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J.

Palmeira Guimarães

A VIDA
em V
DE DUDA
Autor: J. Palmeira Guimarães

A Vida de Buda
A história que eu vou contar
aconteceu realmente
h á quase 26 séculos
em um país do Oriente.
Se alguém quiser comprovar
é bastante consultar
os livros de antigamente!

É a Vida do Senhor BUDA,


naseido um príncipe hindu,
seu pai — era Suiddhodana,
rei de Kapilavastu,
sua mãe — a rainha Maya,
seu reinado — entre o Himalaia
e a montanha Sumeru„

É uma narração verídica,


mas fantástica, também.
Fala de reis, de rainhas,
de amor, ódio, mal e bem.
Tem santos, heróis, vilões,
aventuras e emoções
— como toda história tem.

Ela é simultaneamente
história h u m a n a e sagrada
tem seus instantes dramáticos
como n u m a luta armada,
mas tem lances de ternura,
de alegria e de doçura
como nos contos de fada. 3
É um episódio profano
e ao mesmo tempo, Divino,
c a p a z de empolgar o santo
e comover o assassino,
terno — como uma canção,
doce — como uma oração,
vibrante — que nem um hino

É capaz de a p r o x i m a r
todos os filhos de Deus:
evangélicos, católicos,
muçulmanos ou judeus
e até os mais renitentes
que se proclamam descrentes,
pensando que são a t e u s . . .

Vamos direto ao assunto


que o seu tempo é precioso
e eu sei que, nessas alturas,
você j á está curioso
pela história prometida,
e história muito c o m p r i d a
é coisa de mentiroso.

540 anos
Antes da Era Cristã,
pleno jardim do p a l á c i o ,
O n z e horas da m a n h ã .
A bela rainha Maya
contempla os véus do H i m a l a i a
recostada em seu divã.
H a v i a se completado
o tempo da gestação.
A rainha, embevecida
na sua c o n t e m p l a ç ã o ,
nem viu que a tarde c h e g a r a
e, de seu ventre, brotara
o nobre filho varão!

O parto ocorreu sem dor


c o m o b ê n ç ã o do Infinito.
A m ã e só se apercebeu
q u a n d o ouviu do filho o grito
nasceu perfeito e, ademais,
trouxe todos os sinais
do nascimento bendito.

Em quatro palanques de ouro


chegara o príncipe n u ,
trazido por quatro arcanjos
da m o n t a n h a Sumeru,
em cujos cumes residem
Divindades que presidem
a vida do povo hindu.

A notícia se espalhou
por toda a terra indiana,
o povo foi convidado
e o grande rei S u d d h o d a n a
festejou com p o m p a e brilho
o nascimento do filho
durante toda a semana.
A c o r r e r a m visitantes
da í n d i a e de outros países,
trazendo ricos presentes
dos mais diversos matizes,
enquanto os pais da criança
riam, cheios de esperança,
imensamente felizes.

No meio dos convidados


o rei notou um asceta,
sentado, pernas cruzadas,
mãos postas, coluna ereta,
e viu n a q u e l a figura
a correção e a postura
de um verdadeiro profeta.

Sentindo um impulso estranho


— misto de ternura e espanto —
o rei pegou o menino,
desnudou-o de seu manto
e pediu para a r a i n h a
conduzir a c r i a n c i n h a
aos pés daquele h o m e m santo.

O a n c i ã o que, impassível,
fitava o céu, distraído,
ao ver o príncipe-herdeiro
levantou-se comovido
fazendo, em meio a orações,
oito genuflexões
saudando recém nascido.
Depois, pediu que a r a i n h a
pusesse o filho no colo
e cumpriu, em reverência,
um estranho protocolo:
curvado, as mãos estendidas,
por oito vêses seguidas
tocou a testa no solo.

Mais tarde, o asceta explicou


ante a surpresa dos pais
que viu n a q u e l a criança
os 112 sinais
de sua origem Divina,
previu toda a sua sina
e ainda lhes disse mais:

—- " O vosso D i v i n o filho


será muito mais que um rei,
reformará o Universo,
t r a r á u m a nova Lei
e eu n ã o estarei presente,
porque muito brevemente
deste m u n d o partirei!

" Q u a n t o a vós. nobre senhora,


cumpristes Lei Soberana
dando à luz a essa flor
de nossa árvore h u m a n a .
Vossa missão foi c u m p r i d a
e deixarás esta vida
deutro de u m a s e m a n a " . . .
O olhar do sábio, parado,
sereno como u m a praia
pousou nos pés do menino,
fitou a rainha Maya
e o a n c i ã o diluiu-se,
desapareceu, fundiu-ae
entre as neves do H i m a l a i a .

Tudo que o santo previra


no seu tempo aconteceu.
Se o rei tinha a l g u m a dúvida
esta desapareceu
quando, no sétimo dia,
depois dessa profecia
sua esposa faleceu!

