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Challenges 2015: Meio Século de TIC na Educação, Half a Century of ICT in Education 908

SCRATCH ESTIMULANDO O PENSAMENTO COMPLEXO

Jaylson Teixeira
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, Brasil

Resumo: Neste trabalho pretendo mostrar as estratégias que utilizei para estimular o
pensamento complexo em cursos de formação de professores para o ensino básico,
em uma cidade do interior do Brasil. Iniciando com a definição do modelo do
pensamento complexo e baseado em teorias como a histórico-cultural, construcionismo
e D3NA, procuro embasar as estratégias adotadas em sala de aula para a utilizar a
ferramenta de programação de computadores Scratch do Instituto de Tecnologia de
Massachusetts. A metodologia utilizada basea-se no método de investigação-ação,
utilizando-se da autobiografia como recolha de dados. Ao final conclue-se que as
atividades de resolução de proplemas, concepção e tomada de decisão são
alcançadas, estimulando assim ao pensamento complexo de acordo com a teoria.
Palavras-chave: Pensamento Complexo, Construcionismo, Programação de
Computadores, Formação de Professores

Abstract: On this paper I intend to show the strategies I used to encourage complex
thinking in teacher training courses for basic education in a country town in Brazil.
Starting by setting the model of complex thinking and based on theories such as
cultural-historical, constructionism and D3NA, I try to ground the strategies adopted in
the classroom to use Scratch computer programming tool from Massachusetts Institute
of Technology. The methodology used is basing the research-action method, using the
autobiography as data collection. At the end it concludes that the proplemas solving
activities, design and decision-making are achieved, thus stimulating the complex
thinking according to the theory.
Keywords: Complex Thinking, constructionism, Computer Programming, Teacher
Education

Introdução

Segundo Lévy a humanidade teve saltos de evolução na medida que adquiriu


estratégias para ampliar a sua memória coletiva. A história da humanidade sempre
esteve permeada por tecnologias que colaboraram para o conhecimento. Para Lévy
são três as tecnologias da inteligência: oralidade, escrita e informática. Inicialmente a
oralidade é que permitiu recontar histórias preservando a cultura dos povos através de
mitos. Depois a escrita que teve significativo avanço após a invenção do livro. O texto
escrito, além do ganho significativo para a memória da humanidade, também permitiu
a revisão e a formalização de conceitos e a comunicação entre pessoas de diferentes
épocas e lugares. A mídia escrita possibilitou organizar o mundo de forma linear, com
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princípio, meio e fim. A informática é a nova forma de extensão da memória da


humanidade com diferenças qualitativas com relação às anteriores, sem abandoná-
las. Ela permite a experimentação e a quebra da linearidade. Ela envolve a escrita, a
oralidade, imagens, vídeos, tudo de forma dinâmica e mais a comunicação instantânea
(Griebler, 2012). Esta nova tecnologia da inteligência desafia os seres humanos a
estabelecer outras formas de pensar, aprender e gerar conhecimento. Esta nova
maneira de ver o mundo com e através da informática é recente na história da
humanidade e ainda se faz necessária a atualização das escolas para estas novas
necessidades de literancia.

Resnick (2002) comenta que os computadores costumam ser utilizados na educação


para manter antigas abordagens. Segundo ele, deve-se a associação de
computadores e educação como sendo centralizados em informação. Resnick
comenta que esta noção limita e distorce os campos da educação e da computação.

Indo além da concepção que ensinar é depositar conhecimentos, escreve:

Os professores não podem simplesmente despejar informações na cabeça dos


alunos; em vez disso, a aprendizagem é um processo ativo no qual as pessoas
constroem novas compreensões do mundo ao seu redor através da exploração
ativa, experimentação, discussão e reflexão. Em suma: as pessoas não
adquirem ideias; pessoas constroem ideias( Resnick, 2002, p.2).

