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Introdução aos estudos das atividades de


aventura: características, concepções e
conceitos
Alcyane Marinho
A busca pela aventura desponta impulsionada Este texto tem o objetivo de refletir sobre as ati-
pelo desejo de experimentar algo novo, emoções praze- vidades de aventura, contextualizando características,
rosas, utilizando-se da tecnologia infiltrada na esfera da concepções e conceitos construídos ao longo do tempo
recreação e do lazer. Acessos mais fáceis e uma gama sobre o fenômeno. De antemão, é preciso enfatizar que
de oportunidades atrelados à divulgação constituem-se essa iniciativa exige mais que familiaridade com ques-
nos principais fatores e nas condições que elevaram a tões técnicas e específicas e mais que conhecimento
procura pelo desenvolvimento de atividades de aven- sobre questões socioambientais e simples “conceitos
tura, seja no ambiente natural ou artificial. engessados” sobre esporte, lazer e turismo; exige um
Existem, atualmente, diversas terminologias esforço reflexivo dinâmico, multidisciplinar, inovador,
utilizadas para se referir ao mesmo fenômeno aventu- crítico e responsável, capaz de impulsionar o estabele-
ra e seus desdobramentos (esportes radicais, turismo cimento das inter-relações necessárias entre os vários
de aventura; esporte de aventura; turismo esportivo; saberes e conhecimentos envolvidos no processo.
esportes na natureza etc.), as quais têm gerado di-
versos questionamentos e problematizado, de modo
multidisciplinar, o fenômeno. A falta de consenso
terminológico aumenta à medida que a demanda por 1.1 Conexões entre
tais atividades também aumenta. Contudo, há que se esporte e natureza
reconhecer que essa questão terminológica torna-se
ofuscada quando se nota a dificuldade na abordagem A busca por atividades esportivas em ambien-
do fenômeno por diferentes áreas de conhecimento e tes naturais e as concepções de consciência ambiental
demais setores interessados. parecem ter se desenvolvido completamente indepen-
Essas condições salientam a emergência de dentes umas das outras ao longo da história. Os poucos
uma legítima inquietação referente à necessidade pontos de convergência existentes sugeriam uma figura
de aprendizados específicos quanto à administração idealizada de indivíduos praticando suas atividades em
e à participação em algumas atividades, tais como: grandes ambientes ao ar livre, em uma harmonia quase
educação e preservação ambiental; conhecimento de perfeita com seus arredores naturais. Entretanto, de
equipamentos específicos, técnicas apropriadas para acordo com os estudos de Vanreusel (1995), os entu-
as diferentes modalidades; entre tantas outras, as quais siastas de atividades ao ar livre podem, justamente, ser
podem ter interferência vital nesse processo. Ou seja, descritos como a vanguarda do movimento ecológico:
as atividades de aventura requerem um repensar sobre escoteiros, praticantes de caminhadas e de canoagem,
o ambiente a partir de três principais aspectos inter- os quais foram, antes de tudo, herdeiros diretos da
dependentes: a prática; o processo educativo; e a con- mitologia dos primeiros caçadores, bem como de suas
servação ambiental. técnicas utilizadas. Bem antes de as atividades ao ar
Nesse sentido, tais práticas requerem reflexões e livre terem se tornado esportes institucionalizados,
discussões, uma vez que se presencia, principalmente, elas já estavam sendo perseguidas pelos interesses da
uma legitimação dessas atividades, revestida pelo adje- ciência natural. Os primeiros escaladores alpinos, por
tivo ecológico, o qual, por si só, torna-se suficiente para exemplo, viam-se como pesquisadores ambientais.
a execução de qualquer proposta dessa espécie, mes- Vanreusel (1995) destaca três principais movi-
mo não estando comprometido com nenhum vínculo mentos que representaram o esporte atrelado à natu-
educativo, valorizando e difundindo as diversidades reza. O primeiro, entre os séculos XVIII e XIX, era
cultural e biológica. determinado pelo aumento das ginásticas filantrópicas
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em locais abertos e áreas de exercício situadas em lo- atrativas naturais, tais como parques e outros tipos de
cais naturais, como uma reação contra os exercícios unidades de conservação. Consequentemente, o que
realizados em salões fechados. O segundo movimento foi antes tratado como um problema periférico tem
aparece no final do século XIX, quando a busca pela se desenvolvido, agora, em torno de um conflito exis-
aptidão física foi caracterizada pelos exercícios ao ar tencial com relação à busca pelos esportes ao ar livre
livre com o intuito de disciplinar o corpo. Os escotei- e à sua aceitabilidade social. A utilização do ambiente
ros e guias, os quais adotaram a vida ao ar livre como natural para a busca de atividades na natureza passa,
modelo educacional, são exemplos desse período. Por então, a ser cada vez mais criticada e questionada.
volta das décadas de 1960 e 1970, emerge o terceiro É nesse quadro que se pode perceber a emergência
movimento fortemente manifestado pelo interesse na de um possível conflito entre aventura e natureza. A
corrida. busca por atividades de aventura tem seus valores com
A troca do cooper solitário pelas maratonas de base na qualidade ecológica, e, ao mesmo tempo, essas
massa testemunhou, de fato, uma nova relação com próprias práticas começam a contribuir para que se
o meio natural. Contudo, ainda não existia nenhuma coloque em questionamento o conceito de qualidade
crítica; pelo contrário, as atividades ao ar livre flores- ambiental e social.
ceram em face de sua reputação como práticas alta- A visão crescente do ambiente natural como um
mente amigáveis em termos ambientais, procuradas território para diferentes praticantes de atividades ao ar
por amantes da natureza. livre tem, também, conduzido a uma mudança na for-
Os primeiros estudos sobre as relações entre o ma como a sociedade procura pela natureza. Conforme
esporte e o ambiente se referiam justamente às quali- Vanreusel (1995), os primeiros praticantes de esportes
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dades da natureza como um ambiente de esporte para ao ar livre defenderam uma visão idealizada da natu-
todos, mas poucos esforços foram feitos para discutir reza como um mundo ecologicamente harmonioso.
