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Não entre em pânico se seu filho ouve vozes

Escrito pela Dr. Sandra Escher, uma das fundadoras da INTERVOICE e também
especialista no tema “crianças que ouvem vozes”, este Ebook se destina para
todos aqueles que querem entender mais sobre essa experiência, em especial
quando vivida pelos mais jovens.

As informações contidas nele são também para pais e profissionais que


trabalham com crianças. Busca-se validar o ouvir de vozes, entender o que isso
significa e ajudar as crianças a melhorarem não só sua qualidade como também
seus relacionamentos com suas vozes.

Sandra, ao longo dos anos, realizou a pesquisa mais detalhada e completa sobre
o fenômeno no mundo até hoje. Neste Ebook, ela oferece uma nova perspectiva
sobre o que as vozes podem representar e como você pode ajudar crianças que
vivenciam tal experiência.

Por que nós escrevemos este Ebook:

Escrevemos este Ebook com o intuito de que este pudesse servir de porta para
o desenvolvimento de novas e enriquecedoras maneiras de se pensar e agir
sobre a experiência de crianças ouvidoras de vozes.

Buscamos fornecer formas de auxiliar no desenvolvimento saudável da criança;


objetiva-se que essa cresça entendendo suas vozes, interpretando da melhor
forma esse aparecimento, quebrando assim os estigmas existentes.

Infelizmente, ainda são poucos os conselhos práticos disponíveis sobre crianças


e jovens que ouvem vozes á atender suas necessidades e também a de seus
pais e profissionais interessados. Essas pessoas são as mais importantes no
apoio aos pequenos.

Então, eu queria que todos soubessem que existem trabalhos possíveis de


serem feitos para auxiliar no desenvolvimento das crianças experimentando o
lado negativo dessa experiência.
Introdução:

O primeiro e talvez mais importante dado coletado por meio da pesquisa que
realizamos sobre a experiência de adultos e crianças que ouvem vozes
demonstrou que: ouvir vozes em si é uma experiência normal.

No entanto, dada a falta de estudos, pesquisas e do estigma entorno desse tema,


recorrentemente as pessoas acabam tornando-se pacientes psiquiátricas como
consequência por ouvi-las e não saber lidar com todas elas.

Para a maioria das crianças (60%), as vozes vão desaparecer ao longo do tempo
conforme está se desenvolva e aprenda a lidar melhor com os problemas da
vida.

Algo que muitos não sabem, por exemplo, é que as emoções envolvidas nessas
problemáticas podem ser o fator chave para o início da experiência de se ouvir
vozes. Normalmente, emoções negativas ou muito intensas.

Como a maioria dos pais e profissionais reagem quando descobrem que a


criança ouve vozes?

Descobrir que seu filho ouve vozes pode ser algo devastador. Alguns pais falam
sobre, por exemplo, a sensação de impotência e preocupação perante a
experiência do filho, ainda mais quando esta não exibe nenhum lado positivo.

Esta reação é bastante compreensível, pois, como os pais são naturalmente


protetores, não querem obviamente verem seus filhos aflitos, sofrendo ou
mesmo confusos sem saber para onde ir.

No entanto, há uma questão crucial e que precisa ser analisada sobre tudo isso,
que seria o porque de ser tão natural reagir desta maneira quando se descobre
que uma criança está ouvindo vozes.

Nossas reações são baseadas em informações que coletamos ao longo da vida


sobre o significado de ouvir vozes.
Estas, normalmente, são baseadas em suposições construídas pela sociedade
e baseadas em seus modelos, especialmente quando pensamos na crença
generalizada de que ouvir vozes seria o mesmo que viver com o transtorno
mental representado pelo termo "esquizofrenia".

A boa notícia é que esta crença não é correta. Embora seja um dado, que tais
experiências resultem em cerca de 60% das pessoas que as vivem sendo
diagnosticadas como esquizofrênicas, uma criança que ouve vozes, por
exemplo, não necessariamente aponta para mais um caso do transtorno.

Ouvir vozes em si é uma experiência normal do ser humano, mas é possível que
a criança se torne mais uma paciente psiquiátrica caso a família, os profissionais
e ela própria não souberem lidar isso da maneira correta.

Ouvir vozes e sua relação com experiências traumáticas:

Em nossa pesquisa descobrimos que uma estatística comum em ambos os


grupos, adultos e crianças, é a elevada porcentagem de experiências
traumáticas encontradas como gatilho para o inicio da experiência ouvindo
vozes.

Em adultos, cerca de 75% dos ouvidores começaram a ouvir vozes em


decorrência de algum um trauma ou situação causadora de impotência.

Alguns exemplos de traumas que provocaram o surgimento de vozes incluem:

 A morte de um ente querido;


 Divórcios;
 Perda de emprego;
 Constrangimentos públicos;
 Abusos físicos;
 Abusos emocionais.
Em relação as crianças, essa porcentagem foi ainda maior, chegando em 85%.
Alguns dos traumas mais conhecidos foram:

 Bullying na escola;
 Reprovações de todos os tipos;
 Internações em hospitais em decorrência de doença física;
 Abuso sexual e emocional.

As vozes seriam assim uma reação possível em relação a um problema ou


situação em que a criança ou o jovem não teria sido capaz de lidar sozinha.

