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Evidências de
Esgotamento Espiritual
CAPÍTULO 2
O Caldo Mortífero do
Legalismo
Q
uando o profeta Eliseu foi visitar alguns estudantes das
Escrituras em Gilgal, havia fome na terra de Israel.
Chegou a hora do jantar e, enquanto a panela fervia, um
dos estudantes saiu à procura de alguns vegetais a fim de
preparar um caldo. Visto não haver por ali fazendas onde
pudesse comprar provisões, o estudante pesquisou os pastos
silvestres ao redor da comunidade.
Ele encontrou o que acreditava ser pepinos. Na verdade,
deveriam ser o que se denomina “colocíntidas”, que parecem
pepinos comestíveis, porém são venenosos.
O estudante regressou e, satisfeito por haver encontrado tão
depressa bastante alimento para todos, começou imediatamente
a preparar o caldo. Todos viram à mesa a sopeira cheia de
rodelas do que lhes pareceu ser pepino.
Enquanto Eliseu ensinava, a sopa borbulhava; nenhum aroma
indicava que o caldo fosse venenoso. E claro que ninguém estava
procurando indício indicativo de que algo estava errado. Por que
haveriam de ficar procurando? Um dos companheiros colhera os
vegetais e havia preparado a refeição; ele mesmo, o cozinheiro-
mor, estava disposto a saboreá-la!
Só quando a comida já estava em suas bocas é que alguém
descobriu o gosto de veneno, o sabor da morte. E essa pessoa
gritou:
— Há morte na panela!
A reação de Eliseu foi tomar um pouco de farinha e atirá-la
no caldo. Miraculosamente, a sopa tomou-se comestível, deixou
de ser venenosa.
Estamos vivendo em dias de fome espiritual; e o alimento não
se encontra prontamente disponível onde esperaríamos que
estivesse. Os famintos espirituais têm de sair e providenciar
provisões, quaisquer mantimentos, onde quer que os encontrem.
Na maioria dos casos, tais pessoas saem sem ter qualquer
conhecimento das Escrituras, mas apenas com o desejo ardente
de conhecer a Deus. Se espantam quando vêem quanta coisa
está crescendo nos terrenos baldios, a saber, nas livrarias
evangélicas, e que uma quantidade quase infinita de “pepinos”
viceja nas encostas montanhosas dos programas de rádio e
televisão.
A verdadeira colheita parece estar nas fitas gravadas —
plantas que parecem crescer por toda a parte! E sempre há um
pregador especial no culto carismático de uma igreja local.
Nessa procura, há pouca ou nenhuma análise das coisas que
são ditas, ou da maneira como as Escrituras estão sendo inter-
pretadas. Se o pregador, ou escritor, menciona o nome de Jesus
ou usa a Bíblia como base daquilo que está dizendo, sua men-
sagem é aceita.
E ninguém observa que muitas vezes um pregador contradiz
o outro! Como acontece nas épocas de fome, come-se qualquer
coisa que parece alimento para o espírito. Se o pastor é nascido
de novo, e cheio do Espírito, qualquer coisa que ele disser do
púlpito deve necessariamente ser verdadeiro. Se o livro está à
venda numa livraria evangélica, só pode ser de Deus!
Muitos pastores acham muito difícil estudar a Bíblia. Em
conseqüência, enfrentam dificuldade imensa no preparo de um
sermão dominical que contenha alimento espiritual. Estão
constantemente procurando, apanhando qualquer coisa com que
alimentar suas ovelhas. Chega o domingo — lá vêm eles com
seus sermões. Será que não estão carregando nos braços montes
e montes de colocíntidas?
Porém, os circunstantes não notarão que aquilo que está
sendo dito vai envenenar os ouvintes. Por que deveriam notar?
Confiam em seu pastor e muito corretamente presumem que ele
vai aplicar a si mesmo aquilo que está ensinando.
Certa ocasião eu pregava numa cidade do Connecticut, e
perguntei ao atendente do posto de gasolina qual seria o melhor
restaurante da cidade. Estávamos famintos, e desejávamos
comer alguma coisa antes do culto. Foi-nos recomendado o “Joe‟s
Kitchen".
Em condições normais, eu não comeria ali de modo nenhum.
Mas estávamos famintos e dispúnhamos de pouco tempo.
Durante toda a noite fiquei rolando na cama em agonia, com
dores estomacais. De manhã, estava fraco demais para sair da
cama.
Voltei àquela cidade muitas vezes, mas preferiria ficar com
fome do que cruzar de novo as portas do “Joe‟s Kitchen!” Entendi
que a comida que me foi servida era responsável pela minha
doença e fraqueza total.
Quando as pessoas estão exaustas e espiritualmente doentes,
é preciso que primeiramente lhes pesquisemos a dieta espiritual.
Em geral a morte principia no prato onde comem, no alimento
que usualmente é preparado por um pastor ou evangelista
sincero que come, ele próprio, dessa comida envenenada. No fim
estarão todos queimados espiritualmente, juntos.—
Os problemas da igreja, hoje, não são primordialmente falta
de oração, de estudo bíblico, de fé ou de dedicação. O problema é
mais profundo do que estas coisas. Alguma coisa nos tomou tão
fracos que não queremos orar nem ler a Bíblia.. . eliminou- se de
nós todo o entusiasmo pelas coisas de Deus.
Que é que está fazendo com que o exercício da fé se transfor-
me numa verdadeira batalha, quando sabemos que, na verdade,
ali está o portal do descanso eterno em Deus? Por que é que
nosso culto entusiástico veio a tomar-se tão frio a tal ponto que
ficamos cansados de cultuar? Por que é que tantos crentes
acabaram cansando-se de estudar a Bíblia? Por que é que nossas
grandes palavras de vitória falham quando mais precisamos
delas?
Os crentes estão queimando-se e caindo de exaustão porque
- o alimento espiritual que estão ingerindo é venenoso. Há morte
na panela!
Um fato incontestável é que as Boas Novas de Jesus Cristo
não exaurem nem podem exaurir a pessoa que nele crê. O
evangelho é chamado de. .. a mensagem completa desta nova
vida (Atos 5:20), palavras da vida eterna (João 6:68), que nos
asseguram que já passamos da morte para a vida (1 João 3:14).
O evangelho nos traz ... a paz de Deus, que excede todo o
entendimento (humano)... (Filipenses 4:7)... gozo inefável. .. (1
Pedro 1:8), e dá-nos... o amor de Deus... derramado em nossos
corações pelo Espírito Santo (Romanos 5:5). Estas certamente
não são expressões que descrevem o estado da pessoa que se
queimou espiritualmente, que se tornou cínica, prostrada e
exausta.
O crente é tentado e às vezes cai. Experimenta épocas de
escuridão que só podem ser comparadas ao vale da sombra da
morte. Há ocasiões em que se vê perto do desespero e pode,
realmente, sentir que está desistindo de lutar. Mas não desiste!
E assim que Paulo descreve sua vida de crente: como
morrendo, porém vivemos; como castigados, porém não mortos;
como entristecidos, porém sempre alegres (2 Coríntios 6:9,10).
Ele não se sente “morto” por causa da revelação de Deus que
recebeu em Cristo, contida no evangelho.
Enquanto a pessoa estiver vivendo segundo as verdades que
nos foram trazidas por Cristo, não pode queimar-se espiritual-
mente! Aquele que cai exausto, só cai porque acreditou numa
distorção das Boas Novas (que não é, portanto, evangelho!), ou
porque se esqueceu do cerne do evangelho em que creu, numa
ocasião, e se deixou extraviar.
Se é esse o caso, podemos afirmar que a melhor coisa que tal
pessoa pode fazer é tombar exausta à beira da estrada da vida.
Se aquilo em que ela está crendo não é o evangelho da verdade,
quanto mais cedo determinar que suas crenças são incapazes de
fornecer-lhe vida espiritual e saúde, melhor será.
Quando estudamos o ministério de Jesus, é significativo ver
que ele não apenas ensinou a verdade, mas também atacou o
erro... e fê-lo em todas as oportunidades.
Ele veio para livrar o povo das falsidades em que criam,
porque estas estavam matando as pessoas.
Jesus anunciou bem cedo com que propósito tinha vindo:
t “O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo qual \
Mj me ungiu para evangelizar aos pobres. Enviou-
' me para apregoar a liberdade aos cativos, dar
vista aos cegos, pôr em liberdade os oprimidos, j e
anunciar o ano aceitável do Senhor”.
(Lucas 4:18,19)
Os ensinamentos, os milagres e a morte, ressurreição e
ascensão de Cristo quebraram o poder de tudo que mantinha a
humanidade em cativeiro.
Costuma-se esquecer que, ao fazer aquelas declarações, Jesus
estava dispondo-se a livrar o povo de certo sistema de crença.
Seria correto afirmar que, durante todo o seu ministério terreno,
ele esteve engajado numa guerra sem tréguas contra
o sistema de crenças mantido pela seita religiosa chamada
farisaísmo.
É importante ressaltar que Jesus nunca investiu contra as
prostitutas, contra os ladrões, os bêbados e os cobradores de
impostos (a forma mais aproximada que Israel conheceu de
crime organizado). Na verdade, ele transformou aquelas pessoas
em seus amigos. Todavia, seu ministério integral foi uma
cruzada contra os ensinos dos fariseus.
Que tipo de sistema doutrinário era esse que atraía sobre si as
palavras mais fortes e severas de Jesus? O fato é que os fariseus
orientavam as pessoas a buscarem a aceitação da parte de Deus
através de seus méritos pessoais, mencionando diante dele as
boas obras que cada um tivesse praticado; era a mensagem da
busca da benevolência divina mediante o desempenho pessoal.
Ora, coincidentemente, esta é a mensagem que se encontra no
cerne de todas as religiões, e é também o que deixa as pessoas
exaustas, em seus esforços no sentido de desempenhar seu papel
de modo aceitável perante Deus.
Webster define a palavra religião da seguinte forma: “piedade,
consciência aguda, escrúpulos; vem de religare, emendar; re e
ligare, unir de novo; estado mental ou maneira de vida em que se
expressa amor a Deus e confiança nele, e a vontade da pessoa e
seus esforços no sentido de agir de acordo com a vontade de
Deus... ^
A religião leva a pessoa a unir-se fortemente a um voto de
guardar as regras que governam a conduta, os ritos e fórmulas
pelos quais pode aproximar-se de Deus. Isto exige o constante
exercício de sua vontade, e a completa obediência aos preceitos. A
finalidade principal de tudo isto é Deus ser agradado e a
pessoa ser aceita por ele.
A religião começou no jardim do Éden, quando o homem caiu.
A primeira reação do homem em sua condição decaída foi fugir
da presença de Deus e esconder-se atrás de algumas árvores.
Desde esse dia o homem sem Cristo sente medo de Deus. E
expressa esse medo mediante o ateísmo, que é a esperança de
que Deus não está mais lá, ou nunca esteve; e o materialismo,
através do qual o homem se esconde nas coisas materiais desta
vida, na esperança de que Deus vá embora ou jamais se inte-
resse por ele!
Religião é a expressão última daquele mesmo medo. Ela
apresenta Deus como estando zangado com a humanidade, e
procura meios de apaziguá-lo e ganhar sua atenção. Todas as
religiões do mundo são o resultado das especulações do homem
decaído, cuja mente pecaminosa procura o significado da vida,
suas origens e objetivos, o caráter da divindade e que é que se
deve fazer para tomar-se aceitável perante Deus.
Todas as religiões do mundo, em suas bases, são iguais:
enxergam um Deus distante, nem um pouco amigo, e severo
distribuidor de leis pelas quais se pode aproximar dele. Tais leis
são confiadas à elite dos religiosos, usualmente sob a forma de
livro, e essa elite interpreta as leis para os adoradores. Todas as
religiões, onde quer que as encontremos, resumem-se no homem
estirando o braço, erguendo-o para encontrar um meio de
agradar a Deus, de quem sente tanto medo.
Os gregos definiam o amor humano com a palavra Eros que,
em português, expressa a idéia: “desejo para mim mesmo o mais
elevado, o melhor e o mais belo.”
Eros é o útero onde se concebem todas as tentativas do
homem para alcançar Deus. Todas as regras e rituais que,
conforme acredita o homem, agradam a Deus, iniciam-se em
Eros. Nele estão também o alicerce da crença humana concer-
nente à natureza de Deus.
Eros é a emoção mais elevada e mais bela do homem, que
almeja apenas o melhor, que o conduz sempre para cima e para
longe dos padrões mais baixos, na direção dos mais sublimes. E
muito natural, pois, que a mente do homem decaído defina Deus
afirmando que “ele é Eros em última instância”.
Basta, pois, apenas um passo mais para afirmar-se que Deus
quer as pessoas mais belas, o melhor da humanidade, as pessoas
que alcançaram e conseguiram o mais elevado plano possível de
vida a que um ser humano possa atingir.
Religião é escada que garante a aceitação da parte de Deus,
da pessoa que galgou o degrau máximo. A religião reivindica ser
a revelação do caminho montanha acima, até as estonteantes
alturas da perfeição e da familiaridade com a divindade perfeita.
Embutido nas entranhas desse sistema teológico está o
orgulho. Quem se dispõe a galgar a escada acredita que tem o
único sistema de regras que finalmente agrada a Deus e, por
isso, considera os outros como tendo menos valor do que o dele
próprio. Acha, além disso, que é seu dever destruir todos quantos
não acatam tais leis e não desejam recebê-las de suas mãos.
Eros constitui a base de todas as guerras religiosas, quer se
tenham travado em campos de batalha, quer nos anfiteatros da
teologia. Eros sempre traça círculos ao seu redor, excluindo todos
quantos não se obrigaram a guardar e observar as leis reveladas.
A conduta religiosa dos fariseus era a pior de todas, devido a
sua sutileza. Em suas origens, o movimento farisaico edifica vase
sobre a Palavra de Deus, de modo que, considerando-se seus
objetivos, toma-se difícil incriminar o sistema farisaico.
Fariseu era a pessoa que se havia dedicado a observar
minuciosamente a lei de Moisés, chamada Torah (os primeiros
cinco livros da Bíblia) na língua hebraica. O juramento dedica-
tório era denominado “tomar o jugo da Torah". A partir desse
dia, consideravam-se separados para Deus, sua lei e para uns
com os outros. Formavam círculo bem fechado, dentro do qual só
eram bem-vindos os devotos, círculo que os separava do mundo
de pecadores lá fora.
Na realidade, as exigências da lei eram simples: amor a Deus
e ao próximo. Mas a religião sente-se perturbada pela simpli-
cidade. Em vez de perguntar como é que a lei de Deus deveria
ser observada, eles perguntavam: “Como é que vamos deixar de
quebrá-la?” A partir desta pergunta, todas as formas de debates
e questionamentos foram surgindo, finalizando nas
determinações legalísticas dos fariseus que objetivavam evitar
que a pessoa sequer se aproximasse do ponto em que poderia
quebrar a lei de Deus.
Estas leis feitas pelo homem eram denominadas “leis da
cerca”, a saber, leis que circundavam a lei de Deus, tentando
evitar que o devoto corresse o risco de quebrá-la. Nunca
perceberam que se apegassem ao amor, teriam guardado toda a
lei, e mais ainda. Em vez disso, enterraram-se num pantanal de
preceitos sem fim e sem sentido.
As “leis da cerca” procuravam circundar todas as áreas da
vida. Havia leis sobre como a pessoa devia vestir-se, sobre o que
podia comer ou beber, os lugares aonde podia ir ou não, o que
podia fazer, as pessoas com quem se podia relacionar e, mais
importante do que tudo, o que não podia fazer no sábado, e
outras centenas de pequenos rituais que precisavam ser
observados quando a pessoa ia comer, orar ou jejuar.
Até mesmo o israelita secular era constantemente lembrado
pelos fariseus quanto aos preceitos da lei, e sentia freqüentes
beliscões de consciência culpada por não estar vivendo à altura
dos padrões de santidade que os intérpretes legais haviam
declarado ser a verdade final.
O mal do sistema não estava naquilo que a lei proibia, ou
ordenava (embora a maior parte do sistema fosse exercício tolo
de futilidade), mas na raiz de Eros. A guarda das regras pelos
fariseus seria aceitável por Deus; o nível de sua obediência à lei
seria indicação de onde ficavam na escada que galgavam com
tanto esforço, na direção de Deus. Entretanto, não obstante a
retidão dos objetivos, Deus não pode ser alcançado mediante a
observância de mandamentos e pelo desempenho de rituais.
Foi contra esta forma de religião que Jesus proferiu suas
palavras mais duras. Quando viu o que esse sistema doutrinário
estava fazendo às pessoas, ele se moveu de compaixão:
“Vendo ele as multidões, tinha grande compaixão
delas, porque andavam cansadas e abatidas, como
ovelhas que não têm pastor”.
(Mateus 9:36)
A essas ovelhas, cansadas e exaustas devido aos constantes
jugos pesados colocados sobre elas pela religião, disse Jesus:
“Vinde a mim todos os que estais cansados e
sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o
meu jugo, e aprendei de mim, porque sou manso e
humilde de coração, e encontrareis DESCANSO PARA
AS VOSSAS ALMAS. Porque o meu jugo é suave e o meu
fardo é leve”.
(Mateus 11:28-30)
A palavra “cansado” significa: “exausto, ter trabalhado até que
não resta força alguma”. Hoje, no contexto em que Jesus estava
falando, poderíamos traduzir o texto assim: “queimados
espiritualmente, esgotados de toda força espiritual, exaustos na
tentativa de agradar a Deus”. Aquelas pessoas estavam
sobrecarregadas, esmagadas pelo peso de todas as leis e preceitos
que a religião jogara em cima delas.
Jesus convidou as pessoas a virem a ele e, ao agir assim,
atirou a luva desafiadora no rosto da religião. Ele usou esta
expressão: Tomai sobre vós o meu jugo... (v. 29), frase que
descrevia o juramento de fidelidade à religião com todos os seus
preceitos.
Jesus estava afirmando que ele próprio é a nova Tora, a nova
Lei, não uma lista de mandamentos, mas uma Pessoa viva; e diz
mais: que a aceitação do jugo de Cristo propicia descanso. A
versão chamada Bíblia Ampliada diz o seguinte: ... e en-
contrareis descanso — alívio, consolo, refrigério, recreação e
abençoado sossego — para as vossas almas.
A religião trouxe a queima espiritual. Jesus prometeu que vir
a ele resultaria em recreação, com um período de férias.. . vida
em que a pessoa estaria gozando de contínuo refrigério e
renovação em seu relacionamento com ele.
Queimar-se espiritualmente é alternativa que só pode ocorrer
quando há má compreensão fundamental do cerne do evangelho,
ou quando a pessoa falha em aplicá-lo em sua vida e ministério.
Um crente espiritualmente exausto está exibindo sintomas de
um problema muito mais grave.
(1) Noah Webster, Webster’* New 20th Century Dictionary of the English Language (Dicionário do Século Vinte da
Lingua Inglesa, de Webster) segunda edição rev. (Nova York:: Simon and Schuater, 1983).
CAPÍTULO 3
Escravos ou Filhos?
Falsos Pastores
M
ilhares de crentes queimados espiritualmente, cheios de
confusão, deixaram a igreja porque um pastor sincero os
alimentou, servindo-lhes da panela farisai- ca do legalismo.
Jesus usou com freqüência a imagem do pastor e das ovelhas a
fim de descrever a razão porque veio à terra. Tal imagem não é
originalmente de Cristo. Na verdade, é um quadro que Deus com
freqüência usava para descrever seu relacionamento com o povo
da aliança. Jacó foi o primeiro a falar de Deus nesses termos
(Gênesis 48:15; 49:24), e Davi imortalizou esse quadro no Salmo
23.
Nos dias bíblicos o pastor significava muito mais do que hoje.
Ele se entregava a seu rebanho; era totalmente responsável pela
proteção e sustento das ovelhas. Sempre que o termo pastor era
usado simbolicamente, descrevia líderes; tanto podia referir-se ao
rei quanto aos líderes espirituais da nação. Todos esses eram
vistos como responsáveis pelo cuidado, alimentação e orientação
das pessoas em suas áreas específicas.
Entretanto, a imagem do pastor desenvolveu-se na realidade
entre os profetas. Muitos deles sentiram o pesado fardo de
enfatizar que o povo da aliança de Deus havia sido desviado por
falsos pastores.
Que é que os pastores ensinaram ao povo que causou sua
dispersão, e os deixou a mercê de todos os inimigos que procu-
ravam sua morte? O profeta Zacarias referiu-se a isso:
“♦. • por isso [òs homens] vagueiam como ove-
lhas, estão aflitos, pois não há pastor”
(Zacarias 10:2)
“ . . . um pastor... não visitará as que estão perecendo, não
buscará a desgarrada, e não sarará a doente, nem
apascentará a sã, mas comerá a carne da gorda...”