os possíveis problemas ecológicos relacionados aos Sob a influência da crescente consciência ambiental,
esportes ao ar livre. Contudo, com o passar do tempo, a natureza foi redefinida como um ambiente racional.
foi exatamente a democratização dos esportes ao ar O conhecimento e a administração do ambiente e a
livre a responsável pela origem do primeiro atrito vi- satisfação da qual os seres humanos são dependentes
sível entre a busca pelo esporte e a proteção ambiental. e responsáveis pela qualidade ambiental são centrais
Talvez fosse mais sensato afirmar que a origem de tal para essa definição racional, a qual, por sua vez, está
conflito tenha sido a falta de um projeto de desenvol- implicitamente sustentada pelas mais diversas expe-
vimento adequado e não necessariamente a suposta dições científico-recreacionais.
democratização, uma vez que as atividades de aven- O significado da natureza foi alterado como con-
tura, no contexto atual, muitas vezes, recebem o rótulo sequência do número crescente de participantes, da
de práticas elitistas, haja vista que nem todos têm o diversidade das atividades e da transformação gradual
mesmo acesso, salientando as desigualdades sociais nos valores vinculados aos aspectos dessas atividades
existentes (Vanreusel, 1995). esportivas. Essas alterações nas representações da na-
O aumento profundo nesse tipo de atividade es- tureza resultam de uma mudança nos valores que sus-
portiva ao ar livre levou, inicialmente, a um número tentam a “democratização” das atividades na natureza,
de conflitos em uma escala limitada e local. Porém, os quais influenciam a imagem pública geral do que
os conflitos locais entre os esportes recreacionais e a a constitui. Vanreusel (1995), ao chamar a atenção
conservação da natureza, desde então, têm se estendido para a alteração da imagem desses interessados, afirma
para quase todas as regiões que contêm características que a visão cultural deles está longe de ser a de um
1 Introdução aos estudos das atividades de aventura: características, concepções e conceitos

aliado do meio natural que vive na e com a natureza, Nesse sentido, Vanreusel (1995) acredita que
comportando-se de acordo com princípios ecológicos esse processo de mudanças social e cultural deveria
(imortalizado no tipo “Bambi”). Ao contrário disso, na servir como um ponto de partida para o desenvolvi-
maioria das vezes, os entusiastas de esportes ao ar livre mento de uma abordagem socioecológica com relação
estão sendo vistos como destruidores, poluidores e à busca por atividades realizadas na natureza. Por essa
aventureiros que simplesmente se unem às expedições razão, segundo o autor, a mudança na imagem do en-
esportivas esmagando as sutilezas e os refinamentos tusiasta de esportes ao ar livre de um amigo para um
ecológicos (o tipo “Rambo”). Embora o autor tenha inimigo ecológico deveria ser mais bem-discutida.
chamado a atenção para os aspectos complexos da Partindo, então, de uma abordagem ecologicamente
natureza, ele se concentrou em atividades como esqui, sensível, o autor propõe um modelo com base ética
alpinismo e iatismo, e não questionou, explicitamente, para uma abordagem socioecológica capaz de imple-
o conceito do esporte propriamente dito. Vanreusel mentar as discussões entre a prática das atividades
(1995) problematiza essas atividades, identificando os na natureza e a proteção ambiental. O mais alto nível
valores e as ações variáveis dos praticantes. Embora, ético não deve ser mais centralizado nos seres humanos
aparentemente, a conceituação do esporte pareça igual, ou na visão de que o ambiente está ali para servi-los
os valores, as ações e as relações com a natureza que para fins recreativos, por exemplo. Ele agora deve-
dão base a tais atividades mudaram com o passar do ria basear-se em uma interdependência indissolúvel
tempo. Eles passaram de algo que se pode atribuir entre os seres humanos e seu ambiente. As pessoas
como sendo “carinhoso” ou “amoroso” a algo “des- não vivem e brincam no ambiente natural, mas com o
trutivo”, “agressivo”, segundo o que é incorporado ambiente, do qual elas fazem parte, devendo respeitar
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nas imagens de “Bambi” e “Rambo”, respectivamente. como respeitariam a si mesmas.
Vale lembrar que o oposto também pode ser Não são apenas o número de praticantes e a
verdadeiro, uma vez que existem inúmeras iniciativas diversidade das atividades de aventura têm aumenta-
muito mais voltadas a um cuidado para com a natu- do, mas também, como citado anteriormente, pode-se
reza; por isso, talvez seja mais sensato afirmar que perceber uma alteração nos valores relacionados a tais
existem, atualmente, diferentes nuanças entre os tipos práticas. Vanreusel (1995) associa essa alteração a três
“Bambi” e “Rambo”; afinal, nem todos destroem, mas questões básicas. A primeira relaciona-se aos valores
também nem todos preservam. Essa visão contraditó- ecológicos, focalizando principalmente as qualidades
ria dos praticantes de atividades ao ar livre é perme- do ambiente natural, no qual o indivíduo pratica sua
ada por um processo de mudanças social e cultural, atividade. A segunda se refere aos valores tecnológi-
que tem se apoderado de tais práticas em diferentes cos ligados à importância dos equipamentos, estilos,
níveis. O advento desses novos praticantes não tem técnicas e tipos de atividades ao ar livre. Os valores
somente levado a uma multiplicação e diversificação de prazer pessoal constituem-se na terceira questão,
das atividades esportivas ao ar livre, mas também, e centrada especialmente no indivíduo. No entender do
fundamentalmente, alterado todo o significado social autor, o prazer encontrado nas atividades ao ar livre, a
das atividades esportivas na natureza. Nesse mesmo aventura, o divertimento, a experiência, entre outros
contexto, portanto, o conceito de natureza tem sido precedem os valores ecológicos e tecnológicos.
