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enhora professora: permita-me De fato, embora toda escola histórica

agradecer-lhe a honra que me fez - e dou aqui à palavra escola um sentido


ao apresentar-me com palavras tão geográfico, designando os historiadores
elogiosas. Não estou certo de fazer jus das diferentes sociedades nacionais -
a tudo o que disse, mas interpreto-o tenda por definição à objetividade e te­
como um sinal precioso de amizade. Jã nha como meta a busca da verdade, ela
que é a mim que cabe a honra de abrir é também tributária da história do seu
05 trabalhos, já que, confol'me o pro­ próprio país. Quando evoco essa depen­
grama, sou o primeiro dos historiado­ dência da pesquisa histórica em relação
res estrangeiros a falar, pennita que às condições singulares do país onde se
expresse aos nossos amigos do CPDOC desenvolve, não me refiro particular­
o nosso reconhecimento por terem-nos mente aos preconceitos de ordem nacio­
convidado e associado à comemoração nalista que podem ser ensejados pelo
do vigésimo aniversário de seu Centro amor próprio, quando os historiadores
de Pesquisa e Documentação. Este se colocam a serviço de um detenninado
agradecimento, da minha parte, não -
Estado para justificar suas reivindica­
constitui apenas um rito de cortesia. E ções ou para bajular seu orgulho nacio­
a expressão de uma convicção profun­ nal. Felizmente, nre nresos paíset5, et5-
da, que se fortaleceu com a experiência ses preconceitos de modo geral foram
dos anos, da utilidade e, diria até, da ultrapassados, e os historiadores sabem
necessidade dos contatos entre histo­ elevar-se acima desse tipo de paixão.
riadores de paises diferentes e do con­ Refiro-me, mais precisamente, aos
fronto de suas experiências. pressupostos intelectuais, aos postula-
10 ESTUDOS HISTÓRICOS - 101l<lJ3

dos implícita!, às referencias ideológi­ entendido - e tenho certeza de que o


cas que os historiadores compertilham que vou dizer é compartilhado pelos
necessariamente com seus compatrio-­ meus compatriotas - que não nos pas­
tas e contemporâneos. Esses pressupos­ sa pela cabeça apresentar a experiên­
ta! também são tributários do movi­ cia dos historiadores franceses como
mento de idéiAs, daquilo que, segundo o um modelo no qual os historiadores dos
ponto de vista adotado, é chamado de demais países deveriam inspirar-se,
moda (quando se vive de forul.8. mais ou ao qual deveriam referir-se. Consi­
superficial, menos explícita), de ideolo­ derem a palavra exemplo como sinô­
gia dominante, ou de tradição intelec­ nimo de caso particular, ilustração de
tual e filosófica (aquela na qual os his­ uma reflexão ma ia geral.
toriadOles foram criados e se desenvol­ Quanto à escolha do tema da minha
veram). Ora, essas tradições são dife­ intervenção, pensei, ao ser50licitado, no
rentes segundo os peíses. Vemos muito acontecimento que motivava este en­
bem o que pôde representar pera a his­ contro e nas finalidades do CPDOC, o
toriografUl italiana a influência de um que me fez hesitar entre dois assuntos.
Croce, ou para os historiadores ale­ O primeiro deles, que acabei por aban­
mães, durante algum tempo, a influên­ donar, dizia respeito à duração-sabe-se
cia de Meinecke. E isto que justifica, que o quanto a duração é importante pera a
torna necessário e, de certa fotIna, história, já que ela é a própria matéria
transforma num imperativo o encontro, do nosso estudo. Mas, como o CP DOC
o diálogo, a confrontação entre os histo­ se interessa de f01i1Ul privilegiada e
riadores. Podemos esperar desses cole>­ quase exclusiva pela história mais con­
quios dois beneficios: de um lado, a re­ temporânea, minha tentação foi voltar
lativização das nossas peculiaridades, às razões que justificam que o historia­
e, de outro, a descoberta de convergên­ dor possa considerar que o período mais
cias. Este segundo aspecto talvez seja o recente constitui um objeto de estudo
que mais irá reter nossa atenção no cientifico. Esta tentação tomOU-6e
decorrer desses três dias. E esta é a maior ainda na medida em que tomei
razão pela qual, pessoalmente, sou gra­ consciência do parentesco, das analo­
to aos organizadores deste encontro. gias, entre as preocupaçôes do CP DOC
Quero elogiar a direção do CPDOC por e as de algumas instituições a que estive
não ter limitado sua comemoração a um ligado. Presidi ao nascimento de um
rito festivo ou de sociabilidade, e por ter organismo que é, de certa forma, o equi·
decidido fazer deste evento a ocasião de valente francês do CPDOC e que foi
uma reflexão conjunta sobre nossos ob­ criado no final dos anos 70 por iniciativa
jetivos, nossos métodos e nossas finali· do Centre National de la Recherche
dades. Scientifique. Trata-se do Institut d'His­
O que vou fazer aqui é tentar trazer toire du 'Temps I'lésent, que, por sua
minha modesta contribuição a este tra­ vez, recolheu a herança de outro orga­
balho coletivo, inspirando-me no nismo, o Comité d'Histoire de la Deuxie­
exemplo da França. Quando falo em me Guerre Mondiale. Presidi durante
exemplo, sinto que a escolha do te1'11l0 12 anos o comité cientifico do IHTP, o
não é muito boa: ele pode gerar um que significa que nada do que diz respei­
equívoco, pode ser interpretado como to à história contemporânea me deixa
portador de uma apreciação positiva. indiferente ou me é estranho.
Quem fala em exemplo pode estar pen­ Vale a pena evocar as razões que
sando em modelo. Quero que fique bem justificam meu interesse pelo tempo
PORQUE A HISTÓRIA POLÍTICA? 11

