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BACOVIA

CHUMBO
Na poesia pre-moderna, como sabemos, o critério príncipal era a
harmonia e a beleza dos sonos, das palavras e das ideas. A mudação da
paradigma trouxe uma mudança visível: agora a poesia é agora apreciada
pela sua posibilidade de mostrar com a (e na) linguagem o estado de agonia
do homem moderno - uma visão claramente trágica em que o poeta parece
que luta com as palavras contra as palavras...

Um tipo de "Eminescu com nevrose" (?!), Bacovia, inicialmente, era


visto como um simbolista menor com pouca imaginação, com pouca
musicalidade e com poucas palavras. Eliade lembra-se que a sua geração
considerava Bacovia "um poeta menor, muito autêntico, mas menor".

É verdade que os críticos tiveram algumas intuições sobre a sua


poesia, sem antecipar o futuro estatuto de modelo poético. O crítico G.
Călinescu pensava que a poesia bacoviana "é uma transposição, às vezes até
pasticho, do simbolismo francês, mas com o temperamento dum Traian
Demetrescu. De Tradem - evocado num poema -, Bacovia herda o
sentimentalismo proletário, o modo refractário, a nostalgia doentia, as
filosofias «tristes» e, sobretudo, o tom de romanza comovente."

Eugen Lovinescu, entre os primeiros críticos, fez provavelmente a mais


precisa descrição: "A expressão dos mais básicos estados de alma, é a poesia
da cinestesia imóvel, que não se intelectualizá, que não se espiritualizá, que
não se racionalizá, cinestesia profundamente animal, secreção dum
organismo doente, como o húmido é a lágrima das paredes".

Outros críticos têm escrito notas tematistas, como Șerban Cioculescu


(que falava sobre "a chuva outonal sem fim" e "os montões de neve [que]
materializam o universo atrás, para a inexistência originar, para o estado de
indistinção dos elementos". N. Davidescu deu uma interpretação
memorável: "A poesia do senhor Bacovia, apesar da sua brevidade, tem algo
do peso com que, provavelmente, antigamente, tenham movido os grandes
plesiossauros no lodo primitivo antes do desaparecimento"...

De acordo com o semiólogo Marin Mincu, a poesia romena constrói,


com Bacovia, "pela primeira vez um ego poético próprio, capaz de
manifestar-se como uma unidade autónoma, por uma operação voluntária
de textualização". Já Călinescu, considerando que a imagem do poeta era
simplesmente uma pose, parece ser "um ilustrador do seu próprio mundo".
Ou seja, Bacovia não "inventou" um mundo exterior com formas interiores,
mas transcreve "a sua própria percepção esquizofrênica da realidade"
(Mincu), abolindo a distância retórica entre o sujeito e o objeto poético.
Toda a evolução das formas poéticas, pensava Mincu, aponta para este
estado da poesia "nua", o "grau zero da escrita" (Barthes).

A atmosfera bacoviana, a transitividade e o autenticismo agonal do


seu discurso são elementos importantes para a poesia depois do
expressionismo, até a poesia minimalista atual. Podemos fazer uma lista
enorma com poetas influenciadas por Bacovia:
 Ion Caraion (o amor é o pseudónimo da morte)
 Nichita Stănescu (A grandiosidade do frio)
 A.E. Baconsky (Cadáveres no vazio)
 Cezar Ivănescu (A Baaad)
 Virgil Mazilescu (será sossego será noite)
 Constantin Abăluță (O Caminho das Formigas)
 Dinu Flămând (Haverá vida antes do morte?)
 Petru M. Haș (silêncio)
 Vasile Vlad (O Homem Sem Permissão)
 George Almosnino (As Areias Movediças)
 Aurel Pantea (Negro Sobre Negro)
 Mircea Cărtărescu (nada)
 Mariana Marin (A Guerra dos Cem Anos)
 Ion Mureșan (O Livro do Inverno)
 Ioan Es. Pop (sem saído)
 Paul Daian (De hoje bebo sangue)
 Constantin Acosmei (A Brincadeira do Morto)
 Gabriel Daliș (:até sempre)
 Dan Sociu (o irmão-piolho)
 Claudiu Komartin (O Titereiro)
 Andrei Doboș (Inevitável)
 etc.