Computadores são ótimos para armazenar e divulgar informações, mas também são
ferramentas de criação e expressão das pessoas. As pessoas aprendem mais quando
estão engajados em projetar e criar coisas, especialmente quando estas coisas tem
significado para elas. Desta forma, não deve-se usar o computador apenas para
acessar páginas da internet e ouvir música, mas também para criar páginas na internet
e produzir música. Os alunos devem ir além de consumir o conhecimento existente,
mas devem, também, produzir conhecimento. Passando de uma posição passiva para
uma postura ativa na sociedade, usando a tecnologia como ferramenta.

O Scratch é uma ferramenta que pode deixar o aluno nesta posição de criar com o
computador e não apenas consumir. O Scratch é uma linguagem de programação e
um ambiente de desenvolvimento gratuito que permite a criação de histórias
interativas, animações, jogos, músicas e artes. O Scratch é um projeto do Instituto de
Tecnologia de Massachusetts(MIT), desenvolvido para crianças aparti de 8 anos
(Marques, 2008). A programação no Scratch é desenvolvida através de sequências de
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comandos simples. Existem vários blocos de ações que devem ser encaixados de
forma a produzirem o efeito desejado, compondo assim o programa (Teixeira, 2013).

Esta pesquisa é de ordem qualitativa, realizada na Universidade Federal do


Recôncavo da Bahia-UFRB. Segundo Denzi e Lincoln, “A competência da pesquisa
qualitativa é, portanto, o mundo da experiência vivida, pois é nele que a crença
individual e a ação e a cultura entrecruzam-se.” (Denzi & Lincoln, 2006, p.22). Neste
sentido faz-se necessário retratar este mundo experianciado e a minha posição como
pesquisador. As reflexões colocadas aqui se referem as experiências vividas como
professor da disciplina de Introdução a Lógica de Programação durante os anos de
2011 a 2014, experimentando atividades e observando as reações dos alunos, num
processo de Investigação-Ação. A parte experimental vem sendo realizada na cidade
de Amargosa, no Centro de Formação de Professores da UFRB. Semelhante as
outras cidades do interior da Bahia e do Brasil, o Indice de Desenvolvimento Humano-
IDH de Amargosa é de 0,625 e sua população de aproximada mente 35 mil habitantes
(IGBE, 2010). Neste contexto, ministrando a Disciplina de Introdução a Lógica de
Programação, para os alunos do 1.º ano de Licenciatura em Matemática e
Licenciatura em Física, desde 2011. No Brasil os cursos de graduação de licenciatura
se destinam a formação de professores para o ensino básico.

Neste trabalho pretendo usar um modelo teórico de como funciona o pensamento


humano, definindo o que seria o pensamento complexo. Depois usar este modelo para
explicar como o Scratch pode contribuir para estimular o pensamento complexo.
Descreverei as estratégias utilizadas para atingir o objetivo de estimular o pensamento
complexo utilizando o Scratch, na intensão de contribuir para a prática de sala de aula
de outros educadores.

Referencial Teórico

Pensamento Complexo

Em 1989, o departamento de educação do estado de IOWA, nos Estados Unidos,


publicou um documento intitulado “Um Guia para o Desenvolvimento do Pensamento
de Ordem Superior através do Currículo” (A Guide to Developing Higher Order
Thinking Across the Curriculum). Trata-se de um modelo do pensamento integrado
para se entender e trabalhar com o pensamento. Neste modelo existem 4 tipos de
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pensamento que se interagem. São eles: Pensamento de Conteúdo, Pensamento


Crítico, Pensamento Criativo e finalmente o Pensamento Complexo.

O Pensamento de Conteúdo se refere a capacidade de aprender e recuperar


informações e serve de base para os pensamentos crítico e complexo. O Pensamento
Crítico se refere a reorganização dinâmica do conhecimento de forma a dar significado
e torná-lo utilizável. Para o pensamento crítico são necessárias as capacidades de
avaliar, analisar e relacionar. O Pensamento Criativo está relacionado as
características pessoais e subjetivas para criação de um novo conhecimento. Este
conhecimento necessita de processos do pensamento crítico como analisar e avaliar e
também fornece ao pensamento crítico novos conhecimentos que podem ser
analisados e avaliados. Deste modo a relação entre o pensamento crítico e criativo é
dinâmica. O pensamento criativo depende das capacidades de sintetizar, imaginar e
elaborar. (Jonassen, 2007).

