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BIB, São Paulo, n° 52, 2o semestre de 2001, pp. 5-44
conteúdo das trocas. Desde o pós-guerra e de corporações multinacionais tanto da in
principalmente a partir dos anos de 1970, o dústria quanto do setor financeiro.
comércio internacional foi sustentado sobre Em quarto, o crescente investimento
tudo pelos bens manufaturados, mas a partir externo realizado pelas grandes empresas mul
de meados da década de 1980, seu cresci tinacionais é considerado como um dos mais
mento deveu-se ao comércio de serviços importantes fatores que impulsionam a glo
financeiros e de telecomunicações. balização da atividade econômica (Wadding
Em segundo, a desregulamentação e in ton, 1999, p. 7). Ele é acompanhado de um
ternacionalização dos mercados financeiros crescente poderio e concentração da produ
que ocorreu de forma muito rápida a partir ção em corporações multinacionais gigantes,
do começo dos anos de 1980. A intensifica que constituem agentes centrais na difusão
ção dos fluxos financeiros, que operam hoje tanto das novas tecnologias de informação
em tempo real, superando distâncias e fron quanto das inovações gerenciais. As tentativas
teiras, foi impulsionada pelas medidas de destas corporações em realizar um único regi
liberalização dos mercados financeiros, até me de produção em todas as suas plantas no
então fortemente regulados no plano nacio plano internacional leva a uma maior integra
nal, e pelas inovações tecnológicas relativas ção da produção em escala global e à emer
ao tratamento e transmissão de informações. gência de novos paradigmas produtivos. A
Estas novas condições tornaram o capital globalização da produção foi também realiza
financeiro mais móvil e desenraizado, altera da por meio da extensão internacional d.as
ram as relações entre credores e investidores cadeias de fornecedores e de subcontratação,
e “levaram a uma maior autonomia entre os através de arranjos baseados no controle indi
rendimentos dos investimentos financeiros e reto (Waddington, 1999, p. 11).
especulativos e as taxas de lucro da produ Conseqüência importante da intensifi
ção nacional” . (Waddington, 1999, p. 6) A cação do comércio internacional e do cresci
volatividade adquirida por este capital, que mento do investimento externo direto é a
significa a busca da otimização dos seus ren mudança no caráter da divisão internacional
dimentos no curto prazo em escala mundial, do trabalho. Para muitos autores, a divisão
interfere no funcionamento das bolsas de do trabalho em um mundo globalizado dá-
valores, dos mercados de títulos públicos e se de modo desigual, com a concentração da
de divisas e, portanto, na condução das polí produção baseada em capital intensivo e alto
ticas econômicas pelos diferentes Estados valor agregado nos países da tríade (Europa,
nacionais. Nesta medida, o capital financei América do Norte e Japão/Ásia do Leste) e
ro internacional, como observa Boyer (2000, da produção baseada em trabalho intensivo e
p. 19), constitui “um contra-poder, aparen baixo valor agregado nos países em desenvol
temente anônimo mas potente/poderoso” . vimento. Esta distinção, identificada como
Em terceiro, a revolução tecnológica nos divisão Norte/Sul ou Primeiro e Terceiro
transportes, nas comunicações e no proces Mundos, foi modificada na última década
samento e transmissão de informações além com a industrialização de países menos de
de reduzir o tempo e as distâncias e permitir senvolvidos como os países do Leste asiático,
o estabelecimento de relações/conexões com a dispersão da produção das multina
supraterritoriais, transforma o que é produ cionais inclusive em áreas menos desenvolvi
zido e o modo de produzir. A tecnologia da das do globo e pelo fato de alguns dos países
informação tornou-se cada vez mais interna menos desenvolvidos conseguirem melhorar
cionalizada, pois sua difusão ocorreu muito seus ganhos decorrentes da produção e da
rapidamente, impulsionada pelas atividades exportação de produtos primários.
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Cada uma dessas mudanças tem conse defesa da inexorabilidade e imutabilidade do
qüências importantes para o trabalho e os processo de globalização, visto como uma
trabalhadores. N o entanto, as diferenças na nova era na história da humanidade. Esta
definição do fenômeno da globalização im vertente vê a globalização como um fenôme
plicam modos distintos de identificação e no fundamentalmente econômico, que pro
qualificação de suas relações e conseqüências voca a desnacionalização das economias por
para o trabalho. As múltiplas interpretações, meio do estabelecimento de redes transna-
por contemplarem questões relativas ao cará cionais de produção, comércio e finanças.
ter, à extensão e à história da globalização, O termo foi empregado em 1983 por
fazem com que a relação entre esse conceito Levitt (1983 apud Boyer, 2000) para indicar
e as mudanças no mundo do trabalho seja a convergência dos mercados no plano mun
também concebida de diferentes maneiras. dial, e posteriormente estendido por Ohmae
Esta resenha está dividida em duas par (1990) para pensar o papel das empresas
tes: na primeira, identificaremos os principais multinacionais e a integração global da pro
enfoques no que diz respeito à definição de dução. Para este autor, a crescente facilidade
globalização (seu caráter e escala), suas causas com que corporações multinacionais se mo
e suas conseqüências; na segunda, discutire vem através das fronteiras nacionais e transfe
mos nossa compreensão de como deve ser tra rem capitai e produção para outros países, a
tada a relação entre globalização e trabalho. redução do custo e o aumento da velocidade
das comunicações internacionais, o desenvol
vimento de cadeias internacionais de forne
Os Hiperglobalistas cedores {global sourcing) e o fato de muitas
empresas passarem a empregar um quadro
O debate sobre a noção de globalização internacionalmente móvel de gerentes signi
tem se desenvolvido a partir de um conjunto fica que as companhias multinacionais tor-
de questões que podem ser assim resumidas: nam-se cada vez mais independentes de seus
a) definição: a natureza e as especificidades países de origem, ou seja, tornam-se stateless.
do fenômeno; b) medida: evidências e indi (“sem Estado”) (Ohmae, 1990). Isto implica
cadores empíricos relativos à presença e ex que a natureza da difusão de inovações atra
tensão do fenômeno; c) cronologia: dúvidas vés das fronteiras é moldada mais pelas forças
sobre a novidade do processo e sua periodiza do mercado global e da mudança tecnológica
ção; d) explicação: globalização como um do que pelas características específicas de
processo explicativo ou como aquilo que cada país (Edwards, 1998). O resultado é
deve ser explicado; e) julgamento normativo: uma crescente integração do mercado mun
os efeitos (positivos ou negativos) da globali dial e a convergência das práticas empresa
zação para nações, Estados, classes e grupos. riais e formas de organização da produção.
A partir destas questões é possível iden Nesta economia “sem fronteiras” ( borde-
tificar quatro posições neste debate: 1) os less), as empresas transnacionais, como agen
hiper-globalistas ou radicais, que surgem tes propulsores da globalização, procuram
numa primeira onda da literatura sobre redefinir em seu proveito as regras do jogo
globalização (Hay e Marsh, 2000); 2) os cé que eram antes impostas pelos Estados-na-
ticos ou regeicionistas; 3) os transformacio- ção. Os governos nacionais perdem de forma
nistas; e 4) os críticos. crescente a capacidade de controle sobre a
Os hiperglobalistas (Held et a i , 2000b) sua política econômica e de responder por
— ou radicais, como Giddens (1999) os de seus próprios recursos às demandas dos cida
nomina, podem ser identificados pela sua dãos. A autoridade e legitimidade dos Esta
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dos nacionais são ameaçadas e sua soberania cial se tornam cada vez mais difíceis de sus
é reduzida na medida em que instituições de tentar (Held et al., 2000b, p. 4).
governança nos planos local, regional e glo Os hiperglobalistas portanto, tanto na
bal adquirem papéis cada vez mais impor sua variante neoliberal quanto na variante
tantes. Além disso, esta vertente argumenta marxista, compartilham uma visão determi
que constrangimentos impostos pelos fluxos nista que busca nas “forças impessoais do
financeiros e pela competitividade no mer mercado” ou nas “mudanças estruturais do
cado global tornam insustentáveis as políti capitalismo” a explicação para o processo de
cas de proteção social dos Estados de bem- acelerada globalização, que vêem como ho-
estar e impõem a todos os governos nacio mogeinizador e inexorável.
nais a adoção de políticas econômicas de Assumindo uma posição globalista mais
corte neoliberal (Held et al., 2000b). moderada, a partir de um perspectiva neo-
No interior dessa vertente é possível marxista, Castells (1996) considera que o
identificar duas variantes, uma neoliberal e processo de globalização do final do século
outra de extração marxista, que divergem X X reflete mudanças profundas na dinâmica
principalmente no que diz respeito à avalia do capitalismo.2 Ele identifica o surgimento
ção das conseqüências da globalização. de um “capitalismo informacional e global”,
A posição neoliberal vê a emergência do e “uma sociedade de redes” (the network so-
mercado global e a competitividade global ciety), na qual as redes podem ser definidas
como elementos impulsionadores do pro como interações padronizadas e regulariza
gresso e festejam o triunfo das forças impes das entre agentes independentes, núcleos de
soais do mercado sobre o poder estatal. Sua atividades e/ou posições de poder. Com o os
visão otimista os leva a ressaltar os benefícios hiperglobalistas ele entende a globalização
em termos de maior eficiência e bem-estar como uma nova realidade histórica marcada
que a emergência de uma economia global pela integração dos mercados financeiros e
propaga pelo mundo. Com o a competitivi por uma grande mobilidade do capital im
dade global não produz necessariamente re pulsionada pelas novas tecnologias. A econo
sultados de soma zero, a globalização, na vi mia global é vista como “uma economia ca
são dos mais entusiastas, não produziria nem paz de operar como uma unidade em tempo
vencedores nem perdedores absolutos (Oh- real numa escala planetária” (Castells, 2000).
mae, 1990). Efeitos políticos positivos são
também vistos como uma conseqüência da
integração global na medida em que a “har A Literatura Crítica: Os Céticos
monização institucional das políticas comer
ciais, dos sistemas fiscais, das estruturas de Em resposta à visão mais otimista ex
propriedade” requerem o estabelecimento de pressa pelos hiperglobalistas surgiu uma lite
normas internacionais (Busch, 2000, p. 30). ratura crítica que recusava a idéia da presen
Para os marxistas a globalização significa ça de um processo acelerado, inexorável e
o triunfo da forma opressiva do capitalismo homogeinizador de globalização sustentado
global. Eles discordam da visão otimista ex por corporações transnacionais e por um
pressa pela variante neoliberal, argumentan mercado genuinamente global.
do que o capitalismo global cria áreas de ex Os céticos, como ficaram conhecidos,
clusão reforçando desigualdades tanto entre desenvolveram uma crítica rigorosa, que con
países quanto no seu interior. No entanto, tribuiu para decompor e desmistificar o con
concordam com aqueles quanto ao fato de ceito de globalização. Para Hay e Marsh
que as políticas tradicionais de proteção so (2000), esta “segunda onda” constituiu “uma
refutação devastadora” da tese neoliberal da cia da atividade econômica verificados a
globalização. Apesar de ser possível identifi partir de meados dos anos de 1970 não
car nesta vertente um número de autores de constituem uma novidade sem prece
distintas extrações teóricas, vamos nos basear, dentes, pois o nível de abertura e inter
para um resumo de suas principais teses, dependência da economia internacional
principalmente no trabalho mais representa era muito maior no período pré-Primei-
tivo deste esforço crítico, o de Paul Hirst e ra Guerra do que em qualquer outro
Grahame Thompson, e de forma marginal período. Assim, se comparados histori
também em um representante da escola regu- camente, os fluxos internacionais de
lacionista francesa, Boyer.3 capital, de comércio e de migrantes,
Os céticos recusam a visão de globaliza tanto em relação aos níveis do PIB
ção exposta pelos globalizadores mais extrema quanto em escala geográfica são, na eco
dos como um mito. Eles contrapõem a nomia internacional pós-1970, bem in
concepção de uma economia globalizada feriores aos verificados no período de
àquela de uma economia internacional, pensa 1890-1914.
das, ambas, como tipos ideais. N a economia b) Com panhias verdadeiramente transna-
global, as economias nacionais são permeadas cionais são raras. A prática da maioria
e rearticuladas pelo sistema econômico inter das corporações multinacionais mostra
nacional, que se torna autonomizado e social que elas permanecem enraizadas nas
mente desenraizado, na medida em que cresce suas economias nacionais ou regionais
a interdependência econômica sistêmica entre de origem, tanto em termos de produ
os países e a produção e os mercados tornam- ção e de vendas (na medida em que 65
se genuinamente globais. a 70% do valor adicionado continua a
Em contraste, numa economia interna ser produzido nos seus países de ori
cional as entidades principais continuam gem) como de financiamento.4 Este é
sendo economias nacionais, mas estas um padrão de funcionamento muito
tornam-se crescentemente interconectadas distinto das corporações “sem Estado” e
por meio do comércio internacional e do marcadas por alta mobilidade ideadas
investimento externo. A forma de interde por Ohmae (stateless footloose compa-
pendência entre as economias nacionais nies). Além disso, as multinacionais tem
implica uma relativa separação das dimen estratégias distintas no que diz respeito
sões doméstica e internacional, tanto no que à expansão de suas atividades no exte
diz respeito à elaboração de políticas e à rior e à localização de suas bases de ino
regulação, quanto aos impactos de eventos vação tecnológica (P& D ) e, argumen
econômicos, pois eventos internacionais são tam Hirst e Thom pson (1999: 95), as
filtrados através de processos e políticas na evidências mostram que essas estraté
cionais (Hirst e Thom pson, 1999, p. 8). gias são marcadas fortemente pelos
O estabelecimento destes tipos ideais sistemas produtivos e pelas regulamen
permite pensar a possibilidade da combina tações fiscais de seus países de origem.
ção dos dois na realidade. No entanto, para
c) No que diz respeito à questão da gover
esses autores esta hibridização não está ocor
nança, na medida em as multinacionais
rendo. Sua refutação da tese da globalização
permanecem atadas aos seus países ou
pode ser resumida nos seguintes argumentos:
regiões de origem e em que os sistemas
a) Os níveis de abertura dos mercados, de de negócios, de produção e de tecnolo
internacionalização e de interdependên gia permanecem nacionalmente enraiza-
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dos, instituições nacionais ou subnacio- que lidera o processo de inovação, uns
nais continuam sendo importantes na poucos que são seus seguidores e um
regulação e monitoramento das ativida grande número de excluídos, abando
des destas corporações. nados à sua própria sorte. O que se
d) As afirmações relativas à mobilidade do observa é a reconstituição de uma hie
capital são também exageradas quando rarquia de espaços produtivos e um
se leva em conta que o investimento ex aumento ainda maior das especializa
terno direto é altamente concentrado ções tecnológicas. “Globalização não
nas economias capitalistas avançadas, e significa, portanto, hom ogeinização
com exceção de alguns países em desen dos espaços mundiais, mas ao contrá
volvimento que recebem uma pequena rio, diferenciação e especialização” (Bo
parte deste investimento, os países do yer, 2000, p. 26).
