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Para minha esposa Ginger, pelas muitas horas gastas na

editoração deste manuscrito, e pelo seu discernimento prático,


espiritual. Na minha opinião, o nome dela deveria constar da
capa, com o meu.
índice

1.Evidências de Esgotamento Espiritual .............................5


2.Caldo Mortífero do Legalismo ........................................... 7

3. Novo Tipo de Amor .......................................................... 27


4. Escravos ou Filhos? ......................................................... 35

5. Falsos Pastores ................................................................. 45

6. A vida “zoe” ........................................................................ 55

7. Como Viver a Vida de Cristo .......................................... 65


8. Verdadeira Fé .................................................................. 75
9. Descanso da Fé ............................................................. 83
10. Como vencer a tentação ............................................... 95
I. Um Caso Clássico de Esgotamento Espiritual ......... 105
12.Fé — a Alegria do Senhor ............................................117
13.Fé — a Paz do Senhor ................................................. 129
14.Como Viver no Espírito ............................................... 137
15.Esgotamento Espiritual Repentino ........................... 151
16.Uma Solução para o Esgotamento Espiritual .......... 163
17. Problema da Falta de Perdão ................................. 175
18. Fé para Perdoar .......................................................... 185
19.Ministério do Perdão .................................................... 195
Referências .......................................................................... 207
CAPÍTULO 1

Evidências de
Esgotamento Espiritual

Estávamos sentados numa lanchonete, em Londres, na


área de Mayfair. Era uma tarde de fins de novembro. Lá fora
descia o nevoeiro. O aspecto sombrio do tempo combinava com o
desespero profundo estampado na face de meu amigo Jack, do
outro lado da mesa. Eu me havia sentado ali ainda sob o
entusiasmo de tudo quanto acontecera em meu recente trabalho
na África. . . mas esquivei-me imediatamente ao perceber o total
desinteresse e a depressão de meu amigo.
— Por que você prega sobre o amor, Malcolm?
Ele me olhava por cima de sua xícara de chá; seu rosto
mostrava a raiva refletida na voz. — Por que você não prega
sobre doutrinas? Aí poderíamos fazer o que todos os cristãos
fazem com perfeição: discutir, dividir e dizer que Deus nos
mandou iniciar uma nova igreja!
Surpreendi-me diante da súbita explosão verbal, do tom de
cinismo em suas palavras. Eu não via Jack havia muitos meses.
Ele tinha pastoreado com grande sucesso uma igreja na Escócia,
era muito conhecido como pregador e conferencista, não só no
Reino Unido mas também nos Estados Unidos e na Austrália.
Quando ele entrou em contato comigo, alguns meses antes,
pegou-me totalmente desprevenido. Jack me disse que abando-
nara o ministério e agora estava vendendo seguros... disse que
precisava dar o fora do pastorado a fim de tornar-se marido e pai
— funções que havia negligenciado.
— Acordei um dia e descobri que meus filhos estavam
crescendo e eu mal os conhecia.
Ao passar por Londres, com escala em Johannesburg, indo
para Nova York, reservei algum tempo para uma visita. Porém,
de modo nenhum estava preparado para enfrentar a nuvem
negra que pairava sobre Jack. Esse não era o homem que eu
conhecera durante muitos anos... um homem cheio de entu-
siasmo e visão, sempre discutindo o último programa de cres-
cimento da igreja, ou alguma coisa nova que ele havia desco-
berto nas Escrituras.
Em duas horas de conversa, Jack injetou sua visão negativa
em todos os assuntos discutidos. Qualquer coisa que eu par-
tilhasse concernente à obra de Deus e meu ministério, só
conseguia arrancar dele observações sarcásticas. Seu último
comentário foi quase violento.
Na noite anterior eu falara numa igreja local a respeito do
mandamento de Jesus para que amássemos. Pareceu-me óbvio
que Jack tivesse pensado sobre o assunto no dia seguinte. Ele
me olhava do outro lado da mesa, enquanto seu rosto me
enviava um misto de sinais... repugnância, ódio, desculpas e,
acima de tudo, desespero.
O silêncio era total, exceto o ruído do chá sendo despejado em
sua xícara vazia.
— Estou falando sério, Malcolm. Você prega sobre o amor,
mas sabe que ninguém fará o que você está dizendo! Fiquei
olhando as pessoas ontem à noite. Concordam com você, aba-
nam a cabeça afirmativamente e gritam expressões de louvor a
Deus. Fazem fila para apertar sua mão e dizer-lhe como foram
abençoadas. Mas, antes de chegarem em casa já estarão mexe-
ricando, brigando e traindo os amigos. Porém, graças a Deus,
não fumam nem bebem vinho!
Estas últimas palavras Jack as cuspiu, cheias de veneno.
Em seguida baixou os olhos durante algum tempo e ao olhar-
me outra vez, vi nele um homem cansado, que a vida tomara
exausto, um homem imerso, agora, em profundo desespero. Ele
continuou a falar calmamente:
— Eis porque abandonei tudo, Malcolm. Reconheço que
poderia ter mudado minha programação a fim de dar mais
tempo à minha família. Como você mesmo pode ver, essa foi
apenas uma boa desculpa para eu parar. O verdadeiro motivo
é...
Jack parou e encarou pensativamente o nevoeiro que se
adensava lá fora.
— ... o verdadeiro motivo é que a coisa não funciona, não é
mesmo, Malcolm? E só falatório inócuo e celebração de costumes
religiosos, mas ninguém se transforma!
— Havia ocasiões em que eu me sentia como um traficante de
drogas. A congregação me pagava para que eu lhe desse injeções
regulares de ânimo. Eu tinha de convencer as pessoas de que
deveriam prosseguir tentando ser bons crentes durante mais
uma semana! E elas iam embora acreditando que, daquela vez,
as coisas seriam melhores. Mas sabíamos que nada ia mudar,
porque o negócio não funciona!
A voz dele parecia engasgada, agora, por um soluço, mas Jack
ainda falava com raiva.
— Era isso que eu tinha de enfrentar no ano passado: eu era
ministro e pregava o evangelho, mas a maior parte do Novo
Testamento, no que concernia a vivê-lo, estava fora de meu
alcance. Eu apenas continuava pregando, na esperança de que
ninguém notaria que minha vida era tão vazia como a dos
demais crentes.
— Você estava certo ontem à noite, Malcolm. Jesus deixou-
nos uma ordem: .. . amai-vos uns aos outros (João 15:17). Sei que
ele nos chamou para viver aqui e agora o amor divino, mas
cheguei à conclusão de que não conseguiria pregar sobre o tema
enquanto não visse provas de que esse amor estivesse
funcionando de verdade.
— Um dia, há cerca de um ano, percebi que estava enojado
das vidas religiosas vazias da minha congregação, enojado das
máscaras que todos usávamos... inclusive eu mesmo. Escute
aqui: eu estou falando sério! Se você vai permanecer na igreja,
pregue então sobre doutrinas, e estará alimentando as razões
por que as pessoas perambulam pela igreja.
— É isso que eu quero dizer: vamos, pelo menos, divertir-nos
diante de uma situação decepcionante. Pregue doutrinas, ataque
todas as pessoas que não concordam com você, e as pessoas
vão adorá-lo. Descubra toda a sujeira possível na vida dos
indivíduos de quem você discorda, e conte tudo a todo o mundo
— as pessoas acharão que você é tão santo que se tornou dono
da verdade. Todo o mundo pensará que você é um apóstolo que
recebeu nova revelação, e se quiser, conseguirá até fundar uma
nova igreja!
Após proferir estas últimas palavras, virou-se e contemplou a
rua através da janela nebulosa da lanchonete. Agora tudo
estava escuro.
Jack é mais um que veio aumentar as crescentes estatísticas
das baixas na igreja, crentes que desfaleceram à beira do
caminho, exaustos, espiritualmente queimados.
Norman é gerente de uma mercearia no meio-oeste, um
jovem de olhos brilhantes. Sempre que conversamos sobre as
coisas de Deus, seus olhos brilhantes tornam-se nebulosos e o
rapaz vai embora. Às vezes percebe-se um soluço em sua voz.
Após formar-se em um seminário teológico, tomou-se pastor
de pequeno grupo de pessoas que almejavam alcançar muita
coisa da parte de Deus. Sob a bênção divina o grupo cresceu
rapidamente. Mas aí surgiram as amargas discussões entre
Norman e alguns dos presbíteros. Depois, a pessoa que lhe
servia de braço direito foi embora levando consigo metade da
congregação. Norman juntou seus pertences e saiu da cidade.
Falávamos em meio às mercadorias, e ele abriu o coração
para mim. Disse-me logo ter percebido que não dispunha de
uma fonte de força espiritual onde pudesse alimentar-se, que
suas reservas estavam esgotadas, e por isso não tinha conse-
guido controlar a pressão que acompanha o pastorado de uma
igreja crescente.
Nesse estado de exaustão, ficou desgostoso com as infames
ofensas e lutas internas na igreja — aquela igreja que ele
mesmo fundara! Sacudiu a cabeça com tristeza e lamentou-se:
— Malcolm, há mais amor num bar do que na igreja!
Encontro-me com Phil cada vez que vou a Houston. É homem
de meia-idade, corretor de seguros; os cabelos grisalhos lhe
cobrem as têmporas. Tendo dispendido a maior parte de sua
vida pastoreando na Califórnia, tenta agora o sucesso no ramo
de seguros.
Boa parte de sua vida ativa ele gastou construindo uma igreja
bem-sucedida, e dando palestras sobre a vida espiritual em
grandes convenções por todo o país. Porém, com o passar dos
anos, foi perdendo contato com a própria família. A esposa
tornou-se fria e distante. Acreditava que lhe haviam roubado o
marido e, por isso, nutria ressentimentos contra Deus e a igreja.
Um dia ele se viu envolvido numa aventura apaixonada com sua
jovem secretária.
Disse-me o homem, cheio de tristeza:
— Todo aquele trabalho que realizei para Deus me cansou
demais. Quando a tentação chegou, eu não tive forças para
resistir! Digo-o com toda honestidade: eu mesmo não acreditava
quando percebi que estava envolvido com outra mulher. Meu
ministério se tomara um empreendimento comercial e Deus
estava longe, bem longe.
Quando a esposa soube da aventura, foi embora de casa e
pediu divórcio.
Em seu escritório minúsculo, o homem olhava para mim com
os olhos cheios de lágrimas do outro lado da escrivaninha. Em
meio a um profundo suspiro, exclamou:
— Ah! se as coisas houvessem sido diferentes! A coisa mais
amedrontadora sobre tudo isso é que se você quer ser bem-su-
cedido no mundo de hoje. .. não conheço nenhum outro jeito
senão se matando de tanto trabalhar!
— Todos os ministros bem-sucedidos que eu conheço estão
chegando perto do precipício com suas famílias. Muitos, muitos
deles são vazios por dentro — e apenas esperam que ninguém o
descubra! Eu sei disso. . . Tenho conversado com eles.
Esgotar-se espiritualmente é coisa que ocorre à semelhança
do que está acontecendo no mundo secular. Foi aqui que se
cunhou o termo queimado a fim de descrever-se a condição da
pessoa que se tornou mental e emocionalmente exaurida na luta
pelo sucesso em sua profissão.
O Dr. Herbert Freudenberger descreve a pessoa esgotada
como “alguém que está num estado de fadiga ou frustração em
conseqüência de sua devoção a uma causa, seu estilo de vida,
seus relacionamentos, coisas que não lhe trouxeram a recom-
pensa esperada.” ^ A pessoa — homem ou mulher — que não se
esforça para atingir o topo, jamais sofrerá desse mal, nunca se
queimará. Isso só ocorre com pessoas que almejam o melhor.
Porém, queimar-se espiritualmente não é coisa que só acon-
tece a pastores. Quando os ministros do evangelho se queimam,
ganham publicidade indesejável e, às vezes, algumas manchetes
no jornal local. Mas o fato é que estamos contemplando uma
epidemia de crentes que abandonam a igreja; e não se pode dizer
que eram daqueles que só iam aos cultos na Páscoa e no Natal, e
sim crentes exemplares, obreiros esforçados. Em geral,
abandonam a igreja em razão de uma contenda com outro
obreiro, ou devido a mágoa e decepção por não terem recebido o
reconhecimento que julgam merecer.
De repente, não aparecem mais. Aos domingos, ficam em casa
amargurados, cheios de ressentimento contra quem quer que
lhes tenha causado o trauma. Alguns, meditando no que lhes
aconteceu, percebem que tudo aquilo em que tinham crido a
respeito do poder para viver a vida cristã falhou quando mais
precisavam de ajuda. A fé entrou em curto-circuito devido à ação
de outro ser humano que não fazia as coisas como esses crentes
queriam.
Porém, nem todos os crentes abandonam a igreja ao se
queimarem espiritualmente. Há alguns meses entrevistei al-
gumas pessoas de uma igreja pentecostal num subúrbio de
Chicago. Todos concordaram em que a vida cristã já não é o que
costumava ser. Todos que conversaram comigo foram rápidos
em contar-me como o Espírito atuou poderosamente, no estádio
futebolístico de Second e Main, quando a igreja se iniciara 15
anos atrás.
Mas ao longo dos anos, muitos membros da igreja a abando-
naram.
— O Senhor estava podando-nos, livrando-se dos galhos
mortos — foi o que me disseram. Enquanto isso, a congregação
parece funcionar como guardiã de lembranças, procurando todos
os domingos pela manhã, semana após semana, reviver o
passado mediante o cântico monótono dos mesmos velhos hinos.
Houve ocasião em que tais hinos expressavam um fogo interior;
contudo, hoje fazem-me lembrar das tristonhas marchas
fúnebres entoadas nos funerais de uma igreja que se recusa a
ser enterrada.
Os membros da igreja não a abandonaram. Não. Vivem, em
vez disso, em função de algo menor do que a visão que Deus
lhes havia plantado no coração quando de início vieram a Cristo.
Uma das épocas mais tristes de meu ministério ocorreu em
1963, numa viagem ministerial ao sul de Gales. Visitei igrejas
que nasceram no reavivamento galês de 1904. Hoje, todavia,
estão queimadas. São como as cinzas frias numa lareira, lembrete
do fogo de ontem à noite.
Porém o fato mais triste de todos foi o da igreja onde Evan
Roberts orou na noite em que se iniciou o grande reavivamento.
Na parede da pequena capela há uma placa dizendo que naquele
exato lugar Evan Roberts orou, e levou o reavivamento ao
mundo.
Se aquela placa não estivesse ali, eu jamais saberia que
naquele lugar os rios da vida iniciaram a inundação do mundo,
em 1904... porque a temperatura espiritual daquela igreja é
quase zero, hoje.
Conversei com alguns dos membros que naquela noite ma-
ravilhosa haviam estado ajoelhados ao lado de Evan Roberts.
Eles desfiaram para mim um relato minuto a minuto de todos os
acontecimentos que presenciaram. Aqueles pobres crentes,
irmãos queridos, eram agora guias turísticos num museu espi-
ritual! Fosse o que fosse que há 60 anos os enchera de poder
espiritual, agora era apenas lembrança; tudo o que sobrou foi vim
monumento e uma placa na parede.
Saí de lá perguntando:
— Por quê, Senhor Jesus? Por que uma congregação, depois de
agraciada por um dos movimentos mais poderosos do Espírito
nesta geração, ficou espiritualmente esgotada em menos de 60
anos?
Viajando ao redor do mundo, desde então, tenho feito a mesma
pergunta muitas vezes.
Todos ouvimos freqüentemente falar das milhares de pessoas
que vêm a Cristo em países estrangeiros. Entretanto, sabemos
que dentro de poucos meses restará pouquíssima evidência de
que algo grandioso aconteceu! Por quê?
Afirmar que o evangelista não lançou um alicerce firme é
tentar deliberadamente não ver alguns fatos embaraçadores.
Conheço alguns desses evangelistas. . . a Palavra foi pregada e os
sinais que se seguiram confirmaram a proclamação do evangelho.
Contudo, algo aconteceu — ou deixou de acontecer — aos novos
convertidos. Hoje, sentam-se em suas casas e ficam relembrando
aqueles dias em que Deus era tão real.
À semelhança de Cleofas e seu amigo a caminho de Emaús,
eles também tinham ouvido Jesus, visto suas obras, e estiveram
prontos a dar a própria vida pelo Senhor. Agora, pelo que sabiam,
ele estava morto e parecia-lhes que haviam literalmente jogado
fora suas vidas por um sonho morto.
Algumas pessoas sacodem a cabeça, dizendo que o diabo
obteve vitória. Se isso for verdade, surgem ainda outras per-
guntas. Jesus ascendeu vitorioso sobre todos os poderes do
inferno! Ele disse que edificaria sua igreja e as portas do inferno
não prevaleceriam contra ela. Portanto, há algo errado quando o
diabo consegue desmantelar a igreja assim tão facilmente.
Por que é que as pessoas se esgotam espiritualmente, aban-
donam a igreja ou acomodam-se à essa forma tediosa de agru-
pamento humano a que chamamos de “igreja” hoje? Aonde
iremos à procura de ajuda a fim de parar a correnteza desse rio
repleto de crentes que vão caindo das fileiras cristãs?
Dizem alguns que deveríamos orar mais. Não descarto a
importância da oração; porém, descobri que muitos dos que oram
são candidatos potenciais à exaustão espiritual! Portanto, seja
qual for a sua causa, queimar-se espiritualmente é algo mais
profundo do que falta de oração.
Dizem outros que sofremos de falta de fé.
—Necessitamos edificar a nossa fé, alimentar o espírito com a
Palavra... e então seremos invencíveis.
Concordo que falta fé à igreja, e que muitos, em sua miséria e
desespero, precisam voltar aos preceitos de vida contidos na
Palavra de Deus. Todavia, alguns dos casos mais trágicos de
queima espiritual com que me defrontei envolviam essas pessoas
que reivindicam entender a fé.
Janet veio conversar comigo; as lágrimas escorriam abun-
dantemente em seu rosto. Entre soluços, ela partilhou como crera
em Deus, e que ele haveria de curar sua filhinha. Em todos os
momentos de vigília ela repetia as passagens escriturísticas
pertinentes à cura; ao acordar, à noite, imediatamente
prosseguia recitando as promessas de Deus.
Ela temia que se esquecesse de declarar a cura, ou deixasse de
fazê-lo, a filhinha continuaria doente. Até pensou em manter uma
vigília contínua de 24 horas sem dormir. Na época em que veio
falar comigo, essa mulher era uma tragédia emocional, espiritual
e física. Estava queimada em todos os sentidos.
Acredito em curas, como também acredito que a fé é o canal
mediante o qual todas as bênçãos de Deus chegam a nós. Porém,
não obstante aquilo que ensinaram a Janet, ou a maneira como
ela interpretava o que lhe havia sido ensinado, ali estavam as
sementes mortíferas que frustram as grandes obras de Deus na
vida do crente.
Neil e eu viemos a conhecer-nos mutuamente enquanto eu
ministrava à igreja que ele freqüentava. Em cada visita eu, ele e
sua esposa Melissa nos confraternizávamos. Surpreendi-me
quando ele me escreveu dizendo que Melissa estava com leuce-
mia, segundo um diagnóstico. Pediu-me que me unisse a ele e a
muitas outras pessoas, em oração pela cura da esposa.
Poucas semanas depois ela morreu. Visto que me encontrava
perto, fui aos funerais. Horrorizado ao lado do caixão, ouvi Neil
dizer solenemente:
— Eu matei Melissa. .. todos nós a matamos! Se eu tivesse tido
mais fé, ela teria sido curada. Se vocês todos houvessem exercido
mais fé, ela estaria viva agora.
Amargurado, Neil finalmente abandonou a igreja.
Seria este um caso extremo? Talvez.. . entretanto, eu sabia que
mais uma vez topara com o elemento que está sempre presente
cada vez que encontro um caso de queima espiritual.
E muito difícil uma reunião encerrar-se sem que alguém
venha a mim a fim de expressar preocupações e formular
perguntas. .. muitas das quais mantém escondidas dos demais
irmãos crentes. Visto que eu simplesmente passo pelas suas
vidas, parece-lhes mais fácil partilhar suas aflições comigo.
Jackie procurou-me e tomamos o desjejum enquanto conver-
sávamos. Eu estava proferindo uma série de conferências numa
cidade do meio-oeste. Ela e o marido haviam sido membros de
uma igreja pertencente a certa denominação histórica, logo após
se mudarem para aquela cidade, anos antes. Nascera-lhes no
coração uma fome de Deus e, por isso, foram atraídos à igreja
onde realizávamos as reuniões.
—Acho que estou sendo ingrata ao pedir tantas coisas — disse
ela enquanto sorria nervosamente — mas às vezes eu me
pergunto a respeito da vida cristã. Enfim, a vida cristã é isso?
Nada mais além disso? Não me compreenda mal... é muito melhor
do que tudo quando tínhamos até então. Deus é real para mim,
mas, falando honestamente, Malcolm, o que chamamos de igreja
não é muito mais do que um clube religioso — e acho que está
bem assim.
Ela hesitou um pouco, antes de dizer:
— Às vezes fico tão frustrada! Será que Jesus morreu e
ressuscitou a fim de ser o fundador de um clube em que todos
procuramos ser como ele é... cantar no coro, levar nossos filhos às
reuniões, à escola dominical, ouvir as palestras animadoras de
todos os domingos, dizer “amém” nos momentos certos e
participar de algum programa social nas noites de terça-feira com
os irmãos da igreja? Malcolm, se isso é tudo a respeito de Jesus,
ele é bem maçante!
Quando ela se reclinou na cadeira, ruborizada, eu sabia que ali
estava outra vítima em potencial do esgotamento espiritual
— a menos que obtivesse as respostas que almejava. Ela era
porta-voz de muitas pessoas que se sentem da mesma maneira, e
que jamais o confessariam abertamente.
Que veneno mortífero é esse que se espalha por toda a igreja?
Temos procurado evitar o problema fugindo dele, fingindo que
não existe ou pondo a culpa no diabo — e em seguida evitamos
também confrontar os crentes exauridos, queimados espiritual-
mente, que abandonam a igreja. Todavia, o problema está aí para
não ir embora. Na verdade, vai-se tomando epidêmico.
Certa manhã, passeando pelas montanhas Catskill, em Nova
York, presenciei uma cena inesquecível. Eu descansava, sentado
numa pedra, ao lado de uma lagoa coberta de algas. Enquanto
mosquitos se entretinham numa dança interminável, bem pertos
da superfície do lago, eu observava indolentemente umas
libélulas em seu vôo rápido entre juncos. Uma rã tomava sol,
deitada numa rocha parcialmente submersa, bem no centro da
lagoa.
De repente, despertei para algo surpreendente. Acontecia uma
coisa esquisita à rã. Diante de meus olhos ela entrou em colapso...
não caiu, mas murchou como se fosse uma bexiga com um
furinho, por onde vazava o ar. Finalmente, só restou
ali um montinho horroroso de pele de rã; o recheio
desaparecera de todo!
Só então é que vi o assassino. Um besouro d‟água gigante
havia picado a rã, injentado-lhe uma substância que lhe
dissolveu as entranhas. Em seguida, o besouro passou a
sugar o conteúdo da rã, deixando só a pele, como se fora uma
sacola vazia de mercearia, atirada na rocha.
Muitos crentes são como essa rã... algo lhes suga toda a vida,
arrebata-lhes toda a vitalidade. Eles se tomam espiritualmente
exaustos, seus pensamentos agora são cínicos e negativos.
Ei-los amargurados, ressentidos, como se Deus estivesse
longe demais. Queimaram-se espiritualmente.

CAPÍTULO 2

O Caldo Mortífero do
Legalismo

Q
uando o profeta Eliseu foi visitar alguns estudantes das
Escrituras em Gilgal, havia fome na terra de Israel.
Chegou a hora do jantar e, enquanto a panela fervia, um
dos estudantes saiu à procura de alguns vegetais a fim de
preparar um caldo. Visto não haver por ali fazendas onde
pudesse comprar provisões, o estudante pesquisou os pastos
silvestres ao redor da comunidade.
Ele encontrou o que acreditava ser pepinos. Na verdade,
deveriam ser o que se denomina “colocíntidas”, que parecem
pepinos comestíveis, porém são venenosos.
O estudante regressou e, satisfeito por haver encontrado tão
depressa bastante alimento para todos, começou imediatamente
a preparar o caldo. Todos viram à mesa a sopeira cheia de
rodelas do que lhes pareceu ser pepino.
Enquanto Eliseu ensinava, a sopa borbulhava; nenhum aroma
indicava que o caldo fosse venenoso. E claro que ninguém estava
procurando indício indicativo de que algo estava errado. Por que
haveriam de ficar procurando? Um dos companheiros colhera os
vegetais e havia preparado a refeição; ele mesmo, o cozinheiro-
mor, estava disposto a saboreá-la!
Só quando a comida já estava em suas bocas é que alguém
descobriu o gosto de veneno, o sabor da morte. E essa pessoa
gritou:
— Há morte na panela!
A reação de Eliseu foi tomar um pouco de farinha e atirá-la
no caldo. Miraculosamente, a sopa tomou-se comestível, deixou
de ser venenosa.
Estamos vivendo em dias de fome espiritual; e o alimento não
se encontra prontamente disponível onde esperaríamos que
estivesse. Os famintos espirituais têm de sair e providenciar
provisões, quaisquer mantimentos, onde quer que os encontrem.
Na maioria dos casos, tais pessoas saem sem ter qualquer
conhecimento das Escrituras, mas apenas com o desejo ardente
de conhecer a Deus. Se espantam quando vêem quanta coisa
está crescendo nos terrenos baldios, a saber, nas livrarias
evangélicas, e que uma quantidade quase infinita de “pepinos”
viceja nas encostas montanhosas dos programas de rádio e
televisão.
A verdadeira colheita parece estar nas fitas gravadas —
plantas que parecem crescer por toda a parte! E sempre há um
pregador especial no culto carismático de uma igreja local.
Nessa procura, há pouca ou nenhuma análise das coisas que
são ditas, ou da maneira como as Escrituras estão sendo inter-
pretadas. Se o pregador, ou escritor, menciona o nome de Jesus
ou usa a Bíblia como base daquilo que está dizendo, sua men-
sagem é aceita.
E ninguém observa que muitas vezes um pregador contradiz
o outro! Como acontece nas épocas de fome, come-se qualquer
coisa que parece alimento para o espírito. Se o pastor é nascido
de novo, e cheio do Espírito, qualquer coisa que ele disser do
púlpito deve necessariamente ser verdadeiro. Se o livro está à
venda numa livraria evangélica, só pode ser de Deus!
Muitos pastores acham muito difícil estudar a Bíblia. Em
conseqüência, enfrentam dificuldade imensa no preparo de um
sermão dominical que contenha alimento espiritual. Estão
constantemente procurando, apanhando qualquer coisa com que
alimentar suas ovelhas. Chega o domingo — lá vêm eles com
seus sermões. Será que não estão carregando nos braços montes
e montes de colocíntidas?
Porém, os circunstantes não notarão que aquilo que está
sendo dito vai envenenar os ouvintes. Por que deveriam notar?
Confiam em seu pastor e muito corretamente presumem que ele
vai aplicar a si mesmo aquilo que está ensinando.
Certa ocasião eu pregava numa cidade do Connecticut, e
perguntei ao atendente do posto de gasolina qual seria o melhor
restaurante da cidade. Estávamos famintos, e desejávamos
comer alguma coisa antes do culto. Foi-nos recomendado o “Joe‟s
Kitchen".
Em condições normais, eu não comeria ali de modo nenhum.
Mas estávamos famintos e dispúnhamos de pouco tempo.
Durante toda a noite fiquei rolando na cama em agonia, com
dores estomacais. De manhã, estava fraco demais para sair da
cama.
Voltei àquela cidade muitas vezes, mas preferiria ficar com
fome do que cruzar de novo as portas do “Joe‟s Kitchen!” Entendi
que a comida que me foi servida era responsável pela minha
doença e fraqueza total.
Quando as pessoas estão exaustas e espiritualmente doentes,
é preciso que primeiramente lhes pesquisemos a dieta espiritual.
Em geral a morte principia no prato onde comem, no alimento
que usualmente é preparado por um pastor ou evangelista
sincero que come, ele próprio, dessa comida envenenada. No fim
estarão todos queimados espiritualmente, juntos.—
Os problemas da igreja, hoje, não são primordialmente falta
de oração, de estudo bíblico, de fé ou de dedicação. O problema é
mais profundo do que estas coisas. Alguma coisa nos tomou tão
fracos que não queremos orar nem ler a Bíblia.. . eliminou- se de
nós todo o entusiasmo pelas coisas de Deus.
Que é que está fazendo com que o exercício da fé se transfor-
me numa verdadeira batalha, quando sabemos que, na verdade,
ali está o portal do descanso eterno em Deus? Por que é que
nosso culto entusiástico veio a tomar-se tão frio a tal ponto que
ficamos cansados de cultuar? Por que é que tantos crentes
acabaram cansando-se de estudar a Bíblia? Por que é que nossas
grandes palavras de vitória falham quando mais precisamos
delas?
Os crentes estão queimando-se e caindo de exaustão porque
- o alimento espiritual que estão ingerindo é venenoso. Há morte
na panela!
Um fato incontestável é que as Boas Novas de Jesus Cristo
não exaurem nem podem exaurir a pessoa que nele crê. O
evangelho é chamado de. .. a mensagem completa desta nova
vida (Atos 5:20), palavras da vida eterna (João 6:68), que nos
asseguram que já passamos da morte para a vida (1 João 3:14).
O evangelho nos traz ... a paz de Deus, que excede todo o
entendimento (humano)... (Filipenses 4:7)... gozo inefável. .. (1
Pedro 1:8), e dá-nos... o amor de Deus... derramado em nossos
corações pelo Espírito Santo (Romanos 5:5). Estas certamente
não são expressões que descrevem o estado da pessoa que se
queimou espiritualmente, que se tornou cínica, prostrada e
exausta.
O crente é tentado e às vezes cai. Experimenta épocas de
escuridão que só podem ser comparadas ao vale da sombra da
morte. Há ocasiões em que se vê perto do desespero e pode,
realmente, sentir que está desistindo de lutar. Mas não desiste!
E assim que Paulo descreve sua vida de crente: como
morrendo, porém vivemos; como castigados, porém não mortos;
como entristecidos, porém sempre alegres (2 Coríntios 6:9,10).
Ele não se sente “morto” por causa da revelação de Deus que
recebeu em Cristo, contida no evangelho.
Enquanto a pessoa estiver vivendo segundo as verdades que
nos foram trazidas por Cristo, não pode queimar-se espiritual-
mente! Aquele que cai exausto, só cai porque acreditou numa
distorção das Boas Novas (que não é, portanto, evangelho!), ou
porque se esqueceu do cerne do evangelho em que creu, numa
ocasião, e se deixou extraviar.
Se é esse o caso, podemos afirmar que a melhor coisa que tal
pessoa pode fazer é tombar exausta à beira da estrada da vida.
Se aquilo em que ela está crendo não é o evangelho da verdade,
quanto mais cedo determinar que suas crenças são incapazes de
fornecer-lhe vida espiritual e saúde, melhor será.
Quando estudamos o ministério de Jesus, é significativo ver
que ele não apenas ensinou a verdade, mas também atacou o
erro... e fê-lo em todas as oportunidades.
Ele veio para livrar o povo das falsidades em que criam,
porque estas estavam matando as pessoas.
Jesus anunciou bem cedo com que propósito tinha vindo:
t “O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo qual \
Mj me ungiu para evangelizar aos pobres. Enviou-
' me para apregoar a liberdade aos cativos, dar
vista aos cegos, pôr em liberdade os oprimidos, j e
anunciar o ano aceitável do Senhor”.
(Lucas 4:18,19)
Os ensinamentos, os milagres e a morte, ressurreição e
ascensão de Cristo quebraram o poder de tudo que mantinha a
humanidade em cativeiro.
Costuma-se esquecer que, ao fazer aquelas declarações, Jesus
estava dispondo-se a livrar o povo de certo sistema de crença.
Seria correto afirmar que, durante todo o seu ministério terreno,
ele esteve engajado numa guerra sem tréguas contra
o sistema de crenças mantido pela seita religiosa chamada
farisaísmo.
É importante ressaltar que Jesus nunca investiu contra as
prostitutas, contra os ladrões, os bêbados e os cobradores de
impostos (a forma mais aproximada que Israel conheceu de
crime organizado). Na verdade, ele transformou aquelas pessoas
em seus amigos. Todavia, seu ministério integral foi uma
cruzada contra os ensinos dos fariseus.
Que tipo de sistema doutrinário era esse que atraía sobre si as
palavras mais fortes e severas de Jesus? O fato é que os fariseus
orientavam as pessoas a buscarem a aceitação da parte de Deus
através de seus méritos pessoais, mencionando diante dele as
boas obras que cada um tivesse praticado; era a mensagem da
busca da benevolência divina mediante o desempenho pessoal.
Ora, coincidentemente, esta é a mensagem que se encontra no
cerne de todas as religiões, e é também o que deixa as pessoas
exaustas, em seus esforços no sentido de desempenhar seu papel
de modo aceitável perante Deus.
Webster define a palavra religião da seguinte forma: “piedade,
consciência aguda, escrúpulos; vem de religare, emendar; re e
ligare, unir de novo; estado mental ou maneira de vida em que se
expressa amor a Deus e confiança nele, e a vontade da pessoa e
seus esforços no sentido de agir de acordo com a vontade de
Deus... ^
A religião leva a pessoa a unir-se fortemente a um voto de
guardar as regras que governam a conduta, os ritos e fórmulas
pelos quais pode aproximar-se de Deus. Isto exige o constante
exercício de sua vontade, e a completa obediência aos preceitos. A
finalidade principal de tudo isto é Deus ser agradado e a
pessoa ser aceita por ele.
A religião começou no jardim do Éden, quando o homem caiu.
A primeira reação do homem em sua condição decaída foi fugir
da presença de Deus e esconder-se atrás de algumas árvores.
Desde esse dia o homem sem Cristo sente medo de Deus. E
expressa esse medo mediante o ateísmo, que é a esperança de
que Deus não está mais lá, ou nunca esteve; e o materialismo,
através do qual o homem se esconde nas coisas materiais desta
vida, na esperança de que Deus vá embora ou jamais se inte-
resse por ele!
Religião é a expressão última daquele mesmo medo. Ela
apresenta Deus como estando zangado com a humanidade, e
procura meios de apaziguá-lo e ganhar sua atenção. Todas as
religiões do mundo são o resultado das especulações do homem
decaído, cuja mente pecaminosa procura o significado da vida,
suas origens e objetivos, o caráter da divindade e que é que se
deve fazer para tomar-se aceitável perante Deus.
Todas as religiões do mundo, em suas bases, são iguais:
enxergam um Deus distante, nem um pouco amigo, e severo
distribuidor de leis pelas quais se pode aproximar dele. Tais leis
são confiadas à elite dos religiosos, usualmente sob a forma de
livro, e essa elite interpreta as leis para os adoradores. Todas as
religiões, onde quer que as encontremos, resumem-se no homem
estirando o braço, erguendo-o para encontrar um meio de
agradar a Deus, de quem sente tanto medo.
Os gregos definiam o amor humano com a palavra Eros que,
em português, expressa a idéia: “desejo para mim mesmo o mais
elevado, o melhor e o mais belo.”
Eros é o útero onde se concebem todas as tentativas do
homem para alcançar Deus. Todas as regras e rituais que,
conforme acredita o homem, agradam a Deus, iniciam-se em
Eros. Nele estão também o alicerce da crença humana concer-
nente à natureza de Deus.
Eros é a emoção mais elevada e mais bela do homem, que
almeja apenas o melhor, que o conduz sempre para cima e para
longe dos padrões mais baixos, na direção dos mais sublimes. E
muito natural, pois, que a mente do homem decaído defina Deus
afirmando que “ele é Eros em última instância”.
Basta, pois, apenas um passo mais para afirmar-se que Deus
quer as pessoas mais belas, o melhor da humanidade, as pessoas
que alcançaram e conseguiram o mais elevado plano possível de
vida a que um ser humano possa atingir.
Religião é escada que garante a aceitação da parte de Deus,
da pessoa que galgou o degrau máximo. A religião reivindica ser
a revelação do caminho montanha acima, até as estonteantes
alturas da perfeição e da familiaridade com a divindade perfeita.
Embutido nas entranhas desse sistema teológico está o
orgulho. Quem se dispõe a galgar a escada acredita que tem o
único sistema de regras que finalmente agrada a Deus e, por
isso, considera os outros como tendo menos valor do que o dele
próprio. Acha, além disso, que é seu dever destruir todos quantos
não acatam tais leis e não desejam recebê-las de suas mãos.
Eros constitui a base de todas as guerras religiosas, quer se
tenham travado em campos de batalha, quer nos anfiteatros da
teologia. Eros sempre traça círculos ao seu redor, excluindo todos
quantos não se obrigaram a guardar e observar as leis reveladas.
A conduta religiosa dos fariseus era a pior de todas, devido a
sua sutileza. Em suas origens, o movimento farisaico edifica vase
sobre a Palavra de Deus, de modo que, considerando-se seus
objetivos, toma-se difícil incriminar o sistema farisaico.
Fariseu era a pessoa que se havia dedicado a observar
minuciosamente a lei de Moisés, chamada Torah (os primeiros
cinco livros da Bíblia) na língua hebraica. O juramento dedica-
tório era denominado “tomar o jugo da Torah". A partir desse
dia, consideravam-se separados para Deus, sua lei e para uns
com os outros. Formavam círculo bem fechado, dentro do qual só
eram bem-vindos os devotos, círculo que os separava do mundo
de pecadores lá fora.
Na realidade, as exigências da lei eram simples: amor a Deus
e ao próximo. Mas a religião sente-se perturbada pela simpli-
cidade. Em vez de perguntar como é que a lei de Deus deveria
ser observada, eles perguntavam: “Como é que vamos deixar de
quebrá-la?” A partir desta pergunta, todas as formas de debates
e questionamentos foram surgindo, finalizando nas
determinações legalísticas dos fariseus que objetivavam evitar
que a pessoa sequer se aproximasse do ponto em que poderia
quebrar a lei de Deus.
Estas leis feitas pelo homem eram denominadas “leis da
cerca”, a saber, leis que circundavam a lei de Deus, tentando
evitar que o devoto corresse o risco de quebrá-la. Nunca
perceberam que se apegassem ao amor, teriam guardado toda a
lei, e mais ainda. Em vez disso, enterraram-se num pantanal de
preceitos sem fim e sem sentido.
As “leis da cerca” procuravam circundar todas as áreas da
vida. Havia leis sobre como a pessoa devia vestir-se, sobre o que
podia comer ou beber, os lugares aonde podia ir ou não, o que
podia fazer, as pessoas com quem se podia relacionar e, mais
importante do que tudo, o que não podia fazer no sábado, e
outras centenas de pequenos rituais que precisavam ser
observados quando a pessoa ia comer, orar ou jejuar.
Até mesmo o israelita secular era constantemente lembrado
pelos fariseus quanto aos preceitos da lei, e sentia freqüentes
beliscões de consciência culpada por não estar vivendo à altura
dos padrões de santidade que os intérpretes legais haviam
declarado ser a verdade final.
O mal do sistema não estava naquilo que a lei proibia, ou
ordenava (embora a maior parte do sistema fosse exercício tolo
de futilidade), mas na raiz de Eros. A guarda das regras pelos
fariseus seria aceitável por Deus; o nível de sua obediência à lei
seria indicação de onde ficavam na escada que galgavam com
tanto esforço, na direção de Deus. Entretanto, não obstante a
retidão dos objetivos, Deus não pode ser alcançado mediante a
observância de mandamentos e pelo desempenho de rituais.
Foi contra esta forma de religião que Jesus proferiu suas
palavras mais duras. Quando viu o que esse sistema doutrinário
estava fazendo às pessoas, ele se moveu de compaixão:
“Vendo ele as multidões, tinha grande compaixão
delas, porque andavam cansadas e abatidas, como
ovelhas que não têm pastor”.
(Mateus 9:36)
A essas ovelhas, cansadas e exaustas devido aos constantes
jugos pesados colocados sobre elas pela religião, disse Jesus:
“Vinde a mim todos os que estais cansados e
sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o
meu jugo, e aprendei de mim, porque sou manso e
humilde de coração, e encontrareis DESCANSO PARA
AS VOSSAS ALMAS. Porque o meu jugo é suave e o meu
fardo é leve”.
(Mateus 11:28-30)
A palavra “cansado” significa: “exausto, ter trabalhado até que
não resta força alguma”. Hoje, no contexto em que Jesus estava
falando, poderíamos traduzir o texto assim: “queimados
espiritualmente, esgotados de toda força espiritual, exaustos na
tentativa de agradar a Deus”. Aquelas pessoas estavam
sobrecarregadas, esmagadas pelo peso de todas as leis e preceitos
que a religião jogara em cima delas.
Jesus convidou as pessoas a virem a ele e, ao agir assim,
atirou a luva desafiadora no rosto da religião. Ele usou esta
expressão: Tomai sobre vós o meu jugo... (v. 29), frase que
descrevia o juramento de fidelidade à religião com todos os seus
preceitos.
Jesus estava afirmando que ele próprio é a nova Tora, a nova
Lei, não uma lista de mandamentos, mas uma Pessoa viva; e diz
mais: que a aceitação do jugo de Cristo propicia descanso. A
versão chamada Bíblia Ampliada diz o seguinte: ... e en-
contrareis descanso — alívio, consolo, refrigério, recreação e
abençoado sossego — para as vossas almas.
A religião trouxe a queima espiritual. Jesus prometeu que vir
a ele resultaria em recreação, com um período de férias.. . vida
em que a pessoa estaria gozando de contínuo refrigério e
renovação em seu relacionamento com ele.
Queimar-se espiritualmente é alternativa que só pode ocorrer
quando há má compreensão fundamental do cerne do evangelho,
ou quando a pessoa falha em aplicá-lo em sua vida e ministério.
Um crente espiritualmente exausto está exibindo sintomas de
um problema muito mais grave.