O Pensamento Complexo reúne as capacidades dos pensamentos de conteúdo,


crítico e criativo criando processos de ordem superior voltados a ação. Nota-se o
carater pragmático do pensamento complexo. Para atingir um resultado o pensamento
complexo atua em etapas ou fases. Os resultados podem ser uma concepção, uma
decisão ou uma solução. Para o pensamento complexo são necessárias as
capacidades de resolver problemas, conceber e tomar decisões. Deste modo ao
estimula-se as capacidades relacionadas ao pensamento complexo se estimula todos
os demais processos de pensamento do modelo. (Jonassen, 2007). Como
pesquisador, eu adotei este modelo teórioco buscando evidências de estímulo as
capacidades de resolver problemas, conceber e tomar decisões, assumindo que elas
estilulam o pensamento complexo.

Maltempi e Valente define a programação de computadores como uma atividade de


resolução de problemas que exige criatividade, uma vez que é necessário conhecer o
problema e criar um algoritmo que leve a resolução (Maltempi & Valente, 2000).
Acrescento ainda que o programador deve tomar decisões para optar pela sequência
de comandos escolhidos, já que mais de uma sequência de comandos pode levar a
um mesmo resultado computacional. Além de decisões sobre a forma de
apresentação ao usuário e da abordagem do problema no nível conceitual. Maltempi &
Valente acrescentam que, diferente da maioria das resoluções de problemas
propostos na escola, a programação exige a explicitação da solução em uma
linguagem formal de programação (Maltempi & Valente, 2000). Esta necessidade de
formalismo pode-se observar em outras áreas como a matemática e as ciências em
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geral. Para citar um exemplo de formalismo, citarei a legislação. O que é o nosso


conjunto de leis senão uma máquina de inferências para definir as regras de
convivência?

Programar segue um circulo de atividades que são: descrição-execução-reflexão-


depuração (Maltempi & Valente, 2000). Ao definir o conjunto de comandos e variáveis
que vão compor o programa, o programador está descrevendo a solução. Depois
disso executa o programa e observa os resultados. Após uma reflexão a respeito do
resultado, o programador pode se sentir satisfeito com o resultado ou, na maioria das
vezes, realiza a atividade de depuração para corrigir erros ou melhorar o resultado
obtido. Sendo assim, o aluno, ao programar, pode fazer experiências com o
formalismo e aprender com seus erros, resolvendo problemas, concebendo soluções
em etapas e tomando decições. Em outras palavras, programar exercita o pensamento
complexo.

A princípio qualquer linguagem de programação é boa para descrever o problema de


maneira formal, mas as linguagens que facilitam esta interface humano-computador é
mais interessante porque o programador pode se dedicar a resolução do problema,
mais do que os detalhes da linguagem computacional, como sugere Valente:

As linguagens para representação da solução do problema podem, em


princípio, ser qualquer linguagem de computação, como o BASIC, o Pascal, ou
o Logo. No entanto, deve ser notado que o objetivo nào é ensinar programação
de computadores e sim como representar a solução de um problema segundo
uma linguagem computacional. O produto final pode ser o mesmo — obtenção
de um programa de computador — os meios são diferentes. Assim, como meio
de representação, o processo de aquisição da linguagem de computação deve
ser a mais transparente e a menos problemática possível. Ela é um veículo
para expressão de uma idéia e não o objeto de estudo (Valente, 1993, p.14).