Terceiro Mundo permanecem excluídos • O sistema financeiro conheceu uma in
tanto do investimento quanto do co ternacionalização sem precedentes, mas
mércio internacional. Com o, além dis os sistemas nacionais continuaram a ter
so, tanto os fluxos de investimento diferenças significativas no que diz res
quanto os fluxos comerciais e financei peito à regulação dos mercados finan
ros permanecem concentrados nos paí ceiros. O mesmo pode ser dito de outras
ses da Tríade (Estados Unidos, Japão e variáveis relativas ao mercado de traba
Europa), o que ocorre é muito mais um lho como a formação profissional e a
processo de regionalização ou de triadi- contratualização das relações de traba
zação do que de globalização. lho. Assim, se a financeirização teve
e) Estes três blocos econômicos têm o po impacto importante sobre os objetivos e
der de exercer pressões regulatórias so condições das políticas econômicas
bre os mercados financeiros e outras nacionais, o estilo destas políticas conti
tendências econômicas. Apesar do al nuou fortemente impregnada de especi-
cance e dos objetivos da governança fidades nacionais.
econômica ser limitada pelos interesses e * Se os sistemas econômicos nacionais fo
doutrinas econômicas divergentes destes ram transformados e sua autonomia re
grandes poderes isto significa que os duzida pela maior mobilidade do capital
mercados globais estão sujeitos a alguma financeiro e do capital industrial, eles
forma de regulação e controle (Hirst e não desapareceram. Isto significa dizer
Thompson, 1999). que certas escolhas de políticas econômi
cas feitas no passado e no presente con
A estes argumentos, Boyer acrescenta as tam e implicam trajetórias diferentes. O
seguintes críticas: edifício institucional construído ao lon
go do tempo foi mais emendado e re
• Mundialização é um processo que rede composto pela mundialização do que
fine as relações entre centro e periferia, destruído.
de modo que países e regiões inteiras
permanecem excluídos do desenvolvi O Estado-nação não foi minado pela
mento econômico e tecnológico. No onda da competição global, e é um exagero
que diz respeito à inovação tecnológica, dizer que ele entrou em declínio, pois ele
o que se observa é um aumento das de continua a ser “um dos componentes essen
sigualdades entre um pequeno número ciais de um sistema internacional que multi
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plicou as fontes de interdependência sem, no são distintas, pois a presença marcante da
entanto, privar de substância as entidades tríade im põe novas regras do jogo que só
domésticas” (Boyer, 2000, p. 31). podem surgir mediante a negociação com
A partir dessas críticas, tanto Hirst e os Estados Unidos, a Europa e o Japão.
Thom pson quanto Boyer concluem que o Ademais, os anos de 1990 foram marcados
termo globalização está sendo abusivamen por lógicas e níveis heterogêneos de regu
te empregado para designar o que é, na ver lação. Além das próprias firmas m ultina
dade, a continuidade de um processo de in cionais e das regras de direito privado, é
ternacionalização marcado pela intensifica possível distinguir os seguintes níveis de
ção da interdependência entre as economias construção de regras e instituições interna
nacionais. Com o lembram os primeiros, cionais: arranjos setoriais estabelecidos por
num a economia internacional, as maiores firmas de um mesmo setor; uma série de
empresas - baseadas nacionalmente - e os acordos comerciais bilaterais exigem uma
maiores centros financeiros e de serviços convenção geral multilateral garantida por
são fortemente orientados para o exterior e uma organização internacional do tipo da
para o desempenho no mercado internacio O M C ; zonas econôm icas (América do
nal. A econom ia internacional consiste Norte, Europa, Sudeste asiático); regiona
num mercado mundial aberto baseado na lização ou gestão local dos bens coletivos
interação comercial entre nações e é regula (Boyer, 2000, pp. 41-44).
da tanto pelos Estados nacionais quanto
por agências supranacionais. A Abordagem Transformacionista
N o entanto, se para H irst e T hom pson
este processo de internacionalização existe Endereçando suas críticas tanto ao hi-
desde 1870, tendo ressurgido e se am plia perglobalistas quanto aos céticos, os trans-
do continuamente, apesar de m omentos formacionistas (assim nomeados por Held et
de recuo (como o da crise de 1930), para a í, 2000b, p. 7) consideram a globalização
Boyer seria um erro afirmar a identidade como um processo historicamente sem pre
da configuração internacional do final do cedentes e como uma força transformadora
século X X com a de outros períodos histó poderosa que está sacudindo sociedades,
ricos anteriores. Para este autor, portanto, economias e a ordem mundial (Giddens,
o processo de m undialização tem- um con 1996 apud Held et al., 2000b).
junto de novidades que o distinguem de Contra a posição dos céticos de que a
outros momentos de intensa internaciona globalização da economia no final do sécu
lização. Com o aspectos distintivos deste lo X X não é especialmente diferente do pro
processo ele destaca: 1) o sistema financei cesso de internacionalização existente em
ro internacional não tem a m esma estabili períodos anteriores, principalmente se com
dade estrutural verificada sob o regime do parada com o período que antecedeu a Pri
padrão ouro; 2) o movimento de abertura meira Guerra Mundial, Giddens (1999, p.
das fronteiras que ocorreu de 1967 a 1996 10), por exemplo, vai afirmar que a “globa
não tem paralelo em períodos anteriores; lização, como nós a experimentamos, não é
3) o vigor do processo de industrialização apenas nova, mas revolucionária”. Outros
dos países do Leste asiático e o fato de os autores vão propor uma abordagem sócio-
países de velha industrialização verem sua histórica que evita tanto a presunção de que
participação na produção mundial decli globalização é um fenômeno totalmente
nar continuamente; 4) as condições de novo quanto a de que não há nada de novo
emergência das novas regras internacionais nos níveis atuais de interconexões econômi
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cas, políticas e sociais globais (Held et a i , zação refere-se a processos espaço-tempo-
2000, p. 17; Scholte, 2000). Para eles, ape rais de mudanças que transformam a orga
sar de existirem importantes continuidades nização dos afazeres humanos na medida
entre as fases históricas anteriores da globa em que vinculam e expandem a atividade
lização e a fase atual, esta “constitui uma humana através de regiões e continentes.
forma histórica distintiva, a qual é um pro Este conceito implica 1) a extensão de ativi
duto de uma conjuntura única de forças so dades econômicas, sociais e políticas através
ciais, políticas, econômicas e tecnológicas de fronteiras (compressão do espaço), que
(Held, McGrew, G oldblatt e Perraton, pode se dar por meio da ampiiação de redes
2000, p. 429). Estes autores criticam tam de atividades sociais e de poder e da possi
bém o uso de evidências quantitativas para bilidade de ação à distância; 2) a intensifica
comprovar ou negar a existência da globali ção de padrões de interações e fluxos que
zação, pois estão interessados em explicar as transcendem os limites das sociedades e dos
mudanças qualitativas por ela promovidas Estados nacionais; 3) o aumento da veloci
nas relações sociais e no exercício do poder dade das interações sociais, da difusão de
e que não podem ser apreendidas apenas idéias, bens, capital, informações e pessoas
por meio de dados estatísticos. (compressão do tempo), impulsionado pelo
Partindo de um entoque weberiano (in desenvolvimento tecnológico nos sistemas
dividualismo metodológico) e da crítica ao de transporte e de comunicações; 4) o im
determinismo econômico presente tanto nas pacto de eventos distantes sobre localidades
análises dos globalistas quanto dos céticos, os é majorado e o desenvolvimento dos even
transformacionistas entendem a globalização tos mais localizados podem ter conseqüên
como um conjunto de processos históricos cias globais importantes, o que significa
contingentes e marcados por contradições. que há um aprofundamento do envolvi
Para esta vertente, a compreensão desse pro mento entre o local e o global (Held, et a i ,
cesso de mudanças exige a consideração da 2000b, p. 15).
transformação da espacialidade e da tempo Para os autores desta corrente, a globali
ralidade das relações e interconexões nas dis zação é um processo diferenciado que ocorre
tintas dimensões da atividade humana. em todas as dimensões centrais da atividade
Giddens (1990) define globalização social, ou seja, ela é ao mesmo tempo políti
como “distanciamento no tempo/espaço” e ca, tecnológica, cultural e econômica. As in
afirma que na era moderna o nível deste dis terconexões globais emergem como “teias e
tanciamento é mais alto do que em qual redes complexas de relações entre comunida
quer outra época, pois há uma crescente ex des, Estados, instituições internacionais,
pansão das relações entre o local e as formas organizações não governamentais e corpora
e eventos sociais distantes. A globalização ções multinacionais que fazem a ordem glo
refere-se a esta expansão bem como à inten bal” (Held et a i , 2000b, p. 27).
sificação no âmbito mundial das relações A influência do individualismo meto
sociais que vinculam localidades distantes, dológico, que é predominante nesta corren
de forma que acontecimentos locais são te, leva os transformacionistas a pensar a
influenciados por acontecimentos de regiões globalização como um conjunto de proces
distantes e vice-versa. sos que são moldados por fatores conjuntu
Held, McGrew, Goldblatt e Perraton, rais e que definem uma estrutura em evolu
assumindo uma posição muito semelhante ção que tanto im põe constrangimentos
à de Giddens, desenvolvem de forma mais quanto fortalece Estados, comunidades e
detalhada esta definição. Para eles, globali forças sociais. A globalização é, nesse senti
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do, vista como um processo de “estrutura os principais atores na economia global. A
ção”, na medida em que é “um produto tan expansão da influência destas corporações
to de ações individuais quanto das intera traz no seu bojo uma expansão dos mercados
ções entre um sem-número de agências e financeiros e de commodities. Mas como a
instituições”. (Held et al., 2000b, p. 27). economia capitalista não é constituída ape
Os transformacionistas não defendem nas pelo mercado e envolve a transformação
um destino histórico determinado para a glo da força de trabalho que se insere em rela
balização nem avaliam os desenvolvimentos ções de classe, em mercadoria, esse processo
presentes com base em um tipo ideal, seja ele tem implicações para as desigualdades inscri
de um “mercado global perfeitamente inter- tas no processo de globalização (Giddens,
grado”, seja de uma sociedade global. Com o 2000, pp. 94-95).
são processos contraditórios, marcados por No que diz respeito à influência de qual
tendências conflitantes e até opostas, seu re quer Estado individual na ordem política glo
sultado não é necessariamente um conjunto bal, Giddens vai mostrar que ela é fortemen
de mudanças atuando numa única e mesma te condicionada pelo nível de sua riqueza ma
direção. A trajetória futura da globalização é terial e de sua força militar. No entanto, os
vista, portanto, como incerta. Estados não se movem apenas por considera
No que diz respeito à explicação das ções econômicas mas como atores, que deri
causas da globalização ou de suas forças m o vam seu poder de sua capacidade soberana e
trizes, ao contrário de boa parte da literatura tem envolvimentos estratégicos ou alianças
que procura identificar um único imperati com outros Estados. Um aspecto da natureza
vo, como o imperativo expansionista do contraditória da globalização se expressa no
mercado ou do capitalismo ou ainda a m u fato de que a perda de autonomia de alguns
dança tecnológica, os transformacionistas Estados é freqüentemente acompanhada do
buscam construir uma explicação mais com aumento da autonomia de outros, como re
preensiva do fenômeno da globalização, sultado de alianças, guerras ou mudanças eco
como produto de uma combinação comple nômicas e políticas de diversos tipos.
xa de fatores que abarcam as mudanças eco Quanto à ordem militar internacional,
nômicas, tecnológicas, culturais e políticas. este autor chama atenção para a necessidade
Giddens distingue quatro dimensões ex de se analisar as conexões entre as alianças
plicativas da globalização: a economia capi entre Estados, a industrialização da guerra e
talista mundial, o sistema de Estados nacio o fluxo de armamentos e técnicas de organi
nais, a ordem militar mundial e o desenvol zação militar entre distintas regiões do glo
vimento industrial. As duas primeiras estão bo. A globalização do poder militar também
conectadas de vários modos pois, se de um diz respeito à guerra. E as duas guerras
lado as políticas econômicas domésticas e in mundiais do século X X mostraram o modo
ternacionais dos Estados envolvem muitas como conflitos inicialmente localizados po-
formas de regulação da atividade econômica, .dem se transformar em uma questão mun
de outro, as corporações transnacionais têm dial (p. 96).
grande poder econômico e capacidade de in A quarta dimensão diz respeito à expan
fluir sobre a elaboração de políticas tanto são da divisão internacional do trabalho im
nos seus países de origem quanto em outras pulsionada pelo desenvolvimento do indus
regiões nas quais estão envolvidas. Assim, se trialização. A expansão da interdependência
os Estados-nação são os principais atores na global ocorrida desde a Segunda Guerra
ordem política mundial, as corporações (em Mundial levou a mudanças na distribuição
presas industriais, financeiras e bancos) são da produção no mundo, com a desindustria-
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lização de regiões/países desenvolvidos e uma da produção dos países da O E C D para paí
industrialização recente de países do terceiro ses em desenvolvimento e mesmo países de
mundo. A acelerada interdependência tor baixa rénda na busca da redução dos custos
nou mais difícil para países capitalistas regu do trabalho. N a medida em que a competi
larem suas economias nacionais, sendo esta ção global se intensificou, foi crescente o
uma das razões do declínio das políticas de movimento das multinacionais de reduzir os
corte keynesiano. Um a das conseqüências do postos de trabalho nos seus países de origem
industriaiismo e' a difusão em todo o mundo e expandir o emprego nos países de mais bai
de novas tecnologias, principalmente das tec xos salários. A pressão para a redução de cus
nologias da comunicação. Estas tecnologias tos do trabalho levou, nos países de origem e
influenciaram todos as dimensões da globali em muitos dos países hospedeiros, a uma re
zação, inclusive a globalização cultural, as dução crescente dos benefícios sociais e a
pecto fundamental que está por trás de todas transferência do fardo na sustentação dos sis
as dimensões institucionais já mencionadas temas de previdência para os trabalhadores.