(1) Noah Webster, Webster’* New 20th Century Dictionary of the English Language (Dicionário do Século Vinte da
Lingua Inglesa, de Webster) segunda edição rev. (Nova York:: Simon and Schuater, 1983).
CAPÍTULO 3

Novo Tipo de Amor

J esus foi a revelação de um novo tipo de amor com que a


humanidade, a despeito de sua mais sublime imaginação,
jamais poderia sonhar. As mais lúcidas mentes do mundo
se haviam reunido e deliberado a respeito da natureza de Deus,
ou dos deuses. Os pensamentos mais sublimes que puderam
conceber eram a extensão da mais elevada virtude que
conheciam, como homens decaídos — Eros. O homem só pode
saber como é Deus mediante a revelação que o Senhor fez de si
mesmo em Jesus.
Foi necessário tomar-se outra palavra grega para descrever
este amor divino: Agape. Esta palavra quase não era usada antes
de Jesus vir, e foi necessário que os escritores do Novo
Testamento definissem esse termo ao descrever a revelação de
Deus.
1João 4:8 nos dá a definição final... Deus é amor (Agape).
Agape, portanto, não é emoção que Deus exerce, mas sua própria
natureza, sua maneira de ser. Agape é a escolha eterna de Deus,
a decisão de existir para as pessoas, existir para o bem de sua
criação. O amor-ajgape não traça círculos, não exclui ninguém.
Jesus falou da maneira de ser de Deus em Mateus 5:44,45:
.. Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos
perseguem, para que sejais filhos do vosso Pai que está
nos céus. Ele faz que o seu sol se levante sobre maus e
bons, e envia chuvas sobre justos e injustos”
E em Lucas 6:35:
“Ao contrário, amai os vossos inimigos, fazei o bem,
emprestai, sem nada esperardes. Então será grande o
vosso galardão, e sereis filhos do Altíssimo, porque ele é
benigno até para com os ingratos e maus”.
Estes dois versículos focalizam Deus abrangendo com seu
amor a todas as pessoas, até mesmo os seus inimigos, os maus e
os ingratos, sem esperar retribuição alguma. Ele ama por quem
ele é, não por causa de algum desempenho da parte do ser
amado. Os homens poderão fugir dele, amaldiçoá-lo e empenhar-
se em práticas que o entristeçam, mas Deus continua a amá-los,
disposto a operar o maior bem a favor deles.
Em Jesus, o Ágape tomou-se carne, viveu entre nós e cami-
nhou conosco. Em tudo quanto ele era, disse ou fez, vemos a
natureza deste tipo divino de amor. Na morte de Jesus, o Ágape
encontrou sua definição final. Ele morreu para que seus inimi-
gos, os que o odiavam, não precisassem morrer!
A religião mais pura e a única verdadeira neste mundo, a que
nasceu no monte Sinai, mediante Moisés, dizia: ... ama- rás o teu
próximo como a ti mesmo... (Levíticos 19:18). Jesus não fez
assim: ele amou o próximo mais do que a si mesmo.
Este tipo de amor não pode, realmente, ser expresso em
palavras, em linguagem humana; por isso Deus, no Antigo
Testamento, usou um de seus profetas, Oséias, para demonstrar
através dele o amor Ágape. Em sua função de representante de
Deus, o nome de Oséias tomou-se bem conhecido em todos os
lares de Israel. Ele e sua família eram vigiados por todos.
Deus convocou Oséias para que este se casasse com Gômer,
mulher que tinha a infidelidade no coração. Casaram-se, e não
demorou muito para a infidelidade de Gômer tomar-se mani-
festa. Ela era vista com diferentes homens nas festas da socie-
dade samaritana, e a nação inteira de Israel começou a acom-
panhar o desenrolar daquela novela que acontecia diante de seus
olhos.
Por fim, ela abandonou Oséias e tomou-se prostituta. Aos
olhos das pessoas decentes, ela era depravada e fazia o marido de
tolo. Todas as ações dessa mulher deixavam bem claro que ela
desprezava Oséias e desejava embaraçá-lo diante do vigilante
povo de Israel.
Em seguida, os muitos amantes cansaram-se de Gômer. Ela
se viu obrigada a vender o próprio corpo nas ruas, escravizada
por um alcoviteiro. Finalmente, este a colocou num palanque
onde se vendiam escravos — ela deveria ser vendida pela oferta
mais alta.
Oséias sentiu-se profundamente ferido... em sua solidão, as
lágrimas corriam livremente, lágrimas provenientes da grande
vergonha de um escândalo público. Agora sua esposa está à
venda numa barraca de escravos; Deus lhe ordena que vá
comprá-la e que a reconsidere como sua esposa: “Ame a mulher
que o envergonhou e o desprezou, procure o maior bem dessa
mulher, leve-a para casa, proteja-a e tome conta dela.”
Enquanto Oséias abria caminho pelas ruas de má fama de
Samaria até chegar ao mercado de escravos, cada passo do
profeta demarcava na mente do povo de Israel a natureza do
amor de Deus para conosco.
Eros rejeita aos que o ferem, como também ao feio; Ágape
abraça seus inimigos e procura seu mais elevado bem. Diz Eros:
“Eu te amo, porque preciso de ti!” Diz Agape: “Preciso de ti
porque eu te amo!”
O amor incessante de Oséias por sua esposa tornou-se a
mensagem de Deus para Israel, um retrato composto de sombras
de seu amor à humanidade. Foi este mesmo amor que fez com
que Jesus chorasse publicamente, sobre Jerusalém (Lucas 19:41-
44), não porque o povo iria insultá-lo, envergonhá-lo e crucificá-
lo, mas porque, procedendo assim, o povo estaria prejudicando-se
eternamente. Ele chorou por causa do sofrimento de seus
inimigos.
Jesus, o Agape de Deus, morreu por nós e ressuscitou dentre
os mortos — e dá a todas as pessoas que o receberem o dom da
vida eterna. A única reação que o homem deve apresentar diante
da dádiva de Deus, do Agape, é a fé nele e na obra que ele
realizou. Até mesmo essa fé, pela qual a pessoa recebe esse amor
em sua vida, a fim de curá-lo, é dom de Deus.
Quando Jesus sentou-se no meio da escória da Galiléia para
comer com aquela corja imoral, uma nova palavra começava a
ser cunhada e incluída no vocabulário humano: graça. Já havia
sido utilizada nos tempos do Antigo Testamento, porém, só
recebeu definição completa, claríssima, em Jesus.
Graça é palavra muito rica no vocabulário grego. Era usada
nas ruas da Grécia e de Roma muito antes de o Espírito Santo
incluí-la no Novo Testamento. A palavra grega para graça é
charis.
Essa palavra significava: “algo que delicia ou traz alegria, um
favor, algo dado não por merecimento". A palavra poderia ser
usada para descrever um presente de aniversário, ou algo que a
pessoa faria pelo seu vizinho ou amigo.
Charis exprime-se muito bem num costume dos imperadores
romanos. Todos os anos separava-se um dia em que se celebrava
a ascensão do imperador ao trono. Nesse dia ele concedia, de seu
próprio bolso, uma bonificação a seus soldados. Tal bônus nada
tinha que ver com o salário normal que recebiam; era dádiva do
imperador e chamava-se “charis”. Os soldados não haviam
trabalhado a fim de fazer jus ao abono; este partia do coração
generoso do imperador.
Quando os gregos saudavam-se uns aos outros, usavam a
palavra charis. Iniciavam suas cartas com esta mesma palavra.
Ela exprimia o desejo de que a vida da outra pessoa se enchesse
de boas coisas, de beleza e alegria, de favores dos deuses. De
modo semelhante, quando os cálices se tocavam nos bares ou
num casamento, o brinde era: “charis para você!”
Por expressar o coração de Deus, que nos deu a salvação em
Jesus, charis era a palavra perfeita para ser incorporada ao
vocabulário do evangelho.
Entretanto, esse vocábulo necessitava expandir seu signifi-
cado para poder descrever como Deus nos dá suas dádivas.
A definição foi alargada, a fim de abranger a idéia não apenas
de um favor concedido em retribuição, mas favor não merecido,
favor que, na verdade, é o reverso do merecimento. Nós não
merecemos as dádivas de Deus, e nada que fizéssemos nos
habilitaria a recebê-las em retribuição, porém, Deus no-las
concede — e isso é graça.
Charis, quando usada como saudação ou brinde, era simples
cumprimento, uma saudação alegre destituída do poder de
tomar realidade os bons desejos. Contudo, quando trazida para o
vocabulário cristão, veio acompanhada do poder de Deus. O
Senhor não se limita a desejar-nos boas coisas; mais do que isso,
ele efetivamente opera a salvação em nós.
O evangelho é o poder de Deus para a salvação (Romanos
1:16). Os primitivos cristãos prosseguiram com o costume grego
de iniciar suas cartas com a saudação charis; contudo, acres-
centavam a autoridade e o poder "... da parte de Deus nosso Pai,
e do Senhor Jesus Cristo” (2 Coríntios 1:2).
Os cristãos do Novo Testamento jamais pensaram em charis
como uma virtude trancada no coração de Deus. Essa palavra
sempre esteve ligada à vinda de Jesus, à sua morte e ressurrei-
ção — eventos que deram realidade à graça de Deus na história
humana. Seu poder manifesta-se na proclamação do evangelho.
O evangelho é o convite para descansar em Cristo, para
receber a dádiva não-merecida que Deus nos concedeu no Filho.
Nada existe que o homem possa fazer para ganhar a salvação,
nem no passado, nem no presente. Trata-se, do princípio ao fim,
da charis de Deus, que só pode ser recebida pela fé.
Deus não está à venda! As escadas que o homem constrói, e as
regras que ele formula na tentativa de ascender a Deus — tudo
isso constitui um insulto ao Deus-Ágape que a si mesmo se dá
graciosamente a todos.
O espírito da religião enfurece-se contra o Deus que ama e dá-
se a si mesmo por todos. Eros odeia Ágape! A mente carnal
insiste em que o homem ganha a aceitação de Deus mediante
merecimento. Mesmo tendo graciosamente o perdão da parte de
Deus, esse homem natural crê que precisa trabalhar agora, a fim
de merecer e continuar recebendo o favor divino.
O corpo de verdades que proclama a revelação de Deus se
chama Boas Novas, a saber, Boas Notícias. Notícia, por defini-
ção, é o anúncio de algo que aconteceu, não a lista de coisas que
ainda estão para ser realizadas. Tudo quanto precisaria ser feito
para que o homem vivesse em perfeita união com Deus já foi
realizado por Jesus, em sua morte e ressurreição.
Nada mais restou ao homem a ser feito: não há escadas a
galgar, nem montanhas a escalar. O cerne da vida cristã é
permanecer maravilhado diante do amor de Deus e dizer:
“Obrigado, Senhor!”
Mas quando começamos a adicionar condições para o recebi-
mento da dádiva de Deus, sejam quais forem as razões, come-
çamos simultaneamente nossa queda no farisaísmo, e nossa
queima espiritual. A morte que penetrou na panela que alimen-
tará o espírito das multidões, hoje, é a semente venenosa de um
sistema doutrinário que convoca as pessoas a observarem regras,
a fim de continuarem a ser aceitas por Deus.
Muitas das histórias que Jesus contou foram motivadas em
sua reação ao espírito que os fariseus expressavam quando estes
viam o tipo de gente que Jesus aceitava. Tais histórias ilustram
a maravilha de Ágape e de charis, que fluem de Deus até nós.
Um dia Jesus estava jantando com algumas das pessoas mais
indignas — cobradores de impostos e outros tipos de companhia
desaconselhável. Os fariseus desprezavam tais pessoas,
chamando-as de “pecadoras”.
Nos tempos bíblicos, o ato de tomar a refeição juntos signi-
ficava mais do que satisfazer o apetite: tratava-se de um com-
promisso de amizade duradoura. .. a promessa de estar presente
quando o outro precisasse de você. Escandalizados, os fariseus
murmuravam ao observar a cena: Jesus era escândalo para a
religião!
E o Senhor convocou a todos e começou a contar-lhes histó-
rias, tanto aos convidados para o jantar quanto àqueles orgu-
lhosos fariseus.
Contou a história do pai que tinha dois filhos. Aparentemen-
te, ambos os filhos se irritavam com a disciplina que regia a
administração da fazenda. Consideravam o pai um feitor de
escravos, em vez de o principal sócio da fazenda que logo mais
lhes pertenceria. A atitude negativa desses filhos cegou-os, e eles
não mais enxergavam o verdadeiro coração daquele homem
— coração cheio de amor e bondade para com todos.
O filho mais novo chegou-se ao pai e pediu-lhe a parte que lhe
caberia como herança. A terminologia que Jesus coloca nos
lábios do jovem é puro jargão jurídico — o rapaz tinha um
advogado, ou consultara um deles.
Legalmente, ele não teria acesso à herança enquanto seu pai
vivesse. Esta cláusula era a garantia de que o velho receberia
cuidados enquanto vivo. Mas o que o filho pródigo está realmen-
te dizendo é o seguinte: “Não agüento esperar até que você
morra; quero meu dinheiro já!” Tais palavras produziriam golpe
profundo no coração de qualquer pai.
A lei concernente às heranças concedia dois terços do inventá-
rio ao filho mais velho e um terço ao mais novo. O pai não colocou
obstáculo contra o pedido. Deu ao jovem um terço de seus bens, e
este imediatamente partiu para um país longínquo.
A expressão “país longínquo” significava, aos ouvidos israe-
litas, lugar bem longe do povo da aliança, entre os gentios. Estes
eram desprezados e odiados pelos fariseus; por isso, já teriam
julgado aquele jovem como não tendo a mínima esperança de
salvação.
Nas terras longínquas o dinheiro foi rapidamente desbaratado
numa vida iníqua. E por infeliz coincidência, quando o rapaz
percebeu que não tinha mais nenhum centavo, sobreveio grande
fome àquela terra. Ei-lo agora miserável e morrendo de fome, à
procura de emprego numa fazenda como guardador de porcos.
Para o judeu, isto era o cúmulo da vileza, o ponto mais baixo a
que poderia chegar uma pessoa. A lei levítica descrevia o porco
como animal impuro e detestável. Tocar um porco, ou comê-lo,
era a mesma coisa que participar de sua impureza, e tomar-se
tão detestável quanto o próprio animal. A pessoa que tocasse em
porcos não mais seria recebida entre o povo da aliança.
Porém um dia, ao contemplar seus farrapos e a imundícia em
que estava, lembrou-se de algo a respeito de seu pai. Não parecia
grande coisa, mas ele se lembrou que o velho cuidava muito bem
de seus empregados. Sempre tinham o suficiente para viver... e
sempre lhes sobrava alguma coisa. Ele decidiu, então, ir a seu
pai e pedir-lhe que fosse considerado como um de seus
empregados.
Antes, ensaiou o que iria dizer. Diria simplesmente que havia
pecado contra Deus e contra seu pai, e pediria para ser
considerado como um empregado diarista. Esse empregado não
constava da folha de pagamento, não morava entre os demais
empregados na fazenda e não mantinha contatos com a família
do fazendeiro. O indivíduo era contratado para trabalhar du-
rante um dia, sempre que houvesse necessidade de ajuda extra.
Não fez promessas, não pediu uma segunda oportunidade
para voltar a ser filho... ele simplesmente agiu segundo sua
lembrança da bondade paterna no cuidado dos diaristas
contratados.
Enquanto isso, nenhum dos dois rapazes sabia que seu pai
jamais deixara de amar o filho que se perdera entre os gentios.
Quando o pai dera o dinheiro ao filho, simultaneamente per-
doara seu egoísmo e suas palavras duras. Durante todo o tempo
em que o moço esteve fora, e até mesmo durante a chegada dos
boatos sobre o que o filho estaria fazendo, não houve ressenti-
mentos nem amargura. O amor do pai pelo filho era maior do
que tudo quanto este fizera de ruim. Preocupava-lhe o sofri-
mento pelo qual o filho poderia estar passando onde quer que
estivesse, e apenas desejava tê-lo de volta em casa.
O pai aguardava a volta do filho, e diariamente examinava a
estrada. No momento em que o filho surgiu no horizonte, o pai o
viu. Não esperou que o moço chegasse em casa, mas correu a
encontrar-se com ele, atirou os braços ao redor do corpo
emagrecido que cheirava a porcos.
Após abraçá-lo e beijá-lo, recusou-se a ouvir o filho pedir que
fosse considerado um trabalhador diarista. Em vez disso, vestiu-
o com o melhor trajo, calçou-lhe os pés com sandálias e colocou-
lhe no dedo um anel! Em seguida, conduziu-o de volta à casa,
para um banquete comemorativo de sua reinstalação na família,
como filho.
Nesta altura da história os fariseus deveriam ter demons-
trado total ódio ao moço. Na opinião deles, um filho tão sem
valor, que havia abandonado o povo da aliança, só prestava para
o inferno. Se acontecesse que os fariseus tocassem em um
homem cujas vestes estivessem sujas de estrume de porco, eles
imediatamente sairiam para tomar banho e lavar as próprias
roupas. Abraçar tal pessoa e apanhar um pouco daquela sujeira
que ela portava era algo revoltante demais para exprimir-se em
palavras... e beijar um tratador de porcos era a mesma coisa que
beijar um sapo repulsivo!
Portanto, a tese defendida por Jesus era óbvia. Ele dizia que
Deus não era, de forma alguma, como os fariseus imaginavam
que fosse. Deus ama as piores pessoas, aquelas carregadas de
problemas, que já não têm mais esperança. Deus não condena as
pessoas pelos seus pecados, acusando-as sem piedade; em vez
disso, ele abraça essas pessoas que ainda cheiram a porcos, ele
as perdoa e as beija.
CAPÍTULO 4

Escravos ou Filhos?

N este ponto da história, Jesus introduziu o caráter do irmão


mais velho a fim de mostrar, mediante contraste vivido, a
verdadeira natureza do sistema doutrinário farisaico. Vê-se
que esse irmão não possuía o amor-Ágape presente em seu pai e,
além disso, revelou-se totalmente ignorante de tal amor, e
inimigo de qualquer manifestação nesse sentido.
Ele trabalhara o dia inteiro no campo. Ao regressar, ouviu o
som de música e da dança. Aborrecido, perguntou a um empre-
gado o que estava acontecendo.
O empregado lhe disse que seu irmão havia regressado e
aquela festa era a celebração de boas vindas da família. Os olhos
do moço escureceram-se de ódio. . . voltou ao campo, recusou-se a
entrar. Ele repugnava o irmão menor; desprezava-lhe a memória
e, por dentro, também sentia raiva de seu pai.
Ouvindo que seu filho mais velho não estava disposto a receber
o irmão menor, o pai saiu a fim de persuadi-lo a entrar. Muito
mal-humorado, o moço recusou-se, e em seguida explodiu contra
seu pai:
"Mas ele respondeu a seu pai: Olha, sirvo-te há tantos
anos, sem nunca transgredir o teu mandamento, e
nunca me deste um cabrito para alegrar-me com os
meus amigos. Vindo, porém, esse teu filho, que
desperdiçou os teus bens com meretrizes, tu mandaste
matar para ele o bezerro cevado”.
(Lucas 15:29,30)
Em sua fúria, o moço revelou o que se aninhara no seu
coração durante todos aqueles anos. Disse ele: “Tenho estado
servindo ao senhor sem jamais negligenciar um sequer dos seus
mandamentos.” A palavra grega para “servir” é “estar escravi-
zado.” The New English Bible (Nova Bíblia Inglesa) traduz a
passagem assim:... tenho sido seu escravo durante todos estes
anos... (v. 29). Argumentava que havia sofrido muito sob as leis
decretadas por um pai feitor de escravos. Ele se considerava
também um escravo, rápido na obediência a todas as ordens.
Devido ao seu pensamento pervertido, o moço entendia as
palavras do pai segundo a mente de um escravo. Quando o pai
dizia: “as cercas precisam de conserto”, estava falando ao filho e
co-proprietário da fazenda. Na verdade, o pai estaria dizendo o
seguinte: “Seria um investimento sábio em nossa propriedade se
consertássemos as cercas hoje.” Contudo, aos ouvidos do irmão
mais velho aquelas palavras se traduziam assim: “Vá consertar
minhas cercas, menino!”
Em sua opinião ele ia bem como escravo. Sempre obedecera a
todas as ordens recebidas — embora nem sempre sentisse
alegria no trabalho, nem concordasse com as tarefas. O fato é
que esse moço ainda não havia sequer começado a compreender
a idéia de um relacionamento de amor no qual ele, como filho,
era aceito e amado por quem era, e como era.
Tampouco conhecia a alegria de amar ao pai e ao irmão com
esse tipo de amor. Jamais houve um único dia em que ele
trabalhasse por amor puro e simples a seu pai, a fim de prover-
lhe sustento e, ao mesmo tempo, extasiar-se diante da idéia de
ser co-proprietário da fazenda.
O fato é que a mentalidade de escravo não imagina festas e
celebrações espontâneas de alegria. Só imagina temores e per-
guntas retraídas, tipo: “Parece que nunca conseguirei agradá-lo
— será que já fiz o suficiente?” E provável que esse moço jamais
tenha desejado uma festa — até ver seu irmão no meio de tanta
alegria.
A explosão dele foi: “Isso não é direito! Ele não fez o que eu fiz!
Ele não trabalhou como um escravo, não obedeceu a todas as
ordens como eu obedeci. Quando é que terei feito tanto, que o
senhor estará satisfeito?”
O que esse moço e os fariseus não conseguiam enxergar, por
serem cegos, era que a aceitação nada tinha a ver com ações ou
Escravos ou Filhos f o l
comportamento. Tinha tudo a ver, entretanto, com o amor do pai; e
da parte do irmão mais novo, fé nesse amor incomensu- rável.
O fariseu acreditava que seu currículo de realizações con-
quistaria para ele o favor divino. Ao aproximar-se de Deus, ele lhe
colocaria diante dos olhos sua folha de serviços prestados, encararia
aquele a quem considerava tirano e dono de escravos. Recitaria
todas as suas vitórias e lamentaria todos os seus fracassos,
lamuriando-se por ser tão propenso a cair.
É certo que os fariseus teriam ficado estarrecidos com a história
de Jesus. O pai havia menosprezado o comportamento do filho mais
velho e, ao proceder assim, estava afirmando que suas ações nada
tinham a ver com aceitação ou rejeição. A aceitação dependia de
quem era o pai, e não do que o filho fizera.
Visto que religião é modificação do comportamento, ela subtrai
da vida da pessoa muitas coisas que esta antes vinha fazendo, e
acrescenta muitas outras que nunca antes fizeram parte de seu
modo de viver. A ênfase da religião é no exterior: nas roupas que a
pessoa não pode usar; nos lugares que precisam ser evitados; nos
livros, revistas, e filmes proibidos; nos alimentos e bebidas que não
podem ser tocados.
A religião também acrescenta um novo comportamento:
freqüência assídua à igreja ou às reuniões religiosas, separação de
momentos especiais para a leitura da Bíblia e oração; obras sociais
entre os pobres. Há mudança nas amizades: só se incluem os
amigos que adotam o mesmo estilo de vida religiosa e que, juntos,
estão engajados em todas as atividades sociais aceitáveis segundo o
código daquele tipo particular de religião. A pessoa poderá tomar-se
ainda mais devotada a Deus se se tomar presbítero, membro do
coro, líder da mocidade, ministro do evangelho ou mesmo
missionário!
É óbvio que o sistema doutrinário dos fariseus, o qual procura a
aceitação de Deus mediante a modificação do comportamento,
reduz o Cristianismo a uma fórmula, em vez de mostrá- lo como
realmente é: um relacionamento dinâmico com Deus, trazido por
Cristo.
Quando o irmão mais velho referiu-se ao mais novo como
“esse teu filho," em vez de “esse meu irmão", estava dando a
entender que o comportamento do rapazinho o levara a perder o
direito de membro da família.
Mas a coisa é ainda pior, porque viver segundo regras e
códigos produz o inverso dos objetivos de Jesus. Deus é Agape, e
Jesus afirmou que seus discípulos seriam conhecidos por uma
vida marcada pelo amor divino. E trágico que a religião só
consiga produzir orgulho no coração da pessoa, e desprezo por
todos quantos não acatam os preceitos específicos da seita.
A religião mira-se no espelho de seus mandamentos e, em
seguida, espreita os que não pertencem ao mesmo círculo de
presunçosos, e orgulha-se:... ó Deus, graças te dou porque não
sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros...
(Lucas 18:11). Descreve, em seguida, seu modo de vida superior!
Ao longo da história, o Espírito de Deus tem-se manifestado
continuamente entre os homens, e aberto seus olhos para que
vejam o grandioso e incondicional amor revelado por Deus em
Jesus Cristo.
Quando o homem recebe a dádiva do Ágape, há alegria, há
festa. Entretanto, dali a pouco os guias farisaicos aparecem, à
semelhança de erva daninha em canteiro de flores, a fim de
minimizar a vida espontânea do Espírito, reduzindo-a a um
código rígido. O relacionamento com Deus transforma-se assim
numa fórmula morta para reger a vida.
Já não se conhece mais o crente pelo fato de Cristo ser a fonte
de sua vida; ele é conhecido, em vez disso, pelas peculiaridades
dos preceitos pelos quais vive. Testemunhar deixou de ser um
compartilhamento do próprio Jesus na vida do crente, e trans-
formou-se num convite para ele viver sob o jugo de uma forma
particular de religião.
Quanto mais religiosa se toma a pessoa, mais longe fica de
Deus. Quanto maior a dedicação religiosa, maior a sensação de
vazio. A observância de todos os preceitos não satisfaz a fome
interior; e assim, uma dedicação segue-se a outras dedicações,
enquanto a pessoa vai nutrindo a esperança de que aquela será
a última oferenda capaz de agradar a Deus, e trazer satisfação
ao seu coração.
Porém, cresce a frustração agonizante! O coração não deseja
observar preceitos; surge o desejo de romper com as rígidas
exigências da religião, o que só produz constante reconhecimento
de fracasso quando a pessoa tenta aproximar-se de Deus.
Tivemos um cão, certa vez, chamado Fred. Era uma criatu-
rinha cheia de júbilo, mas tinha o hábito perturbador de morder,
por brincadeira, as pernas de qualquer pessoa que passasse pela
nossa calçada, especialmente as do carteiro. Se quiséssemos
manter o cachorro, precisávamos tomar alguma providência —
por isso nós o amordaçamos.
Para alívio do carteiro, Fred agora aparecia sentado, de
focinheira na boca. As pessoas já podiam caminhar pela nossa
calçada com segurança. Entretanto, embora nosso cachorro
agora fosse inofensivo, nada mudara em Fred. Todos os dias ele
se quedava bem quieto, cobiçando as pernas dos transeuntes.
Havíamos mudado seu comportamento, mas não sua natureza!
A religião muda o comportamento, mas não muda o coração, a
fonte dos desejos humanos. Ao acatar todos os preceitos, o crente
evita o que lhe é proibido... mas seu coração ainda deseja
regalar-se. Na verdade, o coração almeja ainda mais fazer
aquelas coisas, agora que elas se tomaram proibidas. A pessoa
sincera se entristece com sua incapacidade para obedecer, mas
sempre se esforça para retomar às dedicações e promessas a
Deus.
Esta pessoa sincera é quem, mais cedo ou mais tarde, estará
cheia de problemas, queimada espiritualmente, e exaurida.
Algumas pessoas conseguem viver com a diferença entre os
preceitos e a realidade das coisas, mas o candidato à queimar-se
espiritualmente não consegue viver com aquilo que percebe ser
hipocrisia.
Essa pessoa continua a lutar em prol da maturidade espiri-
tual dentro da estrutura de códigos de sua igreja, toma-se
confusa, desanimada e amargurada. Seu entusiasmo esvai-se, e
ela percebe que continua a agir pelo ímpeto. Finalmente,
desaparece do cenário, queimada pelo ensino que recebeu.
O único inimigo real do crente é a mentalidade de escravo, em
constante luta para ganhar o favor de Deus. Todas as bênçãos
divinas lhe pertencem, desde que ele procure ganhá- las
mediante modificação de seu comportamento. Ao examinar suas
ações para certificar-se de que é aceito diante de Deus, a pessoa
cai nas garras do diabo; sem a mínima esperança, toma-se presa
do acusador de nossos irmãos.
A exposição que Jesus fez do espírito do farisaísmo demons-
trou que este é antagônico ao coração do Pai e ao evangelho.
Assim advertiu ele aos discípulos... Olhai, guardai-vos do
fermento dos fariseus... (Marcos 8:15). Cristo sabia que a
doutrina mortífera penetraria até mesmo entre aqueles que
haviam estado com ele e contemplado sua santa indignação
contra tal veneno.
Ao lermos o relato do Espírito Santo descendo no Pentecoste,
esquecemo-nos de que aqueles primeiros crentes estavam arro-
lhados dentro da cultura religiosa em que nasceram. Haviam
recebido o Espírito, mas suas mentes avaliavam o caminhar com
Deus em santidade da maneira como tinham sido educados, e
esta, até certo ponto, não passava de farisaísmo.
Embebidos no ensino que receberam dos rabinos desde
criança, e respeitando os fariseus como os mais santos de todos
os homens, era inconcebível para eles que alguém pudesse
conhecer verdadeiramente a Deus enquanto não se submetesse
ao jugo da lei.
Não atenderam à advertência de Jesus, ainda que entendes-
sem seu significado. Sob a liderança de Tiago, durante as
primeiras décadas após o Pentecoste, a igreja de Jerusalém
considerava o Messias como alguém exclusivo dos judeus. Criam
que ele viera para instaurar um reino em que todos haveriam de
obedecer com perfeição à letra da lei.
Muitos fariseus chegaram a conhecer Jesus depois do Pen-
tecoste. Entretanto, ao aceitarem a Jesus, não cessavam de
viver segundo as ordenanças da lei. Presumiam que, pelo fato de
conhecerem Cristo, o Senhor os ajudaria a cumprir todos os
rituais e fórmulas da lei vetero-testamentária—bem como seus
preceitos humanos denominados “cercas legalísticas”.
Achavam que era de seu dever ensinar a todos quantos
vinham a Cristo, de fora, como viver segundo os preceitos. Os
fariseus viam-se a si próprios como pessoas que adentraram o
reino já perfeitamente educadas, de modo que agora poderiam
ajudar aqueles pobres gentios ignorantes a serem tão espirituais
como eles, os fariseus, o eram. Nunca lhes ocorreu que a morte e
ressurreição de Cristo trouxeram fim à religião, e o
início de um novo modo de vida.
Paulo e Bamabé dirigiram-se aos gentios, primeiramente em
Antioquia, na Síria, e depois na Ásia Menor, anunciando que
todos podiam aproximar-se de Deus mediante o que Cristo havia
feito — sem que primeiro precisassem consertar seu
comportamento, alinhando-o com a lei de Deus. Antioquia
tomou-se o centro de alegre celebração no Ágape e na graça de
Deus.
A tensão entre o que a igreja de Jerusalém, sob a liderança de
Tiago, estava ensinando, e o que Paulo estava pregando, tomou-
se muito forte. Decidiu-se, portanto, marcar uma reunião em que
o assunto fosse discutido abertamente, com a orientação do
Espírito Santo.
Nesse concilio, o Espírito abriu os olhos dos crentes de
Jerusalém, inclusive de Tiago, e todos viram que a graça e o
amor de Deus estavam voltados a todas as pessoas. .. sem que
precisassem merecê-los mediante a observância da lei de Moisés
ou dos preceitos dos fariseus. O grupo de irmãos voltou a
Antioquia, regozijando-se porque o Espírito prevalecera e
salvara a Igreja da mentalidade de escravo, própria do irmão
mais velho.
Pedro chegou e despendeu algum tempo com os discípulos em
Antioquia, vivendo livremente entre eles, sem observar nenhum
dos preceitos farisaicos. Um dia, porém, chegaram alguns
crentes da igreja de Jerusalém. Pedro, imediatamente, começou
a agir à semelhança de um fariseu, e o povo judeu da igreja
seguiu seu exemplo. Até Bemabé cedeu e começou a acatar a
“cerca” legalística.
Paulo percebeu que tal prática não consistia em mero disse-
me-disse local em tomo da maneira como o crente devia proce-
der. Viu que era o próprio evangelho que estava em jogo, pois ou
o crente é aceito diante de Deus baseado em suas tentativas de
cumprir a lei de Deus e os preceitos humanos de um grupo
eclesiástico, ou é aceito baseado no amor e na graça de Deus, que
não têm preço. Não pode existir meio termo.
Paulo levantou-se e confrontou a Pedro diante de toda a
igreja. Suas palavras finais revelam a etema seriedade da
questão: Não anulo a graça de Deus, pois se a justiça provém da
lei, segue-se que Cristo morreu em vão (Gálatas 2:21).
Se a pessoa buscar a aceitação de Deus baseada, de alguma
forma, no seu modo de viver, estará declarando que a morte de
Cristo foi desnecessária. Paulo não poderia ter afirmado isso de
maneira mais clara do que quando o fez naquele dia, em
Antioquia.
Entretanto, o espírito da religião é persistente. Paulo e
Bamabé pregaram o evangelho da graça de Deus por toda a
Galácia; milhares de pessoas aceitaram a Cristo e iniciaram
vuna vida no poder reinante neles.
Os judeus que se converteram ao evangelho já não viviam
mais segundo os preceitos farisaicos, mas segundo o Espírito
Santo dentro deles. Os gentios que haviam abandonado a
sociedade imoral, idólatra, estavam aprendendo a caminhar em
amor com Jesus Cristo que vivia dentro deles, sem apelar para
preceitos e proibições.
Então chegaram alguns dos fariseus crentes, de Jerusalém.
Aparentemente, eles não haviam concordado com as conclusões
do concilio (e é questionável se o próprio Tiago houvesse real-
mente entendido o que o Espírito Santo revelara naquele con-
cilio).
Eles apresentaram congratulações aos gálatas pelo fato de
estes terem aceitado a Cristo, e em seguida lhes perguntaram:
“E como é que vocês vão planejar viver, agora, a fim de agradar a
Deus?” E prosseguiram com as perguntas, repreendendo os
judeus por terem abandonado a lei, assegurando-lhes que agora
dispunham do poder para obedecer a todos os mandamentos e
que só assim é que Deus se agradaria. Também pressionaram os
gentios para que estes se colocassem sob a lei, de modo que não
retomariam à sociedade imoral, privada de leis, de onde tinham
vindo há pouco tempo.
Os argumentos que usavam fazem sentido para a mente
natural:
— Claro que é necessário estabelecer alguns regulamentos e
diretrizes: vamos determinar os degraus que deveremos galgar
na direção do alvo da maturidade espiritual.
— Numa sociedade idólatra e imoral como a da Galácia,
precisamos de preceitos que governem a maneira como nos
vestimos, o que bebemos e comemos, quantas horas devemos
dedicar à oração e meditação, e quantas vezes por semana
devemos freqüentar as reuniões dos crentes.
— Precisamos de balizas semelhantes a estas para que
possamos ser boas testemunhas. As pessoas saberão que somos
crentes pelo nosso vestuário, nossas abstenções e nossa fre-
qüência à igreja. Precisamos de leis na igreja que julguem quem
é espiritual e quem é mundano.
Tudo isso faz sentido para a carne, mas é antagônico a Deus!
Quando Paulo soube do que o partido farisaico havia feito
entre os convertidos gálatas, escreveu uma carta a esta igreja.
De novo suas palavras não poderiam ser mais claras; não se
tratava de alguma doutrina de pequena importância sobre a
qual os crentes poderiam manter-se em desacordo legítimo.
“Admira-me que tão depressa estejais passando
daquele que vos chamou na graça de Cristo, para outro
evangelho; o qual não é outro, mas há alguns que vos
inquietam, e querem transtornar o evangelho de Cristo.
Mas, ainda que nós mesmos ou um anjo do céu vos
anuncie outro evangelho além do que já vos anuncia-
mos, seja anátema. Assim como já vo-lo dissemos,
agora de novo também vo-lo digo: se alguém vos
anunciar outro evangelho além do que já recebestes,
seja anátema”.
(Gálatas 1:6-9)
Estas palavras estão entre as mais enérgicas do Novo Tes-
tamento. Elas nos mostram que acreditar que precisamos mudar
nosso comportamento a fim de usufruir do favor de Deus, é jogar
fora a obra de Cristo!
— Seja maldito todo o homem que ensinar tal heresia — diz
Paulo. Entretanto, aí está a panela da qual tantos crentes estão
se alimentando hoje. Eis o ingrediente que está transformando
filhos de Deus em escravos lastimosos que lutam para obedecer a
mandamentos. É este fermento dos fariseus que está causando a
queima espiritual dos crentes, os quais tombam, exaustos, à
beira da estrada da vida.
Você se lembra de quando sentiu, pela primeira vez, a graça
de Deus em sua vida? Você se alegrou em Jesus pelo que ele fez,
pelo que ele passou a ser para você... durante algum tempo!
Surgiu de repente em seu coração um amor espontâneo por todas
as pessoas, um deleite infantil pela vida, proporcionando-lhe
uma auréola de alegria de tal ordem que até os amigos céticos
comentaram.
Você se espantou de como alguns hábitos velhos sumiram, e
nova vida começou a emergir lá de dentro. Foi como se os portões
de uma prisão de abrissem, e você pudesse sair, livre como um
pássaro.
Acima de tudo, você sentia fome insaciável de Deus. Vivia o
tempo todo cônscio da presença de Deus, e sabia o que Paulo
tinha em mente quando disse que devemos orar sem cessar. Você
queria conhecer a verdade de Deus, e por isso lia as Escrituras
com avidez.
E neste ponto da vida cristã que muitas pessoas são desviadas
por influência de um fariseu que se diz crente. Este pode ser o
pastor de uma comunidade, um evangelista de rádio ou televisão,
ou um membro de algum grupo de oração ou de estudo bíblico,
que durante algum tempo foi crente.
O raciocínio é que se a pessoa estiver aparentemente cheia do
Espírito Santo, tudo que ela disser tem de ser correto. Portanto,
aceita-se a mensagem de que é possível alguém se tomar crente
maduro mediante a obediência a regras e preceitos.
Tal mensagem faz sentido para a carne. A liberdade em Cristo
cede lugar à escravidão do farisaísmo. Sob o jugo dessa
escravidão, a espontaneidade da vida em Cristo, que mora no
crente, toma-se apenas memória, e desaparece a alegria no
Senhor.
Agora é apenas uma questão de tempo: a pessoa, quer esteja
dentro, quer fora da igreja, queimar-se-á, ficará espiritualmente
exausta.
CAPÍTULO 5

Falsos Pastores

M
ilhares de crentes queimados espiritualmente, cheios de
confusão, deixaram a igreja porque um pastor sincero os
alimentou, servindo-lhes da panela farisai- ca do legalismo.
Jesus usou com freqüência a imagem do pastor e das ovelhas a
fim de descrever a razão porque veio à terra. Tal imagem não é
originalmente de Cristo. Na verdade, é um quadro que Deus com
freqüência usava para descrever seu relacionamento com o povo
da aliança. Jacó foi o primeiro a falar de Deus nesses termos
(Gênesis 48:15; 49:24), e Davi imortalizou esse quadro no Salmo
23.
Nos dias bíblicos o pastor significava muito mais do que hoje.
Ele se entregava a seu rebanho; era totalmente responsável pela
proteção e sustento das ovelhas. Sempre que o termo pastor era
usado simbolicamente, descrevia líderes; tanto podia referir-se ao
rei quanto aos líderes espirituais da nação. Todos esses eram
vistos como responsáveis pelo cuidado, alimentação e orientação
das pessoas em suas áreas específicas.
Entretanto, a imagem do pastor desenvolveu-se na realidade
entre os profetas. Muitos deles sentiram o pesado fardo de
enfatizar que o povo da aliança de Deus havia sido desviado por
falsos pastores.
Que é que os pastores ensinaram ao povo que causou sua
dispersão, e os deixou a mercê de todos os inimigos que procu-
ravam sua morte? O profeta Zacarias referiu-se a isso:
“♦. • por isso [òs homens] vagueiam como ove-
lhas, estão aflitos, pois não há pastor”
(Zacarias 10:2)
“ . . . um pastor... não visitará as que estão perecendo, não
buscará a desgarrada, e não sarará a doente, nem
apascentará a sã, mas comerá a carne da gorda...”
(Zacarias 11:15)
Ezequiel falou disso mais claramente que qualquer outro profeta:
“A fraca não fortalecestes, a doente não curas- tes, a
quebrada não ligastes, a desgarrada não tornastes a trazer
e a perdida não buscastes, mas dominais sobre elas com
rigor e dureza. Assim se espalharam, por não haver pastor,
e ficaram para pasto de todos os animais do campo, porque
se espalharam. As minhas ovelhas andam desgarradas por
todos os montes, e por todo alto outeiro; sim, as minhas
ovelhas andam espalhadas por toda a face da terra, sem
haver quem as procure, nem quem as busque. Portanto, ó
pastores, ouvi a palavra do Senhor: Tão certo como eu
vivo, diz o Senhor Deus, visto que as minhas ovelhas foram
entregues à rapina, e as minhas ovelhas vieram a servir de
pasto a todos os animais do campo, por falta de pastor, e os
meus pastores não procuram as minhas ovelhas, pois se
apascentam a si mesmos, e não apascentam as minhas
ovelhas...”.
(Ezequiel 34:4-8)
Quando Deus viu seu rebanho hostilizado e perseguido pelos pastores,
cuja principal missão é garantir a saúde das ovelhas, dando-lhes proteção
e orientação, disse o Senhor que ele próprio viria e pastorearia seu
rebanho:
“Pois assim diz o Senhor Deus: Eu, eu mesmo procurarei
as minhas ovelhas, e as buscarei. Como o pastor busca o
seu rebanho, no dia em que está no meio das suas ovelhas
dispersas,
assim buscarei as minhas ovelhas. Livrá-las-ei de todos os
lugares para onde foram espalhadas no dia de nuvens e
escuridão... Em bons pastos as apascentarei, e nos altos
montes de Israel será a sua malhada, e pastarão em
pastos gordos nos montes de Israel. Eu apascentarei as
minhas ovelhas, e eu as farei repousar, diz o Senhor Deus.
A perdida buscarei, a desgarrada tornarei a trazer, a
quebrada ligarei e a enferma fortalecerei...”.
(Ezequiel 34:11-16)
Como pastor divino da aliança, Jesus falou que tinha vindo com o
propósito de ajuntar seu rebanho, curá-lo e dar-lhe repouso e
segurança. Usou a linguagem de Ezequiel a fim de descrever sua
missão. Pois o Filho do homem veio buscar e salvar o que se havia
perdido (Lucas 19:10).
Jesus viu o povo como as ovelhas feridas de que os profetas
haviam falado: ... teve compaixão deles, porque eram como ovelhas
que não têm pastor... (Marcos 6:34). Vendo ele as multidões,
compadeceu-se delas, porque estavam aflitas e exaustas como
ovelhas que não têm pastor (Mateus 9:36).
Duas palavras neste texto descrevem as condições das ovelhas. A
palavra traduzida por “aflitas” é usada na língua grega para
descrever pessoas que foram atacadas e roubadas, perdendo seus
bens. Elas jazem agora amedrontadas, confusas, fracas demais para
caminhar e sair da margem da estrada aonde foram atiradas e
abandonadas. “Exaustas” — a segunda palavra — também tem sido
usada para descrever pessoas que caíram e não têm condições de
erguer-se.
Se alguém olhasse para a multidão, veria um grupo de
camponeses decentes, respeitáveis, da Galiléia, que iam ao culto
todos os sábados, e enviavam seus filhos à escola em que o principal
livro-texto eram os cinco primeiros livros da Bíblia. A maior parte
das famílias lia e memorizava grandes porções das Escrituras, e
ordenava suas vidas numa tentativa de obedecer aos preceitos
escriturísticos.
Jesus as via com os olhos de Pastor da aliança. Ele descreveu
essas pessoas respeitáveis como ovelhas perdidas, aflitas, de quem
tinham roubado a verdade, ovelhas perseguidas, dispostas a
desistir. Seus líderes espirituais distorceram a verdade da Palavra
de Deus a tal ponto, que esta se lhes tornara fonte de morte e
exaustão espiritual.
Quando afirmamos que Jesus busca os perdidos, nós o visua-
lizamos à procura de todos os pecadores, quem quer que sejam, e
onde quer que estejam, e sejam quais forem as razões por que se
perderam. Isto é verdade.
Entretanto, o fato é que Jesus estava afirmando que tinha vindo
para buscar os que viviam confusos e magoados pelas palavras
daqueles que se diziam seus pastores. Os perdidos eram os que se
sentavam todos os sábados na sinagoga, no esforço de tomarem-se
bonzinhos a ponto de Deus os amar. Os perdidos eram também as
pessoas que, embora quisessem aproximar-se de Deus, eram
afastados pelos líderes espirituais.
Os fariseus eram os maiores gritalhões ao denunciar os
cobradores de impostos, as prostitutas, os ladrões e outros
pecadores das vielas escuras de Jerusalém. Proclamavam, do
púlpito, que Deus se deleitava em condenar esses pecadores ao
inferno, por causa de seu mau comportamento. Eles se escan-
dalizaram ao ver que Jesus fez dessas pessoas, desses “pecadores”
— seus amigos e discípulos.
Hoje, Jesus ainda está à procura das pessoas que se perderam
porque apanharam até à exaustão. Elas foram ofendidas pelas
palavras dos líderes religiosos que falam em nome de Deus.
Muitas pessoas nos Estados Unidos já estiveram numa escola
dominical de alguma igreja, e muitos têm freqüentado escolas
seculares pertencentes à igreja. No entanto, tais pessoas fugiram
daquilo que ouviram! Por quê? Será que são pessoas que odeiam
Deus? Não!
Fugiram porque algum pastor, falando como representante de
Deus, apresentou-lhes um evangelho corrompido pelo fermento dos
fariseus. Esse pastor exigiu que mudassem seu comportamento a
fim de conformar-se a um tipo de vida que — segundo promessa
dele — lhes traria o favor de Deus.
Há quinze anos fui o palestrante num acampamento na região
noroeste dos Estados Unidos. O acampamento fora patrocinado por
um grupo de igrejas evangélicas que acreditavam que os crentes
precisavam passar pela experiência de encher-se do Espírito Santo.
Todos os adolescentes provinham de famílias evangélicas. Seus pais
eram membros de igreja; muitos eram diáconos, presbíteros e
líderes de grupos corais. Alguns pertenciam a famílias de pastores.
Os pastores responsáveis pelo acampamento reuniram-se comigo
antes do início das palestras, e disseram-me que as igrejas
patrocinadoras estavam preocupadas com o estado espiritual de
seus adolescentes. Observava-se que, quando as crianças chegavam
à adolescência, ficavam desinteressadas quanto às coisas de Deus;
alguns tinham-se até rebelado contra seus pais e contra a igreja.
As primeiras reuniões foram difíceis. Cerca de 150 adolescentes
sentavam-se, ou melhor diríamos, esparramavam-se pelas cadeiras.
Os olhos de alguns pareciam vidrados; outros mascavam chiclete e
faziam grandes bolas cor-de-rosa; outros, ainda, bocejavam
interminavelmente.
Na terceira noite, sentei-me à borda do estrado e pedi aos
adolescentes que me ajudassem a compreender em que é que eles
criam. Houve uma fagulha de interesse que, eu sei, nasceu do fato
de eles acharem que naquela noite não haveria sermão!
Assegurando-lhes que eu não os criticaria, encorajei-os a
responder às minhas perguntas. Comecei com: “O que é um
cristão?”
Após breve silêncio, uma garota de cerca de quatorze anos ergueu
a mão e disse:
— E uma pessoa que aceitou Jesus como Salvador.
Acenei afirmativamente e perguntei-lhe:
— E como é que se consegue fazer isso?
Outra mão ergueu-se:
— A pessoa levanta a mão numa reunião, vai lá na frente e ora.
— Por que a pessoa tem de fazer isso? — perguntei. — Com que
finalidade a pessoa ora quando vem à frente?
Mais mãos ergueram-se, e eu escolhi um rosto sardento a duas
fileiras de mim.
— A pessoa promete a Deus que vai ser melhor. .. que vai
abandonar o pecado — afiançou-me. Outro adolescente gritou:
— A pessoa pede a Deus que a ajude a ser boa!
— Muito bem, disse eu — o que acontece quando a pessoa se
torna crente?
Um zunzum de murmúrios e de risadinhas abafadas espalhou-
se pela multidão. Finalmente, uma mocinha levantou a mão.
— Fica pior para as meninas! — disse ela, com hesitação,
corando e rindo.
Surpreendi-me com essa resposta e encorajei-a a explicar o que
ela queria dizer.
— Bem... as meninas crentes não podem usar mini-saias nem
maquiagem... — e mais uma vez corou e ficou quieta.
Outras meninas concordaram e acrescentaram, ruidosamente:
— Não podemos cortar o cabelo nem usar brincos.
Convencidos agora de que não haveria mesmo nenhum
sermão, os adolescentes pareciam despertos. Os meninos come-
çaram a colaborar, sugerindo suas listas de coisas que os crentes
não podem fazer. No topo das proibições vinha o cigarro, seguido de
cerveja e vinho, falar palavrões, ouvir música de rock e ler
“Playboy”.
Enquanto as respostas vinham, dei uma olhada nos pastores.
Fiquei estupefato ao ver que, sorrindo e concordando com a cabeça,
estavam aprovando o que os adolescentes diziam.
Salientei que eles me haviam indicado apenas o que os
adolescentes crentes não podem fazer e perguntei:
— Como é que os crentes passam o tempo?
Houve longo silêncio; depois, uma voz vinda do meio da
multidão berrou:
— Eles não fazem muita coisa! A observação foi recebida com
gargalhadas. Outra pessoa berrou também:
— Vão jogar pingue-pongue aos sábados, e os pais ficam
olhando para eles!
Esta observação foi recebida com apupos e mais gargalhadas.
Houve longo silêncio, depois do qual as respostas começaram a
pingar com menos entusiasmo. Ir à igreja o dia inteiro no domingo
e nas noites de quarta-feira era uma obrigação absoluta — todos
concordaram. Outros sugeriram meia hora de leitura da Bíblia e de
oração todas as manhãs.
Tomou-se aparente que os cristãos verdadeiramente dedicados
eram os que testemunhavam às pessoas nas galerias dos “Shopping
Centers" aos sábados, deixavam folhetos para os garções nos
restaurantes (às vezes, no lugar de gorjetas) e íam de casa em casa,
convidando as pessoas para irem à igreja.
— O que é que dá a motivação a esses crentes para fazerem
todas essas coisas? — perguntei.
Outra vez houve silêncio. A menina séria sentada na fileira da
frente disse:
—A pessoa precisa esforçar-se bastante, orar muito, dedicar a
vida a Jesus o tempo todo, e ouvir programas evangélicos de rádio.
— Será que existe alguém que vive assim? — perguntei.
Olharam uns para os outros e houve alguma inquietação.
— Muitos voltam atrás um bocado — disse um rapaz sentado ao
lado da moça solene.
Então perguntei:
— O que é que esse crente deve fazer, nesse caso?
Um adolescente respondeu:
— A pessoa vai lá na frente, rededica a vida e tenta de novo!
Aguardei num silêncio quase amistoso e em seguida ponderei:
— Vocês acham que ser crente é a coisa mais fantástica da vida
aqui na terra?
Eles não estavam esperando uma pergunta assim e, por isso,
explodiram numa gargalhada. Por fim, um deles balbuciou:
— Só se o cara for louco!
Eu estava admiradíssimo de que aqueles adolescentes, expostos a
tantas reuniões, tantas palestras, e também ao seu próprio pastor,
semanas após semanas, não houvessem entendido o evangelho de
maneira alguma. Como é que os pais deles, alguns dos quais eu
sabia serem crentes cheios do Espírito Santo, podiam ter deixado
aquela impressão nos filhos?
— Onde entra Jesus Cristo em tudo isso? — perguntei quando
as gargalhadas diminuíram. Imediatamente houve um dilúvio de
mãos levantadas. Todos concordaram em que ele morrera por nós.
— Mas o que é que vocês querem dizer com isso? — enfatizei
minha pergunta, aumentando mais o entusiasmo de todos eles.
De novo a resposta veio como um raio:
— Ele morreu pelos nossos pecados para que pudéssemos ir
para o céu.
— Você tem certeza de que vai para o céu? — perguntei de
maneira casual a um adolescente, em particular.
— Só se eu me esforçar bastante para agradar a Deus... Foi a
jovem solene, da fileira da frente, que me agraciou com seu
conselho. Eu ia perguntar como é que a gente agrada a Deus,
mas sabia que iríamos cair de volta naquela história de ir lá na
frente e rededicar a vida. Deixei de lado.
— Está bem, digam-me então o que significa a frase “Jesus
ressuscitou dentre os mortos”.
Fez-se longo silêncio, e todos se sentiram um pouco incomo-
dados. Finalmente, alguém disse que isso queria dizer que Jesus
estava com as pessoas todos os dias, ajudando-as a serem boas, a
serem cristãos dedicados.
Perguntei se a ressurreição significava que Jesus os ajudaria
a não usar mini-saia, a não fumar cigarro, a não beber vinho,
mas a ler a Bíblia todos os dias em vez de “Playboy”. Todos
pareciam sentir-se constrangidos e alguns timidamente diziam
sim com a cabeça. Eu sabia que estava penetrando em áreas em
que eles não haviam pensado antes.
Pus o assunto de lado e encorajei-os a me fazerem perguntas
genéricas sobre a Bíblia. Tive um panorama geral quanto a onde
eles estavam, o que me forneceu orientação para a pregação na
semana seguinte.
Depois, conversei com os ministros que lideravam o acam-
pamento. Um deles me disse:
— Muito bem, você viu as coisas por si mesmo! Esses adoles-
centes sabem o que é santidade, porém não desejam pagar o
preço!
Fiquei aturdido; por um momento, senti-me como se estivesse
sentado na velha Jerusalém, conversando com Tiago ou com um
de seus assistentes farisaicos, crentes em Cristo!
Nas igrejas que patrocinaram o acampamento, os crentes
eram semelhantes a muitos milhares de crentes no mundo
inteiro. Eram todos verdadeiramente renascidos e cheios do
Espírito Santo.
Em algum ponto de suas vidas, Jesus entrara e permeara seu
viver de tal modo que muitos componentes de seus costumes
desapareceram, para dar lugar a uma vida que expressava a
presença do Senhor. A graça de Deus lhes havia alcançado o
coração, e seu amor lhes expulsara os antigos padrões de vida.
Contudo, não demorou muito para que eles se esquecessem de
que Deus os amara enquanto eles estavam comprometidos com o
antigo estilo de vida. Deus os amara embora fossem bêbados, e
quando deslizavam pelas pistas de dança. Mas eles se esqueceram
disso, e passaram a agir como se houvessem ganho sua posição em
Deus por terem deliberadamente — e não pela graça que os
alcançara — desistido do antigo viver.
Ninguém dentre eles conseguia lembrar-se do dia em que
acrescentaram um apêndice ao evangelho. Tomou-se regra na igreja
que qualquer pessoa que pensasse em Deus com seriedade,
precisaria renunciar as coisas que aqueles crentes originais haviam
renunciado, e adotar o estilo de vida que estes passaram a adotar. O
que de início fora graça para eles, transformava-se, agora, em lei
para seus filhos. E por causa de suas leis, estavam afastando seus
filhos de Jesus.
E eram tão sinceros! Acreditavam sinceramente que estavam
resguardando seus filhos contra o pecado, sem perceber que, de fato,
estavam transformando o pecado em algo muito atraente para eles.
Tampouco percebiam que a existência de suas regras negava que só
Jesus, mediante sua morte e ressurreição, poderia libertá-los do
pecado e mantê-los livres.
No ano passado, falei com um dos pastores que haviam liderado
aquele acampamento. Perguntei-lhe:
— Você se lembra daquele acampamento há quinze anos? Que
aconteceu àqueles adolescentes?
Ele sacudiu a cabeça, com tristeza.
— Eram rebeldes, e quase todos foram para o mundo.
Não, não eram rebeldes. Não fugiram de Jesus — nunca o
encontraram. Fugiram, cansados e exauridos, da religião que
retrata um Deus mesquinho, irado, que só ama as pessoas que a
igreja considera boas.
CAPÍTULO 6