socialmente redefinido. Desde então, os diferentes ti- Embora esses valores sempre tenham existido
pos de usuários têm dado diversos significados para a em combinação, pode-se observar uma mudança em
natureza, que deixa de ter um conceito singular, único, sua ênfase. O desenvolvimento tecnológico relativo
e passa a ter um conceito plural. aos equipamentos específicos dessas práticas levou
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a uma mudança no interesse pelo ambiente natural e quando os praticantes se permitem estar em sintonia
pelos significados desses aparatos tecnológicos que com o parceiro e com todo o aparato tecnológico da
capacitam (e até potencializam) as pessoas a se entre- prática (Marinho, 2006).
gar a uma aventura. Uma tecnologia voltada única e Também não podem estar alheias a esta discus-
exclusivamente para o fornecimento de equipamen- são a impressionante indústria de roupas e equipa-
tos esportivos desponta a cada dia. A tecnologia, ao mentos, a multiplicidade de revistas especializadas,
se modernizar, de acordo com cada época, supre e a admiração do público por façanhas arriscadas e a
suscita novas necessidades, sendo delineada (e de- difundida exploração da propaganda sobre os diver-
lineando) traços de diferentes culturas. Portanto, a sos temas relacionados às atividades de aventura, pois
tecnologia não deve ser entendida apenas como uma indicam claramente como tais práticas estão sendo,
lógica funcional e fria, pois é sensível aos fascínios, muitas vezes, experimentadas como uma espécie de
desejos e necessidades culturais de grupos e socieda- show. Compartilhando, neste caso, com a hipótese
des. Por sua vez, os adeptos de atividades de aventura, levantada por Vanreusel (1995), esse quadro parece
como personagens de uma atividade cultural con- contribuir para a reversão da imagem dos praticantes
temporânea, induzem ao aprimoramento tecnológico de “amigos” para “inimigos” da natureza.
(Marinho, 2001). É nessa direção que é enfatizada a necessidade
Nesse contexto, retomando as ideias de da existência de uma abordagem socioecológica para
Vanreusel (1995), parece que a natureza perdeu espaço a busca de esportes ao ar livre, tendo em vista os efei-
naquela hierarquia de valores dos praticantes de ativi- tos nocivos que estes, em sua maioria, têm causado
dades ao ar livre. Atualmente, o foco dessas práticas no meio natural. A proposta do autor refere-se a uma
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tem se voltado à busca pelo prazer e pela satisfação abordagem socioecológica para o problema, tratando
pessoal atrelados à questão tecnológica. da relação entre os praticantes das atividades ao ar
Além disso, nas atividades de aventura, os pra- livre (como uma realidade social da qual não se pode
ticantes evidenciam o envolvimento em um processo escapar) e a necessidade urgente de uma abordagem
de relacionismo, no qual a cooperação e a solidarie- ecológica bem-fundamentada.
dade são características fundadoras. As atividades de A reconciliação das atividades de aventura com
aventura vivenciadas por grupos despretensiosos são a natureza, sempre submetida a tantas ameaças, é refle-
experiências carregadas de sensações, nas quais os xo do comportamento das sociedades como um todo. O
praticantes colocam-se à mercê de riscos que são, a mundo atual parece estar conspirando para o surgimen-
priori, fictícios.1 Os indivíduos entrelaçam-se nas ro- to de uma cultura ecológica; porém, infelizmente, não
chas, nos botes, nos morros, confiantes em seus pares, se consegue ainda entendê-la além de dados científicos
na técnica e na segurança possibilitadas pela tecnolo- reducionistas ou das informações superficiais e, mui-
gia. Há uma mescla de audácia com a necessidade de tas vezes, efêmeras da mídia. Nesse contexto, em um
rompimento com os obstáculos que possam existir, esforço coletivo, esporte, lazer e turismo podem trazer
potencializados pelo sentimento de ser capaz. Todo contribuições significativas para o avanço do segmento
esse processo precisa de fluidez, que só é oportunizada da aventura junto à natureza.
Colocadas essas ideias iniciais sobre o impor-
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De antemão, deve ser considerada a principal diferenciação en-
tre as palavras perigo e risco. Enquanto a primeira é imprevisível, tante processo de aproximação do esporte ao ambiente
a segunda é previsível e sua probabilidade pode ser calculada de
natural, serão apresentadas algumas concepções de
acordo com níveis de exposição dos envolvidos, entre outros as-
pectos. Contudo, vale destacar que a expressão risco tem sido uti- aventura, categoria primordial para a temática em
lizada indiscriminadamente tanto para práticas de risco real quanto
imaginário. questão.
1 Introdução aos estudos das atividades de aventura: características, concepções e conceitos

1.2 Afinal, o que é aventuras, em que o aventureiro deve continuamente


aventura?2 tomar decisões sobre o que fazer, enfatizando a na-
tureza sensual da situação, na qual todos os sentidos
A diversidade de atividades de aventura (nos são estimulados por meio do som e da sensação dos
ambientes natural e artificial) pode ser amplamente ob- elementos naturais. A conexão homem-natureza e as
servada em debates acadêmicos e populares conforme ações e emoções incorporadas pelos seres humanos
seus significados, valores, status, formas e identidades. com a maestria dos elementos naturais são aspectos
A característica principal entre as estruturas analíticas da aventura que raramente são considerados.