(Zacarias 11:15)
Ezequiel falou disso mais claramente que qualquer outro profeta:
“A fraca não fortalecestes, a doente não curas- tes, a
quebrada não ligastes, a desgarrada não tornastes a trazer
e a perdida não buscastes, mas dominais sobre elas com
rigor e dureza. Assim se espalharam, por não haver pastor,
e ficaram para pasto de todos os animais do campo, porque
se espalharam. As minhas ovelhas andam desgarradas por
todos os montes, e por todo alto outeiro; sim, as minhas
ovelhas andam espalhadas por toda a face da terra, sem
haver quem as procure, nem quem as busque. Portanto, ó
pastores, ouvi a palavra do Senhor: Tão certo como eu
vivo, diz o Senhor Deus, visto que as minhas ovelhas foram
entregues à rapina, e as minhas ovelhas vieram a servir de
pasto a todos os animais do campo, por falta de pastor, e os
meus pastores não procuram as minhas ovelhas, pois se
apascentam a si mesmos, e não apascentam as minhas
ovelhas...”.
(Ezequiel 34:4-8)
Quando Deus viu seu rebanho hostilizado e perseguido pelos pastores,
cuja principal missão é garantir a saúde das ovelhas, dando-lhes proteção
e orientação, disse o Senhor que ele próprio viria e pastorearia seu
rebanho:
“Pois assim diz o Senhor Deus: Eu, eu mesmo procurarei
as minhas ovelhas, e as buscarei. Como o pastor busca o
seu rebanho, no dia em que está no meio das suas ovelhas
dispersas,
assim buscarei as minhas ovelhas. Livrá-las-ei de todos os
lugares para onde foram espalhadas no dia de nuvens e
escuridão... Em bons pastos as apascentarei, e nos altos
montes de Israel será a sua malhada, e pastarão em
pastos gordos nos montes de Israel. Eu apascentarei as
minhas ovelhas, e eu as farei repousar, diz o Senhor Deus.
A perdida buscarei, a desgarrada tornarei a trazer, a
quebrada ligarei e a enferma fortalecerei...”.
(Ezequiel 34:11-16)
Como pastor divino da aliança, Jesus falou que tinha vindo com o
propósito de ajuntar seu rebanho, curá-lo e dar-lhe repouso e
segurança. Usou a linguagem de Ezequiel a fim de descrever sua
missão. Pois o Filho do homem veio buscar e salvar o que se havia
perdido (Lucas 19:10).
Jesus viu o povo como as ovelhas feridas de que os profetas
haviam falado: ... teve compaixão deles, porque eram como ovelhas
que não têm pastor... (Marcos 6:34). Vendo ele as multidões,
compadeceu-se delas, porque estavam aflitas e exaustas como
ovelhas que não têm pastor (Mateus 9:36).
Duas palavras neste texto descrevem as condições das ovelhas. A
palavra traduzida por “aflitas” é usada na língua grega para
descrever pessoas que foram atacadas e roubadas, perdendo seus
bens. Elas jazem agora amedrontadas, confusas, fracas demais para
caminhar e sair da margem da estrada aonde foram atiradas e
abandonadas. “Exaustas” — a segunda palavra — também tem sido
usada para descrever pessoas que caíram e não têm condições de
erguer-se.
Se alguém olhasse para a multidão, veria um grupo de
camponeses decentes, respeitáveis, da Galiléia, que iam ao culto
todos os sábados, e enviavam seus filhos à escola em que o principal
livro-texto eram os cinco primeiros livros da Bíblia. A maior parte
das famílias lia e memorizava grandes porções das Escrituras, e
ordenava suas vidas numa tentativa de obedecer aos preceitos
escriturísticos.
Jesus as via com os olhos de Pastor da aliança. Ele descreveu
essas pessoas respeitáveis como ovelhas perdidas, aflitas, de quem
tinham roubado a verdade, ovelhas perseguidas, dispostas a
desistir. Seus líderes espirituais distorceram a verdade da Palavra
de Deus a tal ponto, que esta se lhes tornara fonte de morte e
exaustão espiritual.
Quando afirmamos que Jesus busca os perdidos, nós o visua-
lizamos à procura de todos os pecadores, quem quer que sejam, e
onde quer que estejam, e sejam quais forem as razões por que se
perderam. Isto é verdade.
Entretanto, o fato é que Jesus estava afirmando que tinha vindo
para buscar os que viviam confusos e magoados pelas palavras
daqueles que se diziam seus pastores. Os perdidos eram os que se
sentavam todos os sábados na sinagoga, no esforço de tomarem-se
bonzinhos a ponto de Deus os amar. Os perdidos eram também as
pessoas que, embora quisessem aproximar-se de Deus, eram
afastados pelos líderes espirituais.
Os fariseus eram os maiores gritalhões ao denunciar os
cobradores de impostos, as prostitutas, os ladrões e outros
pecadores das vielas escuras de Jerusalém. Proclamavam, do
púlpito, que Deus se deleitava em condenar esses pecadores ao
inferno, por causa de seu mau comportamento. Eles se escan-
dalizaram ao ver que Jesus fez dessas pessoas, desses “pecadores”
— seus amigos e discípulos.
Hoje, Jesus ainda está à procura das pessoas que se perderam
porque apanharam até à exaustão. Elas foram ofendidas pelas
palavras dos líderes religiosos que falam em nome de Deus.
Muitas pessoas nos Estados Unidos já estiveram numa escola
dominical de alguma igreja, e muitos têm freqüentado escolas
seculares pertencentes à igreja. No entanto, tais pessoas fugiram
daquilo que ouviram! Por quê? Será que são pessoas que odeiam
Deus? Não!
Fugiram porque algum pastor, falando como representante de
Deus, apresentou-lhes um evangelho corrompido pelo fermento dos
fariseus. Esse pastor exigiu que mudassem seu comportamento a
fim de conformar-se a um tipo de vida que — segundo promessa
dele — lhes traria o favor de Deus.
Há quinze anos fui o palestrante num acampamento na região
noroeste dos Estados Unidos. O acampamento fora patrocinado por
um grupo de igrejas evangélicas que acreditavam que os crentes
precisavam passar pela experiência de encher-se do Espírito Santo.
Todos os adolescentes provinham de famílias evangélicas. Seus pais
eram membros de igreja; muitos eram diáconos, presbíteros e
líderes de grupos corais. Alguns pertenciam a famílias de pastores.
Os pastores responsáveis pelo acampamento reuniram-se comigo
antes do início das palestras, e disseram-me que as igrejas
patrocinadoras estavam preocupadas com o estado espiritual de
seus adolescentes. Observava-se que, quando as crianças chegavam
à adolescência, ficavam desinteressadas quanto às coisas de Deus;
alguns tinham-se até rebelado contra seus pais e contra a igreja.
As primeiras reuniões foram difíceis. Cerca de 150 adolescentes
sentavam-se, ou melhor diríamos, esparramavam-se pelas cadeiras.
Os olhos de alguns pareciam vidrados; outros mascavam chiclete e
faziam grandes bolas cor-de-rosa; outros, ainda, bocejavam
interminavelmente.
Na terceira noite, sentei-me à borda do estrado e pedi aos
adolescentes que me ajudassem a compreender em que é que eles
criam. Houve uma fagulha de interesse que, eu sei, nasceu do fato
de eles acharem que naquela noite não haveria sermão!
Assegurando-lhes que eu não os criticaria, encorajei-os a
responder às minhas perguntas. Comecei com: “O que é um
cristão?”
Após breve silêncio, uma garota de cerca de quatorze anos ergueu
a mão e disse:
— E uma pessoa que aceitou Jesus como Salvador.
Acenei afirmativamente e perguntei-lhe:
— E como é que se consegue fazer isso?
Outra mão ergueu-se:
— A pessoa levanta a mão numa reunião, vai lá na frente e ora.
— Por que a pessoa tem de fazer isso? — perguntei. — Com que
finalidade a pessoa ora quando vem à frente?
Mais mãos ergueram-se, e eu escolhi um rosto sardento a duas
fileiras de mim.
— A pessoa promete a Deus que vai ser melhor. .. que vai
abandonar o pecado — afiançou-me. Outro adolescente gritou:
— A pessoa pede a Deus que a ajude a ser boa!
— Muito bem, disse eu — o que acontece quando a pessoa se
torna crente?
Um zunzum de murmúrios e de risadinhas abafadas espalhou-
se pela multidão. Finalmente, uma mocinha levantou a mão.
— Fica pior para as meninas! — disse ela, com hesitação,
corando e rindo.
Surpreendi-me com essa resposta e encorajei-a a explicar o que
ela queria dizer.
— Bem... as meninas crentes não podem usar mini-saias nem
maquiagem... — e mais uma vez corou e ficou quieta.
Outras meninas concordaram e acrescentaram, ruidosamente:
— Não podemos cortar o cabelo nem usar brincos.
Convencidos agora de que não haveria mesmo nenhum
sermão, os adolescentes pareciam despertos. Os meninos come-
çaram a colaborar, sugerindo suas listas de coisas que os crentes
não podem fazer. No topo das proibições vinha o cigarro, seguido de
cerveja e vinho, falar palavrões, ouvir música de rock e ler
“Playboy”.
Enquanto as respostas vinham, dei uma olhada nos pastores.
Fiquei estupefato ao ver que, sorrindo e concordando com a cabeça,
estavam aprovando o que os adolescentes diziam.
Salientei que eles me haviam indicado apenas o que os
adolescentes crentes não podem fazer e perguntei:
— Como é que os crentes passam o tempo?
Houve longo silêncio; depois, uma voz vinda do meio da
multidão berrou:
— Eles não fazem muita coisa! A observação foi recebida com
gargalhadas. Outra pessoa berrou também:
— Vão jogar pingue-pongue aos sábados, e os pais ficam
olhando para eles!
Esta observação foi recebida com apupos e mais gargalhadas.
Houve longo silêncio, depois do qual as respostas começaram a
pingar com menos entusiasmo. Ir à igreja o dia inteiro no domingo
e nas noites de quarta-feira era uma obrigação absoluta — todos
concordaram. Outros sugeriram meia hora de leitura da Bíblia e de
oração todas as manhãs.
Tomou-se aparente que os cristãos verdadeiramente dedicados
eram os que testemunhavam às pessoas nas galerias dos “Shopping
Centers" aos sábados, deixavam folhetos para os garções nos
restaurantes (às vezes, no lugar de gorjetas) e íam de casa em casa,
convidando as pessoas para irem à igreja.
— O que é que dá a motivação a esses crentes para fazerem
todas essas coisas? — perguntei.
Outra vez houve silêncio. A menina séria sentada na fileira da
frente disse:
—A pessoa precisa esforçar-se bastante, orar muito, dedicar a
vida a Jesus o tempo todo, e ouvir programas evangélicos de rádio.
— Será que existe alguém que vive assim? — perguntei.
Olharam uns para os outros e houve alguma inquietação.
— Muitos voltam atrás um bocado — disse um rapaz sentado ao
lado da moça solene.
Então perguntei:
— O que é que esse crente deve fazer, nesse caso?
Um adolescente respondeu:
— A pessoa vai lá na frente, rededica a vida e tenta de novo!
Aguardei num silêncio quase amistoso e em seguida ponderei:
— Vocês acham que ser crente é a coisa mais fantástica da vida
aqui na terra?
Eles não estavam esperando uma pergunta assim e, por isso,
explodiram numa gargalhada. Por fim, um deles balbuciou:
— Só se o cara for louco!
Eu estava admiradíssimo de que aqueles adolescentes, expostos a
tantas reuniões, tantas palestras, e também ao seu próprio pastor,
semanas após semanas, não houvessem entendido o evangelho de
maneira alguma. Como é que os pais deles, alguns dos quais eu
sabia serem crentes cheios do Espírito Santo, podiam ter deixado
aquela impressão nos filhos?
— Onde entra Jesus Cristo em tudo isso? — perguntei quando
as gargalhadas diminuíram. Imediatamente houve um dilúvio de
mãos levantadas. Todos concordaram em que ele morrera por nós.
— Mas o que é que vocês querem dizer com isso? — enfatizei
minha pergunta, aumentando mais o entusiasmo de todos eles.
De novo a resposta veio como um raio:
— Ele morreu pelos nossos pecados para que pudéssemos ir
para o céu.
— Você tem certeza de que vai para o céu? — perguntei de
maneira casual a um adolescente, em particular.
— Só se eu me esforçar bastante para agradar a Deus... Foi a
jovem solene, da fileira da frente, que me agraciou com seu
conselho. Eu ia perguntar como é que a gente agrada a Deus,
mas sabia que iríamos cair de volta naquela história de ir lá na
frente e rededicar a vida. Deixei de lado.
— Está bem, digam-me então o que significa a frase “Jesus
ressuscitou dentre os mortos”.
Fez-se longo silêncio, e todos se sentiram um pouco incomo-
dados. Finalmente, alguém disse que isso queria dizer que Jesus
estava com as pessoas todos os dias, ajudando-as a serem boas, a
serem cristãos dedicados.
Perguntei se a ressurreição significava que Jesus os ajudaria
a não usar mini-saia, a não fumar cigarro, a não beber vinho,
mas a ler a Bíblia todos os dias em vez de “Playboy”. Todos
pareciam sentir-se constrangidos e alguns timidamente diziam
sim com a cabeça. Eu sabia que estava penetrando em áreas em
que eles não haviam pensado antes.
Pus o assunto de lado e encorajei-os a me fazerem perguntas
genéricas sobre a Bíblia. Tive um panorama geral quanto a onde
eles estavam, o que me forneceu orientação para a pregação na
semana seguinte.
Depois, conversei com os ministros que lideravam o acam-
pamento. Um deles me disse:
— Muito bem, você viu as coisas por si mesmo! Esses adoles-
centes sabem o que é santidade, porém não desejam pagar o
preço!
Fiquei aturdido; por um momento, senti-me como se estivesse
sentado na velha Jerusalém, conversando com Tiago ou com um
de seus assistentes farisaicos, crentes em Cristo!
Nas igrejas que patrocinaram o acampamento, os crentes
eram semelhantes a muitos milhares de crentes no mundo
inteiro. Eram todos verdadeiramente renascidos e cheios do
Espírito Santo.
Em algum ponto de suas vidas, Jesus entrara e permeara seu
viver de tal modo que muitos componentes de seus costumes
desapareceram, para dar lugar a uma vida que expressava a
presença do Senhor. A graça de Deus lhes havia alcançado o
coração, e seu amor lhes expulsara os antigos padrões de vida.
Contudo, não demorou muito para que eles se esquecessem de
que Deus os amara enquanto eles estavam comprometidos com o
antigo estilo de vida. Deus os amara embora fossem bêbados, e
quando deslizavam pelas pistas de dança. Mas eles se esqueceram
disso, e passaram a agir como se houvessem ganho sua posição em
Deus por terem deliberadamente — e não pela graça que os
alcançara — desistido do antigo viver.
Ninguém dentre eles conseguia lembrar-se do dia em que
acrescentaram um apêndice ao evangelho. Tomou-se regra na igreja
que qualquer pessoa que pensasse em Deus com seriedade,
precisaria renunciar as coisas que aqueles crentes originais haviam
renunciado, e adotar o estilo de vida que estes passaram a adotar. O
que de início fora graça para eles, transformava-se, agora, em lei
para seus filhos. E por causa de suas leis, estavam afastando seus
filhos de Jesus.
E eram tão sinceros! Acreditavam sinceramente que estavam
resguardando seus filhos contra o pecado, sem perceber que, de fato,
estavam transformando o pecado em algo muito atraente para eles.
Tampouco percebiam que a existência de suas regras negava que só
Jesus, mediante sua morte e ressurreição, poderia libertá-los do
pecado e mantê-los livres.
No ano passado, falei com um dos pastores que haviam liderado
aquele acampamento. Perguntei-lhe:
— Você se lembra daquele acampamento há quinze anos? Que
aconteceu àqueles adolescentes?
Ele sacudiu a cabeça, com tristeza.
— Eram rebeldes, e quase todos foram para o mundo.
Não, não eram rebeldes. Não fugiram de Jesus — nunca o
encontraram. Fugiram, cansados e exauridos, da religião que
retrata um Deus mesquinho, irado, que só ama as pessoas que a
igreja considera boas.
CAPÍTULO 6
A Vida “Zoe*
E
stávamos sentados na varanda, olhando a clareira tão grande
como um campo de futebol. Era uma das várias casas térreas,
simples, edificadas entre as árvores que cercavam a
propriedade. O missionário, velho amigo nosso de Londres, servia-
nos chá num bule de porcelana que um morador local nos trouxera.
Um grande ventilador rodava lentamente acima de nossas cabeças,
agitando o ar úmido.
Meu amigo sentava-se numa grande cadeira de palhinha, do
outro lado, enquanto olhava a propriedade, que era a sede da
missão. Pequeno avião aterrisava na pista de emergência, aberta no
centro da clareira. Os moradores locais ocupavam-se de tanger o
gado para longe da pista.
Finalmente, meu amigo voltou-se e disse:
“Ouvi o que você disse hoje pela manhã no estudo bíblico,
Malcolm. Eu sei que Cristo vive em nós, e sei que isso significa que o
amor de Deus está em nós. Na verdade, suponho que todos os
crentes sabem disso, mas deixamos esse fato de lado, achando que é
uma idéia formidável e pronto. Você sabe como é que a gente faz!” —
e ele riu-se.
“Posicionalmente, estamos em Cristo nos lugares celestiais, mas
na realidade estou aqui em baixo arrastando-me na companhia de
meus irmãos. De certo modo Deus nos vê perfeitos, embora eu saiba
que sou muito imperfeito. Às vezes, acho que se Deus me conhecesse
tão bem como eu me conheço, ele não diria que estou entronizado
em alturas celestiais!” — e riu de
novo, uma risadinha oca.
“Vamos ser francos, Malcolm. Se a vida de Cristo está ativa
dentro de nós, e se essa vida é amor, como é que sempre que tento
ser semelhante a Jesus, me esborracho no chão? Vamos ser
absolutamente francos. Há cinco casais de missionários aqui: dois
dos Estados Unidos e três da Inglaterra. Aqui estamos nós
enterrados no mato a 800 quilômetros de Monróvia, e o que você
está enxergando à sua frente é o nosso mundo.”
“As pessoas têm ciúmes umas das outras; elas brigam como cães
e gatos, e só se falam nas reuniões. As crianças chegam a brigar aos
murros! Há mais ressentimento e amarguras aqui do que horas
disponíveis para eu lhe narrar tudo. E tenho tanta culpa como
qualquer um deles.”
“E há, além disso, os problemas entre eu e minha esposa.
Discutimos a respeito das discussões... você sabe, tomamos partido
quanto ã última briga lá fora. Eu já decidi que não voltarei mais
para novo período de trabalho missionário. Como é que vou pregar
para os nativos desta terra se eu próprio sinto que a coisa não
funciona em minha vida? Nem na vida dos outros” — acrescentou
com tristeza.
Já ouvi palavras semelhantes em quase todos os campos
missionários em que estive. Meu coração se rompe por causa desses
homens e mulheres que sacrificam a vida e famílias a fim de levar o
evangelho aos confins do mundo... só para descobrir, ao chegar lá,
que não sabem como viver o que pregam!
Já me sentei com jovens missionários nas Filipinas, seis meses
depois do início do primeiro período de trabalho. Haviam deixado o
seminário com grandes palavras de fé, mas descobriram
rapidamente que não sabiam como amar da maneira como Jesus
amava, nem viver no poder da vida ressurreta de Cristo. Chegaram
à triste conclusão de que o que julgavam ser fé era apenas bravura e
pensamento positivo.
Este não é um fracasso peculiar dos missionários. Já mantive o
mesmo tipo de conversa com donas-de-casa de Los Angeles,
executivos da Wall Street e freqüentadores de igreja que se
queimaram, em Tulsa.
De que forma a zoe, a vida do próprio Cristo, verdadeiramente se
toma manifesta em nossa vida? Sabemos que tentar imitá-la com
nossas próprias forças é total desespero. Mas, então, como é que
Cristo vive em nós?
Algumas das palavras mais importantes de Jesus ele as
pronunciou durante aquela ceia, na noite anterior, pouco antes de
padecer a morte. Os discípulos estavam confusos, cheios de
perguntas; não tinham a mínima idéia do que estava acontecendo.
Não percebiam que estavam vivendo alguns minutos da história
que nos introduziriam à Nova Aliança, que traria o homem a Deus.
Ainda estavam apegados à idéia judaica de que o Messias
haveria de estabelecer seu trono em Jerusalém e derrotar os
inimigos. Viam-se como membros do governo messiânico. A
caminho da ceia, discutiram asperamente entre si mesmos sobre
qual deles seria o maior e quem, dentre eles, ocuparia o primeiro
lugar no reino, o qual, eles tinham toda a certeza, seria estabelecido
naquele fim de semana.
Porém Jesus os decepcionou com um choque, logo no início da
ceia, ao assumir o encargo do mais ínfimo servo, lavando- lhes os
pés — ação que jamais seria praticada por um poderoso dominador
mundial! Em seguida, ele lhes falou sobre a necessidade de se
amarem uns aos outros com aquele tipo de f
amor. .. Agape.