A Vida “Zoe*

E m João 10, Jesus descreveu os falsos pastores como ladrões,


assaltantes e assassinos. Na melhor das hipóteses, eram
servos contratados que só trabalhavam mediante salário,
empregados que não demonstravam qualquer interesse pelo bem-
estar do rebanho. Na pior das hipóteses, eram semelhantes a
ladrões que assaltavam o rebanho, para roubar-lhes tudo quanto o
Pai lhes havia concedido graciosamente, em seu amor.
Eram assassinos que traziam a morte espiritual com suas
palavras. “O ladrão só vem para roubar, matar e destruir. . . o
mercenário. . . não tem cuidado com as ovelhas” (João 10:10,13).
Muitos têm sugerido que o ladrão é o diabo, mas o contexto não
permite tal interpretação. O ladrão, nesta passagem, é a pessoa que
está ensinando às ovelhas uma doutrina que destrói sua vida
espiritual. No contexto de João 10, tratava-se dos fariseus.
Jesus nada tinha em comum com a religião, da mesma forma
que um pastor nada tem em comum com o caçador desonesto. Ele
não veio para dar-nos forças para cumprirmos os dez mandamentos,
e tampouco deu-nos Cristo uma versão atualizada do decálogo no
sermão do monte.
Ele não nos ofereceu leis tipo “cerca”. Na verdade, com palavras
veementes, ele repudiou essas leis vigentes em seus dias. Ele
mesmo as violou ostensivamente, e incentivou seus seguidores a
fazerem o mesmo.
Jesus opôs-se a todo e qualquer sistema que ensinava que a
pessoa precisa antes mudar seu comportamento a fim de tornar-
se aceitável diante de Deus. Ele não veio fundar nova religião. A
igreja pela qual ele morreu e ressuscitou a fim de trazê-la à
existência, de modo nenhum é uma religião.
Ei-lo descrevendo a si próprio e à sua religião:
.. eu vim para que tenham vida, e a tenham em
abundância. Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a
sua vida pelas ovelhas”.
(João 10:10,11)
Sentiremos a força daquilo que Jesus está dizendo aqui, ao
compreendermos o significado da palavra que ele usa para vida.
Na língua grega, essa palavra é zoe. Zoe se define como “vida no
sentido absoluto, vida como Deus a tem, vida que o Pai possui em
si mesmo, e que ele deu ao Filho encarnado, para que a tivesse
nele mesmo. . .” ' '
Zoe é a vida que se expressa na Palavra que, pronunciada,
trouxe o mundo à existência, sendo o alicerce de todo o fôlego
existente no universo. E a vida de Deus e, portanto, não se
entende meramente como extensão de dias e atividades, mas
como qualidade e intensidade de vida.
.. . Deus é amor. . . (Ágape) (1 João 4:16) e, por isso, a vida de
Deus, o modo de ele ser, é Ágape. A zoe de Deus veio habitar
entre nós, em Jesus. Disse ele de si mesmo: “Eu sou a vida...”
(zoe) (João 14:6). Quando João contemplou os anos que passara
com Jesus, e ao olhar para trás, retrospectivamente, na vida
terrena de Jesus, ele exclamou:
“O que era desde o princípio, o que ouvimos, o que
vimos com os nossos próprios olhos, o que
contemplamos e as nossas mãos tocaram, isto
proclamamos com respeito ao Verbo da vida (zoe) —
pois a vida (zoe) foi manifestada, e nós a vimos, e
testificamos dela, e vos anunciamos a vida (zoe) eterna,
que estava com o Pai, e nos foi manifestada”.
(João 1:1,2)
A definição final de zoe é “a vida de Jesus”; é a vida como
Jesus a viveu.
Ao ser criado originalmente, o homem partilhou a vida e a
natureza de Deus.
“Formou o Senhor Deus ao homem do pó da terra, e
soprou-lhe nas narinas o fôlego da vida...
(Gênesis 2:7)
No meio deste jardim paradisíaco estava a Arvore da Vida, da
qual o homem tinha permissão para comer. Contudo, na queda,
Adão foi eliminado desta vida. . . “entenebrecidos no entendimento,
separados da vida (zoe) de Deus. .. (Efésios 4:18).
Desse dia em diante, o homem é descrito como estando morto. E
certo que ele está vivo em sua mente e corpo, e juntamente com
toda a vida criada, é sustentado pela zoe. Entretanto, o homem não
conhece a Pessoa que é Zoe\ considerando que a razão da criação
do homem é que ele conhecesse a Deus, esse desconhecimento
indica que o homem está morto.
O homem disporia, a seguir, de certa extensão de dias, durante
os quais ele criaria seus relacionamentos, sonharia, acalentaria
seus sonhos, estabeleceria seus objetivos, adquiriria sua fortuna e
ganharia suas batalhas. Contudo, havia um vácuo em seu coração
que deveria ser preenchido com a zoe de Deus. Jamais o homem
poderia satisfazer-se, e sua busca contínua daquilo que perdeu se
confirma na existência da religião onde quer que o homem se
encontre.
Visto que o homem foi criado para partilhar a zoe de Deus, ele
não consegue satisfazer-se com as regras externas e os rituais da
religião. Ele pesquisou além do exterior e penetrou no mundo
demoníaco, o que o deixou escravizado, amedrontado e imerso em
trevas cada vez mais densas. Só zoe o satisfaz e preenche o abismo
existente em seu coração.
Veio então Jesus, zoe em carne. “Nele estava a vida (zoe), e a
vida (zoe) era a luz dos homens (João 1:4). Em Atos 3:15 ele é
chamado de “o Autor da vida” (zoe). A Bíblia Amplificada traduz a
passagem assim: "... a própria Fonte — o Autor — da vida. . .*
Desde o início de seu ministério, tomou-se patente que Jesus
estava dizendo alguma coisa radicalmente diferente de tudo que se
ouvira antes. Ele assegurou continuamente a seus discípulos que
crer nele resultaria em eles receberem zoe, e passarem a participar
de zoe, isto é, da vida eterna.
Logo no início de seu ministério, disse Jesus a Nicodemos:
.. para que todo o que nele crê tenha a vida (zoe) eterna.”
“Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu
Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça,
mas tenha a vida eterna (zoe).”
(João 3:15,16)
“Todo aquele que crê no Filho tem a vida (zoe) eterna, mas
todo aquele que rejeita o Filho não verá a vida (zoe)”.
(João 3:36)
Falando à mulher samaritana, disse ele:
“... mas aquele que beber da água que eu lhe der, nunca
mais terá sede. Deveras, a água que eu lhe der se fará nele
uma fonte de água que jorre para a vida (zoe) eterna”.
(João 4:14)
Ele censurou os fariseus, dizendo-lhes:
“... contudo não quereis vir a mim para terdes vida (zoe).”
(João: 5:40)
Depois de alimentar os 5.000, ele lhes prometeu o verdadeiro pão:
“Eu sou o pão da vida (zoe). Aquele que vem a mim não terá fome, e
quem crê em mim jamais terá sede” (João 6:35). Quando a pessoa
vem a Cristo, preenche-se o abismo existente em seu coração.
Em outra ocasião, disse ele: “Eu sou a luz do mundo. Quem me
segue não andará em trevas, mas terá a luz da vida (zoe)” (João
8:12).
A lei referente aos mandamentos de Deus exigia o cumprimento
da parte da pessoa, segundo as palavras: “... FAZE ISTO E
VIVERÁS” (Lucas 10:28). A mensagem de Jesus era diferente.
Disse ele que o homem deveria crer nele e, tendo a
vida de Deus, passaria a viver.
Ele disse a mesma coisa, só que de modo diferente, ao dirigir-se a
seus discípulos com respeito ao amor divino, Ágape:
“Novo mandamento vos dou: amai-vos uns aos outros.
Como eu vos amei a vós, assim também deveis amar uns
aos outros.”
(João 13:34,35)
Com estas palavras e promessas, ele mostrou a natureza da
salvação que nos veio trazer. O chamamento aos homens para que
viessem participar da vida e do amor de Deus, tirou a questão da
salvação do âmbito da ação humana, a saber, do que o homem
poderia realizar. Nenhuma forma de dedicação humana poderia
produzir no homem a natureza de Deus! Esta não é, portanto, uma
questão de lei que a pessoa procura acatar, mas trata-se de um dom
da Vida, da qual flui espontaneamente um novo modo de viver.
Jesus não veio meramente para perdoar-nos e enviar-nos embora
a fim de que, com sua ajuda, façamos o melhor possível. Ele veio
para iniciar uma nova raça de pessoas que partilham sua vida zoe.
Trata-se de um dom da Vida, da qual flui espontaneamente um
novo modo de viver.
Não estamos falando de as pessoas tomarem ou não tomarem
drogas, ou álcool, ou ir à igreja aos domingos, ou vestir-se de
determinada maneira. Estou dizendo que fomos chamados a fim de
receber a vida de Deus, zoe, em nossas próprias vidas, a fim de nos
tomarmos membros de uma nova raça de indivíduos.
Em João 12:24 Jesus descreveu como esta dádiva se tomaria
disponível ao homem:
“Em verdade, em verdade vos digo que se o grão de trigo,
caindo na terra, não morrer, fica só.
Mas se morrer, produz muito fruto.”
O que Jesus disse é óbvio. Se a semente cair sobre o solo e não
morrer, haverá apenas uma semente. Mas quando ela é plantada
no solo, ocorre o milagre da colheita. Aquela semen- tinha produzirá
muitas outras sementes, todas iguais à original.
Dentre todas as sementes que Jesus poderia ter utilizado a fim
de ilustrar esta verdade, ele preferiu a do trigo. Este pertence a
uma família de grãos que se reproduzem, dando exatamente grãos
iguais ao que foi plantado.
Jesus se descreve como a semente original. Mediante sua morte
e ressurreição, ele se reproduzirá na vida de milhões de pessoas que
crêem nele. Não se trata de vidas parecidas com a dele — e sim
Cristo vivendo na vida dos crentes!
Quando é que Deus cuida de nosso pecado? Quando é que esta
vida-zoe toma-se disponível para nós? Não é quando o chamamos,
porque já ocorreu há 2.000 anos, quando Jesus morreu, ressuscitou
e ascendeu aos céus!
O pecado do homem precisa ser julgado e abandonado. O
homem deve: (1) ser liberto do poder do diabo, (2)ser liberto de todas
as conseqüências da queda, (3) receber o dom da vida de Deus, (4)
ter o amor de Deus derramado em seu coração, e (5) readquirir seu
domínio, a fim de reinar na vida.
O homem não conseguirá realizar nada disso mediante seus
próprios méritos ou poder, porque é escravo, impotente diante do
pecado e da morte. Contudo, Deus já fez tudo isso pelo homem, já o
abençoou com todas as bênçãos espirituais. Isto ele o fez em um
Homem — Jesus Cristo.
O corpo de verdades que chamamos de evangelho será melhor
entendido como Boas Novas. Novas são o anúncio de coisas que já
aconteceram. O evangelho é o anúncio daquilo que Deus já fez com
perfeição por nós e para nós.
O evangelho não é um chamado para fazermos algo, mas o
anúncio de que tudo já foi feito naquele que representou a todos.
Este é o significado da expressão-chave do Novo Testamento: “em
Cristo”. Deus pôs todos os homens em um Homem, e cuidou de
todos, uma única vez, e definitivamente, em Cristo.
E difícil para a nossa mente ocidental entender este fato;
entretanto, era fácil à mentalidade hebréia entender a idéia comum
de uma pessoa representar todas as demais. A história de Davi em
seu confronto com Golias ilustra este fato.
Dois exércitos, o dos filisteus e o dos israelitas, enfrentavam- se
no vale de Elá. Seria uma batalha decisiva que influiria em todas
as pessoas de ambas as nações. Golias, o campeão do exército
filisteu, veio à frente e desafiou Israel a enviar um
campeão para lutar contra ele.
A idéia era que, em vez de gastar-se grande quantidade de
homens numa batalha, um homem representasse os filisteus e
outro os israelitas, e que ambos lutassem. O lutador vitorioso daria
a vitória à sua nação. De fato, quando os adversários se
enfrentavam, deixavam de ser cidadãos particulares; repre-
sentavam e constituíam suas respectivas nações.
Quando Davi saiu a batalhar contra Golias, ele era Israel. Todos
os israelitas estavam “em Davi”. A história de Davi era a história de
Israel; o que lhe acontecesse, teria acontecido a todos os israelitas.
Se ele fosse derrotado, todos os israelitas se tomariam escravos da
Filístia.
Enquanto os soldados de Israel observavam Davi dançando ao
redor de Golias, sabiam que eles também estavam lá, à beira do
vale. A perícia de Davi no uso da funda tomou-se a perícia dos
israelitas quando este moço, no lugar deles, como se incorporasse a
todos eles, girou a funda. Quando o homem monstruoso caiu por
terra, todos os israelitas conheceram a vitória, e sentiram o peso da
espada em suas mãos quando a cabeça de Golias foi decepada. Em
seguida, devido à vitória alcançada por Davi, passaram a possuir a
terra dos filisteus.
Jesus, a zoe, a Palavra através da qual toda a criação veio a
existir, e pela qual se sustenta, tomou-se o representante da raça
humana. Em função de quem ele era, pôde ocupar o nosso lugar. A
Vida que é a fonte e o Autor de toda a vida pode assumir o lugar de
toda a criação, de tudo que ela mesma criou. Foi possível ele tomar-
se como nós, suportar a penalidade de nosso pecado, penetrar em
nossa morte, derrotar todos os poderes que nos mantêm
escravizados, e elevar-nos em triunfo.
Isto jamais tinha acontecido na história de zoe! Zoe criara a vida
a partir do nada, mas na cruz, zoe penetrou na morte, a antivida.
Ele abraçou a morte, e por esta foi abraçado, provou-a até a última
gota e, tendo-a conquistado, retomou à vida.
A ressurreição foi uma manifestação muito maior da zoe de Deus
do que a própria criação. Não somente é Cristo a Vida, mas... a
ressurreição e a vida... (João 11:25).
A ressurreição de Cristo significa que todo o pecado que separava
o homem de Deus recebeu o tratamento necessário. Significa que a
própria morte morreu na ressurreição de Jesus.
Significa que o diabo perdeu toda a autoridade sobre os filhos dos
homens e está, portanto, derrotado e indefeso diante de qualquer
homem em cuja vida reine Jesus. Significa que o homem já não
está escravizado sob o poder da morte, mas incluído na ressurreição
e pode, agora, receber a zoe.
Jesus ressurreto é o foco central do evangelho. Quando
descansamos naquilo que ele realizou, o Espírito Santo aplica tudo
quanto o Senhor fez à nossa própria experiência.
Jesus aproximou-se de seus discípulos após haver ressuscitado e
soprou-lhes, dizendo: .. Recebei o Espírito Santo” (João 20:22).
Aquele que estava diante dos discípulos era a zoe-vida, que
experimentara a morte e dela emergira vencedor.
Ele fez isso não apenas por nós, mas como se ele fosse nós. Tudo
quanto conseguiu passou a ser nosso, tão certamente quanto era
dele. Ele soprou a vida conquistadora da morte naqueles que criam
nele, unindo-se com eles ao executar essa tarefa.
O Cristo que estava de pé, objetivamente, diante dos discípulos,
na verdade vivia dentro deles pelo seu Espírito! Um grupo de
homens aterrorizados e confusos tomou-se uno mediante a vitória
que a Vida conquistou sobre a morte, o diabo e o pecado. A partir
daquele momento eles perderam todo o medo, e celebraram um
relacionamento e comunhão com Deus pelos quais o homem havia
ansiado desde a sua expulsão do Éden.
Era o novo nascimento, o início de uma nova raça. Os discípulos
haviam sido pendurados na cruz com o Senhor e agora,
ressuscitados com ele, passaram a viver nesta nova dimensão da
vida. Nunca mais haveriam de definir a vida como sendo separada
dele. Cristo se tomara a vida-zoe dos discípulos.
Paulo sumarizou tudo isso nestas palavras: “Para mim o viver é
Cristo...” (Filipenses 1:21) e “... Cristo, que é a nossa vida (zoe)...
(Colossenses 3:4). E em Gálatas 2:19-20:
“Estou crucificado com Cristo, e já não vivo, mas Cristo
vive em mim. A vida que agora vivo na carne, vivo-a na fé
do Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou
por mim.”
Pedro disse o mesmo sucintamente... “para que por elas vos
tomeis participantes da natureza divina... (2 Pedro 1:4).
O evangelho não é um chamado para que imitemos a Jesus. As
Boas Novas são que, mediante minha participação no evento da
ressurreição, agora eu posso receber sua vida. De agora em diante,
ele vive em mim, sem fazer de mim mero fantoche. Na verdade, ele
me restaura a liberdade e o significado de minha existência.
A vida do crente é 100 por cento sobrenatural. A modificação de
comportamento produzida pela religião não se aproxima da vida
descrita no Novo Testamento. Sabedora disso, a religião conserva
suas exterioridades e rituais frívolos, e evita a montanha
intransponível de zoe.
Aquilo que o homem não pode conseguir, nós o possuímos só pela
graça de Deus... só porque ele nos ama! Acreditamos naquilo que ele
fez por nós, e descansamos nele.
As virtudes da vida cristã estão claramente descritas como tendo
sua origem no Espírito Santo agindo no interior do homem
transformado. “Mas o fruto do Espírito é: amor, gozo, paz,
longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão e
domínio próprio...” (Gálatas 5:22).
A vida do crente não pode ser explicada à parte do Espírito de
Cristo que vive dentro dele... “Se alguém não tem o Espírito de
Cristo, esse tal não é dele” (Romanos 8:9).
Neste sentido, não existe uma “moralidade cristã” que possa ser
imposta a uma cidade ou nação. O modo cristão de viver não pode
ser formulado e instituído como princípios orientadores conducentes
a uma vida bem-sucedida. Esse modo jamais foi concebido como
tendo existência à parte de Cristo redivivo. Ele é a fonte dessa vida
no coração do crente.
Quando um crente se queima, foram seus próprios recursos
humanos que se exauriram. A zoe infinita de Deus jamais pode
chegar à exaustão. Já que ele vive em cada um de nós, e é a vida de
cada crente, a queima espiritual é causada pela incapacidade do
crente de descansar no fluxo da vida, e de receber essa vida que dele
emana continuamente.
Quando um ramo se queima, as chamas se alimentam dos gases
aprisionados no interior da madeira. Quando tais gases se exaurem,
a madeira fica reduzida a cinzas, as chamas fenecem e morrem.
Houve, porém, uma vez um arbusto que se queimava, mas não se
consumia nas chamas. O arbusto ardia,
mas as chamas não se alimentavam dos recurso* dele; ele
apenas um veículo que continha e expressava o fogo.
As chamas e a luz radiante que provinham do arbusto eram a
Vida não-criada, a zoe de Deus, que é luz. Quando a presença de
Deus abandonou o arbusto, suas folhas permaneceram verdes e os
galhos tão permeados de água como sempre estiveram. Ele se
queimara, mas seus recursos haviam sido poupados: não se
queimaram.
Viver a vida cristã não é viver mediante as próprias forças e
recursos, mas mediante o Cristo infinito que vive dentro de quantos
crêem nele. Toda a força humana chegará ao fim, mais cedo ou mais
tarde, deixando cada um de nós transformado em cinzas. Mas o
poder de Cristo não tem fim!
(1) W. E. Vlne, An Expoaitory Dictionary of New Testament Worda
(Dicionário Expositivo de Palavraa do Novo Testamento) Old
Tappan: Fleming H. Revell Co., 1966 pág. 336.
CAPÍTULO 7

Como Viver a Vida de


Cristo

E
stávamos sentados na varanda, olhando a clareira tão grande
como um campo de futebol. Era uma das várias casas térreas,
simples, edificadas entre as árvores que cercavam a
propriedade. O missionário, velho amigo nosso de Londres, servia-
nos chá num bule de porcelana que um morador local nos trouxera.
Um grande ventilador rodava lentamente acima de nossas cabeças,
agitando o ar úmido.
Meu amigo sentava-se numa grande cadeira de palhinha, do
outro lado, enquanto olhava a propriedade, que era a sede da
missão. Pequeno avião aterrisava na pista de emergência, aberta no
centro da clareira. Os moradores locais ocupavam-se de tanger o
gado para longe da pista.
Finalmente, meu amigo voltou-se e disse:
“Ouvi o que você disse hoje pela manhã no estudo bíblico,
Malcolm. Eu sei que Cristo vive em nós, e sei que isso significa que o
amor de Deus está em nós. Na verdade, suponho que todos os
crentes sabem disso, mas deixamos esse fato de lado, achando que é
uma idéia formidável e pronto. Você sabe como é que a gente faz!” —
e ele riu-se.
“Posicionalmente, estamos em Cristo nos lugares celestiais, mas
na realidade estou aqui em baixo arrastando-me na companhia de
meus irmãos. De certo modo Deus nos vê perfeitos, embora eu saiba
que sou muito imperfeito. Às vezes, acho que se Deus me conhecesse
tão bem como eu me conheço, ele não diria que estou entronizado
em alturas celestiais!” — e riu de
novo, uma risadinha oca.
“Vamos ser francos, Malcolm. Se a vida de Cristo está ativa
dentro de nós, e se essa vida é amor, como é que sempre que tento
ser semelhante a Jesus, me esborracho no chão? Vamos ser
absolutamente francos. Há cinco casais de missionários aqui: dois
dos Estados Unidos e três da Inglaterra. Aqui estamos nós
enterrados no mato a 800 quilômetros de Monróvia, e o que você
está enxergando à sua frente é o nosso mundo.”
“As pessoas têm ciúmes umas das outras; elas brigam como cães
e gatos, e só se falam nas reuniões. As crianças chegam a brigar aos
murros! Há mais ressentimento e amarguras aqui do que horas
disponíveis para eu lhe narrar tudo. E tenho tanta culpa como
qualquer um deles.”
“E há, além disso, os problemas entre eu e minha esposa.
Discutimos a respeito das discussões... você sabe, tomamos partido
quanto ã última briga lá fora. Eu já decidi que não voltarei mais
para novo período de trabalho missionário. Como é que vou pregar
para os nativos desta terra se eu próprio sinto que a coisa não
funciona em minha vida? Nem na vida dos outros” — acrescentou
com tristeza.
Já ouvi palavras semelhantes em quase todos os campos
missionários em que estive. Meu coração se rompe por causa desses
homens e mulheres que sacrificam a vida e famílias a fim de levar o
evangelho aos confins do mundo... só para descobrir, ao chegar lá,
que não sabem como viver o que pregam!
Já me sentei com jovens missionários nas Filipinas, seis meses
depois do início do primeiro período de trabalho. Haviam deixado o
seminário com grandes palavras de fé, mas descobriram
rapidamente que não sabiam como amar da maneira como Jesus
amava, nem viver no poder da vida ressurreta de Cristo. Chegaram
à triste conclusão de que o que julgavam ser fé era apenas bravura e
pensamento positivo.
Este não é um fracasso peculiar dos missionários. Já mantive o
mesmo tipo de conversa com donas-de-casa de Los Angeles,
executivos da Wall Street e freqüentadores de igreja que se
queimaram, em Tulsa.
De que forma a zoe, a vida do próprio Cristo, verdadeiramente se
toma manifesta em nossa vida? Sabemos que tentar imitá-la com
nossas próprias forças é total desespero. Mas, então, como é que
Cristo vive em nós?
Algumas das palavras mais importantes de Jesus ele as
pronunciou durante aquela ceia, na noite anterior, pouco antes de
padecer a morte. Os discípulos estavam confusos, cheios de
perguntas; não tinham a mínima idéia do que estava acontecendo.
Não percebiam que estavam vivendo alguns minutos da história
que nos introduziriam à Nova Aliança, que traria o homem a Deus.
Ainda estavam apegados à idéia judaica de que o Messias
haveria de estabelecer seu trono em Jerusalém e derrotar os
inimigos. Viam-se como membros do governo messiânico. A
caminho da ceia, discutiram asperamente entre si mesmos sobre
qual deles seria o maior e quem, dentre eles, ocuparia o primeiro
lugar no reino, o qual, eles tinham toda a certeza, seria estabelecido
naquele fim de semana.
Porém Jesus os decepcionou com um choque, logo no início da
ceia, ao assumir o encargo do mais ínfimo servo, lavando- lhes os
pés — ação que jamais seria praticada por um poderoso dominador
mundial! Em seguida, ele lhes falou sobre a necessidade de se
amarem uns aos outros com aquele tipo de f
amor. .. Agape.
“Novo mandamento vos dou: Amai-vos uns aos outros.
Como eu vos amei a vós, assim também deveis amar uns
aos outros. Nisto conhecerão todos que sois meus
discípulos, se vos amardes uns aos outros.”
(João 13:34-35)
De que modo estes discípulos sedentos de poder, que se
engalfinham pela conquista do primeiro lugar, ciumentos das
posições que ocupam no grupo de discípulos, viriam a tomar parte
num reino em que todos haveriam de servir e amar uns aos outros,
exatamente como Jesus o fizera?
O Mestre lhes aumentou a confusão ao dizer-lhes: “Naquele dia
conhecereis que estou em meu Pai, e vós em mim, e eu em vós”
(João 14:20).
Naquela dia, na Galiléia, ele chegara a eles, que consertavam
as redes, e lhes dissera: “Sigam-me!” E eles haviam
abandonado as ocupações da pesca e o seguido pelas estradas de
Israel. Estiveram sentados durante muito tempo, ouvindo os seus
ensinos; viram o Senhor curar os enfermos.
Ele era o Mestre, eles eram os discípulos. À semelhança dos
discípulos de outros grandes mestres, haviam-se sentado aos pés de
Jesus a fim de aprender dele, procurando pôr em prática os ensinos
dele.
Contudo, agora ele falava em conceitos que os confundiam. Como
poderia essa Pessoa, que se sentava à frente deles, vir a ficar dentro
deles? E como, simultaneamente, poderiam eles estar nele?
Nenhuma categoria de pensamento, nenhuma imaginação
selvagemente criativa em suas mentes podia conceber tal idéia.
A Antiga Aliança relacionava-se com a lei, com mandamentos e
ritos. A pessoa aprendia com o professor como as coisas deveriam
ser feitas e ia em frente, tentando praticar o que aprendera.
Jesus lhes dizia, naquele novo dia que nasceria no momento de
sua ressurreição, que não haveria nova lei codificada que todos
deveriam conhecer e praticar. Ele próprio seria a nova lei! Ele não
lhes ministrou ensino a ser aprendido, pois ele não era apenas o
Mestre; era também o próprio ensino. Ele lhes dissera:
. .Eu sou... a verdade...” (João 14:6).
O novo mandamento de amar uns aos outros, com aquele tipo de
amor de Deus, não era mandamento exterior, mas o próprio Amor
vivendo dentro deles. Ele estaria vivendo na fonte do ser de cada
discípulo, no íntimo de seus corações, e suas vidas seriam a
expressão de Cristo.
Notando a confusão dos discípulos, Cristo prosseguiu e deu- lhes
esta ilustração:
“Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o agricultor.
Todo ramo em mim que não dá fruto ele o corta, e todo
ramo que produz fruto ele o poda, para que produza mais
fruto ainda. Vós já estais limpos por causa da palavra que
vos tenho falado. Permanecei em mim, e eu permanecerei
em vós. O ramo de si mesmo não pode produzir fruto, se
não estiver na videira. Tampouco vós podeis produzir
fruto, se não perma-
necerdes em mim. Eu sou a videira, vós sois os ramos. Se
alguém permanece em mim, e eu nele, esse dá muito
fruto; sem mim nada podeis fazer.”
(João 15:1-5)
Ele chama a si mesmo de videira. Quando dizemos “videira”
queremos dizer a vida da videira, a seiva singular que faz com que a
videira tenha a aparência que tem, que produza folhas, que floresça
e frutifique como toda videira. Jesus está dizendo que ele é a vida
que transforma o crente em quem ele é, e a vida do crente é a
manifestação da vida de Cristo.
O crente é o ramo da videira. E interessante que Jesus tenha
escolhido, dentre todos os vegetais, a videira. A madeira da videira é
totalmente inútil; para nada serve senão para sustentar uvas. Não
se pode fazer móveis de videira. Ela não presta para esculturas.
Jesus estava dizendo que temos função primordial: manifestar
sua vida ao mundo. Só quando estamos vivendo a vida de Cristo é
que vivemos verdadeiramente a própria vida! Essa é a razão por
que fomos criados.
Os discípulos aguardavam o reino do Messias como se fosse uma
organização cheia de cargos a serem preenchidos, e de territórios a
serem conquistados. Disse Jesus que embora tais idéias fossem
corretas no mundo, em seu reino as coisas eram diferentes. Seu
reino, que em breve explodiria sobre o mundo, seria ele próprio
expresso por milhões de crentes. Ele não mais se limitaria
geograficamente, mas estaria presente onde quer que seus ramos
permitissem a produção de frutos.
Ao chamar os crentes de ramos, demonstrou-lhes a inabilidade
deles para produzir frutos por si mesmos. Qualquer ramo separado
do fluxo de seiva vital da videira jamais produzirá uma folha ou
uma única uva sequer. E a seiva vital da videira, subindo através
dos ramos, que lhes permite produzir frutos. Mediante a união com
a videira, da qual suga a seiva vital, o ramo consegue produzir os
frutos que nenhum ramo por si só produziria!
É apenas por amor à análise que falamos de videira e de ramos.
Quando olhamos para a videira, vemos que ela e seus ramos
formam uma unidade. Quem já ouviu falar de videira
sem ramos... quem já chamou de videira a um monte de galho*
secos?
Jesus diz que o crente não possui existência independente, que
de vez em quando precisa receber ajuda especial, uma injeção de
ânimo espiritual, a fim de prosseguir na vida cristã. Não se pode
pensar num ramo como vivendo à parte da seiva vital que flui nele,
como não se pode pensar num crente senão como expressão de
Jesus Cristo.
Semelhantemente, Jesus só pode ser conhecido hoje através dos
crentes — ramos de videira. A vida de Cristo precisa de um canal
pelo qual possa fluir para o mundo.
Este relacionamento jamais muda. Sempre haveremos de ser os
ramos, e ele sempre há de ser a vida que produz frutos por nosso
intermédio... Por isso, não fique desesperado ao sentir o desamparo
de ser apenas ramo.
Quando enfrentamos o desafio ou a oportunidade de expressar o
amor de Deus, sentimos muitas vezes nossa falta de capacidade
para ser ou fazer aquilo que a situação exige de nós. E quando a
tentação bate à nossa porta, sentimos compulsão para atendê-la.
Isto não é pecado! Estamos apenas constatando o quanto somos
apenas “ramo”, e entendendo, assim, o que Jesus quis dizer quando
afirmou: “Sem mim nada podeis fazer.”
Crescer como crente em Cristo não significa que aos poucos nós
nos tomaremos tão parecidos com Cristo que, em certo dia,
produziremos frutos por nós mesmos — e Jesus sentirá orgulho de
nós. Separados da seiva vital que flui dentro de nós, seremos
sempre ramos inúteis, desamparados.
Reconhecer nossa própria fraqueza, nossa impossibilidade de
viver Cristo nesta ou naquela situação — eis como devemos nos
sentir continuamente. Seremos sempre os ramos desamparados, e
ele é perpetuamente a videira, a vida. Não lutamos para ser o
cristão que julgamos ser pressionados pela situação. .. nem
lamentamos perante Deus nossas fraquezas. Deliberadamente
reconhecemos que Cristo vive na fonte de nosso ser, e decidimos
permitir que ele viva através de nós, e em nós, no ponto de nossa
fraqueza.
Para a religião, isto é espantoso. A religião sempre pensa em
Deus em termos de separação. Deus é o Deus “lá longe” que mora
num templo; é o Deus celestial, bem distante. Oramos a
fim de conseguir a ajuda dele, naquela situação crítica.
Porém, o Jesus que ressuscitou trouxe algo completamente novo
ao mundo. Ele ressurgiu dentre os mortos e agora, mediante o
Espírito Santo, não vive confinado pela geografia, mas está
intimamente presente dentro do coração de cada um de nós. Não
podemos pensar mais em nós mesmos como separados dele, assim
como o ramo que produz frutos não pode pensar de si mesmo como
estando separado da vida da videira.
Paulo ilustra o relacionamento entre Cristo e o crente com a
união existente entre a cabeça e o corpo. Não podemos pensar na
cabeça como separada do corpo vivo: ambos são funcionalmente
uma unidade. Pensar que minha cabeça é inglesa e que meu corpo é
francês, é tolice. E igualmente tola a idéia de que minha cabeça é
milionária e meu corpo é paupérrimo. O que é verdade a respeito da
cabeça é verdade também a respeito do corpo. Dessa mesma
maneira o crente está unido a Cristo.
Ele não está “lá longe”, de modo que se deva chamá-lo para vir
“até aqui” a fim de ajudar-me quando sou tentado, ou desafiado, ou
quando tenho uma oportunidade. Ele se fez um com o meu espírito,
e minha percepção de fraqueza funciona somente como gatilho que
dispara a reação de Cristo ao meu problema: ele vem com sua vida-
zoe e me inunda.
Paulo fala disso com franqueza em Gálatas 2:20: “Estou
crucificado com Cristo, e já não vivo, mas Cristo vive em
m i m . . e em Efésios 3:17: . para que Cristo habite pela fé nos
vossos c o r a ç õ e s . . e em Colossenses 1:27: “ . . . Cristo em vós,
esperança da glória”.
Ele resumiu o segredo de toda a sua vida em Filipenses 4:11-13:
“ . . . aprendi a contentar-me em toda e qualquer situação.
Sei passar necessidade, e também sei ter abundância. Em
toda maneira, e em todas as coisas aprendi tanto a ter
fartura, como a ter fome, tanto a ter abundância, como a
padecer necessidade. Posso todas as coisas naquele que me
fortalece.”
A habilidade de Paulo no manejo adequado de qualquer
circunstância em que se encontrasse não derivava do fato de ser ele
personalidade estóica. Ele vivia daquela maneira vitoriosa porque. .
. “posso todas as coisas naquele que me fortalece” (v. 13). A Bíblia
Amplificada traduz com maiores luzes o que Paulo queria dizer:
Tenho forças para todas as coisas em Cristo que me
fortalece — estou pronto para enfrentar qualquer coisa,
em igualdade com qualquer coisa, mediante aquele que
me infunde seu poder interior em mim (a saber, sou auto-
suficiente por causa da suficiência de Cristo).
A palavra “infundir” significa “pôr de molho em, pôr de infusão,
incutir, inspirar, penetrar” com o objetivo de extrair certas
qualidades. Um dia, há vários anos, eu me sentei para jantar
ponderando nestas grandes verdades. Perguntei a mim mesmo:
“Como pode Cristo, zoe-ágape de Deus, viver em mim?”
A garçonete me trouxe uma xícara de água fervente acom-
panhada de um saquinho de chá. Comecei a mergulhar o saquinho
de chá na água, e vi a água tomar-se colorida ao receber a força da
erva. Removi o saquinho ainda cheio das folhas, e pus-me a beber.
De súbito, ocorreu-me que eu havia apenas “infundido” o chá na
água — o que resultou numa saborosa bebida. A força e o sabor do
chá haviam sido liberados das folhas da erva, misturando-se com a
água anteriormente incolor e insossa. Água insossa era o veículo
necessário para receber a essência do chá.
Colocar o saquinho de chá encostado à xícara jamais trans-
formaria a água em chá. A água não consegue imitar o chá se
apenas olhar para ele! Era necessária a infusão. Percebi então que
eu, em mim mesmo, sou impotente porque não consigo reproduzir a
vida de Cristo, da mesma maneira como a água não consegue
transformar-se em chá. Se eu quiser viver a vida de Cristo, o
Senhor precisa vir a mim e viver dentro de mim. A vida de Cristo
precisa ser infundida em meu espírito.
O Cristo ressurreto jamais será conhecido e provado pelo mundo
de hoje como resultado de os homens tentarem ser parecidos com
ele. E preciso que ele se expresse mediante nossa fraqueza. O chá
estará perpetuamente encerrado no saquinho até ser liberado
mediante a água.
A infusão do chá na água é tão completa que já não a chamamos
mais de água, e sim de chá. Entretanto, a água não é o chá, visto
que este continua no saquinho. Assim também Cristo está em nós,
a nossa vida é a vida dele e, no entanto, ele não se transformou em
nós e nós não nos transformamos em Jesus. Somos perpetuamente
distintos, e perpetuamente unificados.
Este é o milagre que ocorre quando alguém vem a Cristo. O
Espírito de Cristo lhe sobrevêm.
Na madrugada de sua ressurreição, Jesus postou-se objeti-
vamente diante dos discípulos; no entanto, estava ao mesmo tempo
dentro deles, como quando ele soprou o Espírito dentro de seus
espíritos. Assim, quando uma pessoa invoca a Jesus Cristo, ele
atende, e entra. .. “Mas se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse
tal não é dele” (Romanos 8:9).
O crente é uma pessoa que tem Cristo lá dentro do coração!
Falar-se de um crente que não tem o Espírito de Cristo é
contradição — tal pessoa não existe.
“ . . . não reconheceis (nem percebeis) que (mediante
experiências mais e mais enriquecedo- ras) Jesus Cristo
está em vós? Se não é que já estais reprovados
(submetidos a um teste e rejeitados)!
(2 Coríntios 13:5, A Bíblia Amplificada)
A percepção deste fato em nossas vidas tem amplitudes infinitas!
O Novo Testamento deixa bem claro que a plenitude de Deus mora
agora em nós: Pois nele habita corporalmente toda a plenitude da
divindade. E recebeste a plenitude em Cristo ... (Colossenses
2:9,10).
A Bíblia Amplificada assim traduz o versículo 10:
“E vós estais nele, obtiveste a plenitude e alcan- çastes
vida integral — em Cristo vós também estais cheios da
Trindade, do Pai, do Filho e do Espírito Santo, e obteis
estatura espiritual total. . .*
Visto que esta é a verdadeira situação do crente, Paulo ora para
que ela se tome realidade na vida e na experiência de todos
os crentes... para que sejais cheios de toda a plenitude de Deus
(Efésios 3:19).
A Bíblia Amplificada assim traduz este versículo:
.. que vós possais encher-vos (todo o vosso ser) da
plenitude de Deus — (isto é) que vós possais usufruir das
mais ricas medidas da Presença divina, e tornar-vos
completamente cheios e inundados do próprio Deus”.
Quando vivemos segundo a plenitude de Cristo, que vive em
nós, não podemos queimar-nos.
CAPÍTULO 8

Verdadeira Fé

U
ma das principais causas do esgotamento espiritual é a
distorção de nossa fé pelo fermento dos fariseus. Vivemos
pela fé e, quando esta se transforma em obra da carne, a
exaustão espiritual é inevitável.
Quando usamos a palavra fé, que é que estamos querendo
dizer? E vital que entendamos exatamente o que estamos
dizendo, visto que uma ligeira distorção em nossa definição
significará o caos, e maior desastre ainda estrada abaixo.
Fé é, essencialmente, uma reação de confiança a determinado
conjunto de fatos. Nossa fé no relacionamento com Deus pode ser
ilustrada, até certo ponto, no nível humano.
Suponhamos que eu tenha encontrado uma pessoa que li-
vremente abriu o coração para mim, e mostrou-se bondosa,
piedosa ao extremo. Suponhamos, ainda, que essa pessoa ca-
minhou um pouco mais e agiu para comigo de maneira tal que
me mostrou de forma concreta a sua bondade. E façamos mais
uma suposição: essa pessoa comprometeu-se comigo em lealdade
e prometeu-me que, de acordo com sua capacidade, faria por
mim tudo quanto um amigo faria, pelo resto de minha vida.
Ação assim exige algum tipo de reação. Eu poderia, é claro,
alimentar suspeitas de que essa pessoa teria motivos menos
dignos, segundas intenções, e eu poderia ir embora, dando-me
parabéns por não ter caído numa esparrela. Mas eu poderia
também correr o risco e reagir às suas palavras e ações com
plena confiança, crendo que essa pessoa é tudo quanto afirma
ser. Em outras palavras, eu teria fé na tal pessoa, e lhe permi-
tiria transformar suas intenções em realidade. Na verdade,
minha fé seria a permissão para que a pessoa pudesse expressar
seu amor e bondade através das coisas que desejava dar-me.
Há riscos nesse tipo de compromisso que será posto em jogo
ao longo dos anos. Haverá épocas em que o que eu vejo e ouço
poderá sugerir que aquela pessoa não é tudo o que parecia;
entretanto, a natureza da fé é que, havendo feito um compro-
misso de lealdade, ela descansa no caráter da pessoa como eu a
conheço — e não no que estou vendo agora.
Minha reação a essa pessoa iniciaria uma comunhão que
amadureceria ao longo dos anos, transformando-se em verda-
deira amizade. Esse tipo de relacionamento humano é apenas
sombra da atuação da fé em nosso relacionamento com Deus.
A fé não se inicia com o ser humano. Inicia-se quando Deus
abre seu coração para conosco. Deus revela seu amor e graça
concretizados em Jesus. Começa com o caráter de Deus, e o que
ele fez por nós em Cristo. A primeira ação da fé é a reação de
confiança à revelação que Deus nos concedeu.
Deus se revelou em sua Palavra, mas a fé é concedida quando
o Espírito Santo toma viva essa Palavra em nós, pessoalmente.
De sorte que a fé vem pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Deus
(Romanos 10:17). O vocábulo grego para “palavra” é rhéma;
significa que este versículo poderia ser traduzido assim: ..
ouvindo a palavra dos próprios lábios de Jesus.”
A fé é reação a algo ou a alguém fora da própria fé — neste
caso, a revelação de Deus em Jesus, e sua fidelidade a essa
revelação. Essa reação responsiva assume a forma de abrir-se a
porta a fim de permitir que Deus em Cristo seja tudo quanto ele
prometeu; é deixar Deus ser o Deus que ele afirma ser em
qualquer situação.
A fé poderia ser comparada ao olho do espírito que, ao
contemplar Jesus, é motivado a reagir a ele em amor, descansar
nele e permitir-lhe que seja tudo que ele revelou ser. Da mesma
maneira, é o ouvido do espírito que, ao ouvir a Palavra de Deus,
é motivado a descansar nele e a permitir que ele seja tudo que
declarou ser.
Por nós mesmos não conseguimos encontrar fé que agrade a
Deus. A fé que temos nele vem dele! Explicando a maneira como
o homem coxo foi curado na Porta Formosa, assim disse Pedro:
MA fé que vem pelo nome de Jesus deu a este, na presença de

todos vós, esta perfeita saúde” (Atos 3:16). Outra versão da


Bíblia traduz o versículo assim: O nome de Jesus, mediante fé
despertada...
Não há luta, porque não há tentativa de ter fé suficiente para
enfrentar uma situação problemática, visto que a fé não vem de
quem somos, mas de quem ele é. .. Corramos com perseverança
a carreira que nos está proposta, olhando firmemente para
Jesus, autor e consumador da nossa fé... (Hebreus 12:1-2).
A palavra grega para “autor” seria melhor traduzida por
“fonte”. Nossa fé tem sua fonte em Quem ele é, e encontra sua
força na fidelidade de sua Palavra.
Não devemos pensar que o ouvir a Palavra que produz fé
significa tratar a Bíblia como se ela fosse um livro-texto, e
selecionar as passagens apropriadas. O Espírito Santo deve
tomar as verdades das Escrituras e tomá-las reais em nosso
coração. Assim é que quando Paulo pregava, ele confiava com-
pletamente no Espírito Santo para que este tomasse a Palavra
real, de modo que a fé das pessoas seria fé verdadeira, salvado-
ra.
“A minha palavra, e a minha pregação, não consistiram
em palavras persuasivas de sabedoria humana, mas
em demonstração do Espírito e de poder, para que a
vossa fé não se apoiasse na sabedoria dos homens, mas
no poder de Deus.”
(1 Coríntios 2:4-5)
Quando Paulo saía de uma cidade, continuava orando pelos
crentes ali, a fim de que a revelação do coração e do caráter de
Deus prosseguisse entre eles.
“Não cesso de dar graças a Deus por vós, lem- brando-
me de vós nas minhas orações, para que o Deus de
nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos dê em
seu conhecimento o espírito de sabedoria e de
revelação.”
(Efésios 1:16-17)
A fé não pode nascer em nós com base naquilo que Deus
realizou em prol de outra pessoa. Ele deve proferir sua Palavra
em nosso coração, o que deixará, não um fato verdadeiro em
nossa mente, mas um conhecimento absoluto em nosso coração.
A revelação que recebemos focaliza-se na morte e ressurrei-
ção de Jesus. É aqui que Deus se revelou a nós. O Espírito Santo
testifica que Jesus realmente está vivo; até os primitivos pre-
gadores sabiam disso. Se Deus não testificasse essa verdade,
ninguém creria numa só palavra do que dissessem! “Nós somos
testemunhas destas palavras, nós e também o Espírito Santo,
que Deus deu àqueles que lhe obedecem” (Atos 5:32).
Fé é o abandono à revelação de Deus, e o descanso nela. A
palavra hebraica para “confiança” contém a idéia de a pessoa
desabar de rosto no chão, sem apoio nenhum. Fé é a pessoa
depositar todo o peso de sua vida — seu passado, presente e
futuro — na revelação recebida: Jesus está vivo.
Fé, por sua própria natureza, é ser leal àquilo que agora
vemos e ouvimos, é a queima de pontes atrás de nós... é
caminhar na direção do desconhecido, o futuro incerto, tendo
depositado tudo na ressurreição de Jesus dentre os mortos.
A partir da entrega a Cristo, a linguagem e as ações do crente
passam a refletir seu descanso na fé.
Numa manhã terrivelmente fria de janeiro, deixei o aeropor-
to J.F. Kennedy, em Nova York, vestindo um temo leve, de
verão. A razão dessa minha aparente insanidade é que logo eu
estaria desembarcando em Johannesburg, África do Sul, em
pleno verão. Meu vestuário não criou a elevada temperatura na
África; eu vesti essa roupa porque era verão lá. A fé não declara
coisas a fim de criar as bênçãos de Deus; declara-as porque já vê
as bênçãos em Cristo.
Visto que sabemos e cremos no coração, as ações e palavras
harmonizam-se com o que o coração enxergou. Muitas vezes, o
que entendemos ser a verdade final entra em conflito com
nossos sentimentos e com as aparências. O mundo zomba de
nós porque não consegue ver o que vemos; contudo, vemos com
os olhos da fé, o que deve resultar numa confissão de fé intimo-
rata, diante do mundo que nos observa.
“.. .a palavra da fé que pregamos. Se com a tua boca
confessares a Jesus como Senhor, e em teu coração
creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás
salvo”(Romanos 10:8-9)
Não é o ato de fé que nos salva, cura ou abençoa, mas sim o
meio pelo qual Deus realiza dentro de nós o que ele quer. Esse
meio lhe permite entrar em nossa vida com todas as bênçãos que
ele, mediante aliança, criou para nós em Cristo.
Quando a fé reage desta forma, o Espírito testifica com o
nosso espírito que o assunto está resolvido: “Sabemos que
sabemos” de nossa união com Deus em Cristo. Gálatas 4:6 diz:
Porque sois filhos, Deus enviou aos nossos corações o Espírito de
seu Filho, que clama: “Abba Pai.” E em 1 João 4:16: E nós
conhecemos, e cremos no amor que Deus tem por nós...
Todos os passos da vida em Cristo são encaminhados pela fé,
segundo o mesmo padrão manifesto de início na salvação.
Sempre há a Palavra de Deus tomada viva pelo Espírito, a
revelação de Deus nas circunstâncias atuais. Este processo é
acompanhado pela nossa reação de confiança, de expectativa e
de descanso em Deus, permitindo-lhe que obre sua Palavra em
nós e por nosso intermédio.
Uma expressão vetero-testamentária descreve a fé como
“esperar no Senhor.” Isaías descreve a fé como meio de revita-
lizar crentes queimados.
“Não sabes? Não ouviste? O Senhor é o eterno Deus, o
Criador dos fins da terra. Ele não se cansa nem se
fatiga... Dá força ao cansado, e multiplica o poder ao
que não tem nenhum vigor. Até os jovens se cansam e
se fatigam, e os jovens tropeçam e caem, mas os que
esperam no Senhor renovarão as suas forças. Subirão
com asas como águia; correrão e não se cansarão,
caminharão e não se fatigarão.”
(Isaías 40:28-31)
A palavra que Isaías usa para “jovens” descreve o apogeu da
força física, os candidatos aos jogos olímpicos. O suprasumo da
força natural um dia chegará ao fim de seu vigor — os campeões
cairão ao lado da estrada.
Isaías coloca a força infinita do Deus etemo em confronto
com a força humana, e declara que os que esperam no Senhor
viverão na força ilimitada que dele emana, enquanto caminham
através das pressões desta vida.
A palavra “esperar” contém a idéia de contemplar a revelação
dada por Deus, na esperança de que ele é tudo quanto prometeu.
Mas essa palavra também significa que aquele que aguarda a
revelação está unido àquilo que espera, isto é, tornou-se uma
unidade com o doador dessa bênção.
Enquanto a fé espera em Deus e se entrega a tudo quanto
Deus mesmo revelou ser, a fraqueza humana é tragada e se
transforma numa unidade com a força divina! Por causa desse
intercâmbio de forças — o crente pode voar como águia, pode
correr eternamente na força que não lhe pertence, e consegue
até caminhar através do mundanismo todos os dias de sua vida,
sem sucumbir.
O sistema religioso dos fariseus havia distorcido a fé, trans-
formando-a em obra, a saber, em um dos degraus da escada
mediante a qual a religião procura galgar alturas até Deus. Em
certo sentido, ela é o último degrau da escada, porque sem fé não
se pode agradar a Deus (Hebreus 11:6). Se fé é obra mediante a
qual ganhamos a aceitação de Deus, ter fé então é obter um feito
notável!
A fé legalista é sutil. Podemos defini-la como “fé na fé em
Deus!” A ênfase é colocada na própria fé, em vez de no Objetivo,
na Pessoa que é a Fonte e a Consumação da fé. Exige tremendo
esforço obtê-la, guardá-la e fazê-la crescer.
Todo o peso vai para as palavras pronunciadas, para a
atitude mental rigorosamente mantida. Esse tipo de fé apóia-se
fortemente na verdadeira fé vista e apreciada nos outros, em vez
de numa palavra pessoal de Deus. Tem-se a impressão de que se
a fórmula funcionou para uma pessoa, há de funcionar para
outras.
Esse engano não apenas produz a tensão que sempre se
associa às obras da carne, mas também gera medo constante de
essa fé vir a perder-se, trazendo a conseqüente condenação, caso
a pessoa não tenha suficiente fé. É aqui que milhares tombam,
espiritualmente esgotados... porque não possuem a fé nascida da
revelação, mas a originada em fórmula morta que a religião lhes
ofereceu.
Visto que o ponto focal centraliza-se na própria fé em vez de
no Deus que desperta fé em nós, esta pseudo-fé procura mani-
pular Deus. Aceita a idéia de que fé é um poder que eu posso
utilizar a fim de influenciar Deus. Quem concebe a fé desta
maneira passa a pensar que essa fé é moeda celestial com a qual
pode comprar quaisquer bênçãos de Deus.
Eis porque não vamos a Deus dizendo: “Faze isso para mim
por causa de minha fé.” A fé não tem consciência de si mesma e,
por isso, diz: “Faze isso para mim por quem tu és, por quem tu te
revelaste!”
A exaustão espiritual resultante de tentar obrigar Deus a
fazer nossa vontade não apenas queima as pessoas, mas deixa-
as também desiludidas e amarguradas. Acham que Deus não
honrou o dinheiro celestial que colocaram no balcão divino.
Porém, a entrega leal e simples que a fé verdadeira faz muda
tudo. Nunca mais haverá luta para que se tenha bastante fé.
Quer seja fé para cura, quer para experiência mais profunda no
Espírito, quer para necessidades que precisam ser atendidas,
quer para a resposta à oração, fé é simplesmente reação àquele
que é, ao “EU SOU”, a permissão para que ele assuma nossas
circunstâncias. E ele quem nos cura, a fonte de todas as bênçãos.
Ao vê-lo como resposta a todas as suas necessidades e desejos,
o crente declara: “Senhor Jesus, tu és tudo isso, agora, para
mim!”
CAPÍTULO 9

