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Curadorias do fluxo
os desafios do intercârr.bio colaborativo
e do espaço das novas m ídias
Sara Diamond
T E iv1 Á T I C A • 5 A R A oI A M o N D 145
a/e R E V 1ST A oo P Ro G RA M A DE P o S - G RA o U A çÃo EM A RT E S V I SUA I S E BA • U F RJ 2 DD4
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transformação ao longo do tempo poderia ser engajada. O obstáculo que o museu
considerada uma prerrogativa curatorial. representava forneceu uma oportunidade para
artistas circularem a seu redor construindo outra
Participantes consistentemente transformam prática independente do tradicional mundo da
objetos midiáticos que são enviados para sítios arte, uma que se apóia em redes sociais e
peer-to-peer; o papel do artista como fonte tecnológicas. Seriam curadores que colocariam a
original, assim como curador e como intérprete net art (arte na rede) dentro do contexto do
também está sujeito a desafios. O senso comum museu e da bienal, na Documenta, em Veneza,
considera que tem havido uma rejeição explícita São Paulo, na Bienal do Whitney e, agora, no
da posição de intermediário por parte do museu oficial. 14 A internet e depois a internet
público. A constelação de tecnologias que se visual, a www, têm atraído artistas desde o
desenvolveram a partir de e ao redor do começo, com projetos como o Electronic Café
Napster foi testemunha disso. Já é ultrapassado International, estabelecendo o palco para trocas
afirmar que o Napster provou o desejo de entre localidades e grupos de performers,
compartilhar música entre um enorme grupo de escritores e artistas visuais.
usuários. Um ponto menos compreensível é
que essas condições de troca criam a ilusão de Assim como desenvolveu-se a www, o mesmo
que mais valor está sendo produzido, mais do aconteceu com a arte na rede e com o discurso
que a ocorrência do roubo da propriedade cultural. Projetos representavam expressões
intelectual dos artistas. 10 Código aberto e individuais e novas formas de identidade de
software livre estão ainda disponíveis na rede grupo.'S Artistas criaram colaborações que
para capacitar troca e duplicação peer-to-peer reusavam e reenquadravam redes e criavam
(P2P). O vídeo caseiro permitiu criação, mas novas coletividades. Artistas que vieram de fora
não distribuição. O fato de que cada da artemídia mudaram-se para a www,
computador na rede possa dar a cada percebendo suas qualidades sociais e
participante a capacidade de criar e distribuir performativas como um lugar desejável de
conteúdo tem fundamentalmente o potencial de prática ou intervenção.
transformar idéias de uma fonte criativa e de
autoria restrita, mesmo se os usuários não o problema do coletivo
tirarem vantagem dessa oportunidade. A maioria
dos arquivos partilhados é composta por A idéia de que criatividade , presciência, visão,
aqueles de artistas amparados por enormes aura pudessem residir com o grupo é viável no
máquinas de marketing, como, por exemplo. contexto teatral, mas não no das artes visuais.
Britney Spears. O mundo da arte das novas Projetos de comitês, ou comitê central,
"
mídias está no momento te ndo um romance parecem ser temidos por um universo da arte
com as tecnologias peer-to-peer, com um onde o valor de mercado incide sobre a
sentimento ainda maior por código aberto, realização individual. Essas noções são
ve ndo o peer- to-peer como a corporificação da fundamentais para o entendimento americano
democracia e o código aberto tanto como pós-guerra de artista e vanguarda. Os
heróico quanto como emblemático de uma movimentos dos anos 30, tais como o
instância antiautoritária. Trabal hos pioneiros, tais Surrealismo, podem ter tido líderes - André
como o Open Source, de Vivian Selbo, prefaciam Breton especificamente, John Heartfield antes
esta senda que estou desenvolve ndo, discutindo dele -, mas operavam como coletividades
código aberto mais adiante neste texto. 12 coesas, com estéticas, metodologias e projetos
partilhados. MaiS ainda, colaboração tem sido
Outro contexto deve ser adicionado para chave em artemídia, dos futuristas até o General
formar o palco para a emergência e contínua Idea e os coletivos de vídeo do último século. A
resistência da www em práticas artísticas. 13 Nem prática coletiva em novas mídias é diferente
todos os museus estão abertos para as daquelas dos antecedentes nos coletivos de
revigorantes demandas da Artemídia em vídeo do século passado, embora haja algumas
audiências e recursos nos anos 90, conexões em termos de volição e estruturas.
particularmente uma Artemídia ativista e Novas mídias fizeram surgir formações neo-
anarquistas do movimento de mídias táticas, tais requerer colaboração intensiva entre indivíduos
como o Kingdom of Piracy e corporações como e práticas. Artistas freqüentemente partilham o
o ®tMark e Future Farmers of present day. 16 espaço criativo com cientistas, engenheiros e
técnicos. Palavras como "colaboração" e
Ocasionalmente, por equívoco, artistas pinçam "interdisciplinaridade" estão emergindo como
de volta a autoria individual quando, de fato, o ganchos da última moda, especialmente no nível
trabalho final é em alto nível dependente da institucional; a colaboração, porém, continua um
estreita colaboração com cientistas da desafio para instituições tradicionais apoiarem.
computação, designers e toda a sorte de outros
talentos. Isso coloca um desafio diante dos Qual é, então, o papel do técnico, engenheiro
curadores, que necessitam entender o real ou cientista da computação nessa equipe? É
processo de autoria em novas mídias e não necessária nova terminologia que reconheça,
aplicar hipóteses históricas que dão suporte aos quando apropriado, o papel fundamental dos
pilares da visão artística individual. Curadores técnicos em algumas colaborações com artistas.