(Giddens, 2000, p. 97). Mas como as multinacionais têm papel
No que diz respeito aos impactos da glo central na inovação e difusão tecnológica e
necessitam ter acesso à tecnologia e trabalho
balização, os transformacionistas rejeitam a
qualificado, a transferência da produção
idéia da convergência global ou da emergên
para outros países tem de levar em conta es
cia de uma única sociedade global, pois para
tes fatores. Se o uso de novas tecnologias
eles a globalização não tem como conseqüên
pode ser feito com o emprego de trabalhado
cia uma crescente homogeineidade ou har
res com baixos salários dos países em desen
monia. Ao contrário, ela está associada a no
volvimento, a relocalização da produção
vos padrões de estratificação, que tem tanto
pode ser vantajosa. Nesse sentido, “a globali
uma dimensão social quanto uma dimensão
zação da produção pode contribuir para am
espacial. A primeira refere-se à desigualdade,
pliar os diferenciais de salários entre traba
ou seja, aos efeitos desiguais do processo de
lhadores qualificados e não qualificados tan
globalização nas condições e chances de vida
to no interior de um país e entre países”
de povos, classes, sexos e grupos étnicos. A
(Held et aL, 2000b, p. 279).
segunda refere-se à hierarquia, ou seja, à assi Se ocorresse uma redução dos custos de
metria no acesso ao controle sobre as infra-es- transferência da produção seria possível es
truturas e redes globais. Este acesso desigual perar que os salários fossem cada vez mais
significa que alguns Estados e comunidades se determinados pela competição global e que
envolvem de forma crescente na ordem glo ocorresse, no médio prazo, uma forma não
bal, enquanto outros são excluídos. A globali absoluta de convergência dos salários no
zação, segundo os autores desta corrente, plano mundial. N o entanto, levando-se em
altera (remodela) as configurações tradicio conta a resistência dos movimentos de traba
nais de poder entre países, superando a divi lhadores em diferentes países e sua capacida
são Norte/Sul ou entre Primeiro e Terceiro de de extrair concessões das empresas, é im
Mundo, na medida em que novos padrões de provável que esta convergência dos salários
inclusão e exclusão estão presentes em todas ocorra. Mas os autores aqui considerados
as sociedades e regiões do mundo (Held et observam também que nas condições da glo
a i, 2000b; Giddens, 1999). balização, o balanço de poder entre trabalha
Quanto ao trabalho e ao emprego, a ha dores e capital multinacional modificou-se
bilidade das corporações multinacionais de nitidamente em favor do último.
organizar produção transnacionalmente le Um outro argumento central desta cor
vou, em muitos setores, a uma transferência rente no que concerne aos impactos estrutu
14
rais da globalização, refere-se ao fato de este da globalização ao percebê-la como um fe
processo reconfigurar as funções e o poder nômeno social multifacetado e diferenciado,
dos Estados nacionais. Embora reconhecen que se desenvolve nos distintos domínios da
do que os Estados nacionais continuem po vida social. Deste modo, eles procuram rom
derosos e podem ainda reclamar legalmente per com as visões que reduzem o fenômeno
autoridade soberana sobre o que ocorre den apenas à dimensão econômica ou a uma ló
tro de seus territórios, os transformacionistas gica linear simples ou a dados estatísticos.
observam que a autoridade estatal convive No entanto, os transformacionistas são críti
de forma crescente com instituições de go cos moderados das conseqüências ou impac
vernança internacional (da União Européia e tos da globalização. Giddens, como o-teóri
da O M C ), que lhes são justapostas, e com os co da “Terceira Via”, critica a estratégia do
constrangimentos e obrigações impostos protecionismo como alternativa aos impac
pela legislação internacional. tos perversos da crescente competitividade
Para esta corrente, a globalização é asso global e em muitas de suas conclusões apro
ciada com a desterritorialização e com a xima-se da visão dos hiperglobalistas. Tam
retorialização das atividades econômicas e bém Held et al. (2000b, p. 279), apesar de
políticas, processos estes que correspondem afirmarem a incerteza da trajetória futura da
à emergência, no plano global, de “organiza globalização, aproximam-se da visão mais
ções econômicas e políticas não-territoriais otimista associada à versão neoliberal esposa
tais como multinacionais, movimentos so do por parte dos hiperglobalistas, ao consi
ciais transnacionais, agências reguladoras in derar a possibilidade de uma convergência
ternacionais etc.” (Held et a l 2000b, p. 9). dos preços e dos salários como resultado da
N o plano político, isto tem como conse ação das corporações multinacionais e da
qüência o surgimento de um novo “regime competitividade no mercado global.
de soberania”, no qual o poder se torna mais
difuso entre agências públicas e privadas de
governança nos âmbitos local, nacional, re O Desenvolvimento de uma Análise Crí
gional e global. Isto não significa que o po tica Alternativa
der dos Estados nacionais foi reduzido pela
globalização, mas que seu papel e funções es Hay e Marsh, em sua introdução ao li
tão sendo modificados e reestruturados pela vro Demystifying Globalization, depois de
justaposição e intersecção com as distintas “surfarem” pelo que eles denominam a pri
instâncias de governança em um mundo meira e a segunda “ondas” da literatura so
cada vez mais interdependente. bre a globalização, identificadas respectiva
Este processo de reestruturação dos Es mente com a literatura empresarial acrítica e
tados nacionais está também relacionado com os textos produzidos pelos céticos,
com o impacto da globalização sobre a to apresentam os textos reunidos neste volume
mada de decisão e elaboração de políticas como uma contribuição para o desenvolvi
públicas, na medida em que torna algumas mento de uma “terceira onda” que se pro
opções de políticas mais custosas e depen põe a “desempacotar” e desmistificar o con
dendo da vulnerabilidade do país ou do go ceito de globalização.
verno às condições globais constrange ou fa N o entanto, H ay e Marsh não conside
cilita suas escolhas políticas em maior ou ram a contribuição dos transformacionis
menor grau (Held et al., 2000b). tas. Com o estes desenvolvem uma interpre
Os transformacionistas elaboraram as tação teórica mais abrangente e crítica às
sim uma interpretação mais compreensiva concepções tanto da primeira quanto da se
15
gunda “ondas”, podem ser considerados de dominante na literatura, tomar a globaliza
como parte de uma “terceira onda” na lite ção como o que deve ser explicado. Isto signi
ratura sobre globalização. fica, para estes autores, recusar tanto as abor
Identifico em Hay e Marsh, em alguns dagens que privilegiam a estrutura quanto as
dos autores reunidos na coletânea por eles que privilegiam a ação dos sujeitos na deter
editada, bem como nos textos mais recentes minação dos resultados. A busca das causas da
de Jessop (1999), Scholte (2000) e MacLean globalização deve identificar os sujeitos envol
(2000) o desenvolvimento de uma interpre vidos e, ao mesmo tempo, dar atenção à es
tação distinta das anteriormente menciona truturação das tendências de globalização.
das pela sua densidade argumentativa e críti Para estes globalistas críticos, portanto, a
ca. Estes autores, ao mesmo tempo em que globalização deve ser compreendida como o
reconhecem a existência e a novidade do pro resultado contingente e tendencial de múlti
cesso de globalização, desenvolvem uma crí plos processos que são, ao mesmo tempo, so
tica aguda tanto dos seus fundamentos e con ciais, econômicos, políticos e culturais. Estes
seqüências, quanto dos postulados e implica processos, que interagem de forma específica
ções das concepções que dominam o debate e contingente e se desenvolvem de forma
acadêmico e político sobre o tema. Por essas desigual no espaço e no tempo, são comple
razões, na falta de um melhor adjetivo, vou xos, contraditórios e freqüentemente sofrem
chamá-los de “globalistas críticos” e penso resistências. Assim, a heterogeneidade e a es
que eles inauguram uma “quarta onda” nos pecificidade das tendências globalizantes é
estudos sobre a globalização. que são ressaltadas na medida em que, fre
Hay e Marsh partem da crítica à concep qüentemente, distintos processos que atuam
ção essencialista ou determinista que vê a glo em uma variedade de escalas espaciais e hori
balização como um processo sem sujeito, e zontes temporais interagem produzindo dife
reifica seus efeitos e conseqüências vistas rentes tendências à globalização em distintos
como homogêneas e universais. Atuando contextos (Hay e Marsh, 2000, p. 11).
como uma força onipresente e onipotente, in Colocada deste modo, a concepção dos
dependentemente das ações e intenções dos globalistas críticos tem vários pontos em co
sujeitos reais, a globalização, nesta concepção, mum com a dos transformacionistas: a visão
é vista como um fator causal e é associada à da globalização como produto de um con
lógica da necessidade e da inevitabilidade. junto de processos contingentes, como um
Estes autores propõem observar a globa processo de estruturação inultifacetado, con
lização não como um processo, mas como traditório, cuja trajetória futura permanece
uma tendência, para a qual há contratendên- em aberto, o que supõe resistências e a pos
cias. O desafio posto para os que querem sibilidade de reversão.
contribuir para o desenvolvimento de uma N o entanto, seguindo Wincott na sua
concepção crítica, mais integrada e desmisti- crítica aos que ele denomina os “teóricos da
ficadora da globalização, é “revelar a articu globalização complexa”,5 parece-me que os
lação dinâmica e contingente de processos transformacionistas caem, de certa forma, na
em certos contextos espaciais e em determi armadilha da reificação, na medida em que
nados momentos que produzem efeitos que tratam a globalização como se ela fosse uma
podem ser compreendidos como evidências “coisa” real, que poderia ter causas e conse
da globalização” (Hay e Marsh, 2000, p. 6). qüências. Armadilha da qual os “globalistas
Nesse sentido, esta nova concepção não críticos” procuram escapar quando conferem
deve perguntar o que a globalização deve ex à globalização um caráter tendencial que su
plicar, mas revertendo a direção da causalida põe a existência de contratendências.
16
Além disso, e talvez mais importante, os micas e na trajetória de desenvolvimento na
“globalistas críticos” distinguem sua inter região do Pacífico asiático. A autora destaca
pretação da dos transformacionistas pela ên o papel constitutivo do discurso ao mostrar
fase no discurso e na ideologia da globaliza que uma série de “novos orientalismos” con
ção. Tanto H ay e Marsh quanto Wincott dicionam e constrangem os recursos estraté
consideram que globalização só pode ser gicos dos Estados na região. Ela também
tomada como um fator causal que produz examina os contextos estruturais nos quais
“efeitos” quando ela for um discurso, uma formações discursivas específicas são contes
construção social. Assim, apesar de questio tadas e “como possibilidades narrativas estão
narem as visões que conferem papel causal, diferencialmente inscritas em formações dis
explicativo à globalização, é central na con cursivas específicas” (Sum, 2000, p. 106).
cepção destes autores considerar o papel po Um outro elemento que distingue esta
sitivo que as idéias sobre globalização podem vertente das anteriores diz respeito à ênfase
desempenhar na configuração (estruturação) colocada na interação entre as dinâmicas
dos contextos econômicos, sociais e políticos cultural e econômica. Sum, por exemplo,
nos quais vivemos. sugere a necessidade do desenvolvimento
Conscientes de que devem ser cautelo de uma “economia política cultural” (cultu
sos para que esta posição não leve ao privilé ral political economy) que dê conta da inte
gio do plano discursivo, estes autores preo ração complexa e dialética entre as dinâm i
cupam-se em buscar as relações entre as cas discursivas-culturais e os fatores econô
idéias sobre globalização, de um lado, e os m icos institucionais. Isto significa que
processos que estas idéias pretendem descre “processos econômicos devem ser situados
ver, de outro. Clammer (2000), estudando o em contextos culturais e compreendidos
Japão, mostra que os efeitos que a globaliza em termos de especificidades culturais, na
ção têm em um contexto nacional específico medida em que o processo de mudança não
manifestam-se geralmente através das res reside em um momento (o econômico)
postas que produzem. Mas estas não são res nem no outro (o cultural), mas na interação
postas à globalização per se, mas a um enten dos dois” (Hay e Marsh, 2000, p. 13).
dimento específico ou a uma construção E possível, por fim, afirmar que o enfo
particular sobre a globalização. que distintivo dos “globalistas críticos” tem
Assim o próprio discurso sobre globali por base uma certa heterodoxia marxista -
zação pode servir para produzir os efeitos com exceção de Scholte —e, em alguns dos
que este mesmo discurso atribui à própria autores, uma clara influência gramsciana. Ao
globalização.6 Mas não é apenas desta pers conceber a globalização como uma tendên
pectiva que a questão do discurso é tratada cia para a qual existem contratendências, es
pelos autores desta vertente. Ngai-Ling Sum tes autores tomam a globalização como um
(2000) analisa a dialética complexa da regio- campo de luta e procuram identificar pro
nalização-globalização na região asiática do cessos com sujeitos. Ou, como afirmam Hay
Pacífico, mostrando como ela é mediada dis e Marsh (2000, p. 13), eles compartilham a
cursiva e institucionalmente. Baseando-se na preocupação de “trazer de volta o sujeito
idéia de “orientalismo” como a construção para a análise da globalização”. Isto significa
histórica e discursiva de um “outro” em rela no que diz respeito à relação entre estrutura
ção à auto-identificação do Ocidente, anali e ação, que a política, pensada como ação,
sa o papel dos discursos relativos à relação imaginação e intenção dos sujeitos, tem pa
“comércio-competitividade-desenvolvimen- pel positivo na criação das estruturas que
to” na mediação das relações sociais e econô vão, então, condicionar e limitar as possibi
17
lidades humanas (Piven, 1995 apud Hay e dência à globalização se reflete no crescente
Marsh, 2000). A globalização, nestes termos, alcance espacial das divisões de trabalho em
é vista como o resultado da interação entre diferentes campos e é possibilitada pelas no
grupos, classes, nações, como o produto da vas tecnologias - materiais e sociais - de
ação de sujeitos que fazem a história, mas transporte, comunicação e controle.7 Além
não nas circunstâncias que eles escolhem disso, Jessop considera que, do ponto de vis
(Hay e Marsh, 2000, p. 11). ta estratégico, a globalização envolve tam
H á, no entanto, entre os autores desta bém as tentativas dos atores de realizar, de
vertente nuanças, ou diferentes ênfases no modo continuado, a coordenação global de
que diz respeito à interpretação da globaliza atividades em distintas ordens institucionais
ção, suas causas, manifestações e contradi ou sistemas funcionais. Estas formas de
ções. Vou discutir aqui os trabalhos de três coordenação, que variam muito e não têm
autores que, do meu ponto de vista, são os eficácia garantida, podem incluir, por exem
mais representativos por procurarem desen plo, redes interpessoais, alianças estratégicas
volver uma análise crítica alternativa e mais estabelecidas por firmas transnacionais, a
compreensiva do fenômeno. constituição de “regimes internacionais”
Jessop (1999) e Scholte (2000) enten para o governo de campos de ação específi
dem globalização como uma tendência que cos e projetos para a governança global.
se desenvolve de forma desigual no tempo e Globalização é, para esses dois autores,
no espaço e que envolve um tipo distinto, um fenômeno ao mesmo tempo estrutural e
porque novo na história contemporânea, de estruturante. O “postulado da estruturação”
“compressão espaço-tempo” . Para Scholte significa, para Scholte, que o curso da histó
(2000, p. 48), isto significa que distâncias ria resulta das escolhas dos agentes e de dis
territoriais têm sido cobertas em intervalos posições estruturais que se constituem m u
de tempo cada vez menores. Nas transações tuamente. As forças estruturais estabelecem
e conexões globais, o “lugar” não é mais ter o leque de opções disponíveis para os atores
ritorialmente definido, as distâncias territo em um dado contexto histórico e encorajam
riais são cobertas em tempo zero e as frontei os atores a tomar determinadas decisões ou
ras territoriais não representam mais impedi iniciativas e não outras. Por sua vez, as estru
mentos. Globalização é então entendida turas dependem da acumulação das decisões
como supraterritorialidade, e “descreve cir dos atores para sua criação e perpetuação. A
cunstâncias nas quais o espaço territorial é tendência à globalização desenvolve-se, de
substancialmente transcendido” . acordo com esta concepção, quando as con
Para Jessop, no entanto, estruturalmen dições estruturais estão maduras e quando os
te, globalização envolve tanto time-space agentes tomaram as iniciativas para fazer
compression quanto time-space distantiation. com que as possibilidades para tal desenvol
Enquanto a primeira significa a intensifica vimento de fato se efetivassem.