O Descanso da Fé

J
á sabemos que a vida inexaurível que ressurgiu, vencendo
a morte, está disponível a nós, a fim de que possamos
viver triunfantemente neste mundo. Mas como
conseguimos trazer essa vida às nossas próprias vidas tão
fracas? A sabedoria infinita de Deus está dentro dele mesmo, e
precisamos dessa sabedoria para superarmos os problemas e
confusões da vida.
Contemplamos as agruras sofridas pelas pessoas à nossa
volta, e julgamo-nos insensíveis e desinteressados. De que
maneira poderíamos receber no coração a compaixão de Deus?
Quando as pessoas nos ferem e não encontramos em nós mes-
mos capacidade de amá-las e perdoá-las, como poderíamos obter
o amor divino, perdoador, implantado no coração?
A resposta da religião a estas perguntas sempre se expressa
em termos de alguma coisa que temos de fazer. Na minha
mocidade, fiz essas perguntas a muitos pastores e as respostas
sempre foram alguma variação da mesma idéia: Se quisermos
receber a seiva da vida de Deus, devemos reservar tempo para a
oração, para a leitura da Bíblia, de modo regular; nosso culto
pessoal a Deus seria a chave para habitarmos em Cristo.
Pois eu não acredito nisso. Na verdade, acho que essa prática
apenas aumenta mais ainda a frustração, e piora o problema.
Há muitas razões pelas quais devemos separar algum tempo
para estar com Deus; entretanto, se estivermos fazendo isso a
fim de obter o fluir de Deus em nossa vida, estamos só piorando
nossa exaustão espiritual.
Afirmar que a vida de Cristo flui em nós e através de nós,
porque gastamos uma hora em exercício devocional hoje, e
transformar a oração e o estudo bíblico em obras da carne. É
transformar o culto ativo num degrau adicional da escada
conducente a Deus.
Os fariseus esquadrinhavam as Escrituras e recitavam
orações na crença de que, assim, estabeleceriam ligação direta
com a vida divina. Porém Jesus lhes disse categoricamente que
tal procedimento deixava de lado a única fonte de vida que é o
próprio Cristo.
“Examinais as Escrituras, porque pensais ter nelas a
vida eterna. São estas mesmas Escrituras que
testificam de mim, contudo não quereis vir a mim
para terdes vida.”
(João 5:39-40)
De maneira semelhante, nossas autodedicações, nossas pro-
messas e votos a Deus de que nossa vida lhe pertencerá daqui
por diante, caem todos na mesma categoria. Até que ponto a
pessoa precisa dedicar-se para que a vida comece a fluir? Em
que nível de “entrega total a Deus” precisamos estar antes de os
primeiros sinais de zoe começarem a surgir? Todas estas obras
farão apenas que a pessoa corra mais depressa pela estrada
escorregadia do esgotamento espiritual.
Em Colossenses 2:6 Paulo nos ensina como habitar em Cristo
e nele andar todos os dias: “Portanto, assim como recebes- tes a
Cristo Jesus, o Senhor, assim também andai nele.”
Nós o recebemos pela fé e, da mesma maneira permanece-
mos nele e o expressamos diante do mundo. Paulo declarou a
oração que elevava a Deus pelos efésios: “Assim habite Cristo
nos vossos corações, pela fé.” “Que Cristo, mediante vossa fé,
possa verdadeiramente habitar — estabelecer- se, morar — em
vossos corações, fazendo deles seu lar permanente!” (A Bíblia
Amplificada).
Minuto a minuto vamos vivendo pela fé na capacitação de
Cristo dentro de nós. Dessa maneira, a energia divina do amor
de Cristo é bombeada para dentro de nós em todas as situações
em que estivermos.
Chegamos, assim, ao ponto central das Boas Novas: fé, e não
obras! No Novo Testamento, a aceitação do evangelho era vista
como obediência à fé. Não era obediência aos dez mandamentos,
mas obediência que resultava da fé.(Romanos 16:26)
"... pelo qual recebemos a graça e o apostolado, por
amor do seu nome, para a obediência da fé entre todos
os gentios...
(Romanos 1:5)
“... grande parte dos sacerdotes obedecia à fé.”
(Atos 6:7)
É neste ponto que o crente, que se vai queimando em seus
esforços para agradar a Deus, sai da exaustão e entra no
descanso. Cansado, totalmente exausto da tentativa de tornar-
se aceitável diante de Deus mediante disciplinas e exigências
religiosas, o crente ouve da graça de Deus, e o Espírito Santo
vivifica a graça em seu coração.
À semelhança do filho pródigo da história de Jesus, a maioria
dos crentes só enxerga um pouquinho de tudo quanto Deus
almeja dar-nos. Ficamos perfeitamente felizes em vir para casa
no nível baixo de servo diarista; achamos que a posição de servo
é a mais apropriada para nós. Se pudermos ser perdoados e
continuar a receber perdão, achamos que não devemos pedir
mais nada.
Como a fé é reação responsiva, só podemos reagir no nível em
que ela nos permite ver e ouvir. Só depois de estarmos de volta
ao lar é que descobrimos que a graça do Pai é infinitamente
maior do que jamais havíamos sonhado, e nossa fé passa a
reagir diante dessa revelação.
Percebemos que o Senhor não é apenas o Salvador que nos
libertou do pecado, no particípio passado, mas é também aquele
que vive dentro de nós no tempo presente, sendo nossa vida e
nosso fôlego. O Cristianismo não é fórmula, mas a Pessoa de
Jesus Cristo.
Percebendo que ele está lá dentro, a fé reage e permite que
essa realidade permeie a vida toda. A despeito de sentimentos e
aparências, a fé adere à Palavra de Deus e declara que Cristo
vive dentro do crente.
Esta entrega simples muda tudo. Nunca mais o crente
tentará ser igual a Jesus; a revelação de Cristo que vive dentro
dele livrou-o de tentar galgar a escada religiosa. Ele deixou de
tentar viver para Deus; passou a viver a partir de Deus, que é
a fonte da vida.
Quando surgem as dúvidas, a fé não entra em pânico. Ela
simplesmente volta-se para aquele que é a fonte e o aperfeiçoa-
dor de nossa fé, sabendo que, nesta situação, Cristo está com-
prometido com a sua palavra.
As Escrituras não são um livro de teologia sistemática que
tabulou tudo quanto devemos crer. É um livro de biografias que
nos mostra como pessoas comuns, através das eras, aprenderam
a andar na força do Senhor, a fim de superar seus problemas.
Ao relatar as histórias dessas pessoas, o Espírito Santo não
retém absolutamente nada. O Espírito demonstra como esses
crentes descobriram a realidade de Deus na escuridão de seus
fracassos pessoais.
Muitos desses crentes ilustram com exatidão a maneira de
encontrar a resposta às perguntas que formulamos. O que é que
a pessoa faz para que a seiva da vida divina lhe inunde a vida?
Como é que o crente se toma ramo produtivo da videira?
Davi era um crente assim e, visto que conhecemos muito
mais as coisas que se passavam em seu coração do que no
coração de qualquer outra pessoa das Escrituras, ele constitui
excelente modelo a ser estudado. Nos salmos de Davi, seu
termômetro espiritual surge perante nossos olhos para que o
vejamos e o estudemos.
Vezes sem conta David viu-se face a face com sua fragilidade
humana e sua incapacidade para resolver situações problemá-
ticas da vida, sentindo profundamente suas falhas. Foi acusado
sem motivo, caçado implacavelmente por um rei atacado de
inveja insana, traído por pessoas que ele julgava serem ami-
gas... e além disso tinha de encarar os próprios pecados e
fracassos na vida.
Uma coisa espantosa é que... Davi jamais se esgotou! Expres-
sava com liberdade seus sentimentos no meio de tudo o que lhe
acontecia. Suas emoções revelam um homem em sofrimento
real.
WA minha alma está em agonia... Estou cansado do
meu gemido; toda a noite faço nadar a minha cama no
choro, e molho o meu leito com lágrimas ...”
(Salmo 6:3,6)
"Senhor, como se têm multiplicado os meus adversários!
São muitos os que se levantam contra mim. Muitos
dizem da minha alma: Não há salvação para ele em
Deus.”
(Salmo 3:1,2)
“... pois as águas me sobem até o pescoço. Ato- lei-me em
profundo lamaçal, e não se pode estar em pé. Entrei na
profundeza das águas; a corrente me leva. Estou
cansado de clamar; secou- se-me a garganta. Os meus
olhos desfalecem de esperar por meu Deus. Aqueles que
me odeiam sem causa são mais do que os cabelos de
minha cabeça...”
(Salmo 69:1-41)
“... Estou agitado e ando perplexo, por causa do clamor
do inimigo e da opressão do ímpio, pois lançam sobre
mim iniqüidades, e com furor me hostilizam. O meu
coração está angustiado dentro em mim; os terrores da
morte me sobrevêm. Temor e tremor me apertaram; o
horror me cobriu. Eu disse: Ah! quem me dera asas
como de pomba! Voaria, e estaria em descanso. Fugiria
para longe, e pernoitaria no deserto. Apressar-me-ia ao
meu refúgio, longe da fúria do vento e da tempestade.”
(Salmo 55:2-8)
Averigüemos atentamente a maneira como Davi atravessava os
períodos de crise sem esgotar-se em sua força espiritual. Uma dessas
ocasiões de profundo abatimento enfrentado por ele está registrado com
minúcias.
Davi e seus homens moravam, nessa época, numa pequena cidade
desértica, Ziclague. Haviam estado fora de casa durante alguns dias e
agora voltavam. Quando se aproximaram o suficiente para poderem
enxergar a cidade, viram fumaça no céu e aves de rapina voando em
círculos, lá em cima. Alguns minutos depois pararam diante das cinzas
fumegantes daquilo que fora o lar deles.
Em sua ausência, um bando de amalequitas andarilhos
saqueou a cidade e fugiu. Tudo havia desaparecido: as famílias
raptadas e as casas queimadas até os alicerces.
Era demais. Homens fortes começaram a chorar e Davi
soluçou com eles. Choraram até não haver mais lágrimas e
depois sentaram-se sobre as ruínas de suas casas fumegantes,
com os pés imersos nas cinzas quentes.
Um por um, começaram a expressar seus sentimentos entre
si. Alguém era o culpado dessa violência... alguém deveria pagar
pelo ultraje. Com os olhos cheios de ódio, um por um, os homens
começaram a olhar na direção de Davi. Os olhares deles diziam:
“Você nos trouxe aqui, você deverá pagar por isso.” Formava-se
um grupo de linchadores.
“Então Davi e o povo que se achava com ele alçaram a
sua voz, e choraram, até que não houve neles mais
forças para chorar.
“Davi muito se angustiou, porque o povo falava em apedre-
já-lo; a alma de todo o povo estava cheia de amargura... Mas
Davi se fortaleceu no Senhor seu Deus.” 1 Samuel 30:4,6
A razão porque Davi não se queimou espiritualmente está
nas palavras “se fortaleceu”. Traduzida literalmente, essas
palavras querem dizer: “amarrou-se, retesou-se” — como um
músculo flexionado. Essa expressão também traduz a idéia de
prender-se, e foi usada para descrever o fato de os cabelos de
Absalão terem ficado “presos” nos ramos de um carvalho (2
Samuel 18:9).
Devemos observar o verbo. Não se diz aqui: “Davi foi forta-
lecido”, e sim: “Davi se fortaleceu”. Andar na fé que permanece
na videira é diferente de ser um robô esperando passivamente
que Deus aja em nosso lugar. Não é lamentar-se perante um
“Deus separado”, pedindo-lhe que faça alguma coisa por nós.
Esta expressão poderia se traduzida de outra maneira: “Davi
encorajou-se”. A coragem divina estava ali, aguardando que a fé
a tomasse, e Davi a tomou. Aqui estava um homem prestes a
queimar-se mental, emocional e espiritualmente, mas pelo
exercício da fé, controlou-se... e fortaleceu-se no Senhor.
Que é que ele viu em Deus que o tornou retesado, à seme-
lhança de um músculo sob esforço? Davi fez uso da Palavra de
Deus de que dispunha, os primeiros cinco livros da nossa Bíblia.
Era um manuscrito da aliança contendo tudo quanto o Senhor
revelara a seu próprio respeito, tudo que havia prometido aos
crentes.
Foi nesse mesmo livro da aliança que Davi aprendeu, quando
era apenas bebê nos braços da mãe. Quando adolescente,
sozinho no deserto com suas ovelhas, ele havia estudado, me-
morizado e meditado nas palavras desse livro, que passaram a
fazer parte dele mesmo.
O livro dizia claramente que Deus era a rocha do seu povo
(Deuteronômio 32:4,30,31). Deus era seu pastor (Gênesis 49:24).
Guiou-o através do deserto com a nuvem e a coluna de £

fogo (Exodo 13:21,22). Alimentou-o todas as manhãs com pão


vindo do céu (Êxodo 16:35).
Mediante a exibição de seu poder no julgamento que infligiu
ao Egito (Exodo 7-11), e a separação das águas do mar Vermelho
(Êxodo 14), Deus apresentou-se como o Libertador e Salvador do
seu povo, livrando-o de todos os seus inimigos físicos e
espirituais. Quando os inimigos egípcios estavam quase em cima
dos israelitas, Deus se tomou o escudo e a defesa do seu povo,
colocando a nuvem de sua presença entre o povo e seus inimigos
(Êxodo 14:19,20).
Deus se revelara em seus nomes. Ele era Iavé Jireh, o Deus
que prometera que sempre estaria ali para atender às necessi-
dades do povo (Gênesis 22:14). Era Iavé Rapha, o Deus que
havia prometido curar todas as suas doenças, sendo, realmente,
a saúde diária de seu povo (Êxodo 15:25). Ele era Iavé Nissi, o
Deus que se constituía em bandeira de seu povo, sob a qual ele
mesmo seria a vitória sobre todos os inimigos (Êxodo 17:15).
Tudo isto fora jurado numa aliança de sangue, mil anos antes
de Davi nascer. Davi sabia, contudo, que o Deus da aliança
nunca muda. Deus haveria de ser perpetuamente tudo quanto
havia revelado ser a Abraão, a Moisés e ao antigo povo de Israel.
Contudo, o povo de Israel se esquecera há muito tempo de que
Deus era o Deus vivo. Tinham transformado a aliança numa
religião inoperante. A maioria das pessoas estava queimada e
exaurida espiritualmente.
Jamais Davi tivera um modelo ideal que lhe mostrasse a
maneira como a pessoa poderia ser um ramo inserido na vídei -
ra, em comunhão com Deus. Nem mesmo em sua própria
família. Qualquer parente seu lhe asseguraria que todas aquelas
histórias da aliança eram verdadeiras, mas também lhe diria
que eram histórias de outras eras... as coisas eram diferentes
agora.
Enquanto meditava nas Escrituras, no deserto, ao lado de
suas ovelhas, os olhos de Davi foram abertos pelo Espírito Santo,
e viram que a revelação proporcionada por Deus de si mesmo
ainda era verdadeira e vigente. O Senhor esperava encontrar
alguém que reagisse mediante a fé, e lhe permitisse ser para
essa pessoa tudo o que prometera aos patriarcas. Davi foi essa
pessoa.
Nos últimos anos, em meio a todos os seus problemas, e agora
imerso no horror de Ziclague, Davi “se reanimou no Senhor seu
Deus” e considerou tudo o que Deus havia dito que seria. Sua fé
reagiu responsivamente a essa revelação, descansou nela e
permitiu que o Senhor fosse tudo em sua vida. A fé lhe permitiu
crer em todas as promessas de Deus, entrelaçar-se com ele e
unir-se ao Deus que encontrara na revelação contida nas Es-
crituras.
O salto de fé ocorreu quando Davi proclamou: “O Senhor é
meu...” Alguns dos maiores salmos do filho mais novo de Jessé
foram escritos no período mais problemático de sua vida. Eles
giram em tomo desta expressão de fé com a qual Davi se uniu a
Deus experimentalmente. O Senhor já não era apenas o Pastor
de Israel, mas O Senhor é o meu pastor... (Salmo 23:1). Deus não
era apenas a Salvação de seu povo. Disse Davi: O Senhor é a
minha luz e a minha salvação... (Salmo 27:1).
De tudo quanto Deus afirmara ser, Davi se apossou como se
fora um bem pessoal: “O Senhor é a defesa de minha vida...
minha Rocha... minha Fortaleza... meu Libertador... meu Es-
cudo... meu Forte.”
Ele constatou pessoalmente que Deus era tudo isso para ele.
Percebeu que, apesar de não passar de mero ser humano —
falho, fraco, cheio de temores — estava unido solidamente com o
próprio Deus. Tudo quanto o Senhor declarou ser para o povo da
aliança, tomou-se realidade para Davi — como se Davi fosse o
único membro do povo da aliança!
Todavia, observe cuidadosamente o que foi que o salmista fez
com exatidão nessas circunstâncias. Ele não pôs à parte algum
tempo para ler as Escrituras, como se cresse que esse exercício
espiritual produziria a ajuda de que necessitava. Tampouco se
pôs a orar!
Orar seria a mesma coisa que pedir que Deus se tomasse, em
certo momento no futuro, aquilo que Davi precisava que Deus
fosse imediatamente para ele naquele instante. O que o salmista
fez foi assumir audaciosamente tudo quanto Deus havia
revelado ser. E assim, disse Davi: “Ele é isto — neste exato
momento!”
Davi centralizou sua fé na necessidade específica, no desafio
que o confrontava. Se sentisse necessidade de orientação e de
sabedoria no deserto da vida, sua fé diria: O Senhor é o meu
Pastor... (Salmo 23:1). Se estivesse rodeado de inimigos que
ameaçassem exterminá-lo, ele descansaria nestas palavras:... o
Senhor é a força da minha vida; de quem me recearei? (Salmo
27:1).
A necessidade, os sentimentos negativos, a escuridão tor-
navam-se o imprescindível gatilho capaz de disparar e liberar a
fé que o levaria a descansar em Deus, a resposta específica.
Nessa liberação de fé, Davi se tornava conscientemente unido a
Deus. A força infinita era agora “minha luz”. Literalmente, dois
transformavam-se em um.
Nos últimos anos, tenho falado a centenas de pessoas que se
esgotaram espiritualmente, crentes desiludidos que vinham
orando e esperando mudança em sua vida. Entretanto, a ênfase
das Escrituras não é tanto na mudança, mas principalmente no
intercâmbio!
Quando a fé espera no Senhor, a fraqueza do crente é tragada
pela força divina. A seiva flui através do ramo, e os frutos de
Deus são produzidos em nossa vida.
Nossa fé tem visão muito mais clara de Deus do que jamais
Davi teve. Somos membros de uma “aliança melhor”, cheia de
“promessas melhores”. Davi só dispunha da revelação de Deus
do Gênesis ao Deuteronômio. Todavia, nós temos a revelação
mais completa, a revelação final, a Palavra encarnada, Jesus
Cristo.
Davi entendia sua união com Deus mediante as sombras das
alianças do Velho Testamento. Porém, o Deus a quem o salmista
conhecia à distância penetrou nossa humanidade, morreu por
nós e ressuscitou dentre os mortos, a fim de vir, mediante o
Espírito, morar dentro de nós.
Quando chegam os problemas, quando nos defrontamos com
as oportunidades de expressar o amor de Deus para com os
outros, aí é que sentimos nossa fraqueza, e não nos vemos como
grandes homens de Deus. Muitas vezes nós nos sentimos como
Davi... choramos até que não haja mais lágrimas a derramar.
A religião nos convoca para que lamentemos nossa fraqueza,
dediquemos e redediquemos a nós mesmos e tentemos
encontrar, dentro de nós, forças para a batalha. Todavia, a
tentativa de achar a dedicação última, ou a experiência
definitiva que nos transformará em homens fortes de Deus, só
nos trará mais sentimento de culpa, e aumentará nossa
exaustão espiritual.
Nossos sentimentos são o gatilho necessário para a fé, de
modo que esta substitua nossa fraqueza pela força de Deus.
Podemos assim entender a declaração triunfante de Paulo...
“quando estou fraco, aí é que sou forte” (2 Coríntios 12:10).
Uma ilustração fantasiosa poderá ajudar-nos a compreender
este ponto. Vamos supor que eu deseje aprender a jogar tênis.
Vou a uma livraria e compro todos os livros que ensinam como
se deve proceder nesse esporte, com todas as regras e demons-
trações de como se joga.
Durante muitos dias fico pesquisando esses livros, memori-
zando regras e algumas jogadas. De pé, em minha sala de estar,
desajeitadamente mantenho os braços nas posições mostradas
nas fotos. Convencido de que já estou pronto para jogar, compro
um arsenal de tênis, uma raquete, algumas bolas e equipamen-
tos para a quadra.
Porém descubro, pouco tempo depois, que a despeito das
muitas horas que gastei estudando o jogo, na hora de jogar
mesmo eu nada sei, nada! Meus músculos recusam-se a coope-
rar e as bolas voam por toda parte — menos para os lugares
aonde desejo que vão.
Tendo agido como um perfeito tolo, dou o fora da quadra e
retomo aos livros. Contudo, todas as vezes que tento jogar de
novo, parece que estou pior. De fato, quanto mais duramente eu
tento, mais tenso vou ficando, e piores se tomam minhas débeis
tentativas.
Estudo as jogadas de antigos jogadores e até vou a
Wimbledon a fim de observar os campeões mundiais em ação.
Mas quando volto para casa, minhas tentativas patéticas de
atingir a bola apenas anunciam ao mundo que eu ainda não
consigo jogar tênis. Finalmente, contrato um treinador que é
campeão mundial. Ouço-o e admiro sua habilidade. Mas quando
tento fazer o que ele faz, e imitar seus movimentos, algo dentro
de mim se recusa a cooperar.
Venho tentando aprender o jogo mediante regras e preceitos,
observando instruções de livros e de pessoas, capitalizadas pelos
meus esforços no sentido de pôr tudo isso em prática.
Fantasiosamente, suponhamos que eu pudesse convidar o
treinador para que entrasse em mim, dentro de minha mente,
meus nervos, meus músculos. Ele estaria dentro de mim de tal
maneira que pudesse pensar seus pensamentos dentro de
minha cabeça, permitir que seus músculos fossem os meus
músculos, que sua memória de todas as suas grandiosas jogadas
vitoriosas fossem parte de minha memória... e que, apesar disso,
minha personalidade e liberdade de escolha jamais me fossem
arrebatadas.
Eu seria eu mesmo e ele seria ele próprio — mas estaría- mos
operando como se fôssemos uma só pessoa. Quanto a mim, meu
papel seria o de desistir de jogar tênis, e admitir minha
incompetência. Eu deveria entender que se insistisse em tentar
jogar, o campeão dentro de mim me deixaria voltar a bancar o
perneta, a fazer o papel de tolo; nós ambos não poderíamos jogar
ao mesmo tempo.
De pé na quadra de tênis, admitindo francamente que não sei
jogar, decido entregar-lhe a raquete. O campeão joga, eu decidi
deixá-lo jogar. E começo a ganhar todos os jogos!
Vejo-me agora praticando tudo o que os livros me mandavam
fazer, obedecendo às regras, enfim, fazendo as coisas que o
treinador jamais me ensinara. Entretanto, não estou agindo
segundo minha própria capacidade; estou descansado no
treinador, o qual representa todos os livros e regras encarnados
numa pessoa.
É assim que Jesus Cristo, mediante seu Espírito, vive em nós.
O descanso da fé ocorre quando decidimos permitir-lhe que
venha disputar o jogo da vida dentro de nós, como se ele
estivesse em nosso lugar. E um salto pela fé, segundo o qual
declaramos que ele é nossa vida; depois, tomamos um milhão de
decisões pela fé, à medida que os desafios vão surgindo.
Cristo produz em nós tudo quanto a lei e todos os alpinistas
de escadas religiosas têm estado objetivando — o amor, que é o
cumprimento da lei (Gálatas 5:14).
CAPÍTULO 10
Como Vencer a
Tentação

S
egue-se certa euforia logo após a descoberta do que sig-
nifica estar em Cristo. Aliadas ao descanso que sobrevêm
ao crente, quando este cessa de produzir suas próprias
obras, chega a alegria e a paz sobre as quais havia lido tanto nas
Escrituras.
A vida assume novo sentido e nova dimensão quando todos os
dias são iniciados com o reconhecimento de que posso todas as
coisas naquele que me fortalece (Filipenses 4:13). Que para mim
o viver é Cristo... (Filipenses 1:21). Que agora a vida é definida
como... Cristo em vós, esperança da glória (Colossenses 1:27).
Entretanto, quando a tentação surge, desaparece a euforia, e
com freqüência o crente sucumbe. Toma-se confuso e fica
imaginando como é que pode ser tentado, se Cristo mora dentro
dele. Muitas vezes as pessoas me têm perguntado:
“Se Cristo está em mim, como é que eu pude ser tentado
daquele jeito? Como é possível eu abrigar os pensamentos que
me sobrevêm?”
Devemos entender que a tentação não é pecado. Jesus f o i . . .
como nós, em tudo foi tentado, mas sem pecado (Hebreus 4:15).
Precisamos ter a ousadia de aceitar esse versículo exatamente
como ele se apresenta — Jesus, o Homem perfeito, impecável,
conheceu a tentação em todas as áreas da vida, de todas as
maneiras, como ocorre conosco. Tal compreensão nos
convenceria, finalmente, que
ser tentado não é pecado; entretanto, crentes em núme- ro
incontável se autocondenam porque sentem o chamado da
tentação.
A avaliação exata do que é a tentação nos livrará de estar em
constante luta contra ela. Nós a reconheceremos como o método
escolhido por Deus para firmar-nos na fé.
Antes de virmos a Cristo, éramos um com o mundo, que ... jaz
no maligno (1 João 5:19), mundo que consiste de ...
concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba
da vida... (1 João 2:16). Agora que fomos libertados ... do poder
das trevas e transportados para o reino do Filho do seu amor
(Colossenses 1:13), tomamo-nos conscientes daquele império do
qual fizemos parte um dia. Enquanto estávamos na escuridão,
vivíamos tão acostumados a ela que praticamente não a
notávamos.
Quando eu morava na cidade de Nova York, lia muito a
respeito de poluição atmosférica. Quando esta alcançava níveis
péssimos, a imprensa local nos alertava sobre os perigos. Porém,
morando dentro da cidade, raramente eu me sentia côns- cio de
estar respirando ar poluído.
Certa vez, voando de outro lugar para Nova York, vi uma
nuvem marron, pesada, suspensa sobre a cidade, engolfando os
edifícios. Era a poluição de que todos falavam. Eu só conseguia
vê-la, na sua imundície e feiura, estando fora dela. Da mesma
forma, só quando estamos em Cristo é que percebemos como o
mundo é, na realidade. Vendo-o, sabemos que já não temos parte
com ele.
Tentação é apelo forte para que voltemos às trevas. E apelo à
nossa humanidade, aos nossos apetites físicos, às reações
normais de nossas emoções e racionalizações.
Tiago nos demonstra passo a passo o processo da tentação:
“Mas cada um é tentado, quando atraído e engodado
pela sua própria concupiscência. Depois, havendo a
concupiscência concebido, dá à luz o pecado...”
(Tiago 1:14,15)
As palavras que Tiago usa são importantes para a nossa
compreensão do que está acontecendo. A palavra “cobiça” em
geral vem associada ao mal. Contudo, na realidade cobiça
significa simplesmente “desejo ou paixão” — anseios normais
para a nossa carne humana. A palavra “seduzir” sugere a idéia
de “atrair com boa isca”, vocabulário próprio de caçadores e
pescadores. Significa, literalmente, “enganar mediante uma
isca".
Quando utilizamos palavras como “seduzir” e “isca”, imedia-
tamente pensamos em estímulos, excitação, em atração na
direção de algo. O âmago da tentação é que nossos desejos
humanos são atraídos fortemente na direção de algo existente no
mundo. Tiago nos diz que isto não é pecado. Só se toma pecado
quando o desejo concebe, ao passarmos da reação à decisão, a fim
de perseguir com deliberação o que desejamos.
Alguém nos diz algo maldoso, injusto ou malicioso. Não é
pecado experimentar reação emocional negativa, a de estarmos
feridos, ou nutrirmos sentimentos de ódio ou vingança. Tal coisa
é perfeitamente normal ao ser humano.
Se sou apanhado num engarrafamento de trânsito, não é
pecado eu sentir impaciência ou irritação. Quando esperamos
convidados especiais para jantar em casa e tudo sai errado na
cozinha, não é pecado sentir frustração e ficar à beira das
lágrimas.
Nós não recebemos corpo ressurreto quando Cristo vem morar
em nós; continuamos a manter ainda todos os apetites físicos
normais e comuns ao gênero humano. Ainda sentimos fome,
sede, atração sexual, e sentimo-nos cansados após longo dia,
exatamente como Jesus se sentia. Se viciamos nosso organismo
com drogas ou com álcool antes de termos recebido a Cristo, não
será incomum o corpo sofrer alguns retrocessos e enviar
mensagens ao cérebro solicitando alívio para as tensões, como o
fazia antes.
Nada disso é pecado. Porém, encontrei muitos crentes que
usam máscaras em todas estas áreas, fingindo que não experi-
mentam reações diante da vida. O fato é que tais crentes estão
entre os primeiros a queimar-se espiritualmente, porque a
pessoa não consegue viver na irrealidade.
O Getsêmani nos mostra Jesus enfrentando as maiores
tentações de sua vida. Muitas vezes ele falara de sua morte aos
discípulos, morte que se aproximava, e de sua ressurreição.
Havia mostrado a eles com clareza que era da vontade do Pai
que ele, o Filho, sofresse e morresse. No Getsêmani, sendo
homem verdadeiro, tudo em sua carne tentava afastá-lo para
longe da determinação divina. Aquela tentação foi tão grande
que Jesus perguntou ao Pai se não haveria outro caminho.
Contudo, nem aqui o Senhor pecou.
Pecado é seguir o desejo e escolher a prática proibida. E a
realidade factual é que raramente os crentes vão tão longe.
Grande parte da condenação sentida pelos crentes não deriva de
terem realmente pecado; apenas de terem sido atraídos para o
pecado.
Faça uma pausa e veja bem quem é o crente. É alguém que
forma unidade com Cristo. E um em Cristo.
" . . . o que se une ao Senhor é um espírito com ele.”
“ . . . não sabe is que o nosso corpo é santuário do
Espírito Santo, que habita em vós, proveniente de
Deus? Não sois de vós mesmos; fostes comprados por
preço...”
(1 Coríntios 6:17,19,20)
Somos os que nos apresentamos a Deus, como vivos dentre os
mortos, e (os nossos) membros a Deus como instrumentos de
justiça (Romanos 6:13). Somos membros da Nova Aliança, e a lei
de Deus foi escrita em nossos corações (Hebreus 8:10).
Estando unido a Cristo, lá no âmago de seu ser o crente já não
deseja pecar; deseja andar na justiça. Os pecadores não são
tentados! Ainda estão nas trevas de seu pai, o diabo. A tentação
só ocorre nas pessoas que deixaram o mundo.
Quando vemos algumas folhas presas a um galho de árvore
durante o inverno, sabemos que essas folhas já não constituem
parte da árvore; morreram muitas semanas atrás. Mas na
primavera a árvore disporá de tudo quanto não lhe pertence, e se
revestirá de novas folhas, que são a expressão da nova vida.
De maneira semelhante, a tentação nos traz a fé que libera a
vida de Deus em nós, e nos separa, como as folhas mortas caem
da árvore, do tipo de vida comum no mundo.
Vi, outro dia, uma pele de cobra enroscada no tronco rugoso de
uma árvore. Eu sabia o que havia acontecido. A cobra ganhara
pele nova, de modo que a pele velha era agora algo descartável,
grudada na cobra sem fazer parte dela. Ao encontrar superfície
áspera, o réptil começou a coçar-se até livrar-se da pele que já
não fazia parte de seu corpo. Todavia, essa pele fizera parte da
serpente no ano passado; mas agora era apenas coceira irritante.
A tentação é uma coceira que Deus permite em nossa vida, de tal
maneira que possamos escolher ser quem somos: nova criatura
em Cristo.
Se não entendermos isto, seremos prisioneiros de um medo
mórbido da tentação. Quando este medo liga-se ao legalismo dos
fariseus, o crente se vê rodeado de leis ridículas que proíbem
uma porção de atividades normais, sadias. Todas essas leis “de
cerca” surgem na mente de guias eclesiásticos obcecados com
tentações e pecados. As Escrituras nos ensinam que a tentação
não deve ser vista com medo, mas com senso de cautela. Trata-
se do método escolhido por Deus para revelar-nos Cristo
continuamente em nossa vida.
Quando as poderosas polias da tentação nos puxam, se
quisermos crescer em Cristo devemos de imediato reconhecer as
reais questões que enfrentamos. De duas maneiras diferentes a
tentação nos convida para sermos o que não somos. Em primeiro
lugar, a chamada da tentação é para que façamos algo que, em
nosso coração, sabemos não estar de acordo com quem somos
agora em Cristo. E a segunda maneira — a tentação real
— é esquecer-nos de quem somos, e tomar-nos legalistas,
tentando vencê-la como se estivéssemos separados de Jesus.
O legalista obedece à sua própria força de vontade a fim de
obedecer à lei, quer seja lei de Deus, quer seja lei criada pela sua
igreja, quem sabe pela própria pessoa. Esta fica repetindo para
si mesma: “Não devo fazer isso, não quero fazer isso...” Ela se
empenha ao máximo, na esperança de fortalecer sua força de
vontade; faz promessas a Deus pelas quais não atenderá aos
apelos do pecado. Entretanto, ainda enquanto está formulando
suas promessas, já está caminhando na direção do pecado!
E quando a pessoa peca, procura resolver seu problema de
condenação e culpa mediante rededicações e novas promessas da
que não fará aquilo de novo. E assim, aquela vida espiritual-
mente miserável vai boiando rumo ao esgotamento.
Ninguém resiste à tentação mediante força de vontade. Mas
nós resistimos e a vencemos ao nos voltarmos para Cristo, nossa
vida interior. Cristo é reconhecidamente a resposta positiva aos
desejos que foram estimulados de maneira negativa. Se fomos
convocados para a impaciência, ele é nossa paciência. Se para o
ódio e amargura, ele é nosso amor e nosso perdão.
E neste sentido que Deus escolheu a tentação para ser o
veículo pelo qual glorificaremos a Jesus durante toda a vida.
Atirados num mundo de trevas pesadas, a luz de Cristo dentro
de nós é claramente vista.
Ninguém vence a tentação mediante a força de vontade.
Ainda que tenhamos forças suficientes em nós mesmos para
dizer “não”, já falhamos e fomos reprovados no teste. Deus não
deu permissão à tentação em nossa vida para que mostrássemos
ao mundo a força da nossa vontade: a tentação é o meio pelo
qual permitimos que Cristo viva poderosamente em nós. O
crente jamais diz “não” à tentação, mas diz “sim” a Cristo.
Mas o que acontece se pecarmos, se formos desalojados e
desequilibrados, e nos esquecermos de quem somos e nos en-
contrarmos cheios de culpa? Falando a crentes, assim se expres-
sou João:
"Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo
para nos perdoar os pecados, e nos purificar de toda
injustiça”.
(1 João 1:9)
Quando confessamos o nosso pecado, dizemos sobre ele a
mesma coisa que Deus diz. Admitimos que, na verdade, é
pecado, mas reconhecemos que ele já foi lavado no sangue de
Jesus. Ao procedermos assim, concordamos com Deus em que
nosso pecado já está perdoado. Nós não injuriamos Deus, cha-
furdando na culpa e na condenação, mas louvamo-lo, levantan-
do-nos e partindo para novas vitórias pela fé.
Antes de conhecer o Senhor, Hector fora viciado em drogas.
Experimentou conversão maravilhosa, e em seguida se encheu
do Espírito Santo. Voltou à convivência da esposa e ela também
conheceu o Senhor.
Contudo, não se passou muito tempo para que Hector des-
cobrisse que, embora fosse agora novo Hector em Cristo, ainda
sentia fortes tentações para retomar ao velho hábito das drogas.
Certa manhã, às quatro horas da madrugada, sua esposa Glória
chamou-me, muito desalentada. Hector estivera muito
perturbado no dia anterior, saíra de casa e ainda não tinha
voltado. Ela estava convencida de que o marido havia ido
procurar um traficante.
Na manhã cinzenta, dirigi-me à área onde Hector tinha
passado seus dias de viciado. Ápós algumas perguntas, encon-
trei-o num recinto imundo. Quando ali entrei, ele ficou chocado e
obviamente envergonhado pelo fato de eu o ter encontrado
naquele lugar.
Ele me chamou à parte e disse:
— Pastor, por favor me deixe em paz! Desapontei a Deus,
desapontei o senhor e todos os meus irmãos e irmãs da igreja.
Não adianta. Não vale a pena o senhor preocupar-se comigo.
Eu não prestei atenção às suas palavras pronunciadas sob o
peso da culpa. Em vez disso, convidei-o a tomar um café comigo.
Ele continuava dizendo que Deus tinha que jogá-lo fora, pois
agora ele voltara a usar drogas.
Olhei-o bem nos olhos e disse-lhe:
— Hector, Deus o amou quando você era um lixo, e o salvou.
Você acha, então, agora que é filho dele, que ele não o ama
livremente e incondicionalmente? Ele ainda o ama, ainda que
ontem à noite você tenha se magoado a si mesmo e à sua
família.
Deus ama você neste momento, da mesma maneira como o
amava na semana passada, quando você estava cantando no
Espírito. O amor de Deus não depende de coisas que você faz ou
deixa de fazer. Ele perdoa você. Aceite seu perdão e agradeça a
Deus!
Seu rosto iluminou-se, podia-se percebê-lo. Voltei minha
atenção à questão de como ele enfrentara a tentação quando ela
surgiu; especificamente, a tentação de voltar às drogas. Ele me
pareceu chocado pelo fato de eu fazer-lhe tais perguntas, e
assegurou-me que, enquanto estava sendo tentado, dizia con-
tinuamente: “não, não!”
Aqui estava o problema de Hector... ele dizia “não” às
tentações. Tinha vivido até ali segundo a lei escrita por ele
mesmo, que dizia mais ou menos o seguinte: “Não usarás
drogas, não embarcarás em nenhuma 'viagem'.” Mantendo o
olho na lei, determinou a si mesmo tentar viver segundo a
imagem que criara de um crente forte... alguém que não era
tentado pelas drogas.
E quando a tentação chegou, Hector foi atirado à culpa: era
fraco demais, a ponto de sentir aquilo... e assim, armou a vontade
própria a fim de resistir. Onde houver lei, haverá também
obsessão a respeito do pecado que a lei proíbe; é assim que
centenas de desejos se erguem, exigindo que o pecado seja
novamente experimentado, conforme Hector descobriu — pobre
moço!
— Hector—disse eu — você precisa entender que a fé nunca
diz “não” à tentação. Ela diz “sim” a Jesus!
Prossegui explicando que o velho Hector fora crucificado com
Jesus e que agora o Espírito de Jesus vivia dentro dele. A vida
não era questão de Hector tentar ser bom, mas de ele admitir
que nunca poderia ser bom!
Desde que esse ponto fosse compreendido, Hector nunca mais
pensaria que o Cristianismo é questão de reajustar o
comportamento, e sim deixar que Cristo viva no crente, exer-
cendo nele seu poder infinito. Fé não é eu reunir toda a minha
força de vontade num poderoso “não!” E o reconhecimento, no
meu momento de fraqueza, de que, embora eu não o perceba,
Cristo é a minha força.
Parecia que Hector havia compreendido; voltou a ser a pessoa
feliz, perambulando pela igreja. Meses depois, surgiram novas
pressões sobre sua vida, e Hector começou a pensar que fazer
uma “viagem” durante a noite aliviaria um pouco sua ansiedade.
E começou a dizer “não!” mas com o passar das semanas, sua
resistência foi ficando cada vez mais fraca.
Finalmente, um dia ele saiu de casa para o trabalho mas já
havia decidido ir a um traficante e tomar um “pico”. Disse a si
mesmo que seria uma única vez. Porém, ao mesmo tempo a
diminuta resistência que sobrara ficou berrando “não!” tão alto
quanto conseguia. Ao chegar perto do lugar onde costumava
comprar as drogas, Hector gritava por dentro: “Por favor, Deus,
ajuda-me!”
Não sei como, mas dentro dele, bem no fundo, Hector se
lembrou da conversa que havíamos tido meses antes. “Este
anseio por drogas não é o meu eu real. Esse Hector morreu com
Cristo e agora eu ressuscitei com o Senhor, e ele é a minha vida.
Estou tentando resolver este problema como se Cristo não
estivesse dentro de mim. Senhor Jesus, não quero fazer esta
„viagem‟. Mas eu sou fraco. Toma posse de mim, Senhor, e
executa a tua vitória."
Naquele instante, Hector percebeu que ele era um ramo de
videira, e que a vida estava ali, à sua disposição. A fé uniu sua
vida a Cristo. Naquele momento, Cristo assumiu o controle. O
Espírito do Senhor veio a ele, e Hector prosseguiu em seu
caminho, louvando a Deus. Isso aconteceu há muitos anos.
Hector nunca mais foi tentado seriamente a voltar às drogas.