presente, já que tal coisa nem sempre A segunda objeção ligava ...e ao su­
pareceu evidente. Sendo provavelmen­ jeito, isto é, ao historiador. As gerações
te aqui um doe mais velhos, devo dizer anteriores duvidavam da possibilidade
que fiz meus estudos de história na d e acedermos à objetividade quando se
época que se seguiu à Segunda Guel"la tratava de acontecimentos nos quais
Mundial. Naquele tempo, na França pe­ havíamos estado mais ou menos envol·
lo menae, nossos profeeeoJ"es, 06 hisb> vidos, dos quais havíamos sido teste­
riadores mais antigos, sequer imagina­ munhas, observadores, 05 quais ha­
vam que os historiadoree pud"",em in­ viam suscitado em nós reações, enga­
terE""ar-se por acontecimentos relati­ jamentos, tomadas de posição. O histo­
vamente recentes. Tlinta e cinco anos riador é um ser impregnado de pai­
atrás, em 1957, publiquei na Rêvue xões, compartilha os preconceitos pró­
Françai"" de Scu.nces Politiques um ar­ prios do seu tempo, da cornmte de pen­
tigo intitulado "Em defesa da história samento a que pertence. Será que pode
abandonada". Esta "história abandona­ div idir-se? Não será melhor esperar
da" era, de fato, a história dos quarenta que o tempo tenha cumprido seu papel
e que o distanciamento tenha acalma­
anos que acabavam de passar. Até en­
tão, ninguém imaginava que o que tinha do as paixóes? Hoje em dia, estas obje­
ções foram felizmente superadas. Ga­
ocorrido após o 10 de agosto de 1914
nhamos o processo em favor de uma
pudesse ser da competéncia dos histo­
hiBtória próxima, e ela hoje está inte­
riadores. Devia ser deixado para os ou­
giada ao trabalho do historiador. Sem­
bos. Era realmente história?
pre desejei iBso, por não pensar que
Na verdade, as razões pelas quais as
exiBtiBse uma diferença de natureza
geraçre.. anteriores demonstravam re­
entre a história longínqua e a história
servas ou desconfiavam da história con­
recente, já que a fronteira que separa
temporânea náo eram desprovidas de
o presente do passado está fadada a
valor. Havia principalmente d11As ra·
apagar-se. Sempre desejei isso, tam­
zões e vou evocá-las rapidamente. A
bém, numa perspectiva que eu chama­
,

primeira referia.... diretamente à pos­


ria de cívica. A história, a meu ver,
sibilidade material de se fazer lima his­
faltaria com uma de suas funções se
tória contemporânea científica. Não
não assegurasse uma compreensão do
existe história sem fontes, e na época
presente, uma inteligibilidade dos pro­
considerava..se que as fonta3 essenciais blemas com os quaiB nos defrontamos.
eram as fontes de arquivo. Já que estas Acredito que hoje em dia a causa esteja
deviam pelmanecer incomunicáveis ganha. Está comprovado que não é im­
durante cinqüenta an08, pensava-se possível para os historiadores distan­
que era impossível implementar uma ciarem-se de seus preconceitos. Em
história científica e que tudo o que se conseqüência, o passado, mesmo aque·
fIZesse só poderia ser aleatório, subjeti­ le mais próximo, encontra-se reinte­
vo e discutível. Entendemos melhor d... grado, incorporado ao domínio da hiB-

pois que talvez houvesse outras fontes, tória. E melhor assim do que abando-
houvesse substitutivos. Ontem, quando nã-lo a outras disciplinas.
visitei o CPDOC, fiquei muito impres­ O tema que finalmente elegi, com o
sionado com o espaço que ocupam, de consentimento doe organizadores, e cu·
um lado, o recolhimento dos arquivos jo título consta do progra ma -P or que a
privados e, de outro, os depoimentos da história politica? - náo se define pela
chamada história oral. posição do período estudado na sucessão
12 ESTUDOS HJSTÓRICOS 19!WJ13
-