ção da ocorrência de eventos em tempo real Para Jessop, que focaliza principalmente
e/ou a crescente velocidade de fluxos sobre a globalização econômica, ela deve ser inter
uma dada distância, a segunda, alonga (esti pretada tanto como um “contexto estrutu
ca) relações sociais no tempo e no espaço de ral” mais inclusivo, no qual processos que
modo que eles podem ser controlados/coor- ocorrem em outros níveis econômicos sub-
denados por períodos de tempo mais longos, globais podem ser identificados e inter-rela-
em distâncias maiores ou em múltiplas esca cionados, quanto como um “horizonte de
las de atividade. Neste último sentido, a ten ação” mais amplo para o qual “estratégias de
18
acumulação e projetos econômicos podem tituem as condições necessárias tanto para
ser direcionados” (1998, p. 23). iniciar como para acelerar a expansão da su-
Com o “contexto estrutural”, a globali-' praterritorialidade. As forças estruturais são,
zação não deve ser vista como um mecanis para ele, a expansão do racionalismo —como
mo causal, mas como um fenômeno emer estrutura dominante do conhecimento —e as
gente e em evolução que resulta de processos mudanças no desenvolvimento do capitalis
econômicos em diferentes escalas. Nesta me mo; enquanto, entre as iniciativas dos atores,
dida, sua natureza depende de processos que são considerados cruciais as inovações tecno
ocorrem em escalas subglobais (local, urba lógicas nas comunicações e no processamen
na, regional, através de fronteiras, nacional e to da informação e o desenvolvimento de
macroregional) que continuam significativas determinadas políticas regulatórias, princi
- mesmo que transformadas - como lugares palmente a adoção de políticas neoliberais
efetivos de atividades econômicas reais. (em especial a liberalização dos mercados),
Além disso, as escalas menores constituem, que influenciaram o tipo atual de globaliza
freqüentemente, lugares-chave de resistência
ção (Scholte, 2000, p. 90). Adotando uma
e das contratendências à globalização 0es-
perspectiva sistêmica, ele entende que ne
sop, 1999; Dirlik, 1999).8
nhuma dessas forças tem primazia sobre as
Já horizonte de ação globalização signi
outras, pois cada uma delas, ao mesmo tem
fica “pensar globalmente mesmo quando
po, causa e é causada pelas outras.
agindo localmente, ou em escala urbana, re
Scholte toma a expansão do racionalis
gionalmente ou triadicamente” . Isto signifi
mo como uma das forças estruturais impul
ca a necessidade de se levar em consideração,
sionadoras da globalização, pois entende que
estrategicamente, as implicações espaciais e
a supraterritorialidade não poderia se realizar
em diferentes escalas dos processos globais
sem uma mentalidade que encorajasse o seu
(Jessop, 1999, p. 23).
desenvolvimento. O racionalismo tem qua
A globalização, desta perspectiva, não é
vista como um único mecanismo causal, tro características principais; ele é secularista,
mas como uma tendência complexa e con antropocêntrico, tem caráter científico e ins
traditória que resulta de vários processos trumental. Quando se torna uma estrutura
causais. Tanto para Jessop quanto para social dominante, tende a subordinar outras
Scholte, essa tendência surge da inter-relação formas de conhecimento, que são despreza
de condições e impulsos estruturais e das ini das como “irracionais” .
ciativas dos agentes econômicos e políticos. O racionalismo, de acordo com este au
No entanto, estes dois autores adotam pers tor, estimulou o desenvolvimento da supra
pectivas teórico-metodológicas distintas na territorialidade de várias formas, mas princi
sua interpretação das causas da globalização. palmente por ter se constituído como uma
Jessop busca, a partir de uma perspectiva base “ideal” para as outras causas da globaliza
marxista, a explicação das contradições e do ção. Com o já nos mostrou Weber, a passagem
movimento desigual de globalização nas de relações sociais orientadas pela tradição
contradições internas ao movimento de va para relações sociais orientadas pela racionali
lorização do capital e à estratégia político- dade acompanhou a passagem do mundo
econômica hegemônica, bem como nas lutas feudal para o mundo capitalista. O racionalis
e resistências à globalização. mo pode ser visto como o “verdadeiro espíri
Scholte, por sua vez, identifica de forma to do capitalismo”. Do mesmo modo, as no
precisa - e esta é uma das suas importantes vas tecnologias da informação desenvolve
contribuições —as forças estruturais e aque ram-se a partir do conhecimento científico e
las ligadas às iniciativas dos atores que cons de “uma vontade antropocêntrica e instru-
19
mentalista de controlar a natureza” . Além dis produção global, redes globais de distribui
so, modernas leis racionais e o desenvolvi ção e a infra-estrutura de comunicações ne
mento da organização burocrática formam cessárias para apoiá-las. Em segundo lugar, a
um o pano de fundo para as medidas regula- contabilidade global, por meio da qual as
tórias que incentivam a globalização. empresas podem alterar seus preços de modo
Para Scholte, o cientificismo e o instru- coordenado no âmbito mundial, de forma
mentalismo contidos no racionalismo incen que seus lucros gerais sejam maximizados.
tivam o movimento de globalização, pois “o Elas podem ainda buscar, em um espaço
pensamento científico é não territorial: as transnacional, lugares de baixa taxação para
verdades obtidas através de métodos objeti concentrar seus lucros ou o ciberespaço para
vos’ são válidas para qualquer um, em qual escapar das obrigações fiscais.
quer lugar e em qualquer tempo” (Scholte, Em terceiro, o global sourcing é visto
2000, p. 95). Ademais, a territorialidade, pelo autor como um meio de fortalecer a
principalmente as fronteiras dos Estados na acumulação, principalmente para as grandes
cionais, contradiz a lógica instrumentalista corporações transnacionais, na medida em
do moderno pensamento econômico, para o que elas podem estabelecer suas facilidades
qual a superação das distâncias e das frontei produtivas onde os custos são baixos e os re
ras são condição para o alcance de uma divi cursos considerados ótimos. Globalização,
são de trabalho mundial mais produtiva. deste modo, dá ao capital uma posição van
Assim, na concepção deste autor, de distin tajosa na medida em que ele adquire uma
tos modos, o pensamento racional tem in mobillidade supraterritorial da qual nem os
centivado o desenvolvimento da imaginação trabalhadores nem os Estados podem usu
global e as várias atividades supraterritoriais fruir. A possibilidade de relocalização do ca
que ela promove. pital através das fronteiras estatais alterou o
Apesar de recusar uma visão materialista poder de barganha em favor do grande capi
ou economicista que explica o desenvolvi tal. Além disso, a globalização permitiu aos
mento da globalização apenas pelas mudan capitalistas, principalmente os baseados no
ças no capitalismo, Scholte considera que a Norte, contrarrestar as estratégias socialistas
acumulação do excedente teve papel central e da economia estadista que, em busca de
na história da globalização. A busca constan uma redistribuição da riqueza mundial, de
te de aumento da acumulação do excedente senvolveram-se sobretudo em países do Sul
tende a submeter mais e mais setores da eco (Ásia, África e América Latina) a partir de
nomia à lógica capitalista. Assim, além da meados do século XX.
agricultura, da indústria, do transporte e das Finalmente, em quarto lugar, o desen
finanças, educação, habitação, seguridade so volvimento das comunicações globais e dos
cial, saúde, entretenimento foram incluídos fluxos financeiros, além de fornecer possibi
no circuito de acumulação de capital. lidades adicionais de valorização do capital
O capitalismo impulsiona o desenvolvi através do aumento da produção primária e
mento da globalização de quatro modos. industrial, oferecem por si mesmos grande
Primeiro, pressionadas pela lógica da acu potencial para acumulação.
mulação capitalista muitas empresas buscam Scholte recusa o determinismo tecnoló
mercados globais como meio de aumentar gico, mas reconhece que a globalização não
seu volume de produção e de vendas, alcan teria sido possível sem a “revolução” tecnoló
çar economias de escala e aumentar suas gica nos transportes, nas comunicações e no
margens de lucros. Empresas capitalistas ti processamento de informações. As inovações
veram grandes incentivos para desenvolver tecnológicas, por sua vez, dependeram das es
20
truturas racionais e capitalistas que criaram os mais fracos. No entanto, as forças estrutu
uma ordem social favorável ao seu desenvol rais impulsionadoras da globalização (racio-
vimento acelerado. Além disso, estas inova nalismo e capitalismo, bem como o desenvol
ções não teriam sido aplicadas em larga esca vimento de novas tecnologias) colocaram os
la sem um quadro regulatório que estabele governantes, mesmo nos Estados mais fortes,
cesse um nível substantivo de padronização sob grande pressão para promover o desenvol
técnica nos planos nacional e mundial. vimento da supraterritorialidade (Scholte,
A “revolução” tecnológica desempe 2000, p. 102). E mesmo governantes contrá
nhou papel central na criação dos espaços rios ao desenvolvimento da globalização su
transnacionais. Os avanços tecnológicos nas cumbiram, pelo menos parcialmente, a uma
telecomunicações e na informática constituí acomodação com esta tendência.
ram instrumentos essenciais para o desenvol A questão parece ser, portanto, que tipo
vimento das comunicações e das transações de políticas e instituições regulatórias os di
financeiras globais, bem como para a coor ferentes governos erigiram na tentativa de
denação global da produção e para o desen governar o movimento de globalização. Se os
volvimento de redes e movimentos sociais governantes não podem negar o crescimento
transnacionais. Estas inovações forneceram, de relações globais, eles, no entanto, têm di
portanto, parte importante da infra-estrutu- ferentes opções para lidar com a direção e a
ra para o movimento da globalização, na velocidade deste processo. Scholte (2000,
medida em que constituíram uma força pro pp. 103-105) identifica quatro principais
pulsora da supraterritorialidade. medidas regulatórias que, adotadas por dife
Scholte identifica nos mecanismos de re rentes governos, contribuem para promover
gulação uma área na qual as iniciativas dos o processo de globalização:
atores são cruciais para o desenvolvimento da
• A padronização técnica e de procedi
globalização. Muitos mecanismos regulató- mentos, que facilita as conexões supra-
rios emanaram dos Estados nacionais, mas territoriais na medida em que as partes
também de instituições regionais ou transna envolvidas seguem as mesmas regras e
cionais criadas pelos Estados. As relações su- rotinas (exemplo importante são as nor-
praterritoriais não se teriam desenvolvido se matizações em todas as áreas da tecnolo
políticas estatais não tivessem sustentado estes gia estabelecidas pela International O r
processos. Globalização e Estados nacionais ganization for Standardization —ISO).
são, portanto, para este autor, não só compa 9 A liberalização dos mercados que levou
tíveis como co-dependentes, mas a chave para ao fim do protecionismo e à eliminação
esta co-dependência são os mecanismos de re de restrições ao livre movimento de di
gulação e não o Estado. Contudo, afirmar nheiro, investimentos, bens e serviços —
que arranjos institucionais e legais encoraja- (mas não de trabalhadores) e teve como
dores são indispensáveis para a expansão das uma de suas conseqüências a criação de
relações globais não significa dizer que os zonas destinadas à produção para expor
policymakers têm escolhas livres, não cons tação (EPZ - export processing zones) que
trangidas. Assim como é verdade que certos impulsionou a globalização da produção.
governos tomam decisões para inibir o avan 0 As garantias de direito de propriedade
ço da globalização (por exemplo, restringindo para o capital supraterritorial, funda
fluxos financeiros, proibindo entrada de soft mental para o desenvolvimento das
wares para Internet), é também verdade que corporações globais.
Estados fortes têm maiores possibilidades de • A criação e legalização, por diferentes
influenciar os rumos da globalização do que Estados nacionais, de organizações
21
transnacionais ou multilaterais que hoje Bob Jessop oferece uma contribuição
constituem as agências regionais e singular ao desenvolvimento de uma visão
transnacionais de governança, além da alternativa dos processos que levam à globa
permissão para atuação em vários terri lização. Ele acrescenta à contribuição de
tórios nacionais de associações e movi Scholte a idéia de que a globalização é acom
mentos sociais. panhada de uma “relativização da escala” e
uma crítica mais incisiva do conceito e do fe
Tendo apontado essas quatro causas nômeno que aponta para suas contradições e
primárias da globalização, que são vistas limites internos.
com as condições necessárias para o seu de De acordo com Jessop, o período do
senvolvimento, Scholte reconhece a exis fordismo atlântico foi marcado por uma
tência de outros fatores que contribuíram coincidência espaço-temporal e congruência
para a expansão das relações supraterrito- estrutural entre economias nacionais, Esta
riais, como forças secundárias: a constru dos nacionais e sociedades nacionais. Esta
ção de identidades e com unidades transna dominância da escala nacional, que foi to
cionais, que contribuiu para o desenvolvi mada como um dado da realidade e natura
mento de uma consciência global e levou lizada, dependia de fundações materiais e
distintos grupos a estabelecerem redes de ideológicas específicas, as quais não podiam
comunicação global e a formar associações ser tomadas como dadas. Mas como a dinâ
transnacionais com base nas identidades de mica contraditória da acumulação de capital
classe, gênero, etnia etc. e as lutas nela inscritas escapam das tentati
No entanto, há um conjunto de cir vas de fixá-las em estruturas institucionais
cunstâncias que operam contra o movimen espacial e temporalmente delimitadas, qual
to de globalização e que constituem contra- quer solução, como a que se configurou nos
tendências. Scholte menciona as políticas “trinta anos gloriosos” do pós-guerra, é ins
estatais que procuram limitar os fluxos tável e provisória. Assim, a predominância
globais, as identidades territoriais, as formas da escala nacional neste período de expansão
econômica foi minada de vários modos,
de conhecimento não racionais e a produ
inclusive pelos processos, ocorrendo em dis
ção de subsistência que mantém parte da
tintas dimensões espaço-temporais, que con
população do mundo resistente às conexões
tribuem para a tendência de globalização.
transmundiais, assim como as revoltas con
C om a crise do fordismo e as m udan
tra o capitalismo e o racionalismo, que se
ças dela decorrentes, a naturalização da es
opõem à ampliação da supraterritorialidade.
cala nacional foi substituída por uma visão
A presença destas contratendências e de
que considera tanto a importância do “glo
forças sociais alternativas mostra que “globali
bal” como escala “natural” de organização
zação não é inevitável” e nem se desenvolveu econômica, quanto diferentes escalas eco
de acordo com uma trajetória predetermina nômicas subnacionais. Estas últimas sur
da. Para este autor, portanto, apenas uma ex gem naturalizadas no discurso que descobre
plicação que considere o desenvolvimento da a importância do local, do urbano e das
supraterritorialidade como o produto históri economias regionais como aquelas que “es
co de um processo de estruturação no qual os tiveram sempre lá” .
atores tiveram iniciativas e escolhas que apesar Para o autor, no contexto das mudanças
de constrangidas, não deixaram de ser signifi do período pós-fordista, o que ocorre é
cativas, permite indicar os fatores ou medidas “uma proliferação de escalas espaciais (ter
que podem influenciar o grau e a direção da restres, territoriais ou telemáticas) e sua re
expansão da globalização. lativa dissociação em hierarquias complexas
22
e emaranhadas”, que correspondem a uma vido à sua primazia nos Estados Unidos, à
mistura complicada de estratégias orienta im portância dos ajustes neoliberais na
das para diferentes escalas, na medida em maioria dos países capitalistas avançados e
que diferentes forças econômicas e políticas nas economias pós-socialistas e, também,
buscam as melhores condições para sua in por ser ele sustentado por órgãos internacio
serção em uma ordem internacional em nais como O E C D e FM I. Contudo, uma
transformação (Jessop, 1999, p. 24). Assim, estratégia hegemônica pode se mostrar irra
em comparação com o período do pós-guer cional e, apesar da pretensão de universali
ra, o período pós-fordista é marcado pela dade, promover interesses particulares. E o
“relativização da escala”, pois apesar da esca caso das políticas neoliberais que tendem a
la nacional ter perdido a primazia, nenhuma ampliar as contradições inerentes à dinâmi
outra dimensão de organização econômica e ca de acumulação capitalista, ao reforçarem
política, - seja a global, a local, a urbana ou o momento abstrato formal do valor de
a triádica —tornou-se predominante. Dife troca do capital, às expensas do momento
rentes escalas espaciais de organização eco concreto substantivo do valor de uso. E nes
nômica desenvolvem-se e consolidam-se e te momento abstrato que o capital, na sua
novos horizontes de ação são imaginados forma de capital financeiro, pode se tornar
tendo como base novos modos de com mais facilmente desenraizado de lugares es
preender a competição. Assim, as distintas pecíficos e ter fluxo livre através do tempo e
dimensões espaciais são tomadas estrategi do espaço, mas nos seus momentos concre
camente como objetos de gerência econô tos, que se expressam na produção de mer
mica, regularização ou governança. cadorias, o capital só pode se materializar
Esta “relativização da escala” no momen em espaços territoriais específicos e frações
to atual envolve tanto oportunidades quanto temporais determinadas.