Um Caso Clássico de
Esgotamento Espiritual

M
ilhares de crentes se esgotam diariamente porque
esperavam coisas da parte de Deus que o evangelho não
promete.
Asafe era homem de Deus, nos dias do rei Davi. Era autor de
vários salmos, e pioneiro, sob a orientação de Davi, na condução de
Israel num culto alegre no monte Sião.
Asafe havia nascido na tribo sacerdotal de Levi, o que
significava que estava destinado a ministrar na presença de Deus
durante toda sua vida. Na época do seu nascimento, o interesse
nacional pelas coisas espirituais estava num ponto baixíssimo
devido à apostasia de Saul, que reinava em Israel.
Quando Davi tomou-se rei, conduziu o povo a um reaviva-
mento espiritual, levando a arca da aliança de volta a Jerusalém.
Ela tinha sido colocada dentro dos muros de Sião; na tenda que a
abrigava, erguia-se um louvor desinibido, um culto espontâneo a
Deus.
As orações de centenas de israelitas piedosos, que intercederam
durante os dias negros de Saul, alcançaram respostas que
ultrapassavam os sonhos mais fantasiosos. Davi era o instrumento
através do qual Deus haveria de trazer um reavivamen- to jamais
visto antes. Os que conheciam as Escrituras lembravam-se dos
dias de Moisés, quando Miriã conduziu a nação inteira no cântico e
nas danças, em adoração a Deus, às mar
gens do mar Vermelho.
A consciência da presença de Deus exigia o cântico de louvor e
palmas de alegria diante da magnificência de Deus. O próprio rei
Davi dançava sem inibições em adoração a Deus.
E quando encontramos Asafe pela primeira vez. Ele é atirado
por catapulta da obscuridade à proeminência ao ser escolhido para
reger a música de louvor do povo que escoltava a arca no trajeto
até Jerusalém.
“Disse Davi aos chefes dos levitas que constituíssem a
seus irmãos, cantores, para que, com instrumentos de
música, com alaúdes, harpas e címbalos, se fizessem
ouvir, e levantassem a voz com alegria. Portanto,
designaram os levitas a Hemã... a Asafe... e Etã..
(1 Crônicas 15:16-17)
Para que os guias tivessem consciência de sua capacidade
musical, a reputação de Asafe deveria ter sido semelhante à do
próprio Davi. Anos antes, quando era obscuro pastorzinho de
ovelhas, a habilidade de Davi para louvar a Deus com sua harpa já
era conhecida até na corte.
Logo após este fato, Davi nomeou Asafe para a posição
permanente de líder do culto, diante da arca da aliança.
“Designou alguns dos levitas para ministrarem perante
a arca do Senhor, para fazerem petições, para louvarem
e exaltarem ao Senhor Deus de Israel: Asafe era o
chefe... deviam tocar os alaúdes e as harpas, Asafe devia
fazer ressoar os címbalos... Nesse mesmo dia Davi
entregou a Asafe e seus irmãos, pela primeira vez, o
seguinte Salmo de ações de graças ao Senhor... Davi
deixou a Asafe e seus irmãos diante da arca da aliança
do Senhor para ministrarem ali continuamente,
segundo se ordenara para cada dia.”
(1 Crônicas 16:4,5,7,37)
Sem dúvida, Asafe era homem dotado de grandes dons
espirituais, e de grande potencial, ungido pelo Espírito a fim de
conduzir o povo no louvor. Com o passar dos anos, ele haveria de
escrever alguns salmos, e, muitos anos após sua morte, seria
lembrado pelo título profético de “vidente” (2 Crônicas 29:30).
Contudo, naqueles primeiros dias, logo após ser guindado da
obscuridade, Asafe estava numa posição perigosa. Recebera a
magnífica honra de ter seu nome ligado ao de Davi como o
salmista de Israel. Por razão de sua posição, o moço gozava de
reputação que excedia sua experiência.
A adoração sem inibições a Deus exigia todas as emoções e
esforços físicos. Os enormes corais e orquestras moviam a alma
na direção de Deus, havendo momentos em que tempo e espaço
pareciam tragados pela eternidade. Entretanto, a profunda
sensação da presença de Deus não podia ser confundida com a
experiência de conhecê-lo num relacionamento de aliança. Deus
ordenara os corais e a música, não, porém, como substitutos do
conhecimento do próprio Deus... Eram apenas expressão do
relacionamento com ele.
O louvor não é uma droga celestial destinada a amortecer a
dor desta vida. Visto que conhecemos nosso Deus, nós o louvamos
até em meio das tristezas cotidianas. Nosso relacionamento com
Deus é, primordialmente, reação responsiva de fé, fre-
qüentemente contrária às aparências e aos sentimentos. Nossa
vida se fundamenta sobre Quem é Deus, não sobre como pos-
samos sentir-nos a respeito dele, hoje.
Asafe, companheiro de Davi, homem que conduzia a nação no
louvor, no ápice de sua vida espiritual esgotou-se espiritual-
mente. Exauriu-se. Ocupadíssimo todos os dias na organização do
culto a Deus, as bases de Asafe começaram a desmoronar.
E significativo que o Espírito Santo registre o testemunho que
ele deu no Salmo 73, descrevendo como falhou e se recuperou.
Asafe é prova de que ninguém está isento de queimar-se
espiritualmente... e ele também é a esperança de que podemos
mover-nos, saindo da exaustão espiritual para a verdadeira
alegria da fé.
Devido o fato de ele ter documentado cuidadosamente as
causas que o conduziram a seus dias de crise na fé, o salmo é
preciosa chave para a compreensão do esgotamento espiritual.
Asafe também nos diz o que foi que o trouxe de volta — e deu-lhe
0 rico ministério pelo qual o conhecemos.
Ele relacionou o início de seus problemas com o dia em que
começou a observar os ricos vizinhos incrédulos, cuja vida era
opulenta. Eram prósperos materialmente, e pareciam não ter
qualquer preocupação neste mundo.
Ásafe fora criado sob a lei de Moisés, e embora, sob a influência
de Davi, tivesse sido tocado pela graça de Deus e se movido na
dimensão do Espírito, ele ainda se cingia aos velhos princípios da
lei. Acreditava que sua fé, sua dedicação a Deus e suas obras o
tomaram merecedor das bênçãos materiais do Senhor. A aliança
seria uma fórmula de prosperidade para uma vida tranqüila.
Tal perspectiva é sempre perigosa, porque iguala a espiri-
tualidade com as posses e livramento das oposições, nesta vida.
Era o fermento dos fariseus antecipando-se, e dizendo: “Visto que
eu fiz isto e aquilo, Deus deveria conceder-me bênçãos materiais.”
E o mesmo espírito que vemos no irmão mais velho da parábola do
filho pródigo: “E claro que eu deveria ser recompensado por todo o
trabalho que fiz para o senhor!”
O problema aqui não é se Deus abençoa seu povo com coisas
materiais. Ele abençoa. Contudo, as coisas materiais são o pós-
escrito da aliança que nos trouxe a um relacionamento dinâmico
com Deus.
Esse relacionamento significa que o crente assume atitude
completamente diferente da do incrédulo no que tange a posses e
riquezas. O incrédulo junta riquezas e amontoa posses como
segurança contra o futuro, a fim de adquirir poder sobre os outros
e manter a áurea de importância que o ouro lhe confere.
Mas o crente sabe que Deus se tomou para ele a segurança que
o dinheiro jamais compra, que Deus lhe conferiu nova auto-
imagem em Cristo. .. auto-imagem de plena honra e glória a que o
espírito humano mais aspira. Mais do que isso, quando estamos
ligados a Deus, que é amor, conhecemos a alegria de dar, da
mesma forma que recebemos, de tal modo que nossa vida se toma
rio caudaloso que segue dando, recebendo e dando de novo.
Para Asafe, a questão mais importante era a posse de bens
materiais e a vida livre de dificuldades. O pós-escrito se tinha
transformado na própria carta! Os resultados do relacionamento
da aliança obscureceram o próprio relacionamento.
Foi quando Asafe começou a contemplar os vizinhos naba-
bescos, a observar-lhes a vida impiedosa e a compará-la com a sua
própria dedicação e serviço a Deus. “Certamente eu mereço ser
abençoado com uma vida sem problemas, com bastante riqueza e
grande abundância de bens. Por que é que eles têm mais do que
eu?”
Ele gastou horas pensando nestes termos, observando como
esses vizinhos viviam, suas atitudes para com Deus e sua maléfica
influência sobre as pessoas ao redor. Quando, finalmente, começou
a expressar seus sentimentos, estava cheio de inveja; a visão
daqueles perversos era suficiente para deixá-lo mortificado. Asafe
fez uma descrição deles, cheia de minúcias e ódio:
“Portanto, a soberba lhes cinge o pescoço como um colar;
vestem-se de violência como de um adorno. Os olhos
deles estão inchados de gordura; não têm limite as
imaginações do seu coração. Zombam, e falam com
malícia; na sua arrogância ameaçam com opressão.
Erguem a boca contra os céus, e a sua língua percorre a
terra. Pelo que o seu povo volta a eles, e bebe águas em
abundância. Dizem: Como sabe Deus? Ou há
conhecimento no Altíssimo? São assim os ímpios; sempre
em segurança, e as suas riquezas aumentam.”
(Salmo 73:6-12)
Ao meditar sobre os malvados, e na crescente convicção de que
Deus o tratara injustamente, Asafe começou a exagerar a vida
agradável do incrédulo. Ao acreditar na mentira, fez com que suas
queixas ressoassem como se fossem corretas a seus próprios
ouvidos.
“Pois eu tive inveja dos soberbos, ao ver a prosperidade
dos ímpios. Não há apertos na sua morte; o seu corpo é
forte e sadio. São livres das tribulações dos mortais... São
assim os ímpios; sempre em segurança, e as suas
riquezas aumentam.”
(Salmo 72:2-5,12)
Fazendo declarações genéricas, universais, a respeito da vida
descuidada dos perversos — “Para eles não há preocupações. .. não
partilham das canseiras dos mortais... nem são afligidos” — Asafe
evita enfrentar a tolice da mentira que decidiu acatar.
Sua experiência prática ficou aquém daquilo que ele podia crer,
e que o evangelho teria prometido. Todos os dias, no monte Sião,
ele conduzira o povo no cântico de que Deus era grande e bondoso,
o Senhor sobre toda a terra.
Considerando todas aquelas coisas que ele entendia serem os
fatos reais, Asafe achou que a injustiça e a parcialidade
reinavam... que Deus abdicara seu trono. Descreve-se a si mesmo,
dizendo: ... quando o meu coração se azedou, e senti picadas nos
meus rins, estava embrutecido e nada sabia (Salmo 73:21-22).
As palavras “se azedou” descrevem um estado raivoso de
espírito, um ressentimento contra Deus por ele deixar que as
coisas sejam como são. Este sentimento se faz acompanhar de
amnésia — a pessoa se esquece de todas as bênçãos que Deus lhe
derramou no passado. A amargura é destilada em palavras
raivosas, em má vontade para com as pessoas em geral.
Asafe começou a demonstrar os sintomas clássicos do crente
queimado espiritualmente. Seu ódio contra Deus — ele tem
certeza agora de que Deus o abandonou e falhou em suas
responsabilidades com relação à aliança — expressa-se em
observações cínicas:
“Na verdade que em vão purifiquei o meu coração; em
vão lavei as minhas mãos na inocência.
O dia todo sou afligido; sou castigado cada manhã.”
(Salmo 73:13-14)
Com amargura, ele revê sua dedicação a Deus, sua caminhada
na fé; pergunta se houve vantagem nisso. Ponderou em tudo
quanto fizera.. . conduzira uma nação no louvor, escrevera salmos
que haveriam de ser entoados durante gerações... a recompensa
que teve foi viver dias cheios de problemas.
A memória do homem se filtrava através da autopiedade, de
modo que só se lembrava das más coisas, das partes negativas de
sua vida. Usou o termo “afligido”, que nas Escrituras é empregado
para descrever a ação de Deus. Diz ele: “Tu olhas para os que se
riem à tua face, tu os deixas prosperar; quanto a mim, que sou
filho da aliança, tu me bates todos os dias!” Suas perguntas,
misturadas com amargura e ciúmes, iam e vinham em sua mente,
e sempre voltavam ao seu problema com Deus.
Ele era membro do povo da aliança! “Julguei que tu podias
tratar melhor um dos teus filhos da aliança. Como é que Deus
pode permanecer verdadeiro à sua própria palavra, à luz de tudo
quanto estou vendo? Por que é que eu não tenho as riquezas todas
que desejo? Por que é que eles podem tê-las? Sou crente, eu
deveria viver sem dores e mágoas. Deus não manteve sua aliança
comigo.”
Ele descreveu sua experiência nesse ponto com estas palavras:
... os meus pés quase se desviaram; pouco faltou para que se
desviassem os meus passos (Salmo 73:2). Desde que começou a
acreditar nas distorções da verdade, sentiu que os pés
escorregavam, como se estivesse caminhando sobre gelo. Estava
perto do desastre.
Tendo aparentemente um motivo honroso, Asafe viu-se fugindo
dos amigos. Disse ele: “Se eu tivesse dito: Falarei assim; teria
traído a geração de teus filhos” (Salmo 73:15).
Na verdade, ele estava dizendo o seguinte: “Creio que vou
desistir de tudo quanto tenho crido, mas não quero influenciar
outras pessoas, e levá-las a partilhar de minhas dúvidas. Em face
de minha posição, exerço enorme influência sempre que o povo se
reúne para cultuar a Deus... por isso, vou guardar meus
sentimentos para mim mesmo, e me demitirei tão discretamente
quanto me for possível.”
Asafe se julgava hipócrita se permanecesse diante do povo
regendo o cântico de louvor. Louvor de que ele não partilhava.
Quando alguém o saudava, ele respondia da maneira usual:
“Louvado seja Deus”. Por dentro, porém, ele dizia: “Que adianta
prosseguir?” Assim que seu trabalho como regente dos corais e das
orquestras terminava, ele escapulia pela porta dos fundos, não
querendo falar com ninguém.
Conquanto fosse excelente idéia não falar com crentes ima-
turos, Asafe poderia ter discutido a questão com Hemâ e Etã, seus
colegas de ministério, e certamente teria recebido conselhos e
oração. Todavia, um sintoma clássico da queima espiritual é a
pessoa fugir dos outros, e querer ficar a sós.
Asafe afundou-se em areias movediças de tal maneira que não
conseguiu meditar em particular, ou escapulir do lodaçal. Quando
tentei compreender isto, fiquei sobremodo perturbado (Salmo
73:16). As palavras no original dão a idéia de que “a tentativa de
compreender o que estava acontecendo era esforço grande demais
para mim”. À semelhança de alguém que estivesse se congelando,
perdido, tudo o que ele desejava fazer se resumia em se deitar e
abandonar-se a um sono sem fim.
Ao resumir o que acontecera, Asafe disse que seu coração e sua
carne haviam falhado. Queimara-se espiritualmente. Agora,
desalentado e exausto, nada sobrara; não tinha nada com que
contar.
Mas finalmente ele teve o discernimento de que sua atitude
negativa representava muito mais do que um mau dia. Ele se
descreveu como estando “afligido” — fez uso de uma palavra que,
com freqüência, é utilizada no hebraico para descrever a pessoa
picada por serpente. Reconheceu que se expusera de modo a ser
picado pelo pai da mentira.
Em seguida, Asafe relembrou-se como saiu da terrível cova que
o sugava para baixo. Tinha chegado ao ponto em que nem se
incomodava de tentar fugir, e permaneceu no buraco até que
entrei no santuário de Deus... (Salmo 73:17).
Ao mencionar “entrei no santuário”, Asafe não se referia à
estrutura física. Rogar ao crente espiritualmente esgotado que vá
à igreja não vai ajudá-lo muito... ele acha que foi a igreja que lhe
sugou a vida! Asafe estivera dentro da estrutura física do
santuário todos os dias de sua vida, e nos últimos meses aquele
havia sido o lugar onde sofrerá os mais terríveis furacões. . . e onde
se sentira um grande hipócrita.
“O santuário” no Antigo Testamento era o lugar que Deus
escolhera para tomar conhecida a sua presença. A expressão
Monte Siáo, a colina de Jerusalém em que a arca de Deus se
instalara, veio a ser sinônimo do conceito de Deus morando entre
os homens.
Quando Asafe entrava naquele lugar (como o fez todos os dias
de sua vida, no desempenho de suas obrigações sacerdotais),
tomava-se consciente da Pessoa que morava no santuário. Ele não
se aproximava de um edifício, mas da Pessoa que dava
importância ao edifício. Vinha diretamente à Resposta, em vez de
buscar um livro de fórmulas e respostas.
A presença de Deus dava-lhe compreensão e perspectiva da
vida que ele jamais tivera antes. Se a houvesse tido, não se teria
queimado.
Primariamente, não foram as emoções que receberam ajuda; foi
sua mente, sua compreensão do que se passava. A pessoa
espiritualmente exaurida precisa mais do que o cântico de alguns
hinos inspirativos de louvor; estes simplesmente a farão sentir-se
bem no momento. A pessoa precisa é de uma perspectiva
completamente nova de como encarar a vida. Quando isto ocorre, a
fé retoma.
Asafe não veio a aprender algo realmente novo — ele com-
preendeu a palavra de que já dispunha, agora tomada viva e
aplicada pelo Espírito. Abandonou a posição de procurar fórmulas,
respostas e chaves para tomar-se tão bem-sucedido e feliz quanto
os perversos, e entrou num relacionamento com o Pai, que
constitui o ceme da fé.
Foi nesse momento que Asafe olhou para trás e descreveu-se a
si mesmo da maneira que já analisamos. Suas palavras expressam
arrependimento e mudança de pensamento a respeito das
conclusões a que chegara, cheias de amargura e autopiedade.
Lembrou-se de que agira mais como animal irracional do que
como filho de Deus. Estava embrutecido, e nada sabia; era como
um animal perante ti (Salmo 73:22). Qualquer animal reage de
acordo com os fatos apreendidos pelos seus sentidos. Asafe estava
na realidade reagindo diante da vida, em vez de agir nela à luz de
tudo quanto sabia a respeito de Deus.
Ao ponderar bem sobre onde estivera e em que havia começado
a crer, ele caiu em si e percebeu de repente: Todavia, estou de
contínuo contigo; tu me seguras pela minha mão direita (Salmo
73:23). Asafe percebeu que, apesar de ter perambulado como
errante, Deus nunca o abandonara, mas continuava a amá-lo. ..
Ele o sustentara em todo o trajeto.
A religião escandaliza-se diante dessa idéia. Ela defende que
para usufruir da presença de Deus e de sua mão orientadora, a
pessoa precisa ter merecimentos. Um homem que troveja contra
Deus e, ao mesmo tempo, lidera o culto no monte Sião, não só é
indigno, mas hipócrita também! Entretanto, Deus não nos
abandona quando, exaustos de tanto tentar explicar a vida
segundo nossa própria sabedoria limitada, desfalecemos.
Certa vez eu tentava arranjar carona numa estrada bravia da
Irlanda. Um fazendeiro local que me recebeu em seu velho
caminhão, disse-me que conhecia um atalho conducente a bela
estrada, a qual me levaria mais perto de meu destino. E tirou seu
velho veículo da estrada principal, tomando um caminho
lamacento, próprio para carroças. Trinta metros longe da estrada,
atolamos na lama grossa.
Saí do caminhão e tentei empurrá-lo. Não consegui. Eu estava
com pressa, e embora sentisse pena do fazendeiro, precisava
prosseguir viagem. Desejando-lhe muitas felicidades, voltei à
estrada à procura de outra carona.
Em outra ocasião eu viajava com um amigo e, em circuns-
tâncias semelhantes, atolamos. Desta vez eu não continuei
viagem; meu compromisso era chegar ao meu destino com o meu
amigo e, por isso, fiquei até conseguirmos desatolar o carro.
Deus nunca pega caronas! Ele não nos abandona quando
saímos da estrada principal, apanhamos um atalho e nos ato-
lamos estupidamente na lama. O compromisso de Deus é de
jamais nos abandonar. O pai continuara a amar seu filho pródigo
enquanto este andava pelo país distante, ilustrando um amor que
não depende do desempenho da pessoa amada.
E espantoso que muitas pessoas acreditem que Deus nos ama
incondicionalmente enquanto somos pecadores, e contudo, a partir
do momento em que passamos a fazer parte da família dele, seu
amor fique condicionado ao nosso desempenho. Podemos aceitar o
fato de que ele ama as pessoas indignas até que estas venham a
Cristo; porém, a partir daí precisamos merecer as bênçãos, ser
dignos de recebê-las.
Asafe descobriu em seu encontro com Deus no santuário que a
verdadeira prosperidade inicia-se com um relacionamento com
Deus. As coisas que ele invejara e cobiçara em seus vizinhos logo
desapareceriam nesta vida e, com toda certeza, na vindoura.
Entretanto, a alegria que Deus nos concede não pode
desaparecer porque flui dele, e não das coisas.
Olhando para o futuro, Asafe percebeu que haveria de chegar muitas
ocasiões em que ele enfrentaria outra vez problemas que poderiam exauri-lo.
.. mas agora ele possuía a resposta. Seu relacionamento com Deus e seu
conhecimento sobre como viver em comunhão com ele o levariam em triunfo
por quaisquer circunstâncias que o futuro desconhecido lhe trouxesse.
“A quem tenho eu no céu senão a ti? E na terra não há quem
eu deseje além de ti. A minha carne e o meu coração
desfalecem, mas Deus é a fortaleza do meu coração”.
(Salmo 73:25,26)
CAPÍTULO 12

Fé — a Alegria do
Senhor

O
verdadeiro problema de Asafe estava em suas expectativas de
Deus. Há coisas que o Senhor nunca prometeu, e que jamais
fará. Se estivermos esperando que ele faça coisas que não
prometeu, mais cedo ou mais tarde estaremos esgotados
espiritualmente.
Asafe procurava a felicidade. Deus não dá a seus filhos a felicidade
no sentido de circunstâncias perfeitas. Na verdade, ele nos livra tanto
da felicidade quanto da infelicidade!
O vocábulo felicidade provém do latim “felicitas”. Trata-se de
palavra criada pelo homem fora da aliança de Deus, para descrever a
vida como o ser humano a sente. O homem vê os eventos de sua vida
como sendo caóticos, sem que alguém os controle; portanto, os eventos
e as pessoas lhe sobrevêm. Tudo é questão de sorte, probabilidades,
destino impessoal.
Em algumas partes do mundo, as pessoas crêem que suas vidas são
controladas por espíritos cruéis, satânicos; portanto, vêem o caos da
vida como uma série de fatos atirados em seus caminhos pelos
demônios.
Pense em como a pessoa típica perambula errante pela vida. As
vezes, os fatos atiram-lhe ao colo as coisas de que gosta. Acha que está
sendo tratada como merece. .. as pessoas lhe dão o devido respeito, a
esposa está de bom humor e as crianças tiram notas boas na escola.
Seu time de futebol favorito está ganhando o campeonato e o sol
brilha todos os dias. Os acontecimentos tomam-no feliz, ele se sente
bem, tudo vai bem. A este relacio
namento com as circunstâncias a pessoa chama de felicidade1
Entretanto, na maior parte das vezes, as pessoas não gostam dos
acontecimentos da vida, das coisas que encontram pelo caminho. Elas
não fazem o que gostariam de fazer. Parece-nos que quem exerce o
controle da situação são os maus deste mundo. Achamos que não
somos estimados, e até nos julgamos rejeitados. As pessoas nos
magoam com suas palavras e ações. Há dias cheios de ansiedade,
preocupação e temor. Chove no dia sete de setembro, dia de pique-
nique. Nessas ocasiões, desejamos que todos esses acontecimentos não
tivessem acontecido. Quando dias assim começam a acumular-se,
dizemos que somos infelizes.
O homem procura escapar desses maus acontecimentos tentando
de alguma forma bloqueá-los na mente, e viver na fantasia de
felicidade. Não gosta do mundo do jeito que ele é, está entediado e
infeliz e, por isso, procura um meio de escapar, metendo-se numa
euforia que o faça acreditar momentaneamente que tudo será como
deseja.
Então surge a oportunidade para o vício das drogas, do valium à
cocaína; da filosofia do esquecimento nas “horas alegres” no bar. Isto
também faz parte das razoes porque milhões de pessoas se prendem
todas as noites às novelas de televisão.
A felicidade tem a aparência de paz, mas é falsa harmonia que se
prende a um fio fragílimo, em que todas as coisas e todas as pessoas se
encaixam nos planos atuais da pessoa. Essa pseudo-paz e pseudo-
felicidade assemelham-se à teia de aranha na sebe do jardim, em
manhã de verão. Ela rebrilha com um milhão de gotículas de orvalho,
ostentando a aparência de tiara de rainha. Mas no meio da manhã o
orvalho se evapora e algum animal destrói a estrutura frágil dos fios.
Até no riso tem dor o coração, e o fim da alegria é tristeza
(Provérbios 14:13). Qual o crepitar dos espinhos debaixo duma panela,
tal é o riso do tolo. Isto também é vaidade (Eclesiastes 7:6). Se a paz e
felicidade da pessoa dependerem de os outros agirem conforme essa
pessoa quer, ela passará a maior parte de sua vida na infelicidade.
O evangelho não constitui fórmula pela qual o crente tem garantia
de que sua vida estará em harmonia com a idéia que ele faz de como
ela deveria ser. A fé não é poder interior capaz de fazer todos os
acontecimentos se enquadrarem de modo que façam o crente feliz.
Como já vimos, Jesus veio a fim de livrar-nos da felicidade
(sensação de bem-estar baseada em circunstâncias externas). Assim,
Cristo nos livrou da infelicidade. Deixamos de ser escravos dos
acontecimentos e também da felicidade. Libertos da infelicidade, já
não necessitamos de fugir, e nos tomamos capazes de encarar a vida
como esta realmente é.
Se o crente foi induzido a pensar que Deus vai tomá-lo feliz fazendo
com que pessoas e acontecimentos da vida se encaixem em seus
planos, tal crente está bem perto do esgotamento espiritual.
A fé não é força que controla a Deus. Ela não consegue determinar
que os acontecimentos da vida obedeçam a um padrão de felicidade
pessoal. Entretanto, a verdadeira fé nos introduz numa dimensão só
conhecida pelos crentes. Há pouquíssimas pessoas felizes na Bíblia,
porém tampouco encontramos crentes infelizes.
A Bíblia está cheia de homens e mulheres que, por causa de sua fé,
constituem o alvo do ódio do mundo. São traídos pelos melhores
amigos, estão rodeados de pessoas que lhes tomam difícil a prática da
fé, vêem-se tentados pelo diabo e pressionados pelo mundo para que
se conformem com os padrões mundanos. Acrescente-se a tudo isso o
fato de as pessoas partilharem com toda a humanidade a vida num
mundo decaído, com todas as suas mazelas naturais. Dificilmente
alguém diria que este é um quadro de felicidade!
Entretanto, tais pessoas têm a vida cheia de gargalhadas.
Encontramo-las louvando a Deus ao ponto de dançar, bater palmas e
rodopiar de alegria. E fazem tudo isso enquanto coisas negativas estão
acontecendo. Tais pessoas não estão escravizadas àquilo que lhes
acontece. Portanto, não são escravas da felicidade ou da infelicidade.
A fé trouxe o crente a uma nova dimensão de vida que não depende
dos eventos e das pessoas ao redor. Trouxe-nos à compreensão de
nossa comunhão com o Espírito de Cristo, e daí vem. .. o fruto do
Espírito... alegria... (Gálatas 5:22).
Este vigor espiritual que energiza o crente recebe o nome noutra
passagem de. .. alegria no Espírito Santo (Romanos
14:17) e . .a alegria do Se nho r. . (Ne e mias 8:10). Isaías,
contemplando o futuro e vendo os dias da nova aliança, disse:
. .e os remidos do Senhor voltarão e entrarão em Sião
com júbilos; alegria eterna coroará as suas cabeças. Gozo e
alegria alcançarão, e deles fugirá a tristeza e o gemido.”
(Isaías 35:10)
O anjo anunciou aos pastores, nos campos de Belém:
“Não temais. Eu vos trago novas de grande alegria, que o
será para todo o povo.”
(Lucas 2:10)
“Alegria eterna” é a alegria singular de Deus. Eterno é termo
diretamente relacionado a Deus; só ele não tem começo nem fim.
Eterno é o que existe antes e depois do tempo, não estando, portanto,
vinculado aos acontecimentos temporais. Os acontecimentos
pertencem ao tempo; o eterno pertence a Deus.
A alegria eterna do Senhor é a alegria que ele tem em si mesmo.
Deus está infinitamente satisfeito consigo mesmo. Ele é perfeito, nada
havendo que lhe possa ser acrescentado ou subtraído. A alegria de
Deus é que ele é quem ele é!
Considere a revelação que Deus nos deu de si mesmo. O simples
fato de ele ter-se revelado a nós mostra-nos seu coração: Deus é amor.
Ele poderia ter-nos deixado nas trevas, mas decidiu vir iluminar-nos e
chamar-nos para a comunhão com ele. Amor não é algo que ele tem,
mas é sua própria essência, o modo de ele ser. Por causa disso, Deus
agiu com o homem em graça, vindo a nós e celebrando aliança
conosco.
Em tudo quanto ele é, Deus é fundamentalmente amor,
procurando nosso maior bem por sua própria conta. Seu poder
onipotente na criação e na ressurreição operou em nosso benefício. Ele
nos conhece de modo total, e nos ama de modo total. Sua sabedoria
planejou um fim perfeito para nós, de modo que viéssemos a ser o
objeto de seu amor eternamente. E em tudo isso, ele não muda...
nunca é melhor, nunca pior... porque ele é infinitamente completo.
Conseguiríamos nós imaginar um Deus que não fosse amor? Se ele
não se houvesse manifestado a nós, o homem jamais
pensaria num Criador que fosse amor. Nós o teríamos imaginado
como Deus todo-poderoso, distante, ditador supremo. As religiões
humanas, que surgiram a partir da sabedoria humana, têm
imaginado que Deus é cruel ou, na melhor das hipóteses, frívolo, que
persegue e ridiculariza a humanidade.
Podemos nós imaginar um Deus que nos conhece completamente, e
está determinado a magoar-nos. .. um Deus do qual jamais podemos
escapar, que se deleita em injuriar-nos. .. uma força onipotente a
serviço da destruição.. . um Deus que celebrou aliança para
amaldiçoar-nos? Não! A maravilha da revelação que o amor fez ao
homem é que Deus é amor!
Ele se expressou em Jesus Cristo, a Palavra, Deus conosco, para
revelar-nos quem ele é. O Deus cuja alegria eterna está na sua
satisfação consigo mesmo, anunciou que sua alegria e deleite encontra
seu foco em Jesus. .. E uma voz dos céus disse: “Este é o meu Filho
amado, em quem me compra- zo” (Mateus 3:17).
Apocalipse 5:12 resume a questão assim:
“Digno é o Cordeiro, que foi morto, de receber poder e
riqueza, e sabedoria, e força, e honra, e glória, e louvor.”
Ele se agrada de seu povo; Deus nos ama e exulta de alegria por
nós! “O Senhor teu Deus... se deleitará em ti com alegria... regozijar-
se-á em ti com júbilo” (Sofonias 3:17).
Em face da perfeição do propósito de Deus, nada que o homem
possa fazer poderá prejudicá-lo em última instância. Quando o
homem se ergue a fim de destroná-lo, ele se ri em função da alegria
que sente em seu perfeito plano de amor.. . e da loucura do homem em
até mesmo tentar destruí-lo.
“Por que conspiram as nações, e os povos imaginam coisas
vãs? Os reis da terra se levantam, e os príncipes se reúnem
contra o Senhor e contra o seu Ungido, dizendo: Rompamos
as suas cadeias, e sacudamos de nós as suas algemas.
Aquele que está entronizado nos céus se ri; o Senhor zomba
deles.”
(Salmo 2:1-4)
Na condição de crentes, fomos trazidos à comunhão com Deus em
Cristo. Através do seu Filho, a alegria e a satisfação que Deus tem em
si mesmo passou a habitar em nós. O Espírito Santo abriu nossos
olhos, e fez que víssemos o amor que Deus tem por nós, e nele
crêssemos. E quando a fé descansa nessa realidade, o resultado é... o
fruto do Espírito... alegria...
Os acontecimentos da vida às vezes não são como o crente gostaria
que fossem; às vezes as pessoas o ferem, e o diabo o ataca com suas
piores armas; contudo, em tudo isso, o crente se regozija.
A fé não fica contemplando os eventos da vida. Ela enxerga mais
longe, e constata que Deus é bom, e que cada minúcia da vida está
cooperando de modo triunfal para a execução do plano perfeito e sábio
de Deus — não importando as aparências.
E na reação responsiva da fé e do descanso no senhorio de Jesus
sobre todas as coisas da vida que a força do Senhor é liberada dentro
do crente, e a expressão disso é a alegria:... a alegria do Senhor é a
vossa força (Neemias 8:10).
Lembro-me de certa manhã, quando eu e minha filhinha de três
anos desfrutávamos o sol quente. De súbito, nuvens negras
apareceram no horizonte e correram pelos céus em nossa direção.
Dentro de minutos sobreveio escuridão amedrontadora que nos
engolfou, iluminada por raios que partiam das nuvens.
Minha filhinha apertou minha mão e disse, tremendo:
— Papai, o sol morreu!
— Não, respondi-lhe eu — ele ainda está lá, brilhando do mesmo
jeito como brilhava há cinco minutos. Só não podemos vê-lo agora.
Em seguida começou a chover. Não havia abrigo para onde
pudéssemos ir, de modo que tivemos de agüentar a chuva desferindo
sua fúria sobre nós, ensopando-nos em poucos segundos.
— Papai, estou com medo — exclamou minha filha em meio aos
trovões.
— Não tenha medo — disse eu — o sol ainda está brilhando e nós o
veremos daqui a minutos.
Dentro de dez minutos, os momentos escuros do temporal marcado
pelos trovões espalharam-se pelas campinas. De súbito, tudo voltou à
tranqüilidade e de novo o sol passou a brilhar
Rnquanto o vapor subia de nossas roupas, minha filhinha ria e dizia:
— Você tinha razão, papai, o sol não morreu!
Quando todos os poderes das trevas se atiram contra nós, quando
as pessoas nos ferem e nada parece dar certo, a fé enxerga além da
escuridão e diz: “Deus existe. As promessas de Deus são verdadeiras.
Ele é sábio, controla tudo, ele é bom e me ama. Ele não morreu.”
É nesta afirmação de fé que a alegria do Senhor se levanta em
nosso coração, e estabelece nosso relacionamento com Deus. Tal fato
expressa-se em nossos lábios e coração quando começamos a louvar e
a adorar ao Senhor pelo fato de ele ser o Deus que é. O crente sabe
que os problemas desta vida não conseguiriam interromper os planos
e objetivos daquele que é amor. Ele é sábio, bom e fiel à Palavra de
sua Aliança.
Esta alegria está sempre no coração do crente, e é considerada
sobrenatural quando a arremetida furiosa dos problemas chega ao
ponto crítico. Habacuque percebia a aproximação de problemas, mas
bradava com alegria e fé:
“Ainda que a figueira não floresça, nem haja fruto na vide,
ainda que o produto da oliveira falhe, e os campos não
produzam mantimento, ainda que as ovelhas sejam
exterminadas, e nos currais não haja gado, todavia eu me
alegrarei no Senhor, exultarei no Deus da minha salvação.”
(Habacuque 3:17,18)
O louvor é a fé em ação, exprimindo seu âmago. A fé enxerga além
das nuvens e da chuva, e contempla o sol que ainda está brilhando.
Ainda que sinta as agruras desta vida, a fé se une a Deus e regozija-
se nele; e a alegria do Senhor é a sua força (Neemias 8:10).
É esta reação alegre da fé perante Deus que constitui a vitória
sobre o inimigo e sobre os problemas que nos rodeiam. Tudo que se
segue decorre desta alegria triunfante da fé.
O objetivo constante de Satanás é levar-nos a amaldiçoar a Deus
diante de cada dificuldade, e fazer-nos partir em amargura. Com
respeito a Jó, o escárnio do diabo era:
— Jó te serve em troca de nada? Não passas de escravo de Jó! Se
sobrevier uma crise, ele te abandona.
As épocas difíceis são a prova de nossa fé. Quando todas as
evidências indicam que Deus está ausente, a fé enxerga além das
circunstâncias e regozija-se em Deus. Contudo, isso não é o fim. Se
fosse, esta posição seria apenas a variação do fatalismo.
O crente submeteu-se a Deus e declarou: “Eu creio em ti, a despeito
de tudo que estou vendo!” Está agora capacitado para executar a
vontade de Deus naquela situação especial. Ele consegue dizer a
Cristo, que é a sua vida: “Que faremos agora? Serás glorificado neste
ato?”
Após Habacuque haver clamado em alegria sua fé no Senhor
mesmo diante do desastre que se aproximava, percebeu em seguida
sua comunhão com Deus. Agora Deus poderia realizar seus propósitos
através de Habacuque, e derrotar o inimigo. O profeta encerrou sua
afirmação de fé em Deus com estas palavras: “O Senhor é a minha
força; torna os meus pés como os das corças, e me faz andar sobre os
lugares altos” (Habacuque 3:19). A Bíblia Amplificada traduz assim
esta passagem: “O Senhor Deus é a minha fortaleza, minha bravura
pessoal, meu exército invencível...”
O profeta podia enfrentar agora todos os problemas com ousadia
vinda de Deus. O Senhor venceria em seu lugar. A fé podia, agora,
falar com autoridade, resistir ao diabo e ser a manifestação da vida
ressurreta de Jesus entre os homens.
É o regozijo do louvor que prepara o caminho para a vontade de
Deus cumprir-se por nosso intermédio. A fé que oferece louvor a Deus
compreende com exatidão o que é necessário ser dito e feito para que a
vontade de Deus seja cumprida em qualquer situação.
“Aquele que oferece sacrifício de louvor me glorifica, e àquele que
bem ordena o seu caminho eu mostrarei a salvação de Deus” (Salmo
50:23). Certa versão da Bíblia traduz assim este versículo: “Aquele
que sacrifica oferta de gratidão me glorificará — e preparará
caminho pelo qual poderei mostrar-lhe a salvação de Deus.”
Quando nos abrimos em louvor, diante de dificuldades e
confusões, dispomos de caminho, de estrada preparada, ao
longo da qual podemos caminhar na direção da salvação ou do
livramento que Deus preparou para nós.
Considere esta parábola: imagine a vida cristã acontecendo nas
encostas de uma montanha. Há vários acampamentos de crentes
espalhados pelas vertentes da montanha, sendo que cada grupo
discute o maior problema enfrentado por quem mora nela.
A intervalos regulares, pedras de todos os formatos e tamanhos
rolam e vão passando pelos acampamentos. A discussão que
predomina em todas as reuniões desses acampamentos é: “De onde
vêm as pedras, quem as está empurrando para que rolem por cima de
nós, e que faremos?”
Alguns crentes espiam as pedras que se aproximam e lastimam-se,
temerosos. Sentem-se infelizes, e gostariam que as pedras mudassem
de rumo, que se evaporassem, que acontecesse qualquer coisa, desde
que desaparecessem. Nas reuniões de oração esses crentes medrosos
rogam a todos que orem a seu favor, porque os perversos atiradores de
pedras estão atacando de novo: “Orem para que as pedras vão-se
embora”, suplicam.
Tais crentes candidatam-se ao esgotamento espiritual. Alimentam
expectativa da parte de Deus, a qual, por ser falsa, nunca se realizará.
O conceito que têm do evangelho é que Jesus removerá todas as
pedras que descerem da montanha; a definição que fazem de paz é a
ausência de pedras caindo lá de cima.
Outro crente, influenciado pelo pensamento grego mais do que
pelas Escrituras, contempla as pedras e suspira: “Eis minha cruz que
devo suportar; vou carregá-la com paciência!” O testemunho dele às
demais pessoas na encosta montanhosa é que o Deus dele o ama tanto
que, regularmente, atira-lhe pedras. E o fatalista disfarçado de santo.
A filosofia dele é que o que deve acontecer, acontecerá.
Em todas as cidades há muitas congregações que vivem esmagadas
pelas pedras que rolam das montanhas. Crêem sinceramente que
Deus quer que as coisas sejam assim. O conceito que fazem de Deus é
semelhante ao do irmão mais velho, na imagem que fazia de seu pai;
portanto, não há Boas Novas que a fé possa despertar.
Tais crentes não têm alegria e tampouco felicidade. E bem difícil
alguém entusiasmar-se diante da idéia de um Deus que atira pedras
em seus filhos! Eles vivem num estado de exaustao espiritual, lutando
para sobreviver num mundo em que as pedras despencam enquanto,
ao mesmo tempo, devem crer que Deus os ama.
Outro crente, embora mais próximo da verdade, também se
encaminha para o esgotamento espiritual por causa da maneira como
encaminha a vida. Zomba do fatalista: “Você deve estar louco para
crer que Deus atira pedras no seu povo, a quem ama! Eu não creio
que Deus quer que esta pedra caia sobre mim.”
Ele entende a fé assim: acha que pode mudar a montanha do jeito
que quiser... quer felicidade, sem pedras à vista.
Se for extremista, poderá ver uma pedra caindo e dizer a seu
irmão: “Não há pedras por aqui. Nem sequer mencione esta palavra
perto de mim, pois minha fé seria destruída.” Quando uma pedra rola
por cima dele, ele se recusa a mudar sua posição confessional; quando
as pessoas lhe perguntam se a pedra o feriu, ele nega que alguma
pedra chegou a aproximar-se dele.
Um de seus colegas, não tão extremado, terá comportamento
diferente. Ele dirá que Deus não atira pedras — quem o faz são os
perversos. Acreditando que a fé é poder para uso pessoal, tenta usá-la
para dissolver a pedra! E quando ela cai bem em cima dele, ele se
abala.
Os demais membros de sua igreja dirão que esse crente não tem fé
suficiente, razão por que a pedra rolou por cima dele. Então o crente
acha que Deus ficou tão decepcionado pelo seu fraco desempenho
quanto seus irmãos ficaram; e passa a imaginar que talvez Deus o
teria rejeitado pela sua falta de fé.
Desejando que seus irmãos crentes o aceitem, e que haja
prosseguimento em sua reputação de homem de fé, esse crente
poderá esconder dos irmãos o fato de que uma pedra acabou de
atingi-lo. Ao fazer isso, o crente inicia uma caminhada solitária pela
estrada da máscara no rosto, um dos primeiros sintomas da queima
espiritual que se aproxima.
Se esse processo continuar a repetir-se, o crente certamente se
queimará. A queima dele será mais devastadora do que a de seu
estóico amigo no fim da rua. Naquela igreja ninguém espera nada e,
na verdade, todos agradecem a Deus quando nada recebem!
Este crente pensa que a fé pode manipular a vida e acomodar seus
objetivos. Quando o esquema deixa de funcionar, o crente acaba
amargurado e dá o fora daquilo que pensava ser o evangelho. A queixa
dele será semelhante à de Asafe: “Eu tinha fé, mas Deus nada fez. Ele
me abandonou.”
Apesar de toda a sinceridade dessa pessoa, ela se esgotará
espiritualmente porque lhe falta fé em Deus. Ela iguala a fé natural à
fé proveniente de Deus, e julga que fé é moeda celestial com a qual se
pode comprar a felicidade. Crê, de maneira errônea, que se tiver fé
suficiente, conseguirá manipular a Deus, e o levará a atender todos os
seus desejos.
Mas Deus não honra esta pseudo-fé. O evangelho é, em primeiro
lugar, o anúncio de um relacionamento de aliança; somos chamados
para conhecer a Deus pessoalmente.
Nossa fé, mediante a qual Deus opera em nossa vida, emana desse
relacionamento, e não de fórmulas segundo as quais se alega que
Deus nos obedece.
Ele preferiria que a pedra rolasse sobre nós, em vez de nos ver
tentando manipulá-lo. Ele quer que o conheçamos, e que desse
relacionamento possam fluir todas as bênçãos da aliança divina.
O crente cuja fé nasceu do Espírito contempla a pedra que vem
rolando e sente-se perturbado. Poderá sentir um toque de medo e
desejar que a pedra vá embora... ele não gosta de pedras. Contudo, ele
interromperá a seqüência de pensamentos de temor e de desejos de
fugir correndo. Diz a si mesmo que existe ali muito mais coisas do que
pedra caindo. Prefere ver todos os fatos, que incluem outras coisas
além da pedra.
Sabe que Deus controla a montanha toda, o que inclui todos os
atiradores de pedras e todas as pedras. Sabe, também, que Jesus
ressuscitou dentre os mortos e venceu todos os apedreja- dores. À luz
desses fatos, ele entenderá que houve permissão para que a pedra
rolasse, a fim de que a glória de Cristo fosse revelada... e para que
mais uma vez ficasse evidente que todos os atiradores de pedras estão
derrotados.
Jamais a fé esmorece ante a aproximação das pedras da vida. E
quando elas estão caindo que a fé mostra o que tem de melhor.
Com louvor a Deus, que é o dono da montanha, e a Jesus, o
vencedor dos atiradores de pedras, o crente que tem fé coloca-se tu»
caminho das pedras e recebe-as à medida que caem. Com brado de
vitória, ele pergunta: “Que faremos com isto, Senhor? De que
maneira tu serás glorificado desta vez?" Essa pessoa, em comunhão
com seu Deus, é senhor da montanha, e não se esgotará
espiritualmente.
Fé — a Paz do Senhor

Jeosafá foi um dos grandes reis de Judá. Um incidente em sua


vida, registrado em 2 Crônicas 20, nos permite ver como ele
controlava todas as pressões existenciais, e por que jamais se viu
exausto espiritualmente. A passagem conta- nos de sua fé, e a
coloca sob microscópio.
Seus problemas começaram no dia em que chegaram as
notícias de que seus vizinhos amonitas, moabitas e membros de
tribos de Edom se uniram a fim de destroná-lo e ocupar
Jerusalém e Judá. Planejavam colonizar o território a ser
conquistado, e para isto haviam trazido consigo seus pertences.
Estava claro que não tinham a intenção de regressar a suas
terras. Jeosafá teria de enfrentar um exército de povos impie-
dosos, dispostos a varrer Judá e seu rei daquela terra, e ocupá- la.
O inimigo não fez um ataque frontal à região em que Jeosafá
mantinha guardas de fronteira, pois estes poderiam tê-lo aler-
tado. O adversário chegou pela extremidade sul do mar Morto,
galgando precipício quase escarpado a fim de alcançar Jerusalém
praticamente sem ser percebido. No momento em que os espiões
avisaram que o inimigo se aproximava, este já se achava distante
de Jerusalém apenas 15 horas de marcha.
Dizem-nos as Escrituras que Jeosafá estava com medo. Em sua
oração ele descreveu a situação como sendo triste, angus- tiosa. A
palavra que traduzimos em nossa Bíblia por “angústia” também
poderia ser traduzida por “desfiladeiro estreito; estrada que se
aperta”.
Em Números 22:26 a palavra é traduzida assim:... lugar
estreito, onde não havia caminho para se desviar nem para a
direita nem para a esquerda. Significa que tudo está prestes a
esmagar o indivíduo; ele sente claustrofobia no espírito.
Jeosafá sentia tudo isso. A vida o pressionava a ponto de ele
achar que não havia escapatória. Sem espaço para voltar, sentiu
muito medo. Medo é fé em todos os fatos apresentados pelos cinco
sentidos; de acordo com todas as evidências disponíveis, a nação
seria derrotada dentro de 24 horas.
Nesta vida, quando enfrentamos momentos assim, há varie-
dade de providências a que podemos recorrer. Podemos tomar o
caminho da nossa experiência para estabelecer nossa comunhão
com Deus, ou podemos assumir atitudes que no fim nos
conduzirão à queima espiritual.
A caminhada ao longo da trilha dos sentimentos de culpa e
condenação está causando milhares de queimas, hoje. Os sen-
timentos de culpa baseiam-se no erro legalístico segundo o qual a
fé é coisa originada no homem, e que os grandes homens de Deus
a têm em abundância.
Se o crente estiver cheio de temores, uma luz vermelha
condenatória disparará raios sobre ele, gritando-lhe: “Você não
tem fé suficiente! Você não tem lido as Escrituras, nem tem orado
o suficiente. Você baixou a guarda, não está alerta.”
A situação toma-se, agora, mais angustiosa: “Deus não se
agrada de mim por causa da minha falta de fé. Preciso remediar
a situação.” Então o pobre crente solitário começa a “afugentar”
seus temores. Poderá tentar repetir versículos bíblicos como
fórmulas mágicas para o sucesso; é desta forma que alguns
crentes tentam exorcizar seus temores. Quando a pessoa se sente
forte o suficiente, tenta repreender o inimigo.
O fato é que, em qualquer época em que virmos a fé como algo
que podemos criar dentro de nós mesmos, estaremos
decididamente destinados ao fracasso. O medo que sentimos é
apenas o lembrete: sou apenas ramo e, de mim mesmo nada
posso fazer. Dependo completamente do Deus com quem celebrei
aliança. O princípio bíblico é que quando sou fraco, então sou
forte.
Este tipo de medo não constitui pecado: é a reação humana às
circunstâncias que se apresentam. É um “cutucãozinho" que me
adverte sobre minha incapacidade de controlar a vida segundo
minhas próprias forças e sabedoria. Fé é minha reação ao
grandioso jogo de fatos que meus cinco sentidos não conseguem
apresentar-me — fatos que sobressaem do conhecimento do Deus
que me ama, que celebrou aliança comigo, e que jamais me
deixará.
Muitos anos mais tarde, o profeta Isaías haveria de encontrar-
se em posição semelhante. Estava dentro de Jerusalém e
exércitos inimigos ameaçavam a cidade. Ássim descreve ele a
situação:... se agitou o coração... do seu povo, como se agitam as
árvores do bosque com o vento (Isaías 7:2). O Senhor falou ao
profeta dizendo-lhe o que fazer: a.. .não temais o seu temor, e não
vos assombreis” (Isaías 8:12).
Isaías não deveria apresentar diante dos fatos o mesmo
comportamento que as pessoas estavam apresentando. Elas
estavam reagindo aos desígnios do grande exército armado contra
a cidade, aceitando-o e comungando com ele. O povo depositava fé
nos fatos que os cinco sentidos lhe apresentavam. Mas o Senhor
ordenou a Isaías que temesse outra coisa, isto é, que reagisse a
uma conjuntura diferente de fatos.
“Ao Senhor dos exércitos, a ele santificai; seja ele o vosso
temor, e seja ele o vosso assombro. Então ele vos será
santuário...”
(Isaías 8:13,14)