é a conceituação/percepção de risco, frequentemente Humberstone (2009), em estudo recente, sugere
extraída do discurso da aventura em que esses escritos que a aventura pode ser uma significativa experiência
se deterão. transcendente e sensual, mas também pode ser um
Um aspecto a destacar é que as atividades de acontecimento com um inesperado risco de vida quan-
aventura realizadas em ambientes artificiais têm con- do idealizada alienadamente no contexto do consumo
quistado uma significativa visibilidade na sociedade de massa. Segundo a autora, as percepções das con-
contemporânea; no entanto, não serão discutidas neste dições do risco, associadas com formas de aventura e
livro, em razão de seus limites. Detalhes desse mo- como são controladas na realidade, são diversas e cul-
vimento e suas repercussões no contexto urbano po- turalmente definidas. Noções locais de risco, percebi-
dem ser observados nos estudos de Marinho e Bruhns das de acordo com circunstâncias sociais, econômicas
(2005) e, mais recentemente, na investigação de van e culturais particulares, contribuem para as compre-
Bottenburg e Salome (2010). ensões ocidentais populares atuais sobre o fenômeno,
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A noção de aventura tem sido considerada por apontando elementos complexos inter-relacionados ao
vários estudiosos de diversas formas. Simmel (1988) risco e suas implicações.
entendia a aventura como uma possibilidade de es- O que, segundo Ewert (1989), marcadamente
cape da rotina da vida diária, uma experiência nova, define uma atividade de aventura é a busca deliberada
algo intocável, fora do ordinário. Segundo o autor, a pelo risco e a incerteza do resultado. O risco adqui-
aventura é dinâmica e sua multiplicidade de experi- re um papel significativamente importante quanto à
mentações possíveis mostra, também, um lado estético, satisfação com a experiência, sendo que o desejo de
permitindo a vivência coletiva de inúmeras sensações participar pode diminuir se tais riscos não existirem.
e emoções. Igualmente, o excesso de risco em uma aventura pode
Mortlock (1984) apresenta uma clássica abor- resultar na diminuição da satisfação e até mesmo na
dagem funcionalista da aventura como um meio edu- perda do desejo de participação. Nesse sentido, o ele-
cacional, explorando a noção de uso do risco para o mento risco se constitui em uma construção muldi-
desenvolvimento de habilidades em jovens e de toma- mensional na qual o reconhecimento e a pesquisa das
das de decisão em atividades como canoagem, escala- dimensões psicológicas, físicas e sociais podem ter im-
da e longas caminhadas. Mais recentemente, Becker plicações relevantes na administração da experiência
(2007) aponta que a aventura é uma atividade lúdica de aventura. Donnelly e Willians (1985) corroboram
por meio da qual crianças e jovens podem experimen- essas ideias.
tar o limiar entre a realidade e a possibilidade. O autor É pertinente evocar Le Breton (2006), autor que
discute as possibilidades na imprevisibilidade de tais tem investigado especificamente as atividades de risco
na natureza focando práticas em que, de fato, podem
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As discussões sobre aventura aqui apresentadas são abordadas
mais profundamente em Marinho (2006). ocorrer mortes. O autor desenvolve a ideia de ordálio
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(provação extrema) incorporado nas atividades de Por isso, a iniciativa, nesse momento, é refletir
risco como uma forma de jogo liberado com a morte. se as definições e conceituações existentes são suficien-
São emblemáticos, nesse caso, o base jump (salto de tes para uma compreensão mais aprofundada do termo
uma altura mínima necessária para a abertura do pa- aventura. Acredita-se que há a necessidade de serem
raquedas), a escalada solo (praticada sozinho e sem inseridos outros elementos para a discussão, como
utilização de nenhum equipamento), o esqui extremo experiência subjetiva dos indivíduos e percepção do
(realizado fora das pistas convencionais e assegura- que é aventura. A consideração desses elementos pode
das), entre várias outras modalidades. conduzir a um entendimento mais amplo e, também,
Vale lembrar que, apesar de muitas vezes as pes- mais profundo da questão. Portanto, nessa perspecti-
soas considerarem a palavra risco negativamente, ela va, é preciso enfatizar que o conceito de aventura é
também é associada à busca de resultados positivos. dinâmico e possui diferenças significativas quando são
Para Swarbrooke (2003), as percepções do risco estão comparados determinados fatos e épocas.
diretamente vinculadas à capacidade, à experiência e Na atualidade, Schwartz (2002) ressalta que a
ao conhecimento da pessoa com relação à atividade aventura passa a ser utilizada para a divulgação de
de aventura. Esse autor, apoiado em pesquisas sobre mensagens positivas de vida, propondo a geração de
a temática, acredita que pessoas com altos níveis de autoestima favorável, de certo status e, até mesmo,
experiência em montanhismo, por exemplo, tendem de uma possível noção de preservação. A transmissão
a perceber o risco como um desafio e não como um dessas mensagens positivas pode ser visualizada nos
perigo. Em vez de se sentirem ameaçadas pelo nível mais variados meios de comunicação a partir do uso da
de risco nas montanhas, sentem que o risco contri- expressão aventura para o comércio de bens e serviços,
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bui positivamente na aquisição de satisfação. Uma tais como viagens, carros, seguros de vida, roupas,
pessoa, então, que nunca praticou montanhismo pode comidas etc. Nesse sentido, a aventura passa até mes-
experimentar um nível de risco desconfortável e in- mo a estabelecer um padrão de felicidade. Há que se
controlável; contudo, assim que se familiarizar com tal refletir, além disso, sobre o apelo ecológico vazio de
prática, passará a perceber o componente risco mais várias dessas iniciativas, as quais, muitas vezes, nada
positivamente. têm de ecológico.
Além das análises dos estudos dos autores aqui Weber (2001) afirma que a experiência subjetiva
abordados e, até mesmo, em dicionários de Língua da aventura dos indivíduos e suas próprias percepções
Portuguesa,3 pode-se verificar, na maioria das vezes, podem não ser condizentes com certas classificações e
que os conceitos de aventura estão relacionados, de definições de pesquisadores e estudiosos da área. Esse
alguma forma, com essas ideias de risco, imprevisto e fato, por sua vez, tem várias implicações na vivência,
incerteza. Contudo, tanto quanto a busca por situações na pesquisa, na administração e no marketing das ativi-
de risco, a base das atividades de aventura desenvol- dades de aventura. É preciso destacar ainda que fatores
vidas na natureza parece se aproximar da procura por como características da personalidade e experiências
situações novas, desafiadoras e transmissoras de novos anteriores com as atividades interferem diretamente
conhecimentos. na percepção da aventura dos praticantes.