“Novo mandamento vos dou: Amai-vos uns aos outros.
Como eu vos amei a vós, assim também deveis amar uns
aos outros. Nisto conhecerão todos que sois meus
discípulos, se vos amardes uns aos outros.”
(João 13:34-35)
De que modo estes discípulos sedentos de poder, que se
engalfinham pela conquista do primeiro lugar, ciumentos das
posições que ocupam no grupo de discípulos, viriam a tomar parte
num reino em que todos haveriam de servir e amar uns aos outros,
exatamente como Jesus o fizera?
O Mestre lhes aumentou a confusão ao dizer-lhes: “Naquele dia
conhecereis que estou em meu Pai, e vós em mim, e eu em vós”
(João 14:20).
Naquela dia, na Galiléia, ele chegara a eles, que consertavam
as redes, e lhes dissera: “Sigam-me!” E eles haviam
abandonado as ocupações da pesca e o seguido pelas estradas de
Israel. Estiveram sentados durante muito tempo, ouvindo os seus
ensinos; viram o Senhor curar os enfermos.
Ele era o Mestre, eles eram os discípulos. À semelhança dos
discípulos de outros grandes mestres, haviam-se sentado aos pés de
Jesus a fim de aprender dele, procurando pôr em prática os ensinos
dele.
Contudo, agora ele falava em conceitos que os confundiam. Como
poderia essa Pessoa, que se sentava à frente deles, vir a ficar dentro
deles? E como, simultaneamente, poderiam eles estar nele?
Nenhuma categoria de pensamento, nenhuma imaginação
selvagemente criativa em suas mentes podia conceber tal idéia.
A Antiga Aliança relacionava-se com a lei, com mandamentos e
ritos. A pessoa aprendia com o professor como as coisas deveriam
ser feitas e ia em frente, tentando praticar o que aprendera.
Jesus lhes dizia, naquele novo dia que nasceria no momento de
sua ressurreição, que não haveria nova lei codificada que todos
deveriam conhecer e praticar. Ele próprio seria a nova lei! Ele não
lhes ministrou ensino a ser aprendido, pois ele não era apenas o
Mestre; era também o próprio ensino. Ele lhes dissera:
. .Eu sou... a verdade...” (João 14:6).
O novo mandamento de amar uns aos outros, com aquele tipo de
amor de Deus, não era mandamento exterior, mas o próprio Amor
vivendo dentro deles. Ele estaria vivendo na fonte do ser de cada
discípulo, no íntimo de seus corações, e suas vidas seriam a
expressão de Cristo.
Notando a confusão dos discípulos, Cristo prosseguiu e deu- lhes
esta ilustração:
“Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o agricultor.
Todo ramo em mim que não dá fruto ele o corta, e todo
ramo que produz fruto ele o poda, para que produza mais
fruto ainda. Vós já estais limpos por causa da palavra que
vos tenho falado. Permanecei em mim, e eu permanecerei
em vós. O ramo de si mesmo não pode produzir fruto, se
não estiver na videira. Tampouco vós podeis produzir
fruto, se não perma-
necerdes em mim. Eu sou a videira, vós sois os ramos. Se
alguém permanece em mim, e eu nele, esse dá muito
fruto; sem mim nada podeis fazer.”
(João 15:1-5)
Ele chama a si mesmo de videira. Quando dizemos “videira”
queremos dizer a vida da videira, a seiva singular que faz com que a
videira tenha a aparência que tem, que produza folhas, que floresça
e frutifique como toda videira. Jesus está dizendo que ele é a vida
que transforma o crente em quem ele é, e a vida do crente é a
manifestação da vida de Cristo.
O crente é o ramo da videira. E interessante que Jesus tenha
escolhido, dentre todos os vegetais, a videira. A madeira da videira é
totalmente inútil; para nada serve senão para sustentar uvas. Não
se pode fazer móveis de videira. Ela não presta para esculturas.
Jesus estava dizendo que temos função primordial: manifestar
sua vida ao mundo. Só quando estamos vivendo a vida de Cristo é
que vivemos verdadeiramente a própria vida! Essa é a razão por
que fomos criados.
Os discípulos aguardavam o reino do Messias como se fosse uma
organização cheia de cargos a serem preenchidos, e de territórios a
serem conquistados. Disse Jesus que embora tais idéias fossem
corretas no mundo, em seu reino as coisas eram diferentes. Seu
reino, que em breve explodiria sobre o mundo, seria ele próprio
expresso por milhões de crentes. Ele não mais se limitaria
geograficamente, mas estaria presente onde quer que seus ramos
permitissem a produção de frutos.
Ao chamar os crentes de ramos, demonstrou-lhes a inabilidade
deles para produzir frutos por si mesmos. Qualquer ramo separado
do fluxo de seiva vital da videira jamais produzirá uma folha ou
uma única uva sequer. E a seiva vital da videira, subindo através
dos ramos, que lhes permite produzir frutos. Mediante a união com
a videira, da qual suga a seiva vital, o ramo consegue produzir os
frutos que nenhum ramo por si só produziria!
É apenas por amor à análise que falamos de videira e de ramos.
Quando olhamos para a videira, vemos que ela e seus ramos
formam uma unidade. Quem já ouviu falar de videira
sem ramos... quem já chamou de videira a um monte de galho*
secos?
Jesus diz que o crente não possui existência independente, que
de vez em quando precisa receber ajuda especial, uma injeção de
ânimo espiritual, a fim de prosseguir na vida cristã. Não se pode
pensar num ramo como vivendo à parte da seiva vital que flui nele,
como não se pode pensar num crente senão como expressão de
Jesus Cristo.
Semelhantemente, Jesus só pode ser conhecido hoje através dos
crentes — ramos de videira. A vida de Cristo precisa de um canal
pelo qual possa fluir para o mundo.
Este relacionamento jamais muda. Sempre haveremos de ser os
ramos, e ele sempre há de ser a vida que produz frutos por nosso
intermédio... Por isso, não fique desesperado ao sentir o desamparo
de ser apenas ramo.
Quando enfrentamos o desafio ou a oportunidade de expressar o
amor de Deus, sentimos muitas vezes nossa falta de capacidade
para ser ou fazer aquilo que a situação exige de nós. E quando a
tentação bate à nossa porta, sentimos compulsão para atendê-la.
Isto não é pecado! Estamos apenas constatando o quanto somos
apenas “ramo”, e entendendo, assim, o que Jesus quis dizer quando
afirmou: “Sem mim nada podeis fazer.”
Crescer como crente em Cristo não significa que aos poucos nós
nos tomaremos tão parecidos com Cristo que, em certo dia,
produziremos frutos por nós mesmos — e Jesus sentirá orgulho de
nós. Separados da seiva vital que flui dentro de nós, seremos
sempre ramos inúteis, desamparados.
Reconhecer nossa própria fraqueza, nossa impossibilidade de
viver Cristo nesta ou naquela situação — eis como devemos nos
sentir continuamente. Seremos sempre os ramos desamparados, e
ele é perpetuamente a videira, a vida. Não lutamos para ser o
cristão que julgamos ser pressionados pela situação. .. nem
lamentamos perante Deus nossas fraquezas. Deliberadamente
reconhecemos que Cristo vive na fonte de nosso ser, e decidimos
permitir que ele viva através de nós, e em nós, no ponto de nossa
fraqueza.
Para a religião, isto é espantoso. A religião sempre pensa em
Deus em termos de separação. Deus é o Deus “lá longe” que mora
num templo; é o Deus celestial, bem distante. Oramos a
fim de conseguir a ajuda dele, naquela situação crítica.
Porém, o Jesus que ressuscitou trouxe algo completamente novo
ao mundo. Ele ressurgiu dentre os mortos e agora, mediante o
Espírito Santo, não vive confinado pela geografia, mas está
intimamente presente dentro do coração de cada um de nós. Não
podemos pensar mais em nós mesmos como separados dele, assim
como o ramo que produz frutos não pode pensar de si mesmo como
estando separado da vida da videira.
Paulo ilustra o relacionamento entre Cristo e o crente com a
união existente entre a cabeça e o corpo. Não podemos pensar na
cabeça como separada do corpo vivo: ambos são funcionalmente
uma unidade. Pensar que minha cabeça é inglesa e que meu corpo é
francês, é tolice. E igualmente tola a idéia de que minha cabeça é
milionária e meu corpo é paupérrimo. O que é verdade a respeito da
cabeça é verdade também a respeito do corpo. Dessa mesma
maneira o crente está unido a Cristo.
Ele não está “lá longe”, de modo que se deva chamá-lo para vir
“até aqui” a fim de ajudar-me quando sou tentado, ou desafiado, ou
quando tenho uma oportunidade. Ele se fez um com o meu espírito,
e minha percepção de fraqueza funciona somente como gatilho que
dispara a reação de Cristo ao meu problema: ele vem com sua vida-
zoe e me inunda.
Paulo fala disso com franqueza em Gálatas 2:20: “Estou
crucificado com Cristo, e já não vivo, mas Cristo vive em
m i m . . e em Efésios 3:17: . para que Cristo habite pela fé nos
vossos c o r a ç õ e s . . e em Colossenses 1:27: “ . . . Cristo em vós,
esperança da glória”.
Ele resumiu o segredo de toda a sua vida em Filipenses 4:11-13:
“ . . . aprendi a contentar-me em toda e qualquer situação.
Sei passar necessidade, e também sei ter abundância. Em
toda maneira, e em todas as coisas aprendi tanto a ter
fartura, como a ter fome, tanto a ter abundância, como a
padecer necessidade. Posso todas as coisas naquele que me
fortalece.”
A habilidade de Paulo no manejo adequado de qualquer
circunstância em que se encontrasse não derivava do fato de ser ele
personalidade estóica. Ele vivia daquela maneira vitoriosa porque. .
. “posso todas as coisas naquele que me fortalece” (v. 13). A Bíblia
Amplificada traduz com maiores luzes o que Paulo queria dizer:
Tenho forças para todas as coisas em Cristo que me
fortalece — estou pronto para enfrentar qualquer coisa,
em igualdade com qualquer coisa, mediante aquele que
me infunde seu poder interior em mim (a saber, sou auto-
suficiente por causa da suficiência de Cristo).
A palavra “infundir” significa “pôr de molho em, pôr de infusão,
incutir, inspirar, penetrar” com o objetivo de extrair certas
qualidades. Um dia, há vários anos, eu me sentei para jantar
ponderando nestas grandes verdades. Perguntei a mim mesmo:
“Como pode Cristo, zoe-ágape de Deus, viver em mim?”
A garçonete me trouxe uma xícara de água fervente acom-
panhada de um saquinho de chá. Comecei a mergulhar o saquinho
de chá na água, e vi a água tomar-se colorida ao receber a força da
erva. Removi o saquinho ainda cheio das folhas, e pus-me a beber.
De súbito, ocorreu-me que eu havia apenas “infundido” o chá na
água — o que resultou numa saborosa bebida. A força e o sabor do
chá haviam sido liberados das folhas da erva, misturando-se com a
água anteriormente incolor e insossa. Água insossa era o veículo
necessário para receber a essência do chá.
Colocar o saquinho de chá encostado à xícara jamais trans-
formaria a água em chá. A água não consegue imitar o chá se
apenas olhar para ele! Era necessária a infusão. Percebi então que
eu, em mim mesmo, sou impotente porque não consigo reproduzir a
vida de Cristo, da mesma maneira como a água não consegue
transformar-se em chá. Se eu quiser viver a vida de Cristo, o
Senhor precisa vir a mim e viver dentro de mim. A vida de Cristo
precisa ser infundida em meu espírito.
O Cristo ressurreto jamais será conhecido e provado pelo mundo
de hoje como resultado de os homens tentarem ser parecidos com
ele. E preciso que ele se expresse mediante nossa fraqueza. O chá
estará perpetuamente encerrado no saquinho até ser liberado
mediante a água.
A infusão do chá na água é tão completa que já não a chamamos
mais de água, e sim de chá. Entretanto, a água não é o chá, visto
que este continua no saquinho. Assim também Cristo está em nós,
a nossa vida é a vida dele e, no entanto, ele não se transformou em
nós e nós não nos transformamos em Jesus. Somos perpetuamente
distintos, e perpetuamente unificados.
Este é o milagre que ocorre quando alguém vem a Cristo. O
Espírito de Cristo lhe sobrevêm.
Na madrugada de sua ressurreição, Jesus postou-se objeti-
vamente diante dos discípulos; no entanto, estava ao mesmo tempo
dentro deles, como quando ele soprou o Espírito dentro de seus
espíritos. Assim, quando uma pessoa invoca a Jesus Cristo, ele
atende, e entra. .. “Mas se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse
tal não é dele” (Romanos 8:9).
O crente é uma pessoa que tem Cristo lá dentro do coração!
Falar-se de um crente que não tem o Espírito de Cristo é
contradição — tal pessoa não existe.
“ . . . não reconheceis (nem percebeis) que (mediante
experiências mais e mais enriquecedo- ras) Jesus Cristo
está em vós? Se não é que já estais reprovados
(submetidos a um teste e rejeitados)!
(2 Coríntios 13:5, A Bíblia Amplificada)
A percepção deste fato em nossas vidas tem amplitudes infinitas!
O Novo Testamento deixa bem claro que a plenitude de Deus mora
agora em nós: Pois nele habita corporalmente toda a plenitude da
divindade. E recebeste a plenitude em Cristo ... (Colossenses
2:9,10).
A Bíblia Amplificada assim traduz o versículo 10:
“E vós estais nele, obtiveste a plenitude e alcan- çastes
vida integral — em Cristo vós também estais cheios da
Trindade, do Pai, do Filho e do Espírito Santo, e obteis
estatura espiritual total. . .*
Visto que esta é a verdadeira situação do crente, Paulo ora para
que ela se tome realidade na vida e na experiência de todos
os crentes... para que sejais cheios de toda a plenitude de Deus
(Efésios 3:19).
A Bíblia Amplificada assim traduz este versículo:
.. que vós possais encher-vos (todo o vosso ser) da
plenitude de Deus — (isto é) que vós possais usufruir das
mais ricas medidas da Presença divina, e tornar-vos
completamente cheios e inundados do próprio Deus”.
Quando vivemos segundo a plenitude de Cristo, que vive em
nós, não podemos queimar-nos.
CAPÍTULO 8
Verdadeira Fé
U
ma das principais causas do esgotamento espiritual é a
distorção de nossa fé pelo fermento dos fariseus. Vivemos
pela fé e, quando esta se transforma em obra da carne, a
exaustão espiritual é inevitável.
Quando usamos a palavra fé, que é que estamos querendo
dizer? E vital que entendamos exatamente o que estamos
dizendo, visto que uma ligeira distorção em nossa definição
significará o caos, e maior desastre ainda estrada abaixo.
Fé é, essencialmente, uma reação de confiança a determinado
conjunto de fatos. Nossa fé no relacionamento com Deus pode ser
ilustrada, até certo ponto, no nível humano.
Suponhamos que eu tenha encontrado uma pessoa que li-
vremente abriu o coração para mim, e mostrou-se bondosa,
piedosa ao extremo. Suponhamos, ainda, que essa pessoa ca-
minhou um pouco mais e agiu para comigo de maneira tal que
me mostrou de forma concreta a sua bondade. E façamos mais
uma suposição: essa pessoa comprometeu-se comigo em lealdade
e prometeu-me que, de acordo com sua capacidade, faria por
mim tudo quanto um amigo faria, pelo resto de minha vida.
Ação assim exige algum tipo de reação. Eu poderia, é claro,
alimentar suspeitas de que essa pessoa teria motivos menos
dignos, segundas intenções, e eu poderia ir embora, dando-me
parabéns por não ter caído numa esparrela. Mas eu poderia
também correr o risco e reagir às suas palavras e ações com
plena confiança, crendo que essa pessoa é tudo quanto afirma
ser. Em outras palavras, eu teria fé na tal pessoa, e lhe permi-
tiria transformar suas intenções em realidade. Na verdade,
minha fé seria a permissão para que a pessoa pudesse expressar
seu amor e bondade através das coisas que desejava dar-me.
Há riscos nesse tipo de compromisso que será posto em jogo
ao longo dos anos. Haverá épocas em que o que eu vejo e ouço
poderá sugerir que aquela pessoa não é tudo o que parecia;
entretanto, a natureza da fé é que, havendo feito um compro-
misso de lealdade, ela descansa no caráter da pessoa como eu a
conheço — e não no que estou vendo agora.
Minha reação a essa pessoa iniciaria uma comunhão que
amadureceria ao longo dos anos, transformando-se em verda-
deira amizade. Esse tipo de relacionamento humano é apenas
sombra da atuação da fé em nosso relacionamento com Deus.
A fé não se inicia com o ser humano. Inicia-se quando Deus
abre seu coração para conosco. Deus revela seu amor e graça
concretizados em Jesus. Começa com o caráter de Deus, e o que
ele fez por nós em Cristo. A primeira ação da fé é a reação de
confiança à revelação que Deus nos concedeu.
Deus se revelou em sua Palavra, mas a fé é concedida quando
o Espírito Santo toma viva essa Palavra em nós, pessoalmente.
De sorte que a fé vem pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Deus
(Romanos 10:17). O vocábulo grego para “palavra” é rhéma;
significa que este versículo poderia ser traduzido assim: ..
ouvindo a palavra dos próprios lábios de Jesus.”
A fé é reação a algo ou a alguém fora da própria fé — neste
caso, a revelação de Deus em Jesus, e sua fidelidade a essa
revelação. Essa reação responsiva assume a forma de abrir-se a
porta a fim de permitir que Deus em Cristo seja tudo quanto ele
prometeu; é deixar Deus ser o Deus que ele afirma ser em
qualquer situação.
A fé poderia ser comparada ao olho do espírito que, ao
contemplar Jesus, é motivado a reagir a ele em amor, descansar
nele e permitir-lhe que seja tudo que ele revelou ser. Da mesma
maneira, é o ouvido do espírito que, ao ouvir a Palavra de Deus,
é motivado a descansar nele e a permitir que ele seja tudo que
declarou ser.
Por nós mesmos não conseguimos encontrar fé que agrade a
Deus. A fé que temos nele vem dele! Explicando a maneira como
o homem coxo foi curado na Porta Formosa, assim disse Pedro:
MA fé que vem pelo nome de Jesus deu a este, na presença de
O Descanso da Fé
J
á sabemos que a vida inexaurível que ressurgiu, vencendo
a morte, está disponível a nós, a fim de que possamos
viver triunfantemente neste mundo. Mas como
conseguimos trazer essa vida às nossas próprias vidas tão
fracas? A sabedoria infinita de Deus está dentro dele mesmo, e
precisamos dessa sabedoria para superarmos os problemas e
confusões da vida.
Contemplamos as agruras sofridas pelas pessoas à nossa
volta, e julgamo-nos insensíveis e desinteressados. De que
maneira poderíamos receber no coração a compaixão de Deus?
Quando as pessoas nos ferem e não encontramos em nós mes-
mos capacidade de amá-las e perdoá-las, como poderíamos obter
o amor divino, perdoador, implantado no coração?
A resposta da religião a estas perguntas sempre se expressa
em termos de alguma coisa que temos de fazer. Na minha
mocidade, fiz essas perguntas a muitos pastores e as respostas
sempre foram alguma variação da mesma idéia: Se quisermos
receber a seiva da vida de Deus, devemos reservar tempo para a
oração, para a leitura da Bíblia, de modo regular; nosso culto
pessoal a Deus seria a chave para habitarmos em Cristo.
Pois eu não acredito nisso. Na verdade, acho que essa prática
apenas aumenta mais ainda a frustração, e piora o problema.
Há muitas razões pelas quais devemos separar algum tempo
para estar com Deus; entretanto, se estivermos fazendo isso a
fim de obter o fluir de Deus em nossa vida, estamos só piorando
nossa exaustão espiritual.
Afirmar que a vida de Cristo flui em nós e através de nós,
porque gastamos uma hora em exercício devocional hoje, e
transformar a oração e o estudo bíblico em obras da carne. É
transformar o culto ativo num degrau adicional da escada
conducente a Deus.
Os fariseus esquadrinhavam as Escrituras e recitavam
orações na crença de que, assim, estabeleceriam ligação direta
com a vida divina. Porém Jesus lhes disse categoricamente que
tal procedimento deixava de lado a única fonte de vida que é o
próprio Cristo.
“Examinais as Escrituras, porque pensais ter nelas a
vida eterna. São estas mesmas Escrituras que
testificam de mim, contudo não quereis vir a mim
para terdes vida.”
(João 5:39-40)
De maneira semelhante, nossas autodedicações, nossas pro-
messas e votos a Deus de que nossa vida lhe pertencerá daqui
por diante, caem todos na mesma categoria. Até que ponto a
pessoa precisa dedicar-se para que a vida comece a fluir? Em
que nível de “entrega total a Deus” precisamos estar antes de os
primeiros sinais de zoe começarem a surgir? Todas estas obras
farão apenas que a pessoa corra mais depressa pela estrada
escorregadia do esgotamento espiritual.