Foi exatamente isso que Jeosafá fez. Em vez de alimentar


pensamentos de temor, tomou uma resolução ... e pôs-se a buscar
o Senhor ... (2 Crônicas 20:3). Enfrentamos aqui o fato de a fé ser
dom de Deus, expressão do fruto do Espírito. Não existe por sua
própria força, mas recebe força diretamente do Senhor.
Medo é pânico na mente, quando a pessoa procura depressa
uma solução humana sem valor, depois outra, e outra. . . É
possível a pessoa pensar em recitar as Escrituras e uma fórmula
de oração, como tentativa de solucionar os problemas da vida.
Contudo, trata-se apenas de mais uma tentativa inútil, fútil, de
resolver os problemas da vida usando o nome de Deus como
alguém invocaria um gênio mitológico.
Êxodo 14:10-15 registra o pânico de Israel à medida que <m
egípcios se aproximavam. Uma das soluções foi clamar ao
Senhor.
Procurar o Senhor significa que paramos e nos reagrupamos, à
luz de quem ele é, e quem somos nós, em nossa comunhão com
ele. Nos salmos encontramos a palavra selá, que quer dizer: “pare
e pense calmamente nestas coisas”.
Procurar o Senhor é entender que ele está bem no âmago de
nosso ser... é entender que não somos o que estamos sentindo,
que formamos uma unidade com Deus. E voltar a atenção para o
fato de que em nós, em nossa própria vida, está alguém que é a
plenitude da sabedoria, do amor e do poder.
E nesta verdade que a fé se desperta. Ela não está consciente
de si mesma, da mesma forma como o olho não está consciente de
si próprio. Ele é invadido pelo objeto que contempla. Fé é o crente
ser invadido pela grandiosidade de Deus.
A oração de Jeosafá descreve, em câmara lenta, a fé aconte-
cendo. Essa oração nos conta o que o espírito de Jeosafá fazia. Ele
não ficou olhando para a situação, segundo seus sentidos lhe
comunicavam, mas contemplou-a através da verdade maior. Não
negou os fatos que estariam acontecendo dali a 15 horas; disse
simplesmente que existia mais coisas naquela situação do que
seus ouvidos podiam ouvir.
“... O Senhor, Deus de nossos pais, não és tu Deus nos
céus? Tu dominas sobre todos os reinos dos povos, e na
tua mão há força e poder, e não há quem te possa
resistir.”
(2 Crônicas 20:6)
Em certo sentido, isto não é oração e, com certeza, tampouco
um pedido. E expressão da alegria de conhecer a Deus; é louvor
nos lábios do rei concernente à grandeza e à capacidade de Deus,
naquele momento. As perguntas retóricas do rei não são
lembretes para Deus sobre sua capacidade divina, mas forma de
louvá-lo, pois Deus é assim.
Jeosafá contemplou as três nações marchando na direção dele
— o que era um fato. E disse: “Há um fato maior ainda: o Senhor
governa todas as nações. A aliança de nossos inimigos constitui
coalisão poderosíssima, é verdade, mas todo o poder e força estão
nas mãos do Senhor!
"O nosso Deus, não lançaste fora os moradores desta
terra, de diante do teu povo Israel, e não a deste à
semente de Abraão, teu amigo, para sempre?
Habitaram nela, e nela edificaram santuário ao teu
nome, dizendo: Se algum mal nos sobrevier, espada,
juízo, peste, ou fome, nós nos apresentaremos diante
desta casa que leva o teu nome e clamaremos a ti na
nossa angústia, e tu nos ouvi- rás e livrarás.”
(2 Crônicas 20:7-9)
Tendo considerado a capacidade infinita de Deus nessa
situação, Jeosafá contempla o compromisso do Senhor em aliança
com os que são da fé de Abraão, e que clamavam pelo seu nome.
Ele se referiu a Abraão pelo título de aliança: “amigo”. Jeosafá
representava o povo crente, unido a Deus pelo sangue da aliança.
Reconhecia que Israel não era qualquer povo, mas uma nação que
vivia no foco do amor da aliança.
Prossegue Jeosafá relembrando a dedicação do templo nos dias
de Salomão, quando este orou pedindo proteção contra todos os
inimigos. Deus respondeu a essa oração enchendo de glória o
templo. Em suas palavras de louvor, Jeosafá lembrou-se de que
Deus ainda estaria respondendo àquela oração, confirmaria a
resposta, e protegeria seu povo, da mesma maneira como
prometera a Salomão.
Jeosafá apelou para o amor sempre disponível de Deus, amor
selado em compromisso. Lembrar-se de Deus e decidir-se a louvá-
lo naquela situação de emergência despertou a fé. A apresentação
do pedido tomou-se, agora, pequena minúcia:
“Mas agora aqui estão os homens de Amom, de Moabe e
do monte Seir, por cujo território não permitiste que os
filhos de Israel passassem, quando vinham da terra do
Egito... nos dão o pago, vindo para lançar-nos fora da tua
herança, que nos fizeste herdar. Ó nosso Deus, não os
julgarás?.. ”
(2 Crônicas 20:10-12)
A fé não nega a presença do problema, mas calmamente ®oloca
o assunto nas mãos de Deus. O rei termina sua oração
com uma das maiores declarações de fé da Bíblia:
“Pois em nós não há força perante esta grande multidão
que vem contra nós. Não sabemos o que fazer, mas os
nossos olhos estão postos em ti.”
(2 Crônicas 20:12)
Jeosafá está apenas declarando que não alimenta qualquer
esperança em sua capacidade ou sabedoria humanas. Ele se
declara, sem envergonhar-se por isso, um ramo desamparado. Tal
posição não lhe é ameaçadora, cheia de culpa ou de condenação; o
rei a usa como oportunidade para abandonar-se ao Deus de
infinita capacidade e amor.
Foi mediante essa declaração de fé que Jeosafá obteve vitória.
O Espírito deu testemunho disso entre o povo:
“... não temais, nem vos assusteis por causa desta
grande multidão. Pois a peleja não é vossa, mas de
Deus... Nesta batalha não tereis de pelejar. Parai, estai
em pé, e vede a salvação do Senhor para convosco, ó
Judá e Jerusalém. Não temais nem vos assusteis.
Amanhã saí-lhes ao encontro, e o Senhor será convos-
co.”
(2 Crônicas 20:15,17)
O povo reagiu responsivamente com louvor em voz alta. O
assunto estava resolvido; o povo foi dormir, e dormiu profun-
damente. Durante a noite o inimigo marchou para a frente de
combate, planejando tomar Jerusalém num ataque de surpresa
no dia seguinte; mas Jeosafá, sabendo que a batalha já estava
ganha, dormiu sossegadamente. A fé não luta nem perde o sono;
vai para a cama dando graças a Deus porque ele providenciará a
vitória durante a noite.
A expressão final de fé ocorreu na manhã do dia seguinte,
quando Israel foi encontrar-se com o inimigo: Jeosafá enviou o
grupo coral na vanguarda.
“.. .ordenou cantores para cantarem ao Senhor e o
louvarem por causa do esplendor da sua santidade,
enquanto saíam na frente do exército, dizendo: Rendei
graças ao Senhor, porque a sua misericórdia dura para
sempre.”
(2 Crônicas 20:21)
“Misericórdia” é a palavra que descreve a fidelidade de aliança
da parte de Deus, a certeza que ele nos dá de que jamais nos
deixará, nem nos abandonará. Quando o povo manifestou esta
expressão final de fé, a vitória que já lhe pertencia mate- rializou-
se.
“Quando começaram a cantar e dar louvores, o Senhor
pôs emboscadas contra os homens de Ámom, de Moabe
e do monte Seir, que tinham vindo contra Judá, e foram
desbaratados.”
(2 Crônicas 20:22)
Parece que o inimigo destruiu-se a si mesmo, deixando suas
possessões nas tendas. Israel levou três dias para carregar todas
as riquezas a Jerusalém. Não apenas obtiveram vitória, como
também saíram do episódio mais ricos, tanto em seu
conhecimento de Deus como em bens materiais.
Há fortes indicações de que o Salmo 84 foi escrito nesta época.
O versículo 26 sugere que Israel deveria encontrar-se com o
inimigo no vale de Baca. Era um vale desconhecido, fora de
Jerusalém.
“Baca” quer dizer “ramos gotejantes como lágrimas; choro”.
Uma tradução literal poderia ser: “vale de lágrimas”. O versículo
diz: .. .passando pelo vale de Baca [Beraca], faz dele um lugar de
fontes... (Salmo 84:6). O crente sob referência aqui transforma um
vale árido, onde só há lágrimas, numa fonte refrescante; as
tristezas da vida tornam-se a oportunidade para que se beba das
profundezas de nosso Deus.
Parece que este é o vale que recebeu novo nome.
Ao quarto dia se ajuntaram no vale de Beraca, onde louvaram
ao Senhor. Por isso chamaram àquele lugar Vale de Beraca
[Bênção], até ao dia de hoje”. (2 Crônicas 20:26). “Beracah” em
hebraico é “bênção.” A fé em Deus é o caminho pelo qual ele
adentra nossa vida e transforma cada lágrima num triunfo e
numa bênção.
O crente que enfrenta os problemas desta vida com o
conhecimento de seu relacionamento com Deus, em Cristo, não
pode queimar-se espiritualmente — a despeito dos problemas que
vai enfrentando. Ele poderá entristecer-se e às vezes ficar
perplexo, mas sempre vencerá por morar no centro da paz de Deus.
CAPÍTULO 14
Como Viver no Espírito

N uma tarde de novembro, vi um cão da raça pastor alemão.


Chovera durante a maior parte do dia, e uma neblina
rodeava a montanha. O cão estivera perambu- lando
sorrateiro pelo meio do mato, nos fundos do meu jardim. A pelugem
ensopada, intrincada, cobria um corpo emaciado. De onde eu
estava, pude ver que o cão, de cauda entre as pernas, tremia de
frio. Pus-me a caminhar na direção dele, mas o cão virou-se e
desapareceu na neblina.
Muitos de meus vizinhos tentaram alimentar o cão, que só fazia
agachar-se e rosnar contra seus benfeitores. Por fim, a sociedade
protetora dos animais o capturou. Algum tempo mais tarde, eu
soube que o animal havia sido repetidamente surrado por um
homem cheio de vícios, meio louco, até conseguir fugir e ficar
perambulando pelo campo, não ousando confiar noutro ser
humano.
Em todas as cidades há muitos crentes solitários, tremendo de
frio espiritual, agachando-se para evitar os que lhe desejam fazer
bem. São pessoas feridas em seu espírito, surradas verbalmente
desta ou daquela maneira pelos irmãos da mesma fé. Vêem-se
indignas diante de Deus, e temem partilhar sua vida com outro ser
humano, pois seriam condenadas e rejeitadas. Assemelham-se
àquele cão. . . alienadas, amedrontadas e solitárias.
Isaías viu com perfeição o coração de Jesus, e o que ele viria
fazer. Resumiu o caráter e o ministério de Jesus no capítulo 42:3 de
sua profecia: “Não esmagará a cana quebrada, nem apagará a
torcida que fumega..
Canas cresciam com abundância às margens dos rios de Israel.
Ás crianças gostavam de sentar-se às margens dos rios e tirar o
miolo das canas, a fim de fazer flautinhas musicais. A tarefa era
delicada; a cana poderia ser facilmente esmagada, estaria
inutilizada para produzir música; as crianças quebravam de vez
essa cana, e a atiravam no rio. Pois, se havia tantas outras canas
com que trabalhar!
Disse Isaías que quando o Messias viesse ele não esmagaria “a
cana quebrada..Cristo se caracterizaria como a Pessoa que nunca
jogaria fora aqueles que fossem esmagados no processo de
manuseio.
Nos tempos bíblicos, as casas israelitas eram iluminadas por
lamparinas de óleo. Um pavio feito de fio de linho boiava no óleo, e
iluminava a casa. Se o azeite acabasse, o mau cheiro do linho
queimado causaria náusea; embaraçada, a dona-de-casa o atiraria
fora, pela janela. Ela teria uma caixa cheia de pavios, de modo que
jogar fora um deles não faria a mínima diferença.
Entretanto, disse Isaías que Jesus, quando viesse, não apagaria
“a torcida que fumega”. Ele não se livraria daqueles que se viram
queimados pela vida, que só produzissem luz bruxuleante. Outra
possível tradução das palavras equivalentes a “torcida que fumega”
seria, literalmente: “pavio apagado, inutilizado”.
Os fariseus descartavam-se das pessoas que haviam falhado na
vida, mas Jesus restaurava aquelas canas esmagadas,
transformando-as em instrumentos musicais que tocavam seu
cântico da graça. Jesus tomava os restos fumegantes de uma vida
esgotada e transformava-os num pavio mediante o qual ele próprio
seria a Luz do mundo.
Neil sentou-se em meu gabinete. Era um jovem de trinta e
poucos anos, a quem seus amigos haviam aconselhado que viesse
falar comigo. Eu me sentara numa cadeira do outro lado da
escrivaninha, e examinava seu porte. Parecia cheio de suspeitas,
pronto para sair correndo a qualquer momento. Fez-me lembrar do
cão pastor alemão.
Hesitante, falou-me de seus problemas conjugais e do divórcio
ocorrido recentemente. Ele e a esposa sofreram problemas que já
duravam muito tempo; contudo, tinham tido o cuidado de não
tomá-los públicos. Haviam mantido a imagem da família cristã
perfeita. Mas durante o último ano o casamento morto foi atirado
às escancaras, de modo que sua podridão podia ser alfinetada por
todos, à semelhança de corvos ao redor de um cadáver.
A voz do moço tinha timbre de ódio.
— Antes de eu me salvar, as pessoas costumavam testemunhar
para mim. Falavam-me do amor de Jesus, de sua misericórdia e
graça. Falavam, também, a respeito do que se esperava que a igreja
fosse. Parecia bom demais para ser verdade — uma comunidade
incrível de pessoas que se amavam umas às outras e se perdoavam
umas às outras.. . exatamente como haviam sido perdoadas por
Deus! Falavam que Deus estava em todas as coisas, até mesmo nas
tristezas e nos erros desta vida.
Os lábios do moço crisparam-se quando ele disse amargamente:
“Comprei o que me vendiam, o que me diziam. As coisas
funcionaram mais ou menos bem. Nas áreas em que a coisa não
funcionou, púnhamos uma máscara e dizíamos: “Glória a Deus!”
Foi quando cometi um erro muito grande! Parei de mentir e contei
às pessoas toda a verdade a meu respeito e a respeito de nosso
casamento. Contei às pessoas que meu casamento era uma farsa,
que havia morrido já fazia tempo, muitos anos.
Tão logo as pessoas souberam a verdade a nosso respeito, ficou
óbvio que nunca nos amaram; amavam, isto sim, a imagem que
havíamos projetado de pessoas corretas, que fazem as coisas certas.
Desde que nos divorciamos, a igreja tem tratado a mim e à minha
ex-esposa como se fôssemos leprosos.”
Seus olhos encheram-se de lágrimas.
“O senhor sabe o que eles me disseram? Disseram que eu era má
influência na igreja, que eu havia dado mau testemunho perante o
mundo. Se eu não pedisse exclusão da igreja, eles me
excomungariam a fim de manter o padrão de santidade.”
“Em seguida”, o moço hesitou um pouco, antes de atirar estas
palavras, “disseram que sempre nos amariam, e que continuariam
orando por nós!”
A cabeça do rapaz decaiu-lhe no peito. Estava exausto. Seus
olhos fitavam o carpete.
“Nó» dois sofríamos. Sabíamos, havia anos, que perdêramos
o caminho nalgum ponto. Precisávamos de amor e aceitação, mas
tudo quanto as pessoas nos disseram foi que não estávamos
vivendo de modo adequado; que deixássemos a igreja e parás-
semos de embaraçar os crentes.”
Ele olhou para mim e me perguntou, desesperançado:
“Isso é Cristianismo? Isso é amor?”
Suspirei profundamente. Eis um lamento longínquo daquele de
quem Isaías havia escrito que se especializaria em caniços
esmagados e torcidas fumegantes, apagadas.
As pessoas da comunidade religiosa a que Neil pertencera
estavam queimadas espiritualmente, pastoreadas por alguns
descendentes do “irmão mais velho” — isto é trágico — e não
sabiam disso. Proclamavam uma distorção repugnante do
evangelho, torcendo as Escrituras, como se estas declarassem que
a aceitação diante de Deus depende de nosso desempenho, de
nosso comportamento.
A mensagem daquela comunidade era: se você agir direito, terá
aceitação diante de Deus e de sua igreja; se você for um fracasso,
submeta-se à rejeição divina, que é endossada e executada por sua
igreja.
Aquelas pessoas não compreendiam o amor ágape de Deus.
Cada qual tentava ganhar a aceitação divina comportando-se
melhor do que seu vizinho de banco. Quando um irmão da igreja
falha, surge um espírito malvado disfarçado de piedade que diz:
“Não sou como as pessoas que fazem coisas tão erradas, tão
repugnantes.” Quem pensa assim só conhece um jeito de tratar
com o ofensor: rejeição e expulsão! E preciso manter a imagem de
que merecemos a aceitação de Deus, à qual temos direito pelo
nosso procedimento.
O mundo que nos observa não se surpreende diante da maneira
áspera e maldosa com que a igreja disciplina seus membros
faltosos. O único evangelho que ouviram é que ser cristão constitui
questão de enquadrar-se num comportamento incrivelmente bom.
Segue-se, portanto, que aqueles que não atingem esse padrão
devem ser descartados.
Acenando com sabedoria, muitas pessoas do mundo se con-
gratulam mais uma vez porque nunca se misturaram com
membros de igreja briguentos, amantes de discussões violentas.
Outras pessoas meneiam a cabeça com tristeza, sabendo, nas
profundezas de seu coração, que Deus não é assim. Deve existir
alguém que repara caniços quebrados e reacende pavios
queimados.
Tampouco Neil tinha razão; sua fúria e amargura estavam
erradas. Contudo, ele se sentia desesperadamente solitário no
espírito, e o povo da aliança de Deus o havia tratado como se fosse
um cão miserável, um pária. E difícil crer que Deus nos ama
quando o povo dele nos rejeita.
Há muitos outros irmãos e irmãs em Cristo que vivem em
solidão, tremendo, que não pecaram mas se tomaram vítimas de
líderes eclesiásticos famintos de poder, os quais entendem que a
igreja é uma ditadura a ser exercida em nome de Deus. Tais falsos
pastores definem a espiritualidade como obediência cega,
irracional, às exigências pastorais. Muitos crentes sinceros foram
apanhados em tais comunidades, acreditando que ali estaria o
caminho para a maturidade cristã.
Depois de algum tempo, tomou-se óbvio para tais crentes que se
lhes pedia que agissem contrariamente àquilo que liam nas
Escrituras, e ao que o Espírito testemunhava em seu coração.
Recusaram-se, então, a obedecer ao modo de vida que estava sendo
impingido pelos presbíteros e pastores, e por isso foram expulsos,
depois de devidamente etiquetados como in- submisos e rebeldes.
Os amigos deles foram advertidos para que evitassem esses
rebeldes sob pena de virem a sofrer a mesma punição, por
associação.
Essas ovelhas feridas não tinham para onde voltar-se. Acham
que as pessoas em quem confiavam como representando a voz do
próprio Deus cortaram-nas da comunhão com Deus e sua igreja.
Agacham-se no mato, nas fímbrias da igreja, temerosas,
indispostas a confiar em outros presbíteros, pastores e
comunidades.
Houve também Elizabeth. Fora educada dentro de um grupo
extremamente rígido que acreditava que a aceitação da parte de
Deus e a maturidade espiritual dependiam da observância de
preceitos.
Ela olhava ao redor, nos domingos de manhã, nas reuniões da
igreja, todas as pessoas envergando suas melhores roupas
domingueiras, sorrindo, murmurando palavras de saudação
mútua, salpicando a conversa com discretas manifestações de
"Deus é bom", “graças a Deus”, e “Aleluial" Entretanto, Elíza* beth
sabia bem, por freqüentar os lares dessas pessoas nos dias de
semana, que tudo não passava de uma grande farsa.
Ali estavam pessoas solitárias, confusas e magoadas, que
temiam confessar seus verdadeiros sentimentos àqueles a quem
chamavam de amigos. Haviam sido ensinadas que os bons crentes
não entretêm maus pensamentos, nem se sentem como se às vezes
fossem desistir de tudo, em desespero. Assim, cada alma solitária
escondia-se atrás de uma máscara que, assim julgava o sofredor,
tomaria a pessoa mais aceitável e mais amada pelos demais
membros da congregação. Por medo de rejeição, não se atreviam a
compartilhar as feridas purulen- tas ocultas sob a máscara.
Muitos anos depois, Elizabeth disse-me que tinha desejado
erguer-se e dizer:
— Olhem, eu não sou a crente boazinha que vocês pensam que
eu sou! Sou orgulhosa, grito com meus filhos e, muitas vezes, nutro
ressentimentos contra o meu marido. Odeio esta cidade e arrasto-
me para vir aos cultos, aos domingos, porque na verdade não tenho
vontade de vir. Vivo com a constante preocupação de que não
conseguirei pagar minhas contas. Agora que vocês conhecem o meu
verdadeiro eu, vocês ainda me amam?
Entretanto, em vez de dizer alguma coisa parecida com isso,
Elizabeth continuava a sentar-se naquela solidão que milhares de
pessoas chamam de comunidade, congregação... uma cana
quebrada sentada entre outras canas quebradas, todas fingindo que
cantam louvores a Deus.
Um dia, ela não agüentou mais aquela hipocrisia. Ela disse
àquelas pessoas que desejava uma vida social normal, e um
ambiente em que pudesse falar honestamente, sem medo de
rejeição. Elizabeth perambulara durante anos, temerosa das
pessoas que se auto-entitulavam cristãs. A grande tragédia era que
ela acreditava que ao abandonar o que entendia ser a igreja, estaria
abandonando a Deus.
Após a saída de Elizabeth, todos os membros da igreja louvaram
a Deus porque uma falsa crente havia sido desarrai- gada, e
disseram que, em vista da saída dela, poderiam viver vidas mais
santificadas. Reajustaram as máscaras nos rostos e asseguraram
entre si que jamais tomariam o caminho que ela havia escolhido.
Elizabeth se tomara uma cana esmagada durante muitos anos,
até que um dia descobriu a graça de Deus.
O fariseu não tinha lugar, em sua teologia, para o fracasso. É aí
que as canas esmagadas e as torcidas fumegantes sofrem o
desespero da solidão e rejeição. São arrastadas ao desamparo total;
contudo, sua rejeição por parte dos fariseus, embora magoe
profundamente, na verdade é bênção de Deus!
Se Elizabeth conhecesse o verdadeiro evangelho teria percebido
que, ao parar de freqüentar aquela comunidade em particular,
Deus na verdade a estava conduzindo ao descanso e à alegria que
se encontra quando se confia naquele que ressuscitou, em vez de
confiar em preceitos religiosos forjados pelos homens.
Diga-se o mesmo a respeito de todos os que têm sofrido às mãos
dos ditadores eclesiásticos. Aquelas mãos que tão perversamente
expulsaram agora podem ser vistas como mãos de Deus
disfarçadas, promovendo a atmosfera em que a graça de Deus pode
ser usufruída. Deus graciosamente arrancou a cana quebrada do
cativeiro dos preceitos externos, a fim de esse sofredor poder gozar
da vida no Espírito.
Você é uma cana quebrada? Você foi considerado torcida
fumegante pelos seus irmãos? O que é esse lugar de onde você foi
expulso. .. um ambiente de tentativas constantes de viver de
acordo com uma lista de preceitos que nada têm que ver com as
Escrituras, impostas sobre você por um conselho eclesiástico que
não conhece a graça de Deus... um clima em que a espiritualidade
é medida segundo a submissão irracional, à obediência cega aos
presbíteros? Você não foi expulso. .. você foi salvo! Olhe além da
fúria eclesiástica e de todas as feridas infligidas durante o processo
de expulsão, em que a pessoa deixou amigos e a comunidade. Deus
está levando-o a ver que o modo de caminhar ao seu lado não é
mediante uma lista de regras impostas de fora, mas mediante a
vida interior e os apelos do Espírito Santo.
Que alívio! Embora alguns dos filhos de Deus mal orientados o
tenham atirado fora, como caniço inútil, e retirado seu nome do rol,
como se você se tivesse queimado espiritualmente, como
ae você fosse um pavio inutilizado, Deus, contudo, não agiu
assim. Diz ele: “Agora você está pronto para permitir que Cristo
seja a sua vida.
“Mas”, objeta alguém, “eu pequei de verdade, e não consigo
imaginar que Deus me perdoaria; eu era crente quando pequei, e
tinha conhecimento das coisas.”
Davi era, inquestionavelmente, uma das ovelhas de Deus. Os
salmos que ele escreveu tomaram-se os hinos de Deus entre os
homens. Ele havia experimentado muita coisa dessa vida, e
acabara de entrar nos seus cinqüentas.
Um de seus vizinhos era Urias, que estava entre os seus mais
leais e devotados soldados. Haviam sido amigos durante muitos
anos, desde aqueles tempos remotos quando viviam no deserto, e
os homens de Saul procuravam matá-los. Naqueles dias e muitas
vezes a partir de então, Urias havia arriscado a própria vida por
Davi.
Enquanto Urias estava fora, lutando na vanguarda, Davi
iniciou um relacionamento adulterino com Bate-Seba, esposa de
Urias. Quando Davi descobriu que uma criança haveria de
nascer por causa desse relacionamento, não havendo jeito de
encobri-lo, planejou a morte de seu amigo. Após a morte de
Urias, houve uma semana de luto público e, em seguida, Davi
casou-se com Bate-Seba.
Houve mexericos por todo o Israel. Davi transformara-se
numa cana que já não produzia a música de Deus. Para todos
quantos souberam do que havia acontecido, Davi se tomara um
embaraço, o mau cheiro de uma torcida fumegante. Entretanto, o
prazer de Deus é apanhar canas esmagadas e transformá-las
outra vez em instrumentos bem afinados para sua orquestra.
Durante um ano Davi permaneceu a sós, espezinhado pelo
seu próprio pecado. Veio a expressar o que sentira naqueles dias,
ao descrever suas emoções num salmo:
“Enquanto calei os meus pecados, envelheceram os
meus ossos pelos meus constantes gemidos todo o dia.
Porque a tua mão pesava dia e noite sobre mim; e o
meu vigor se tornou em seguidão de estio.”
(Salmo 32:3,4)
Em seguida, Natã, o profeta, veio confrontar Davi com o seu
pecado, a causa de sua mágoa. Nessa época, Davi abriu o coração
no Salmo 51. Por todos os versículos, por todas as estrofes do salmo,
uma coisa se salienta: Davi está completamente confiante em que,
a despeito de tudo quanto fez, Deus ainda o ama e continua a seu
lado.
Não havia perdão na lei de Moisés para o adultério, nem para o
assassinato, de modo que a lei o condenava sem misericórdia. O
povo espalhava intrigas, dizendo que Deus o havia posto fora.
Entretanto, Davi enxergava além de todas as condenações, viu
Deus, e ousou crer que o Senhor o amava infinita e eternamente.
Foi a esse amor que Davi apelou ao escrever:
“Compadece-te de mim, ó Deus, segundo a tua
benignidade e, segundo a multidão das tuas
misericórdias, apaga as minhas transgressões.”
(Salmo 51:1)
Um dos versículos mais espantosos dessa oração é o de número
11: “Não me repulses da tua presença, nem me retires o teu Santo
Espírito.” Davi sabia que Deus não o tinha jogado fora, e que o
Espírito Santo ainda estava nele. Não importava o que as pessoas
diziam: Davi descansava naquele Deus cujo amor não o lançara
fora.
Você está magoado, solitário, cheio de sentimentos de culpa?
Considerando tudo quanto as pessoas estão dizendo a seu respeito,
pode ser difícil acreditar-me, mas seu primeiro passo deve ser
acreditar que você é amado. Você precisa entender que falhou, mas,
tendo falhado, precisa saber que Deus diz que o aceita.
Antes de a graça de Deus apanhar nossos erros e transformá-los
em forças, é preciso que haja uma resposta a ele. Tal resposta é o
arrependimento e a fé.
O arrependimento é simplesmente a mudança de nossa mente a
nosso próprio respeito, e de nossas ações. Passamos a ver as coisas
com os olhos de Deus. Significa que admitimos a Deus que estamos
errados, e voltamo-nos, em nosso desamparo, para ele. Se
escolhemos o caminho do pecado, recusando-nos a reconhecer o
pecado, não podemos esperar a redenção de nossos fracassos, mas
apenas uma composição de desespero.
Paulo tratou disso de maneira fulminante em Romano* 6:1,2:
“Que diremos, pois? Permaneceremos no pecado, para
que seja a graça mais abundante? De modo nenhum.
Como viveremos ainda no pecado, nós os que para ele
morremos?”
A fé reage ao amor de Deus e seu perdão, que nos pertencem,
na obra redentora de Jesus, quando ele morreu e ressuscitou. Fora
de Cristo só existe desespero por causa do fracasso. O cristão
contempla suas derrotas e erros, e volta-se para o perdão total de
Deus e para a obra redentora de Cristo, que agora mora dentro
dele. A fé ousa afirmar que Deus transforma os buracos negros de
nossa vida nos alicerces de seu edifício mais lindo.
Sou um jardineiro orgânico, o que significa que estou conti-
nuamente trabalhando na terra, onde vicejam minhas hortaliças.
Para fazer isso, vou juntando todas as sobras da cozinha, qualquer
lixo que se decompõe, e vou colocando tudo num monte
decomposto. Ao longo de meses, esse monte de refugos toma-se o
terreno mais rico de meu jardim.
É assim que Deus apanha todo o refugo de nossos erros e,
mediante sua graça, transforma tudo no solo mais forte e mais rico
de nossa vida.
Desconsidere a condenação que as pessoas vão amontoando em
cima de você; em vez de preocupar-se, acredite no perdão que agora
lhe pertence em Cristo. Deus não se mostra indulgente para com o
pecado; contudo, lamentar-se em culpa e condenação, pisoteando o
perdão que Jesus comprou para nós, é acrescentar pecado sobre
pecado. Lembre-se das palavras das Escrituras: “Ao que Deus
purificou não consideres comum” (Atos 10:15).
A esta altura, permita que a fé dê um passo gigantesco e
perceba que, em todas as circunstâncias que o conduziram até
aqui, Deus esteve operando. Existe um diabo real, mas Deus, em
sua soberania, obra todas as coisas. A fé enxerga através das
circunstâncias a presença de Deus e sua atividade em tudo. E
difícil compreender que Deus opera através da mágoa, quando é
você o magoado... mas ele está operando!
Uma das primeiras coisas que um fariseu diz a uma cana
quebrada diz respeito a todas as coisas boas que poderiam ter sido
obtidas se a pessoa houvesse tomado a decisão certa. O modo de ele
olhar diz que agora não há mais recurso... não há mais futuro,
depois do que você fez. Se você continua com Deus, será por conta
da vontade secundária e permissiva de Deus.
Esta é a conclusão lógica do legalismo. Se você tivesse observado
as regras, tudo teria saído bem; já que você não as guardou, esse
fato o deixou cheio de tristezas e sem nenhuma esperança.
“Se você tivesse” e “todas as coisas boas que poderiam ter sido
obtidas” são expressões inexistentes no vocabulário de Deus. O
agora cheio de pulsações, com todos os seus problemas e mágoas, é
a única realidade. Cristo não vive e não se expressa no mundo de
desejos e sonhos, mas em nossa história real, presente. Nossos
erros e fracassos não o expulsam! Ele transforma todas as coisas
negativas da vida em expressões de resposta positiva dele mesmo.
Ele não diz: “Que teria acontecido se. ..” mas pergunta: “Que
faremos agora?”
O livro de Provérbios descreve o tolo e o preguiçoso como pessoas
cujos olhos estão sempre postos no horizonte, nunca nas coisas que
acontecem agora. O homem sábio, por outro lado, sabe que não
existe o “como poderia ter sido” e, por isso, atraca-se com a vida
como a vê de imediato.
Sei por experiência própria o que é sentar-se à beira das crateras
da vida e inalar os vapores sulfúricos das derrotas, dos fracassos e
do pecado. Tenho estado furioso contra mim mesmo, sabendo que
sou responsável por minhas decisões tolas, minhas ações erradas.
Acima do clamor de meus pensamentos, ouço a mim mesmo
dizendo: “Se eu não tivesse feito isso e aquilo...” ou: “Como seriam
as coisas hoje se eu tivesse agido de modo diferente?”
Tudo dentro de mim deseja participar da conversa íntima,
concordar comigo, e discutir o que poderia ter acontecido. Em vez
disso, aceito a responsabilidade do que fiz e que poderei reparar. O
fato é que já fiz o que fiz, agi da forma como agi, e disse o que disse.
Viver no mundo da fantasia do “Se eu pudesse..." paralizará em
mim o mundo real do agora. Retirar-me para dentro do mundo do
“como poderiam ser as coisas se. . a p e n a s infeccio- nará mais
ainda os ferimentos de meu espírito.
Além disso, espojar-se nessa lama do mundo de fantasia só
difama o caráter de Deus. Ele sabia desde a fundação do mundo o
que diríamos e faríamos. Sabia que nos tornaríamos canas
quebradas no processo de manuseio; no entanto, ele nos amou,
sabendo de tudo isso.
Agora que o fracasso se materializou na história, Deus não
deixou de amar-nos. Dizer “se eu não houvesse.. ” é colocar Deus ao
lado dos deuses finitos dos pagãos, deuses que se surpreendem com
as atividades de seus adoradores.
A maravilha da sabedoria ágape de Deus é que apanha os
nossos erros e tece-os, incorporando-os em seus planos. Um
versículo a que não se presta atenção nas Escrituras está na
genealogia de Jesus, conforme registro de Mateus, no primeiro
capítulo. Ao chegarmos ao nome de Salomão, naquela lista, o
Espírito Santo faz uma observação especial: sua mãe chamava- se
Bate-Seba.
E como se Deus estivesse dizendo: “Vejam, não fico frustrado
pelos pecados de meu povo; em vez disso, uso seus erros,
incorporando-os em meu plano. Mediante a pior ação de Davi, que
transformei, tomei-a e dela fiz um veículo para trazer meu Filho ao
mundo.”
O evangelho não é apenas mensagem de perdão, mas de
esperança, de que Deus transformará o pior no melhor. Diz-nos o
evangelho que Deus agora está operando em nossa situação, como
somos, onde estamos, a fim de dar glória ao seu nome. Deus não se
mostra indulgente para com o pecado, e tampouco interrompe seu
plano, reclamando: “Ah! se ele houvesse visto onde eu queria
chegar!”
Que diremos do lamento do fariseu? tem ele razão? será que
nosso fracasso ou erro nos excluiu do melhor plano de Deus? 0 que
deveríamos estar perguntado é: “Poderia o Deus infinito e perfeito
ter outro plano senão o absolutamente bom?”
Há muitos caminhos conducentes à consumação do plano de
Deus para nós, mas todos esses caminhos são os melhores, porque
estamos operando com um Deus que é superlativamente o melhor.
Em parte nenhuma das Escrituras encontramos menção de uma
vontade permissiva de Deus.
Vamos supor que estou viajando de Recife para São Paulo.
Há uma mudança de avião no Rio de Janeiro; entretanto, por causa
das condições atmosféricas, perco a conexão. Não estou, só por isso,
condenado a passar o resto de minha vida no aeroporto do Rio. Há
outros vôos do Rio para São Paulo.
Não vou ficar no balcão de atendimento, ou no saguão de
embarque torcendo as mãos e dizendo: “se eu não houvesse perdido
o vôo!” Em vez disso, aceito o fato de que perdi o vôo, e vou tomar
providências para voar no próximo.
É possível que eu tenha perdido a oportunidade de encontrar-me
com a pessoa que se sentaria ao meu lado, e também a refeição que
seria servida. Mas haverá outra pessoa para sen- tar-se ao meu
lado, no próximo vôo, e a companhia aérea servirá uma refeição
comparável.
Quando falhamos, Deus não nos condena a ficar no saguão de
embarque de seu segundo melhor plano. A vida não deve
transformar-se jamais no desespero de ficarmos prisioneiros
daquilo que poderia ter acontecido s e . . . O Deus onisciente,
infinitamente sábio, tem outras maneiras de concretizar seus
planos e propósitos para a nossa vida. Nossos relacionamentos
serão diferentes, nossas circunstâncias mudarão também, mas
atingirão os padrões de sabedoria boa e perfeita de nosso Deus.
CAPÍTULO 15
Esgotamento
Espiritual Repentino

H
á ocasiões em que alguns crentes, que caminham pela fé na
graça e no amor de Deus, de súbito se esgotam
espiritualmente. Todavia, antes não se haviam percebido em
suas vidas nenhum dos fatores que comumente induzem os crentes
a esgotar-se; no entanto, de súbito, esses crentes se cansaram
demais para prosseguir. São crentes diferentes da vela que
gradualmente vai queimando, dá uns estalos e se apaga. São
crentes semelhantes à vela que ardia alegremente e, de repente,
apaga-se; todos se voltam e perguntam: “O que aconteceu?”
Elias foi assim. Quando o vemos no cume de sua carreira, é difícil
deixar de pensar nele como tipo do supercrente, alguém que ocupa
uma classe diferente das demais. E interessante que Elias é o único
crente das Escrituras sobre o qual somos advertidos para que o
consideremos pessoa comum. Elias era homem sujeito às mesmas
paixões que nós, e orou com fervor... (Tiago 5:17).
Pouco sabemos a respeito de Elias. Na verdade, poucas pessoas
souberam algo a respeito dele. Viera das montanhas agrestes,
solitárias, de Gileade, onde seu único companheiro era o Deus da
aliança. Ele confiava nas palavras que o Senhor se comprometera a
cumprir em prol de seu povo.
De seu retiro distante, nas montanhas, o profeta observava Israel
sendo espoliado espiritualmente por Jezabel, a esposa pagã de
Acabe, rei de Israel. Ela era de Sidom, nação ao norte
de Israel. O casamento havia sido arranjado com o objetivo de
unir ambas as nações.
Jezabel era princesa, da família do rei sidônio Etbaal. Este rei,
em face de seu sangue nobre, atuava também como sumo sacerdote
do culto de Baal. De uma ou de outra forma, Baal (que quer dizer
“senhor”) era adorado em toda Canaã, e até em Tiro e Sidom, ao
norte. Era considerado a fonte da vida e da fertilidade; entre os
povos agrícolas, todas as colinas e montanhas eram dedicadas aos
ídolos de Baal.
Em Sidom, esse deus era conhecido como Baal Melkart.
Consideravam-no o deus do fogo e do poder, sendo seu símbolo um
machado de guerra. Sua deusa e esposa chamava-se Aserá. Baal
também era considerado fonte da fertilidade e de tudo que fosse
necessário para que as colheitas se tomassem boas e os animais se
multiplicassem. Numa comunidade agrícola, a adoração de Baal
significava a promessa de colheitas abundantes, e muito gado, o
que também queria dizer riquezas e poder.
Estando a ênfase dessa religião na força e na fertilidade, seguiu-
se a obsessão pelo sexo. Os templos de Baal e de Aserá eram
servidos por exércitos de sacerdotes e sacerdotisas. Estas atuavam
como prostitutas sagradas durante os cultos àquelas divindades.
Baal Melkart era sinônimo de todas as formas de imoralidades e
desvios sexuais, de materialismo e luxúria. Quando Jezabel foi
escolhida como noiva de Acabe, rei de Israel, ela determinou que
haveria de entregar seu marido e o povo de Israel como sacrifício a
seus deuses.
Quando o casamento foi celebrado, Israel se encontrava num
ponto muito baixo de sua vida espiritual. Jezabel trouxe “evan-
gelistas” que bem depressa desviaram o povo israelita do culto ao
Deus da aliança. Não demorou muito para que houvesse altares a
Baal em cada colina e montanha.
Logo após chegar a Israel, Jezabel prontificou-se pessoalmente a
sustentar 450 profetas de Baal e 400 de Aserá. Acabe era pessoa
fraca, sem tempo para religião; deixava que a esposa cuidasse
daquilo que ele considerava o “hobby” dela, enquanto ele próprio se
dedicava aos cavalos!
Quando Elias observava esse desastroso cenário e orava, a
Palavra do Senhor veio a ele. No capítulo 28 de Deuteronômio,
Deus relacionara todas as bênçãos que adviriam a seu povo
enquanto este caminhasse dentro da aliança; havia relacionado
também todas as maldições que sobreviriam se o povo abandonasse
a aliança.
Foi revelado a Elias que Israel, por ter abandonado a aliança,
seria visitado com uma dessas maldições e que ele, Elias, seria o
veículo mediante o qual elas sobreviriam. O versículo que lhe
prendeu a atenção foi este:
“Os teus céus sobre a tua cabeça serão de bronze, a terra
debaixo de ti será de ferro. Por chuva da tua terra o
Senhor te dará pó e cinza; dos céus descerá sobre ti, até
que sejas destruído.”
(Deuteronômio 28:23,24)
Quando Elias desceu das montanhas de Gileade e caminhou
pela terra, não havia indicações de que Israel houvesse um dia
adorado outro deus que não fosse Baal. Não existia qualquer sinal
de algum crente no Senhor Deus de Israel, em nenhum vilarejo
pelo qual Elias passasse.
Milhares de crentes estavam espalhados pela terra, escondidos
dos espiões de Jezabel. Aquela mulher fanática condenaria à morte
toda e qualquer pessoa que não se convertesse a Baal. Muitos já
haviam morrido por causa de sua fé.
Personagem-chave na salvação das vidas de muitos profetas do
Senhor era alguém que a própria rainha empregara, Oba- dias,
encarregado do palácio e responsável por tudo quanto nele
acontecesse. Ele escondera uma centena dos profetas de Deus nas
cavernas, e alimentava-os diariamente... provavelmente da cozinha
real!
Elias não dispunha de muito tempo. Era necessário proceder de
modo diferente da atitude adotada pelas pessoas que se haviam
escondido. O nome dele, Elias, quer dizer “o Senhor é Deus”. Numa
sociedade em que todos afirmavam “Baal é Deus”, bastaria
mencionar o nome de Elias para que a luva do desafio fosse atirada,
desafio a todos quantos ousassem pronunciar o nome de outro deus.
A atitude dele era um tanto arrogante: “Já que eles preferiram
esconder-se, vou enfrentar a nação idólatra sozinho.”
Foi ao palácio e apresentou-se diante de Acabe, anunciando: “Tào
certo como vive o Senhor, Deus de Israel, perante cuja face estou,
nem orvalho nem chuva haverá nestes anos senâo segundo a minha
palavra” (1 Reis 17:1).
Ao falar perante Acabe, Elias revelou um pouco dos temores que
haveriam de constituir sua queda, numa fase crítica de sua vida.
Por que não enfrentou ele Jezabel? Ela era a sacerdotiza- mor da
religião vil que causara a maldição. Acabe não quis intrometer-se
nesses assuntos. É possível que Jezabel não houvesse recebido a
notícia da visita de Elias ao palácio real senão muito tempo depois.
De acordo com a palavra do profeta, as chuvas cessaram, e lá em
cima o sol escaldante brilhava semana após semana. As colheitas
começaram a murchar, a falta de água tomou-se um problema.
Numa terra em que as pessoas se haviam consagrado a um deus
que afirmava ser responsável pela chuva, pela luz solar e pelo
crescimento das colheitas, a natureza dessa maldição chegava a ser
humorística.
Guiado pela voz de Deus, Elias recebeu proteção divina no
ribeiro de Querite, em que os corvos lhe traziam alimento de
manhã e à tarde. Dali, o Espírito o guiou à terra de Sidom, à fonte
de Baal Melkart; e na cidade de Zarefate Elias recebeu provisão
miraculosa — bem como uma viúva e seu filho.
Depois de três anos e meio de seca por toda a terra, veio a Elias
a Palavra do Senhor, orientando-o quanto ao próximo passo. O
povo sentira a força da maldição, que demonstrara a impotência de
Baal para produzir chuva — e agora esse povo precisava ser
reconduzido à fé no Deus vivo.
Segundo os registros da Bíblia, seria verdade afirmar que Elias
não tinha medo de nada e de ninguém. Havia chegado das
montanhas e permanecido fiel diante de uma nação apóstata;
intimorato, pronunciou a maldição diante de Acabe e viveu durante
três anos e meio de fome sem qualquer temor... confiante no
suprimento de Deus.
Finalmente, Elias chegou ao maior desafio de todos os tempos.
Algo que exigia destemor sobrenatural. Ele deveria desafiar a
religião de Baal Melkart diante de toda a nação. O lugar era o
monte Carmelo, montanha muito alta na costa mediterrânea, que
se tomara centro do culto a Baal.
Elias dirigiu-se a Israel e encontrou-se com Obadias. De-
monstrou certo menosprezo pelo homem que não se havia declarado
crente em Deus, no palácio real. O fato de Obadias haver
alimentado os profetas de Deus pouco significava para Elias. Ele
ordenou a Obadias que levasse um recado a Ácabe, exigindo que o
rei viesse ao seu encontro. Elias deixou bem claro que era ele e não
Acabe quem estava controlando a situação. Deve-se observar que
ele não convidou Jezabel.
Os dois homens, Elias, vestido de um manto de lã, e Acabe,
envergando trajes finíssimos, palacianos, encontraram-se num
lugar escolhido por Elias. O profeta deu ordens a Acabe: todo Israel
deveria reunir-se no monte Carmelo, ao lado dos 450 profetas de
Baal e das 400 profetizas de Aserá.
Acabe desprezava o profeta, mas, surpreendentemente, obe-
deceu-lhe as ordens! A mensagem foi divulgada. E possível que
Jezabel tenha ficado furiosa ao saber que seu fraco marido
obedecera ao profeta. E significativo que ela não tenha vindo, e
tampouco as 400 profetizas sob sua liderança imediata. Todas as
demais pessoas compareceram.
Elias ficou só, como sempre acontecera. A multidão de Israel
juntou-se na montanha, próxima ao rei sentado em seu trono real, e
os profetas de Baal ataviados em vestes brancas e chapéus.
Sentiam-se muito à vontade naquela montanha onde tantas
convenções de sua religião se realizaram.
Alguém poderia perguntar: “Onde estão os milhares de crentes?”
Era a pergunta que Elias havia feito mais de uma vez, enquanto
perscrutava a cena diante dele. Este não era um dia próprio para
esconder-se em cavernas, comer alimentos levados secretamente da
cozinha de Jezabel. Não era dia de orar por detrás de portas
trancadas. Este era o dia de levantar-se e ficar ao lado de Elias.
Contudo, nesse dia Elias era o único representante do Deus da
aliança, enfrentando uma nação inteira de adoradores de Baal e
seus sacerdotes fanáticos. No comando da situação, o profeta atirou
seu desafio:
“Elias se chegou a todo o povo, e disse: Até quando
coxeareis entre dois pensamentos? Se o Senhor é Deus,
segui-o; mas se é Baal, segui-o. Porém, o povo nada lhe
respondeu. Então Elias disse ao povo: Só eu fiquei dos
profetas do Senhor, mas os profetas de Baal são
quatrocentos
e cinqüenta homens. Dêem-se-nos dois novilhos.
Escolham eles para si um dos novilhos, e o dividam
em pedaços, e o ponham sobre a lenha, porém não
lhe metam fogo. Eu prepararei o outro novilho e o
porei sobre a lenha, e não lhe meterei fogo. Então
invocai o nome do vosso deus, e eu invocarei o
nome do Senhor. O deus que responder por meio
do fogo, esse é que é Deus. E todo o povo
respondeu: E boa esta palavra.”
(1 Reis 18:21-24)
Ao transformar a descida de fogo dos céus em desafio, o profeta
Elias estava enfrentando tudo o que Baal Melkart representava.
Ele era o deus do fogo! O deus do sol, doador de vida! Que se
mostrasse agora pelo que era. Nos templos de Baal, os sacerdotes
costumeiramente acendiam fogos nos altares mediante mecanismos
embutidos nos próprios altares. Aqui, ao ar livre, Elias propõe uma
demonstração real do deus deles.
Os sacerdotes de Baal iniciaram suas danças frenéticas,
contorcendo-se e girando, acompanhados por rugidos e gritos. À
medida que as horas se passavam, iam-se retalhando com facas, até
que o sangue fluía abundantemente. Elias estava de lado, sem
medo, mofando deles em alta voz.
“.. .Clamai em altas vozes! Pois ele é deus! Talvez
esteja pensando, ou tenha alguma coisa que fazer,
ou que intente alguma viagem. Talvez esteja
dormindo, e necessite que o desperte.”
(1 Reis 18:27)
Elias permitiu que prosseguissem naquilo até “passado o meio-
dia”, hora em que o sacrifício da tarde estaria sendo oferecido ao
Senhor em Jerusalém, em seu templo. Então o profeta edificou um
altar ao Senhor e nele colocou o sacrifício. Ordenou que muitas
vasilhas de água do mar ali perto fossem despejadas sobre o
sacrifício — ninguém poderia dizer que o fogo adviria mediante
truque. A oração do profeta foi simples e curta; e foi respondida
imediatamente, com fogo que consumiu o sacrifício e transformou a
água em vapor.
O povo entusiasmou-se e gritou: “O Senhor é Deus! O Senhor é
Deus!” Os profetas tentaram escapar, mas foram capturados e
executados pessoalmente por Elias, de acordo com a justiça própria
daqueles dias — pelo crime de induzir a nação ao erro, extraviando-
a, e pela multidão de crentes que haviam condenado à morte.
Contudo, Elias ainda não terminara. Ele se dirigiu ao cume do
monte Carmelo para orar. Enviou seis vezes seu servo para que
procurasse sinal de nuvens de chuva, porém, cada vez que o jovem
voltava dizia que só havia enxergado a vasta expansão azul. Porém,
na sétima vez ele voltou com a novidade de que havia uma nuvem
do tamanho da mão de um homem.
Elias sabia que sua oração fora respondida. Disse a Acabe, que
se deliciava num pique-nique real, que voltasse rapidamente para o
palácio, ou seria apanhado pela tempestade. O Espírito sobrevio a
Elias, que se pôs a correr com tal velocidade que ultrapassou a
carruagem de Acabe.
Corra com Elias, sinta os cabelos esvoaçando na nuca, a chuva
no rosto! O Senhor demonstrou que é Deus! Ele fez parar a chuva,
enviou fogo, e agora envia chuva novamente. As plantações
crescerão e todos darão glória a Deus, sabendo que Baal nada tem
que ver com isso. A mente dá saltos à frente, enquanto você corre
na direção de Jezabel!
Você sabe que Israel derrubará todos os altares de Baal, as 400
sacerdotisas ausentes voarão de volta a Sidom, e talvez Jezabel irá
com elas? E se Jezabel se arrependesse publicamente, e convocasse
a nação para segui-la no serviço ao Senhor de maneira tão intensa
como havia servido a Baal? Sua corrida incrível para o centro da
cidade seria uma celebração de alegria ao Senhor.
No triunfo daquele momento, Elias ficou física e emocional-
mente exausto; é possível que, por causa das emoções daquele dia,
ele não estivesse consciente de sua situação. Embora seu organismo
exigisse sono, este era impossível agora.
E quase certo que Elias, tendo de preparar-se para o confronto
no monte Carmelo, não houvesse dormido na noite anterior. Ele
teve de viver aquele grande dia sob um sol escaldante, e todas as
enormes tensões que o acompanharam. Embora tivesse confiança
no que Deus haveria de fazer, Elias experimentava tremendo
estresse.
O pianista que dá concertos, embora esteja completamente
confiante em sua habilidade artística, sofre freqüentemente a
tensão que antecede cada espetáculo. O pastor pode ministrar com
facilidade e calma pela unção recebida; porém, depois, seu corpo
estará exausto pelo esforço de ficar perante o público.
Os momentos elevados que se seguiram imediatamente após a
descida do fogo dos céus sobre o altar, quando a multidão
prorrompeu num entusiasmo selvagem... ele sabia que isso
aconteceria; todavia, o acontecimento seria marcado por todas as
emoções, tanto em seu corpo como em sua alma.
A tarefa de executar pessoalmente os 450 profetas lhe exau-
riram as forças mais do que Elias conseguia perceber. As roupas
que vestia, cobertas de sangue daqueles profetas, e os braços
cansados de tanto brandir a espada, seriam suficientes para fazer
uma pessoa meter-se na cama, completamente exausta.
Entretanto, Elias foi apanhado pela celebração nacional da vitória
que conquistou. Ele correu na direção de Jezabel, sem perceber que
estava exausto.
Acabe informou a Jezabel o que acontecera. Os profetas dela não
apenas haviam perdido a disputa com Elias: estavam todos mortos
pela mão do vencedor. Jezabel foi tomada por um acesso de ódio e
fez um voto com Baal: Elias morreria da mesma maneira que os
profetas morreram — dentro de 24 horas — ou Baal a mataria!
Jezabel enviou uma mensagem em papel protocolar real a Elias,
ao local onde o profeta se hospedara, dizendo: “Assim me façam os
deuses, e outro tanto, se até amanhã a estas horas eu não fizer a
tua vida como a de um deles” (1 Reis 19:2).
Quando Elias leu a mensagem, o mundo se lhe desmoronou. À
semelhança do vento que apaga a chama da vela, as palavras de
Jezabel engolfaram-no numa escuridão em que, subitamente, nada
fazia sentido.
As poucas palavras da mensagem da rainha como que continham
volumes e mais volumes de ameaças para a mente cansada de
Elias. Jezabel não havia reagido como ele acreditava que haveria de
reagir. Estava fora de dúvida que, mesmo após os eventos
miraculosos que aconteceram no monte Carmelo, ela ainda
acreditava em Baal!
Ela também continuava não enxergando que a nação se havia
arrependido e voltado em fé para o Senhor. Na mente de Jezabel, o
povo ainda cria em Baal Melkart, e na autoridade da rainha como
sacerdotisa-mor.
Se ela houvesse acreditado, durante um minuto que fosse, que a
nação se voltara de novo para o Senhor, não teria jurado matar o
herói nacional dentro de 24 horas. Para ela, o Carmelo era apenas
um incidente, um transtorno passageiro em seus planos, e nada
mais.
Elias leu a mensagem de Jezabel e acreditou no seu conteúdo.
De súbito, o Carmelo pareceu-lhe coisa de muito tempo atrás,
quase um sonho. Minutos antes ele estivera dominado pela euforia
de ver-se tomando parte na celebração em que o povo voltava, em
massa, à aliança com Deus.
Agora, os acontecimentos da montanha pareciam um pique-
nique incomum de escola dominical. Tudo estava acabado, e agora
a vida retomaria seu ritmo normal. Os líderes que, segundo ele
acreditava, estariam clamando a Deus por misericórdia, na
verdade estavam convocando os guardas para caçar o profeta e
matá-lo.
Elias desesperou-se. Aquilo por que trabalhara durante anos
entrou em colapso diante de seus olhos cansados. Tinha alimentado
a certeza de que Baal seria banido para sempre depois daqueles
fatos. Contudo, à luz da mensagem recebida, Baal estava ali para
permanecer! Esse pensamento abriu a porta de sua mente para
outros mais sombrios.
Por que aquele triunfo se havia convertido em tão grande
derrota? Elias se lembrou com amargura de todos os crentes que
não lhe apoiaram. Haviam estado ao redor de uma fogueira
naquela noite, sentadinhos, louvando a Deus por uma vitória para
a qual não haviam sequer erguido um dedo. Elias sentiu grande
furor contra a covardia e arrogância daqueles que chamavam a si
mesmos de profetas. Fugiram como baratas para seus buracos
escuros, quando surgiu a perseguição. Ele era o único profeta de
que Deus dispunha — “eles vão matar- me, e não restará nenhum
profeta.”
“Se todos os que diziam ser crentes me houvessem apoiado no
Carmelo, Jezabel teria entendido que os dias de Baal haviam
chegado ao fim, mas na verdade ele está rindo do homem que veio
das montanhas de Gileade.” Todos aqueles pseudo-crentes o
tinham abandonado, deixando-o sozinho a cuidar do inimigo.
Entretanto, a fúria de Elias não terminava com os crentes. Onde
estava Deus em tudo isso? Será que Deus não se importava com o
fato de seus altares estarem derrubados e seu povo escravizado por
Baal? Por que é que Deus não banira Jezabel? Elias acabou
achando que ele era a única pessoa nos céus e na terra que se
importava, realmente, com o triunfo da justiça em Israel.
“Sou a única fortaleza de Deus fincada em Israel, mas o inimigo
vai matar-me. E Deus nada faz!” Se Elias se sentira solitário no
monte Carmelo, agora ele se sentia completamente abandonado,
enquanto sua mente cansada se entregava à escuridão.
Porém, essa torrente de pensamentos negativos tinha uma
parcela de verdade. Todavia, dois dias antes ele teria visto toda a
situação sob uma luz e uma perspectiva completamente diferentes.
Para começar, o Elias de ontem teria rido do bilhete enviado por
Jezabel, sabendo que Deus era seu escudo, seu protetor pessoal.
Jezabel não poderia tocar no servo de Deus sem a permissão
divina! E se Deus concedesse permissão, atribuindo a seu servo a
honra do martírio, Elias morreria em triunfo.
O profeta teria percebido também a bazófia de Jezabel. Se ela
sabia para onde devia enviar o recado, por que dar-se ao trabalho de
dizer a Elias que o mataria dentro de 24 horas? Por que não enviou
de vez um assassino, em vez de um mensageiro? Será que ela
estava apostando em que Elias ficaria com medo e fugiria, evitando
assim um confronto direto?
Imerso na escuridão que o engolfara, Elias agiu como nunca
antes em sua vida. Elias teve medo, e correu para salvar a sua
vida... (1 Reis 19:3).
Fé é a reação responsiva à revelação de Deus, em nosso coração;
medo é a reação responsiva aos dados recolhidos pelos cinco
sentidos, em certa situação.
Ao lado do medo, a amargura de Elias contra os que o haviam
abandonado tomou conta de sua mente. O profeta deixou Israel nas
mãos de Jezabel. Dera anos de sua vida a fim de livrar o povo de
Deus do poder de Baal, e agora estava jogando tudo fora A fim de
correr e salvar a própria vida. No que dependesse dele, os apóstatas
e os covardes mereciam-se mutuamente: que fossem todos para o
inferno!
A convocação de Deus, que lhe atribuiu uma obra, foi esquecida.
Ele precisa cuidar de si mesmo. “Todos os assim chamados crentes
podem continuar sentados em suas cavernas e começar a orar,
pedindo outro libertador que lute sozinho! Eu vou dar o fora!”
O servo de Elias o acompanha, mas em Berseba, na fímbria do
deserto, o profeta quer ficar totalmente só. Acha que todas as
pessoas constituem peso para ele, companhia penosa, motivo de
aborrecimento. Até mesmo a presença de seu servo o perturba;
Elias o manda embora antes de mergulhar no deserto sozinho.
Sente o que Davi havia sentido centenas de anos antes:
“O meu coração está angustiado dentro em mim; os
terrores da morte me sobrevêm. Temor e tremor me
apertaram; o horror me cobriu. Eu disse: Ah! quem me
dera asas como de pomba! Voaria, e estaria em descanso.
Fugiria para longe, e pernoitaria no deserto.” pr (Salmo
55:4-7)
Elias perambulou sentindo o calor do deserto, com os pés
ardendo na areia escaldante, completamente sozinho, exceto a
companhia das serpentes e dos escorpiões escondidos sob as rochas.
Quando o sol começou a declinar, o profeta chegou a um oásis;
atirou-se sob um zimbro [um arbusto].
Não dormira durante três dias... provavelmente desde o dia
anterior à experiência do monte Carmelo. Em seu cansaço extremo
o profeta orou assim: “... Já basta, ó Senhor. Toma agora a minha
alma, pois, não sou melhor do que meus pais” (1 Reis 19:4).
Muitos crentes queimados espiritualmente se têm atirado numa
cama e feito essa oração cheia de amargura: “Basta para mim,
quero morrer!” O sentimento predominante é: não sobrou nada pelo
qual valha a pena continuar vivendo... a morte é bem-vinda. Uma
pessoa descreveu a situação muito bem quando me disse: “Nada
sobrou capaz de entusiasmar-me, ou inspi
rar-me; não sobraram desafios que me interessem para serem
enfrentados. Estou entediado da vida... só quero morrer.” Enquanto
seguia tropeçando pelo deserto, Elias reconsiderava as decisões que
o haviam trazido até ali, desde as montanhas de Gileade. Queixa-
se, agora, de que não era melhor do que seus pais. Essas eram
pessoas das montanhas, satisfeitas nas colinas com a vida simples
que viviam.
“Que loucura é essa que me deu, a de pensar que eu poderia
destronar a rainha Jezabel? Que sonho selvagem me fez pensar que
eu poderia mudar alguma coisa em Israel? Sou um mon- tanhês, e
deveria ter ficado em casa. O maior erro de minha vida foi deixar
minha casa... mas, agora é tarde demais; é melhor que eu morra.”
Eis a irracionalidade da pessoa queimada espiritualmente. Se
ele quisesse morrer mesmo, deveria ter ficado ao alcance de
Jezabel!
Solução para o
Esgotamento
Espiritual