TEXTOS

Diálogo de inverno

A janela é um poema de chumbo e de faiscas...


A cidade dorme coberto de neve.
Muito mais tarde da meia-noite são as horas passadas...
No caos da vida nem nós não nos encontramos
Ó, venha, pelo menos, agora, pelas forças desconhecidas:
- Venha?
- Ó, tenho medo...
- Vê!
- Vamos!
- Vim;
- Onde?
- Perto de ti;
- Choro...
- Choro...
- Cale...
- Vamos...
- Vamos...
- No infinito...
- Cante
- Sonho:
- Sim...
- Não.
- Não...
- Menos:
- Menos...
- Mais:
- Mais...
- Harmonia
- Harmonia...
- Quando?
- Quando...
- Talvez:
- Talvez...
- Ah!
A janela é um poema de chumbo e de faiscas...
Um dia de geada no quarto entra...
As sereias do trabalho vibram, choroso;
A cidade é uma geleira de fumo, de sinetas
E de arrepio.
- Onde... onde?!

(tradução própria)
Chumbo

Dormiam profundamente os caixões de chumbo,


E as flores de chumbo e as funerárias vestes -
Estava só na cripta... e o vento gemia...
E rangiam as coroas de chumbo.

Dormia voltado o meu amor de chumbo


Sobre flores de chumbo, e a minha voz chamou-o -
Eu estava só junto do morto... e fazia frio...
E pendiam-lhe as asas de chumbo.

(tradução por Micaela Ghițescu)

Cenário

As árvores brancas, as árvores negras


Quedam-se despidas no parque solitário:
Cenário de luto, funerário...
As árvores brancas, as árvores negras.

No parque as mágoas vão chorando...

Com plumas brancas, plumas negras


Um pássaro de canto amargo
Atravessa o parque secular...
Com plumas brancas, plumas negras.

No parque os fantasmas vão surgindo...


E folhas brancas, folhas negras;
As árvores brancas, as árvores negras;
E plumas brancas, plumas negras,
Cenário de luto, funerário...

No parque a neve vai caindo...

(tradução por Micaela Ghițescu)

Lacustre

Há tantas noites oiço a chuva cair


E oiço a matéria chorar...
Estou sozinho, e un pensamento me arrasta
Para as habitações lacustres.

Parece-me dormir sobre tábuas húmidas,


Fustiga-me as costas uma vaga -
Entremeço no sono e suspeito
Que a ponte não foi retirada.

Um vazio histórico se estende


Nos velhos tempos encontro-me...
Sinto como sob a chuva sem tréguas
Os pesados pilares se vão desmoronado.

Há tantas noites oiço a chuva cair,


Estremecendo e esperando...
Estou sozinho, e um pensamento me arrasta
Para as habitações lacustres...

(tradução por Micaela Ghițescu)


Soneto

É uma noite molhada, pesada, afogas-te cá fora.


Pela névoa - cansados, vermelhos, sem horizonte -
Ardem defumados e tristes candeeiros
Como numa sórdida e húmida taberna.

Mais negra parece agora a noite pelos bairros...


Torrentes inundaram casas tristes -
E ouve-se tossir uma tosse amarga e seca -
Através de muros velhos que se estão a arruinar.

Como Edgar Poe regresso eu a casa,


Ou então como Verlaine, fundido de embriaguez -
Mas nesta noite nada me importa.

Depois, com passos de um engraçado compasso,


Ando às cegas pela casa escura,
E caio, e recaio, e não deixo de falar.

(tradução por Micaela Ghițescu)

Quadro de inverno

Caem montões de neve sobre o campo do matadouro


E o sangue quente escorre pelo canal;
A neve cobre-se de sangue animal
E neva sem cessar sobre o rinque de patinagem...
A brancura incendeia-se de sangue coagulado
E os corvos passeiam por sobre o sangue... e debicam-no;
Mas está-se fazendo tarde... no horizonte os corvos fogem
No campo do matadouro já anoiteceu.

E neva sem cessar no horizonte escurecido...


E agora, enquanto as janelas tristes se iluminam,
Para o matadouro se encaminham lobos deslumbrantes.
- Minha bem amada, sou eu à tua porta gelada...

(tradução por Micaela Ghițescu)

Negro

Carbonizadas flores, montões de negro...