Convocou-se ama-de-leite
por editais e por carta.
Uma princesa da corte
garantiu nutrição farta
para o príncipe indiano
que teve o nome profano
de Savarthasidh (Siddarta).

Aqui, deixamos o príncipe


em berço de ouro deitado
enquanto seu pai — o rei —
n ã o dorme, preocupado
com um problema bem sério
que era o destino do I m p é r i o
ou a sucessão do reinado.
Ocorreu que S u d d h o d a n a
a n d a v a bastante aflito
com o que os sábios e o santo
h a v i a m visto e predito
sobre a sorte do menino,
o seu futuro Divino
e o nascimento bendito . . .

Alem dessas profecias


que o leitor conhece bem
tinha outra, ainda mais séria,
feita por sábios também
e que o rei, cheio de medo,
v i n h a mantendo em segredo
sem revelar a n i n g u é m .

Sua falecida esposa


na noite em que engravidou
tivera um sonho esquisito
e, logo que despertou,
c h a m o u o seu bem-amado
que dormitava ao seu lado
e o sonho então lhe contou.

No sonho a rainha viu


de modo claro e perfeito
u m a estrela de seis raios
vir do céu para o seu peito,
cortar o espaço no meio
e penetrar em seu seio,
mesmo do l a d o direito.
No outro dia, após o sonho,
convocou-se o Ministério,
o rei falou aos seus pares
sem revelar o mistério,
transmitindo ordens expressas
para chamarem às pressas
os oráculos do império.

O rei conduziu os sábios


para um salão reservado,
depois, c h a m o u a esposa
q u e se sentou ao seu lado,
e ela fez todo o relato
sem omitir nenhum fato,
tudo o que havia sonhado.

O que mais surpreendeu


foi a atitude dos sábios:
ouviram tudo tranquilos,
com um sorriso nos lábios
como se o que ela dissesse
h á muito tempo estivesse
escrito em seus alfarrábios.

Todo o salão era um t ú m u l o


n ã o se ouvia o menor som.
Nisto, o a n c i ã o mais grisalho
falou num suave tom,
com ar sereno e risonho:
" S o l em C â n c e r . . . este sonho,
vosso sonho é muito b o m . . .

- 10 -
"Vós, veneranda r a i n h a ,
dareis à luz um menino
de ciência maravilhosa,
com um mandato Divino
q u e , se quiser, num s e g u n d o
poderá salvar o m u n d o
e transformar-lhe o destino!"

Por isto, o rei S u d d h o d a n a


a n d a v a tão preocupado.
Ele n ã o q u e r i a um santo,
profeta ou iluminado,
m a s um simples sucessor
para seu continuador
no c o m a n d o do reinado.

E assim cada dia o rei


a n d a v a mais grave e sério
pensando nas profecias
e em todo a q u e l e mistério,
t r a m a n d o um plano ladino
para fazer o m e n i n o
se interessar pelo Império?

D e u ordens pra que S i d d a r í a


desde a sua tenra infância
vivesse um m u n d o de sonhos
sendo mantido à distância
da pobreza, da feiúra,
da velhice, da a m a r g u r a ,
da dor e da i g n o r â n c i a .
Para manter o menino
cercado de tais cuidados,
mandou vir de toda parte
os jogos mais delicados,
as iguarias mais finas,
as mais belas dançarinas
e os mais saudáveis criados.

Quando Siddarta atingiu


os oito anos de idade,
o rei chamou seus ministros
e falou com seriedade:
"Preciso de um instrutor
que torne o meu sucessor
um monarca de verdade.

"Quero um mestre que lhe ensine


a governar e a viver,
a s Leis, o s jogos, as artes,
o s segredos cio poder,
tudo o que a Ciência abarca
e que um futuro monarca
necessita de saber!

"Procurem por toda parte


o sábio mais instruído,
o mestre mais respeitado,
o Guru(1) mais entendido.
Pensem o quanto quiserem
e falem quando tiverem
o problema resolvido."

(1) - Gnru - Mestre, pceptor (Sânscrito)


O Conselho de Ministros
A c o l h e u do rei o p l a n o
e, por u n a n i m i d a d e ,
sugeriu ao soberano
um n o m e considerado
o sábio mais respeitado
do território indiano:

— Só Vísvamitra — disseram —
preenche o que desejais
e pode ensinar ao príncipe
todas as artes manuais,
as Ciências, as Escrituras,
as diferentes culturas
Idiomas e tudo o mais".

O rei a p r o v o u o nome
Visvamitra foi c h a m a d o ,
c o m p a r e c e u ao palácio
confessou-se muito h o n r a d o
e disse ao rei S u d d h o d a n a :
" J á na p r ó x i m a semana
começa o aprendizado".

Para a surpresa do mestre


Siddarta era obediente,
humilde, falava pouco,
era alegre, sorridente,
respeitador, atencioso,
e, o que era mais espantoso,
um sábio, embora inocente!
0 menino já sabia
ler, escrever, calcular,
Ciências, Religiões,
a arte de comandar,
era um perfeito doutor
em tudo que o professor
pretendia lhe ensinar.