Em Colossenses 2:6 Paulo nos ensina como habitar em Cristo
e nele andar todos os dias: “Portanto, assim como recebes- tes a
Cristo Jesus, o Senhor, assim também andai nele.”
Nós o recebemos pela fé e, da mesma maneira permanece-
mos nele e o expressamos diante do mundo. Paulo declarou a
oração que elevava a Deus pelos efésios: “Assim habite Cristo
nos vossos corações, pela fé.” “Que Cristo, mediante vossa fé,
possa verdadeiramente habitar — estabelecer- se, morar — em
vossos corações, fazendo deles seu lar permanente!” (A Bíblia
Amplificada).
Minuto a minuto vamos vivendo pela fé na capacitação de
Cristo dentro de nós. Dessa maneira, a energia divina do amor
de Cristo é bombeada para dentro de nós em todas as situações
em que estivermos.
Chegamos, assim, ao ponto central das Boas Novas: fé, e não
obras! No Novo Testamento, a aceitação do evangelho era vista
como obediência à fé. Não era obediência aos dez mandamentos,
mas obediência que resultava da fé.(Romanos 16:26)
"... pelo qual recebemos a graça e o apostolado, por
amor do seu nome, para a obediência da fé entre todos
os gentios...
(Romanos 1:5)
“... grande parte dos sacerdotes obedecia à fé.”
(Atos 6:7)
É neste ponto que o crente, que se vai queimando em seus
esforços para agradar a Deus, sai da exaustão e entra no
descanso. Cansado, totalmente exausto da tentativa de tornar-
se aceitável diante de Deus mediante disciplinas e exigências
religiosas, o crente ouve da graça de Deus, e o Espírito Santo
vivifica a graça em seu coração.
À semelhança do filho pródigo da história de Jesus, a maioria
dos crentes só enxerga um pouquinho de tudo quanto Deus
almeja dar-nos. Ficamos perfeitamente felizes em vir para casa
no nível baixo de servo diarista; achamos que a posição de servo
é a mais apropriada para nós. Se pudermos ser perdoados e
continuar a receber perdão, achamos que não devemos pedir
mais nada.
Como a fé é reação responsiva, só podemos reagir no nível em
que ela nos permite ver e ouvir. Só depois de estarmos de volta
ao lar é que descobrimos que a graça do Pai é infinitamente
maior do que jamais havíamos sonhado, e nossa fé passa a
reagir diante dessa revelação.
Percebemos que o Senhor não é apenas o Salvador que nos
libertou do pecado, no particípio passado, mas é também aquele
que vive dentro de nós no tempo presente, sendo nossa vida e
nosso fôlego. O Cristianismo não é fórmula, mas a Pessoa de
Jesus Cristo.
Percebendo que ele está lá dentro, a fé reage e permite que
essa realidade permeie a vida toda. A despeito de sentimentos e
aparências, a fé adere à Palavra de Deus e declara que Cristo
vive dentro do crente.
Esta entrega simples muda tudo. Nunca mais o crente
tentará ser igual a Jesus; a revelação de Cristo que vive dentro
dele livrou-o de tentar galgar a escada religiosa. Ele deixou de
tentar viver para Deus; passou a viver a partir de Deus, que é
a fonte da vida.
Quando surgem as dúvidas, a fé não entra em pânico. Ela
simplesmente volta-se para aquele que é a fonte e o aperfeiçoa-
dor de nossa fé, sabendo que, nesta situação, Cristo está com-
prometido com a sua palavra.
As Escrituras não são um livro de teologia sistemática que
tabulou tudo quanto devemos crer. É um livro de biografias que
nos mostra como pessoas comuns, através das eras, aprenderam
a andar na força do Senhor, a fim de superar seus problemas.
Ao relatar as histórias dessas pessoas, o Espírito Santo não
retém absolutamente nada. O Espírito demonstra como esses
crentes descobriram a realidade de Deus na escuridão de seus
fracassos pessoais.
Muitos desses crentes ilustram com exatidão a maneira de
encontrar a resposta às perguntas que formulamos. O que é que
a pessoa faz para que a seiva da vida divina lhe inunde a vida?
Como é que o crente se toma ramo produtivo da videira?
Davi era um crente assim e, visto que conhecemos muito
mais as coisas que se passavam em seu coração do que no
coração de qualquer outra pessoa das Escrituras, ele constitui
excelente modelo a ser estudado. Nos salmos de Davi, seu
termômetro espiritual surge perante nossos olhos para que o
vejamos e o estudemos.
Vezes sem conta David viu-se face a face com sua fragilidade
humana e sua incapacidade para resolver situações problemá-
ticas da vida, sentindo profundamente suas falhas. Foi acusado
sem motivo, caçado implacavelmente por um rei atacado de
inveja insana, traído por pessoas que ele julgava serem ami-
gas... e além disso tinha de encarar os próprios pecados e
fracassos na vida.
Uma coisa espantosa é que... Davi jamais se esgotou! Expres-
sava com liberdade seus sentimentos no meio de tudo o que lhe
acontecia. Suas emoções revelam um homem em sofrimento
real.
WA minha alma está em agonia... Estou cansado do
meu gemido; toda a noite faço nadar a minha cama no
choro, e molho o meu leito com lágrimas ...”
(Salmo 6:3,6)
"Senhor, como se têm multiplicado os meus adversários!
São muitos os que se levantam contra mim. Muitos
dizem da minha alma: Não há salvação para ele em
Deus.”
(Salmo 3:1,2)
“... pois as águas me sobem até o pescoço. Ato- lei-me em
profundo lamaçal, e não se pode estar em pé. Entrei na
profundeza das águas; a corrente me leva. Estou
cansado de clamar; secou- se-me a garganta. Os meus
olhos desfalecem de esperar por meu Deus. Aqueles que
me odeiam sem causa são mais do que os cabelos de
minha cabeça...”
(Salmo 69:1-41)
“... Estou agitado e ando perplexo, por causa do clamor
do inimigo e da opressão do ímpio, pois lançam sobre
mim iniqüidades, e com furor me hostilizam. O meu
coração está angustiado dentro em mim; os terrores da
morte me sobrevêm. Temor e tremor me apertaram; o
horror me cobriu. Eu disse: Ah! quem me dera asas
como de pomba! Voaria, e estaria em descanso. Fugiria
para longe, e pernoitaria no deserto. Apressar-me-ia ao
meu refúgio, longe da fúria do vento e da tempestade.”
(Salmo 55:2-8)
Averigüemos atentamente a maneira como Davi atravessava os
períodos de crise sem esgotar-se em sua força espiritual. Uma dessas
ocasiões de profundo abatimento enfrentado por ele está registrado com
minúcias.
Davi e seus homens moravam, nessa época, numa pequena cidade
desértica, Ziclague. Haviam estado fora de casa durante alguns dias e
agora voltavam. Quando se aproximaram o suficiente para poderem
enxergar a cidade, viram fumaça no céu e aves de rapina voando em
círculos, lá em cima. Alguns minutos depois pararam diante das cinzas
fumegantes daquilo que fora o lar deles.
Em sua ausência, um bando de amalequitas andarilhos
saqueou a cidade e fugiu. Tudo havia desaparecido: as famílias
raptadas e as casas queimadas até os alicerces.
Era demais. Homens fortes começaram a chorar e Davi
soluçou com eles. Choraram até não haver mais lágrimas e
depois sentaram-se sobre as ruínas de suas casas fumegantes,
com os pés imersos nas cinzas quentes.
Um por um, começaram a expressar seus sentimentos entre
si. Alguém era o culpado dessa violência... alguém deveria pagar
pelo ultraje. Com os olhos cheios de ódio, um por um, os homens
começaram a olhar na direção de Davi. Os olhares deles diziam:
“Você nos trouxe aqui, você deverá pagar por isso.” Formava-se
um grupo de linchadores.
“Então Davi e o povo que se achava com ele alçaram a
sua voz, e choraram, até que não houve neles mais
forças para chorar.
“Davi muito se angustiou, porque o povo falava em apedre-
já-lo; a alma de todo o povo estava cheia de amargura... Mas
Davi se fortaleceu no Senhor seu Deus.” 1 Samuel 30:4,6
A razão porque Davi não se queimou espiritualmente está
nas palavras “se fortaleceu”. Traduzida literalmente, essas
palavras querem dizer: “amarrou-se, retesou-se” — como um
músculo flexionado. Essa expressão também traduz a idéia de
prender-se, e foi usada para descrever o fato de os cabelos de
Absalão terem ficado “presos” nos ramos de um carvalho (2
Samuel 18:9).
Devemos observar o verbo. Não se diz aqui: “Davi foi forta-
lecido”, e sim: “Davi se fortaleceu”. Andar na fé que permanece
na videira é diferente de ser um robô esperando passivamente
que Deus aja em nosso lugar. Não é lamentar-se perante um
“Deus separado”, pedindo-lhe que faça alguma coisa por nós.
Esta expressão poderia se traduzida de outra maneira: “Davi
encorajou-se”. A coragem divina estava ali, aguardando que a fé
a tomasse, e Davi a tomou. Aqui estava um homem prestes a
queimar-se mental, emocional e espiritualmente, mas pelo
exercício da fé, controlou-se... e fortaleceu-se no Senhor.
Que é que ele viu em Deus que o tornou retesado, à seme-
lhança de um músculo sob esforço? Davi fez uso da Palavra de
Deus de que dispunha, os primeiros cinco livros da nossa Bíblia.
Era um manuscrito da aliança contendo tudo quanto o Senhor
revelara a seu próprio respeito, tudo que havia prometido aos
crentes.
Foi nesse mesmo livro da aliança que Davi aprendeu, quando
era apenas bebê nos braços da mãe. Quando adolescente,
sozinho no deserto com suas ovelhas, ele havia estudado, me-
morizado e meditado nas palavras desse livro, que passaram a
fazer parte dele mesmo.
O livro dizia claramente que Deus era a rocha do seu povo
(Deuteronômio 32:4,30,31). Deus era seu pastor (Gênesis 49:24).
Guiou-o através do deserto com a nuvem e a coluna de £
S
egue-se certa euforia logo após a descoberta do que sig-
nifica estar em Cristo. Aliadas ao descanso que sobrevêm
ao crente, quando este cessa de produzir suas próprias
obras, chega a alegria e a paz sobre as quais havia lido tanto nas
Escrituras.
A vida assume novo sentido e nova dimensão quando todos os
dias são iniciados com o reconhecimento de que posso todas as
coisas naquele que me fortalece (Filipenses 4:13). Que para mim
o viver é Cristo... (Filipenses 1:21). Que agora a vida é definida
como... Cristo em vós, esperança da glória (Colossenses 1:27).
Entretanto, quando a tentação surge, desaparece a euforia, e
com freqüência o crente sucumbe. Toma-se confuso e fica
imaginando como é que pode ser tentado, se Cristo mora dentro
dele. Muitas vezes as pessoas me têm perguntado:
“Se Cristo está em mim, como é que eu pude ser tentado
daquele jeito? Como é possível eu abrigar os pensamentos que
me sobrevêm?”
Devemos entender que a tentação não é pecado. Jesus f o i . . .
como nós, em tudo foi tentado, mas sem pecado (Hebreus 4:15).
Precisamos ter a ousadia de aceitar esse versículo exatamente
como ele se apresenta — Jesus, o Homem perfeito, impecável,
conheceu a tentação em todas as áreas da vida, de todas as
maneiras, como ocorre conosco. Tal compreensão nos
convenceria, finalmente, que
ser tentado não é pecado; entretanto, crentes em núme- ro
incontável se autocondenam porque sentem o chamado da
tentação.
A avaliação exata do que é a tentação nos livrará de estar em
constante luta contra ela. Nós a reconheceremos como o método
escolhido por Deus para firmar-nos na fé.
Antes de virmos a Cristo, éramos um com o mundo, que ... jaz
no maligno (1 João 5:19), mundo que consiste de ...
concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba
da vida... (1 João 2:16). Agora que fomos libertados ... do poder
das trevas e transportados para o reino do Filho do seu amor
(Colossenses 1:13), tomamo-nos conscientes daquele império do
qual fizemos parte um dia. Enquanto estávamos na escuridão,
vivíamos tão acostumados a ela que praticamente não a
notávamos.
Quando eu morava na cidade de Nova York, lia muito a
respeito de poluição atmosférica. Quando esta alcançava níveis
péssimos, a imprensa local nos alertava sobre os perigos. Porém,
morando dentro da cidade, raramente eu me sentia côns- cio de
estar respirando ar poluído.
Certa vez, voando de outro lugar para Nova York, vi uma
nuvem marron, pesada, suspensa sobre a cidade, engolfando os
edifícios. Era a poluição de que todos falavam. Eu só conseguia
vê-la, na sua imundície e feiura, estando fora dela. Da mesma
forma, só quando estamos em Cristo é que percebemos como o
mundo é, na realidade. Vendo-o, sabemos que já não temos parte
com ele.
Tentação é apelo forte para que voltemos às trevas. E apelo à
nossa humanidade, aos nossos apetites físicos, às reações
normais de nossas emoções e racionalizações.
Tiago nos demonstra passo a passo o processo da tentação:
“Mas cada um é tentado, quando atraído e engodado
pela sua própria concupiscência. Depois, havendo a
concupiscência concebido, dá à luz o pecado...”
(Tiago 1:14,15)
As palavras que Tiago usa são importantes para a nossa
compreensão do que está acontecendo. A palavra “cobiça” em
geral vem associada ao mal. Contudo, na realidade cobiça
significa simplesmente “desejo ou paixão” — anseios normais
para a nossa carne humana. A palavra “seduzir” sugere a idéia
de “atrair com boa isca”, vocabulário próprio de caçadores e
pescadores. Significa, literalmente, “enganar mediante uma
isca".
Quando utilizamos palavras como “seduzir” e “isca”, imedia-
tamente pensamos em estímulos, excitação, em atração na
direção de algo. O âmago da tentação é que nossos desejos
humanos são atraídos fortemente na direção de algo existente no
mundo. Tiago nos diz que isto não é pecado. Só se toma pecado
quando o desejo concebe, ao passarmos da reação à decisão, a fim
de perseguir com deliberação o que desejamos.
Alguém nos diz algo maldoso, injusto ou malicioso. Não é
pecado experimentar reação emocional negativa, a de estarmos
feridos, ou nutrirmos sentimentos de ódio ou vingança. Tal coisa
é perfeitamente normal ao ser humano.
Se sou apanhado num engarrafamento de trânsito, não é
pecado eu sentir impaciência ou irritação. Quando esperamos
convidados especiais para jantar em casa e tudo sai errado na
cozinha, não é pecado sentir frustração e ficar à beira das
lágrimas.
Nós não recebemos corpo ressurreto quando Cristo vem morar
em nós; continuamos a manter ainda todos os apetites físicos
normais e comuns ao gênero humano. Ainda sentimos fome,
sede, atração sexual, e sentimo-nos cansados após longo dia,
exatamente como Jesus se sentia. Se viciamos nosso organismo
com drogas ou com álcool antes de termos recebido a Cristo, não
será incomum o corpo sofrer alguns retrocessos e enviar
mensagens ao cérebro solicitando alívio para as tensões, como o
fazia antes.
Nada disso é pecado. Porém, encontrei muitos crentes que
usam máscaras em todas estas áreas, fingindo que não experi-
mentam reações diante da vida. O fato é que tais crentes estão
entre os primeiros a queimar-se espiritualmente, porque a
pessoa não consegue viver na irrealidade.
O Getsêmani nos mostra Jesus enfrentando as maiores
tentações de sua vida. Muitas vezes ele falara de sua morte aos
discípulos, morte que se aproximava, e de sua ressurreição.
Havia mostrado a eles com clareza que era da vontade do Pai
que ele, o Filho, sofresse e morresse. No Getsêmani, sendo
homem verdadeiro, tudo em sua carne tentava afastá-lo para
longe da determinação divina. Aquela tentação foi tão grande
que Jesus perguntou ao Pai se não haveria outro caminho.
Contudo, nem aqui o Senhor pecou.
Pecado é seguir o desejo e escolher a prática proibida. E a
realidade factual é que raramente os crentes vão tão longe.
Grande parte da condenação sentida pelos crentes não deriva de
terem realmente pecado; apenas de terem sido atraídos para o
pecado.
Faça uma pausa e veja bem quem é o crente. É alguém que
forma unidade com Cristo. E um em Cristo.
" . . . o que se une ao Senhor é um espírito com ele.”
“ . . . não sabe is que o nosso corpo é santuário do
Espírito Santo, que habita em vós, proveniente de
Deus? Não sois de vós mesmos; fostes comprados por
preço...”
(1 Coríntios 6:17,19,20)
Somos os que nos apresentamos a Deus, como vivos dentre os
mortos, e (os nossos) membros a Deus como instrumentos de
justiça (Romanos 6:13). Somos membros da Nova Aliança, e a lei
de Deus foi escrita em nossos corações (Hebreus 8:10).
Estando unido a Cristo, lá no âmago de seu ser o crente já não
deseja pecar; deseja andar na justiça. Os pecadores não são
tentados! Ainda estão nas trevas de seu pai, o diabo. A tentação
só ocorre nas pessoas que deixaram o mundo.
Quando vemos algumas folhas presas a um galho de árvore
durante o inverno, sabemos que essas folhas já não constituem
parte da árvore; morreram muitas semanas atrás. Mas na
primavera a árvore disporá de tudo quanto não lhe pertence, e se
revestirá de novas folhas, que são a expressão da nova vida.
De maneira semelhante, a tentação nos traz a fé que libera a
vida de Deus em nós, e nos separa, como as folhas mortas caem
da árvore, do tipo de vida comum no mundo.
Vi, outro dia, uma pele de cobra enroscada no tronco rugoso de
uma árvore. Eu sabia o que havia acontecido. A cobra ganhara
pele nova, de modo que a pele velha era agora algo descartável,
grudada na cobra sem fazer parte dela. Ao encontrar superfície
áspera, o réptil começou a coçar-se até livrar-se da pele que já
não fazia parte de seu corpo. Todavia, essa pele fizera parte da
serpente no ano passado; mas agora era apenas coceira irritante.
A tentação é uma coceira que Deus permite em nossa vida, de tal
maneira que possamos escolher ser quem somos: nova criatura
em Cristo.
Se não entendermos isto, seremos prisioneiros de um medo
mórbido da tentação. Quando este medo liga-se ao legalismo dos
fariseus, o crente se vê rodeado de leis ridículas que proíbem
uma porção de atividades normais, sadias. Todas essas leis “de
cerca” surgem na mente de guias eclesiásticos obcecados com
tentações e pecados. As Escrituras nos ensinam que a tentação
não deve ser vista com medo, mas com senso de cautela. Trata-
se do método escolhido por Deus para revelar-nos Cristo
continuamente em nossa vida.
Quando as poderosas polias da tentação nos puxam, se
quisermos crescer em Cristo devemos de imediato reconhecer as
reais questões que enfrentamos. De duas maneiras diferentes a
tentação nos convida para sermos o que não somos. Em primeiro
lugar, a chamada da tentação é para que façamos algo que, em
nosso coração, sabemos não estar de acordo com quem somos
agora em Cristo. E a segunda maneira — a tentação real
— é esquecer-nos de quem somos, e tomar-nos legalistas,
tentando vencê-la como se estivéssemos separados de Jesus.
O legalista obedece à sua própria força de vontade a fim de
obedecer à lei, quer seja lei de Deus, quer seja lei criada pela sua
igreja, quem sabe pela própria pessoa. Esta fica repetindo para
si mesma: “Não devo fazer isso, não quero fazer isso...” Ela se
empenha ao máximo, na esperança de fortalecer sua força de
vontade; faz promessas a Deus pelas quais não atenderá aos
apelos do pecado. Entretanto, ainda enquanto está formulando
suas promessas, já está caminhando na direção do pecado!
E quando a pessoa peca, procura resolver seu problema de
condenação e culpa mediante rededicações e novas promessas da
que não fará aquilo de novo. E assim, aquela vida espiritual-
mente miserável vai boiando rumo ao esgotamento.
Ninguém resiste à tentação mediante força de vontade. Mas
nós resistimos e a vencemos ao nos voltarmos para Cristo, nossa
vida interior. Cristo é reconhecidamente a resposta positiva aos
desejos que foram estimulados de maneira negativa. Se fomos
convocados para a impaciência, ele é nossa paciência. Se para o
ódio e amargura, ele é nosso amor e nosso perdão.
E neste sentido que Deus escolheu a tentação para ser o
veículo pelo qual glorificaremos a Jesus durante toda a vida.
Atirados num mundo de trevas pesadas, a luz de Cristo dentro
de nós é claramente vista.
Ninguém vence a tentação mediante a força de vontade.
Ainda que tenhamos forças suficientes em nós mesmos para
dizer “não”, já falhamos e fomos reprovados no teste. Deus não
deu permissão à tentação em nossa vida para que mostrássemos
ao mundo a força da nossa vontade: a tentação é o meio pelo
qual permitimos que Cristo viva poderosamente em nós. O
crente jamais diz “não” à tentação, mas diz “sim” a Cristo.