do tempo, e sim pela natureza dos fato.. tará dedicar-se ao mais significativo e
sobre os quais concordamos em nos de-
,
ao mais explicativo. A resposta à per­
bruçar. E sobre isto que eu desejaria, gunta acima é aSl5im inseparável da
agora, tecer alguns rápidos comentá­ idéia que fazemos da categoria capaz de
rios. Partiremos de uma observação ele­ introduzir, oom o maior grau de certeza
mentar, de uma constatação perfeita­ possível, a intelegibilidade do real, ou
mente banal - mas 08 lugal1as--comuns seja, da categoria que contém a maior
comportam uma parte de verdade que é carga explicativa. A pergunta é, em ou­
importante estudar e explorar- que é a tros termos, a seguinte: o que é deterl!';­
seguinte: a história se apres�nta como nante? Não resta dúvida de que se, no
uma totalidade não dividida e global. conjunto das realidades, existem algu­
Periodicamente, os historiadores ali­ mas que são detelminante8 e outras
mentam a ambição, um pouco insana, detellninadas, parece mais lógico inte­
de fazer uma história total. Mas é O ressarmo--nos mais pelas primeiras do
espírito humano quem intltxluz, nesta que pelas segu ndas. Se uma categoria
,

totalidade, distinções. E a inteligéncia de realidade for apenas o reflexo de


quem realiza cortes, quem distingue, outra coisa, por que não nos interessar­
por exemplo, uma história econômica - mos prioritariamente pela fonte da luz,
que se refere à produção dos bens, à sua ao invés de seu reflexo?
lt"OC8, à sua circulação -, uma história No fundo, é isto o que está em jogo em
social- que privilegia a organização da toda discussão sobre a validade e a legi­
sociedade, estabelecendo uma distinção timidade da história, quer se trate da
entre os diferentes grupos, tentando história econômica, da história social,
elucidar as relações de aliança, de opo­ religiosa, cultural ou política. Esta é a
sição, de direito e de fato que os unem-, questáo à qual importa trazer uma res .
lima história cultural, uma história das posta. Trata-se de uma intenugação
idéias, uma história militar, uma histó­ fundamental. Ela deveria até mesmo
ria religiosa ou uma história política. preceder e constituir um pressuposto de
Apesar de serem produtos do espírito, toda pesquisa histórica. Isto nem sem­
essas distinções não são totalmente ar­ pre QCOtIe porque, muitas vezes, o pes.
bitrárias. Elas expressam uma certa quisador é envolvido por um encadea·
parte da realidade, correspondem a menta de circunstâncias, sem desenvol·
uma certa diferenciação do real. Cada ver uma reflexão prévia. Mas considero
uma dessas séries necessita de uma bom que, de vez em quando, 08 histaria·
abordagem apropriada. A questáo, en­ dores se distanciem um pouco de seu
tão, é deterlllinar neste conjunto, entre trabalho e se perguntem qual é sua
as diferentes séries que o espírito anali­ razão de ser. Isto significa que faz parte
sa, o lugar da chamada história política. do trabalho do historiador uma reflexão
Que parte de sua atenção o historia­ periódica sobre seus próprios pressu ­
dor pode, legitimamente, dedicar à his­ postos. Essa passagem do implícito ao
tória política sem se desviar de outras explícito é altamente desejável, e esta é
realidades que requereriam, talvez uma das razões pelas quais sou grato ao
mais, seu interesse e sua atenção? En­ CPOOC, por oferecer-nos a ocasião de
tendemos aqui que a ambição de todo nos fazermos mutuamente esse convite.
historiador é atingir as verdadeiras re­ A pergunta geral é: onde estáo as
alidades e que, não podendo captar a realidades verdadeiras? O que é pri­
história em sua totalidade, devido à in­ mordial na realidade? Esta pergunta
suficiência do espírito humano, ele ten- se coloca, como disse, para todas as
PORQUE A HISTÓRIA POUTlCA? 13