C
omo foi que Deus curou seu servo exausto, queimado
espiritualmente? Ele não ouviu a oração que Elias despejou
diante dele — oração feita de sentimentos de desespero. Deus
nos ama demais, de modo que nem sempre responde às nossas
orações, e tampouco ouve todas as palavras que escapolem de nossa
boca. Se o fizesse, a população da terra ficaria bem diminuída!
Deus curou Elias revelando-lhe sua graça de uma maneira que o
profeta jamais tinha visto ou experimentado antes. Algumas
pessoas espantam-se quando lêem este registro, porque não
encontram nenhuma condenação vinda dos lábios de Deus.
O amor de Deus pelo seu servo trouxe-lhe de volta a sanidade
espiritual. O Senhor não o abandonou. Em todas as caminhadas de
Elias, durante as semanas seguintes, Deus caminhou ao seu lado.
Enquanto o profeta fervia em seu furor e amargura, Deus
permaneceu em silêncio, em seu amor, esperando que Elias
chegasse ao lugar onde estaria pronto para ouvir o que ele tinha a
dizer.
Ah! tivéssemos nós a oportunidade de dizer a Elias: “Que teria
acontecido se você tivesse ficado e enfrentado Jezabel...” Ou, se
CAPÍTULO 16
pudéssemos aumentar-lhe o desespero, dizendo-lhe: “Se você tivesse
ficado, Israel teria experimentado uma onda de reavivamento como
nunca acontecera na história. .
Contudo, Deus nunca faz especulações à nossa maneira; ele vive
no agora, cheio de pulsações vitais.
Deus nem mesmo exigiu que Elias rededicasse sua vida ao
serviço divino. Ele simplesmente o amou na situação em que se
encontrava.
O primeiro passo desse amor foi cuidar das necessidades físicas
de Elias. O profeta precisava desesperadamente de sono reparador;
e enquanto se deitava debaixo do zimbro, Deus não só fê-lo dormir,
mas colocou um anjo que o guardasse e lhe cozinhasse uma
refeição!
Muitas horas depois, Elias foi despertado pelo anjo, que o
sacudiu. Às suas narinas chegou a fragrância do pão recém- cozido,
e a fumaça do fogo. Ainda sonolento, comeu, e em seguida recaiu
em profundo sono. Mais tarde, talvez depois de t mais um dia de
sono, o anjo o acordou outra vez para uma segunda refeição.
Ao tratar do problema da queima espiritual e da exaustão, é
preciso que não nos esqueçamos de que somos espíritos que vivem
em corpos físicos, e a ressurreição do corpo ainda não ocorreu! Se
abusarmos de nosso corpo mediante a má comida, a falta de sono
ou um programa sobrecarregado de trabalho, com pouco ou
nenhum tempo para recreação, podemos ter toda certeza de que
tudo isso se refletirá em nossas emoções desgastadas, mente
obscurecida e espírito exausto. Em seu amor e sabedoria, Deus
estava concedendo a Elias um dia de descanso emergencial, bênção
que até o homem decaído recebeu a ordem de usufruir!
Se estivermos sob grande tensão física, emocional ou mental,
esse estado também se refletirá em nosso espírito. Precisamos
atentar para o fato de que, em épocas assim, é possível que nossa
energia espiritual fique exaurida.
Esta verdade aplica-se de modo especial às pessoas que exercem
o ministério sagrado. A tensão mental e emocional, oriunda do
profundo envolvimento nos problemas das outras pessoas, exaure
nossa energia e força. As longas horas sem descanso apropriado, as
longas semanas sem dia de descanso, mais cedo ou mais tarde
resultarão em a pessoa passar a viver à beira da exaustão física. E
quando a queima espiritual sobrevêm.
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Paulo salienta que nossa fraqueza humana é necessária para que


possamos estar constantemente mostrando o poder de Cristo em
nós. Temos, porém, este tesouro em vasos de barro, para que a
excelência do poder seja de Deus, e não de nós. (2 Coríntios 4:7).
Entretanto, quando sofremos pressão, se não estivermos
conscientes do perigo, fica fácil perder de vista a graça de Deus.
Podemos tomar-nos desorientados, e cairmos na armadilha de
tentar aurir forças de nós mesmos; mas já estamos operando em
vermelho, a caminho da bancarrota! Foi o que Elias fez.
Após a segunda refeição preparada pelo anjo, Elias saiu do oásis
e dirigiu-se para o sul, no deserto. Perambulou pelo deserto durante
seis semanas, mas só percorreu 320 quilômetros. Um caminhante
médio teria coberto essa distância em dez dias, porém Elias havia
caminhado durante seis semanas por lugares que Moisés
descrevera como . .aquele grande e terrível deserto de serpentes
abrasadoras, de escorpiões, de terra árida e sem águas...”
(Deuteronômio 8:15).
Durante todos aqueles dias e noites, um único pensamento
rodava na cabeça de Elias, como se fosse um disco arranhado. Ao
chegar ao fim de sua viagem torturante, ele falou com Deus, e esse
pensamento foi a primeira coisa que saiu de sua boca:
“.. .Tenho sido muito zeloso pelo Senhor Deus dos
Exércitos. Os filhos de Israel deixaram a tua aliança,
derrubaram os teus altares, e mataram os teus profetas à
espada. Só eu fiquei, e agora estão tentando matar-me
também.”
(1 Reis 19:10)
Seis semanas depois de haver fugido de Jezabel, Elias ainda não
tinha respostas. Não havia avançado nem um milímetro sequer em
seu pensamento. Tudo de que dispunha eram queixas derivadas de
seu amargo desapontamento com as pessoas.
Contudo, em sua peregrinação ele se deslocou na direção de
Horebe, a montanha em que Deus lhes outorgara a lei, e onde
Moisés contemplara a glória do Senhor. Era conhecida como a
montanha de Deus. E foi em direção dela que esse profeta
amargurado, enraivecido e lamentoso viu seus pés caminharem.
Ele havia conhecido a graça de Deus; caminhara pela fé em
comunhão com o Deus da aliança. Sabia por experiência própria
que só Deus poderia responder às perguntas de seu coração...
perguntas que dificilmente conseguia exprimir em palavras.
Finalmente, eis diante de Elias os majestosos picos do Hore- be.
Ali Israel havia chegado para receber a lei das mãos de Moisés. Foi
ali também que Moisés entrou numa caverna e Deus lhe revelou
seu coração de amor e sua glória.
Elias foi atraído para o lugar em que Deus pela primeira vez
estabeleceu aliança com seu povo, Israel. Agora, depois de tantos
séculos, o profeta achava que era o único crente dessa aliança, o
único que restara de Israel. . . ele precisava saber, assim pensava o
profeta, o que é que Deus planejava fazer dali em diante.
Encontrou uma caverna onde podia estar à vontade e dormir,
enquanto aguardava o Senhor. Ele não foi desapontado, porque
Deus lhe falou ... “Que fazes aqui, Elias?” (1 Reis 19:9).
Outra vez não houve condenação... apenas uma pergunta que,
por si mesma, era uma reprimenda. Elias preparou suas
interrogações a respeito do modo de Deus agir, sobre o compor-
tamento de seus irmãos israelitas, e sobre por que nenhum deles
reagiu à demonstração do poder de Deus no monte Carmelo. Mas o
Senhor não esperou que ele as formulasse; em vez disso, fez-lhe
uma pergunta que decepou os problemas de Elias à altura do
coração.
“Que é que você está fazendo aqui?...” A frase continha uma
surpresa suave; era como se Deus lhe estivesse dizendo: “Oi, eu não
esperava encontrá-lo aqui!” Essas palavras salientavam o fato de
que ao abandonar Jezreel, Elias pela primeira vez agira sem ordem
específica da parte de Deus.
Quando ele foi visitar Acabe no palácio pela primeira vez, fê-lo
em obediência à palavra de Deus. Ao longo de toda a seca Elias
havia sido orientado, passo a passo, pela palavra que vinha do
Senhor. A última orientação recebida foi que Elias devia ir ao
Carmelo e ali ficar, até novas instruções.
Em resposta a Deus, Elias derramou sua autopiedade, amar-
gura, raiva e desapontamento, em que meditara continuamente, no
deserto.
"• • .Tenho sido zeloso pelo Senhor, Deus dos
Exércitos, porque os filhos de Israel deixaram a
tua aliança, derrubaram os teus altares, e
mataram os teus profetas à espada. Só eu fiquei, e
agora estão tentando matar-me também.”
(1 Reis 19:10)
Em certo sentido, essa resposta era correta. Todos os senti-
mentos negativos de Elias estavam nas palavras proferidas: as
mágoas, a confusão, a raiva e a amargura... e seu desagrado com
tudo isso.
O próprio fato de Elias ter de fazer essas declarações constituía
seu verdadeiro problema. Tudo quanto ele disse que estava
acontecendo havia sido verdade durante muitos anos; porém, após
os eventos miraculosos do monte Carmelo, aquilo deixara de ser
verdade.
Elias deveria ter relatado que seu zelo fora recompensado, que os
filhos de Israel se haviam arrependido e voltado a Deus em massa,
e que Acabe e Jezabel estavam dispostos a liderar o povo na
proclamação de que Israel era a nação da aliança de Deus. Deveria
estar dizendo que agora ele era um dos milhões de crentes, um
honrado herói de Israel!
Entretanto, na sua concepção, nada mudara. “Tu me ouves, ó
Deus?” era a pergunta de Elias. “Nada, absolutamente nada
mudou. Jezabel está agindo como se a experiência do Carmelo não
tivesse acontecido... é isso que estou fazendo aqui, Senhor!"
O Senhor o conduziu para fora da caverna e Elias viu-se diante
dos vales e precipícios ao seu redor; forte vento começou a soprar
pela montanha. Parecia que os fundamentos do Hore- be estavam
sendo sacudidos, que dedos invisíveis atiravam pedras pelos ares.
Elias tremia diante dessa demonstração de poder, e sentia enorme
espanto; não havia qualquer percepção da presença de Deus
naquele tufão.
Nem bem o vendaval serenou, a terra começou a abrir-se sob os
pés de Elias. O profeta agarrou-se a uma rocha para firmar- se,
porque a montanha trepidava no terremoto. Viu, lá embaixo,
enormes valetas abrir-se quando as rochas eram rasgadas; pedras
rolavam pela encosta da montanha. Mais uma vez Elias inclinou-se
em silêncio reverente diante do poder de Deus, mas
a presença de Deus não estava no terremoto.
Logo após o terremoto, uma tempestade cheia de trovoadas
despencou sua fúria ao redor do profeta. Relâmpagos que nunca ele
vira antes cortavam os ares e depois rastejavam pelo chão. Por toda
a montanha, árvores eram arrancadas e explodiam em chamas.
Finalmente, a tempestade foi embora e tomou-se um ruído
longínquo: Elias ficou sabendo que Deus tampouco estava no fogo
dos raios.
A poderosa força do Criador fora demonstrada diante dos olhos
maravilhados de Elias; isso é o que Deus, o Criador, pode fazer se o
desejar. Foi exatamente dessa maneira que ele se revelou a Israel
por ocasião da outorga da lei, naquele mesmo lugar, séculos antes.
Êxodo registra o que aconteceu naquele dia:
“Houve trovões e relâmpagos... Todo o povo que
estava no arraial se estremeceu... o Senhor descera
sobre ele em fogo. A sua fumaça subia como a
fumaça de uma fornalha, todo o monte tremia
grandemente.”
(Êxodo 19:16-18)
A lei, à semelhança do poder superlativo e onipotente de Deus,
inspira espanto, reverência e tremor, porém não no sentido de quem
é Deus verdadeiramente.
Elias havia pensado que uma demonstração da onipotência de
Deus, diante dos olhos de Israel apóstata, mudaria o coração do
povo. De modo dramático Deus mostrou a Elias que a presença
divina que ele procurava para Israel, e que agora buscava para o
seu próprio espírito conturbado, não estava de modo nenhum numa
exibição de seu poder.
A onipotência de Deus fará que uma pessoa reconheça que Deus
existe, mas não descreve o coração de Deus. A experiência do
Carmelo demonstrara a futilidade de Baal, porém não trans-
formara os corações de Jezabel e do povo. Agora, Elias se via
prostrado, exausto, no monte Horebe, não precisando do poder de
Deus, mas antes do seu amor e da graça para ajudá-lo.
Logo que o último trovão ressoou ao longe, surgiu uma brisa
suave, tão suave que era quase imperceptível, “uma voz calma e
suave”. Em agudo contraste com as ruidosas devastações das
últimas horas, a quietude era audível. Nessa tranqüilidade, Elias
reconheceu a presença de Deus.
No hebraico, a palavra para “vento” é a mesma para “espírito”.
Só o contexto pode revelar se a palavra está sendo utilizada para
descrever o vento ou se se refere ao Espírito de Deus. Deus Espírito
move-se como brisa suave, e Elias o reconheceu.
Estava claro o que o Senhor queria transmitir a Elias. Ele havia
demonstrado seu poder na ventania, no terremoto e na
tempestade. Demonstrara a Elias que era o Criador e controlador
do Universo, maior do que todos os deuses dos pagãos.
Entretanto, ele não é apenas força onipotente. Foi baseando-se
nessa concepção errônea que os pagãos tinham inventado os seus
deuses tipo Baal: haviam adorado os poderes observados na
criação, não entendendo que aquilo era apenas as verdadeiras
marcas do Criador!
Esse Criador e controlador do Universo é amor e graça. Ao
defini-lo, disse João: “Deus é amor” (1 João 4:8). Ele é santo, mas
trata-se de uma santidade de amor. Ele é todo-poderoso, mas seu
poder é a expressão de seu amor. Quando nos aproximamos do
coração de Deus, vemos que ele é como brisa suave, em vez de
furacão.
Deus estava dizendo o seguinte: “Não sou encontrado numa
exibição de poder; meu Espírito de graça suave opera no coração
das pessoas.” Ele tratou com Elias utilizando-se da brisa suave de
sua graça, e é dessa maneira que vai tratar com Israel.
A experiência do Carmelo teria sido um erro? Não! Há ocasiões
em que Deus mostra ao homem o vazio e a futilidade de tudo
aquilo que vinha crendo ser deus... e, assim, o homem se enche de
espanto diante do verdadeiro Deus. No entanto, essa experiência
deve ser acompanhada da revelação de que, agora que descobrimos
quão errados estávamos, Deus não nos julga, mas nos ama e entra
em nosso coração, desde que o recebamos.
Se existe resposta ao que é que deveria ter acontecido logo após
o Carmelo, ei-la: que fosse pregado o amor perdoador de Deus à
nação estupefata, e esta fosse convocada à fé pessoal em Deus.
Na brisa suave de sua presença, Deus formulou a mesma
pergunta que fizera a Elias antes do início da exibição de poder:
“Que fazes aqui, Elias?” (1 Reis 19:13).
Pela segunda vez, Elias deu a mesma resposta:

“Eu tenho sido em extremo zeloso pelo Senhor


Deus dos exércitos. Os filhos de Israel deixaram a
tua aliança, derrubaram os teus altares, e mataram
os teus profetas à espada. Só eu fiquei, e agora
estão tentando matar-me também.”
(1 Reis 19:14)
Ao repetir sua declaração, Elias afirmava que tinha vindo ali
pela mesma razão, e que ele não havia mudado de idéia. Tinha
certeza de que as coisas continuavam na mesma. Contudo, na
revelação do coração de Deus e de seu método de agir, tudo quanto
perturbara Elias era visto, agora, sob luz diferente. Ao vislumbrar a
graça de Deus de maneira diferente, Elias entendeu que Deus não
havia abandonado nem a ele nem ao povo.
“Sim, os altares ainda estão derrubados pelo chão. É fato
histórico que as pessoas mataram os profetas de Deus, e que
procuram a minha vida... tudo isso é verdade. Porém, vejo agora que
Deus está operando com mansidão, soprando suavemente sua vida
nos corações de todos os que o recebem.”
Todos os Elias do mundo desejam que Deus mude as pessoas.
Que Deus trate das pessoas com força, de tal maneira que se
arrependam e lhe roguem perdão; que Deus publique um anúncio
dizendo que estão completamente erradas. Que essas pessoas
cheguem às que magoaram e peçam desculpas, que peçam perdão!
Os Elias sempre querem que Deus pegue a omelete e a recomponha
outra vez em ovos.
Secretamente, todos nós desejamos que Deus seja o Briguen- to
Infinito — que ele demonstre seu poder por aí, a fim de que as
pessoas o respeitem, e respeitem a nós. Mas o peso que Deus coloca
sobre os seres humanos é o de sua graça e amor. Deus não coage
ninguém mediante força, mas abre-lhe os olhos, numa operação
interna.
Para a pessoa espiritualmente esgotada, que já conhece a graça
de Deus e já andou nela, o recado que chegou a Elias é o mesmo. A
resposta para o estado em que nos encontramos é a compreensão
mais profunda da graça de Deus, e a recepção
dessa graça para nós mesmos e todas as demais pessoas.
Deus se interessa profundamente pelas injustiças e erros, mas, é
óbvio, ele não se cboca. Ele sabe que nenhuma exibição de seu poder
vai transformar alguém. Ápenas a ação de seu Espírito no coração
humano é que eficazmente produzirá a obediência à sua vontade na
vida da pessoa.
O crente se cura da queima espiritual ao receber nova revelação
de quem é Deus. Tal fato não faz sentido para o raciocínio humano.
Achamos que ficaríamos curados se pudéssemos ver Deus trazendo
julgamento sobre todas as pessoas que nos desapontaram ou, pelo
menos, obrigando-as a vir até nós confessando-se erradas!
Ficaríamos satisfeitos com uma demonstração de poder de
inigualável magnitude.
Chegamo-nos a Deus e exigimos uma fórmula, uma série de
providências, de modo que possamos contar aos outros que as
seguimos a fim de escapulir do buraco da exaustão espiritual. No
entanto, Deus nos frustra: não nos dá uma fórmula. . . ele nos dá a
si mesmo! Se você compreender quem é Deus, todas as peças
começarão a se encaixar em seus próprios lugares. A solução para o
problema da queima espiritual é reagir a Deus com novo frescor,
redescobrir novo relacionamento com ele.
A “voz calma e suave” tomou-se carne e veio viver entre nós, em
Jesus. A Boa Nova do evangelho é que ele ressurgiu, vencendo a
morte, e agora vive, e pelo seu Espírito sopra vida em nosso espírito
cansado, desmantelado, curando-nos.
Os primeiros discípulos são excelentes exemplos. O mundo deles
se havia desmoronado. Dois deles caminhavam pela estrada, de
volta a Emaús, e suas faces contavam a história do desespero
irremediável. Estavam completamente queimados — a vida para
eles se acabara. Não importava o que o futuro lhes haveria de
trazer — viveriam naquela situação de desalento até o fim de seus
dias.
Mas Jesus ressurreto dentre os mortos aproximou-se deles. Sua
identidade lhes foi oculta. Eles derramaram diante dele toda sua
tristeza e resumiram tudo em palavras que caracterizam a pessoa
queimada espiritualmente: “Ora, nós esperávamos que fosse
ele quem redimisse a Israel.. ( L u c a s 24:21).
Estraçalharam-se-lhes as esperanças. No que lhes dizia respeito,
Jesus estava morto e enterrado. Seus líderes é quem o haviam
crucificado, seu próprio povo tinha exigido aos gritos que seu sangue
fosse derramado, e seus melhores amigos haviam fugido para salvar
a própria vida.
Então o Senhor passou a dar-lhes nova perspectiva, revelando o
coração e os métodos de Deus. Á chama apagada em seus corações
voltou a acender-se. Durante a ceia, naquela tarde, ele se lhes
revelou, o ressuscitado, e desapareceu de seus olhos.
Os dois discípulos correram de volta a Jerusalém para relatar o
episódio aos demais, e ei-lo entre os discípulos para contar-lhes tudo
pessoalmente. Em seguida, colocou-se diante de cada um e soprou a
si mesmo neles. Entrou nas vidas dos discípulos sob o som da brisa
suave, e eles nunca mais se queimaram espiritualmente.
Muitos conselhos são ministrados, hoje, no afã de recuperar
crentes queimados espiritualmente. Consistem, na maior parte, de
fórmulas e listas de coisas a serem feitas. Todavia, nenhuma dessas
táticas funciona! Deus não é fórmula, tampouco podem nossos
corações satisfazer-se com fórmulas.
Muitos se queimaram porque viviam mediante fórmulas; mas só
depois que sentiram o som da brisa suave da graça de Deus em suas
vidas é que os conselhos e sugestões se tomaram válidos.
Tendo recebido nova perspectiva, Elias viu-se pronto para nova
missão. Esta seria a de nomear outros para tratar com o baalismo
de maneira que Elias mesmo jamais conseguira. O profeta também
recebeu alguém para treinar, Eliseu, o qual também seria seu
companheiro.
No entanto, Elias poderia ter ficado imaginando o que é que a
brisa suave de Deus fazia. O profeta não vira muita coisa a respeito
dessa brisa! Quando estava prestes a sair da caverna, Elias soube
que havia sete mil crentes em Israel que não se curvaram diante de
Baal — Deus mesmo lho disse.
Esta foi a maneira suave de Deus dizer a Elias que ele não era o
único! A graça de Deus operava onde Elias não conseguia enxergar.
Eles não eram Elias, não conseguiriam lançar mão de Jezabel,
todavia eram o povo da aliança de Deus, povo que ele conhecia.
Nunca mais Deus — e tampouco Elias — levantou o assunto do
Carmelo para nova discussão. O que poderia ter acontecido só é do
conhecimento de Deus, e isso é verdade a respeito de todos nós.
Deus deixa de lado totalmente o passado, assume o nosso presente,
e une-se a nós nesta aventura chamada vida.

O Problema da Falta de
Perdão

U
m dos maiores problemas da pessoa esgotada espiri-
tualmente é a falta de perdão. Em geral, essa incapacidade
de perdoar degenera em ressentimento e amargura de raízes
profundas.
A pessoa espiritualmente exaurida é a que se desapontou em
todas as áreas da vida, e de modo especial no relacionamento com
CAPÍTULO 18
as demais pessoas. Todas as esperanças alimentadas pela pessoa
exausta no espírito, esperanças de poder caminhar com Deus,
abrangiam, de certa maneira, outros crentes. E assim, ao longo da
vida, o crente que se queimou foi erigindo marcos que ostentam os
nomes dos que falharam, que não conseguiram manter-se à altura
de suas expectativas.
No início das manifestações da queima espiritual ocorre,
usualmente, amargas confrontações com outros crentes. As vezes
achamos que conseguimos suportar os pagãos que nos ferem com
mais facilidade do que suportamos os irmãos em Cristo. Davi
explicou a dupla mágoa produzida pela traição de um irmão:
“Se fosse um inimigo que me afrontava, eu o teria
suportado; se fosse um adversário que se engran-
decia contra mim, dele me teria escondido. Mas
eras tu, homem meu igual, meu guia e meu íntimo
amigo. Conversávamos juntos suavemente, e ía-
mos com a multidão à casa de Deus.”
(Salmo 55:12-14)
Um dos principais passos na direção da volta ao vigor e a força
espirituais é perdoar a todos quantos fizeram parte de nossas
mágoas nesta vida. Perdoe a todos quantos o abandonaram, os que
se esquivaram quando você mais precisou deles. Perdoe os
mexericos mediante os quais as notícias de sua exaustão e de seus
problemas chegaram a todos os demais crentes das vizinhanças.
Perdoe àqueles líderes e presbíteros que o feriram com suas
palavras e ações. E perdoe às pessoas que você julgou serem
gigantes espirituais, mas provaram ter pés de barro e uma porção
de fraquezas, exatamente como as demais pessoas.
Não despreze o fariseu. A pessoa que despreza o fariseu toma-se
fariseu também! Embora os houvesse enfrentado tantas vezes,
Jesus nunca alimentou quaisquer ressentimentos contra eles. Ele
chorou por causa das pessoas religiosas de Jerusalém.
“Jerusalém, Jerusalém! que matas os profetas e
apedrejas os que te são enviados! quantas vezes quis eu
ajuntar os teus filhos, como a galinha ajunta os seus
pintinhos debaixo das asas, e tu não quiseste!”
(Mateus 23:37)
Jesus orou também pelos que se apressaram a conduzi-lo ao
sofrimento e morte: “Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem”
(Lucas 23:34).
Pedro fala da humanidade de Jesus e mostra-nos como ele foi
capaz de perdoar àqueles que o feriram tão profundamente. O
apóstolo se refere a esse aspecto dos sofrimentos de Jesus como
exemplo que devemos seguir.

“Cristo padeceu por vós deixando-vos o exemplo, para


que sigais as suas pisadas. Ele não cometeu pecado, nem
na sua boca se achou engano. Quando foi injuriado, não
injuriava, e quando padecia não ameaçava. Antes,
entregava-se àquele que julga justamente.”
(1 Pedro 2:21-23)
A palavra grega traduzida por “exemplo” é tomada da sala de
aula, onde a criança aprende a escrever ao copiar, decalcando a
escrita do professor. O modo por que Jesus perdoou é o modo por
que todos os crentes podem perdoar.
Pedro nos lembra que quando as pessoas injuriavam a Jesus,
ele não descia ao nível delas devolvendo os ultrajes. Ao sofrer em
suas mãos, não alimentou fantasias sobre a destruição de tais
pessoas, nem lançou ameaças de vingança.
Em vez disso, entregou-se completamente àquele que julga com
justiça. Nos dias em que Pedro escreveu sua epístola, a palavra
“entregar-se” era usada para descrever a colocação de algo de sua
propriedade nas mãos de outra pessoa, para que esta a gerenciasse
em prol do dono. Assim, Jesus entregou todos os seus ferimentos e
injúrias a seu Pai, permitindo a Deus que cuidasse de tudo,
reconhecendo que ele é o único e verdadeiro Juiz.
Quando visto sob esta luz, percebemos que o perdão a alguém
inclui muito mais do que a simples decisão de esquecer o passado.
O perdão está no âmago de nossa fé em Deus. Perdoar significa
que reconhecemos que nos falta a onisciência necessária num
julgamento justo, e que nos falta também o amor, a graça e a
misericórdia a fim de temperar a justiça. Perdoar a um ser
humano é ato de fé em Deus, de que ele é Deus, e só ele tem o
direito de julgar. Ao crer que consegue agir como Deus, o homem
ainda está vivendo a mentira da queda original. Essa mentira é a
força motriz que impele sua vida. Persegue àqueles que o feriram;
exige vingança. Diz a lei: “Olho por olho, e dente por dente”
(Mateus 5:38). O homem exige a boca toda como vingança por um
dente quebrado; se dependesse dele, o mundo todo ficaria cego!
Mas a fé entrega o julgamento ao Pai e, ao fazê-lo, confessa que
ele é o único capaz de julgar com perfeição. O ato de perdoar é a
decisão de reconhecer Deus em certa situação, abrindo-lhe a porta
para que opere tanto nos que infligiram dor quanto nos que agora
estão perdoando.
Isto nos revela o verdadeiro significado do perdão. E colocar a
pessoa nas mãos de Deus, preferindo não ser juiz dela, mas
deixando todo o julgamento nas mãos de Deus. Perdoar uma
pessoa não é dizer que esta tinha razão no que disse ou fez a você;
é liberá-la de todas as dívidas que você acha que essa
pessoa tinha com você, e colocar tudo nas mãos de Deus.
Depois de Jesus ter falado sobre o perdão, Pedro aproximou- se
dele e perguntou: “Senhor, até quantas vezes pecará meu irmão
contra mim, que eu lhe perdoarei? Até sete?” (Mateus 18:21).
Parece que houve aqui um passo à frente na maturidade de Pedro.
Antes de encontrar-se com Jesus, é provável que ele jamais
houvesse pensado seriamente em perdoar a quem quer que seja!
Com toda a probabilidade, Pedro achava que perdoar a mesma
pessoa sete vezes seria um feito espiritual gigantesco.
Entretanto, ele não entendeu absolutamente aquilo de que
Jesus estava falando, que era o amor de Deus. A solução proposta
por Pedro parecia-me com a do fariseu, que dizia: “Diga-me qual é
a lei e, seja o que for, cumprirei meu dever e a ela obedecerei.” E
como o homem que pergunta quantas vezes por semana deve
beijar a esposa e abraçar os filhos.
A lei é a aparência do amor de Deus, ao expressar-se na
sociedade. Pedro tentava reduzir o amor a uma fórmula que
pudesse marcar e contar tantos e tantos atos de perdão. A resposta
de Jesus foi e ainda é chocante para a mente natural. Disse-lhe
Jesus: “Não te digo que até sete vezes, mas até setenta vezes sete.”
E possível que Jesus estivesse sorrindo ao descer ao nível de
Pedro, dizendo-lhe, com efeito: “Não sete vezes, mas se você está
procurando um número, tente 490!”
Provavelmente ele se referia a Lameque, que se vangloriava de
vingar-se de seus inimigos 490 vezes (Gênesis 4:24). O amor de
Deus é expresso em termos paralelos. Jesus dizia, com efeito, que
não havia limite para o perdão, porque ninguém iria contar até
490 atos de perdão e em seguida parar!
Há, também, um trocadilho em que se usam os números sete e
dez, que são números que indicam coisa completa, perfeita, nas
Escrituras. Jesus está dizendo que devemos perdoar tão
completamente como Deus nos perdoa, e para demonstrar o que
tem em mente, conta-nos uma parábola.
“Por isso o reino dos céus pode ser comparado a
certo rei que quis ajustar contas com os seus
servos. E começando a fazê-lo, trouxeram-lhe um
que lhe devia dez mil talentos. Não tendo ele
com que pagar, o seu senhor mandou que ele, sua mulher e seus
filhos fossem vendidos, com tudo o que tinha, para que a dívida fosse
paga. Então aquele servo, prostrando-se, o reverenciava, dizendo:
Senhor, sê generoso para comigo e tudo te pagarei. Então o senhor
daquele servo, movido de íntima compaixão, mandou-o embora, e
perdoou-lhe a dívida. Saindo, porém, aquele servo, encontrou um dos
seus conservos que lhe devia cem denários. Lançando mão dele,
sufocava-o, dizendo: Paga-me o que me deves. Então o seu
companheiro, prostrando-se a seus pés, rogava-lhe: Sê generoso para
comigo, e tudo te pagarei. Ele, porém, não quis. Antes, foi encerrá-lo
na prisão, até que saldasse a dívida. Vendo os seus conservos o que
acontecia, entristeceram-se muito, e foram relatar ao seu senhor
tudo o que sucedera. Então o seu senhor, chamando-o, lhe disse:
Servo malvado, perdoei-te toda aquela dívida porque me supli- caste.
Não devias tu igualmente compadecer-te do teu companheiro, como
também eu me compadeci de ti? Assim, encolerizando-se, o seu se-
nhor o entregou aos verdugos, até que lhe pagasse tudo o que devia.
Assim vos fará também meu Pai celeste, se de coração não
perdoardes, cada um a seu irmão, as suas ofensas.”
(Mateus 18:23-35)
Jesus nos dá este exemplo extremo a fim de ilustrar seu ensino. Se um
servo — um escravo — pudesse avistar-se com seu senhor, a quem devia
importância tão grande, isto seria indicativo de que ocupava posição de
destaque, e exercia grande autoridade.
É difícil exprimir essa dívida em termos modernos. Um talento eqüivalia a
seis mil denários. Um trabalhador médio ganhava seis denários por semana.
Se ele jamais gastasse um centavo de seu salário, mas guardasse tudo a fim de
saldar o débito, seria necessário 20 anos de trabalho para chegar a acumular
um talento! Ainda que considerássemos que a posição
daquele servo lhe proporcionava um salário melhor — digamos que
ele ganhasse cem vezes mais que o trabalhador médio — ele não
conseguiria saldar a dívida nos anos de sua vida.
Poderíamos compreender melhor como os ouvintes de Jesus
receberam as palavras do Mestre, se nos lembrássemos de que os
impostos anuais cobrados em toda a Judéia, Iduméia, Gali- léia,
Samaria e Peréia somavam apenas 800 talentos! Jesus está
descrevendo-nos um homem cuja dívida é impossível de saldar-se,
dívida que ele jamais conseguiria pagar. A súplica do homem para
que lhe fosse concedido tempo, de modo que pudesse pagar a dívida,
é totalmente ridícula. O rei decidiu pôr de lado sua súplica, e
movido de compaixão, perdoou-lhe a dívida toda.
Eis outra ilustração do amor e da graça de Deus. A única
contribuição do servo foi a de contrair a dívida e, em seguida,
insultar a inteligência do seu senhor prometendo-lhe que a pagaria.
Deus nos perdoa não mediante alguma coisa que tenhamos
realizado, nem mediante alguma promessa que tolamente
tenhamos feito concernente ao futuro. Todas as suas ações para
conosco originam-se de seu amor espontâneo.
E preciso notar que se o rei perdoou ao homem uma dívida de
10.000 talentos, ela lhe custou 10.000 talentos. As dívidas não
desaparecem no ar, simplesmente. O rei precisava sofrer a perda e
pagar seu custo. A cruz e a ressurreição de Jesus é o próprio Deus
assumindo nossa dívida e nosso lugar, pagando-a ele mesmo.
Observando a forma como Jesus retrata os personagens da
história, notamos que o servo não parece ter um coração agradecido.
Outras pessoas poderiam proclamar que senhor maravilhoso ele
tinha, e como o servo havia sido feliz por ser perdoado; no entanto,
não há registro de que ele mesmo tenha dito algo parecido.
Jesus está a mostrar-nos um homem que não compreende a
realidade do débito imenso que lhe foi gratuitamente perdoado.
Será que esse homem entendeu mal o rei? Será que ele interpreta o
perdão como significando que agora o servo precisa fazer todo o
possível para pagar a dívida? Estaria ele pensando que o rei se
impressionou com sua oferta de esforçar-se ao máximo a fim de
resolver a situação? É certo que a maneira como ele agiu em relação
ao segundo servo demonstra que ele não compreendera o que
recebera de seu senhor.
Jesus representa o segundo servo como alguém que deve apenas
100 denários. A dívida perdoada era 600.000 vezes maior! Na base
dos salários médios, a dívida de 100 denários poderia ser paga em
alguns meses.
Parece que o servo perdoado pensou que, por livrar-se da dívida
para com o rei, tomara-se muito importante e capaz de julgar a
todas as pessoas. Antes mesmo que seu devedor pudesse
pronunciar uma palavra sequer, o servo o agarrou pela garganta e
começou a asfixiá-lo. A reação do pobre homem foi utilizar quase as
mesmas palavras que seu captor usara momentos antes, diante do
rei. A única diferença foi que a promessa deste segundo servo era
razoável.
É inacreditável que o homem que havia sido perdoado não
ouvisse o eco de suas próprias palavras. E incrível que ele não se
apercebesse da maneira como fora perdoado e, por isso, não
transformasse a ocasião numa festa plena de alegria, com perdão a
seu conservo. Em vez disso, o homem perdoado de uma dívida que
jamais poderia resgatar, encerrou seu conservo na prisão por causa
de um débito que poderia ser liqüidado facilmente em questão de
semanas.
Quando não perdoamos a alguém, estamos efetivamente
aprisionando essa pessoa! Na mente daquele que não perdoa, o
malfeitor está trancado para sempre, como pessoa que agiu mal. À
semelhança da imagem de vídeo que se “congelou”, ou seja, que foi
paralisada a fim de mostrar a jogada de certo atleta, assim também
o indivíduo que odeia “congela” ou paralisa o objeto de ódio em sua
mente. No que lhe concerne como pessoa ofendida, aquele que o
ofendeu não pode mudar; o que tal pessoa disse ou fez de mal é sua
maneira de ser, e sempre será assim.
Enjaulado, aquele homem jamais conseguiria pagar a dívida
contraída. Tudo o que aquele servo que havia sido perdoado
conseguiria com a prisão de seu conservo seria isto: ir para a cama
todas as noites com a convicção de que sua exigência de vingança
fora atendida. A frase-chave é: “Não devias tu igualmente
compadecer-te do teu companheiro, como também eu me compadeci
de ti?” (Mateus 18:33).
O ato perdoador de Deus deve motivar-nos a conceder graça e
misericórdia a todos os que nos têm magoado e ofendido. A
ressurreição de Jesus mudou para sempre todos os nossos
relacionamentos... não apenas com Deus, mas com todas as pessoas
com quem convivemos ao longo desta vida.
O próprio Juiz assumiu o custo de nosso pecado e, livre e
graciosamente, nos perdoou a dívida que jamais conseguiríamos
pagar. Nunca mais poderemos assumir a posição de juiz dos outros;
em vez disso, repassamos a compaixão que nos foi demonstrada. As
cartas de Paulo são mais explícitas ainda do que a parábola.
“Toda a amargura, e ira, e cólera, e gritaria, e
blasfêmias e toda a malícia sejam tiradas de entre
vós. Antes sede uns para com os outros benignos,
compassivos, perdoando-vos uns aos outros, como
também Deus vos perdoou em Cristo. Sede, pois,
imitadores de Deus, como filhos amados, e andai
em amor, como também Cristo vos amou.. .*
(Efésios 4:31,32; 5:1,2)
“Suportai-vos uns aos outros, perdoai-vos uns aos
outros, se alguém tiver queixa contra outrem.
Assim como o Senhor vos perdoou, assim também
perdoai vós.”
(Colossenses 3:13)