Neste aspecto o Scratch aparece como uma boa escolha, por facilitar a programação
com comandos e estruturas as quais se encaixam como um quebra-cabeça, evitando
os erros de digitação e sintaxe, que ocorrem frequentimente quando se utiliza os
compitadores tradicionais. O programa deve ser a descrição formalizada de uma ideia
e um meio de se expressar.
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Aluno: Um ser social

Segundo a visão de Vygotsky, o ser humano aprende através das interações no


ambiente físico e social (de La Taille, de Oliveira & Dantas, 1992). O outro é uma
referência importante que faz o ser humano ter consiencia de suas competências e, a
partir do convívio social, estabelecer hipoteses e sinteses de ideias. Deste modo, as
estruturas pscológicas superiores acontecem primeiro entre os indivíduos
(interpsicológico) e depois individualmente (intrapsicológico). Este processo de fora
para dentro acontece com a atenção voluntária, a memória lógica e a formação de
conceitos. Através da comunicação os seres humanos se sentem importantes e
acolhidos no grupo, que se reúnem por interesses em comum. Sendo assim o ser
humano é essencialmente um ser social. Deste modo, o que faz parte da cultura do
aprendiz ou a ela se relaciona, provoca maior interesse (de Mello, & Teixeira, 2011).

Tanto Vygotsky como Piaget adotam a concepção construtivista que o indivíduo


arquitetam suas próprias estruturas intelectuais, construindo seu próprio conhecimento
(Lima, 2009). Papert observou que esta construção do conhecimento acontece
naturalmente no contexto da construção de algo externo, que se possa mostrar e
compartilhar com outros (Lima, 2009). As linguagens de programação como Logo e
Scratch dão a possibilidade da construção de objetos computacionais abstratos. Esta
teoria, de que o aluno aprende ao construir um objeto externo, com o auxílio do
professor e usando o computador como ferramenta, Papert denominou
construcionismo (Papert, 1991).

D3NA

Meira e Pinheiro falam que a escola mudou muito pouco nos dois séculos da sua
existência. A tecnologia não é uma solução para mudar as relações estabelecidas na
escola. Segundo ele a escola precisa se renovar. Para isso ele propõe que se tome
como base 5 premissas para criar na escola cenários de aprendizagem. Estas 5
premissas formam o acrônimo D3NA. Usando o DNA biológico como metáfora, ele diz
que a escola não sofreu mutação nestes 2 séculos. Que o DNA vem se repetindo sem
mutação e que o D3NA seria a mutação proposta para a inovação. Eles definem
inovação como sendo uma novidade disseminada que provoca mudança de
comportamento nas pessoas (Meira & Pinheiro, 2012).
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D3NA se refere a :“Diversão, Diálogo e Desafios bem balanceados, colocados numa


estrutura Narrativa capaz de produzir uma Aventura educacional.” (Meira & Pinheiro,
2012, p.3 ). Diversão propõe ludicidade no processo. Diálogo pre supõe relações
discursivas com o outro, sendo esta relação pessoal ou mediada por um livro ou
qualquer outra midia. O Desafio deve ser adequado a sua resolução individual ou em
grupo para que não seja demasiadamente difícil promovento assim a frustração, nem
demasiadamente fácil provocando o tédio. A Narativa é proposta como a criação de
um enredo como um filme, colocando o conhecimento em uma história que se possa
contar. A Aventura é proposta para os aprendizes (alunos e professores) para trazer a
inovação ao ambiente escolar.

Sobre a Metodologia e a Recolha de dados

Devido a seu carater intervencionista e de longo prazo, adotei a metodologia de


Investigação-Ação. Adotei o metodo autobiográfico para descrever o processo cíclico
de Investigação-Ação, refletindo e consiliando teoria e prática.

Uma fragilidade que vejo na adoção do método é que não pude contar com a
participação de colegas professores, que serve de argumento de fiabilidade pela
revisão por pares. No entanto, as observações e intervenções foram feitas com
minhas próprias reflexões. Por mais que eu tenha comentado com meus colegas o
que estava fazendo na disciplina, eles não estavam comprometidos com o processo.
Havia a participação dos alunos, o que caracteriza a verificação dos membros e
também a observação a longo prazo. Verificação pelos membros e observação a
longo prazo são fatos que colaboram com a validade e a fiabilidade da pesquisa
(Fernandes, 2014).