categorias de fatos que o espírito dis­ Estamoe A85im diante de uma dupla
tingue ou isola. Aplicada ao político, ela pergunta. A crítica outrora feita à histó­
teve várias respostas ao longo do tem­ ria política era justificada? Não seria
po. Sem perco..er de novo a história de ela, ainda hoje, pertinente? E, simetri­
suas variações e vicissitudes, diria su­ camente, a volta ao político teria funda­
mariamente que, se outrora, no século mento? O que justifica que, hoje em dia,
XIX ou no início do século XX, a cha­ uma parte das objeções feitas seja afes­
mada história política desfrutou de um tada? Volto à pergunta que já anunciei
prestigio inigualado, exercendo um aqui - e perdoem-me por fotmulá-la de
imperium e uma hegemonia sobre o novo, mas acho que desta. fOlma ela 5e
resto da disciplina, a profunda renova­ tornará mais precisa: por que nos inte­
ção que atingiu a história na França se ressarmoe pela história política? Ou se
. .
fez, de modo geral, em reação e contra qU18C3BC usar te1111 08 nlS.15 pre tellSlOSOB
'
ela. De certa forma, a história política e enfáticos: qual será o estatuto episte­
passou a ser denunciada como um con­ mológico da história do político? Ou ain­
tra-exemplo. Ela reunia todos os defei­ da: merecem os fatos políticoe constituir
tos contra oe quais as novas gerações objeto de conhecimento científico? Ares­
posta depende do que se pensa, pois se
de historiadores desejavam definir-se,
vai responder a uma intell'OgaçãO que
reagindo a uma negligência demasiado
prolongada dos historiadores mais ve­
diz respeito à natureza das coisas E, já
que é dos fenômenos coletiv08 que a
lhos frente a outras realidades não me­
história se enca..ega e se responsabili­
nos importantes, entre elas o trabalho,
za em primeiro lugar, será que existe,
as relações sociais, a economia.
na vida das sociedades, uma ordem de
1bdavia, nas d1las últimas décadas
realidades, 11m coqjunto de fenômenos
desenhou-se uma inversão de tendên­
sociais que seja, por natureza, suficien­
cias. Falou-se em "retorno do político".
temente distinguível dos outroe tipos de
Não gosto nem um pouco desta expres­
realidades para constituir algo específi­
são, porque ela faz pensar que se trata
co? Será que existe este conjunto de
de uma volta atl'ás ou de uma restaura­
fenômenos sociais dotado de uma con­
ção, quando, na verdade, trata-se de
si.stência própria, a qual seria relativa­
algo completamente diferente, de uma
mente itiedutível a ouLJas realidades,
outra história, que se beneficiou do en­
econômicas, sociais ou ideológicas? Um
riquecimento de todas as gerações ante­ conjunto dotado de alguma autonomia?
riores e trouxe, não resta dúvida, o polí­ Insisto: alguma autonomia. Não se tra­
tico para a frente do palco. A tal ponto ta de reivindicar para nenhuma catego­
que as Editions du Seuil, na sua peque­ ria de fatos uma soberania, uma inde­
na coleção Point-Histoire, onde há um pendência absoluta. Será que existe um
volume dedicado às escolas históricas conjunto dotado de alguma autonomia
na França, achou por bem, na última e que possa, em algumas circunstán­
edição, acrescentar um capítulo de cerca cias, se constituir não mais em efeito e
de trinta páginas sobre a "volta do polí­ sim em causa. que não seja mais deter­
tico". Curiosamente, este volume, que minado e sim determinante? Um con­
consiste em uma galeria de escolas, ter­ junto que possa, por conseguinte, impri­
mina por um capítulo dedicado não a mir sua marca e influir no curso da
uma escola, mas a um objeto. Trata-se, história mediante um processo de cau­
de certa fOl"lua, de uma mudança na salidade que não seria unilinear, e sim
.
paISagem.I recíproco ou circular? Eis a questão.

14 ESTUDOS HISTORlCOS -1994113

Comecemos por tentar entender po r camuflagem que ocultava as verdadei­


que o político sofreu, durante muito ras realidades.
tempo, um certo descrédito. Percebere­ Os fatos imateriais - as crenças, as
mos assim melhor a urgência da per­ convicções, a religião e... a política -
gunta e poderemos, talvez, nos deter foram relegados a esta superestrutura.
em alguns argumentos. Parece-me que Isto levou os historiadores, preocupados
o descrédito que o político sofreu du­ em encontrar as verdadeiras realida­
rante uns trinta anos junto à maioria des, a de certa fOI'uta desvalorizar um
dos historiadores foi resultante de vá­ bom número de aspectos da vida coleti­
rioe fatoe. Houve, em primeiro lugar, va tais como as instituiçÓEe, as relações
uma reação natural, um fenômeno ge· de direito e a vida política. As constitui­
racional. As gerações mais novas fo­ çÓEe, por exemplo, não passavam de
ram levadas a se definir em oposição atos cartoriais que traduziam as verda­
às gerações anteriores e, já que estas deiras relações de força. Deter-se na
superestimaram o político, a ponto de análise de uma constituição era,de cer­
fazer dele o objeto principal, e até re­ ta forma, tomar gato por lebre. A reali­
gulador, do resto, houve uma reação dade estava em outro lugar. A constitui­
natural e, acrescentaria, justificada, ção não !",ssava de um decalque das
de oposição. Houve também, certa­ relações de força. Nessa perspectiva, o
mente - e isto é um fenômeno mais político, de certa foro"" não !",ssava de
recente -, uma desconfiança em rela­ um engodo, não era nada além da trans­
ção ao poder. Vivemos um período de crição,em um outro registro, de realida­
reação contra o poder, do qual só se via des mais fundamentais. O político, por
o aspecto constrangedor, e particular­ si SÓ, não podia agir sobre o resto,estava
mente contra o Estado, e essa descon· na dependência das verdadeiras reali­
fiança repercutiu de certa forma sobre dades. O paradoxo -abro aqui um rápi­
o estudo do objeto. do parêntese - é que esta filosof"" que
Mas houve ainda algo mais: houve a negava à política toda razão de existir,
irúluência difusa de uma fUosof", que que a declarava impotente, foi, talvez, a
distinguia as verdadeiras realidades que suscitou os mais políticos dos com­
daquelas que, no fundo, não ])Assavam portamentos, que levou os homens a
de aparência. Sem nos referirlUos de consaglar sua existência à política. Th­
fOl'ma explícita a uma fUosof", materia­ mos aí um enigma, um desses fatos
lista, e particularmente ao marxismo,é estranhos, mas que só surpl'tx.nderiam
bem verdade que prevaleceu durante aqueles que imaginam que as ideologias
muito tempo, de forma difl!&,& uma vi­ obedecem a uma lógica puramente ra­
são um tanto materialista, que conjuga­ cional.
va os postulados mecanicistas de gera­ Esta visão, na verdade, era ampla­
ções anteriores com o determinismo de mente compartilhada, e é por esta razão
uma visão que distinguia,para usa.mos que não me atreveria a reduzi-la unica­
o jargã oda fUosofia,a infra-estrutura da mente ao marxismo-leninismo. Vou to­
superestrutura. Entendia--se que a in­ mar dois exemplos da vida política fran­
fra-estrutura determinava a superes­ cesa envolvendo duas personalidades
trutura e constituía a verdadeira reali­ que exerceram sucessivamente a fun­
dade. O que importava eram as relações ção política suprema durante a Quinta
de produção, as forças produtivas; o res­ República. Antes de 1981, por exemplo,
to era supe.estrutura e,portanto, mera François Mitterand dizia: ''Somos a
conseqüência ou reflexo, quando não a maioria social, pois os assalariados são
PORQUE A HlSTORIA POLlTICA?
• •