Portanto, nesta discussão, não se pode deixar
de levar em consideração a subjetividade associada
3
Entre alguns significados da palavra aventura, no Novo Dicioná-
à maior ou à menor predisposição para a exposição
rio da Língua Portuguesa (Ferreira, 1975), é possível destacar os
seguintes: “[...] experiência arriscada, perigosa, incomum, cujo fim em atividades arriscadas. Além disso, outros aspectos
ou decorrências é incerto [...]; acontecimento imprevisto, surpreen-
dente, peripécia [...]”. que também devem ser considerados dizem respeito
1 Introdução aos estudos das atividades de aventura: características, concepções e conceitos

à tomada de decisão e ao ambiente. Sobre esse último entanto, é preciso lembrar que o contrário também
aspecto, Walle (1997) argumenta que o comportamento pode ser verdadeiro quando se remete, por exemplo,
aventureiro é, geralmente, reconhecido não simples- àqueles pacotes fechados de aventura em que tudo é
mente por envolver lugares excitantes, pois nem todas detalhadamente estruturado (horário do café, horário
as atividades ocorridas ao ar livre ou junto à natureza dos passeios, do almoço, do jantar, do ficar à toa etc.),
constituem em uma aventura. impedindo comportamentos e atitudes mais livres e fle-
Conforme Ewert e Hollenhorst (1989), mesmo xíveis e limitando, de fato, o aproveitamento da experi-
que em determinadas situações os participantes pro- ência, pois tudo deve ser feito de acordo com padrões
curem aumentar os níveis de dificuldade e as oportu- predeterminados e não se pode atrasar; “atrapalhando”
nidades de desafios, eles não buscam necessariamente o grupo ou a proposta. Portanto, as atividades de aven-
níveis mais elevados de risco. É possível que haja, tura podem tanto despertar a espontaneidade nas pes-
simplesmente, a manifestação de elementos que visem soas quanto tolher e inibir tal comportamento devido
ultrapassar limites, os quais não necessariamente estão à forma de condução de um grupo.
ligados a riscos, mas a novos desafios e descobertas. Nesse contexto, a natureza pode ou não deixar
De fato, os adeptos das atividades de aventura na de ser um objeto a ser explorado, constituindo-se em
natureza insistem sobre a falta de estímulo demarcando uma parceira, o que pode ser percebido pelas formas
existências superprotegidas pelas regras sociais e pelo de se vestir, alimentar-se e pelos demais exemplos que
conforto técnico das sociedades. se relacionem com a qualidade de vida, incluindo ainda
ideologias, filosofias de vida e novos modos de produ-
A rotina, ou melhor, a segurança que en- ção. Fatores como instrução, informação, oportunidade
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volve a existência suscita, por vezes, o tédio. e motivação são determinantes nessa perspectiva, pois
Ela alimenta a busca regular de uma intensidade nem todos têm o mesmo acesso. De qualquer forma,
que habitualmente não existe. (Le Breton, 2006, manifesta-se, ainda assim, uma criatividade popular,
p. 101) do senso comum, ainda que seja uma criatividade ins-
tintiva, servindo de substrato para a diversidade da
Por isso, talvez possamos afirmar que a aventura criação social.
compreende a liberdade de escolha pelo tipo e nível da Maffesoli (2005, p. 22) lembra que o corpo so-
atividade em si (mais ou menos arriscada, estressan- cial desloca-se de uma lógica da identidade (essencial-
te, cansativa), e o componente incerteza, diretamen- mente individualista) para uma lógica da identificação
te ligado ao desconhecido, ao novo e a recompensas (muito mais coletiva). Assim, a cultura do sentimento
inerentes à prática (satisfação, bem-estar, superação, é consequência da atração; os grupos se formam de
alegria etc.). acordo com as circunstâncias ou os desejos, caracte-
Também a espontaneidade é pertinente para a rísticas peculiares às pessoas e aos grupos envolvidos
discussão das atividades de aventura. Os diversos ti- com as atividades de aventura.
pos de repressões (política, religiosa etc.) pelas quais Nessa dinâmica contraditória das atividades de
passaram os seres humanos ao longo da história de aventura prevalecem, no entanto, o espírito de coope-
certa forma tolheram o lado aventureiro da vida. Nesse ração e a vontade de estar junto, permeando a atividade
sentido, as atividades de aventura parecem despertar e fazendo que a distinção entre o melhor ou o menos
aspectos menos controlados, tais como atitudes hedo- capacitado não seja, na maioria das vezes, um fator
nistas, cooperativas e sensibilizadoras; deslocamen- de exclusão. Nas atividades de aventura a coopera-
tos; experimentações; entre outras possibilidades. No ção, além de ser um estímulo, apresenta-se também
Atividades e esportes de aventura para profissionais de Educação Física

como uma questão que envolve a segurança do outro já conhecidas, por exemplo, pode ser uma atividade
e de si mesmo. A amizade, a confiança, a cooperação de aventura para determinadas pessoas, nas quais elas
e a afinidade ocorrem com frequência nessas práticas, vivenciam experiências prazerosas, aprendendo algo
dando a elas um significado singular. Muitos exemplos sobre o local, a cultura, sobre outras pessoas e sobre
poderiam ser citados, como o rafting, em que, dentro do elas mesmas, sem, entretanto, vivenciarem momentos
bote, cada integrante pode remar em um sentido dife- arriscados.
rente (é necessário, algumas vezes, que alguns remem A contribuição de Spink (2001, p. 1285) é per-
para frente e outros para trás); contudo, isso ocorre tinente, cujos estudos sobre risco na vida contempo-
em perfeita sintonia para que a direção desejada seja rânea desvelam o conceito risco-aventura. A autora
atingida e o objetivo comum seja alcançado. Ou seja, apresenta um extenso ensaio sobre risco, elencando
nas atividades de aventura, seja remando, escalando ou inúmeros autores e pontos de vista. Interessa-nos aqui
caminhando, os pontos de vista, as diferenças, são res- destacar, especialmente, aquele que procura entender
peitados e as metas são atingidas somente a partir disso. a emergência das formas culturais do risco-aventura,
Nessas atividades, prevalece determinado tipo ilustradas pelos esportes radicais (termo utilizado pela
de acaso, porém, o valor, a admiração, o hobby e o autora) – entendidos como
gosto partilhados tornam-se a base, os vetores da ética.
