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Nem verdes, nem vermelhos:

apenas a impossibilidade de se conciliar lobo e cordeiro.


Aluno: Paulo Rogério Pereira Vargas
“Do ponto de vista de uma formação econômica superior da
sociedade, a propriedade privada de certos indivíduos sobre o globo
terrestre parecerá tão absurda quanto a propriedade privada de um ser
humano sobre outro ser humano. Mesmo uma sociedade inteira, uma
nação, mesmo todas as sociedades coesas em conjunto não são
proprietárias da Terra. São apenas possuidoras, usufrutuárias dela, e
como boni patres famílias devem legá-la melhorada às gerações
posteriores.” (Karl Marx, O Capital).

As posições teóricas adotadas pelos defensores de uma perspectiva ecológica de


uma sociedade baseada no desenvolvimento sustentável, a idéia de que a crise ambiental
nada mais é do que o resultado de um determinado padrão de produção e consumo da
economia mundial, sobretudo advindo dos países desenvolvidos e que, para resolver o
problema, bastaria o estabelecimento de um novo tipo de desenvolvimento baseado na
sustentabilidade ambiental procurando, com isso, adaptar as necessidades de um
desenvolvimento no presente a possibilidade de um desenvolvimento futuro mais
equilibrado ecologicamente.

Esta perspectiva, defensora de um capitalismo verde está baseada na idéia de


procurar organizar a anarquia e a irracionalidade inerente à produção capitalista, buscando-
se a preservação dos recursos naturais, mas, acima de tudo, também, as relações de
produção que lhe dão sustentabilidade.

Ou seja, bastaria domesticar-se o capitalismo, taxando ou punindo os


“malvados” e sem consciência ecológica que poluem e depredam o meio ambiente sem,
contudo, ameaçar o sistema em seu âmago, qual seja, as relações e as condições de
produção que sustentam este modo de produção (VARGAS, 1997).

Neste sentido, conforme OURIQUES (2004), “o conjunto de preocupações que


podemos sintetizar pela palavra ecologia (e sustentabilidade) promove e promoverá apenas
mudanças aparentes, se não estiver inserido na luta pela eliminação da produção destrutiva
que o capitalismo implica”.
Nesta perspectiva de um “capitalismo bonzinho e domesticado” existem três
modos de se encarar a ecologia, denominados de economicismo, ecologismo e
sustentabilidade.

Enquanto a perspectiva economicista ancora-se no pilar do cartesianismo e de


uma crítica ao antropocentrismo através da mera atenuação da “intensidade de exploração
da natureza”, através da mensuração de relações de custo e benefício, a abordagem
ecologista (também denominada ecossistêmica, ambientalista ou ecologia radical) baseia-se
num enfoque conservacionista e numa espécie de biocentrismo pautado na conservação da
natureza por si, para que se evitem os desequilíbrios dentro de um enfoque puramente
conservacionista. Por fim, a abordagem da sustentabilidade (também denominada de
ecodesenvolvimento, desenvolvimento sustentável, ecologia democrática ou, ainda,
ecologia social), procura situar-se no meio termo entre o antropocentrismo e o biocentrismo
a partir da idéia de que seria possível conciliar crescimento e desenvolvimento econômico e
social com a conservação do meio ambiente.

Na verdade todas estas propostas e abordagens estão inseridas de um caráter,


por assim dizer, idílico e “romântico”, não passando em muitas das vezes de mera retórica e
pregação de fé na boa vontade e consciência ecológica dos indivíduos para mudar sua
relação com o meio ambiente e, por essa via, mudar a mundo.

Contudo, o problema não está na insustenbtabilidade do atual padrão de


desenvolvimento do capitalismo, mas sim no próprio sistema capitalista, ancorada este na
produção de riqueza a partir da pura lógica de lucro e valorização do capital à lógica cega
do mercado, na financeirização da riqueza sob a forma monetária e, enfim, na geração e
valorização de valores de troca e não na proeminência e privilegiamento dos valores-de-
uso.

Neste sentido, é comum entre aqueles que acreditam ou adotam o discurso


ambientalista ou ecológico da possibilidade de um desenvolvimento sustentável, a
referência ao marxismo (os “vermelhos”) como uma teoria e uma filosofia que nada têm a
contribuir à discussão, seja por sua suposta visão produtivista e fé no progresso das forças
produtivas capitalistas, seja pela derrota e desequilíbrios ecológicos também verificados
nos derrotados sistemas do denominado socialismo real.