15

majoritários na sociedade francesa. A Voltemos à primeira parte desta


esquerda é a explessã o política dos as­ interrogação. O que podemos dizer so­
salariados, logo, mais cedo ou mais ta:r­ bre o que leva o homem a agir, sobre
de, aconteça o que acontecer, obteremos suas motivações? Neste ponto, não es­
a maioria política." Sem ser de f01'1118 tamos mais, hoje em dia, desprovidos
alguma marxista, François Mitterand de recursos. Há uma conclusão que se
adotou de certa fOl"ma o postulado de impõe ao cabo de múltiplas pesquisas
que B8 poeiçóe5 políticas decol"lem ne­ realizadas durante meio século sobre a
cessariamente do status social. Quase origem das opiniões, dAS convicções e
ao mesmo tem)X), seu antecessor na pre­ das crenças: não existe uma relação
sidência da República, Valéry Giscard única de causalidade símples entra a
d'Estaing, publicava Démocratie F'rczn,. situação, a posição, o status dos indiví­
çaise, em que dizia: "O fato principal duos e aquilo em que acreditam, a cau..
deste século é a constituição de um gru­ sa a que aderem e pela qual, eventual­
po central na sociedade francesa, com­ mente, dariam espontaneamente atê a

posto pelas classes médias. Por conse­ própria existência. Gostaria de argu­

guinte, a política deve ser centrista, e a mentar com dois exemplos.

França deve ser governada pelo centro." O primeiro se refere à origem das
escolhas políticas. Vocês sabem, semdú­
Giscard d'Estaing não era mais marxis­
vida, que um dos ramos da história e das
ta que François Mitterand, mas adota­
ciências políticas (trata-se, de fato, de
va também uma posição segundo a qual,
um traço comum) que mais cedo e mais
no fundo, a política ficava na estrita
amplamente se
desenvolveram na
dependência das realidades sócio-eco-
. França é o que trata da origem das
nomlcas.
-

escolhas políticas e. particulal'mente da


O problema está portanto colocado,
origem da founa como 05 cidadãos se
e podemos subdividir a pergunta em
expressam nas consultas eleitorais. G0-
duas, confol'llle estejamos pensando no
mo ponto de partida, devemos sempre
comportamento dos atores, dos indivi­
voltar ao grande livro publicado oitenta
duos, ou na própria política. Não vou
anos abás, em 1913, por André Sieg­
responder a todas as perguntas, mas
fried, intitulado TableaJ.l politique de la
vou enunciá-las. A primeira, referente
France de l'Ouest. Siegfried parte de
à natureza humana, é a seguinte: o que
duas constatações que inspiraram vá..
leva o homem a agir na sua relação com rias gerações de historiadores, geógra­
a política, nos seus engajamentos, nos
fos, sociólogos ou cientistas políticos.
seus comportamentos eleitorais? Será Em primeiro lugar, se considerarmos as
a defesa de seus interesses? Seráo ou­ escolhas políticas, a França, por mais
tros fatores? Convicções? A segunda unificada que seja, não é homogênea.
pergunta é mais importante ainda: Ela é plural. Há regiões que não votam
qual é o poder da política? Será que a da mesma fOl"ma que oubas; há regiões
política não faz nada além de transcre­ onde a direita é majoritária e oult"8S
ver realidades que lhe escapam? Será onde, ao contrário, a esquerda é mais
que a política pode mudar a condição forte. Esta é uma primeira constatação.
humana? Será que tem poder sobre a A segunda é que existe uma estabilida­
realidade? Será que pode influir no de muito grande. Há muito tempo que
curso da história? E, a partir daí, a isto se manifesta. François Goguel, dis­
questáo capital será a seguinte: o ho­ cípulo de Siegfried e seu sucessor na
mem é dono do seu destino? presidência da Fondation des Sciences
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ESTUDOS HJSTORlCOS -1994113