ameaças para os atores econômicos, sociais e Há, portanto, uma tensão entre a de
políticos, na medida em que ela “está associa manda neoliberal por uma aceleração dos
da com ações para explorar e para resistir aos fluxos de capital abstrato através de um espa
processos que produzem globalização” (Jes ço crescentemente desterritorializado e a ne
sop, 1999, p. 26). Assim como atores econô cessidade das formas concretas de capital de
micos podem estabelecer alianças para am se fixarem no tempo e em espaços territo
pliar seu alcance global ou se proteger da riais.5 Esta tensão cria novas formas de con
competição global, Estados em diferentes tradições e dilemas. O primeiro dilema de
níveis enfrentam as conseqüências da reestru corre da crescente interdependência entre os
turação global e se envolvem na gestão dos fatores econômicos e extra-econômicos na
processos que identificam como produzindo criação da competitividade estrutural que,
o que se entende por globalização. por sua vez, gera contradições na forma de
Na identificação do que ele chama as “iló organização temporal e espacial da acumula
gicas” da globalização, Jessop mostra que as ção. Assim, do ponto de vista temporal, há
contradições do capitalismo podem dificultar uma contradição central entre o cálculo eco
a completa realização da globalização e quais nômico de curto prazo, principalmente nos
quer tentativas de se mover na direção desta fluxos financeiros, e a dinâmica de longo
realização são inerentemente instáveis, como prazo da “verdadeira competição” entre capi
mostra a forma neoliberal de globalização. tais concretos, que está enraizada em recur
O neoliberalismo constitui, para este sos (materiais, tecnológicos, humanos, de
autor, a estratégia hegemônica para o desen organização etc.) que levam anos para serem
volvimento da globalização econômica, de criados, estabilizados e reproduzidos. Do
23
ponto de vista espacial, a contradição se es quanto no político. No domínio econômico
tabelece entre a economia considerada um eles se referem aos conflitos entre o capital
espaço de fluxos e a economia um conjunto em geral e os capitais particulares, que se ex
de recursos econômicos e extra-econômicos pressam em lutas hegemônicas em torno de
enraizado social e territorialmente. estratégias de acumulação específicas. Politi
A segunda contradição fundamental no camente, estes problemas ocorrem no confli
regime de acumulação pós-fordista dá-se to entre as funções econômicas do Estado
entre a economia de informação e a socieda (em assegurar as condições para a acumula
de da informação: na primeira, a apropria ção do capital e para a reprodução da força de
ção privada do conhecimento torna-se a trabalho) e seu papel na manutenção da coe
base da monopolização dos lucros dele de são social em uma sociedade fracionada e
correntes e da competitividade nacional. Na
pluralista. Estes problemas, em conjunto,
segunda, ao contrário, o acesso público ao
criam outros problemas de meta -governance
conhecimento é visto como condição para
na medida em que muitas tentativas de regu
“o empoderamento pessoal e para a expan
lação econômica falham, ao mesmo tempo
são da esfera pública” (Jessop, 1999, p. 30).
em que os atores políticos têm de reconhecer
O ressurgimento dessas contradições
que a não intervenção é, em si mesma, uma
gera problemas para a ação coletiva e dilemas
para os atores econômicos e políticos. Um forma de intervenção com suas próprias limi
destes dilemas enfrentados pelos atores polí tações e possibilidades de fracasso.
ticos, no contexto da crise dos Estados de Existem, portanto, limites objetivos (in
bem-estar, foi a escolha entre a liberalização ternos) à globalização econômica devido à
dos mercados (principalmente do financei necessidade do capital tanto de relações so
ro), que levaria à dissociação entre os capitais ciais desenraizadas de seu velho ambiente so
financeiro e industrial, e a adoção de estraté cial quanto de reinseri-las (reenraizá-las) em
gias protecionistas ou mercantilistas, que po novas relações sociais.
deriam forçar uma cooperação maior entre Jessop conclui que a inabilidade da
estas frações do capital. Outro dilema rela forma neoliberal de globalização para re
cionado a este foi o do ataque ao salário conciliar os dois momentos da acumulação
social como custo de produção e a retração de capital no plano global e resolver suas
do Estado de bem-estar, de um lado, ou a contradições
defesa da política de pleno emprego, dos ser
viços públicos e das transferências de renda f...] gera uma busca contínua por uma “fixa
sem levar em consideração seu impacto so
ção espaço-temporal” e por um compromis
bre a competitividade internacional. O que
so institucionalizado em uma escala menos
havia de comum a estas soluções divergentes
inclusiva, os quais podem prover a base para
e as tornava falsas soluções, era sua ênfase
unilateral em um dos momentos das contra uma inserção favorável na mutante hierar
dições estruturais do capitalismo. Sua oposi quia econômica global e para a coesão social
ção, por outro lado, significava o compro dentro de um espaço econômico, social e po
misso unilateral de revigorar a organização lítico relevante” (Jessop, 1999: 37).
econômica e política nacional ou apoiar de
modo incondicional o movimento global ir Neste contexto, apesar do desafio colo
restrito do capital abstrato. cado pela globalização aos Estados nacionais,
Os problemas relacionados à ação coleti estes permanecem como atores centrais que
va que decorrem das contradições já aponta procuram de modos diferentes e muitas ve
das ocorrem tanto no domínio econômico zes conflitantes, organizar o desenvolvimen-
24
to dos movimentos de globalização-regiona- ção é vista como uma “coisa” , um processo,
lização e enfrentar suas conseqüências e im como algo que se realiza empiricamente e
pactos na esfera nacional. deve ser explicado.
Essa metateoria, mesclada às análises
que compõem a ortodoxia das Relações In
As Raízes Filosóficas da Globalização e ternacionais, manifesta-se por meio de um
a Crítica Teórico-metodológica conjunto de categorias dicotômicas, como
teoria e prática, objetividade e subjetividade,
MacLean (2000) no seu denso e semi ação e estrutura, o político e o econômico, o
nal artigo “Philosophical Roots o f Globali doméstico e o internacional, tempo e espa
zation and Philosophical Routes to Globali ço, que são vistas como separadas e externas
zation” , parte da crítica das raízes filosóficas umas às outras (MacLean, 2000, p. 42).
do que ele considera a ortodoxia da discipli O autor identifica, portanto, nas con
na Relações Internacionais, seu mainstream, cepções dominantes na disciplina Relações
e que constitui parte da sua autoridade dis- Internacionais um conjunto consistente de
ciplinadora. O autor centra sua análise críti assunções, que ele relaciona com relações
ca principalmente na desconstrução do rea reais de poder e hegemonia no mundo. Estas
lismo clássico e do neo-realismo, vistos assunções são compartilhadas não apenas
como constituindo a ortodoxia dominante pelos que são parte da ortodoxia, mas tam
na disciplina e como representações explíci bém pelos que pretendem questioná-la a
tas das suas “raízes filosóficas” (MacLean, partir de uma posição heterodoxa. MacLean
2000, p. 33). Seu argumento é o de que esta mostra como autores que se pretendem crí
ortodoxia interpreta mal ou não reconhece ticos da visão ortodoxa, seja por defenderem
(mirsrecognize) a globalização devido a dois uma análise interdisciplinar ou uma posição
elementos centrais de suas raízes filosóficas. heterodoxa na interpretação da globalização,
Primeiro, a predominância de uma filosofia compartilham com ela uma definição que é
específica, derivada da teoria política clássi ahistórica e abstrata na forma, e na medida
ca, que caracteriza os fenômenos relevantes em que traduzem globalização pelas suas
nas reiações internacionais como políticos e manifestações empíricas, sem conseguir de
toma o Estado como principal ator nas rela monstrar o que é “global” na globalização,
ções internacionais e como unidade central reafirmam os principais motivos e dicoto
de análise. Ao entender globalização funda mias do discurso empiricista dominante.10
mentalmente como um fenômeno político, Quanto à interdisciplinaridade, na me
o realismo e o neo-realismo reduzem a com dida em que para MacLean, a análise da glo
plexidade do mundo moderno no período balização não é central nem capaz de provo
recente, tratando outros elementos impor car mudanças nas distintas disciplinas nas
tantes da práticas sociais contemporâneas quais ela surgiu, corre-se o risco de desenvol
como práticas marginais a serem submetidas vimento de um “gueto acadêmico interdisci
ao controle político. plinar da globalização”. Isto pode ocorrer a
Segundo, a predominância de uma filo não ser que “globalização seja teorizada de
sofia genérica, obscurecida e profundamen tal forma a confrontar a ortodoxia dentro de
te embebida na disciplina, identificada na cada disciplina e aquele elemento profundo
epistemologia empiricista. Com base nesta que constitui em cada uma a aliança episte-
epistemologia, a análise da globalização mológica transdisciplinar silenciosa mas efe
mantém-se no nível das aparências, das cau tiva dos empiricismos” (MacLean, 2000, p.
sas e conseqüências observáveis. Globaliza 46). Por estas razões, o autor defende a ne
25
cessidade da mudança de uma análise inter- Descarta-se assim a possibilidade de
disciplinar para uma análise antidisciplinar pensá-la como um “discurso complexo
da globalização. que determina e medeia as diversas rela
A tese central deste autor é a de que o ções possíveis entre estas dimensões” . A
desenvolvimento de uma análise convin noção de determinação aqui quer dizer
cente da globalização deve partir de uma um conjunto de condições que limita
crítica da relação que cada disciplina esta os tipos de políticas, objetivos e proje
belece com o conceito de globalização pois tos dos agentes que podem ser concebi
“parte do que globalização significa reside dos e a maneira como podem ser reali
nas teorizações existentes sobre ela” (Ma- zados. Esta noção de determinação não
cLean, 2000, p. 42). Partindo de uma teo- implica a existência de evidências de
ria-metodológica crítica, esta posição cor uma homogeneização da prática social.
responde à idéia de que tornar um conceito
Ela significa sim que há um crescente
concreto não envolve a avaliação de dife
silêncio homogeneizador: “uma hom o
rentes teorias sobre ele, mas uma avaliação
geneidade do não pensado, do não dis
do relacionamento entre as teorias existen
putado, do não escolhido e do não pra
tes e o objeto de investigação como relação
ticado” (MacLean, 2000, p. 58).
causal. Deste ponto de vista, um a revisão
0 A globalização é geralmente identificada
crítica da literatura não é uma tarefa pré-
como o produto da ação de atores especí
teórica que antecede o momento da pesqui
ficos: Estados, empresas, organismos in
sa propriamente dita, mas uma parte essen
ternacionais. Conceitua-se o termo de
cial da pesquisa desde o seu início.
forma abstrata a partir do individualismo
Para este autor, conceitualizar globaliza
metodológico, privilegiando agência em
ção, então, não significa apenas descrever
relação à estrutura.
como distintos agentes (governantes, diplo
* Predomina a tendência de igualar glo
matas, empresários, cidadãos etc.) pensam e
balização a internacionalização ou a in
praticam a globalização mas conceitualizar a
terdependência e de concebê-la em ter
relação mediada e complexa entre as inter
mos geográficos-territoriais, o que sig
pretações acadêmicas e aquelas práticas.
nifica dizer que ela ocupa uma posição
Dito de outro modo, isto significa que “a
no tempo e em um espaço tridimensio
teorização acadêmica explícita é constitutiva
nal. Esta visão se sustenta em uma con
do objeto que ela busca aompreender” e su
cepção que pensa tempo e espaço de
põe um rompimento com a separação entre
teoria e prática (MacLean, 2000, p. 56). forma absoluta, ou seja, como indepen
dentes um do outro e dos objetos que
A incompreensão do fenômeno da glo
neles se localizam.
balização pela ortodoxia das Relações Inter
• Com o decorrência do empirismo inscri
nacionais deve-se, na visão critica de M a
to nesta ortodoxia, a globalização só tem
cLean, aos seguintes postulados e assunções:
significado se puder ser traduzida em re
s A globalização é vista como uma “coisa” lações e práticas observáveis. Em decor
ou um processo, como algo empírico a ser rência, a possibilidade de que ela seja
explicado. Não se considera que ela, por uma realidade não observável, mas com
si mesma, possa ter poder explicativo. poder causal, é excluída, não pensada."
• As definições de globalização são unidi
mensionais. Ela é vista como um fenô Tomando esta crítica das raízes filosóficas
meno político, econômico ou cultural. da disciplina Relações Internacionais e da sua
26
concepção de globalização com ponto de par Em terceiro, a globalização constitui-se
tida, MacLean expõe um conjunto de elemen por meio de uma solução específica da rela
tos abstratos que constituem no seu entendi ção ação/estrutura no interior de práticas so
mento as bases para o desenvolvimento de ciais concretas. Isto significa que, para que a
uma análise crítica alternativa da globalização. globalização tenha se desenvolvido na forma
Em primeiro lugar, parte do significado específica em que se desenvolveu, inicial
de globalização está inscrito nas suas formas mente certas práticas subjetivas e formas de
de teorização. Esta questão envolve as rela conhecimento se transformaram em estrutu
ções teoria-prática, sujeito-objeto. Para a pes ras normativas globais - sendo global aqui
quisa concreta isto significa que a questão entendido não como universal, mas como
inicial não é o que pode explicar a globaliza poderes causais não territoriais —as quais se
ção, mas quais são as condições históricas apresentavam para os agentes como condi
subjetivas, teóricas ou meta-teóricas para que ções objetivas ou naturais da vida social. Es
a globalização surgisse no tempo e na forma tas transformações incluem práticas sociais
específica na qual ela surgiu. Em outros ter como: “a assumida eficiência superior da
mos, “a suposta constituição da ‘globalização’ liberalização dos mercados, da não socializa
em outros elementos diversos —Estados, em ção da saúde, da guerra sobre a paz, da pro
presas, sociedades - são primeiro abstraídos priedade privada sobre a propriedade coleti
no pensamento e depois combinados para va, da ciência sobre a tradição etc.” . E este
produzir uma especificação concreta formal tipo de transformação simultânea teórica e
de ‘globalização’, que será diferente daquela prática que concede à globalização qualidade
assumida no início” (MacLean, 2000, p. 60). hegemônica e “permite a reconciliação da
Em segundo, ver a globalização como hegemonia americana com a hegemonia em
um fenômeno histórico não quer dizer que geral” (MacLean, 2000, p. 61).