tendem a individualizar - instituições podem Cientistas reivindicam identidades artísticas, e
-- minar verdadeiras colaborações se só um artista artistas, as cientificas. Isso não é necessariamente
está sendo creditado. Uma revista de arte uma estratégia sábia todas as vezes. Em vez
americana escreveu sobre "Radio 90", um disso, reconhecer o papel que cada campo de
artefato de colaboração legítima no The Banff conhecimento tem na criação pode ser mais
Centre, e creditou a Heath Bunting, do inteligente, mais preciso e finalmente mais útil
irational.org, esse rico ambiente de difusão, como um mapa do processo criativo. Essas
deixando suas colaboradoras mulheres, Susan colaborações, às vezes, sacodem hierarquias
Kennard e Cindy Schatkoski (que têm anos de que consistentemente colocam a ciência no
experiência com rádios altemativas sob suas topo. Outras vezes elas decoram a ciência. 17 O
cintas-ligas) fora da fotografia. ponto-chave é que a liderança muda entre o
artista e o técnico. Artistas têm receio de
O espaço das novas mídias combina autoria colocar isso porque eles vêm de trás, de uma
coletiva, uma intensificada supressão da divisão posição de autoridade relativamente inferior à
de trabalho tradicional - curador/artista/crítico do técnico. E com razão temem a invisibilidade.
/audiência - e espaços de exibição. É um espaço
onde o processo de trabalho, sua emergência e O relacionamento com a produção coletiva abre
sua feitura podem ser intencional ou um espaço diferente para a audiência, habilitada
acidentalmente mais interessantes do que o pelas tecnologias peer-to-peer, mas longe de seu
vestígio do trabalho acabado. Os artistas uso diário. Alguns artistas convidam a audiência a
parecem ter-se ajustado, até certo ponto, a essa remixar originais e mostram-se ansiosos para ver
mudança potencial, talvez porque eles usem seu trabalho modificar-se. A teoria da recepção
tecnologias e vivam dia a dia com seus valores sugere que a relação da audiência com as novas
inerentes. Podemos ver uma forte tradição de mídias pode ser bem performativa. Em
artistas eles próprios insistindo no discurso e no instalações alguns espectadores assumem o
nível do diálogo com colegas a fim de papel de ator/performer eles mesmos
estabelecer valor e contexto para seus trabalhos, enquanto outros sãp espectadores -, assim
como oposição à fixação de valor e significado como os papéis de audiência/jogador nas casas
dada pelo curador. Backspace, uma presença de jogos eletrônicos.
física e on-Iine no Reino Unido, fomecia espaço
físico e on-line para colaboração e intervenção. Trabalhos generativos ou cumulativos não só
engajam indivíduos, mas envolvem comunidades
O espaço das novas mídias está preenchido por inteiras, que podem escrever-se elas mesmas
equipes e colaborações, como o leque de dentro de uma existência mediática, por meio
habilidades que é necessário para criar um de trabalhos de arte na intemet. Alguns artistas
trabalho efetivo muitas vezes requer. O estendem sua colaboração aos espectadores.
problema da autoria coletiva não acaba aqui. Por exemplo, em Subtroct the Sky, de Sharon
Criatividade dependente de tecnologia tende a Daniels, Mark Bartlett e RaJa Guhatkakurta,
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TEM A T I C A • S A RA o IA M o N o 149
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Natas Cosic e Heath Bunting na Documenta como gra
tuita. Ver também Thomas, Catherine (ed.). The
I httD:!fNww.bls.gov/oco/ocos065. htm. Edge af Everything: Renections on Curotoriol
Proctice. Banff: The Banff Centre Press. 2002.
httD:/!vvww.banffcentre.caloressloublications/edge
2 Lunenfeld, Peter (ed.). The Digital Diolectic - New
everythin~.asD ·
Essoys on New Media. Cambridge: MIT Press,
2000
" Creating and Curating New Media, Banff New
Media Institute, 1998.
) Feer-to-peer (P2P), ponto a ponto, tecnologia que
permite a computadores que são também servi
I S httD:!fNww.futurefarmers.coml
dores coneàar-se entre si. [NT]
• Peer to Feer, Harnessing the Power of Disruptive 16 ASCI tenta prover um fórum de discussão sobre
Technologies, SF: O'Reilly, 200 1. arte e ciência (não somente novas mídias)
colaborações e sistemas que trabalham a partir de
exe mplos positivos.
S Roger Malina, Keynote Address, Isea Nagoya .
Symposium Proceedings, 2002
17 httD:/Iarts.ucsc.edu/sdaniel/newltext DroD.html.
6 Nortel Networks desorganizou-se devido a sua l i Ver Rhizome July 200 I para uma versão condensada
inabilidade de predizer o desenvolvimento das desse debate.
tecnologias que elaborou; havia mesmo grupo
chamado Disruptive Networks. 11 httD:/!vvww.whitneyorg/artDort/com missions/code
docbndex.shtml
9 Clay Shirky. Human Generosity Projeà, Keynote
Address, Banff New Media Institute. 200 I. 2) The Walker. com Steve Deitz no leme e Christiane
Paul. do Whitney; ambos levaram a um
10 Clay Shirky. Blur Conference. Creative Times, April desenvolvimento do discurso sobre arte e a rede.
2002. e têm encontrado formas efetivas de mostrar
novas mídias, incluindo peças basedas na rede no
11 Code Conference, Apri l 200 I. Cambridge, organi contexto da galeria.
zada pelo Arts Council of England. Ver também httD:l!colleàions.walkerart.orglitem/objeàl.
os extensivos discursos de Jamie King para Mute e
para o Kingdom of Piracy, 2002.
httD:!fNww·jamie.coml.