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A pandemia pode ser um catalisador


para a descolonização na África
Recânone UFRN Follow
Apr 22 · 7 min read

Uma vez que o Ocidente se concentra na sua própria sobrevivência, o povo


africano têm a oportunidade de dar continuidade ao que seus antepassados
iniciaram.

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Web Art: Lorena Dantas

Projeto RECânone & NESC (UFRN). Texto escrito pelo PhD David Mwambari
(1) publicado no dia 15–04–2020, no site de notícias Al Jazeera. Traduzido
por: Ana Gretel Echazú B. Revisado por: Chirley Mendes & Tatiana Shirasaki.
Com autorização do autor.

A
“marca” de Ocidente está a sofrer do que muitos vêem como uma
resposta “lenta e aleatória” dos governos ocidentais ao surto da
COVID-19. À medida que o epicentro da pandemia se deslocou da China
para a Europa e agora para os Estados Unidos, a fraqueza dos sistemas
neoliberais e neocoloniais ocidentais começou a ganhar destaque.

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Quando os países africanos iniciaram o cancelamento dos voos dos antigos
países coloniais e a colocar os seus cidadãos em quarentena, o mito da
invencibilidade ocidental desmoronou-se, juntamente com o seu corolário
de que só o Sul Global é suscetível de sofrer de epidemias infecciosas. Na
verdade, foi talvez a arrogância e a ilusão de grandeza ocidental que
inicialmente zeram com que muitos governos da Europa e da América do
Norte não levassem oportunamente a sério o surto da COVID-19.

Neste momento histórico sem precedentes, muitas pessoas temem pelo


futuro. Africanas e africanos também o temem, mas, apesar de
atravessarem certamente um período difícil, deveriam encarar esta crise
como uma oportunidade para acelerar o processo de descolonização.

Isto deverá acontecer primeiro a um nível retórico.

A ideia de que África é um continente saturado de doenças e mortes tem de


ser colocada em questão, especialmente agora que o próprio Ocidente sofre
de grandes surtos pandêmicos e de números alarmantes de mortes.

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Trabalhadoras de fábrica iniciam a produção de equipamento de protecção individual para trabalhadores
locais que se encontram na linha da frente da saúde, encomendada pelo governo ganês em Acra, em 10 de
Abril, 2020 [Reuters/Francis Kokoroko via Al Jazeera]

S
obre o continente africano tem-se uma visão banal que foi informada
por lentes humanitárias coloniais, missionárias e antiéticas reduzindo
todo um continente de 54 países a uma única história que é, como pouco,
ignorante e, no pior dos casos, maliciosa. Existem debilidades inegáveis em
muitos sectores dos Estados e economias africanos, incluindo a área dos
sistemas de saúde, mas isso não signi ca que não haja infra-estruturas ou
serviços, nem preparação, resiliência, criatividade, conhecimento local ou

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inovação utilizados em tempos normais que possam também serem
utilizados em tempos de emergência.

A crise da COVID-19 está a perturbar rapidamente esta perspectiva colonial


de que os sistemas de saúde na África são os únicos que estão sempre
sobrecarregados por surtos contagiosos. A COVID-19 demonstrou que as
medidas de austeridade e a falta de investimento em qualquer parte do
mundo são capazes de arruinar os sistemas de saúde.

Em muitos aspectos, a pandemia representa uma oportunidade para os


povos africanos se enxergarem de forma diferente, assim como para o
mundo signi ca começar a considerar o continente africano como um
parceiro na procura de soluções para problemas complexos como a COVID-
19.

As
e os africanas(os) já se vêem a si próprias(os) de forma diferente,
começando a desa ar rapidamente os velhos e cansados tropos
relativos a surtos contagiosos com os que foram historicamente
estigmatizados. Mas o trabalho de descolonização não deve parar apenas
no nível da retórica.

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Embora esta nova crise possa ser outro momento de desa o para os povos
africanos, depois de a epidemia ter terminado, o continente terá a
oportunidade de se tornar mais autónomo e auto-su ciente, uma vez que o
Ocidente estará concentrado na sua própria sobrevivência. Assim, terá a
oportunidade de se libertar da exploração própria das relações neocoloniais
que o assolam.

Este será o momento de lançar as bases de reformas económicas que dêem


prioridade aos mercados africanos, à inovação e à produção local e ponham
m à “maldição dos recursos” (2). É necessário proceder a uma revisão
profunda em todo o continente para que as economias em transição deixem
de depender da extracção e venda de matérias-primas para o Ocidente (e o
Oriente imperial — ou seja, a China) e passem a construir indústrias locais
que utilizem os recursos locais e os transformem em produtos de valor
acrescentado para exportação.

I
sto deve acontecer paralelamente à renegociação de vários acordos
comerciais com entidades estrangeiras que visam extrair recursos
africanos e acabam tornando aos mercados africanos dependentes das
importações estrangeiras.

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Ao mesmo tempo, outros acordos comerciais dentro e fora do continente
devem ser acelerados. Por exemplo, este será um grande momento para
começar a aplicar os acordos da Zona de Comércio Livre de África
(AfCFTA), uma idéia inicialmente proposta por dirigentes pan-africanistas
que sonhavam com um continente que começasse por fazer comércio
dentro das suas próprias fronteiras, sem dar prioridade aos seus antigos
países coloniais.