Politiques. publicou. tl'ê" décadas de­ mesmas conclusões - e mais uma vez
pois, outro livro pioneiro, La politique podemos constatar o valor do inter­
eles partis enFra.nce, onde constata que, câmbio entre disciplinas. da pluridisci­
de 1849 a 1936. em certos cantões fran­ plinaridade. A sociologia religiosa de­
ces.... a repartição dos votos entre a sistiu de explicar as crenças e os com­
direita e a esquerda não variou de 11m portamentos religiosos mediante fato­
ponto sequer. 'lemos, então, ao mesmo res de ordem externa. Uma das conclu­
tempo. a diversidade no "'paço e a cons­ sões a que levaram notadamente as
tância. a continuidade no tempo. Trata­ pesquisas sobre classes. sociedade e
ee de um problema singular que nos religião é a de que, e m defmitivo, e
coloca uma questão. Como explicar que. contrariamente ao que alguns acredi­
a despeito da renovação dos indivíduos. tavam, não há COIlelação entre o grupo
que são substituídos biologicamente. te­ social a que deterllÚnados indivíduos
nha havido eemelhante pel'manência pertencem. seu stafus profissional e
das tradições políticas? Podemos dizer sua fé ou ausência de fé. Por conseguin­
que. desde 1913. esta questão nunca te, temos aqui um primeiro elemento
deixou de constituir uma preocupação, que sugere que o político exige ser es­
e que foram inventariadas todas as ex­ tudado separadamente. não é um sim­
plicações possíveis. P...quisaram-ee as ples prolongamento do estudo da com­
correlações entre os votos e a geografia. posição social. por exemplo.
a ffitrutura fundiária. a repartição das Segundo argumento: todas as pes­
teu as, a riqueza ... 1bdos os fatores fo­ quisas realizadas nos últimos trinta
ram examinados. 'Ibdas as hipóteses anos sobre os proc...sos de tomada de
foram levadas em consideração e. de decisão (como é tornada urna decisão?
certa fOl"ma, testadas. E foi necessário como funciona um governo? como surge
reconhecer que nenhuma delas dava um texto de lei?) levaram à percepção
plenamente conta do fenômeno, que não da relativa autonomia das decisões po­
e>cistem conelações fixas. Existem con­ líticas em relação aos constrangimentos
vergências, mas é impossível encontrar que sempre se impõem. Não é verdade
uma relação de c81'sslidade. Por conse­ que elas sejam de certa f'>Ium ditadas
guinte, 05 indivíduos não são detel'llli­ por necessidades de ordem econômica.
nados, e existe uma variação que nos Não chegaria a dizer que são frutos do
remete a OUtJ1lS realidades de ordem acaso, mas sim que há uma margem de
imaterial. ligadas às tradições cultu­ manobra para os políticos. que eles qua­
rais, à educação. se sempre podem fazer uma escolha
Este problema foi retomado em ou­ entre várias políticas, e que essas esco­
tras bases, uns vinte anos atrás, JXlr lhas são feitas por razões antes de tudo

uma jovem já falecida. Annick Perche­ políticas. E por demais simplista imagi-
ron. que estudou a socialização políti­ nar que no fundo os políticos não pas­
ca, a fOl'Iua como as crianças desco­ sam de serviçais ou de executivos de
brem a política ou como os adolescen-

grupos de pressão que lhes ditam suas
tes realizam suas escolhas. E preciso decisões. Em primeiro lugar. porque
admitir que existe aí uma grande liber­ uma sociedade é sempre suficientemen­
dade. que as escolhas políticas real­ te complexa e diferenciada para que os
mente constituem um domínio relati­ políticos possam pór os grupos em con­
vanlente autônomo e auto-explicativo. fronto entre si, para depois exercer sua
Paralelamente. as pesquisas de socio­ arbitragem. Segundo. porque os políti­
logia religiosa levaram exatamente às cos encontram a força para essas arbi-
POR QUE A H1STÓRlA POLÍTICA? 17