Mas o que acontece se pecarmos, se formos desalojados e
desequilibrados, e nos esquecermos de quem somos e nos en-
contrarmos cheios de culpa? Falando a crentes, assim se expres-
sou João:
"Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo
para nos perdoar os pecados, e nos purificar de toda
injustiça”.
(1 João 1:9)
Quando confessamos o nosso pecado, dizemos sobre ele a
mesma coisa que Deus diz. Admitimos que, na verdade, é
pecado, mas reconhecemos que ele já foi lavado no sangue de
Jesus. Ao procedermos assim, concordamos com Deus em que
nosso pecado já está perdoado. Nós não injuriamos Deus, cha-
furdando na culpa e na condenação, mas louvamo-lo, levantan-
do-nos e partindo para novas vitórias pela fé.
Antes de conhecer o Senhor, Hector fora viciado em drogas.
Experimentou conversão maravilhosa, e em seguida se encheu
do Espírito Santo. Voltou à convivência da esposa e ela também
conheceu o Senhor.
Contudo, não se passou muito tempo para que Hector des-
cobrisse que, embora fosse agora novo Hector em Cristo, ainda
sentia fortes tentações para retomar ao velho hábito das drogas.
Certa manhã, às quatro horas da madrugada, sua esposa Glória
chamou-me, muito desalentada. Hector estivera muito
perturbado no dia anterior, saíra de casa e ainda não tinha
voltado. Ela estava convencida de que o marido havia ido
procurar um traficante.
Na manhã cinzenta, dirigi-me à área onde Hector tinha
passado seus dias de viciado. Ápós algumas perguntas, encon-
trei-o num recinto imundo. Quando ali entrei, ele ficou chocado e
obviamente envergonhado pelo fato de eu o ter encontrado
naquele lugar.
Ele me chamou à parte e disse:
— Pastor, por favor me deixe em paz! Desapontei a Deus,
desapontei o senhor e todos os meus irmãos e irmãs da igreja.
Não adianta. Não vale a pena o senhor preocupar-se comigo.
Eu não prestei atenção às suas palavras pronunciadas sob o
peso da culpa. Em vez disso, convidei-o a tomar um café comigo.
Ele continuava dizendo que Deus tinha que jogá-lo fora, pois
agora ele voltara a usar drogas.
Olhei-o bem nos olhos e disse-lhe:
— Hector, Deus o amou quando você era um lixo, e o salvou.
Você acha, então, agora que é filho dele, que ele não o ama
livremente e incondicionalmente? Ele ainda o ama, ainda que
ontem à noite você tenha se magoado a si mesmo e à sua
família.
Deus ama você neste momento, da mesma maneira como o
amava na semana passada, quando você estava cantando no
Espírito. O amor de Deus não depende de coisas que você faz ou
deixa de fazer. Ele perdoa você. Aceite seu perdão e agradeça a
Deus!
Seu rosto iluminou-se, podia-se percebê-lo. Voltei minha
atenção à questão de como ele enfrentara a tentação quando ela
surgiu; especificamente, a tentação de voltar às drogas. Ele me
pareceu chocado pelo fato de eu fazer-lhe tais perguntas, e
assegurou-me que, enquanto estava sendo tentado, dizia con-
tinuamente: “não, não!”
Aqui estava o problema de Hector... ele dizia “não” às
tentações. Tinha vivido até ali segundo a lei escrita por ele
mesmo, que dizia mais ou menos o seguinte: “Não usarás
drogas, não embarcarás em nenhuma 'viagem'.” Mantendo o
olho na lei, determinou a si mesmo tentar viver segundo a
imagem que criara de um crente forte... alguém que não era
tentado pelas drogas.
E quando a tentação chegou, Hector foi atirado à culpa: era
fraco demais, a ponto de sentir aquilo... e assim, armou a vontade
própria a fim de resistir. Onde houver lei, haverá também
obsessão a respeito do pecado que a lei proíbe; é assim que
centenas de desejos se erguem, exigindo que o pecado seja
novamente experimentado, conforme Hector descobriu — pobre
moço!
— Hector—disse eu — você precisa entender que a fé nunca
diz “não” à tentação. Ela diz “sim” a Jesus!
Prossegui explicando que o velho Hector fora crucificado com
Jesus e que agora o Espírito de Jesus vivia dentro dele. A vida
não era questão de Hector tentar ser bom, mas de ele admitir
que nunca poderia ser bom!
Desde que esse ponto fosse compreendido, Hector nunca mais
pensaria que o Cristianismo é questão de reajustar o
comportamento, e sim deixar que Cristo viva no crente, exer-
cendo nele seu poder infinito. Fé não é eu reunir toda a minha
força de vontade num poderoso “não!” E o reconhecimento, no
meu momento de fraqueza, de que, embora eu não o perceba,
Cristo é a minha força.
Parecia que Hector havia compreendido; voltou a ser a pessoa
feliz, perambulando pela igreja. Meses depois, surgiram novas
pressões sobre sua vida, e Hector começou a pensar que fazer
uma “viagem” durante a noite aliviaria um pouco sua ansiedade.
E começou a dizer “não!” mas com o passar das semanas, sua
resistência foi ficando cada vez mais fraca.
Finalmente, um dia ele saiu de casa para o trabalho mas já
havia decidido ir a um traficante e tomar um “pico”. Disse a si
mesmo que seria uma única vez. Porém, ao mesmo tempo a
diminuta resistência que sobrara ficou berrando “não!” tão alto
quanto conseguia. Ao chegar perto do lugar onde costumava
comprar as drogas, Hector gritava por dentro: “Por favor, Deus,
ajuda-me!”
Não sei como, mas dentro dele, bem no fundo, Hector se
lembrou da conversa que havíamos tido meses antes. “Este
anseio por drogas não é o meu eu real. Esse Hector morreu com
Cristo e agora eu ressuscitei com o Senhor, e ele é a minha vida.
Estou tentando resolver este problema como se Cristo não
estivesse dentro de mim. Senhor Jesus, não quero fazer esta
„viagem‟. Mas eu sou fraco. Toma posse de mim, Senhor, e
executa a tua vitória."
Naquele instante, Hector percebeu que ele era um ramo de
videira, e que a vida estava ali, à sua disposição. A fé uniu sua
vida a Cristo. Naquele momento, Cristo assumiu o controle. O
Espírito do Senhor veio a ele, e Hector prosseguiu em seu
caminho, louvando a Deus. Isso aconteceu há muitos anos.
Hector nunca mais foi tentado seriamente a voltar às drogas.
Um Caso Clássico de
Esgotamento Espiritual
M
ilhares de crentes se esgotam diariamente porque
esperavam coisas da parte de Deus que o evangelho não
promete.
Asafe era homem de Deus, nos dias do rei Davi. Era autor de
vários salmos, e pioneiro, sob a orientação de Davi, na condução de
Israel num culto alegre no monte Sião.
Asafe havia nascido na tribo sacerdotal de Levi, o que
significava que estava destinado a ministrar na presença de Deus
durante toda sua vida. Na época do seu nascimento, o interesse
nacional pelas coisas espirituais estava num ponto baixíssimo
devido à apostasia de Saul, que reinava em Israel.
Quando Davi tomou-se rei, conduziu o povo a um reaviva-
mento espiritual, levando a arca da aliança de volta a Jerusalém.
Ela tinha sido colocada dentro dos muros de Sião; na tenda que a
abrigava, erguia-se um louvor desinibido, um culto espontâneo a
Deus.
As orações de centenas de israelitas piedosos, que intercederam
durante os dias negros de Saul, alcançaram respostas que
ultrapassavam os sonhos mais fantasiosos. Davi era o instrumento
através do qual Deus haveria de trazer um reavivamen- to jamais
visto antes. Os que conheciam as Escrituras lembravam-se dos
dias de Moisés, quando Miriã conduziu a nação inteira no cântico e
nas danças, em adoração a Deus, às mar
gens do mar Vermelho.
A consciência da presença de Deus exigia o cântico de louvor e
palmas de alegria diante da magnificência de Deus. O próprio rei
Davi dançava sem inibições em adoração a Deus.
E quando encontramos Asafe pela primeira vez. Ele é atirado
por catapulta da obscuridade à proeminência ao ser escolhido para
reger a música de louvor do povo que escoltava a arca no trajeto
até Jerusalém.
“Disse Davi aos chefes dos levitas que constituíssem a
seus irmãos, cantores, para que, com instrumentos de
música, com alaúdes, harpas e címbalos, se fizessem
ouvir, e levantassem a voz com alegria. Portanto,
designaram os levitas a Hemã... a Asafe... e Etã..
(1 Crônicas 15:16-17)
Para que os guias tivessem consciência de sua capacidade
musical, a reputação de Asafe deveria ter sido semelhante à do
próprio Davi. Anos antes, quando era obscuro pastorzinho de
ovelhas, a habilidade de Davi para louvar a Deus com sua harpa já
era conhecida até na corte.
Logo após este fato, Davi nomeou Asafe para a posição
permanente de líder do culto, diante da arca da aliança.
“Designou alguns dos levitas para ministrarem perante
a arca do Senhor, para fazerem petições, para louvarem
e exaltarem ao Senhor Deus de Israel: Asafe era o
chefe... deviam tocar os alaúdes e as harpas, Asafe devia
fazer ressoar os címbalos... Nesse mesmo dia Davi
entregou a Asafe e seus irmãos, pela primeira vez, o
seguinte Salmo de ações de graças ao Senhor... Davi
deixou a Asafe e seus irmãos diante da arca da aliança
do Senhor para ministrarem ali continuamente,
segundo se ordenara para cada dia.”
(1 Crônicas 16:4,5,7,37)
Sem dúvida, Asafe era homem dotado de grandes dons
espirituais, e de grande potencial, ungido pelo Espírito a fim de
conduzir o povo no louvor. Com o passar dos anos, ele haveria de
escrever alguns salmos, e, muitos anos após sua morte, seria
lembrado pelo título profético de “vidente” (2 Crônicas 29:30).
Contudo, naqueles primeiros dias, logo após ser guindado da
obscuridade, Asafe estava numa posição perigosa. Recebera a
magnífica honra de ter seu nome ligado ao de Davi como o
salmista de Israel. Por razão de sua posição, o moço gozava de
reputação que excedia sua experiência.
A adoração sem inibições a Deus exigia todas as emoções e
esforços físicos. Os enormes corais e orquestras moviam a alma
na direção de Deus, havendo momentos em que tempo e espaço
pareciam tragados pela eternidade. Entretanto, a profunda
sensação da presença de Deus não podia ser confundida com a
experiência de conhecê-lo num relacionamento de aliança. Deus
ordenara os corais e a música, não, porém, como substitutos do
conhecimento do próprio Deus... Eram apenas expressão do
relacionamento com ele.
O louvor não é uma droga celestial destinada a amortecer a
dor desta vida. Visto que conhecemos nosso Deus, nós o louvamos
até em meio das tristezas cotidianas. Nosso relacionamento com
Deus é, primordialmente, reação responsiva de fé, fre-
qüentemente contrária às aparências e aos sentimentos. Nossa
vida se fundamenta sobre Quem é Deus, não sobre como pos-
samos sentir-nos a respeito dele, hoje.
Asafe, companheiro de Davi, homem que conduzia a nação no
louvor, no ápice de sua vida espiritual esgotou-se espiritual-
mente. Exauriu-se. Ocupadíssimo todos os dias na organização do
culto a Deus, as bases de Asafe começaram a desmoronar.
E significativo que o Espírito Santo registre o testemunho que
ele deu no Salmo 73, descrevendo como falhou e se recuperou.
Asafe é prova de que ninguém está isento de queimar-se
espiritualmente... e ele também é a esperança de que podemos
mover-nos, saindo da exaustão espiritual para a verdadeira
alegria da fé.
Devido o fato de ele ter documentado cuidadosamente as
causas que o conduziram a seus dias de crise na fé, o salmo é
preciosa chave para a compreensão do esgotamento espiritual.
Asafe também nos diz o que foi que o trouxe de volta — e deu-lhe
0 rico ministério pelo qual o conhecemos.
Ele relacionou o início de seus problemas com o dia em que
começou a observar os ricos vizinhos incrédulos, cuja vida era
opulenta. Eram prósperos materialmente, e pareciam não ter
qualquer preocupação neste mundo.
Ásafe fora criado sob a lei de Moisés, e embora, sob a influência
de Davi, tivesse sido tocado pela graça de Deus e se movido na
dimensão do Espírito, ele ainda se cingia aos velhos princípios da
lei. Acreditava que sua fé, sua dedicação a Deus e suas obras o
tomaram merecedor das bênçãos materiais do Senhor. A aliança
seria uma fórmula de prosperidade para uma vida tranqüila.
Tal perspectiva é sempre perigosa, porque iguala a espiri-
tualidade com as posses e livramento das oposições, nesta vida.
Era o fermento dos fariseus antecipando-se, e dizendo: “Visto que
eu fiz isto e aquilo, Deus deveria conceder-me bênçãos materiais.”
E o mesmo espírito que vemos no irmão mais velho da parábola do
filho pródigo: “E claro que eu deveria ser recompensado por todo o
trabalho que fiz para o senhor!”
O problema aqui não é se Deus abençoa seu povo com coisas
materiais. Ele abençoa. Contudo, as coisas materiais são o pós-
escrito da aliança que nos trouxe a um relacionamento dinâmico
com Deus.
Esse relacionamento significa que o crente assume atitude
completamente diferente da do incrédulo no que tange a posses e
riquezas. O incrédulo junta riquezas e amontoa posses como
segurança contra o futuro, a fim de adquirir poder sobre os outros
e manter a áurea de importância que o ouro lhe confere.
Mas o crente sabe que Deus se tomou para ele a segurança que
o dinheiro jamais compra, que Deus lhe conferiu nova auto-
imagem em Cristo. .. auto-imagem de plena honra e glória a que o
espírito humano mais aspira. Mais do que isso, quando estamos
ligados a Deus, que é amor, conhecemos a alegria de dar, da
mesma forma que recebemos, de tal modo que nossa vida se toma
rio caudaloso que segue dando, recebendo e dando de novo.
Para Asafe, a questão mais importante era a posse de bens
materiais e a vida livre de dificuldades. O pós-escrito se tinha
transformado na própria carta! Os resultados do relacionamento
da aliança obscureceram o próprio relacionamento.
Foi quando Asafe começou a contemplar os vizinhos naba-
bescos, a observar-lhes a vida impiedosa e a compará-la com a sua
própria dedicação e serviço a Deus. “Certamente eu mereço ser
abençoado com uma vida sem problemas, com bastante riqueza e
grande abundância de bens. Por que é que eles têm mais do que
eu?”
Ele gastou horas pensando nestes termos, observando como
esses vizinhos viviam, suas atitudes para com Deus e sua maléfica
influência sobre as pessoas ao redor. Quando, finalmente, começou
a expressar seus sentimentos, estava cheio de inveja; a visão
daqueles perversos era suficiente para deixá-lo mortificado. Asafe
fez uma descrição deles, cheia de minúcias e ódio:
“Portanto, a soberba lhes cinge o pescoço como um colar;
vestem-se de violência como de um adorno. Os olhos
deles estão inchados de gordura; não têm limite as
imaginações do seu coração. Zombam, e falam com
malícia; na sua arrogância ameaçam com opressão.
Erguem a boca contra os céus, e a sua língua percorre a
terra. Pelo que o seu povo volta a eles, e bebe águas em
abundância. Dizem: Como sabe Deus? Ou há
conhecimento no Altíssimo? São assim os ímpios; sempre
em segurança, e as suas riquezas aumentam.”
(Salmo 73:6-12)
Ao meditar sobre os malvados, e na crescente convicção de que
Deus o tratara injustamente, Asafe começou a exagerar a vida
agradável do incrédulo. Ao acreditar na mentira, fez com que suas
queixas ressoassem como se fossem corretas a seus próprios
ouvidos.
“Pois eu tive inveja dos soberbos, ao ver a prosperidade
dos ímpios. Não há apertos na sua morte; o seu corpo é
forte e sadio. São livres das tribulações dos mortais... São
assim os ímpios; sempre em segurança, e as suas
riquezas aumentam.”
(Salmo 72:2-5,12)
Fazendo declarações genéricas, universais, a respeito da vida
descuidada dos perversos — “Para eles não há preocupações. .. não
partilham das canseiras dos mortais... nem são afligidos” — Asafe
evita enfrentar a tolice da mentira que decidiu acatar.
Sua experiência prática ficou aquém daquilo que ele podia crer,
e que o evangelho teria prometido. Todos os dias, no monte Sião,
ele conduzira o povo no cântico de que Deus era grande e bondoso,
o Senhor sobre toda a terra.
Considerando todas aquelas coisas que ele entendia serem os
fatos reais, Asafe achou que a injustiça e a parcialidade
reinavam... que Deus abdicara seu trono. Descreve-se a si mesmo,
dizendo: ... quando o meu coração se azedou, e senti picadas nos
meus rins, estava embrutecido e nada sabia (Salmo 73:21-22).
As palavras “se azedou” descrevem um estado raivoso de
espírito, um ressentimento contra Deus por ele deixar que as
coisas sejam como são. Este sentimento se faz acompanhar de
amnésia — a pessoa se esquece de todas as bênçãos que Deus lhe
derramou no passado. A amargura é destilada em palavras
raivosas, em má vontade para com as pessoas em geral.
Asafe começou a demonstrar os sintomas clássicos do crente
queimado espiritualmente. Seu ódio contra Deus — ele tem
certeza agora de que Deus o abandonou e falhou em suas
responsabilidades com relação à aliança — expressa-se em
observações cínicas:
“Na verdade que em vão purifiquei o meu coração; em
vão lavei as minhas mãos na inocência.
O dia todo sou afligido; sou castigado cada manhã.”
(Salmo 73:13-14)
Com amargura, ele revê sua dedicação a Deus, sua caminhada
na fé; pergunta se houve vantagem nisso. Ponderou em tudo
quanto fizera.. . conduzira uma nação no louvor, escrevera salmos
que haveriam de ser entoados durante gerações... a recompensa
que teve foi viver dias cheios de problemas.
A memória do homem se filtrava através da autopiedade, de
modo que só se lembrava das más coisas, das partes negativas de
sua vida. Usou o termo “afligido”, que nas Escrituras é empregado
para descrever a ação de Deus. Diz ele: “Tu olhas para os que se
riem à tua face, tu os deixas prosperar; quanto a mim, que sou
filho da aliança, tu me bates todos os dias!” Suas perguntas,
misturadas com amargura e ciúmes, iam e vinham em sua mente,
e sempre voltavam ao seu problema com Deus.
Ele era membro do povo da aliança! “Julguei que tu podias
tratar melhor um dos teus filhos da aliança. Como é que Deus
pode permanecer verdadeiro à sua própria palavra, à luz de tudo
quanto estou vendo? Por que é que eu não tenho as riquezas todas
que desejo? Por que é que eles podem tê-las? Sou crente, eu
deveria viver sem dores e mágoas. Deus não manteve sua aliança
comigo.”
Ele descreveu sua experiência nesse ponto com estas palavras:
... os meus pés quase se desviaram; pouco faltou para que se
desviassem os meus passos (Salmo 73:2). Desde que começou a
acreditar nas distorções da verdade, sentiu que os pés
escorregavam, como se estivesse caminhando sobre gelo. Estava
perto do desastre.
Tendo aparentemente um motivo honroso, Asafe viu-se fugindo
dos amigos. Disse ele: “Se eu tivesse dito: Falarei assim; teria
traído a geração de teus filhos” (Salmo 73:15).
Na verdade, ele estava dizendo o seguinte: “Creio que vou
desistir de tudo quanto tenho crido, mas não quero influenciar
outras pessoas, e levá-las a partilhar de minhas dúvidas. Em face
de minha posição, exerço enorme influência sempre que o povo se
reúne para cultuar a Deus... por isso, vou guardar meus
sentimentos para mim mesmo, e me demitirei tão discretamente
quanto me for possível.”
Asafe se julgava hipócrita se permanecesse diante do povo
regendo o cântico de louvor. Louvor de que ele não partilhava.
Quando alguém o saudava, ele respondia da maneira usual:
“Louvado seja Deus”. Por dentro, porém, ele dizia: “Que adianta
prosseguir?” Assim que seu trabalho como regente dos corais e das
orquestras terminava, ele escapulia pela porta dos fundos, não
querendo falar com ninguém.
Conquanto fosse excelente idéia não falar com crentes ima-
turos, Asafe poderia ter discutido a questão com Hemâ e Etã, seus
colegas de ministério, e certamente teria recebido conselhos e
oração. Todavia, um sintoma clássico da queima espiritual é a
pessoa fugir dos outros, e querer ficar a sós.