Pode-se, ainda, observar uma espécie de narcisismo forma de expansão dos processos de disciplina-
coletivo, enfatizando a estética, pois se promovem rização para além de suas formas institucionais
estilos particulares, um modo de vida, uma ideologia, [...] em que a aventura incorpora-se ao cotidiano
entre outros exemplos que são da ordem do comparti- como estratégia de edificação.
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lhamento (Maffesoli, 2005). As atividades de aventura
por meio da vivência coletiva de emoções e sensações De acordo com os levantamentos da autora, al-
representam uma das mais recentes práticas fundadoras guns exemplos de tal função edificadora podem ser
da vida social nas quais, por sua vez, o componente encontrados nos meios de comunicação em geral:
lúdico é o efeito e a consequência de toda essa socia- aprendizagem de flexibilidade e decisão em programas
bilidade vivida. de treinamento e desenvolvimento gerencial, busca de
Ser ou não ser uma aventura é relativo e varia de novos espaços para o fortalecimento de laços familia-
pessoa para pessoa. Como os grupos são sempre mui- res e, também, o fortalecimento do caráter.
to heterogêneos, sempre haverá, concomitantemente, A partir dessas concepções e características, é
conflitos e alegrias dos mais diferentes níveis. Não se possível afirmar que a busca pelo risco controlado, a
trata de categorizar a aventura, mas de mostrar a di- procura pelo prazer, pela liberdade, a espontaneidade,
nâmica tensão das relações nela existente. Além dessa a afinidade, a solidariedade, a liberdade de escolha, a
questão da heterogeneidade do grupo e da diversidade confiança, a cooperação e a coletividade são interesses
de percepções, também é interessante refletir quando significativos na experimentação da aventura, lembran-
efetivamente uma atividade na natureza deixa de ser do que seus opostos também existem e, fazem parte da
uma aventura para uma mesma pessoa. construção dessas práticas socioculturais.
Uma experiência de aventura se constitui em Apresentadas essas importantes abordagens
colocar à prova competências e capacidades próprias, sobre o fenômeno aventura, tão caras ao esporte, ao
nas quais o risco e o perigo podem ser avaliados e me- turismo e ao lazer, na sociedade atual, serão discutidas
didos. Nesse contexto, o nível de risco admitido pelos algumas concepções e alguns conceitos existentes e,
participantes é bastante variado. Caminhar por trilhas de certa forma, já consolidados.
1 Introdução aos estudos das atividades de aventura: características, concepções e conceitos

1.3 Concepções e possível também constatar que cada um dos rótulos dá


conceitos uma definição das características e, algumas vezes, da
origem dessas práticas, contribuindo com uma visão
A lógica racional orientadora de muitas práticas diferente que, por sua vez, complementa o conjunto
esportivas, caracterizada pelas regras institucionali- dessas atividades.
zadas dos jogos e atividades motoras voltadas ao ren- Partindo dessa revisão, Costa, Marinho e Passos
dimento, tem recebido influências de outros sentidos (2007, p. 188), sugerem duas conceituações. Uma para
humanos, tais como as sensações que o movimento esportes de aventura:
proporciona e os sentimentos com os quais os pratican-
tes se deparam para experimentar a atividade com base compreendem o conjunto de práticas esportivas
na intuição como elemento essencial para as tomadas formais e não formais, vivenciadas em intera-
de decisão. Esse movimento aponta uma frutífera opor- ção com a natureza, a partir de sensações e de
tunidade para a descoberta de um novo significado emoções sob condições de incerteza em relação
para o esporte, para o turismo e para o lazer. Vistos ao meio e de risco calculado. Realizadas em
como práticas criadas na ruptura com as modalidades ambientes naturais (ar, água, neve, gelo e terra),
convencionais, as atividades de aventura, de risco, da como exploração das possibilidades da condição
natureza, radicais ou qualquer que seja a nomenclatura humana, em resposta aos desafios desses am-
eleita remanejam os elementos existentes nos esportes bientes, quer seja em manifestações educacio-
tradicionais, dando-lhes novas configurações (Betrán, nais, de lazer e de rendimento, sob controle das
1995; Costa, 2000). condições de uso dos equipamentos, da formação
33
Portanto, o surgimento e a difusão dessas possi- de recursos humanos e comprometidas com a
bilidades, seja na natureza ou em zonas urbanas, reor- sustentabilidade socioambiental.
ganizaram o sistema de esportes, com fortes influências
também nos sistemas de lazer e turístico, ocasionando E outra para esportes radicais:
uma renovação simbólica e de signos que constituem
o imaginário esportivo de determinada época. Vários compreendem o conjunto de práticas esportivas
conceitos e terminologias vão se estruturando na lite- formais e não formais, vivenciadas a partir de
ratura com vistas a lhes delimitar o contorno, como já sensações e de emoções, sob condições de risco
foi possível apontar. calculado. Realizadas em manobras arrojadas e
A partir de um levantamento realizado por controladas, como superação de habilidades de
Costa, Marinho e Passos (2007), é possível visuali- desafio extremo. Desenvolvidas em ambientes
zar, nos vários conceitos encontrados, características controlados, podendo ser artificiais, quer seja
associadas à natureza, à aventura, ao risco, ao extremo, em manifestações educacionais, de lazer e de
ao alternativo, ao inovador, à tecnologia ecológica, rendimento, sob controle das condições de uso
à liberdade, à busca de sensações e de expansão de dos equipamentos, da formação de recursos hu-
limites. Além dessas características, inúmeros con- manos e comprometidas com a sustentabilidade
ceitos trazem, em suas concepções, preocupações am- socioambiental.