Proposta

Parpet conta das aulas de artes que ele via na escola, na qual os alunos faziam
esculturas em sabão. O projeto das esculturas não se resumia a uma aula, mas se
estendia por semanas. Neste processo tem-se tempo para pensar, para sonhar, para
contemplar , para obter uma nova ideia e experimentar, desistir, persistir ; tempo para
conversar, para ver o trabalho do outro e a reação do outro ao seu trabalho. Antes de
formular o conceito de construcionismo ele sabia que queria que as aulas de
matemática fossem assim como as aulas de arte (Papert, 1991). De certa forma é o
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que propõe Meira e Pinheiro ao sugerir que no processo de ensino-aprendizagem haja


diversão, diálogo, desafio, narrativa e aventura. Desse modo evita-se a dicotomia
entre diversão e desafio, estabelecendo o que Papert nomeia de Hard Fun. Papert
afirma que as pessoas estão dispostas a enfrentar desafios, desde que estejam
alinhados com seus interesses e sua cultura. Isso leva o educador a trabalhar no
sentido de tornar a o trabalho do aprendiz difícil da forma correta, conectando com os
interesses dos alunos, com as áreas de conhecimento e com o perfil ético necessário
ao mundo dos adultos (Papert, 2002). Com esta intensão é que planejei as
intervenções na sala de aula, sem perder de vista o objetivo de estimular o
pensamento complexo.

A proposta é que em um curso de programação de computadores os alunos realizem


projetos autorais com o Scratch, definindo o tema e propondo um programa que tenha
uma narrativa. Esta fase de realizar projetos deve acontecer depois de uma fase na
qual o aluno adquire certa destreza com a ferramenta Scratch. Minha experiência
mostra que ao saltar de uma fase básica introdutória para um projeto com total
autonomia provoca nos alunos um certo espanto, ansiedade e medo de fracassar. Por
isso adoto um pequeno projeto de uma semana antes do grande projeto de 3
semanas.

Como projeto de uma semana, proponho uma animação com o Scratch. O tema é
definido pela classe através de sugestões e votação. Na animação não existe
interação com o usuário e o fluxo do programa é único com as cenas acontecendo
sempre na mesma sequência. Para o projeto de 3 semanas o tema é livre. A intensão
é que se faça um jogo, com uma narrativa, usando mecanismos clássicos de jogos
eletrônicos. Os mecanismos são ensinados antes do projeto do jogo e a narrativa não
precisa ser sequencial, podendo uma cena se repetir ou não aparecer, dependendo do
fluxo tomado a partir dos resultados no jogo e as interações com o usuário. A
interação com o usuário, a narrativa com fluxos alternativos e a liberdade de escolha
do tema colocam o aluno frente a desafios maiores que a animação.

As entregas dos projetos são momentos de socialização. O ambiente dessas aulas


costuma ser de entusiasmo e satisfação com o trabalho realizado. Os alunos se
mostram interessados nos trabalhos dos colegas. Minhas observações em sala, me
levam a crer que este momento, quando eles mostram o que foi realizado a seus
pares, é fundamental para provocar este interesse, baseado na teoria que as pessoas
são seres sociais. Ao mostrar o trabalho para classe, os alunos se sentem incluídos e
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reconhecidos socialmente. Acho que é para este momento que eles trabalham com
empenho em seus projetos.

Para o planejamento das atividades, é desenvolvido um storyboard, representando a


animação ou o jogo. O Storyboard fornece uma representação do trabalho a ser
realizado, possibilitando a discussão, a antecipação de dificuldades e a mudança no
projeto antes de iniciar a programação.

O storyboard inicialmente foi utilizado na indústria cinematográfica e agentes de


publicidade. Na computação é utilizado para definir graficamente a interação das
interfaces ser humano computador (Branham & McCrickard, 2007). Chung utiliza o
storyboard como planejamento para realizar uma contação de histórias digitais,
utilizando Power Point, Windows Movie Maker e Microsoft Photo Story como opções
de ferramentas (Chung, 2006).

Os projetos são feitos em duplas. A interação, a solidariedade e a busca por ajuda


dentro e fora do grupo são incentivadas. Para que o projeto tenha um mínimo de
complexidade, estabeleci algumas regras através de pré-requisitos e parâmetros para
a avaliação (ver figura 1).