Asafe afundou-se em areias movediças de tal maneira que não
conseguiu meditar em particular, ou escapulir do lodaçal. Quando
tentei compreender isto, fiquei sobremodo perturbado (Salmo
73:16). As palavras no original dão a idéia de que “a tentativa de
compreender o que estava acontecendo era esforço grande demais
para mim”. À semelhança de alguém que estivesse se congelando,
perdido, tudo o que ele desejava fazer se resumia em se deitar e
abandonar-se a um sono sem fim.
Ao resumir o que acontecera, Asafe disse que seu coração e sua
carne haviam falhado. Queimara-se espiritualmente. Agora,
desalentado e exausto, nada sobrara; não tinha nada com que
contar.
Mas finalmente ele teve o discernimento de que sua atitude
negativa representava muito mais do que um mau dia. Ele se
descreveu como estando “afligido” — fez uso de uma palavra que,
com freqüência, é utilizada no hebraico para descrever a pessoa
picada por serpente. Reconheceu que se expusera de modo a ser
picado pelo pai da mentira.
Em seguida, Asafe relembrou-se como saiu da terrível cova que
o sugava para baixo. Tinha chegado ao ponto em que nem se
incomodava de tentar fugir, e permaneceu no buraco até que
entrei no santuário de Deus... (Salmo 73:17).
Ao mencionar “entrei no santuário”, Asafe não se referia à
estrutura física. Rogar ao crente espiritualmente esgotado que vá
à igreja não vai ajudá-lo muito... ele acha que foi a igreja que lhe
sugou a vida! Asafe estivera dentro da estrutura física do
santuário todos os dias de sua vida, e nos últimos meses aquele
havia sido o lugar onde sofrerá os mais terríveis furacões. . . e onde
se sentira um grande hipócrita.
“O santuário” no Antigo Testamento era o lugar que Deus
escolhera para tomar conhecida a sua presença. A expressão
Monte Siáo, a colina de Jerusalém em que a arca de Deus se
instalara, veio a ser sinônimo do conceito de Deus morando entre
os homens.
Quando Asafe entrava naquele lugar (como o fez todos os dias
de sua vida, no desempenho de suas obrigações sacerdotais),
tomava-se consciente da Pessoa que morava no santuário. Ele não
se aproximava de um edifício, mas da Pessoa que dava
importância ao edifício. Vinha diretamente à Resposta, em vez de
buscar um livro de fórmulas e respostas.
A presença de Deus dava-lhe compreensão e perspectiva da
vida que ele jamais tivera antes. Se a houvesse tido, não se teria
queimado.
Primariamente, não foram as emoções que receberam ajuda; foi
sua mente, sua compreensão do que se passava. A pessoa
espiritualmente exaurida precisa mais do que o cântico de alguns
hinos inspirativos de louvor; estes simplesmente a farão sentir-se
bem no momento. A pessoa precisa é de uma perspectiva
completamente nova de como encarar a vida. Quando isto ocorre, a
fé retoma.
Asafe não veio a aprender algo realmente novo — ele com-
preendeu a palavra de que já dispunha, agora tomada viva e
aplicada pelo Espírito. Abandonou a posição de procurar fórmulas,
respostas e chaves para tomar-se tão bem-sucedido e feliz quanto
os perversos, e entrou num relacionamento com o Pai, que
constitui o ceme da fé.
Foi nesse momento que Asafe olhou para trás e descreveu-se a
si mesmo da maneira que já analisamos. Suas palavras expressam
arrependimento e mudança de pensamento a respeito das
conclusões a que chegara, cheias de amargura e autopiedade.
Lembrou-se de que agira mais como animal irracional do que
como filho de Deus. Estava embrutecido, e nada sabia; era como
um animal perante ti (Salmo 73:22). Qualquer animal reage de
acordo com os fatos apreendidos pelos seus sentidos. Asafe estava
na realidade reagindo diante da vida, em vez de agir nela à luz de
tudo quanto sabia a respeito de Deus.
Ao ponderar bem sobre onde estivera e em que havia começado
a crer, ele caiu em si e percebeu de repente: Todavia, estou de
contínuo contigo; tu me seguras pela minha mão direita (Salmo
73:23). Asafe percebeu que, apesar de ter perambulado como
errante, Deus nunca o abandonara, mas continuava a amá-lo. ..
Ele o sustentara em todo o trajeto.
A religião escandaliza-se diante dessa idéia. Ela defende que
para usufruir da presença de Deus e de sua mão orientadora, a
pessoa precisa ter merecimentos. Um homem que troveja contra
Deus e, ao mesmo tempo, lidera o culto no monte Sião, não só é
indigno, mas hipócrita também! Entretanto, Deus não nos
abandona quando, exaustos de tanto tentar explicar a vida
segundo nossa própria sabedoria limitada, desfalecemos.
Certa vez eu tentava arranjar carona numa estrada bravia da
Irlanda. Um fazendeiro local que me recebeu em seu velho
caminhão, disse-me que conhecia um atalho conducente a bela
estrada, a qual me levaria mais perto de meu destino. E tirou seu
velho veículo da estrada principal, tomando um caminho
lamacento, próprio para carroças. Trinta metros longe da estrada,
atolamos na lama grossa.
Saí do caminhão e tentei empurrá-lo. Não consegui. Eu estava
com pressa, e embora sentisse pena do fazendeiro, precisava
prosseguir viagem. Desejando-lhe muitas felicidades, voltei à
estrada à procura de outra carona.
Em outra ocasião eu viajava com um amigo e, em circuns-
tâncias semelhantes, atolamos. Desta vez eu não continuei
viagem; meu compromisso era chegar ao meu destino com o meu
amigo e, por isso, fiquei até conseguirmos desatolar o carro.
Deus nunca pega caronas! Ele não nos abandona quando
saímos da estrada principal, apanhamos um atalho e nos ato-
lamos estupidamente na lama. O compromisso de Deus é de
jamais nos abandonar. O pai continuara a amar seu filho pródigo
enquanto este andava pelo país distante, ilustrando um amor que
não depende do desempenho da pessoa amada.
E espantoso que muitas pessoas acreditem que Deus nos ama
incondicionalmente enquanto somos pecadores, e contudo, a partir
do momento em que passamos a fazer parte da família dele, seu
amor fique condicionado ao nosso desempenho. Podemos aceitar o
fato de que ele ama as pessoas indignas até que estas venham a
Cristo; porém, a partir daí precisamos merecer as bênçãos, ser
dignos de recebê-las.
Asafe descobriu em seu encontro com Deus no santuário que a
verdadeira prosperidade inicia-se com um relacionamento com
Deus. As coisas que ele invejara e cobiçara em seus vizinhos logo
desapareceriam nesta vida e, com toda certeza, na vindoura.
Entretanto, a alegria que Deus nos concede não pode
desaparecer porque flui dele, e não das coisas.
Olhando para o futuro, Asafe percebeu que haveria de chegar muitas
ocasiões em que ele enfrentaria outra vez problemas que poderiam exauri-lo.
.. mas agora ele possuía a resposta. Seu relacionamento com Deus e seu
conhecimento sobre como viver em comunhão com ele o levariam em triunfo
por quaisquer circunstâncias que o futuro desconhecido lhe trouxesse.
“A quem tenho eu no céu senão a ti? E na terra não há quem
eu deseje além de ti. A minha carne e o meu coração
desfalecem, mas Deus é a fortaleza do meu coração”.
(Salmo 73:25,26)
CAPÍTULO 12
Fé — a Alegria do
Senhor
O
verdadeiro problema de Asafe estava em suas expectativas de
Deus. Há coisas que o Senhor nunca prometeu, e que jamais
fará. Se estivermos esperando que ele faça coisas que não
prometeu, mais cedo ou mais tarde estaremos esgotados
espiritualmente.
Asafe procurava a felicidade. Deus não dá a seus filhos a felicidade
no sentido de circunstâncias perfeitas. Na verdade, ele nos livra tanto
da felicidade quanto da infelicidade!
O vocábulo felicidade provém do latim “felicitas”. Trata-se de
palavra criada pelo homem fora da aliança de Deus, para descrever a
vida como o ser humano a sente. O homem vê os eventos de sua vida
como sendo caóticos, sem que alguém os controle; portanto, os eventos
e as pessoas lhe sobrevêm. Tudo é questão de sorte, probabilidades,
destino impessoal.
Em algumas partes do mundo, as pessoas crêem que suas vidas são
controladas por espíritos cruéis, satânicos; portanto, vêem o caos da
vida como uma série de fatos atirados em seus caminhos pelos
demônios.
Pense em como a pessoa típica perambula errante pela vida. As
vezes, os fatos atiram-lhe ao colo as coisas de que gosta. Acha que está
sendo tratada como merece. .. as pessoas lhe dão o devido respeito, a
esposa está de bom humor e as crianças tiram notas boas na escola.
Seu time de futebol favorito está ganhando o campeonato e o sol
brilha todos os dias. Os acontecimentos tomam-no feliz, ele se sente
bem, tudo vai bem. A este relacio
namento com as circunstâncias a pessoa chama de felicidade1
Entretanto, na maior parte das vezes, as pessoas não gostam dos
acontecimentos da vida, das coisas que encontram pelo caminho. Elas
não fazem o que gostariam de fazer. Parece-nos que quem exerce o
controle da situação são os maus deste mundo. Achamos que não
somos estimados, e até nos julgamos rejeitados. As pessoas nos
magoam com suas palavras e ações. Há dias cheios de ansiedade,
preocupação e temor. Chove no dia sete de setembro, dia de pique-
nique. Nessas ocasiões, desejamos que todos esses acontecimentos não
tivessem acontecido. Quando dias assim começam a acumular-se,
dizemos que somos infelizes.
O homem procura escapar desses maus acontecimentos tentando
de alguma forma bloqueá-los na mente, e viver na fantasia de
felicidade. Não gosta do mundo do jeito que ele é, está entediado e
infeliz e, por isso, procura um meio de escapar, metendo-se numa
euforia que o faça acreditar momentaneamente que tudo será como
deseja.
Então surge a oportunidade para o vício das drogas, do valium à
cocaína; da filosofia do esquecimento nas “horas alegres” no bar. Isto
também faz parte das razoes porque milhões de pessoas se prendem
todas as noites às novelas de televisão.
A felicidade tem a aparência de paz, mas é falsa harmonia que se
prende a um fio fragílimo, em que todas as coisas e todas as pessoas se
encaixam nos planos atuais da pessoa. Essa pseudo-paz e pseudo-
felicidade assemelham-se à teia de aranha na sebe do jardim, em
manhã de verão. Ela rebrilha com um milhão de gotículas de orvalho,
ostentando a aparência de tiara de rainha. Mas no meio da manhã o
orvalho se evapora e algum animal destrói a estrutura frágil dos fios.
Até no riso tem dor o coração, e o fim da alegria é tristeza
(Provérbios 14:13). Qual o crepitar dos espinhos debaixo duma panela,
tal é o riso do tolo. Isto também é vaidade (Eclesiastes 7:6). Se a paz e
felicidade da pessoa dependerem de os outros agirem conforme essa
pessoa quer, ela passará a maior parte de sua vida na infelicidade.
O evangelho não constitui fórmula pela qual o crente tem garantia
de que sua vida estará em harmonia com a idéia que ele faz de como
ela deveria ser. A fé não é poder interior capaz de fazer todos os
acontecimentos se enquadrarem de modo que façam o crente feliz.
Como já vimos, Jesus veio a fim de livrar-nos da felicidade
(sensação de bem-estar baseada em circunstâncias externas). Assim,
Cristo nos livrou da infelicidade. Deixamos de ser escravos dos
acontecimentos e também da felicidade. Libertos da infelicidade, já
não necessitamos de fugir, e nos tomamos capazes de encarar a vida
como esta realmente é.
Se o crente foi induzido a pensar que Deus vai tomá-lo feliz fazendo
com que pessoas e acontecimentos da vida se encaixem em seus
planos, tal crente está bem perto do esgotamento espiritual.
A fé não é força que controla a Deus. Ela não consegue determinar
que os acontecimentos da vida obedeçam a um padrão de felicidade
pessoal. Entretanto, a verdadeira fé nos introduz numa dimensão só
conhecida pelos crentes. Há pouquíssimas pessoas felizes na Bíblia,
porém tampouco encontramos crentes infelizes.
A Bíblia está cheia de homens e mulheres que, por causa de sua fé,
constituem o alvo do ódio do mundo. São traídos pelos melhores
amigos, estão rodeados de pessoas que lhes tomam difícil a prática da
fé, vêem-se tentados pelo diabo e pressionados pelo mundo para que
se conformem com os padrões mundanos. Acrescente-se a tudo isso o
fato de as pessoas partilharem com toda a humanidade a vida num
mundo decaído, com todas as suas mazelas naturais. Dificilmente
alguém diria que este é um quadro de felicidade!
Entretanto, tais pessoas têm a vida cheia de gargalhadas.
Encontramo-las louvando a Deus ao ponto de dançar, bater palmas e
rodopiar de alegria. E fazem tudo isso enquanto coisas negativas estão
acontecendo. Tais pessoas não estão escravizadas àquilo que lhes
acontece. Portanto, não são escravas da felicidade ou da infelicidade.
A fé trouxe o crente a uma nova dimensão de vida que não depende
dos eventos e das pessoas ao redor. Trouxe-nos à compreensão de
nossa comunhão com o Espírito de Cristo, e daí vem. .. o fruto do
Espírito... alegria... (Gálatas 5:22).
Este vigor espiritual que energiza o crente recebe o nome noutra
passagem de. .. alegria no Espírito Santo (Romanos
14:17) e . .a alegria do Se nho r. . (Ne e mias 8:10). Isaías,
contemplando o futuro e vendo os dias da nova aliança, disse:
. .e os remidos do Senhor voltarão e entrarão em Sião
com júbilos; alegria eterna coroará as suas cabeças. Gozo e
alegria alcançarão, e deles fugirá a tristeza e o gemido.”
(Isaías 35:10)
O anjo anunciou aos pastores, nos campos de Belém:
“Não temais. Eu vos trago novas de grande alegria, que o
será para todo o povo.”
(Lucas 2:10)
“Alegria eterna” é a alegria singular de Deus. Eterno é termo
diretamente relacionado a Deus; só ele não tem começo nem fim.
Eterno é o que existe antes e depois do tempo, não estando, portanto,
vinculado aos acontecimentos temporais. Os acontecimentos
pertencem ao tempo; o eterno pertence a Deus.
A alegria eterna do Senhor é a alegria que ele tem em si mesmo.
Deus está infinitamente satisfeito consigo mesmo. Ele é perfeito, nada
havendo que lhe possa ser acrescentado ou subtraído. A alegria de
Deus é que ele é quem ele é!
Considere a revelação que Deus nos deu de si mesmo. O simples
fato de ele ter-se revelado a nós mostra-nos seu coração: Deus é amor.
Ele poderia ter-nos deixado nas trevas, mas decidiu vir iluminar-nos e
chamar-nos para a comunhão com ele. Amor não é algo que ele tem,
mas é sua própria essência, o modo de ele ser. Por causa disso, Deus
agiu com o homem em graça, vindo a nós e celebrando aliança
conosco.
Em tudo quanto ele é, Deus é fundamentalmente amor,
procurando nosso maior bem por sua própria conta. Seu poder
onipotente na criação e na ressurreição operou em nosso benefício. Ele
nos conhece de modo total, e nos ama de modo total. Sua sabedoria
planejou um fim perfeito para nós, de modo que viéssemos a ser o
objeto de seu amor eternamente. E em tudo isso, ele não muda...
nunca é melhor, nunca pior... porque ele é infinitamente completo.
Conseguiríamos nós imaginar um Deus que não fosse amor? Se ele
não se houvesse manifestado a nós, o homem jamais
pensaria num Criador que fosse amor. Nós o teríamos imaginado
como Deus todo-poderoso, distante, ditador supremo. As religiões
humanas, que surgiram a partir da sabedoria humana, têm
imaginado que Deus é cruel ou, na melhor das hipóteses, frívolo, que
persegue e ridiculariza a humanidade.
Podemos nós imaginar um Deus que nos conhece completamente, e
está determinado a magoar-nos. .. um Deus do qual jamais podemos
escapar, que se deleita em injuriar-nos. .. uma força onipotente a
serviço da destruição.. . um Deus que celebrou aliança para
amaldiçoar-nos? Não! A maravilha da revelação que o amor fez ao
homem é que Deus é amor!
Ele se expressou em Jesus Cristo, a Palavra, Deus conosco, para
revelar-nos quem ele é. O Deus cuja alegria eterna está na sua
satisfação consigo mesmo, anunciou que sua alegria e deleite encontra
seu foco em Jesus. .. E uma voz dos céus disse: “Este é o meu Filho
amado, em quem me compra- zo” (Mateus 3:17).
Apocalipse 5:12 resume a questão assim:
“Digno é o Cordeiro, que foi morto, de receber poder e
riqueza, e sabedoria, e força, e honra, e glória, e louvor.”
Ele se agrada de seu povo; Deus nos ama e exulta de alegria por
nós! “O Senhor teu Deus... se deleitará em ti com alegria... regozijar-
se-á em ti com júbilo” (Sofonias 3:17).
Em face da perfeição do propósito de Deus, nada que o homem
possa fazer poderá prejudicá-lo em última instância. Quando o
homem se ergue a fim de destroná-lo, ele se ri em função da alegria
que sente em seu perfeito plano de amor.. . e da loucura do homem em
até mesmo tentar destruí-lo.
“Por que conspiram as nações, e os povos imaginam coisas
vãs? Os reis da terra se levantam, e os príncipes se reúnem
contra o Senhor e contra o seu Ungido, dizendo: Rompamos
as suas cadeias, e sacudamos de nós as suas algemas.
Aquele que está entronizado nos céus se ri; o Senhor zomba
deles.”
(Salmo 2:1-4)
Na condição de crentes, fomos trazidos à comunhão com Deus em
Cristo. Através do seu Filho, a alegria e a satisfação que Deus tem em
si mesmo passou a habitar em nós. O Espírito Santo abriu nossos
olhos, e fez que víssemos o amor que Deus tem por nós, e nele
crêssemos. E quando a fé descansa nessa realidade, o resultado é... o
fruto do Espírito... alegria...
Os acontecimentos da vida às vezes não são como o crente gostaria
que fossem; às vezes as pessoas o ferem, e o diabo o ataca com suas
piores armas; contudo, em tudo isso, o crente se regozija.
A fé não fica contemplando os eventos da vida. Ela enxerga mais
longe, e constata que Deus é bom, e que cada minúcia da vida está
cooperando de modo triunfal para a execução do plano perfeito e sábio
de Deus — não importando as aparências.
E na reação responsiva da fé e do descanso no senhorio de Jesus
sobre todas as coisas da vida que a força do Senhor é liberada dentro
do crente, e a expressão disso é a alegria:... a alegria do Senhor é a
vossa força (Neemias 8:10).
Lembro-me de certa manhã, quando eu e minha filhinha de três
anos desfrutávamos o sol quente. De súbito, nuvens negras
apareceram no horizonte e correram pelos céus em nossa direção.
Dentro de minutos sobreveio escuridão amedrontadora que nos
engolfou, iluminada por raios que partiam das nuvens.
Minha filhinha apertou minha mão e disse, tremendo:
— Papai, o sol morreu!
— Não, respondi-lhe eu — ele ainda está lá, brilhando do mesmo
jeito como brilhava há cinco minutos. Só não podemos vê-lo agora.
Em seguida começou a chover. Não havia abrigo para onde
pudéssemos ir, de modo que tivemos de agüentar a chuva desferindo
sua fúria sobre nós, ensopando-nos em poucos segundos.
— Papai, estou com medo — exclamou minha filha em meio aos
trovões.
— Não tenha medo — disse eu — o sol ainda está brilhando e nós o
veremos daqui a minutos.
Dentro de dez minutos, os momentos escuros do temporal marcado
pelos trovões espalharam-se pelas campinas. De súbito, tudo voltou à
tranqüilidade e de novo o sol passou a brilhar
Rnquanto o vapor subia de nossas roupas, minha filhinha ria e dizia:
— Você tinha razão, papai, o sol não morreu!
Quando todos os poderes das trevas se atiram contra nós, quando
as pessoas nos ferem e nada parece dar certo, a fé enxerga além da
escuridão e diz: “Deus existe. As promessas de Deus são verdadeiras.
Ele é sábio, controla tudo, ele é bom e me ama. Ele não morreu.”
É nesta afirmação de fé que a alegria do Senhor se levanta em
nosso coração, e estabelece nosso relacionamento com Deus. Tal fato
expressa-se em nossos lábios e coração quando começamos a louvar e
a adorar ao Senhor pelo fato de ele ser o Deus que é. O crente sabe
que os problemas desta vida não conseguiriam interromper os planos
e objetivos daquele que é amor. Ele é sábio, bom e fiel à Palavra de
sua Aliança.
