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Zellacoracao

Concepções de linguagem e ensino de português – João


Wanderley Geraldi
zellacoracao

9 anos ago

“Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo
fato de que precede de alguém, como pelo fato de que se de que se dirige para
alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte.
Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro” (Mikhail Bakhtin)

No inventário das deficiências que podem ser apontadas como resultados do que já
nos habituamos a chamar de ‘crise do sistema educacional brasileiro’, ocupa lugar
privilegiado o baixo nível de desempenho linguístico demonstrado por estudantes na
utilização da língua, quer na modalidade oral quer na modalidade escrita. Não falta
quem diga que a juventude de hoje não consegue expressar seu pensamento; que,
estando a humanidade na ‘era da comunicação’, há uma incapacidade generalizada
de articular um juízo e estruturar linguisticamente uma sentença. E para comprovar
tais afirmações, os exemplos são abundantes: as redações de vestibulandos, o
vocabulário da gíria jovem, o baixo nível de leitura comprovável facilmente pelas
baixas tiragens de nossos jornais, revistas, obras de ficção etc.

(…)

1. Uma questão prévia

Antes de qualquer consideração específica sobre a atividade de sala de aula, é preciso


que se tenha presente que toda e qualquer metodologia de ensino articula uma opção
política – que envolve uma teoria de compreensão e interepretação da realidade –
com os mecanismos utilizados em sala de aula.

Assim, os conteúdos ensinados, o enfoque que se dá a estes conteúdos, as estratégias


de trabalho com os alunos, a bibliografia utilizada, o sistema de avaliação, o
relacionamento com os alunos, tudo isto corresponderá, nas nossas atividades
concretas em sala de aula, ao caminho por que optamos. Em geral, quando se fala
em ensino, uma questão que é prévia – para que ensinamos o que ensinamos? e sua
correlata para que as crianças aprendem o que aprendem? – é esquecida em benefício
de discussões sobre o como ensinar, o quando ensinar, o que ensinar, etc. Parece-
me, no entanto, que a resposta ao ‘para que?’ é que dará as diretrizes básicas das
respostas às demais questões.

Ora, no caso do ensino de língua portuguesa, uma resposta ao “para quê”? envolve
tanto uma “concepção de linguagem” quanto uma postura relativamente à educação.
Uma e outra se fazem presentes na articulação metodológica. Por isso são questões
prévias. Atenho-me, aqui, a considerar a questão da concepção de linguagem, apesar
dos riscos da generalização apressada.
Fundamentalmente, três concepções podem ser apontadas:

• a linguagem é a expressão do pensamento: esta concepção ilumina, basicamente, os


estudos tradicionais. Se concebemos a linguagem como tal, somos levados a
afirmações – correntes – de que as pessoas que não conseguem se expressar não
pensam;
• a linguagem é instrumento de comunicação: esta concepção está ligada à teoria da
comunicação e vê a língua como código (conjunto de signos que se combinam segundo
regras) capaz de transmitir ao receptador uma certa mensagem. Em livros didáticos,
esta é a concepção confessada nas instruções ao professor, nas introduções, nos
títulos, embora em geral seja abandonada nos exercícios gramaticais;
• a linguagem é uma forma de inter-ação: mais do que possibilitar uma transmissão de
informações de um emissor a um receptor, a linguagem é vista como um lugar de
interação humana: através dela o sujeito que fala pratica ações que não conseguiria
praticar a não ser falando; com ela o falante age sobre o ouvinte, constituindo
compromissos e vínculos que não pré-existiam antes da fala.

(…)

Neste sentido, a língua só tem existência no jogo que se joga na sociedade, na


interçocução, e é no interior de seu funcionamento que se pode procurar estabelecer
as regras de tal jogo.

(…)

Estudar a língua é, então, tentar detectar os compromissos que se criam através da


fala e as condições que devem ser preenchidas por um falante para falar da forma
que fala em determinada situação concreta de interação.

fonte: Concepções de linguagem e ensino de português. In: O texto na sala de aula – João
Wanderley Geraldi, 1984
Texto escrito em 1984 pelo professor João Wanderley Geraldi.

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