sçu surgimento possa ser estabelecido em MacLean propõe como solução para a
termos cronológicos, com uma data especí questão da relação entre ação e estrutura, a
fica, que seja o ponto de partida para a distinção entre dois momentos estruturais re
construção de uma periodização.12 Histori- lacionados: o primeiro, que ele chama de Es
cizar a globalização significa perguntar que trutura I, refere-se às instituições, normas e
tipo de condições necessárias e contingen convenções por meio e nas quais ações sociais
tes foram necessárias para a sua emergência. são realizadas em qualquer contexto históri
Deste ponto de vista, a globalização surge co. O segundo momento, ou Estrutura II,
como estrutura quando outras formas de diz respeito aos elementos metateóricos en
organização político-econômicas (como so volvidos nas ações/práticas da Estrutura I,
cialismo, por exemplo) deixam de se cons que são tomados como dados, naturalizados,
tituir como alternativas para a organização e não podem ser diretamente observáveis,
da economia política em termos mundiais, mas apenas identificados a partir das suas
apesar de poderem manter histórias locais. conseqüências (inclui gênero, propriedade
Globalização constitui, portanto, “um a for privada, tempo/espaço e racionalidade). Es
ma de economia política que estabelece tes são elementos puramente metateóricos,
tanto uma história estrutural quanto uma mas sem eles qualquer explicação de fenôme
história local”, e nesse sentido, constitui nos observáveis seria impossível.
uma configuração a partir da qual outras Em quarto lugar, globalização não pode
formas de integração e de organização polí ser localizada em um tempo ou espaço parti
tico-econômicas são descritas e avaliadas culares: ela não é uma coisa e não pode ser
(MacLean, 2000, p. 60). pensada como ocupando um espaço tridi-
27
mensional. Seu reconhecimento exige que se 11, acima mencionada) que passa a ser vista
considere sua história estrutural - pensada como apropriada não apenas para o dom í
como os elementos metateóricos acima nio privado, mas também para ser aplicada
mencionados — e sua não territorialidade. no dom ínio público, aos bens e serviços po
O u seja, a globalização é um fenômeno que líticos, sociais, legais e culturais. A política
contém n dimensões e apesar de engendrar é transformada assim “da participação na
formas históricas de ação específicas, não elaboração de políticos para o consumo de
pode ser reduzida às suas manifestações em políticas, da potencial ruptura com o poder
píricas. Isto significa que é possível afirmar a como desigualdade e privilégio sistêmico
universalidade da globalização não como para o individualismo do auto-empodera-
algo que pode ser identificado em todo lu mento” 14 (MacLean, 2000, p. 63). De acor
gar, mas como uma configuração dominan do ainda com este autor, a mudança inscri
te na qual as possibilidades de ação são arti ta na globalização representa uma margina-
culadas e avaliadas (MacLean, 2000, p. 62). lização crescente das probabilidades norma
Em quinto e último, a globalização pro tivas no mundo, principalmente daquelas
duz novas formas de governança não-territo- relativas a projetos potencialmente emanci-
riais e não-soberanas, ao mesmo tempo em patórios porque orientados para o aumento
que mantém o Estado soberano. Este, no en da igualdade de acesso a bens e a decisões
tanto, tem sua forma histórica original mo políticas, ou pelo menos para o atendimen
dificada: deixa de ser o lugar territorialmen to das necessidades humanas básicas.
te definido e legítimo, assumindo a forma de Apesar de não ter desenvolvido sua
um governo local e regional “subsidiário” . abordagem com todos os seus desdobramen
Isto implica que, para a compreensão da glo tos concretos, MacLean apresenta um con
balização, é mais relevante uma concepção junto de indicações do que ele define como
genérica da organização pública e privada os elementos abstratos centrais constitutivos
que rompa com concepção ortodoxa da se da globalização. Estas indicações têm em co
paração entre Estados e organização interna mum com a concepção de outros globalistas
cional. A questão que se coloca então é como críticos, uma visão da globalização como
e por que o mundo se tornou organizado de multidimensional, não redutível a um espa
tal forma e não de outra. ço tridimensional (portanto, aterritorial) e
Isto implica, para M acLean, que globa como um fenômeno histórico, mas que esse
lização é uma estrutura que esvaziou o con autor entende como não cronológico. Um
teúdo tradicional do pensamento político e outro ponto em comum diz respeito ao
da prática política ocidental. N um a primei modo específico de compreender a relação
ra aproximação, é possível dizer que se de ação/estrutura. MacLean acrescenta ao “pos
senvolveu uma forma de política técnica- tulado da estruturação”, como proposto por
racional, baseada em um conhecimento Scholte e por Hay e Marsh, uma discussão
econômico de especialistas,13o que não quer das “distinções” da estrutura (Gramsci,
dizer que com a globalização a política foi 1980, p. 12) que amplia a compreensão da
substituída pela economia, mas sim que ela história da constituição da globalização
foi reinventada. como fenômeno estrutural e estruturante.
Constitui um elemento central da glo Além disso, há uma aproximação entre
balização a reconstrução das práticas em os autores desta corrente no que diz respeito
presariais e gerenciais, inclusive da ética a dois outros elementos: 1) a idéia de que os
empresarial, como uma estrutura normati Estados nacionais continuam tendo um pa
va dominante (que corresponde à Estrutura pel importante, apesar de terem sua forma
28
modificada, ao mesmo tempo em que a glo ver a perda de poder dos trabalhadores como
balização engendra formas de governança uma conseqüência inevitável da uniformiza
supra e subnacionais e não territoriais. A este' ção e da convergência no plano mundial do
entendimento MacLean acrescenta que a padrão tecnológico, das formas de organiza
globalização modificou o conteúdo do pen ção da produção e dos níveis salariais. A va
samento político e da prática política oci riante neoliberal, que também vê a globaliza
dentais; 2) o papel positivo que o discurso e ção como um processo irresistível, prevê que
a ideologia da globalização desempenham na
os trabalhadores terão sua influência muito
estruturação dos contextos econômicos, so
diminuída na medida em que se desenvolve
ciais, e políticos contemporâneos. Partindo
no plano global um novo padrão produtivo
da crítica das “raízes filosóficas da globaliza
orientado pela eficiência, e movido pelos re
ção”, MacLean acrescenta que há uma rela
querimentos de curto prazo do capital finan
ção causal entre as formas de teorizar a glo
ceiro. Por outro lado, argumentam que a glo
balização nas diferentes disciplinas e o seu
significado e forma de desenvolvimento no balização das novas formas de organização da
mundo contemporâneo. produção poderão ter como resultado uma
Este conjunto de indicações, no meu en maior participação e autonomia dos traba
tender, compõem com as contribuições de lhadores e em decorrência seu empowerment.
Scholte, Jessop e Hay e Marsh, os elementos Esta visão salienta o papel das empresas
centrais de uma abordagem crítica alternati transnacionais, corporações “sem Estado”, na
va da globalização. É a partir delas que a difusão tanto de novas tecnologias quanto de
relação entre globalização e trabalho pode ser novas práticas de gestão do trabalho no pla
repensada, superando a visão das mudanças no global. Estas corporações transnacionais,
no universo do trabalho como conseqüências na sua crescente mobilidade, facilitada pela
inelutáveis da dinâmica de globalização e re redução de custos de produção e rapidez das
colocando o trabalho no centro do debate so comunicações, buscam se localizar opde o
bre globalização como sujeito cujas ações (e trabalho é mais barato, cooperativo e adequa
concepções nelas contidas) são cruciais para a damente qualificado. Para alguns, a atuação
conformação do modo específico como a destas empresas é vista como um modo efi
globalização vem se desenvolvendo ou, prin ciente de difusão de novas tecnologias e no
cipalmente, para a conformação das contra- vas práticas de emprego e organização do tra
tendências e resistências a ela. balho, na medida em que o contexto de im
plementação destas práticas é o mesmo nas
subsidiárias da corporação, pois os objetivos,
Globalização e Trabalho ou Bringing as estruturas e a cultura de gerenciamento são
Labour Back in similares em diferentes partes da organização
(Edwards, 1998). A expansão destas corpora
O que a globalização significa para os ções transnacionais é uma das forças centrais
trabalhadores? Esta questão, colocada por na promoção da convergência entre as práti
Waddington (1999) como ponto de partida, cas e organização empresarial nos diferentes
permite-nos avaliar a contribuição de alguns países (Ohmae, 1990).
autores para a discussão das implicações da Discutindo a difusão de práticas de em
globalização para trabalhadores, suas organi prego através da atuação das corporações
zações e ação coletiva. multinacionais Edwards (1998) mostra que
As interpretações mais deterministas, há dois contra-argumentos críticos a esta po
como aquelas dos hiperglobalistas, tendem a sição: em primeiro lugar, observa-se uma
29
contínua diferenciação entre os sistemas pro ses são, na visão de Edwards (1998), marca
dutivos nacionais, pois na medida em que há das pela natureza dos modos dominantes de
variação na natureza das leis e das institui produção e organização do trabalho e suas
ções, principalmente nas formas de regula respectivas práticas de emprego. Os efeitos de
ção do emprego, e diferenças culturais entre dominância estão associados com países cu
os países, estes fatores se combinam dando jos setores industriais tiveram ótima perfor
origem a formas nacionalmente distintas de mance nas últimas décadas (Japão, Alema
organização das corporações transnacionais. nha, Estados Unidos) e a difusão reflete a in
Um segundo contra-argumento reco fluência destes modelos bem-sucedidos.
nhece a difusão internacional de certas práti N o entanto, a literatura mostra que as
cas gerenciais, e busca explicá-la pela domi pectos legais, institucionais e culturais limi
nância de determinados sistemas produtivos tam a possibilidade de as corporações multi
nacionais (como o japonês). Este “efeito do nacionais difundirem práticas através das
minante” surge da hierarquia das economias fronteiras nacionais. A natureza das institui
no sistema capitalista, quanto à sua eficiência ções do mercado de trabalho, incluindo o
e sucesso, e leva à noção de bestpractice. Com sistema de relações industriais, também limi
a crise do fordismo, emergiram pelo menos tam as possibilidades de difusão. A participa
dois regimes distintos de organização do tra ção em negociação coletiva pode constranger
balho: o europeu continental e o japonês. O o leque de escolhas das empresas em relação
primeiro foi influenciado principalmente a elementos como a determinação de salá
pelo desenvolvimento da Alemanha e carac- rios. Na Europa, por exemplo, as empresas
terizou-se pela mudança na qualidade da multinacionais têm mais dificuldade em evi
produção baseada na aplicação de novas tec tar o reconhecimento dos sindicatos e po
nologias. Este modelo ficou conhecido como dem ver a negociação coletiva setorial conlo
especialização flexível a partir do trabalho de uma limitação à introdução de uma maior
Piore e Sabei (1984). O segundo, conhecido flexibilidade no nível da empresa.
como o modelo japonês da lean production, Diferenças culturais entre países tam
tem como seu elemento central o foco nas re bém podem limitar a difusão, pois determi
lações sociais na produção e baseia-se na apli nadas práticas que são facilmente aceitas em
cação do just-in-time e do total quality con- um determinado país não são aceitas em ou
trol. Estes métodos requerem o comprometi tros. Há, no entanto, maior possibilidade de
mento do trabalhador para a redução de per difusão de práticas de emprego em países
das e defeitos e se valem de um conjunto de que mantêm um quadro legal permissivo e
práticas de envolvimento tais como a rotação um mercado de trabalho pouco regulado do
de função, os círculos de qualidade, os times que nas economias mais reguladas (Edwards,
ou grupos de trabalho. 1998, p. 9).
Além destes dois, há ainda uma certa in A contribuição de Edwards é im por
fluência nas multinacionais americanas do sis tante porque ele chama atenção para a difu
tema conhecido como Human Resources M a são de “m odelos” dominantes de organiza
nagement. Este baseia-se nos programas deno ção do trabalho ao mesmo tempo em que
minados quality ofworking life, que buscam o mostra o papel dos regimes regulatórios e
envolvimento dos trabalhadores nas decisões das diferenças culturais na explicação da
relacionadas com a produção (IBM e Kodak variação observada nas práticas das m ulti
são exemplos da aplicação deste modelo). nacionais em distintos países, o que desmis-
As pressões para a difusão de práticas de tifica a idéia da convergência na forma de
organização da produção para diferentes paí organização da produção como resultado
30
da orientação global de corporações m ulti Para Jones, a combinação das condições
nacionais. N o entanto, na concepção deste locais de cada economia e das políticas ado
autor assim como na dos globalistas e neo- tadas pelos seus governos constitui fator de
liberais, o papel dos trabalhadores como su cisivo na alteração dos padrões de igualda
jeitos implicados nestes processos de m u de/desigualdade, bem como na variação das
danças nas práticas de emprego fica obscu experiências observadas tanto entre os países
recido ou não é considerado. africanos como entre os países capitalistas
Barry Jones, que assume uma visão da avançados (por exemplo, crescimento da de
globalização ora próxima da dos céticos sigualdade no Reino Unido, tendência mo
(pela não distinção entre globalização e in desta à diminuição das desigualdades nos Es
ternacionalização), ora dos transformacio- tados Unidos e Japão).
nistas (por pensar a globalização como sen No que diz respeito ao trabalho, o mo
do determinada por uma multiplicidade de vimento de globalização tem como um de
fatores e como um desenvolvimento não seus paradoxos nas últimas décadas o cresci
inevitável e sujeita a reversão), toma as cor mento do sentimento de insegurança entre
porações transnacionais (industriais ou fi os trabalhadores, nos países capitalistas avan
nanceiras) como os principais atores nos de çados, em uma situação de crescimento do
senvolvimentos que levam à globalização. salário real e de uma certa sustentação da se
Para este autor, são as deliberações e esco gurança no emprego, principalmente entre
lhas destes atores que constituem a substân trabalhadores do sexo masculino. A percep
cia da internacionalização. ção de insegurança crescente é atribuída, por
No que diz respeito ao trabalho, jones este autor, às crescentes pressões para maior
(2000) discute os impactos ambíguos da produtividade entre os trabalhadores empre
globalização em relação ao aumento da de gados por tempo indeterminado, juntamen
sigualdade, à subordinação dos trabalhado te com o crescimento do trabalho subcontra
res e aos constrangimentos impostos às eco tado e do emprego em tempo parcial, prin
nomias nacionais. cipalmente para as mulheres. Além disso, a
A rápida industrialização dos países do defesa da necessidade de uma maior flexibi
leste e sul asiático, o crescimento do investi lização dos mercados de trabalho, nas duas
mento externo direto em países do chamado últimas décadas, reforçaram estas ansiedades
Terceiro Mundo e o crescimento da econo na medida em que eram vistas como respos
mia mundial nas últimas décadas do século tas (e de fato eram) às pressões advindas do
XX, que acompanharam o movimento de movimento crescente de globalização.
globalização, não foram capazes de reduzir as Esta atmosfera de apreensão e inseguran
desigualdades tanto no interior quanto entre ça, alimentada por estas doutrinas da flexibili
as sociedades capitalistas. Jones observa que zação do mercado de trabalho, encorajou no
a distribuição de renda em muitas das eco vos movimentos de resistência à globalização,
nomias capitalistas não se alterou desde os por meio “da atividade local e transnacional
anos de 1970. Ocorreu apenas uma ligeira dos sindicatos, da formação de grupos para se
melhora, nos tigres asiáticos, dos 20% da opor aos desenvolvimentos indesejáveis, e da
população que se encontram nos níveis mais emergência de uma literatura acadêmica cor
baixos de renda. Constituem, portanto, duas respondente” (Jones, 2000, p. 89).
