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Camões lírico

Luís Vaz de Camões é reconhecido como o maior poeta português.


Na poesia, ele escreveu em toda s a s modalidades a que teve acesso:
tanto na medida velha quanto na medida nova, tanto no gênero lírico
quanto no épico.
O Camões lírico, ao escrever na medida velha, aproximou-se do
período humanista e produziu poema s em redondilha menor (5
síla ba s poética s) e em redondilha maior (7 síla ba s poética s).
Tr atava-se de uma produção muito próxima da poesia palaciana,
seguindo a estrutur a de mote e glosa. Confir a o exemplo a seguir.

Descalça vai par a a fonte


Descalça vai par a a fonte
Lianor pela verdur a; Mote
Vai fermosa, e não segur a.

Leva na ca beça o pote,


O testo na s mãos de pr ata,
Cinta de fina escarlata,
Sainho de chamelote;
Tr az a va squinha de cote,
Mais br anca que a neve pur a.
Vai fermosa e não segur a.
Glosa
Descobre a touca a garganta,
Ca belos de ouro entr ançado
Fita de cor de encarnado,
Tão linda que o mundo espanta.
Chove nela gr aça tanta,
Que dá gr aça à fermosur a.
Vai fermosa e não segur a.
( Camões )
Foi, porém, o Camões sonetista que se destacou na liter atur a
universal. Com essa s produções, ele se aproximou mais da cultur a
rena scentista, e seus sonetos apresentavam as seguintes
car acterística s:
• 2 quartetos e 2 tercetos.
• uso de métrica e rima.
• sobriedade, regularidade, busca pela perfeição.
• produção tecnicamente bem construída.
• voca bulário culto.

Em sua s produções, tivemos alguns tema s ba stante recorrentes.


Confir a-os a baixo.

• Efemeridade da vida: a vida não é estática, é pa ssa geir a.

Mudam-se os tempos, mudam-se a s vontades,


Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre nova s qualidades.

Continuamente vemos novidades,


Diferentes em tudo da esper ança;
Do mal ficam a s mágoa s na lem br ança,
E do bem, se algum houve, a s saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,


Que já foi coberto de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E, afor a este mudar-se cada dia,


Outr a mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.
• Desconcerto do mundo: lamentação por um mundo
desencontr ado, ba gunçado.

Correm turva s a s água s deste rio,


Que a s do céu e a s do monte a s enturbar am;
Os campos florescidos se secar am,
Intr atável se fez o vale, e frio.

Pa ssou o Verão, pa ssou o ardente Estio,


Úa s cousa s por outr a s se trocar am;
Os fementidos Fados já deixar am
Do mundo o regimento, ou desvario.

Tem o tempo sua ordem já sa bida;


O mundo, não; ma s anda tão confuso,
Que parece que dele Deus se esquece.

Ca sos, opiniões, natur a e uso


Fazem que nos pareça desta vida
Que não há nela mais que o que parece.
( Camões )
O próximo poema apresenta, concomitantemente, dois tema s
recorrentes em Camões.
• Referência cristã: referência à cultur a católica, bíblica,
mesmo que, alguns ca sos, haja, tam bém, referência s a deuses da
mitologia.
• Amor platônico: poesia amorosa, amor que existe apena s na
contemplação, ma s não se realiza fisicamente.

Sete anos de pa stor Jacob servia


La bão, pai de Raquel, serr ana bela;
ma s não servia o pai, servia a ela,
e a ela só por prémio pretendia.
Os dia s, na esper ança de um só dia,
pa ssava, contentando-se com vê-la;
porém o pai, usando de cautela,
em lugar de Raquel lhe dava Lia.

Vendo o triste pa stor que com enganos


lhe for a a ssi negada a sua pa stor a,
como se não a tiver a merecida,

Começa de servir outros sete anos,


dizendo: Mais servir a, se não for a
par a tão longo amor tão curta a vida!
( Camões )
Dentro da poesia amorosa de Camões, dois poema s se destacar am.
No primeiro, podemos observar a referência a um ca so de amor
correspondido e realmente vivenciado pelo poeta, ma s
interrompido pela morte da amada.

Alma minha gentil, que te partiste


Tão cedo desta vida descontente,
Repousa lá no Céu eternamente,
E viva eu cá na terr a sempre triste.

Lá no a ssento etéreo, onde su biste,


Memória desta vida se consente,
Não te esqueça s daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te


Alguma cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,

Roga a Deus, que teus anos encurtou,


Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.
( Camões )
No segundo poema, o eu-lírico tece reflexões sobre o que é o
amor. Observe, ainda, que, ao tr a balhar com um jogo de oposições,
Camões já revela sinais de tr ansição par a o período literário
seguinte (Barroco). A isso damos o nome de maneirismo.

Amor é fogo que arde sem se ver;


É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;

É um não querer mais que bem querer;


É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;

É querer estar preso por vontade;


É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.

Ma s como causar pode seu favor


Nos cor ações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?
( Camões )

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