Na parábola, Jesus retrata o servo que não quis perdoar sendo


entregue aos verdugos. Estes eram torturadores profissionais que
extraíam do devedor até o último níquel. O fato solene é que a
insistência na falta de perdão contra um indivíduo traz tormento
para a vida daquele que não perdoa.
Tendo experimentado o amor de Deus em nós, jamais poderemos
voltar a agir sem o espírito de perdão, sem perceber que estaríamos
pecando contra esse amor que se fez conhecido em nós.
Muitos dos sintomas da queima espiritual resultam da falta de
perdão — recusamo-nos a perdoar os que ficaram aquém de nossas
expectativas. Toda e qualquer pessoa que se arrependeu de seu
ódio, recebeu o perdão de Deus e perdoou a todos quantos lhe
fizeram mal, testificam do tormento que o ódio produz.
Tomamo-nos escravos da pessoa a quem odiamos. Todos os
nossos pensamentos obscurecem-se diante do pensamento de tal
pessoa, cuja sombra fica voejando continuamente sobre nossa vida.
A vida se nos toma amarga, o ódio ferve logo abaixo da superfície,
pronto para agredir qualquer pessoa que vier a fazer alguma coisa
que nos desagrade.
A amargura injeta veneno em nossa corrente sangüínea, que
perturba seriamente nossa saúde emocional e física. Com o passar
do tempo, não sobra energia suficiente para gozarmos a vida. Tais
pessoas foram entregues a seus verdugos; são os mortos-vivos. A
pessoa que não perdoa fere-se muito mais do que a que não foi
perdoada!
Entretanto, há perdão para os que não perdoam! Podemos
libertar-nos da prisão que a falta de perdão da parte do verdugo
torturador cria para nós, e ficar livres para manifestar ao mundo o
amor e o perdão gratuitos de Deus.
Um dos tormentos que corroem a alma da pessoa que não perdoa
é a intranqüilidade indefinida, nebulosa, concernente à sua própria
situação diante de Deus. A pergunta não formulada que lhe pesa no
espírito é: “Se não consigo perdoar ao meu inimigo, será que Deus
me perdoou realmente? Será que estou realmente bem com Deus?”
Essa pergunta se ergue sobre os fundamentos da nossa fé e do
próprio evangelho. A ressurreição de Jesus dentre os mortos é o
anúncio às pessoas que todo pecado teve uma solução. Não apenas o
nosso pecado! Ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não
somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo
(1 João 2:2).
O crente que não perdoa precisa encarar o fato de que os pecados
da pessoa que contra ele pecou foram incluídos na obra de Jesus,
em sua morte e ressurreição. . . até mesmo aqueles pecados que
esse crente resolveu não perdoar. Diz ele que pelo menos esses
pecados não poderão ser perdoados; mas tal atitude levanta a
questão sobre se Deus realmente deu ao mundo a solução completa
para todos os pecados, quaisquer pecados. Isto coloca à nossa frente
a amolante questão de nosso próprio relacionamento pessoal com
Deus.
E honra para nós, como filhos de Deus, perdoar aos outros na
base da obra de Cristo. Sou um escravo cuja dívida incalculável foi
perdoada, e que agora estendo o mesmo perdão a uma pessoa que,
comparativamente, me feriu apenas de maneira trivial.
É aqui que jaz nossa maior dificuldade em conceder perdão. Uma
voz interna exige que alguém pague pelo malefício cometido. O ato
do perdão parece contradizer todo o senso de justiça; as pessoas
deviam pagar pelas coisas erradas que fizeram!
A fé ouve Jesus dizer: “Eu já paguei, deixe essas pessoas irem
livres!” Perdoar a alguém não é dizer que não havia dívida a ser
paga, e tampouco significa que não houve sentimentos feridos.
Perdoar é liberar o devedor da dívida real que se lhe pesa, à luz do
que Jesus fez.
Estêvão estava sendo apedrejado, condenado à morte, e seu
último ato foi: E, pondo-se de joelhos, clamou com grande voz:
“Senhor, não lhes imputes este pecado.” (Atos 7:60). A Bíblia
Amplificada diz: “Senhor, não fixe este pecado neles — não o lances
na conta deles!”
Se não se “fixou” nos assassinos, em quem se fixou então? Se esse
pecado não lhes foi lançado na conta, foi lançado na conta de quem,
então?
Estêvão não encenava um gesto bonito, proclamando um desejo
às portas da morte, que ficava bem num cristão. Ele estabelecia o
fato legal ao reconhecer que o pecado, cometido naquele instante
contra a sua pessoa, já fora lançado na conta de Jesus. Esse pecado
se fixara em Cristo, na cruz, e havia sido declarado isento de culpa,
em sua ressurreição.
O derradeiro ato de Estêvão foi concordar, pela fé, com o Pai, em
que a obra de Jesus foi suficiente para trazer perdão a todos, até
mesmo àqueles que o estão assassinando! Muitos de nós
conhecemos outro tipo de crentes, os que atiram ameaças e
procuram destruir nosso espírito. Perdoe-lhes, reconheça que o
pecado deles não lhes foi debitado na conta, da mesma forma que
seus pecados, leitor, não foram debitados na sua conta.
Aquele servo poderia ter perdoado ao seu conservo e a toda a
comunidade, e muitas vezes mais, e mesmo assim esse ato seria
apenas sombra tênue do amor que ele próprio havia recebido. Disse
Jesus que seriamos conhecidos como pessoas que amam,
caracterizadas pelo seu amor ágape, que se reproduz na maneira
como tratamos o próximo.
CAPÍTULO 18
Fé para Perdoar

L ogo que retomamos de nossas perambulações cansativas, em


total exaustão espiritual, uma das primeiras coisas que
devemos fazer é reconhecer as pessoas contra quem
abrigamos desagravos ou ressentimentos. Confesse o pecado de não
conceder perdão às pessoas que o prejudicaram.
O fato de essas pessoas nos terem injustiçado de modo algum
justifica nosso ressentimento, e nós não conseguiremos perdoá- las
enquanto nós mesmos não recebermos, primeiro, o perdão por
termos agido exatamente como o servo que mandou prender o
companheiro. E não apenas perdoamos à luz do amor perdoa- dor
que nos foi revelado em Cristo, mas também porque o Espírito do
Cristo perdoador habita em nós.
. .porque o amor de Deus está derramado em nos-
sos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado.”
(Romanos 5:5)
Quando perdoamos à pessoa que nos feriu, não procuramos
dentro de nós mesmos alguma força ou emoção com que possamos
perdoar. Não nos dedicamos a dar mais fé a esses desafetos. Os
discípulos descobriram que o perdão em tal nível não poderia ser
atingido com o tipo de fé que tinham!
“Respondeu o Senhor: Se tivésseis fé como um grão
de mostarda, diríeis a esta amoreira: De- sarraiga-te
daqui e planta-te no mar, e ela vos obedeceria.”
(Lucas 17:6)
Com efeito, Jesus respondeu com um “não!” ao pedido dos
discípulos por mais fé. Uma fé pequeníssima despertada pelo
primeiro raio da luz que vem do coração de Deus é suficiente! O
mais novo dos crentes já viu o suficiente para poder perdoar a seu
irmão que pecou contra ele.
Esta fé para perdoar é liberada mediante palavras de comando.
A raiz de amargura que poderia começar a tomar conta de nossa
vida é atirada ao mar, e o amor de Deus flui através de nossa vida.
E significativo que Jesus tenha encerrado seu ensino nessa ocasião
com uma história estranha.
“Qual de vós terá um servo a trabalhar na lavoura
ou a apascentar o gado, a quem, voltando ele do
campo, diga: Chega-te e assenta-te à mesa? E não
lhe diga antes: Prepara-me a ceia, e cinge-te, e
serve-me, até que tenha comido e bebido, e depois
comerãs e beberás tu? Dá graças ao teu servo,
porque fez o que lhe foi mandado? Creio que não.
Assim também vós, quando fizerdes tudo o que vos
for mandado, dizei: Somos servos inúteis; fizemos
somente o que devíamos fazer.”
(Lucas 17:7-10)
O sentido desta parábola é claro quando considerada no contexto
de que Jesus está ensinando a seus discípulos a perdoar. Após
havermos perdoado ao pior de nossos inimigos, e caminhado pela
vida perdoando a todos quantos nos ferem, não fizemos nada de
grandioso. Simplesmente estivemos agindo como devem agir os
crentes unidos com Cristo!
Há um problema que de início faz com que o perdão de Deus
pareça algo impossível. Tenho encontrado muitas pessoas que me
dizem, ao terem de encarar a necessidade de perdoar: “Eu consigo
perdoar, mas jamais consigo esquecer!” E possível esquecer a
maneira como as pessoas nos trataram? Conseguimos realmente
exercer amnésia divina quando nossos amigos falham conosco? Será
que a mágoa vai mesmo embora, de maneira que dela não nos
lembraremos mais?
Quando perdoamos da maneira que Deus perdoa, esquecemo-nos
da mesma forma como Deus se esquece. Entretanto, necessitamos
de um conceito claro do que significam as palavras: Deus se esquece.
Precisamos entender que nada existe que possa ficar do lado de fora
da mente de Deus. Sendo onisciente, ele sabe todas as coisas. Deus
nunca sofre de amnésia!
Quando o Senhor nos perdoa, nossos pecados não abandonam a
esfera de seu conhecimento; em vez disso, ele decide que não os
trará à lembrança. Falando de sua ação perdoadora na nova
aliança, diz ele: “.. .perdoarei a sua maldade, e nunca mais me
lembrarei dos seus pecados” (Jeremias 31:34).
Quando Deus diz “jamais me lembrarei” ele se refere a uma
decisão tomada. Esquecer é algo involuntário; é coisa que nos
acontece por muitas razões. “Jamais me lembrarei” foi a escolha que
Deus fez no que concerne aos nossos pecados.
De maneira semelhante, os eventos funestos da vida, os pecados
que as pessoas cometeram contra nós, não precisam ser ativamente
relembrados. E quando a memória começa a fenecer e perde seu
poder sobre nossas vidas. O que antes era ferida aberta, infecta,
capaz de encher nossa vida com o veneno da amargura, tomou-se de
repente uma cicatriz inofensiva.
Jesus delineia, na parábola do filho pródigo, o processo de como
Deus deixa de lembrar-se de nossos pecados. Estando unidos a
Cristo, podemos relacionar-nos uns com os outros da mesma
maneira.
Já vimos o ágape de Deus nesta história. Reconsidere de novo a
narrativa, focalizando agora a determinação do pai de “não lembrar-
se mais” dos pecados de seu filho.
Depois de desperdiçar um terço da herança, viver entre os
gentios, e finalmente ter-se tomado guardador de porcos, o filho
imundo, desgrenhado, dirige seus passos na direção de casa. O pai,
que havia perdoado o filho desde o momento em que este partira,
viu-o quando ele vinha ainda bem longe. Correu a abraçá-lo e o
beijou repetidamente.
Em seguida o pai expressou seu perdão, e o filho o recebeu.
Iniciaram-se então, ali mesmo, certas ações da parte do pai que
haveriam de propiciar um relacionamento entre pai e filho
mediante o qual o pecado do moço jamais seria relembrado.
A primeira ação do pai foi ordenar que o melhor traje fosse
vestido no filho, e que sandálias lhe calçassem os pés e um anel lhe
fosse posto no dedo — tudo isso enquanto ainda estavam bem ao
longe, vindo para a fazenda. A razão do procedimento paterno é
óbvia. Quando o filho percorresse a cidade e a fazenda vestido da
melhor roupa do pai, ninguém suspeitaria da miséria em que o
rapaz havia vivido. Isso seria um segredo entre pai e filho, perdoado
para sempre.
Se quisermos remover o veneno existente em nossa memória e
nunca mais nos lembrarmos de uma mágoa, devemos tomar esta
decisão: “Não conversarei sobre este assunto com mais ninguém,
nunca; será segredo entre mim e a pessoa a quem perdoei.”
Ao dar ao filho um anel, o pai tomou a segunda providência.
Enquanto estava no meio dos porcos, o moço havia preparado um
discurso em que pedia para ser considerado como empregado
diarista, simples servo.
Se o pai quisesse fazê-lo pagar pelo seu pecado, aqui estava uma
excelente oportunidade.
Na posição de trabalhador diarista, ele haveria de sentar-se
muitas vezes na praça e ninguém o contrataria para trabalhar.
Ficaria sem dinheiro e teria muito tempo de ócio para pensar em
como as coisas poderiam ter sido diferentes. Olharia a casa de seu
pai e se lembraria de que havia nascido a fim de tomar-se co-
proprietário da fazenda. Teria vivido no desespero punitivo de sua
própria tolice e pecado.
Se o pai não houvesse agido como agiu, esse pai olharia para a
praça todos os dias, lembrando-se de que o filho pagava pelo pecado
cometido. O pai traria à memória toda a história, e reviveria todos
os episódios.
Km vez disso, o pai reinstalou o filho e deu-lhe um anel.
Naqueles dias, tal anel não era apenas peça de joalheria, mas o
equivalente a um cartão de crédito. Tratava-se de um anel com
sinete, trazendo a assinatura do proprietário e a garantia de
pagamento de quaisquer mercadorias compradas pelo usuário.
Ao proceder assim, o pai agiu com deliberação no sentido de
eliminar tudo que pudesse lembrar a qualquer deles as mágoas
passadas. A fim de perdoar e eliminar a mágoa de sua vida, o
perdoador precisa prometer a si mesmo que jamais trará à baila a
questão do pecado perdoado, nem para si mesmo nem para outrem.
A terceira ação paterna ocorreu quando ele conversou com o
filho mais velho. Quando este regressou para casa e ouviu os
ruídos da festa, permaneceu do lado de fora, mal-humorado, e
recusou-se a entrar. O pai saiu e pôs-se a insistir com o filho para
que entrasse e participasse das festividades domésticas, das boas-
vindas ao irmão. O moço, zangado, não se mostrou nem um pouco
interessado em dar boas-vindas... tudo que ele desejava era
reconstituir o que o pródigo havia feito, a vergonha e embaraço
trazidos a si mesmo e ao pai.
O pai poderia ter concordado com o filho mais velho que o caçula
lhes havia causado muita tristeza. Se houvesse agido assim, teria
aberto a oportunidade para sentir-se condescendente demais para
com o filho que regressara, e lembrar-se de quanto teria de lhe
perdoar. No filho mais velho, de pé à sua frente, ele encontraria
ouvido “compreensivo”: o moço teria imenso prazer em continuar a
reconstituir os crimes que o caçula havia cometido contra Deus, a
sociedade e seu pai.
Mas em vez de prosseguir nessa conversa, o pai sutilmente
repreendeu o filho mais velho: “Mas era justo alegrarmo- nos e
folgarmos, porque este teu irmão estava morto e reviveu, estava
perdido e foi achado.” (Lucas 15:32).
Ao recusar-se a prosseguir naquela conversa, o pai disse que o
passado era um livro fechado que não seria discutido de novo.
A pessoa que perdoa e toma providências para não lembrar- nos
mais do caso, precisa determinar consigo mesma que nunca trará
os eventos à baila, que jamais usufruirá do prazer mórbido de
apreciar o grande débito perdoado! No que concerne ao crente
perdoador, o arquivo está lacrado.
Ao descrever o amor de Deus em nossas vidas com relação ao
perdão, assim escreveu Paulo: “(O amor) (ágape) .. .não suspeita
mal” (1 Coríntios 13:4,5). Outra tradução diz: “O amor... não
arquiva listas.” Esta reflete exatamente o que o texto está dizendo.
O perdão parecido com o de Deus não fica consultando arquivos a
fim de confirmar como foi grandioso o ato de perdoar!
O pai selou suas ações com um churrasco de novilho nédio.
Necessitamos em nossa vida de um momento em que reconhecemos
que o que passou, passou. Tracemos uma linha hoje, e perdoemos a
todas as pessoas acima dessa linha que contribuíram para nos
queimar espiritualmente, ou que colaboraram para isso mediante
açÒes e palavras.
Ninguém perdoa a alguém boiando abulicamente; trata-se de
decisão seguida de ação. Às vezes o perdão dado a alguém não pode
ser pronunciado ou realizado de maneira pessoal a tal pessoa, mas
deve ocorrer na presença de Deus, mencionando-se o nome do
indivíduo a quem estamos perdoando.
Tenho verificado que a pessoa queimada no que concerne às
coisas espirituais possui, geralmente, uma lista comprida, cheia dos
nomes daqueles que precisam ser perdoados. Não tire o assunto de
sua frente dizendo: “Eu perdôo a todos eles!” Traga à mente cada
pessoa, na presença de Deus, e permita que sua fé mencione o nome
do indivíduo, e perdoe-lhe a mágoa específica que lhe causou.
Lembre-se de que você está pronunciando suas palavras de
perdão pela fé; mas os sentimentos não acompanharão necessaria-
mente de imediato essas palavras. Muitas vezes, nossa reação pela
fé ao Cristo que vive em nós permanece despida na Palavra de Deus
durante longo tempo, até que os sentimentos corretos cheguem.
Há alguns anos uma pessoa me fez um grande mal. Cheia de
inveja por causa da maneira como Deus me estava usando, começou
a espalhar mentiras, procurando destruir meu ministério. A
situação agravava-se pelo fato de essa pessoa ter sido meu amigo
íntimo.
Certa noite, a crise explodiu diante da congregação. A essas
alturas o assunto tinha ido longe demais, e nada havia que eu
pudesse fazer. Para minha mente limitada, parecia que meu
ministério havia chegado ao fim. Em desespero entorpecido, saí da
igreja.
Vi-me numa estrada rural deserta; havia trevas ao redor e
também em meu espírito. Pensamentos de raiva e amargura
turbilhonavam dentro de mim. Perguntas e mais perguntas
giravam em minha cabeça. . . como é que aquela pessoa havia
descido tão baixo ao ponto de fazer tal coisa contra mim?
Eu sabia que o ressentimento e o ódio tentavam aninhar-se em
meu coração. Sabia também que, a menos que o assunto fosse
resolvido naquela mesma noite, meu inimigo não precisaria
destruir-me. .. eu me destruiria a mim mesmo mediante a falta de
perdão.
Parado no meio da estrada, pronunciei o nome do homem que
havia sido meu amigo e agora seria meu destruidor. Em seguida, eu
disse: “Eu te perdôo no nome de Jesus Cristo, o Senhor. Meu Deus e
Pai, não lances esse pecado na conta dele. Reconheço que já foi
colocado sobre Jesus, e cancelado. . . Não vou atirá-lo contra esse
homem de novo.” Voltei-me e caminhei pela estrada abaixo. Eu
havia traçado minha linha pela fé, e a questão tinha sido resolvida
no meu coração, com o meu Deus.
Dez minutos depois, recomecei a sentir que a fúria, a auto-
piedade e o ressentimento cresciam de novo em meu coração. “Como
é que ele pôde fazer isso?” indagava meu espírito magoado. Parei e
disse em voz alta: “Há 10 minutos essa pessoa foi declarada
perdoada, o caso está encerrado, e eu não vou discutir o assunto
nem comigo mesmo nem com ninguém.”
Durante os dias e semanas seguintes, muitas vezes tive de parar
o que eu fazia e declarar que, a despeito de toda a pressão de meus
sentimentos, que já havia pronunciado a palavra de fé e de perdão.
Foram-se embora tais sentimentos, visto que isso é tudo o que eles
são: sentimentos apenas! Meu verdadeiro eu está em comunhão
com Cristo, o perdoador em ágape.
E preciso observar que eu passei a não me sentir irado, atirando
emoções contra aquela pessoa. Na verdade, durante aqueles dias eu
nada senti a respeito dela. Todavia, planejava o que fazer no futuro.
Aos poucos, o tempo decorrido entre os retornos dos sentimentos
negativos foi ficando cada vez maior até que, finalmente, nunca
mais voltaram.
Ainda posso lembrar-me daqueles dias. Posso reviver com toda
nitidez a história daquela noite. Contudo, lembro-me de tudo
apenas como história, e nada mais. Nenhum ressentimento,
nenhuma amargura, nenhum poder capaz de magoar a mim ou a
outra pessoa.
A história de Jesus alimentando a multidão ilustra com
perfeição a maneira como devemos agir em situações semelhantes.
A multidão havia estado com Jesus durante algumas horas, e os
discípulos se sentiam ansiosos, muito tensos, porque alguns dentre
a multidão poderiam desmaiar de fome. A solução deles era mandar
as pessoas embora; que encontrassem comida onde fosse possível.
Jesus, porém, atirou o problema no colo dos discípulos,
ordenando-lhes que lhes dessem de comer! André trouxe o menino
que tinha cinco pães e dois peixinhos, sublinhando o fato de que este
era todo o alimento de que as pessoas dispunham.
Neste ponto é preciso seguir cuidadosamente os movimentos
exatos da história. Tendo ordenado que as pessoas se sentassem,
Jesus partiu os pães e peixes, dando-os aos discípulos... cinco pães e
dois peixinhos partidos e distribuídos entre doze discípulos — doze
porções.
Considerando-se que se tratava do lanche de um menino, Jesus
não dividia pães grandes ou peixes grandes. Os discípulos acabaram
tendo nas mãos um pedacinho de pão e um pedacinho de peixe. Aos
seus ouvidos teria soado bastante ridícula a ordem de Jesus para
que eles mesmos alimentassem o povo. Mas lembre-se de que eles
não sabiam como terminaria a história!
E bem difícil imaginar como é que eles teriam começado. .. talvez
entregando migalhas quebradas. Logo se tomou claro para eles que
sempre que davam um pedaço, outro do mesmo tamanho
permanecia em suas mão! Eles tinham nas mãos pedaços infinitos
de pão e peixe! Assim que compreenderam este fato, passaram
entusiasticamente a entregar o alimento ao povo, embora nem
sequer pudessem senti-lo nas próprias mãos.
Jesus demorou um bocado em permitir-lhes que colhessem tudo
quanto havia sobrado, e assim poderem desta forma perceber o
tamanho daquilo que haviam realizado.
Cristo está em nós, como nosso tipo divino de amor, e nesta fé
devemos sair e começar a distribuir amor e perdão. E quando
percorremos os nossos caminhos da vida, e agimos como se ele
estivesse aqui dentro de nós, que comprovamos que ele realmente
está dentro de nós. Só mais tarde é que nossos sentimentos nos
alcançam.
Em muitos casos, as pessoas nem sequer sabem que feriram
você. Em tais circunstâncias, você pode perdoá-las de onde está, a
sós, na presença de Deus. Não seria justo apresentar a tais pessoas
problemas que elas nem sequer sabiam existir!
Outras poderão de início prosseguir na ação que o está ferindo, e
enquanto Deus não operar no coração dessas pessoas, a
reconciliação será impossível. Que lhes seja dado perdão na
presença de Deus, da mesma maneira como o pai perdoou o filho
muito tempo antes de o filho pedir-lhe perdão. É imperativo que
você não retenha o perdão de tais pessoas, e que esteja sempre
pronto a aceitar que Deus opere a reconciliação.
Se existe barreira entre você e a pessoa que o magoou, da qual
vocês dois estão cientes, peça-lhe que o perdoe o pecado de
alimentar ressentimento. Partilhe isso, após ter estado no deserto
da queima espiritual, e você de novo estará voltando à vida,
desejoso de ver curadas todas as suas feridas.
Talvez existam pessoas com as quais você jamais terá amizade
íntima; todavia, você deverá sempre ostentar um coração de amor e
de fé para com tais pessoas. Permita que o Espírito Santo derrame
fé em seu coração, em prol da pessoa a quem você perdoou. A
natureza humana tem tendência à suspeição: receamos que as
pessoas voltem a agir da maneira como de início nos feriu.
A carne não consegue ver o modo como Deus opera na vida de
algumas pessoas e promove maior maturidade em Cristo. Todavia,
você deve crer que o Espírito de Cristo está operando naquelas
pessoas do mesmo modo como operou em você.
Vemos uma sombra deste fato quando a mamãe apanha o bebê
que engatinha, ergue-o nos próprios pezinhos e lhe diz: “Vá para
onde está o papai!” Aos olhos de um transeunte anônimo que
desconhece o modo como os pais tratam os filhos, isto até parece
ridículo! O bebê não sabe o que a mamãe quer dizer com “vá”, e é
óbvio que os músculos das pernas não têm desenvolvimento
suficiente para que a criança ande. Mas ela repete o processo vezes
e vezes sem conta. E um dia a criança sai andando.
Os pais agem dessa maneira porque depositam fé no fato de a
criança ser uma pessoa humana: é previsível que um dia ela
andará ereta. Uma fé assim está acoplada ao amor que fornece
paciência infindável, e tudo isso no fim produzirá o crescimento da
criança.
Não permita que qualquer resquício de amargura permaneça em
seu coração. Deixe que o dia de hoje seja o dia de receber o perdão de
Deus por todo o ressentimento que cresceu livremente no período de
exaustão espiritual. Que esse novo dia veja o início de nova vida em
que você perdoará
a todos quantos o magoaram e, sem dúvida, vão magoá-lo.
À medida que sua fé vai liberando para Deus todas as
pessoas que o feriram, comece a esperar que o Senhor trará não
apenas a sua maturidade em Cristo, mas a dessas pessoas
também.

O Ministério do Perdão

O crente que se esgotou espiritualmente está, na verdade,


numa posição propícia a um grande crescimento espiritual.
Os fracassos, o horror de perceber a própria fraqueza e
desamparo, tudo isso compõe o portal de entrada para uma nova
vida! Essa pessoa está, agora, em condições de dar passos
gigantescos na direção da graça e misericórdia de Deus, de
experimentá-las, caminhar numa nova vida e descobrir a realidade
de Cristo vivendo dentro dela como nunca antes.
Entretanto, a oportunidade para alcançar esta nova dimensão de
crescimento não se estende apenas à pessoa cuja vida espiritual
CAPÍTULO 20
extinguiu-se pela queima. Tal oportunidade está aí para todos os
que rodeiam a pessoa queimada. Todas as pessoas que tocam na
vida de um espírito ferido permanecem relacionadas às feridas.
Quando alguma parte de meu corpo se fere, meu corpo inteiro sente
dor. Da mesma forma, quando um membro do Corpo de Cristo
sofre, os que estão imediatamente ao seu redor sofrem também.
Os que estão bem perto da pessoa queimada gozam da
oportunidade perfeita de pôr a fé em ação. Todos nós temos cantado
hinos e salmos bíblicos que exaltam o amor, a graça e a paciência de
Deus; temos nos espantado diante do grandioso perdão vindo de
Deus.
Agora chegou o momento de praticar tudo quanto temos visto, e
crer. Chegou a hora de sermos de verdade a graça e o ágape de
Deus para a cana esmagada e para a torcida que fumega, de sermos
a mão estendida do perdão de Deus aos feridos e magoados.
Nossa reação diante daqueles que sucumbiram de exaustão na
estrada da vida é o verdadeiro teste final de nossa compreensão da
graça de Deus. Com demasiada freqüência, nossa com- preensão do
amor de Deus inicia-se e encerra-se com o cântico do hino
“Maravilhosa Graça”! Quando nos vemos diante de uma
oportunidade para pô-la em prática efetivamente, tendemos a
colocá-la de lado — a coisa não funciona.
Quando encaramos o fracasso de um dos filhos de Deus, somos
levados à força à posição de reafirmar tudo aquilo em que cremos.
Nunca teremos compreendido verdadeiramente o perdão de Deus
para nós enquanto não estendermos o perdão a nossos irmãos e
irmãs em Cristo.
O fato estranho é que achamos bem mas fácil perdoar a nossos
vizinhos não crentes do que a nossos irmãos e irmãs na fé! Ao
rejeitar o pavio fumegante de um irmão, estamos nos associando
aos legalistas e inventores de preceitos legais, e votando contra o
Cristo que se deleita em restaurar pessoas espiritualmente
esgotadas.
Resguardemo-nos contra a atitude de somente nos mantermos
ao lado de uma pessoa se esta agir como crente responsável, e de a
abandonarmos caso falhe em seu comportamento. Se o irmão que
falhou conosco deve ser punido, e nada mais queremos com ele,
então não o amamos. Podemos dizer que o amamos de longe, mas
isso não é amor!
O crente ferido em nosso meio obriga toda a comunidade da fé a
reconsiderar os alicerces sobre os quais se fundamenta a nossa
aceitação diante de Deus. Talvez seja por isso que os legalistas se
zangam tanto diante dos que tombam... é que são obrigados a ver a
falta de lógica de sua própria posição. Será que alguém é aceito por
causa de seu tremendo zelo pelas coisas espirituais? Será que
somos bem-vindos à presença de Deus devido ao nosso modo de
viver — que se aproxima bastante da perfeição? Até mesmo o
legalista há de admitir que nada disso é verdade.
Somos aceitos única e exclusivamente à base do que Jesus fez
por nós em sua morte e ressurreição. Reafirmo minha fé na
redenção de Cristo quando meu irmão erra e, a despeito de seu mau
comportamento, eu lhe estendo perdão e graça.
Se um ser humano viesse a escrever o epitáfio de Davi, este
seria o seguinte: “Aqui jaz um dos maiores fracassos jamais
conhecidos do povo da aliança.” Mas Deus escreveu a respeito de
Davi que ele era homem segundo seu coração (Atos 13:22). Deus
não pára de trabalhar no crente espiritualmente exausto e ferido
no processo de santificação. Davi entendeu isto, e escreveu seu
próprio testemunho da grandeza de Deus: A tua clemência me
engrandece (Salmo 18:35).
Ao aproximar-se da fronteira do Egito, Abraão preocupou-se e
sua fé entrou em colapso. Sabia que o faraó estava sempre à
procura de mulheres bonitas para o seu harém. Sabia também que
o faraó se livraria de qualquer marido que não estivesse disposto a
entregar-lhe a esposa.
Abraão disse rudemente à sua bela companheira Sara que o
faraó poderia tomá-la, se o quizesse; ele não estava disposto a
arriscar o próprio pescoço por causa dela. O patriarca a instruiu
para que dissesse a faraó que era sua irmã. No momento em que
Sara mais precisava do apoio, da proteção e do amor do marido,
Abraão agiu como vim covarde e a abandonou. Nesse aspecto,
Abraão foi um fracasso total.
Entretanto, Deus não abandonou Sara, nem abandonou seu
marido covarde e mentiroso. Ele operou na vida desse homem de
modo que, nas páginas das Escrituras, Abraão é chamado de amigo
de Deus. Mas qual teria sido nossa reação diante de Abraão se ele
fosse membro de nossa igreja?
Fracassos assim deveriam funcionar como janelas escancaradas
pelas quais o amor de Deus entraria como luz. Quando estiver
tratando de pessoas que se queimaram espiritualmente, é preciso
que você seja parte do ágape de Deus derramado.
Quando vejo líderes eclesiásticos e presbíteros condenando os
que caíram, e sobre eles chacoteando, estremeço em meu espírito.
Será preciso que tais líderes e presbíteros sejam também atirados
ao desamparo para conseguirem ver a graça de Deus? Tomar-se-ão
canas esmagadas dentro de um ano?
A presença de um crente espiritualmente esgotado fomece- nos a
oportunidade de assumir nosso lugar em Cristo para que, com os
olhos da fé, possamos enxergar através do fracasso e perceber que
ali está um instrumento que Deus não vai jogar fora. Deus vai
modelar essa pessoa e transformá-la num lindo instrumento de sua
graça.
Não devemos jogar fora o pavio fumegante que nos perturba, e
sim, em comunhão com Jesus, transformar esse crente debilitado
em luz gloriosa no mundo. Sejamos a expressão tangível do amor de
Deus aos que caíram. Estando em comunhão com Cristo, fomos
chamados para amar os que caíram, não para julgá-los.
Considere tudo quanto Deus registrou a respeito de seu povo: o
pecado de Davi, a covardia de Abraão, o desespero de Elias quando
este clamou a Deus para que lhe tirasse a vida; Pedro negando a
Cristo no momento em que o Senhor mais precisava dele.
Será que Deus registrou essas minúcias a fim de causar
embaraço a essas pessoas por toda a eternidade? Será o registro
escriturístico uma forma de punição pelos pecados delas? Assim se
expressou um legalista religioso: “Deus é fuxiqueiro! Quando você
erra, ele conta para todo o mundo.”
A verdade é bem o contrário. Nessas histórias chocantes Deus
está calmamente dizendo que ele não se embaraça diante de nossos
erros, e que sua graça estende-se infinitamente além de nossas
maiores expectativas.
Quando uma pessoa atinge determinado grau na compreensão
da graça de Deus, tal pessoa é convocada para tomar-se canal de
graça aos fracos e aos exaustos ao seu redor. Esta pessoa não vai
apenas murmurar: “Eu te amo”, mas vai transformar-se em amor
aos feridos e caídos. Na verdade, devemos tomar-nos a mão
restauradora de Cristo na redenção das canas esmagadas, em vez
de mão rude que as joga fora.
Jesus ilustrou essa questão ao contar-nos a história do bom
samaritano. Em certo sentido, a pessoa que viajasse sozinha pela
estrada de Jerusalém a Jericó estaria recebendo o que pediu. Essa
estrada era famigerada. Bandidos espreitavam nas cavernas e
rochas ao longo do seu trajeto. Os moradores da região a chamavam
de “estrada sangrenta!”
Se alguém precisasse viajar sozinho por ali, era melhor andar
bem depressa. O homem da parábola não era tão rápido assim, e
depois de espancado e roubado, foi abandonado semi- morto na
sarjeta.
Jesus inclui em sua história dois transeuntes que exerciam a
profissão de religiosos. Jericó era cidade escolhida para residência
dos oficiantes do templo. Portanto, era comum ver-se levitas e
sacerdotes indo e vindo ao longo dessa estrada.
Os dois profissionais da religião estão com pressa; suas mentes
transbordam de Salmos e de passagens das Escrituras próprias
para o culto no templo. Ambos viram o pobre homem precisando
desesperadamente de ajuda e ambos acharam melhor apressar o
passo e sair logo daquele lugar. “Sabe-se lá!” talvez pensassem. “É
possível que ele seja apenas uma isca; se alguém tentar ajudá-lo se
transformará na próxima vítima. Além do mais, se eu me envolver
com esse homem ensangüentado a minha mente se desviará do
culto a Deus."
O interessante é que, ao narrar sua história, Jesus escolheu um
samaritano para ser a mão ajudadora, cheia de amor. Os
samaritanos eram desprezados e odiados pelos judeus. Os mais
religiosos de Israel os evitavam, excluindo-os da possibilidade de
salvação. Mais do que qualquer outro povo, os samaritanos sabiam
o que é ser sempre rejeitado, indesejável e solitário. Mas todos
quantos se vêem feridos têm maior facilidade para tornar-se canais
do amor de Deus.
O desconhecido atirado à sarjeta era um judeu que, se estivesse
cônscio, teria amaldiçoado o samaritano que se aproximava. Teria
atirado pedras nele. O desprezado samaritano tomou-se exemplo
vivido do tipo de amor divino, ao arriscar a própria vida por uma
pessoa que, na dura realidade, é seu inimigo. O samaritano foi
além: partilhou seu estojo de primeiros socorros, conduziu o ferido
em seu jumento, e pagou a hospedagem do judeu.
A religião destituída da graça não mudou nada ao longo dos
anos. Ela ainda abandona os feridos nas sarjetas. Reconhecer a
existência dos necessitados, fazer alguma coisa em prol de alguém,
são coisas que atrapalham o funcionamento perfeito do culto
público, e embaraçam a igreja. Será que só existem carrascos no
exército de Deus? Não existe uma Cruz Vermelha?
Após termos experimentado a imensa graça do Senhor, tratamos
nossos irmãos decaídos com muita simpatia. Mas Paulo foi homem
de visão bitolada. Era muito difícil trabalhar com ele. A pessoa que
não tivesse desprendimento total, ele a despedia como incapaz.
Exemplo disso foi João Marcos, rapazinho que acompanhou seu tio
Bamabé e Paulo na primeira viagem missionária. Por alguma
razão, Marcos regressou antes mesmo de iniciar (Atos 13:13).
Marcos voltou para sua mãe, em Jerusalém. Estava espiri-
tualmente queimado. Com essa atitude ele colocou seus amigos
numa situação embaraçosa, pois eles viam nele um gigante
espiritual posto à parte para viajar com o grande apóstolo Paulo.
Quando Paulo e Bamabé regressaram de sua viagem e
testemunharam das grandes maravilhas que Deus operou, João
Marcos ouviu tudo certamente com lágrimas nos olhos. Em sua
solidão, pensou: “Como teria sido se. ..” e “Se eu tivesse agido..."
Tempo depois houve uma conversa a respeito de uma segunda
viagem missionária. João Marcos prontamente apelou a seu tio,
pedindo outra oportunidade. Bamabé foi rápido em ver a graça de
Deus operando na vida do jovem e convidou-o para acompanhá-los.
Porém, quando Paulo ouviu sobre o que Bamabé havia feito,
recusou-se veementemente a permitir que João Marcos os
acompanhasse. Sua decisão era final: aquele que havia abandonado
a obra missionária uma vez, nunca mais teria outra oportunidade.
A discussão entre Paulo e Bemabé foi tão calorosa que se
separaram. Paulo tomou a Silas como companheiro, e Bamabé
tomou João Marcos, indo para Chipre.
Contudo, João Marcos não pôde esquecer-se de que havia sido
rejeitado pelo grande apóstolo. Via-se a si mesmo como um pavio
queimado, uma cana rachada, imprestável. Embora o Novo
Testamento não nos dê informações, a Igreja primitiva nos diz que
João Marcos encontrou-se com Pedro, talvez durante um almoço
em Jerusalém. Marcos narrou-lhe sua história de fracasso e
rejeição.
Posso ver Pedro sorrindo. Posso ouvir-lhe a voz roufenha: “Eu
abandonei o meu Senhor quando ele mais precisava de mim, e eu
estava bem perto dele — a alguns metros de distância. Xinguei e
declarei que nunca tinha visto Jesus. Entretanto ele me chamou, e
não apenas me perdoou, mas me nomeou para alimentar seu
rebanho.”
Pedro, a cana esmagada que agora produzia música para a
glória de Deus, o pavio fumegante que agora, aceso, iluminava e
afastava as trevas para a glória de Deus, tomou João Marcos e
ambos viajaram juntos. Marcos tomou-se evangelista de grande
sucesso da igreja apostólica e, mais tarde, redigiu muitos dos
sermões de Pedro. Hoje, chamamos essa compilação de mensagens
de “Evangelho de Marcos”.
Enquanto isso acontecia, Paulo viajava por todo o império
romano ensinando, pregando e também vindo a conhecer-se a si
próprio, identificando suas fraquezas e reconhecendo o quanto
precisava dos outros. No fim, sozinho e machucado pela vida, Paulo
escreve de sua cela, na prisão:
“Porque Demas me abandonou, amando o pre-
sente século, e foi para Tessalônica, Crescente
para a Galácia, Tito para a Dalmácia. Só Lucas
está comigo. Toma a Marcos, e traze-o contigo,
porque me é muito útil para o ministério.”
(2 Timóteo 4:10,11)
Paulo havia chegado a conhecer-se a si mesmo, e a reconhecer
sua dependência total da graça de Deus. À medida que crescemos
em Cristo e chegamos à maturidade, percebemos que não há causa
em nós para a vangloria. Abandonados a nós mesmos, diante de
Deus não passamos todos de mendicantes!
Muitas vezes o caniço quebrado que atiramos ao rio, por ser
aparentemente inútil, toma-se o próprio instrumento usado por
Deus para trazer-nos sua graça no momento de nossa necessidade.
Paulo estava alquebrado e solitário. Quem sabia, melhor do que
João Marcos, o que isso quer dizer? E quem poderia ministrar graça
ao velho solitário melhor do que João Marcos?
Conhecendo nossa dependência pessoal da graça de Deus,
restauramos as canas esmagadas com humildade. Paulo fala disso
em Gálatas 6:1,3.
“Irmãos, se alguém for surpreendido nalguma
ofensa, vós, que sois espirituais, corrigi o tal com o
espírito de mansidão. Mas olha por ti mesmo, para
que não sejas também tentado...
Se alguém pensa ser alguma coisa, não sendo
nada, engana-se a si mesmo.”
Ao tratar de crentes queimados espiritualmente, chegamos a
perceber que nossa força não é de nós mesmos, mas de Cristo, que é
nossa vida.
Quando tratamos com essas pessoas, precisamos ver com os
olhos da fé. Precisamos enxergar o que está por trás das aparências.
Não devemos nos esquecer desse grandioso fato: Cristo vive
verdadeiramente no crente ferido! O próprio Deus está operando
nele tanto o querer como o realizar, segundo bem entende
(Filipenses 2:13).
Paulo, em 2 Coríntios 13:5, fala do teste decisivo para todos os
crentes:
“Examinai-vos a vós mesmos se permaneceis na fé;
provai-vos a vós mesmos. Ou não sabeis quanto a
vós mesmos, que Jesus Cristo está em vós? Se não é
que já estais reprovados.”
Paulo não enfatiza o comportamento, mas o teste final de Jesus
Cristo estar ou não em nós e em nosso irmão ferido. Pois o diabo
vive acusando seu irmão, dizendo-lhe que seu comportamento não
se afina com os padrões da lei de Deus, e que ele está fora da
comunhão com o Senhor.
Reitero de novo que nossa atenção deve focalizar sempre o fato
de que Jesus Cristo vive verdadeiramente dentro do crente
queimado espiritualmente, e que neste exato instante está operando
segundo seus propósitos de amor! Como instrumentos da cura para
os feridos, assumimos deliberadamente a esta altura uma posição
específica. Conseguimos enxergar, através do fracasso de nossos
irmãos, um Deus que, tendo começado boa obra neles, prosseguirá
nela até o fim.
Ao nos tomarmos o amor de Deus para as pessoas magoadas e
solitárias, devemos entender que elas nem sempre estão procurando
respostas. Freqüentemente nós as deixamos sós, e as evitamos por
causa de nosso receio de ficarmos sem palavras diante de seus
problemas.
O fato é que as pessoas feridas sabem que não existe neste exato
momento nenhum bem arranjado pacote de soluções para seus
problemas. Elas precisam é ser amadas por um ser humano que
disponha de amor semelhante ao de Deus. Isto significa amá-las
apesar de estarem erradas. Trata-se de um amor que diz: Eu não
tenho todas as respostas, mas desejo ser para você
tudo que você precisa que eu seja neste momento.”
Jesus pediu uma amizade assim no momento de sua maior
necessidade. Os escritores dos evangelhos descrevem Jesus
conforme o viram quando ele entrou no jardim do Getsêmani.
Começou a entristecer-se e a angustiar-se muito. Então lhes disse:
“A minha alma está cheia de tristeza até à morte. Ficai aqui e velai
comigo.” (Mateus 26:37,38).
Naquele momento Jesus desejou que três dos seus amigos
estivessem bem perto dele. É como se ele dissesse: “Sinto medo e
estou sozinho, e nem sequer posso explicar-lhes o que está acon-
tecendo. Basta que vocês fiquem comigo enquanto eu oro. Vocês
não precisarão dar-me respostas, dizer alguma coisa: simplesmente
fiquem comigo e orem.” Mas os três caíram no sono! Muitos e
muitos crentes exaustos espiritualmente têm experimentado o
mesmo: seus amigos caem no sono quando eles precisavam que
esses amigos estivessem ali atentos e acordados.
Ezequiel foi chamado a fim de partilhar as mágoas de seus
irmãos. Em Ezequiel 3:15, ele se dirigiu aos cativos que estavam
sentados, cheios de desespero, às margens do rio Quebar. Foi
instruído pelo Espírito para sentar-se e ficar de boca calada
durante uma semana. Ele não tinha respostas, mas ficaria sentado
com eles em seu desespero. Os amigos de Jó teriam feito bem em
aprender a lição de Ezequiel!
Quando você se dispuser a tomar-se o veículo do amor de Deus
aos exaustos, feridos e queimados espiritualmente, esteja
preparado para enfrentar o desânimo. Lembre-se do cão pastor
alemão, no fundo do meu jardim. A pessoa que passou pela rejeição
suspeita de tudo e não reage a nada. Receia que a mão estendida
seja um porrete disfarçado que se prepara para dar-lhe mais uma
surra e produzir-lhe nova vergonha pública.
Reanime-se mediante o fato de que Deus colocou em seu
caminho essa pessoa ferida, ainda sangrando, para que ele possa
amá-la por seu intermédio. Continue a amar e fique por ali até que
todas as barreiras tenham caído. Às vezes, ao constituir parte da
cura de alguém, exibimos com clareza cristalina o amor divino em
nossas situações humanas.
Segundo as estatísticas, Jerry era pastor muito bem-sucedido
numa grande igreja. A verdade é que ele se queimava na tentativa
de edificar a igreja. No meio de seu sucesso, desco* briu-se que o
pastor mantinha uma aventura adulterina com a esposa de um dos
diáconos.
Quando o caso foi anunciado numa assembléia da igreja, os
crentes ficaram mudos de tristeza. Todavia, não demorou muito e
muitos daqueles crentes reencontraram suas línguas e espalharam
os mexericos por toda a cidade.
No meio de toda essa confusão estava Lynn, esposa de Jerry. Ela
não só se sentia ferida pelo que o marido havia feito, como também
se sentia a maior idiota do mundo por ter sido a última a saber o
que ele aprontara. Ela ficou em casa chorando, envergonhada,
incapaz de sair à rua, onde seria cumprimentada com olhares
maliciosos tipo “eu já sabia de tudo”, ou encontraria alguém que lhe
diria que “sabia de tudo havia muito tempo”. Resolveu divorciar-se
de Jerry.
Porém, certa noite Lynn acordou e teve a impressão quase
tangível da presença de Deus em seu quarto. Ela conta que ouviu a
voz de Jesus dentro de seu coração, uma voz tão real como se fosse
audível.
Jesus lhe disse que Jerry havia quebrado a aliança do casamento
e, por isso, de acordo com a lei, ela poderia divorciar- se dele. Mas
em seguida Cristo lhe apresentou a alternativa: “Todavia, você pode
não apenas perdoá-lo, como eu fiz, mas unir-se a mim no processo
de trazê-lo à restauração.”
A revelação da presença de Deus inundou-lhe o ser, e ela chorou
durante longo tempo. Viu como ela própria havia sido perdoada
livremente pelo sangue de Jesus, e sabia que Jerry havia sido
perdoado pela mesma graça. Por fim, ela se recompôs e se dirigiu à
outra extremidade da casa onde Jerry dormia.
Ajoelhou-se ao pé da cama do marido e contou-lhe sobre a
presença divina que havia experimentado. Em seguida tomou- lhe a
mão e disse: “Jerry, eu te perdôo no nome do Senhor Jesus. Quero
que você saiba que eu me uni a Cristo a fim de ser parte de sua
restauração.”
Demorou algum tempo, mas Jerry foi restaurado para Deus e
para Lynn. O casamento deles curou-se, e hoje pastoreiam de novo.
Ele é um caniço quebrado que foi restaurado... pelo simples fato de
ter sido concedida a Lynn a graça do ágape, mediante a qual ela
pôde tomar-se o poder restaurador de Deus para seu marido.
Há, hoje, milhões de irmãos e irmãs feridos na igreja. Você
mesmo poderá ser um deles. Pode estar exausto das energias
espirituais, queimado e magoado. Pode ser também que você esteja
passando por uma fase de sentimento real de culpa e desespero. Ou
pode ser que você seja apenas alguém que contempla um desses
irmãos ou irmãs machucados.
A chamada do Espírito, tanto para quem sofre como para quem
observa o sofrimento, é no sentido de redescobrir a vastidão do amor
e da graça de Deus, e ousar agir pela fé. Deus nos perdoa os pecados
e erros do passado. Aceitamos seu perdão, mas continuamos a nos
sentir embaraçados por nossos fracassos; gostaríamos de escondê-
los num armário.
Todavia, se lhe permitirmos, Deus, em sua graça imensa, tomará
nossos erros e os incluirá no arcabouço de seu plano perfeito. No que
diz respeito ao nosso futuro, estamos agora vivendo segundo a Vida
eterna, inexaurível, existente em Cristo; Cristo em nós, a esperança
da glória (Colossenses 1:27).
Se entendermos que tudo isso é verdade, tanto em nossa vida
como na vida de todos os nossos irmãos e irmãs, assim nos dirá a fé:
“Muito obrigado, Pai; seja tudo como quiseres.”
Referências

The Amplified Bible (A Bíblia Amplificada) — Novo


Testamento. Copyright © 1954, 1958 por The Lockman
Foundation, La Habra, Califórnia, EUA.
The Emphasized Bible (A Bíblia Enfatizada) — Joseph
Bryant Rotherham, de Kregel Publications, Grand
Rapids, Michi- gan, EUA.
The Living Bible (A Bíblia Viva) — Copyright © 1971, de
Tyndale House Publishers, Wheaton, Illinois. (No Brasil,
publicada pela Editora Mundo Cristão.)
The New English Bible (A Nova Bíblia em Inglês) —
Copyright © de The Delegates of the Oxford University
Press e Curadores de Cambridge Press, 1961, 1970.
Usado com permissão.
The New Testament in Modem English — Edição revista. ©
J.B. Phillips 1958,1959,1960,1972. The MacMillan Publis-
hing Co., Inc. Nova York N.Y. — EUA. Usado com
permissão.

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