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Em verdade, a crise ecológica está indissociavelmente ligada a uma forma de
organização social específica: o modo de produção capitalista. Ou seja, tem-se que
perspectivar a relação apropriação e mercadorização da natureza pelo capitalismo como o
eixo fundamental de destruição do meio ambiente, pois, estudar os temas ecológicos sem
levar em conta o “metabolismo” existente entre a sociedade capitalista e a natureza,
demonstra ser um ponto de vista profundamente redutor, parcial e teórica e filosoficamente
pobre.

O interessa ser desvendado, a partir de Marx, são as formas de ruptura do


metabolismo com a natureza, e as peculiares modalidades que adquire esta ruptura com o
sistema capitalista tem um objetivo “semelhante” ao dos ambientalistas contemporâneos:
conquistar uma nova sociedade que restabeleça os laços com a natureza externa.

Neste sentido, o capitalismo ao separar terra (e meios de produção) e


trabalhadores e aos combiná-los na produção na produção orientada para o lucro, o
capitalismo desenvolve essas forças produtivas combinadas de uma forma cada mais
alienada dos requisitos da sustentabilidade ecológica, determinando que, diferentemente de
outros modos de produção, o capitalismo tem uma capacidade sem precedentes históricos
de se reproduzir até certo ponto – através da produção de valores de uso ecologicamente
insustentáveis.

Assim, vê-se um Marx diferente daquele criticado pelos “verdes” (a respeito


veja-se LIPIETZ (2003), com uma teoria sobre a relação entre a natureza externa e a
sociedade humana – metabolismo social – uma teoria para compreender a relação entre a
sociedade capitalista e seu ambiente e uma preocupação com a natureza externa e as futuras
gerações.

Um Marx, portanto, diferente daquela crítica produtivista proclamada pelos


“verdes” contra os “vermelhos”, a partir da qual o produtivismo traduziria um aspecto da
irracionalidade do sistema capitalista que, em vez de criar progresso social, o
desenvolvimento da produtividade conduz à intensificação da exploração da força de
trabalho, à soluções de produção desconexas das necessidades sociais e ecológicas e as
crises crônicas de superprodução. Isto é, a produção funcionando como se ela mesma fosse
o próprio objetivo, como um fim em si mesma.

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Nesta perspectiva, conforme propõe LOWY (2006), a questão ecológica é o
grande desafio que, em vistas de sua renovação, o pensamento marxista deve enfrentar ao
longo do século XXI, exigindo dos marxistas uma profunda revisão crítica de sua
concepção tradicional das “forças produtivas”, bem como uma radical ruptura com a
ideologia do progresso e com o paradigma tecnológico da civilização industrial moderna”.

Contudo, e para finalizar, deve-se ter em conta que, não há possibilidade de se


conciliar dinheiro, forma fetichizada de um valor de uso transmutado em valor de troca e,
por outro lado, da alienação do homem e do trabalho deste em favor do capital, e natureza
sobre o pano de fundo de um mercado global pautado pela eficiência econômica dentro dos
limites e ditames do modo capitalista de produção, pois se estaria apenas tentando,
inutilmente, conciliar lobo e cordeiro.

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Bibliografia

VARGAS, Paulo Rogério. “O insustentável discurso da sustentabilidade”.


Desenvolvimento Sustentável: necessidade e/ou possibilidade? Org. Dinizar
Fermiano Becker. 4. Ed. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2002, pp. 211-

LOWY, Michael. “De Marx ao ecossocialismo”. In__


http://marxismorevolucionarioatual.org/mos451, 2006

FOLADORI Guilhermo. “O metabolismo com a natureza”. In__ Revista Crítica Marxista,


pp. 105-117, s.d.

LIPIETZ, Alain. “A ecologia política e o futuro do capitalismo”. In__ Revista Ambiente e


Sociedade, vol.. V, n. 2, ago/dez 2002, pp. 9-22.

OURIQUES, Helton Ricardo. “A questão ecológica no capitalismo: uma crítica marxista”.


In__ Revista Motrivivência, ano XVI, n. 22, jun/2004, pp. 19-38.

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