bientais, denotando que as práticas em contato com a
natureza, de fato, requerem um cuidado ambiental. De Tais conceituações foram concebidas pelas auto-
acordo com as autoras, analisando os nomes que essas ras em suas vinculações sociais e culturais, na perspec-
atividades têm recebido por diversos estudiosos, foi tiva do direito estabelecido pela Constituição Federal
Atividades e esportes de aventura para profissionais de Educação Física

(1988), das sensações, dos desafios vivenciados e da Felizmente ou não, o que se pôde observar ao
responsabilidade socioambiental. longo desses anos de avanço do segmento da aventura
Esses conceitos foram encaminhados à é que pouca (ou quase nenhuma) aproximação entre
Comissão de Esporte de Aventura do Ministério dos esporte e turismo tem ocorrido, ao menos em termos
Esportes para discussão e avaliação. No entanto, até o de políticas públicas. Ambos os setores têm caminhado
presente momento pouco avançaram quando compa- em busca da compreensão e do desenvolvimento de
rados aos conceitos elaborados e difundidos, também um segmento em comum, a aventura, por caminhos
recentemente, pelo Ministério do Turismo. totalmente opostos.
É importante destacar o avanço significativo Partindo dessas considerações, a autora tem
do setor de turismo quanto às iniciativas para imple- optado, em suas publicações, pela terminologia ati-
mentação para o segmento turismo de aventura. Em vidades de aventura para designar as diversas práti-
particular, pode-se apontar o processo de normaliza- cas manifestadas em diferentes locais naturais (terra,
ção e certificação em turismo de aventura no Brasil, água e/ou ar) e/ou artificiais, cujas características se
desde 2003, o qual se constitui em uma iniciativa do diferenciam dos esportes tradicionais, tais como as
Ministério do Turismo sob a coordenação da Secretaria condições de prática, os objetivos, a motivação, as
de Programas de Desenvolvimento do Turismo, tendo relações estabelecidas com o meio e com os demais
como entidade executora o Instituto de Hospitalidade participantes, além dos meios utilizados para o seu
(IH) e apoio da Associação Brasileira de Empresas de desenvolvimento, incluindo a necessidade de inova-
Turismo de Aventura (ABETA). Além de identificar dores equipamentos tecnológicos. Elas são imbuídas
os aspectos críticos da operação responsável e segura por uma série de valores e conceitos que pertencem às
34
do Turismo de Aventura, busca subsidiar o desenvol- novas tendências culturais características das socieda-
vimento de um conjunto de normas técnicas para as des contemporâneas.
diversas atividades que compõem o setor no âmbito Portanto, a opção pela terminologia atividades
da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) de aventura se deve justamente à amplitude de compre-
e do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização ensões e sentidos que a expressão pode abarcar. Dessa
e Qualidade Industrial (INMETRO). Os objetivos do forma, sem pretender reduzir e engessar o conceito,
projeto são: identificar os aspectos críticos de ope- são delineadas algumas características para melhor
ração responsável e segura do Turismo de Aventura; entendimento do fenômeno.
desenvolver um sistema de normas para esses aspectos Elas são entendidas, aqui, como práticas cer-
críticos identificados; desenvolver normas para ocupa- cadas por riscos e perigos, na medida do possível, e
ções conforme demandas específicas; desenvolver um calculadas, não ocorrendo treinamentos intensivos
processo de divulgação e sensibilização com as em- prévios (como no caso dos esportes tradicionais e de
presas e seus grupos de clientes acerca da importância práticas corporais como a ginástica e a musculação).
das normas desenvolvidas; e desenvolver um manual A experimentação acontece de maneira mais direta,
de resgate para as atividades de turismo de aventura havendo um afastamento de rendimentos planejados.
no país. Mais detalhes sobre este processo podem ser Durante as situações de aventura, o corpo pas-
encontrados em Abreu e Timo (2005). 4 sa a ser um campo informacional, concebido como
receptor e emissor de informação, e não como mero
instrumento de ação ou coação. Os corpos chegam a
4
Aprofundamentos nas discussões que aproximam turismo, lazer e
natureza podem ser encontrados nas produções científicas de Ma- enfrentar determinadas regras de realização constan-
rinho e Bruhns (2006); Almeida e Da Costa (2006) e Marinho e
Uvinha (2009). temente revisáveis e sempre submetidas à apreciação
1 Introdução aos estudos das atividades de aventura: características, concepções e conceitos

dos praticantes diante de importantes tomadas de deci- terrestre, concretizando, como aponta Betrán (1995),
são. O corpo experimenta desde efeitos de fadiga e de alguns sonhos de aventura.
exaustão, diferenças de temperatura e força do vento e As atividades de aventura oferecem oportu-
da água até sensações de prazer e alegria advindas do nidades não apenas para a aprendizagem e vivência
contato com a água refrescante de uma cachoeira, da de tomadas de decisões instantâneas em momentos
tranquilidade transmitida pelo som dos animais e pelo específicos de cada prática, mas também podem des-
perfume exalado de flores e plantas. Assim, o corpo pertar para o desenvolvimento de uma sensibilidade
passa a ser um lugar de mediação, e as relações entre ambiental mais profunda. Por isso, é particularmente
natureza e cultura se afloram nele. Tais transformações importante reconhecer como os valores coletivos in-
culturais do corpo contribuem para que o aventureiro fluenciam nos processos de decisões em tais práticas.
consiga experimentar diferentes locais de formas dis- Talvez uma das características mais marcantes seja
tintas. Portanto, há um sentido corporal intenso envol- justamente a manifestação de valores como a coope-
vido na experiência (Marinho, 2003). ração em detrimento da agressão e da competição.