Figura 6 Regras para Elaboração de Projetos

No projeto de 3 semanas, tento estabelecer alguns marcos que são:


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1) Na primeira semana o storyboard deve estar pronto,


2) Na segunda semana pelo menos 50% das cenas devem estar prontas,
3) Na terceira semana deve-se rever o projeto para conciliar o que se pretende
realizar com o prazo que resta.

Resultados

Para a entrega das animações, eu promovo a elaboração de um vídeo em sala de


aula. Entrego duas máquinas fotográficas aos alunos e peço que eles tirem fotos para
colocar na primeira parte do vídeo. Enquanto isso eu converto as animações em
vídeos e peço para um aluno voluntário montar o vídeo e colocar uma música de
fundo. No final da aula tem-se um vídeo com fotos, no iníco, seguidas das animações
desenvolvidas. A exposição do vídeo na rede social é a grande motivação para este
trabalho, ultrapassando os limites da sala de aula. Um exemplo desse trabalho coletivo
pode ser observado em https://www.youtube.com/watch?v=7dJiYrn2m8U . Neste
exemplo a turma de licienciatura em física de 2014 desenvolve o tema Fim do Mundo.

Tanto na animação quanto no projeto final do jogo, foi utilizado o storyboard para pre-
visualizar o produto final durante na fase de planejamento. Através do storyboard os
alunos conseguem ter uma ideia da quantidade de trabalho a que eles estão se
propondo a fazer. Mudanças são feitas no storyboard que seriam uma grande perda
de tempo se o programa fosse codificado para depois ser abandonado. O storyboard
é importante para que as equipes tenham um plano, uma visão geral antes de
iniciarem o trabalho. Embora quase sempre o produto final não corresponde fielmente
ao plano, o plano é importante. Importante para conversar sobre os projetos, as
dificuldades encontradas no percurso, as soluções propostas e até mesmo para
explicarem para si e para o grupo as mudanças realizadas.

Valente nos conta da resistência dos alunos de licenciatura em educação básica em


serem criativos, optando por fórmulas já prontas dos livros escolares (Valente, 2011).
Esta resistência eu também pude notar com meus alunos. Em 2011 quando solicitei
pela primeira vez um projeto aberto, não realizei o pequeno projeto de uma semana.
Por conta disso era recorrente a frase, “professor, o que é pra fazer no projeto?”, e a
resposta causava paralisia, “o que você quiser!”. Tamanha liberdade causava espanto.
A partir daí, de 2012 em diante, passei a colocar o pequeno projeto(Animação) antes
do grande projeto(Jogo). Nos exercícios, da fase de aprendizagem da ferramenta
Scratch, passei a solicitar alterações simples nos programas, de modo que eles
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personalizassem seus trabalhos. Em outras palavras, fiz uma escala crescente das
exigências de autonomia e criatividade.

Olhando o storyboard, eles se concentram no que querem fazer, abstraindo a


programação. Na procura de um bom resultado os alunos se colocam em desafios do
ponto de vista de programação, muitas vezes além do que eu, como professor, possa
ter coragem de propor. Para citar um exemplo, um grupo em 2013 resolveu fazer o
jogo do tetrix. Embora o jogo tenha ficado sofrível se comparado com o jogo original, a
complexidade do que foi feito excedia em muito a média da classe. Sendo assim,
apesar dos bugs, considero o projeto tetrix um sucesso em termos de trabalho
didático, superando todas as minhas expectativas.

Apesar de alguns se guiarem pelas regras mínimas que estabeleci para o projeto,
poucos se mantêm fiel a elas. O entusiasmo com o trabalho faz com que eles
acrescentem mais cenas ou coloquem uma cena simpática que aumenta a
complexidade computacional. Esse fato evidencia que o ambiente de aprendizagem
promoveu o aprendizado de forma mais engajada e menos coecitiva, como sugere
Papert (Papert, 2002)

A apresentação dos projetos é feita em uma aula, na qual cada dupla tem 10 minutos
para apresentar o programa. Além de explicar a narrativa e a estrutura do jogo, eu
peço para que eles comentem as dificuldades encontradas durante a execução dos
projetos.