tragens nelas mesmas. 'lerceiro, porque tecer out1'B8 considerações que são mais
os fatores de ordem política contribuem, particulares, que nos tocam mais de
por sua vez, para modificar a realidade. perto no exercício da nossa proliosão de
As instituiÇÕES não são apenas a tradu­ historiadores e que, na minha opinião,
ção de realidad... mais fortes. Elas não dão foro ao fenômeno político frente ás
são neutras nem indiferentes, elas pro­ exigênrias legítimas que a história pode
duzem efeitos, fixam regras, traçam fazer para admitir na sua ãrea uma
sulC08, modelam as mentalidad... e as categoria de fatos. Isto, de certa fOIma,
sensibilidades. Isto ficou muito evidente responde um pouco b criticas anterio­
na França, no deconer da 8UOOMão de res e mostra a mudança ocorrida na
experiências que fizemos depois da Se­ idéia que fazemos hoje daquilo que pode
gunda Guella. Constatamos que uma ser a história política.
escolha institucional acalIeta transfor­
Uma das objeções - e penso que al­
mações profundas nos sistemas de for­
gumas coisas que vou dizer irão ao en�
ças e até na expressão das escolhas.
contra da experiência do CPDOC - que
Nenhum regime eleitoral é neutro. O
durante muito tempo foi feita à história
fato de termos escolhido, logo após 1958,
política era que no fundo ela só se inte­
um sistema baseado no voto majoritário
ressava porum pequeno nllmero de pes­
teve toda uma série de efeitos na modi­
soas. Ora, já que tem a ambição de
ficação do quadro político.
abraçar a totalidade, é normal que a
Não tentarei definir aqui o que é o
história privilegíe aquilo que diz IllSpei­
político, mas também não podemos
to a um grande número de pesso as.
perder de vista o fato de que existe um
Uma biografUl individual pode ser ...-
campo próprio do político, ainda que
clareced ora, mas é menos inte"".sante
variãvel. A esfera do político absorve
do que o estudo de um grupo. Não pou­
problemas ou questões que não se co­
cas vezes os historiadolllS do político se
locavam antes e que aliás, em alguns
casos, tornam a sair dela. Os contornos viram acusados de só se interessar por
são pouco nítidos, mas hoje em dia um pequeno número. por aquelas pes�
poucos domínios escapam da política. soas que desempenhavam um papel
Basta ver a diversidade das chamadas principal, que ocupavam a frente do
políticas públicas. Existem hoje políti­ palco, OS governantes, os parlamenta­
cas públicas de saúde, de biologia, de res, e de reduzir a vida política àquilo
meio ambiente, enfllD. de uma série de que é às vezes cMmado de microcosmo
problemas que nossos antecessores político. Ora, esse miCIocosmo não é o
não imaginavam poderem tornar-se reflexo do macrocosmo, da nação. da
um dia objeto de debates políticos ou sociedade. O historiador, nesse caso. só
de escolhas políticas. Sinto-me tentado se intel(zsaria JX>r uma elite, por uma
a dizer que nunca foi tão difícil como fina película na superfície da sociedade.
hoje descartar o político como um fator . Seria portanto normal lhe opor a reali-
superficial ou exterior. dade da sociedade profunda. Só há his­
Estes são alguns dos argumentos de tória quando se trata de grandes núme­
ordem geral que me parecem justificar ros. E fica claro que, definida desta ma­
o fato de o historiador interessar-se pelo neira, a história política não pode se
político. Não quero dizer que todo histo­ equiparar ao estudo da demografUl, ao
riador deva interessar-se pelo político, estudo do trabalho, da saúde, da ali­
mas sim que há lugar na família para mentação, que são problemas que atin­
uma história política. Gostaria ainda de gem a todos.
18 ESTIJDOS HISTÓRICOS 190<!l3
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A critica que se fazia outrom conser­ um vazio, de um avesso, de um negativo.


varia seu fundamento se o estudo do Se a maioria d06 cidadã06 se recusa a
político deve""", reduziNle apeIl8B aos participar de um pleito, este fica desa­
que 'fazem política", à sua atividade pro­ creditado.
rlSSional, ao seu oficio, ou seja, àquilo que Podemos ver por aí que a hístória
é às vezes chamado de "c1aS$e política". política é algo que estatisticamente sa­
Não quer dizer que não seja interessan te tisfaz às maiores exigências. Não é a
estudá-la: de que forma se constitui? história de uma minoria, e sim do desti­
qual é SUB importânc ia numérica? como no de quase todos. Aliás, sob um ângulo
se ingIessa nela? AfInBl, há toda uma prático, já que a hístória tem a preocu­
sociologia interessante. Mas, se refletir­ pação legitima de substituir apreciações
mos, veremos que o político não intel"OO­ subjetivas por certezas tão científicas
sa subjetivamente apenas aos políticos quanto p:>S5ível, cheguei muitas vezes a
prof188ionais, nem se reporta objetiva­ dizer que não existe na documentação,
mente só a eles. Pensando bem.pratica­ para nenhuma categoria de fatos, um
mente não existe outm atividade que banco de dados equivalente àquele cons­
atinja um número maior de homens e tituído pelo coqjunto dos r""..ltados elei­
mulheres, pelo menos nos países demo­ tomis de todos os tipos de pleitos reali­
CJátiCOB. O princípio segundo o qual t0- zados nos últimos 150 anos - estou fa­
dos os cidadãos são iguaís entre si e são lando da França, que tem uma longa
chamados a participar das grandes esc0- história política e onde o voto direto tem
lhas políticas faz da política a "coisa de quase um século e meio de prática inin­
todos". Mesmo que nem todos façam uso terrupta. Há aí um material que pode
de""" direito, todos são chamados, todos ser conelacionado com os reeultados dos
estão comprometidos. De outro lado, a censos demográfiCOB, com os levanta­
política, o que é decidido, não lhes é