Esta alegria está sempre no coração do crente, e é considerada
sobrenatural quando a arremetida furiosa dos problemas chega ao
ponto crítico. Habacuque percebia a aproximação de problemas, mas
bradava com alegria e fé:
“Ainda que a figueira não floresça, nem haja fruto na vide,
ainda que o produto da oliveira falhe, e os campos não
produzam mantimento, ainda que as ovelhas sejam
exterminadas, e nos currais não haja gado, todavia eu me
alegrarei no Senhor, exultarei no Deus da minha salvação.”
(Habacuque 3:17,18)
O louvor é a fé em ação, exprimindo seu âmago. A fé enxerga além
das nuvens e da chuva, e contempla o sol que ainda está brilhando.
Ainda que sinta as agruras desta vida, a fé se une a Deus e regozija-
se nele; e a alegria do Senhor é a sua força (Neemias 8:10).
É esta reação alegre da fé perante Deus que constitui a vitória
sobre o inimigo e sobre os problemas que nos rodeiam. Tudo que se
segue decorre desta alegria triunfante da fé.
O objetivo constante de Satanás é levar-nos a amaldiçoar a Deus
diante de cada dificuldade, e fazer-nos partir em amargura. Com
respeito a Jó, o escárnio do diabo era:
— Jó te serve em troca de nada? Não passas de escravo de Jó! Se
sobrevier uma crise, ele te abandona.
As épocas difíceis são a prova de nossa fé. Quando todas as
evidências indicam que Deus está ausente, a fé enxerga além das
circunstâncias e regozija-se em Deus. Contudo, isso não é o fim. Se
fosse, esta posição seria apenas a variação do fatalismo.
O crente submeteu-se a Deus e declarou: “Eu creio em ti, a despeito
de tudo que estou vendo!” Está agora capacitado para executar a
vontade de Deus naquela situação especial. Ele consegue dizer a
Cristo, que é a sua vida: “Que faremos agora? Serás glorificado neste
ato?”
Após Habacuque haver clamado em alegria sua fé no Senhor
mesmo diante do desastre que se aproximava, percebeu em seguida
sua comunhão com Deus. Agora Deus poderia realizar seus propósitos
através de Habacuque, e derrotar o inimigo. O profeta encerrou sua
afirmação de fé em Deus com estas palavras: “O Senhor é a minha
força; torna os meus pés como os das corças, e me faz andar sobre os
lugares altos” (Habacuque 3:19). A Bíblia Amplificada traduz assim
esta passagem: “O Senhor Deus é a minha fortaleza, minha bravura
pessoal, meu exército invencível...”
O profeta podia enfrentar agora todos os problemas com ousadia
vinda de Deus. O Senhor venceria em seu lugar. A fé podia, agora,
falar com autoridade, resistir ao diabo e ser a manifestação da vida
ressurreta de Jesus entre os homens.
É o regozijo do louvor que prepara o caminho para a vontade de
Deus cumprir-se por nosso intermédio. A fé que oferece louvor a Deus
compreende com exatidão o que é necessário ser dito e feito para que a
vontade de Deus seja cumprida em qualquer situação.
“Aquele que oferece sacrifício de louvor me glorifica, e àquele que
bem ordena o seu caminho eu mostrarei a salvação de Deus” (Salmo
50:23). Certa versão da Bíblia traduz assim este versículo: “Aquele
que sacrifica oferta de gratidão me glorificará — e preparará
caminho pelo qual poderei mostrar-lhe a salvação de Deus.”
Quando nos abrimos em louvor, diante de dificuldades e
confusões, dispomos de caminho, de estrada preparada, ao
longo da qual podemos caminhar na direção da salvação ou do
livramento que Deus preparou para nós.
Considere esta parábola: imagine a vida cristã acontecendo nas
encostas de uma montanha. Há vários acampamentos de crentes
espalhados pelas vertentes da montanha, sendo que cada grupo
discute o maior problema enfrentado por quem mora nela.
A intervalos regulares, pedras de todos os formatos e tamanhos
rolam e vão passando pelos acampamentos. A discussão que
predomina em todas as reuniões desses acampamentos é: “De onde
vêm as pedras, quem as está empurrando para que rolem por cima de
nós, e que faremos?”
Alguns crentes espiam as pedras que se aproximam e lastimam-se,
temerosos. Sentem-se infelizes, e gostariam que as pedras mudassem
de rumo, que se evaporassem, que acontecesse qualquer coisa, desde
que desaparecessem. Nas reuniões de oração esses crentes medrosos
rogam a todos que orem a seu favor, porque os perversos atiradores de
pedras estão atacando de novo: “Orem para que as pedras vão-se
embora”, suplicam.
Tais crentes candidatam-se ao esgotamento espiritual. Alimentam
expectativa da parte de Deus, a qual, por ser falsa, nunca se realizará.
O conceito que têm do evangelho é que Jesus removerá todas as
pedras que descerem da montanha; a definição que fazem de paz é a
ausência de pedras caindo lá de cima.
Outro crente, influenciado pelo pensamento grego mais do que
pelas Escrituras, contempla as pedras e suspira: “Eis minha cruz que
devo suportar; vou carregá-la com paciência!” O testemunho dele às
demais pessoas na encosta montanhosa é que o Deus dele o ama tanto
que, regularmente, atira-lhe pedras. E o fatalista disfarçado de santo.
A filosofia dele é que o que deve acontecer, acontecerá.
Em todas as cidades há muitas congregações que vivem esmagadas
pelas pedras que rolam das montanhas. Crêem sinceramente que
Deus quer que as coisas sejam assim. O conceito que fazem de Deus é
semelhante ao do irmão mais velho, na imagem que fazia de seu pai;
portanto, não há Boas Novas que a fé possa despertar.
Tais crentes não têm alegria e tampouco felicidade. E bem difícil
alguém entusiasmar-se diante da idéia de um Deus que atira pedras
em seus filhos! Eles vivem num estado de exaustao espiritual, lutando
para sobreviver num mundo em que as pedras despencam enquanto,
ao mesmo tempo, devem crer que Deus os ama.
Outro crente, embora mais próximo da verdade, também se
encaminha para o esgotamento espiritual por causa da maneira como
encaminha a vida. Zomba do fatalista: “Você deve estar louco para
crer que Deus atira pedras no seu povo, a quem ama! Eu não creio
que Deus quer que esta pedra caia sobre mim.”
Ele entende a fé assim: acha que pode mudar a montanha do jeito
que quiser... quer felicidade, sem pedras à vista.
Se for extremista, poderá ver uma pedra caindo e dizer a seu
irmão: “Não há pedras por aqui. Nem sequer mencione esta palavra
perto de mim, pois minha fé seria destruída.” Quando uma pedra rola
por cima dele, ele se recusa a mudar sua posição confessional; quando
as pessoas lhe perguntam se a pedra o feriu, ele nega que alguma
pedra chegou a aproximar-se dele.
Um de seus colegas, não tão extremado, terá comportamento
diferente. Ele dirá que Deus não atira pedras — quem o faz são os
perversos. Acreditando que a fé é poder para uso pessoal, tenta usá-la
para dissolver a pedra! E quando ela cai bem em cima dele, ele se
abala.
Os demais membros de sua igreja dirão que esse crente não tem fé
suficiente, razão por que a pedra rolou por cima dele. Então o crente
acha que Deus ficou tão decepcionado pelo seu fraco desempenho
quanto seus irmãos ficaram; e passa a imaginar que talvez Deus o
teria rejeitado pela sua falta de fé.
Desejando que seus irmãos crentes o aceitem, e que haja
prosseguimento em sua reputação de homem de fé, esse crente
poderá esconder dos irmãos o fato de que uma pedra acabou de
atingi-lo. Ao fazer isso, o crente inicia uma caminhada solitária pela
estrada da máscara no rosto, um dos primeiros sintomas da queima
espiritual que se aproxima.
Se esse processo continuar a repetir-se, o crente certamente se
queimará. A queima dele será mais devastadora do que a de seu
estóico amigo no fim da rua. Naquela igreja ninguém espera nada e,
na verdade, todos agradecem a Deus quando nada recebem!
Este crente pensa que a fé pode manipular a vida e acomodar seus
objetivos. Quando o esquema deixa de funcionar, o crente acaba
amargurado e dá o fora daquilo que pensava ser o evangelho. A queixa
dele será semelhante à de Asafe: “Eu tinha fé, mas Deus nada fez. Ele
me abandonou.”
Apesar de toda a sinceridade dessa pessoa, ela se esgotará
espiritualmente porque lhe falta fé em Deus. Ela iguala a fé natural à
fé proveniente de Deus, e julga que fé é moeda celestial com a qual se
pode comprar a felicidade. Crê, de maneira errônea, que se tiver fé
suficiente, conseguirá manipular a Deus, e o levará a atender todos os
seus desejos.
Mas Deus não honra esta pseudo-fé. O evangelho é, em primeiro
lugar, o anúncio de um relacionamento de aliança; somos chamados
para conhecer a Deus pessoalmente.
Nossa fé, mediante a qual Deus opera em nossa vida, emana desse
relacionamento, e não de fórmulas segundo as quais se alega que
Deus nos obedece.
Ele preferiria que a pedra rolasse sobre nós, em vez de nos ver
tentando manipulá-lo. Ele quer que o conheçamos, e que desse
relacionamento possam fluir todas as bênçãos da aliança divina.
O crente cuja fé nasceu do Espírito contempla a pedra que vem
rolando e sente-se perturbado. Poderá sentir um toque de medo e
desejar que a pedra vá embora... ele não gosta de pedras. Contudo, ele
interromperá a seqüência de pensamentos de temor e de desejos de
fugir correndo. Diz a si mesmo que existe ali muito mais coisas do que
pedra caindo. Prefere ver todos os fatos, que incluem outras coisas
além da pedra.
Sabe que Deus controla a montanha toda, o que inclui todos os
atiradores de pedras e todas as pedras. Sabe, também, que Jesus
ressuscitou dentre os mortos e venceu todos os apedreja- dores. À luz
desses fatos, ele entenderá que houve permissão para que a pedra
rolasse, a fim de que a glória de Cristo fosse revelada... e para que
mais uma vez ficasse evidente que todos os atiradores de pedras estão
derrotados.
Jamais a fé esmorece ante a aproximação das pedras da vida. E
quando elas estão caindo que a fé mostra o que tem de melhor.
Com louvor a Deus, que é o dono da montanha, e a Jesus, o
vencedor dos atiradores de pedras, o crente que tem fé coloca-se tu»
caminho das pedras e recebe-as à medida que caem. Com brado de
vitória, ele pergunta: “Que faremos com isto, Senhor? De que
maneira tu serás glorificado desta vez?" Essa pessoa, em comunhão
com seu Deus, é senhor da montanha, e não se esgotará
espiritualmente.
Fé — a Paz do Senhor
H
á ocasiões em que alguns crentes, que caminham pela fé na
graça e no amor de Deus, de súbito se esgotam
espiritualmente. Todavia, antes não se haviam percebido em
suas vidas nenhum dos fatores que comumente induzem os crentes
a esgotar-se; no entanto, de súbito, esses crentes se cansaram
demais para prosseguir. São crentes diferentes da vela que
gradualmente vai queimando, dá uns estalos e se apaga. São
crentes semelhantes à vela que ardia alegremente e, de repente,
apaga-se; todos se voltam e perguntam: “O que aconteceu?”
Elias foi assim. Quando o vemos no cume de sua carreira, é difícil
deixar de pensar nele como tipo do supercrente, alguém que ocupa
uma classe diferente das demais. E interessante que Elias é o único
crente das Escrituras sobre o qual somos advertidos para que o
consideremos pessoa comum. Elias era homem sujeito às mesmas
paixões que nós, e orou com fervor... (Tiago 5:17).
Pouco sabemos a respeito de Elias. Na verdade, poucas pessoas
souberam algo a respeito dele. Viera das montanhas agrestes,
solitárias, de Gileade, onde seu único companheiro era o Deus da
aliança. Ele confiava nas palavras que o Senhor se comprometera a
cumprir em prol de seu povo.
De seu retiro distante, nas montanhas, o profeta observava Israel
sendo espoliado espiritualmente por Jezabel, a esposa pagã de
Acabe, rei de Israel. Ela era de Sidom, nação ao norte
de Israel. O casamento havia sido arranjado com o objetivo de
unir ambas as nações.
Jezabel era princesa, da família do rei sidônio Etbaal. Este rei,
em face de seu sangue nobre, atuava também como sumo sacerdote
do culto de Baal. De uma ou de outra forma, Baal (que quer dizer
“senhor”) era adorado em toda Canaã, e até em Tiro e Sidom, ao
norte. Era considerado a fonte da vida e da fertilidade; entre os
povos agrícolas, todas as colinas e montanhas eram dedicadas aos
ídolos de Baal.
Em Sidom, esse deus era conhecido como Baal Melkart.
Consideravam-no o deus do fogo e do poder, sendo seu símbolo um
machado de guerra. Sua deusa e esposa chamava-se Aserá. Baal
também era considerado fonte da fertilidade e de tudo que fosse
necessário para que as colheitas se tomassem boas e os animais se
multiplicassem. Numa comunidade agrícola, a adoração de Baal
significava a promessa de colheitas abundantes, e muito gado, o
que também queria dizer riquezas e poder.
Estando a ênfase dessa religião na força e na fertilidade, seguiu-
se a obsessão pelo sexo. Os templos de Baal e de Aserá eram
servidos por exércitos de sacerdotes e sacerdotisas. Estas atuavam
como prostitutas sagradas durante os cultos àquelas divindades.
Baal Melkart era sinônimo de todas as formas de imoralidades e
desvios sexuais, de materialismo e luxúria. Quando Jezabel foi
escolhida como noiva de Acabe, rei de Israel, ela determinou que
haveria de entregar seu marido e o povo de Israel como sacrifício a
seus deuses.
Quando o casamento foi celebrado, Israel se encontrava num
ponto muito baixo de sua vida espiritual. Jezabel trouxe “evan-
gelistas” que bem depressa desviaram o povo israelita do culto ao
Deus da aliança. Não demorou muito para que houvesse altares a
Baal em cada colina e montanha.
Logo após chegar a Israel, Jezabel prontificou-se pessoalmente a
sustentar 450 profetas de Baal e 400 de Aserá. Acabe era pessoa
fraca, sem tempo para religião; deixava que a esposa cuidasse
daquilo que ele considerava o “hobby” dela, enquanto ele próprio se
dedicava aos cavalos!
Quando Elias observava esse desastroso cenário e orava, a
Palavra do Senhor veio a ele. No capítulo 28 de Deuteronômio,
Deus relacionara todas as bênçãos que adviriam a seu povo
enquanto este caminhasse dentro da aliança; havia relacionado
também todas as maldições que sobreviriam se o povo abandonasse
a aliança.
Foi revelado a Elias que Israel, por ter abandonado a aliança,
seria visitado com uma dessas maldições e que ele, Elias, seria o
veículo mediante o qual elas sobreviriam. O versículo que lhe
prendeu a atenção foi este:
“Os teus céus sobre a tua cabeça serão de bronze, a terra
debaixo de ti será de ferro. Por chuva da tua terra o
Senhor te dará pó e cinza; dos céus descerá sobre ti, até
que sejas destruído.”
(Deuteronômio 28:23,24)
Quando Elias desceu das montanhas de Gileade e caminhou
pela terra, não havia indicações de que Israel houvesse um dia
adorado outro deus que não fosse Baal. Não existia qualquer sinal
de algum crente no Senhor Deus de Israel, em nenhum vilarejo
pelo qual Elias passasse.
Milhares de crentes estavam espalhados pela terra, escondidos
dos espiões de Jezabel. Aquela mulher fanática condenaria à morte
toda e qualquer pessoa que não se convertesse a Baal. Muitos já
haviam morrido por causa de sua fé.
Personagem-chave na salvação das vidas de muitos profetas do
Senhor era alguém que a própria rainha empregara, Oba- dias,
encarregado do palácio e responsável por tudo quanto nele
acontecesse. Ele escondera uma centena dos profetas de Deus nas
cavernas, e alimentava-os diariamente... provavelmente da cozinha
real!
Elias não dispunha de muito tempo. Era necessário proceder de
modo diferente da atitude adotada pelas pessoas que se haviam
escondido. O nome dele, Elias, quer dizer “o Senhor é Deus”. Numa
sociedade em que todos afirmavam “Baal é Deus”, bastaria
mencionar o nome de Elias para que a luva do desafio fosse atirada,
desafio a todos quantos ousassem pronunciar o nome de outro deus.
A atitude dele era um tanto arrogante: “Já que eles preferiram
esconder-se, vou enfrentar a nação idólatra sozinho.”
Foi ao palácio e apresentou-se diante de Acabe, anunciando: “Tào
certo como vive o Senhor, Deus de Israel, perante cuja face estou,
nem orvalho nem chuva haverá nestes anos senâo segundo a minha
palavra” (1 Reis 17:1).
Ao falar perante Acabe, Elias revelou um pouco dos temores que
haveriam de constituir sua queda, numa fase crítica de sua vida.
Por que não enfrentou ele Jezabel? Ela era a sacerdotiza- mor da
religião vil que causara a maldição. Acabe não quis intrometer-se
nesses assuntos. É possível que Jezabel não houvesse recebido a
notícia da visita de Elias ao palácio real senão muito tempo depois.
De acordo com a palavra do profeta, as chuvas cessaram, e lá em
cima o sol escaldante brilhava semana após semana. As colheitas
começaram a murchar, a falta de água tomou-se um problema.
Numa terra em que as pessoas se haviam consagrado a um deus
que afirmava ser responsável pela chuva, pela luz solar e pelo
crescimento das colheitas, a natureza dessa maldição chegava a ser
humorística.
Guiado pela voz de Deus, Elias recebeu proteção divina no
ribeiro de Querite, em que os corvos lhe traziam alimento de
manhã e à tarde. Dali, o Espírito o guiou à terra de Sidom, à fonte
de Baal Melkart; e na cidade de Zarefate Elias recebeu provisão
miraculosa — bem como uma viúva e seu filho.
Depois de três anos e meio de seca por toda a terra, veio a Elias
a Palavra do Senhor, orientando-o quanto ao próximo passo. O
povo sentira a força da maldição, que demonstrara a impotência de
Baal para produzir chuva — e agora esse povo precisava ser
reconduzido à fé no Deus vivo.
Segundo os registros da Bíblia, seria verdade afirmar que Elias
não tinha medo de nada e de ninguém. Havia chegado das
montanhas e permanecido fiel diante de uma nação apóstata;
intimorato, pronunciou a maldição diante de Acabe e viveu durante
três anos e meio de fome sem qualquer temor... confiante no
suprimento de Deus.
Finalmente, Elias chegou ao maior desafio de todos os tempos.
Algo que exigia destemor sobrenatural. Ele deveria desafiar a
religião de Baal Melkart diante de toda a nação. O lugar era o
monte Carmelo, montanha muito alta na costa mediterrânea, que
se tomara centro do culto a Baal.
Elias dirigiu-se a Israel e encontrou-se com Obadias. De-
monstrou certo menosprezo pelo homem que não se havia declarado
crente em Deus, no palácio real. O fato de Obadias haver
alimentado os profetas de Deus pouco significava para Elias. Ele
ordenou a Obadias que levasse um recado a Ácabe, exigindo que o
rei viesse ao seu encontro. Elias deixou bem claro que era ele e não
Acabe quem estava controlando a situação. Deve-se observar que
ele não convidou Jezabel.
Os dois homens, Elias, vestido de um manto de lã, e Acabe,
envergando trajes finíssimos, palacianos, encontraram-se num
lugar escolhido por Elias. O profeta deu ordens a Acabe: todo Israel
deveria reunir-se no monte Carmelo, ao lado dos 450 profetas de
Baal e das 400 profetizas de Aserá.
Acabe desprezava o profeta, mas, surpreendentemente, obe-
deceu-lhe as ordens! A mensagem foi divulgada. E possível que
Jezabel tenha ficado furiosa ao saber que seu fraco marido
obedecera ao profeta. E significativo que ela não tenha vindo, e
tampouco as 400 profetizas sob sua liderança imediata. Todas as
demais pessoas compareceram.
Elias ficou só, como sempre acontecera. A multidão de Israel
juntou-se na montanha, próxima ao rei sentado em seu trono real, e
os profetas de Baal ataviados em vestes brancas e chapéus.
Sentiam-se muito à vontade naquela montanha onde tantas
convenções de sua religião se realizaram.
Alguém poderia perguntar: “Onde estão os milhares de crentes?”
Era a pergunta que Elias havia feito mais de uma vez, enquanto
perscrutava a cena diante dele. Este não era um dia próprio para
esconder-se em cavernas, comer alimentos levados secretamente da
cozinha de Jezabel. Não era dia de orar por detrás de portas
trancadas. Este era o dia de levantar-se e ficar ao lado de Elias.
Contudo, nesse dia Elias era o único representante do Deus da
aliança, enfrentando uma nação inteira de adoradores de Baal e
seus sacerdotes fanáticos. No comando da situação, o profeta atirou
seu desafio:
“Elias se chegou a todo o povo, e disse: Até quando
coxeareis entre dois pensamentos? Se o Senhor é Deus,
segui-o; mas se é Baal, segui-o. Porém, o povo nada lhe
respondeu. Então Elias disse ao povo: Só eu fiquei dos
profetas do Senhor, mas os profetas de Baal são
quatrocentos
e cinqüenta homens. Dêem-se-nos dois novilhos.