Como exemplo de projeto, disponibilizei uma video com comentários em


https://www.youtube.com/watch?v=m-JPW5WpwM0 .

No projeto final observei as atividades do pensamento complexo (resolução de


problemas, concepção e tomada de descisão). Os relatos dos problemas encontrados,
as diferentes narrativas, as soluções computacionais, além do acompanhamento do
processo de criação durante as 3 semanas, me levam a crer que estas atividades do
pensamento complexo foram exercitadas.

Considerações Finais

Pude constatar o que diz Maltempi e Valente a respeito da programação quando


menciona que é uma atividade árdua e que demanda grande esforço e concentração
do aluno(Maltempi & Valente, 2000). O que caracteriza o Desafio proposto por Meira e
Pinheiro com o D3NA(Meira & Pinheiro, 2012). O balanceamento desse desafio é feito
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primeiro pelos próprios alunos propondo projetos que eles acham ser possível realizar,
depois pelo apoio que recebem do professor e dos colegas. Naturalmente os mais
aptos ajudaram os menos aptos, como previa a teoria de Vygotsky(de La Taille, de
Oliveira & Dantas, 1992). O erro é um motivo para a intervenção do professor e
desperta a solidariedade dos colegas. O aluno ora ajuda ora é ajudado, sendo ora
incentivador ora público do trabalho dos colegas, como imaginava Papert(Papert,
1991). Neste processo observei a importância do Diálogo citado por Meira e Pinheiro.
O projeto passa a ser uma Aventura de construir uma Narrativa, usando a
programação como forma de expressão. A cada pequena vitória de uma cena
completada observa-se a satisfação dos alunos que culmina com as apresentações
dos projetos. Assim constato a Diversão do D3NA.

Quando se olha internamente para os programas, descritos em uma linguagem formal,


já se pode afirmar do estímulo ao pensamento complexo através do ciclo descrição-
execução-reflexão-depuração. Mas eu quero, aqui, chamar a atenção para um outro
aspecto que é o programa visto externamente, do ponto de vista do usuário. Quero
falar do projeto dessa relação entre o computador e o usuário, feita pelo aluno. Neste
ponto está o que o aluno quer expressar e percebo fortes traços da sua cultura,
misturando o que é local, regional e global. Este processo tem seu embrião no
Storyboard e finaliza com o projeto acabado. Acredito que esta possibilidade de contar
sua própria história e se reconhecer na história de seus colegas é o grande incentivo a
continuar no curso e enfrentar os desafios. Estas características podem ser
recolhecidas no exemplo disponível em https://www.youtube.com/watch?v=m-
JPW5WpwM0 . Neste exemplo quatro meninas, em 2012, fizeram uma narrativa de
uma personagem de nome Laura, que vai da sua casa a UFRB, passando por
cituações reconhecidas no contexto social dos alunos. A linguagem utilizada é próximo
a eles, com algumas fotos da cidade e mostra fatos da história recente local.

Chung realizou uma experiência com contação de histórias digitais, utilizando Power
Point, Windows Movie Maker e Microsoft Photo Story e conclui em seu trabalho que:

A aplicação de contação de história digital para a educação artística é uma


pedagogia interdisciplinar e baseada na investigação, com um projeto de "mãos
a obra"(hands-on) que integra as artes, a educação, as comunidades locais,
tecnologia e contação de histórias. Ele permite que os alunos desenvolvam e
apliquem as habilidades e conhecimentos de literancia em múltiplas linguagens,
além de sensibilidade estética e pensamento crítico para abordar questões de
maior importância para um público maior. Ao fazer uma história digital, os
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alunos executam várias tarefas como pesquisadores, dramaturgos, designers,


produtores de mídia e educadores (...)