faces contraditórias da globalização, a histó Ainda segundo este autor, as pressões
ria do desenvolvimento econômico dos “ti sofridas pelos trabalhadores empregados ou
gres” asiáticos e a crescente marginalização a procura de emprego são o resultado tanto
de uma grande parte dos países africanos. da mudança tecnológica e das políticas dos
31
governos locais quanto da crescente globali sários. O s governos, diante destas limita
zação ou internacionalização. De fato, o m o ções à sua capacidade de taxar muitas das
vimento de globalização gera um conjunto companhias mais lucrativas “defrontam-se
de pressões inter-relacionadas derivadas da com a escolha dolorosa entre cortar os ser
mobilidade do capital e da relocalização de viços oferecidos às suas populações, aum en
setores da produção em economias onde tar a carga tributária dos membros ordiná
predomina o baixo custo do trabalho, da ne rios e menos móveis de suas comunidades
cessidade da adoção de tecnologias poupa- ou engajar-se no financiamento do déficit
doras de máo-de-obra para enfrentar cres do erário público” (Jones, 2000, p. 96).
cente competição nos mercados domésticos Este conjunto de constrangimentos im
e de exportação, bem como das referências postos aos Estados nacionais persuadiu a
freqüentes aos imperativos de uma econo muitos deles que a única alternativa seria
mia mundial em processo de globalização melhorar a capacidade de suas economias
por políticos e empresários que buscam, des em responder aos, e tirar as vantagens possí
se modo, legitimar suas práticas e decisões veis dos, requerim entos de um a economia
políticas (Jones, 2000, p. 90). m u n d ia l g lo b a liz a d a . P o r e s sa r a z ã o , a c o m
O avanço da globalização impõe um binação de gestão da demanda e política in
conjunto de constrangimentos aos Estados dustrial foi substituída, em muitos países,
nacionais no que se refere ao manejamento por políticas voltadas para garantir a estabi
da política econômica, com implicações lidade monetária, flexibilizar o mercado de
para o conjunto da população e para os tra trabalho, melhorar as qualificações da mão-
balhadores em particular. Limitações pro de-obra e as condições do lado da oferta. A
gressivas à política comercial são impostas necessidade de adaptar suas políticas econô
por acordos multilaterais negociados sob o micas e industriais de modo a eliminar res
G A T T e a O M C . A possibilidade de uma trições à atuação do capital e atrair novos in
política industrial foi também dificultada vestimentos impôs a muitos governos a re
pelo custo de um apoio efetivo dos gover dução do poder dos sindicatos, por meio de
nos a indústrias emergentes em um contex mudanças nas instituições e legislação que
to de acelerada mudança tecnológica e in regem as relações de trabalho (como aconte
dustrial e de dom inância da filosofia do ceu sob o governo Thatcher no Reino Uni
laissez-faire (Jones, 2000, p. 90). Além dis do). Dentre as medidas que podem contri
so, a crescente mobilidade do capital, prin buir para a criação de um ambiente domés
cipalmente do capital financeiro, impõe aos tico atrativo ao capital externo, são significa
governos nacionais constrangimentos à li tivas as medidas destinadas a melhorar as ha
vre manipulação das taxas de juros e à sua bilidades e atitudes da força de trabalho,
capacidade de aumentar impostos destina como mostram a crescente preocupação de
dos a financiar serviços públicos. N a área governos de distintos países (avançados e em
fiscal observa-se uma crescente diferença desenvolvimento) com a qualidade da edu
entre os im postos pagos pelos indivíduos cação e com a promoção de programas de
e pelas corporações multinacionais. A cres treinamento. Em suma, “ambientes atrati
cente mobilidade destas corporações permi vos, economias estáveis, forças de trabalho
te que elas identifiquem regiões com menor capazes e dóceis constituem parte do ‘paco
carga tributária para novos investimentos te’ que os Estados e seus governos sentem-se
ou transferência de suas atividades, o que constrangidos a oferecer se querem atrair e
restringe a possibilidade de os governos co reter novas indústrias em um mundo globa
brarem destas empresas os im postos neces lizado” (Jones, 2000, p. 98).
32
Ao dar destaque ao papel das corpora tividade do trabalho limitam as possibilidades
ções multinacionais, como as principais for de transferência das operações para países
ças do processo de internacionalização/globa onde predominam baixos salários, estes auto
lização, Jones examina as mudanças na capa res mostram que a globalização da produção
cidade regulatória dos Estados nacionais e no contribui para ampliar as diferenças salariais
universo do trabalho como conseqüências entre trabalhadores qualificados e não qualifi
deste processo. Mas se a atuação dos Estados cados tanto no interior quanto entre países. E
e governos, a partir dos constrangimentos a na medida em que tendem a diminuir os cus
eles impostos pelo movimento de internacio tos de relocalização, é possível esperar que os
nalização tem repercussões na dinâmica futu salários serão cada vez mais determinados pela
ra deste processo, o trabalho aparece nesta competitividade global.
concepção como sofrendo, quase que de for N o entanto, Held et al. (2000b) reco
ma passiva, os impactos, em geral negativos, nhecem que os trabalhadores organizados
da globalização. Apesar de considerar que es podem, em alguns países, obter concessões
ses impactos negativos encorajam movimen significativas, por isto também as diferenças
tos de resistência à globalização, Jones não salariais não serão eliminadas e é improvável
considera de fato os trabalhadores como ato que ocorra uma convergência dos salários no
res cujas ações e escolhas têm repercussões no plano mundial.
modo assimétrico como este processo se de Tanto Held et al. (2000), como os ou
senvolve e nas suas conseqüências distintas tros autores citados nesta seção, tomam os
para diferentes países e regiões do globo. trabalhadores como atores secundários, que
De modo similar, Held et al. (2000b) sofrem as conseqüências, em geral negativas,
também consideram as mudanças no trabalho da globalização e não como uma força que
apenas ao discutir os impactos da globalização na sua relação/interação com as empresas
da produção e da crescente mobilidade das transnacionais e com os governos nacionais
corporações multinacionais. Para estes autores, (ou instituições de governança supranacio
a globalização aumentou o poder das multina nais) tomam iniciativas e fazem escolhas que
cionais em relação ao poder dos trabalhadores. podem encorajar ou limitar a tendência à
A atuação destas corporações é geralmente globalização bem como influenciar modo es
percebida como danosa para o trabalho, pois pecífico como ela se desenvolve em contex
elas pressionam para o rebaixamento dos salá tos nacionais, regionais ou locais específicos.
rios e das condições de trabalho, e quando E a partir dos elementos teóricos sugeri
transferem produção e tecnologia para outros dos pelos autores que propõem uma análise
países em busca de baixos salários, provocam a crítica alternativa, principalmente através da
perda de postos de trabalho qualificados e au sua visão de como resolver a relação ação/es
mento do desemprego nos países centrais. trutura, que, parece-me, seja possível desen
Além disso, como os custos do trabalho não volver uma análise da globalização que colo
incluem apenas salários mas, entre outros, a que o trabalho como um dos seus elementos
provisão do seguro social, a pressão para redu centrais e os trabalhadores e suas organiza
ção dos custos significou em muitos países, ções como sujeitos envolvidos (inseridos)
uma redução do pagamento de contribuições nos processos que levam à globalização, cu
previdenciárias pelos empregadores e sua jas ações podem constituir elementos expli
transferência para os trabalhadores. Apesar de cativos - tem poder causal - sobre a modo
considerar que as multinacionais não podem como a globalização se desenvolve e tem
relocalizar a produção de acordo com a sua conseqüências específicas em lugares e con
vontade, pois as diferenças de níveis de produ textos distintos.
33
Trabalho, Regimes Produtivos e Regi de trabalhadores do sexo masculino, em
mes de Regulação pregados por tempo indeterminado e em
tempo completo em grandes plantas indus
O artigo de Jeremy Waddington “Situa- triais e a crescente proporção de empregos
ting Labour within the Globalization Deba subcontratados, temporários e em tempo
te” constitui uma contribuição importante parcial, exercidos crescentemente por m u
nesta direção, pois ele desenvolve uma pro lheres em pequenos estabelecimentos, re
posta de análise que procura colocar o traba querendo que os sindicatos desenvolvam
lho no centro do debate sobre globalização. novas estratégias de recrutamento e repre
Waddington parte do reconhecimento sentação; e o fato de os novos regimes pro
de que as amplas mudanças na organização dutivos buscarem promover o envolvimen
da produção, na reestruturação dos merca to e o compromisso dos trabalhadores com
dos mundiais e nas políticas de gestão eco os objetivos das empresas, colocando em
nômica que se verificaram nas últimas déca xeque o seu com prometimento com os sin
das, contribuíram para uma crescente inter dicatos. Com o observa Waddington (1999,
nacionalização da atividade econômica. p. 2), se as organizações operárias não forem
Com o resultado destes desenvolvimentos, capazes de desenvolver estratégias alternati
que enfatizaram a competitividade interna vas, essas mudanças nos regimes regulató
cional como o motor do processo de rees rios e nos regimes produtivos podem levar à
truturação, os trabalhadores e suas organiza perda de influência política e econômica
ções defrontaram-se com mudanças nos re dos trabalhadores, como evidencia a queda
gimes regulatórios dos Estados-nação e com na taxa de sindicalização em muitos países.
novas formas de organização da produção. Para este autor, contribui para o desen
A ação dos trabalhadores organizados foi volvimento assimétrico da globalização “o
vista como fator de queda da produtividade intrincado entrelaçamento dos efeitos dos
e de redução da taxa de lucros, levando ao distintos regimes regulatórios e regimes
fim do período de boom do pós-guerra. Em produtivos” (Waddington, 1999, p. 14).
conseqüência, as instituições e as políticas Seu argumento central é o de que, devido
características deste período foram questio a este entrelaçamento, não ocorre uma
nadas e a crescente aceitação do receituário simples reprodução das formas de organi
neoliberal levou à adoção de políticas de zação da produção adotada pelas m ultina
desregulamentação com vistas a liberar os cionais nas suas matrizes em todas as suas
mercados da rigidez imposta pelo trabalha filiais em outros países. Estas formas se di
dores organizados. ferenciam na medida em que as gerências
Além disso, as mudanças no regime têm de levar em consideração os requeri
produtivo - que foi caracterizada pela lite mentos que surgem de distintos regimes
ratura como uma m udança do fordismo ou regulatórios. Ademais, a interação entre re
da produção em massa, para alguma forma gimes regulatórios e produtivos tem forte
de “pós-fordism o” colocaram um con influência nas formas de organização e
junto de novas questões e desafios que os ação dos trabalhadores. C ontudo, na m edi
trabalhadores e suas organizações tiveram da em que o trabalho organizado contesta
de enfrentar. Entre eles cabe mencionar: a a natureza dos regimes regulatórios e pro
alteração da com posição da força de traba dutivos, é possível afirmar que as organiza
lho, com a redução significativa do empre ções e atividade dos trabalhadores consti
go industrial e o crescimento do emprego tuem um fator explicativo das variações na
no setor de serviços; a queda na proporção dinâmica da globalização.
34
Discutindo os regimes de regulação, combinação destes fatores com a mudança
Waddington mostra que a tese da conver tecnológica e os mercados (enfatizados pelos
gência, que influenciou estudiosos da globa globalistas) que pode explicar “a emergência e
lização, afirma que os regimes regulatórios a resiliência dos diferentes regimes regulató
tendem a uma crescente semelhança, como rios” (Waddington, 1999, p. 17).
conseqüência das mudanças tecnológicas e Um debate importante no que se refere
nos mercados. Ressaltando as atividades das aos regimes de regulação diz respeito às van
multinacionais e sua crescente mobilidade, tagens competitivas dos regimes neoliberais
os globalistas definem que a convergência em comparação com as “economias sociais
ocorre na medida em que Estados nacionais de mercado”, nas suas diferentes variantes
competem para atrair capital e as multina européias. Nos anos de 1980, o desempenho
cionais procuram os regimes regulatórios econômico sofrível dos Estados Unidos e do
apropriados a uma melhor combinação de Reino Unido deu origem a muitas críticas à
capital e trabalho. Com o decorrência, há sua orientação de curto prazo, ao funciona
uma tendência à desregulação que ameaça a mento dos seus mercados financeiros, à ex
posição dos trabalhadores. tensão da desregulamentação, ao aumento
Waddington baseia-se nos neo-institu- das desigualdades salariais e persistências de
cionalistas, que criticam a tese da convergên alto índice de desemprego. A percepção des
cia enfatizando a diversidade dos regimes de tes críticos era a de uma superioridade das
regulação, sua persistência e a influência da economias sociais de mercado.
ação individual e coletiva no desenvolvimen No entanto, na década de 1990 com a
to político. Esta posição que recusa a deter crise e recessão que atingiram tanto a Alema
minação da tecnologia e do mercado sobre nha quanto o Japão, elevando os níveis de de
as mudanças políticas, tem uma dupla impli semprego, reduzindo o crescimento da produ
cação para o trabalho. Primeiro, os trabalha tividade e o bom desempenho das economias
dores não são apenas objetos passivos de neoliberais (Estados Unidos e Reino Unido),
forças externas, mas podem contestar e in esta percepção se alterou. O resultado disso, de
fluenciar o desenvolvimento dos regimes de acordo com Waddington, foi a crescente pres
regulação. Segundo, apesar de os trabalhado são, principalmente da parte dos empresários,
res terem de enfrentar desafios similares em para a reforma, no sentido neoliberal, das eco
diferentes partes do mundo - colocados pela nomias sociais de mercado.
globalização ou pela descentralização das ne Além disso, o fato de que parte dos pode
gociações coletivas por exemplo - a diversi res dos Estados-nacionais estava sendo trans
dade dos regimes de regulação exige que os ferido para agências de governança regionais
trabalhadores estabeleçam estratégias ade (como a Comunidade Européia) ou globais
quadas a cada tipo de regime. (O M C etc.) - que iriam pressionar os gover
N a discussão da natureza dos regimes de nos envolvidos para a realização de uma des
regulação e sua relação com o processo de glo regulamentação que favorecesse a atração de
balização, os neo-institucionalistas reconhe capital - era visto também como uma amea
cem como fatores influentes o papel dos Esta ça às economias sociais de mercado.
dos na gestão da economia, o papel de comu Com o resultado desta mudança de ava
nidades informais e redes que influenciam os liação há uma aproximação entre as teses
padrões de regulação, e as atividades dos sin dos globalistas e dos neo-institucionalistas:
dicatos na negociação de acordos entre grupos enquanto aqueles previam o surgimento de
detentores de interesses opostos. Para eles é a um único espaço econômico global, estes
35
previam que o neoliberalismo surgia como m odo variado como se deu a difusão deste
um regime de regulação dominante, apesar modelo produtivo. Em primeiro lugar, a di
de marcado por variações nacionais. As versidade que o modelo assumiu em distin
conseqüências para o trabalho decorrentes tos setores ou plantas deve-se aos variados
de cada uma destas posições é, no entanto, graus em que os métodos e técnicas a ele as
muito distinta. Para os globalistas, a situa sociados foram adotados e também “às in-
ção do trabalho é determinada pela tecno ter-relações entre as práticas, a tradição e o
logia, pelos mercados e pela ação das corpo desempenho de cada empresa” (Wadding
rações multinacionais. Para os neo-institu- ton, 1999, p. 21). Em segundo, a adoção de
cionalistas, a questão para os trabalhadores determinadas técnicas da produção enxuta
é resistir às políticas neoliberais desregula- constitui uma etapa de um processo de de
doras, buscar uma nova regulação e uma senvolvimento contínuo, por meio do qual
maior influência nas instituições suprana as empresas procuram se adaptar a m udan
cionais de governança. ças nas condições específicas das economias
nacional ou do mercado global.