Escolham eles para si um dos novilhos, e o dividam
em pedaços, e o ponham sobre a lenha, porém não
lhe metam fogo. Eu prepararei o outro novilho e o
porei sobre a lenha, e não lhe meterei fogo. Então
invocai o nome do vosso deus, e eu invocarei o
nome do Senhor. O deus que responder por meio
do fogo, esse é que é Deus. E todo o povo
respondeu: E boa esta palavra.”
(1 Reis 18:21-24)
Ao transformar a descida de fogo dos céus em desafio, o profeta
Elias estava enfrentando tudo o que Baal Melkart representava.
Ele era o deus do fogo! O deus do sol, doador de vida! Que se
mostrasse agora pelo que era. Nos templos de Baal, os sacerdotes
costumeiramente acendiam fogos nos altares mediante mecanismos
embutidos nos próprios altares. Aqui, ao ar livre, Elias propõe uma
demonstração real do deus deles.
Os sacerdotes de Baal iniciaram suas danças frenéticas,
contorcendo-se e girando, acompanhados por rugidos e gritos. À
medida que as horas se passavam, iam-se retalhando com facas, até
que o sangue fluía abundantemente. Elias estava de lado, sem
medo, mofando deles em alta voz.
“.. .Clamai em altas vozes! Pois ele é deus! Talvez
esteja pensando, ou tenha alguma coisa que fazer,
ou que intente alguma viagem. Talvez esteja
dormindo, e necessite que o desperte.”
(1 Reis 18:27)
Elias permitiu que prosseguissem naquilo até “passado o meio-
dia”, hora em que o sacrifício da tarde estaria sendo oferecido ao
Senhor em Jerusalém, em seu templo. Então o profeta edificou um
altar ao Senhor e nele colocou o sacrifício. Ordenou que muitas
vasilhas de água do mar ali perto fossem despejadas sobre o
sacrifício — ninguém poderia dizer que o fogo adviria mediante
truque. A oração do profeta foi simples e curta; e foi respondida
imediatamente, com fogo que consumiu o sacrifício e transformou a
água em vapor.
O povo entusiasmou-se e gritou: “O Senhor é Deus! O Senhor é
Deus!” Os profetas tentaram escapar, mas foram capturados e
executados pessoalmente por Elias, de acordo com a justiça própria
daqueles dias — pelo crime de induzir a nação ao erro, extraviando-
a, e pela multidão de crentes que haviam condenado à morte.
Contudo, Elias ainda não terminara. Ele se dirigiu ao cume do
monte Carmelo para orar. Enviou seis vezes seu servo para que
procurasse sinal de nuvens de chuva, porém, cada vez que o jovem
voltava dizia que só havia enxergado a vasta expansão azul. Porém,
na sétima vez ele voltou com a novidade de que havia uma nuvem
do tamanho da mão de um homem.
Elias sabia que sua oração fora respondida. Disse a Acabe, que
se deliciava num pique-nique real, que voltasse rapidamente para o
palácio, ou seria apanhado pela tempestade. O Espírito sobrevio a
Elias, que se pôs a correr com tal velocidade que ultrapassou a
carruagem de Acabe.
Corra com Elias, sinta os cabelos esvoaçando na nuca, a chuva
no rosto! O Senhor demonstrou que é Deus! Ele fez parar a chuva,
enviou fogo, e agora envia chuva novamente. As plantações
crescerão e todos darão glória a Deus, sabendo que Baal nada tem
que ver com isso. A mente dá saltos à frente, enquanto você corre
na direção de Jezabel!
Você sabe que Israel derrubará todos os altares de Baal, as 400
sacerdotisas ausentes voarão de volta a Sidom, e talvez Jezabel irá
com elas? E se Jezabel se arrependesse publicamente, e convocasse
a nação para segui-la no serviço ao Senhor de maneira tão intensa
como havia servido a Baal? Sua corrida incrível para o centro da
cidade seria uma celebração de alegria ao Senhor.
No triunfo daquele momento, Elias ficou física e emocional-
mente exausto; é possível que, por causa das emoções daquele dia,
ele não estivesse consciente de sua situação. Embora seu organismo
exigisse sono, este era impossível agora.
E quase certo que Elias, tendo de preparar-se para o confronto
no monte Carmelo, não houvesse dormido na noite anterior. Ele
teve de viver aquele grande dia sob um sol escaldante, e todas as
enormes tensões que o acompanharam. Embora tivesse confiança
no que Deus haveria de fazer, Elias experimentava tremendo
estresse.
O pianista que dá concertos, embora esteja completamente
confiante em sua habilidade artística, sofre freqüentemente a
tensão que antecede cada espetáculo. O pastor pode ministrar com
facilidade e calma pela unção recebida; porém, depois, seu corpo
estará exausto pelo esforço de ficar perante o público.
Os momentos elevados que se seguiram imediatamente após a
descida do fogo dos céus sobre o altar, quando a multidão
prorrompeu num entusiasmo selvagem... ele sabia que isso
aconteceria; todavia, o acontecimento seria marcado por todas as
emoções, tanto em seu corpo como em sua alma.
A tarefa de executar pessoalmente os 450 profetas lhe exau-
riram as forças mais do que Elias conseguia perceber. As roupas
que vestia, cobertas de sangue daqueles profetas, e os braços
cansados de tanto brandir a espada, seriam suficientes para fazer
uma pessoa meter-se na cama, completamente exausta.
Entretanto, Elias foi apanhado pela celebração nacional da vitória
que conquistou. Ele correu na direção de Jezabel, sem perceber que
estava exausto.
Acabe informou a Jezabel o que acontecera. Os profetas dela não
apenas haviam perdido a disputa com Elias: estavam todos mortos
pela mão do vencedor. Jezabel foi tomada por um acesso de ódio e
fez um voto com Baal: Elias morreria da mesma maneira que os
profetas morreram — dentro de 24 horas — ou Baal a mataria!
Jezabel enviou uma mensagem em papel protocolar real a Elias,
ao local onde o profeta se hospedara, dizendo: “Assim me façam os
deuses, e outro tanto, se até amanhã a estas horas eu não fizer a
tua vida como a de um deles” (1 Reis 19:2).
Quando Elias leu a mensagem, o mundo se lhe desmoronou. À
semelhança do vento que apaga a chama da vela, as palavras de
Jezabel engolfaram-no numa escuridão em que, subitamente, nada
fazia sentido.
As poucas palavras da mensagem da rainha como que continham
volumes e mais volumes de ameaças para a mente cansada de
Elias. Jezabel não havia reagido como ele acreditava que haveria de
reagir. Estava fora de dúvida que, mesmo após os eventos
miraculosos que aconteceram no monte Carmelo, ela ainda
acreditava em Baal!
Ela também continuava não enxergando que a nação se havia
arrependido e voltado em fé para o Senhor. Na mente de Jezabel, o
povo ainda cria em Baal Melkart, e na autoridade da rainha como
sacerdotisa-mor.
Se ela houvesse acreditado, durante um minuto que fosse, que a
nação se voltara de novo para o Senhor, não teria jurado matar o
herói nacional dentro de 24 horas. Para ela, o Carmelo era apenas
um incidente, um transtorno passageiro em seus planos, e nada
mais.
Elias leu a mensagem de Jezabel e acreditou no seu conteúdo.
De súbito, o Carmelo pareceu-lhe coisa de muito tempo atrás,
quase um sonho. Minutos antes ele estivera dominado pela euforia
de ver-se tomando parte na celebração em que o povo voltava, em
massa, à aliança com Deus.
Agora, os acontecimentos da montanha pareciam um pique-
nique incomum de escola dominical. Tudo estava acabado, e agora
a vida retomaria seu ritmo normal. Os líderes que, segundo ele
acreditava, estariam clamando a Deus por misericórdia, na
verdade estavam convocando os guardas para caçar o profeta e
matá-lo.
Elias desesperou-se. Aquilo por que trabalhara durante anos
entrou em colapso diante de seus olhos cansados. Tinha alimentado
a certeza de que Baal seria banido para sempre depois daqueles
fatos. Contudo, à luz da mensagem recebida, Baal estava ali para
permanecer! Esse pensamento abriu a porta de sua mente para
outros mais sombrios.
Por que aquele triunfo se havia convertido em tão grande
derrota? Elias se lembrou com amargura de todos os crentes que
não lhe apoiaram. Haviam estado ao redor de uma fogueira
naquela noite, sentadinhos, louvando a Deus por uma vitória para
a qual não haviam sequer erguido um dedo. Elias sentiu grande
furor contra a covardia e arrogância daqueles que chamavam a si
mesmos de profetas. Fugiram como baratas para seus buracos
escuros, quando surgiu a perseguição. Ele era o único profeta de
que Deus dispunha — “eles vão matar- me, e não restará nenhum
profeta.”
“Se todos os que diziam ser crentes me houvessem apoiado no
Carmelo, Jezabel teria entendido que os dias de Baal haviam
chegado ao fim, mas na verdade ele está rindo do homem que veio
das montanhas de Gileade.” Todos aqueles pseudo-crentes o
tinham abandonado, deixando-o sozinho a cuidar do inimigo.
Entretanto, a fúria de Elias não terminava com os crentes. Onde
estava Deus em tudo isso? Será que Deus não se importava com o
fato de seus altares estarem derrubados e seu povo escravizado por
Baal? Por que é que Deus não banira Jezabel? Elias acabou
achando que ele era a única pessoa nos céus e na terra que se
importava, realmente, com o triunfo da justiça em Israel.
“Sou a única fortaleza de Deus fincada em Israel, mas o inimigo
vai matar-me. E Deus nada faz!” Se Elias se sentira solitário no
monte Carmelo, agora ele se sentia completamente abandonado,
enquanto sua mente cansada se entregava à escuridão.
Porém, essa torrente de pensamentos negativos tinha uma
parcela de verdade. Todavia, dois dias antes ele teria visto toda a
situação sob uma luz e uma perspectiva completamente diferentes.
Para começar, o Elias de ontem teria rido do bilhete enviado por
Jezabel, sabendo que Deus era seu escudo, seu protetor pessoal.
Jezabel não poderia tocar no servo de Deus sem a permissão
divina! E se Deus concedesse permissão, atribuindo a seu servo a
honra do martírio, Elias morreria em triunfo.
O profeta teria percebido também a bazófia de Jezabel. Se ela
sabia para onde devia enviar o recado, por que dar-se ao trabalho de
dizer a Elias que o mataria dentro de 24 horas? Por que não enviou
de vez um assassino, em vez de um mensageiro? Será que ela
estava apostando em que Elias ficaria com medo e fugiria, evitando
assim um confronto direto?
Imerso na escuridão que o engolfara, Elias agiu como nunca
antes em sua vida. Elias teve medo, e correu para salvar a sua
vida... (1 Reis 19:3).
Fé é a reação responsiva à revelação de Deus, em nosso coração;
medo é a reação responsiva aos dados recolhidos pelos cinco
sentidos, em certa situação.
Ao lado do medo, a amargura de Elias contra os que o haviam
abandonado tomou conta de sua mente. O profeta deixou Israel nas
mãos de Jezabel. Dera anos de sua vida a fim de livrar o povo de
Deus do poder de Baal, e agora estava jogando tudo fora A fim de
correr e salvar a própria vida. No que dependesse dele, os apóstatas
e os covardes mereciam-se mutuamente: que fossem todos para o
inferno!
A convocação de Deus, que lhe atribuiu uma obra, foi esquecida.
Ele precisa cuidar de si mesmo. “Todos os assim chamados crentes
podem continuar sentados em suas cavernas e começar a orar,
pedindo outro libertador que lute sozinho! Eu vou dar o fora!”
O servo de Elias o acompanha, mas em Berseba, na fímbria do
deserto, o profeta quer ficar totalmente só. Acha que todas as
pessoas constituem peso para ele, companhia penosa, motivo de
aborrecimento. Até mesmo a presença de seu servo o perturba;
Elias o manda embora antes de mergulhar no deserto sozinho.
Sente o que Davi havia sentido centenas de anos antes:
“O meu coração está angustiado dentro em mim; os
terrores da morte me sobrevêm. Temor e tremor me
apertaram; o horror me cobriu. Eu disse: Ah! quem me
dera asas como de pomba! Voaria, e estaria em descanso.
Fugiria para longe, e pernoitaria no deserto.” pr (Salmo
55:4-7)
Elias perambulou sentindo o calor do deserto, com os pés
ardendo na areia escaldante, completamente sozinho, exceto a
companhia das serpentes e dos escorpiões escondidos sob as rochas.
Quando o sol começou a declinar, o profeta chegou a um oásis;
atirou-se sob um zimbro [um arbusto].
Não dormira durante três dias... provavelmente desde o dia
anterior à experiência do monte Carmelo. Em seu cansaço extremo
o profeta orou assim: “... Já basta, ó Senhor. Toma agora a minha
alma, pois, não sou melhor do que meus pais” (1 Reis 19:4).
Muitos crentes queimados espiritualmente se têm atirado numa
cama e feito essa oração cheia de amargura: “Basta para mim,
quero morrer!” O sentimento predominante é: não sobrou nada pelo
qual valha a pena continuar vivendo... a morte é bem-vinda. Uma
pessoa descreveu a situação muito bem quando me disse: “Nada
sobrou capaz de entusiasmar-me, ou inspi
rar-me; não sobraram desafios que me interessem para serem
enfrentados. Estou entediado da vida... só quero morrer.” Enquanto
seguia tropeçando pelo deserto, Elias reconsiderava as decisões que
o haviam trazido até ali, desde as montanhas de Gileade. Queixa-
se, agora, de que não era melhor do que seus pais. Essas eram
pessoas das montanhas, satisfeitas nas colinas com a vida simples
que viviam.
“Que loucura é essa que me deu, a de pensar que eu poderia
destronar a rainha Jezabel? Que sonho selvagem me fez pensar que
eu poderia mudar alguma coisa em Israel? Sou um mon- tanhês, e
deveria ter ficado em casa. O maior erro de minha vida foi deixar
minha casa... mas, agora é tarde demais; é melhor que eu morra.”
Eis a irracionalidade da pessoa queimada espiritualmente. Se
ele quisesse morrer mesmo, deveria ter ficado ao alcance de
Jezabel!
Solução para o
Esgotamento
Espiritual
C
omo foi que Deus curou seu servo exausto, queimado
espiritualmente? Ele não ouviu a oração que Elias despejou
diante dele — oração feita de sentimentos de desespero. Deus
nos ama demais, de modo que nem sempre responde às nossas
orações, e tampouco ouve todas as palavras que escapolem de nossa
boca. Se o fizesse, a população da terra ficaria bem diminuída!
Deus curou Elias revelando-lhe sua graça de uma maneira que o
profeta jamais tinha visto ou experimentado antes. Algumas
pessoas espantam-se quando lêem este registro, porque não
encontram nenhuma condenação vinda dos lábios de Deus.
O amor de Deus pelo seu servo trouxe-lhe de volta a sanidade
espiritual. O Senhor não o abandonou. Em todas as caminhadas de
Elias, durante as semanas seguintes, Deus caminhou ao seu lado.
Enquanto o profeta fervia em seu furor e amargura, Deus
permaneceu em silêncio, em seu amor, esperando que Elias
chegasse ao lugar onde estaria pronto para ouvir o que ele tinha a
dizer.
Ah! tivéssemos nós a oportunidade de dizer a Elias: “Que teria
acontecido se você tivesse ficado e enfrentado Jezabel...” Ou, se
CAPÍTULO 16
pudéssemos aumentar-lhe o desespero, dizendo-lhe: “Se você tivesse
ficado, Israel teria experimentado uma onda de reavivamento como
nunca acontecera na história. .
Contudo, Deus nunca faz especulações à nossa maneira; ele vive
no agora, cheio de pulsações vitais.
Deus nem mesmo exigiu que Elias rededicasse sua vida ao
serviço divino. Ele simplesmente o amou na situação em que se
encontrava.
O primeiro passo desse amor foi cuidar das necessidades físicas
de Elias. O profeta precisava desesperadamente de sono reparador;
e enquanto se deitava debaixo do zimbro, Deus não só fê-lo dormir,
mas colocou um anjo que o guardasse e lhe cozinhasse uma
refeição!
Muitas horas depois, Elias foi despertado pelo anjo, que o
sacudiu. Às suas narinas chegou a fragrância do pão recém- cozido,
e a fumaça do fogo. Ainda sonolento, comeu, e em seguida recaiu
em profundo sono. Mais tarde, talvez depois de t mais um dia de
sono, o anjo o acordou outra vez para uma segunda refeição.
Ao tratar do problema da queima espiritual e da exaustão, é
preciso que não nos esqueçamos de que somos espíritos que vivem
em corpos físicos, e a ressurreição do corpo ainda não ocorreu! Se
abusarmos de nosso corpo mediante a má comida, a falta de sono
ou um programa sobrecarregado de trabalho, com pouco ou
nenhum tempo para recreação, podemos ter toda certeza de que
tudo isso se refletirá em nossas emoções desgastadas, mente
obscurecida e espírito exausto. Em seu amor e sabedoria, Deus
estava concedendo a Elias um dia de descanso emergencial, bênção
que até o homem decaído recebeu a ordem de usufruir!
Se estivermos sob grande tensão física, emocional ou mental,
esse estado também se refletirá em nosso espírito. Precisamos
atentar para o fato de que, em épocas assim, é possível que nossa
energia espiritual fique exaurida.
Esta verdade aplica-se de modo especial às pessoas que exercem
o ministério sagrado. A tensão mental e emocional, oriunda do
profundo envolvimento nos problemas das outras pessoas, exaure
nossa energia e força. As longas horas sem descanso apropriado, as
longas semanas sem dia de descanso, mais cedo ou mais tarde
resultarão em a pessoa passar a viver à beira da exaustão física. E
quando a queima espiritual sobrevêm.
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O Problema da Falta de
Perdão
U
m dos maiores problemas da pessoa esgotada espiri-
tualmente é a falta de perdão. Em geral, essa incapacidade
de perdoar degenera em ressentimento e amargura de raízes
profundas.
A pessoa espiritualmente exaurida é a que se desapontou em
todas as áreas da vida, e de modo especial no relacionamento com
CAPÍTULO 18
as demais pessoas. Todas as esperanças alimentadas pela pessoa
exausta no espírito, esperanças de poder caminhar com Deus,
abrangiam, de certa maneira, outros crentes. E assim, ao longo da
vida, o crente que se queimou foi erigindo marcos que ostentam os
nomes dos que falharam, que não conseguiram manter-se à altura
de suas expectativas.
No início das manifestações da queima espiritual ocorre,
usualmente, amargas confrontações com outros crentes. As vezes
achamos que conseguimos suportar os pagãos que nos ferem com
mais facilidade do que suportamos os irmãos em Cristo. Davi
explicou a dupla mágoa produzida pela traição de um irmão:
“Se fosse um inimigo que me afrontava, eu o teria
suportado; se fosse um adversário que se engran-
decia contra mim, dele me teria escondido. Mas
eras tu, homem meu igual, meu guia e meu íntimo
amigo. Conversávamos juntos suavemente, e ía-
mos com a multidão à casa de Deus.”
(Salmo 55:12-14)
Um dos principais passos na direção da volta ao vigor e a força
espirituais é perdoar a todos quantos fizeram parte de nossas
mágoas nesta vida. Perdoe a todos quantos o abandonaram, os que
se esquivaram quando você mais precisou deles. Perdoe os
mexericos mediante os quais as notícias de sua exaustão e de seus
problemas chegaram a todos os demais crentes das vizinhanças.
Perdoe àqueles líderes e presbíteros que o feriram com suas
palavras e ações. E perdoe às pessoas que você julgou serem
gigantes espirituais, mas provaram ter pés de barro e uma porção
de fraquezas, exatamente como as demais pessoas.
Não despreze o fariseu. A pessoa que despreza o fariseu toma-se
fariseu também! Embora os houvesse enfrentado tantas vezes,
Jesus nunca alimentou quaisquer ressentimentos contra eles. Ele
chorou por causa das pessoas religiosas de Jerusalém.
“Jerusalém, Jerusalém! que matas os profetas e
apedrejas os que te são enviados! quantas vezes quis eu
ajuntar os teus filhos, como a galinha ajunta os seus
pintinhos debaixo das asas, e tu não quiseste!”
(Mateus 23:37)
Jesus orou também pelos que se apressaram a conduzi-lo ao
sofrimento e morte: “Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem”
(Lucas 23:34).
Pedro fala da humanidade de Jesus e mostra-nos como ele foi
capaz de perdoar àqueles que o feriram tão profundamente. O
apóstolo se refere a esse aspecto dos sofrimentos de Jesus como
exemplo que devemos seguir.
O Ministério do Perdão