As vozes como mensageiras

Outra descoberta surpreendente seria a de que as vozes indicariam, muitas


vezes, uma dificuldade ou problema encarado pela criança. Exemplo:

“A voz de um garoto de 8 anos de idade teria dito para que ele ficasse cego. Isso
acabou assustando sua mãe. Mas quando discutimos nós três sobre se haveria
algo em sua vida que ele não estaria conseguindo enfrentar, sua mãe entendeu
a mensagem das vozes. O menino não conseguia lidar com o casamento
problemático de seus pais. Ele não queria vê-lo daquela forma.”

Após essa e outras experiências, constatamos em nossa pesquisa que, sempre


que a atenção necessária teria sido dada aos problemas que a criança estava
enfrentando, elas tornavam-se capazes de estabelecer uma relação mais
construtiva com suas vozes.

Como resultado, as crianças passavam a ter menos medo de suas vozes. Para
maioria das crianças as vozes desaparecem ao longo do tempo.

Quando uma criança é capaz de considerar seus problemas, aqueles que estão
na raiz do seu sofrimento, as vozes deixam de ser o único foco de atenção da
criança e sua situação muda para melhor.
As vozes podem continuar, mas as crianças podem lidar com elas:

É importante entendermos que muitas vezes o desejo de fazer a voz


desaparecer pode ser um objetivo apenas dos serviços de saúde mental e não
necessariamente o desejo da própria criança.

Tem crianças que não querem perder o contato com suas vozes. Isso ocorre em
decorrência da melhora no relacionamento da criança para com elas que, aos
poucos, passam a auxilia-la espontaneamente.

Se a criança encontra dentro de si os recursos necessários para lidar com suas


vozes e as emoções que as constituem, então elas podem levar uma vida feliz e
equilibrada, sem distúrbios ou maiores dificuldades.

Apoio as Crianças:

O elemento mais importante no processo de mudar positivamente o


relacionamento da criança com a sua voz é o apoio que esta recebe da sua
família.

Infelizmente, nossas pesquisas demonstraram que estar no sistema de saúde


mental não necessariamente teve um efeito positivo sobre a experiência de ouvir
vozes das crianças e como entende-la de fato.

Constatamos também que "normalizar" a experiência pôde ajudar aos pais a lidar
melhor com as vivencias de seus filhos em relação as suas vozes.

Não pensar nelas como um desastre terrível, mas sim como um sinal de algo
que as está incomodando, algo que pode ser resolvido de várias maneiras, deu
abertura para isso.

Por outro lado, vimos que quando os pais não puderam aceitar que ouvir as
vozes em si poderia ser algo classificado como uma experiência normal igual a
qualquer outra, naturalmente seus sentimentos de medo e temor das vozes eram
transmitidos para as crianças.
Imagine por um momento, caso você fosse a criança com medo das vozes, ao
olhar para sua mãe e seu pai, seus protetores e referências de coragem nesse
caso, sentir e ver que ambos também sentem o mesmo temor e medo que você.

Isto, obviamente, coloca a criança sobre grande pressão e provavelmente pode


significar a ausência de fala por parte dela sobre aquilo que a incomoda. As
vozes, nesse contexto, se tornam realmente um transtorno para ela, uma
dificuldade.

Um segundo problema dessa narrativa é que, caso você como referência adulta
também tenha medo das vozes, esse medo pode tomar o espaço que poderia
estar sendo utilizado para a compreensão fiel do que realmente significa a
experiência ouvindo vozes de uma criança.

Sob medo, estresse e/ou ansiedade, dificilmente qualquer um poderia ouvir bem
a história de um filho falando sobre esse tipo de experiência, algo que não
permitiria o entender dos problemas relacionados as emoções que as vozes
buscam representar.

Em nossa visão, o que ajuda as crianças de verdade é uma abordagem


sistemática, uma que realmente esteja voltada para elas e para sua
compreensão do porque das vozes.

Como forma de ajuda, desenvolvemos um tipo de entrevista que pode auxiliar


no mapeamento dessas experiências, assim como em respostas qualificadas e
eficazes para as crianças: a Maastritch Interview.

Fechamento

Todo nosso trabalho pode ser utilizado como uma forma de entender o estresse
e o medo da criança que ouve vozes sem saber o porque.

Pode ser utilizado como forma de melhorar seu entendimento e relacionamento


para com elas, focando na experiência da criança e não necessariamente no
apontar de uma patologia. Para esse processo, os parentes e profissionais
próximos são essenciais.
Buscamos trabalhar em conjunto para encontrar soluções aos problemas e
dificuldades levantadas pela experiência mal compreendida de se ouvir vozes.

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Um pouco sobre Sandra Escher, autora do E-book:

Psiquiatra e também jornalista, Sandra começou a trabalhar com saúde mental


na Universidade de Maastricht, no departamento de psiquiatria social. Tornou-
se parte da equipe sênior do Centro de Saúde Mental Comunitária em Maastricht
no ano de 1987.

Em 1999, Sandra se tornou pesquisadora honorária na Universidade de Central


England, em Birmingham, aonde também se especializou.

Trabalha em conjunto com Marius Romme na INTERVOICE e possui dois livros


publicados. Seu principal foco de trabalho são crianças com transtorno mental e
ouvidoras de vozes.

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