Um comércio continental reforçado permitirá à União Africana, ou aos


blocos regionais africanos, a rmar a sua agência de forma mais global.

Esta será também a melhor oportunidade para começar a reprimir a fuga de


capitais e a evasão scal por parte de monopólios locais e empresas
estrangeiras que roubam bilhões de dólares às sociedades africanas ano a
ano. Se aplicados corretamente, a tributação e o repatriamento de ganhos
ilícitos podem proporcionar o nanciamento necessário para importantes
reformas económicas em todo o continente.

Este processo tem de andar a par com a cessação da dependência africana


dos empréstimos estrangeiros para o “desenvolvimento”, que forçaram os
governos à austeridade durante décadas, bem como da “ajuda” e da
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“caridade”, que travaram os esforços locais para desenvolver serviços sociais
indispensáveis.

Os
nanciamentos estrangeiros devem ser gradualmente substituídos
por nanciamentos nacionais provenientes da tributação, do
repatriamento de fundos e de novas exportações de valor mais elevado.

Isso signi cará também que os países africanos terão de deixar de importar
“salvadores” estrangeiros para ajudar a resolver os problemas africanos. O
continente tem su cientes talentos locais e peritos instruídos em casa e na
diáspora para enfrentar os desa os em diversos domínios e eles o farão
certamente melhor do que os estrangeiros, porque, ao contrário deles,
conhecem muito bem o contexto e as especi cidades de cada local.

T
al postura permitiria aos países africanos não só utilizar as
competências locais, mas também desenvolvê-las e eventualmente
voltá-las para fora do país. Neste sentido, é importante abrir espaços de
cooperação intra-africana, especialmente no contexto da atual pandemia.
Os países da África Ocidental que desenvolveram conhecimentos
importantes para lidar com os surtos de Ébola podem ajudar outros países
do continente a melhorar as suas respostas nacionais frente à COVID-19.
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Com uma revisão econômica e focalização oportuna nos talentos locais, os
países africanos poderão então avançar para o desenvolvimento do seu
setor social. A melhoria dos sistemas de saúde deve ser uma prioridade
máxima, assim como o estímulo ao crescimento da biotecnologia e das
indústrias farmacêuticas locais.

Tal como os governos ocidentais estão agora a perceber o erro que


cometeram ao externalizar a produção de tudo para a China — desde
máscaras a ventiladores — , também os governos africanos deveriam
certi car-se de que as suas nações conseguem ser auto-su cientes em
indústrias-chave de produção essencial no âmbito da segurança, proteção e
a saúde nacionais.

Da mesma forma, a educação e a inovação deveriam estar no topo da


agenda. É preciso que os governos africanos aumentem o investimento no
sector da educação e continuem a expandir as iniciativas de inovação em
todo o continente.

T
udo isto faz parte de um processo de descolonização que há muito
tempo devia ter sido feito. Na verdade, há muito que o povo africano

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está pronto a embarcar nele, mas tem cado à espera de suas elites políticas
que, lamentavelmente, estão defasadas.

Talvez agora que os hospitais ocidentais já não conseguem acolher e tratar


os(as) dirigentes africanos(as) e que os seus ativos escondidos nos bancos
ocidentais podem estar em risco no meio da recessão global, também
eles(as) possam nalmente subir a bordo.

Na verdade, já existem alguns sinais positivos. Vimos recentemente a União


Africana mobilizar recursos para enfrentar à COVID-19. Os(as) dirigentes
africanos(as) se manifestaram ao uníssono e, numa teleconferência recente,
manifestaram a necessidade de nos unirmos na procura de soluções para a
pandemia. Tais iniciativas resultam encorajadoras no contexto de uma crise
que tem visto muitos países do Ocidente reagirem de forma egoísta e
recusarem a cooperação uns com os outros.

Estamos vivendo um momento histórico que poderá gerar entre os(as)


africanos(as) um sentimento de despertar e de a rmação que poderá nos
guiar na difícil viagem que os nossos antepassados iniciaram no início do
século XX. De fato, a descolonização pode muito bem ter acelerado a
ameaça de um agente patogénico.
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(1) David Mwambari é palestrante vinculado à área de Segurança Africana no
African Leadership Center do King’s College de Londres, membro de CODESRIA
— Diáspora Afro-Americana e coeditor de Beyond History, Agência Afro-
Americana de Desenvolvimento e Resolução de Con itos.

(2) N. da T. : A “maldição dos recursos” [resource course] é um termo usado


pela mídia e políticas internacionais que refere ao suposto paradoxo relativo à
riqueza em recursos naturais própria do continente africano que é
administrada através de guerras, con itos e genocídios. É possível detectar o
olhar implicitamente colonial desta denominação, que coloca o destino como
causador de uma “maldição”, em vez de pontuar os motivos históricos,
econômicos, políticos e culturais que con guram essa situação.

Covid 19 Africa Decolonization Autonomy Emancipation

2 claps

WRITTEN BY

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