Essas atividades requerem os elementos naturais A necessidade (dependência) da confiança aliada ao
para o seu desenvolvimento de formas distintas e espe- desejo de estar junto com o outro integra uma dose
cíficas, despertando novas sensibilidades em diferentes de sensibilidade, sendo que o prazer de estar junto
níveis. As intensas manifestações corporais aí vividas também pode ser observado em múltiplas situações
permitem que as experiências na relação corpo-na- durante a caminhada, a escalada ou outro tipo de ati-
tureza exvpressem uma tentativa de reconhecimento vidade na natureza. Observando-se ou tocando-se, seja
do ambiente e dos parceiros envolvidos, expressando qual for a forma de manifestação, este será o substrato
35
ainda um reconhecimento dos seres humanos como do reconhecimento e da experiência entre os membros
parte desse meio (Marinho, 2001). do grupo. Essas atividades vêm de formas distintas e
Bruhns (2003) enfatiza que a experimentação específicas despertando sensibilidades em relação ao
dessas novas emoções e sensibilidades pode conduzir mundo como denominador comum, um lugar com seus
os seres humanos a diferentes formas de percepção e limites e fragilidades, carente de cuidado e proteção
de comunicação com o meio em que vivem. Tal con- (Marinho, 2006).
sideração alerta para a necessidade de compreensão Da mesma forma e em alguns momentos, nessa
sobre os diferentes significados que a relação dos seres relação há também o desprazer de estar junto. Por mais
humanos junto à natureza tem assumido, bem como que esse tipo de união apague certas diferenças, os
suas peculiaridades, seus desafios, suas reproduções, conflitos existem e fortificam o grupo. “A tensão das
sua resistência, sua inserção na indústria do entreteni- heterogeneidades umas com as outras tenderia a asse-
mento, seu aspecto educativo e, principalmente, sua gurar a solidez do conjunto” (Maffesoli, 1998, p. 142).
proposta para uma nova experimentação lúdica do Os aventureiros envolvidos em tais práticas pa-
corpo contemporâneo. recem estar fortalecendo um novo estilo de vida em
As informações devem ser precisas e, em cer- busca de atividades mais excitantes, que brincam com
tas circunstâncias, as tomadas de decisão devem ser o risco e com o perigo em um jogo, no qual os parceiros
rápidas. O mergulho, a vertigem, a velocidade, os de- e os equipamentos tecnológicos compõem a dinâmica
sequilíbrios e as quedas são características presentes a ser vivida. Le Breton (2006, p. 96) afirma, inclusive,
nessas práticas, possíveis a quaisquer pessoas, pois o que nessas atividades o risco é um simulacro em que
desenvolvimento e aprimoramento tecnológicos pro- os aventureiros brincam mais com a sua ideia que com
porcionam o deslizar-se no ar, na água e na superfície sua efetivação. “Deseja-se o risco, mas sem o risco.”
Atividades e esportes de aventura para profissionais de Educação Física

Portanto, sem pretender engessá-las em concei- As discussões empreendidas ratificam a impor-


tos, as atividades de aventura poderiam ser definidas tância em investigar as atividades de aventura, as quais
como uma variedade de práticas de iniciativa própria, apontam para mudanças significativas nas formas de
em interação com o meio natural ou artificial e com estar junto, de engajamento e comprometimento dos
outros parceiros, as quais contêm certas doses de riscos praticantes, bem como nas percepções dos significa-
e cujos resultados, mesmo que algumas vezes sejam dos de aventura, lazer, esporte, turismo e do próprio
incertos, podem ser influenciados pelos participantes e ato de estar no mundo. Tais discussões deveriam ser
pelas circunstâncias. A vivência de atividades de aven- efetivadas pelos diferentes grupos e atores sociais que
tura traz repercussões diversas para outras esferas da se estendem desde praticantes até condutores, empre-
vida das pessoas, de acordo com diferentes subjetivi- sários, políticos, ONGs etc. Nesse processo, contudo,
dades, olhares e saberes. não pode ser esquecido o contexto complexo, contra-
ditório e contestador em que as atividades de aventura
surgiram e se fortalecem.
Para além das discussões requeridas, o panora-
1.4 Considerações finais ma apresentado reflete a necessidade de intervenções
efetivas, capazes de implementar qualitativamente as
Todos os que têm certeza estão condena- atividades de aventura, conjugando seu desenvolvi-
dos ao dogmatismo. Se estou certo da verdade de mento com a conservação ambiental.
minha teoria, por que haveria de perder tempo
ouvindo outra pessoa que, por defender ideias
36
diferentes, tem de estar errada? As certezas an- Referências
dam sempre de mãos dadas com as fogueiras.
(Alves, 2002, p. 189) abreu, J. a. p.; Timo, G. F. Normalização e Certificação
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Turismo de aventura: reflexões e tendências. São
Compartilhando dessa premissa de Alves, nesses
Paulo: Aleph, 2005. p. 43-70.
escritos foram apresentados alguns conceitos, con-
cepções e características sobre o fenômeno aventura, aLmeida, a. C.; da CoSTa, L. Ambiente, Esporte, Lazer
e Turismo: estudos e pesquisas no Brasil – 1967 a 2007.
tendo-os como referenciais e pontos de partida para, na
Rio de Janeiro: Gama Filho, 2006. v. 1, 2 e 3.
verdade, transcendê-los; ou seja, são abordados como
noções, como alavancas metodológicas, contribuindo aLveS, r. Filosofia da ciência: introdução ao jogo e
no processo de desvendamento e compreensão das suas regras. 4. ed. São Paulo: Loyola, 2002.

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