Na discussão dos desenvolvimentos re
É parte destas análises a visão de que, ao
centes nos regimes produtivos, Waddington
adotar novos métodos de organização da
(1999, p. 19) identifica três temas centrais:
produção., os empregadores têm de conside
1) a uniformização ou universalização dos
rar um conjunto de diferentes preocupa
novos regimes produtivos, que, podemos
ções/interesses das empresas, nem sempre
acrescentar, acompanham o movimento de
compatíveis com a produção enxuta, e além
globalização da produção; 2) até que ponto
disso, podem ser influenciados nas suas deci
os novos regimes produtivos constituem
sões e estratégias por decisões e políticas go
uma ruptura com o regime de produção de
vernamentais. Isto significa que os regimes
massa; 3) o impacto dos novos regimes pro
de regulação têm influência sobre o conteú
dutivos na capacidade de os trabalhadores
do e a extensão da mudança dos regimes
contestarem a sua forma e desenvolvimento. produtivos. Um terceiro fator diz respeito à
A questão da uniformização e universa influência da resistência ou aceitação dos tra
lização dos regimes produtivos aparece nos balhadores sobre a forma assumida pela nova
textos-dos hiperglobalistas como uma decor organização da produção. H á vários estudos
rência da crescente mobilidade das multina mostrando que nos locais onde os trabalha
cionais. Alguns autores identificam na lean dores são bem organizados, foi possível obter
production (toyotismo ou modelo japonês, concessões na implantação da produção en
para outros), o paradigma produtivo dom i xuta que alteraram o formato do que estava
nante, ou the best tvay, que tenderia a se di inicialmente planejado.
fundir universalmente na medida em que a O tema da ruptura da lean production
redução de custos e desperdícios, a qualida em relação à produção de massa provocou
de e a melhoria contínua se tornassem essen um intenso debate. Estudos de distintas
ciais como fatores de competitividade no perspectivas questionaram a visão mais ex
mercado mundial (Womack et al., 1990). trema que considera o novo modelo produ
A literatura crítica a esta visão tem tivo japonês como uma quebra radical com
mostrado que a difusão do modelo japonês, os princípios da produção de massa (Wo
apesar de significativa em alguns setores da mack et al., 1990). Entre estas críticas cabe
produção, não ocorreu do modo uniforme destacar o questionamento à superioridade
e generalizado como previsto e apontam dos ganhos de produtividade e eficiência as
pelo menos três fatores explicativos para o sociados à produção enxuta. Alguns autores
36
mostram que, dentre as empresas automobi críticas que enfatizam como elementos as
lísticas japonesas, apenas o desempenho da sociados ao modelo da lean production: a
Toyota foi superior ao das suas concorrentes intensificação do trabalho, jornadas de tra
americanas ou européias e salientam a desi balho longas e flexíveis, com freqüentes
gual difusão deste modelo produtivo na in horas extras e importantes riscos para a se
dústria japonesa. gurança e a saúde dos trabalhadores (ver,
Outros questionam a idéia de que os por exemplo, Milkman, 1997; Tomaney,
m étodos introduzidos pelos japoneses re 1994). Além disso, estas práticas são mui
presentam uma ruptura com o fordismo, tas vezes acom panhadas pela resistência
mostrando que o próprio fordismo não (ou recusa) da gerência à sindicalização da
pode ser pensado como um regime produ força de trabalho e/ou por negociações ou
tivo uniforme, pois comportava muitas va com promissos que impedem o desenvolvi
riações internas. Pesquisas realizadas em fi mento de uma organização coerente e au
liais americanas de empresas japonesas do tônom a no local de trabalho. Em muitos
ramo eletro-eletrônico, por exemplo, m os países, estas práticas foram sustentadas
tram como seus métodos produtivos apro pela descentralização das negociações cole
ximam-se muito mais da produção em mas tivas que dificulta a articulação sindical de
sa e com o estas empresas se apóiam em bai trabalhadores de distintas plantas ou locais
xos salários e trabalhadores imigrantes e de trabalho.
não sindicalizados. N o entanto, como mostram estudos re
Esta concepção levou alguns autores a centes, onde a organização no local de traba
sugerir que o desenvolvimento da produção lho é forte, é possível tanto encontrar o in
enxuta desenvolveu mais do que rompeu com centivo desta organização à adoção pela ge
os elementos centrais da produção de massa, rência de estratégias visando a melhorar a
considerando apenas o sistema de melhorias competitividade da empresa local ou interna
contínuas como uma clara distinção com os cionalmente com preservação de postos de
princípios do fordismo. Ademais, ressaltam trabalho, ou a resistência á introdução de no
que características específicas do regime de vos métodos produtivos porque eles fortale
regulação japonês permitiram a introdução cem e ampliam o controle da gerência. As
de um regime produtivo no qual a intensifi sim, como observa Waddington, a mudança
cação do trabalho foi levado a um grau difi nos regimes produtivos, bem como os outros
cilmente atingido em um regime em que a movimentos que levam à globalização, abrem
organização dos trabalhadores no local de tra um conjunto de novas oportunidades que
balho fosse independente e capaz de obter podem ser exploradas pelos trabalhadores
mais concessões. tanto para resistir às estratégias e decisões das
Esta última observação nos leva ao ter empresas quanto para construir a organiza
ceiro tema da contestação e da resistência ção sindical (ver também Murray et al.,
operária que se relaciona com a experiência 1999). No entanto, não há uma equação
da introdução de novos métodos produti simples capaz de determinar a reação dos tra
vos - da produção enxuta em particular - balhadores. Onde há fortes pressões compe
nos locais de trabalho. A polarização em titivas e a possibilidade de fechamento de
torno deste tema fica por conta, de um postos de trabalho, por exemplo, os trabalha
lado, da visão positiva que acentua a quali dores podem tanto ficar motivados para re
ficação, participação e envolvimento como sistir com o objetivo de proteger seus empre
as principais conseqüências da produção gos ou podem ter sua posição enfraquecida
enxuta para os trabalhadores, e das visões pela perda do poder de barganha.
37
À Guisa de Conclusão: A ação dos Tra dução enxuta - e é possível generalizar para
balhadores, o Local e o Global qualquer regime produtivo - no local de
trabalho é uma questão chave para os traba
Para concluir é possível afirmar que a lhadores, isto significa que, para colocarmos
contribuição de Waddington à discussão da o trabalho no centro do debate sobre a glo
relação entre globalização e trabalho está no balização, temos de enfrentar a questão do
fato de ele conceber os trabalhadores como local e do global. Neste ponto, concorda
atores cujas escolhas e ações (sejam elas de mos com Dirlik que, citando Latour, diz
conformismo, negociação ou resistência) in que a questão do local não pode ser elimina
fluenciam na forma como a globalização se da sem que haja uma igual eliminação do
desenvolve, mas também na proposta de global, o que restaura uma simetria entre o
que a análise da globalização deve conside local e o global. Esta indistinção entre o lo
rar as inter-relações complexas entre os regi cal e o global é ainda mais pertinente na
mes de regulação, os regimes produtivos e as
atualidade, pois constitui uma característica
organizações e ações dos trabalhadores. Isto do capitalismo global. Com exceção do ca
significa pensar tanto em até que ponto e de
pital financeiro, que se move crescentemen
que modo a globalização, impulsionada pe
te nos ciberespaços, grande parte das opera
las mudanças nos regimes produtivos e nos
ções do capital global está localizada em lu
modos de regulação, implica a mudança de
gares. O que são as commodity chains, da
condições e a capacidade dos trabalhadores
produção flexível senão redes de produção,
contestarem e resistirem a este processo.
que se realizam em lugares concretos? E
Mas significa igualmente pensar que a ação
mesmo o poder de tomada de decisão das
dos trabalhadores, localizadas ou articuladas
corporações multinacionais está localizado
nos níveis nacional, regional e global, tem
em algum lugar —“razão pela qual é im por
influência sobre a dinâmica e o conteúdo
das mudanças nos regimes produtivos e nos tante a cautela contra a mistificação da
regimes de regulação e, portanto, podem re transnacionalidade” (Dirlik, 1999, p. 45).
forçar a tendência à globalização ou sobre Além disso, para Dirlik (1999', p. 43) a no
suas contratendências. ção de lugar, como metáfora, sugere um en
A esta proposta alternativa de análise raizamento que vem de baixo “e uma fron
cabe acrescentar duas observações: primei teira flexível e porosa em torno dele, sem
ro, a consideração das estratégias e ações excluir o extralocal e todos os níveis até o
dos trabalhadores como elementos essen global” . Deste ponto de vista, o lugar de tra
ciais à compreensão da dinâmica da globa balho ( workplace) pode ser pensado como
lização torna imprescindível levar em con nuclear tanto na vivência concreta dos tra
sideração suas concepções, suas próprias balhadores do movimento e dos impactos
teorizações sobre a globalização (como da globalização quanto na resistência a ela,
propõe M acLean). Com o observam Fren- sem que isto signifique o isolamento e sem
kel e Royal (1999), nos estudos das m u que isto exclua a vivência simultânea, a arti
danças concretas nos regimes de produção, culação e as formas de organização nas ou
que devem focalizar a dinâmica das rela tras escalas extralocais.
ções nos locais de trabalho, a percepção A questão da relativização da escala
dos trabalhadores sobre estas m udanças é proposta por Jessop também ajuda a pensar
central para a análise. esta superposição/indistinção do local e do
Segundo, se tomarmos a consideração global. A idéia da relativização da escala,
de Waddington de que a experiência da pro como um elemento constitutivo da globali
38
zação permite também compreender a im trabalhadores, a política do e no lugar de
portância do lugar de trabalho (como o lo trabalho não exclui a ação nos níveis supe
cal onde as relações sociais de produção se riores, mas a questão é se estas ações emer
realizam concretamente) mas também da gem de “baixo para cima” ou “de cima para
sua articulação com outros níveis de ação, baixo”. Seguindo mais uma vez Dirlik, po
nacional, regional e global (aqui entendido demos dizer, para finalizar, que o lugar de
como supraterritorial) se os trabalhadores trabalho pode ser o ponto de partida lógico
pretendem explorar as oportunidades colo para a reorganização do trabalho, não na
cadas para a sua ação e reação no sentido de sua fragmentação, “mas nas suas alianças
desafiar a hegemonia do atual desenvolvi- translocais, que são essenciais tanto para
mentismo global e assegurar um desenvol sua sobrevivência quanto para a criação de
vimento que seja consoante com o bem es uma economia e de uma vida social e polí
tar da humanidade. D o ponto de vista dos tica mais democráticas” (1999, p. 55).
Notas
4. Com o mostra Boyer (2000), as multinacionais continuam a financiar seu capital essen
cialmente nos mercados financeiros locais.
5. Esta vertente, segundo W incott (2000, p. 174), repudia “a noção que devemos ter a
expectativa de que a globalzação tome a forma, ou cause, uma convergência (política,
econômica ou social) ou uma homogenização geral” .
6. Por exemplo, como mostram Hay e Marsh * a crença de que medidas expansionistas
podem precipitar uma fuga afobada de capital pode ser suficiente para assegurar um per
sistente bias deflacionário. Este pode não manter relação com processos econômicos reais.
Contudo, um tal bias, por sua vez, pode servir para fortalecer a impressão de que a rein-
flação é impossível e de que não há alternativa à economia neoliberal em um contexto de
39
elevada mobilidade do capital, pois sua própria existência pode ser provavelmente toma
da como indicação desse tipo de lógica”. (Hay e Marsh, 2000, p. 9; ver também Wincott,
2000).
7. Para este autor, diferentes habilidades de esticar e/ou comprimir o tempo e o espaço con
tribuem para conformar o poder e a capacidade de resistência na ordem global emergen
te. Por exemplo, “o poder das formas hipermóveis do capital financeiro depende da
capacidade única que têm essas formas de comprimir seu próprio tempo de tomada de
decisão [...] enquanto continuam a estender e a consolidar seu alcance global ” (Jessop,
1999, p. 22).
8. Dirlik observa que a consciência do “lugar” adquiriu nova visibilidade na medida em que
a globalização, no seu movimento contraditório, tornou os lugares mais visíveis. Com o a
globalização colocou os lugares face a face com as operações do capital, os “lugares ofere
cem não apenas uma vantagem para uma crítica fundamental do globalismo, mas tam
bém locações para novos tipos de atividades políticas radicais que reafirmam as priorida
des da vida cotidiana contra o desenvolvimentismo abstrato da modernidade capitalista”
(Dirlik, 1999, p. 40).
9. Jessop mostra que mesmo quando estas duas formas de capital estão separadas, como fra
ções diferentes do capital, uma fixação espaço-temporal é necessária para permitir ao ca
pital desenraizado fluir mais facilmente, já que o capital abstrato não pode ser valorizado
sem uma valorização contínua de alguns capitais particulares.
10. MacLean critica, entre outros, os trabalhos de Hirst e Thompson (1996) e Scholte
(1997). Ele mostra, por exemplo, que conceber globalização como crescimento das inter-
conexões entre as partes do sistema mundial não acrescenta nada à compreensão da glo
balização como um fenômeno qualitativamente distinto. Esta conceitualização apenas
afirma o óbvio, na medida em que a “interconexão entre as partes” não é nada mais do
que descrever algo como um sistema (MacLean, 2000, p. 50).
11. MacLean critica também o pós-modernismo, por ele reforçar a incompreensão da globali
zação na medida em que constitui uma reafirmação da tradição contra a globalização; uma
reafirmação da identidade, da escolha, do individualismo possessivo burguês. Além disso,
o pós-modernismo focaliza elementos unidimensionais da globalização como fragmenta
ção, identidade individual, agentes, localidades, turbulência, feminidade e microcircuitos
do poder, desconsiderando, deste modo, seus opostos, mas que são aspectos igualmente es
senciais, tais como: unificação e integração, a identidade coletiva, as estruturas, o global, a
calma, as relações de gênero e a hegemonia. Assim, apesar de o pós-modernismo ver sua
concepção de globalização como uma resistência e um projeto alternativo real ao seu cará
ter discriminatório e antidemocrático, para MacLean, se a globalização é uma condição da
“modernidade tardia”, como Giddens a define, o pós-modernismo, como postura analíti
ca, é uma conseqüência da globalização e, ao mesmo tempo, um elemento causal na sua
reprodução social.
12. Diz o autor: “Isto só poderia ser estabelecido se o tempo fosse absoluto e as visões sociais
fossem capazes de serem fixadas em um pedaço dele” (MacLean, 2000, p. 60).
13. No original “an economistic expert-knowledge based form o f rational technical politics”.
14. No original “to the individualism o f self-empowerment”.
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Resumo
Nesta resenha abordo a discussão sobre a noção de globalização e sua relação com a questão
do trabalho no mundo contemporâneo. O texto inclui principalmente autores ingleses, repre
sentativos dos principais enfoques teóricos que abordam a definição de globalização, suas
causas e consequências e dá destaque às visões críticas sobre a concepção dominante. Além
disto, procuro mostrar que os distintos modos de conceber o fenômeno da globalização impli
cam em diferentes maneiras de compreender a sua relação com as mudanças no mundo do
trabalho. Procuro, ao final, apresentar minha concepção de como, a partir de uma concepção
crítica, pode ser tratada a relação entre globalização e trabalho.
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Abstract
In this review I study the debate on globalization and its relation with labour in the contem
porary world. Mainly including British authors that represent the most important theoretical
approches on this subject, it stresses critical views about the dominant notion o f globalization.
Besides, I show that different conceptions o f globalization imply in different ways o f under
standing the very relationship between globalization and recent changes on labour. Finally, I
suggest how to deal with this relationship from a critical point ot view.
Résumé
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