Eles exploram temas de importância, compõem uma narrativa, criam imagens


de computador, gravam uma locução pessoal, aplicam o conhecimento
contextualizado e analisam formas de como a informação e o humor
efetivamente são transmitidos em uma história. Os processos de produzir uma
história digital e se expressar através da narração digital proporciona aos
alunos de artes meios estéticos estimulantes de desenvolvimento de praticar o
pensamento crítico e habilidades de resolução de problemas, de abordar as
questões sociais relevantes e preocupações pessoais, e de cultivar
sensibilidades estéticas. (Chung,2006, p.48)

Estas mesmas características de expressão assumindo múltiplos papeis na produção,


exercendo literancia em múltiplas linguagens, mostrando um senso estético,
resolvendo problemas e exercitando o pensamento crítico pode-se notar no
desenvolvimento de projetos com Scratch. Sendo assim, por analogia ao experimento
de Chung, podemos supor que o Scratch é uma ferramenta que permite o estímulo do
pensamento complexo nas escolas de forma interdisciplinar, viabilizando a técnica da
computação como instrumento de comunicação. O aluno pode se expressar, usando o
formalismo da linguagem computacional, assim como um pintor usa as técnicas de
pintura, ou um músico usa o formalismos matemático da partitura, para transmitir
opniões e emoções.

Outra questão que percebo é que os alunos têm resistência em usar a imaginação e a
arriscar uma solução própria, fato também observado no experimento descrito por
Valente (Valente, 2011). Embora eu não tenha bases teóricas para dizer o por quê
desse fenômeno, tendo a concordar com Maltempi e Valente quando dizem :

Atualmente, a maioria dos alunos que chegam às universidades apresenta


deficiência relacionada com raciocínio lógico e criatividade. Isso porque eles
são provenientes de um sistema educacional que privilegia e exige a
memorização e reprodução de informações, além de punir o erro. Tais
características praticamente inviabilizam o pensamento crítico e criativo.
(Maltempi & Valente, 2000, p.1)

Mas, independente da causa, posso afirmar, a partir desse meu experimento, que é
possível incentivar a criatividade, a lógica e o pensamento crítico, estimulando o
pensamento complexo, através das atividades de resolução de problemas, concepção
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e tomada de descisão, usando o Scratch como ferramenta, baseando-se na teoria


desenvolvida no departamento de educação do estado de IOWA. Dessa maneira
evita-se um ensino dogmático, que segundo Kay é o que predomina nas escolas
(Kay,2007). Kay sugere que a ciência deveria ser ensinada assim como se ensina um
construtor de mapas, sendo uma versão do mundo, mas nunca uma versão definitiva.
A construção de programas com Scratch permite criar estas versões de mundos
provisórias. Esta é a maneira que encontrei para abandonar uma formação tecnicista
típica do século XX, na qual o aluno é formado pela escola para exercer um papel
definido na sociedade seguindo uma tradição taylorista. No tecnicismo o saber fazer é
mais importante do que o pensar (Menger & Valença, 2012). Em uma sociedade de
mudanças cujo conhecimento é construido, reconstruido e aplicado a cada instante, o
aluno deve ser protagonista do seu conhecimento, usando, para isso, as habilidades
do pensamento complexo.

Estudos complementares ainda serão relizados através de estude de casos, no qual


pretendo analizar os trabalhos realizados pelos alunos em 2014, caracterizando uma
recolha de dados documental, e uma análise das entrevistas realizadas em 2014, na
forma de grupo focal. Pretendo recolher mais evidências que indiquem o possível
estímulo as capacidades de resolução de problemas, concepção e tomada dedecisão,
estimulando assim o pensamento complexo.

Um ponto importante do trabalho é a convergência, estabelecida na prática, dos


referênciais teóricos. Uma intervenção ordenada e intencionalmente praparada para
atingir o estímulo do pensamento complexo, carcterizando uma práxis. Esta práxis
também leva em conta a aceitação dos alunos na medida que respeita a cultura
estabelecida incentivando a expressão e a imaginação. Neste sentido o referêncial do
D3NA se mostrou adequado para harmonizar e orientar a prática sugerida. Espero que
este relato sirva de referência para outros professores desenvolverem suas próprias
práxis.

Referências

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