Esquifes negros, queimados, de metal,
Vestes funerárias de braseiro,
Negro profunde, montões de negro...

Vibravam faiscas de sonho... montões de negro;


Carbonizado já, fumegava o amor -
Odor de plumas ardidas, e chovia...
Negro, somente negro, aos montões...

(tradução por Micaela Ghițescu)

Degelo

E o Outono, e o Inverno
Descem ambos;
E chove, e neva -
E neva, e chove.
E cai a noite
Suja e deserta;
E amarelas regressam
Doentes crianças da escola.

Húmidas são as paredes,


Enregelo de frio -
Com os que estão nas tumbas
Un pensamento me habitua...

E o Outono, e o Inverno,
Descem ambos;
E chove, e neva -
E neva, e chove.

(tradução por Micaela Ghițescu)

Forno

Há alguns mortos na cidade, minha amada,


Venho de propósito para te dizer;
Sobre o catafalco, de calor, na cidade, -
Lentamente, os cadáveres se decompõem.

Os vivos mexem-se decompostos também,


De calor transpira o seu barro;
Há cheiro de cadáveres, minha amada,
E mesmo os teus seios, hoje, estão mais caídos.
Deita, nas alcatifas, perfumes fortes,
Pra te cobrir traz-me rosas, muitas rosas -
Há alguns mortos na cidade, minha amada,
E, lentamente, os cadáveres se decompõem.

(tradução por Micaela Ghițescu)

Manhã

Um cafezinho simples... e uma chuva como de gelo,


E o alcool ainda a queimar cores no quarto -
Um olhar para um livro, para os trajes,
E levam-me os passoa à manhã.

Como o frio, igual que uma nova,


Chora trémulo sobre o meu e o teu...
Mais e mais fiques apenas com o que há,
E chove com um arrependimento.

Esqueci-me se andava... ainda apaixonado por mim...


Cheguei ao tempo, apanhei um lugar.
Mas pesa o pensamento com o seu bloco pesado...
Tudo é apenas vista... não posso mais falar...

(tradução por Micaela Ghițescu)

Com vocês

Melhor viver solitário e esquecido,


Perdido, recolher-se impassível,
Nesse país tão cheio de humorismo,
Melhor viver solitário e esquecido.
Ó génios entristecidos que perecem
No círculo bárbaro, desprovido de sentimento,
Por isso estás famoso no Oriente,
Ó país triste, cheio de humorismo...

(tradução por Micaela Ghițescu)

Liceu

Liceu, - cemitério
Da minha mocidade -
Professores pedantes
E difíceis exames...
Hoje arrepias-me ainda
Liceu, - cemitério
Da minha mocidade!

Liceu, - cemitério
De compridos corredores -
Já não sou eu hoje
E dói-me a mente...
Não quero mais nada -
Liceu, - cemitério
De compridos corredores...

Liceu, - cemitério
Da minha mocidade -
Ao mundo deitaste-me
Em penosos turbilhões,
Tão enfastiado...
Liceu, - cemitério
Da minha mocidade!

(tradução por Micaela Ghițescu)

Ideias

Canto, sobre a cidadela


Envelhecimento?!
À eternidade, disse lhe;
A esta linda música
Há faltas
No meu sangue.
Os anjos, sobre a cidadela,
Emotivas
Sobre algo mais novo?!
Telégrafo,
Telefone das esferas...
Há faltas
No meu sangue
II

Devaneios há muito tempo, ardentes sem chama


A menos que
Perdi a minha sombra
Entre o normal,
E as tentações.
Um vinho,
Seja qual for a caricia,
Exclua este fatal
Contrato
Com o mal Comerciante.
(tradução própria)

De arte

O café
Com os sonhadores malditos.
Anos passaram,
O simbolismo,
O movimento decadista.
Brochuras,
Jóias raras,
Paradoxos
O esquipático,
Tardes,
Noites,
Efusões de perfumes
E matizes.
A cidade dominante.

(tradução própria)

Epitáfio

"Aqui estou,
Um solitário,
Que riu, amargo,
E sempre chorou.

Com o meu aspecto


Valia a pena morer,
Porque a todos
Parecia suspeito."

(tradução por Micaela Ghițescu)

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