mentos estatísticos sobre a propriedade
indiferente. E da política que depende etc. Há material bastante pam satisfa­
com fy8t:J.üência seu nível de vida, sua zer 806 espíritos mais exigentes, tanto
segurança e até, em alguns casos, sua na hisooria serial quanto na história
própria existência. Mesmo que não se quantitativa.
interessem pela política, a política os Exíste outm objeção freqüente ao
alcança. Quando um governo decide de­ estudo do político, que aliás não é des­
clarar guerrB, todos os homens e mulh� provida de fundamento: a de que o
res daquele país são envolvidos. Até de político não passa de um material cir­
um ponto de vista concreto, sociológico, cunstancial, acidental, passageiro. Se·
estatístico, o eleitomdo de um país de­ ria melhor interesSSl'Illo·n05 por fenô·
mocrático constitui seu segmento mais menos de longa dumção. Isto reforça,
numeroso. Ele é maior do que a popula­ de certa fOJ'lua, a crítica que era feita
ção economicamente ativa, maior do que ao superficial. Mas é óbvio que o polí­
a população masculina, ou feminina. 1b­ tico também se inscreve na duração, e
d06 são envolvidos, chamados a votar, a até numa longuíssima dumção, con­
responder a uma pesquisa de opinião. tanto que não seja reduzido ao relato
Mesmo a abstenção constitui um fenô­ anedótico de algumas peripécias, como
meno político. Não se tmta apenas de as da JOUI'Me de. Dupe•. * O político

• O "Oia d os Enganados", I I de novembro de 1630, é um episódio do história rronccQ,ossim denominado


JXlTque 1le880 doia 08 inimig08 de Richelieu, notadamente a Rainho·Mãe e Ano de Auslrin, virom ruir
8U08 esperonçns de assistir õ queda do coMeal.
POR QUE A lUSTÓRlA POLiTICA? 19

também comporta estruturas que lhe grupo ao qual pertence. Mas há muito
são próprias. As instituições são por mais que isso Ele temconvicçóes, idéias
.

natureza duradouras, mesmo quando e até paixões como a inveja, o ódio, o


05 regimes se sucedem. Existem cons­ medo, o imaginário, o sonho, a utopia, a
tantes que aBSeguram as tradições do generosidade, e tudo isso se expressa na
pensamento, configurações que são es­ política. Penso até que um povo se ex­
táveis, como por exemplo a separação prm88 tanto na sua relação com a polí­
entre direita e esquerda, os hábitos, os

tica quanto na sua literatura, no seu
comportamentos. E evidente que cada cinema ou na SUB culinária.
país e, deveria dizer, cada povo man­ Eis alguns elementos de resposta à
tém com a política uma relação que lhe P."rgunta Por que a história do político?
é peculiar. E essa relação perdura, é E desnecessário dizer - embora talvez
perene, é transmitida de geração a ge­ seja melhor dizê-lo - que nesta tentati­
ração. E, de certa forma, o que constitui va de reflexão e neste esforço de habili­
a cultura política - embora não goste tação do político, não vai nenhum tipo
muito desta expressã o. As culturas po­ de reivindicação de hegemonia a seu
líticas variam de um país para o outro favor. Se o político é importante, se é
em função da experiência de cada um, possivel pensar hoje em dia que ele taz
da sua hist6ria. Trata-se, portanto, de necessariamente parte do percurso,
heranças, que só evoluem lentamente. qualquer que seja a atividade, que ele
Para dar um exemplo simples, no caso constitui um dos pontos de condensação
da França as eleições constituem cla­ da sociedade, é preciso dizer também
ramente um valor importante. Os que nem tudo é político, que não se deve
franceses tém apreço por elas, as taxas reduzir tudo à política, que o político não
de participação são relativamente ele­ está sozinho e isolado, mas guarda rela­
vadas. Isto se deve, talvez, a uma longa ções com o resto) oom as demais exproo­
prã tica, pois há uma parta de experiên­ sões da atividade humana e com a socie­
cia e de aprendizagem. Em contrapar­ dade civil. Reivindico para o político
tida, eles são muito pouco ligados aos todo o espaço a que faz jus, ma" nada
partidos políticos. Os partidos não tém além desse espaço. Chego às vezes a
boa reputação e só uma pequeníssima ficar preocupado quando constato o su­
minoria participa deles. Se compara­ cesso de que ele goza hoje em dia. Temo
mos com a democracia americana, o que alguns neófitos acabem por esque­
contraste impressiona. O cidadão ame­ cer que o político se inscreve num con­
ricano participa pouco dos pleitos elei­ texto mais amplo e que só se é historia­
torais, há uma abstenção maciça e só dor do político - da mesma forma como
uma minoria vota, até nas eleições se é historiador do econômico ou do cul­
mais importantes, corno as presiden­ tural - sendo-se também um historia­
ciais. Mas em compensação a maioria dor, não diria da totalidade, o que seria
se sente ligada a um dos dois partidos, presunços o, mas um historiador preo­
e as crianças sabem a qual deles seus cupado em inscrever este objeto numa
pais pertencem. visão de hist6ria geral.
Esses fenômenos são antigos e pro­
vam bem que o político também se ins­
creve na longa duração. O individuo
engajado na política, na escolha de um
Nota: Este texto é a transcrição da con­
voto, certamente está preocupado em ferencia pronunciada por René Rémond,
salvaguardar seus interesses e os do traduzida por Anne-Marie Milon Oliveira.

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