos de avaliação.
mação e currículo (São Paulo, Xamã, 1999). Pesquisa atual: “A
Deve-se, finalmente, lidar com os recursos tecno-
prática pedagógica no ensino tecnológico e a noção de competên-
lógicos da sociedade do conhecimento de forma críti-
cia. E-mail: mariarita@dppg.cefetmg.br
ca, o que envolve o entendimento de que: a) esses re-
cursos estão inscritos nas relações capitalistas de
Referências Bibliográficas
produção, num contexto de redefinição da teoria do
capital humano, que é reconceptualizado, nas novas
BRASIL, Ministério da Ciência e Tecnologia, (2000). Livro verde.
organizações, como capital intelectual; b) esses recur-
(www.socinfo.org.br).
sos articulam-se com questões atuais do desemprego
estrutural e subemprego; c) no entanto, o conhecimen- CASTELLS, M., (1999). Fim de milênio. São Paulo: Paz e Terra
to e o desenvolvimento tecnológico são forças mate- (vol. 3: A era da informação: economia, sociedade e cultura).
riais também na concretização de valores que se rela- , (2000a). O poder da identidade.2ª ed. São Paulo:
cionam com os interesses dos excluídos, contradizendo Paz e Terra (vol. 2: A era da informação: economia, sociedade e
os valores próprios da acumulação capitalista; d) em cultura).
todo o contexto discutido, a educação assume papel
, (2000b) A sociedade em rede.3ª ed. São Paulo: Paz
crucial na socialização e construção do conhecimento
e Terra (vol. 1: A era da informação: economia, sociedade e
e da cultura, podendo ultrapassar o caráter instrumen-
cultura).
tal do conhecimento, tendo em vista a formação de ci-
dadãos comprometidos com: a democracia, a igualda- DEMO, P., (2001). Educação e conhecimento; relação necessária,

de e a inclusão sociais; a tolerância e o diálogo insuficiente e controversa. 2ª ed. Petrópolis: Vozes.

intercultural. OLIVEIRA, M.R.N.S., (1999). Tecnologias interativas e educação.


Educação em Debate, Fortaleza, n. 37, p. 150-156.OLIVEI-

MARIA RITA NETO SALES OLIVEIRA é professora ad- RA, M.R.N.S., (2000). Mudanças no mundo do trabalho: acer-

junta do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais tos e desacertos na proposta curricular para o ensino médio
(CEFET-MG) e professora titular aposentada da Faculdade de Edu- (Resolução CNE 03/98). Diferenças entre formação técnica e
cação da Universidade Federal de Minas Gerais. Publicou: A re- formação tecnológica. Educação & Sociedade, Campinas, n.70,
construção da didática; elementos teórico-metodológicos. (3ª ed. p. 40-62, abril.

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Resumos/Abstracts

mais ligados aos movimentos sociais, sores da ANPEd, no período1992- Aborda três hipóteses sobre a matéria:
que recorrem dominantemente à teoria 1998. As pesquisas foram organizadas tecnologia educacional revisitada, mo-
social e à antropologia e os autores segundo cinco descritores: formação delo da competência e mito da tecno-
mais ligados a questões pedagógicas, inicial de professores, formação conti- logia, evidenciando seus problemas,
que tendem a se apoiar na teorização nuada, práticas pedagógicas, profissio- reducionismos e limites. Em seqüên-
de currículo, na teoria crítica, nos es- nalização docente e revisão da litera- cia, discute as características do novo
tudos culturais e no pensamento pós- tura sobre formação de professores. O paradigma tecnológico, e alguns as-
moderno e pós-estrutural. estudo procura oferecer uma visão pectos do Livro verde do Ministério da
Recent scientific production on compreensiva sobre as questões, os re- Ciência e Tecnologia do país. Como
curriculum and multiculturalism in ferenciais teóricos e os avanços do co- conclusão, levanta algumas implica-
Brazil (1995-2000): advances, nhecimento na área, explorando rela- ções da necessária superação dos pro-
challenges and tensions ções, explicitando divergências e blemas apontados, para o entendimen-
This article presents an analysis of delineando tendências de pesquisa. O to e tratamento crítico das tecnologias
recent Brazilian scientific production conjunto dos trabalhos traz contribui- nas práticas didático-pedagógicas.
on curriculum and multiculturalism. It ções para fundamentar e subsidiar pro- From the myth of technology to the
examines articles published between postas e políticas de formação e de de- technological paradigm:
1995 and 2000 in the following senvolvimento profissional docente. technological mediation in
journals: Cadernos de Pesquisa, Re- pedagogical practices
vista Brasileira de Educação, Educa- Papers presented in the Working The main objective of the text is to
ção & Realidade, Educação & Socie- Group on Teacher Formation – present a critical perspective on
dade e Educação em Revista. It also what the research in the period technology in education and teaching.
focuses on papers presented at the 1992-1998 reveals Three hypotheses are discussed:
Annual Meetings of ANPEd during the This texts sets out to analyse seventy educational technology revisited, the
same period. The study aims at papers presented in the ANPEd competence model and the myth of
identifying the main themes and Working Group on Teacher Formation technology. The text also discusses the
arguments, the most significant during the period 1992-1998. The characteristics of the new
theoretical influences, the research was organised employing five technological paradigm and some
methodological procedures employed, categories: initial teacher formation, aspects of The green book published
the contributions and the gaps. The continued formation, pedagogical by the brazilian Ministry of Science
tensions and challenges observed in practices, teacher professionalisation and Technology. In conclusion, the
the articles are also discussed. The and literature review on teacher article points to some of the
paper insists on the importance of a formation. The study seeks to offer a implications linked to a critical
dialogue between those authors more comprehensive vision with regard to understanding and treatment of
closely associated with social theoretical frameworks and recent technology in teaching and
movements who are chiefly influenced advances in the area, exploring educational practice.
by social theory and anthropology and relations, expressing divergences and
those authors more closely associated outlining research tendencies. The set Bernardete Angelina Gatti
with curriculum and pedagogy who of papers offers contributions to
Reflexão sobre os desafios da pós-
are influenced by critical theory, cul- substantiate proposals and policies
graduação: novas perspectivas
tural studies, post-modernism and for teacher formation and professional
sociais, conhecimento e poder
post-structuralism. development.
O artigo salienta as diferenças entre o
momento histórico em que os progra-
Iria Brzezinski e Elsa Garrido Maria Rita Neto Sales Oliveira mas de mestrado e doutorado foram
Análise dos trabalhos do GT Do mito da tecnologia ao paradigma criados e o momento atual. Discute-se
Formação de Professores: o que tecnológico; a mediação tecnológica o papel social desses cursos na dicoto-
revelam as pesquisas do período nas práticas didático-pedagógicas mia conhecimento x poder e o dilema
1992-1998 O objetivo principal do texto é apre- a ser enfrentado por mestrados e dou-
O texto analisa setenta trabalhos apre- sentar uma visão crítica da tecnologia torados que vêm sendo instados, pela
sentados no GT Formação de Profes- no âmbito da educação e do ensino. sociedade, a abrir-se a novas modali-

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