Visvamitra pôs no quadro


difícil sentença escrita:
era uma estrofe sagrada,
profunda e muito erudita
tirada aos livros sagrados,
destinada a iniciados
ou gente muito erudita.

Pela complexidade
da sentença que escolheu
Visvamitra estava crente
no raciocínio seu
que aquele jovem rapaz
jamais seria capaz
de ler o que ele escreveu.

Siddarta olhou para o quadro,


sorriu respeitosamente
e, com surpresa do mestre,
leu tudo corretamente
e ainda pediu licença
pra interpretar a sentença
pormenorisadamente.
Com a permissão do mestre
Siddarta analisou tudo:
a prece, as suas origens,
seu sentindo e o conteúdo,
enquanto o mestre o escutava
e simplesmente aprovava,
surpreso, espantado, mudo.

E, como se n ã o bastassem,
essas provas eloquentes
ou como se alguém pedisse
demonstrações mais patentes,
interpretou a o r a ç ã o
à luz da Religião
em dez linguas diferentes!

Mostrou, cora toda h u m i l d a d e ,


que d o m i n a v a a G r a m á t i c a ,
Geografia, História, Música,
a Física e a Matemática
e, o que era mais surpreendente,
conhecia i n t i m a m e n t e
a ciência da vida prática.

Entendia tudo de Arte,


lia os arcanos e as sortes,
lia a l i n g u a g e m dos astros,
sabia tudo de Esportes
e, na arte de combater,
era c a p a z de vencer
aos lutadores mais fortes!
Discorria. facilmente
sobre Pintura e Beleza,
d o m i n a v a a espada o arco
com i n v e j á v e l destreza,
era um perito em amor
e um grande conhecedor
das coisas da Natureza!

Diante disto, Visvamitra


— mestre entre os mestres hindus
prostrou-se aos pés do m e n i n o
e disse: "TU ÉS A LUZ,
NÃO SEREI MAIS TEU G U R U ,
NÃO SOU TEU MESTRE E SIM TU,
POIS ÉS G U R U D O S G U R U S " ! . . .

E assim a todos os mestres


Siddarta rendia preito
de carinho, de amizade,
de gratidão e respeito,
mas em matéria de estudo
ele conhecia tudo,
j á era um mestre perfeito.

Participava de jogos,
brincadeiras, distração.
Geralmente, era o primeiro
em q u a l q u e r competição,
mas o que mais lhe a g r a d a v a
era quando se isolava
sozinho, em m e d i t a ç ã o . . .
Tratava do mesmo jeito
príncipes e serviçais,
via a todas as pessoas
como se fossem iguais,
respeitava a todo m u n d o
e tinha um amor profundo
pelas plantas e animais.

Nas competições de caça


que era obrigado a l a z e r
deixava escapar as aves
para não vê-las morrer
ou pra não tirar do a m i g o
que competia consigo
a alegria de vencer

Embora considerado
cavaleiro sem igual,
perdia corridas ganhas
simulando passar mal,
para poupar energia
ao cavalo em que corria
e não forçar o animal!

Certa feita um de seus primos,


que era o príncipe Dewatta,
atirou num cisne branco
que passava pela mata,
acertou-o em pleno peito
e ficou bem satisfeito,
rindo de sua " b r a v a t a " .
Siddarta que assistiu, tudo
sentado j u n t o à lagoa,
q u a n d o viu tombar a ave
saiu correndo, apanhou-a,
tirou-lhe a flexa do peito
e a tratou com tanto jeito
que ela logo ficou boa.

D e w a t a exigiu que o cisne


fosse a ele devolvido,
porque segundo o costume
h á muito estabelecido
e j á por todos aceito
o atirador tem direito
a q u a l q u e r bicho abatido.

Mas Siddarta recusou-se


e lhe disse: "Não, senhor,
o cisne agora está vivo
e seja l á como for
será m i n h a propriedade
por direito de piedade
e onipotência do a m o r " .

Por incrível que pareça


esse caso tão banal
foi levado à decisão
do Conselho Imperial
que discutiu todo um dia
pra decidir quem teria
direito ao cisne, afinal.
A p ó s muito discussão
e opiniões divergentés,
quando os ministros da corte
j á estavam impacientes,
um vulto em forma de Luz,
veio, envolto n u m capus
e falou para os presentes:

" — SE A VIDA POSSUI V A L O R


CABE A TODOS PRESERVÁ-LA.
NO CASO, UM S A L V O U A A V E
E O O U T R O TENTOU MATÁ-LA.
A AVE SERÁ MANTIDA
COM Q U E M L H E S A L V O U A V I D A
E NÃO COM QUEM QUIS TIRÁ-LA"!

Com essa sentença, o vulto


encerrou todo o litígio.
O rei quis dar-Ihe um presente,
como prova de prestígio,
buscou o desconhecido,
mas ele havia sumido
sem deixar q u a l q u e r vestígio!

Siddarta beijou o cisne


como n u m a despedida,
depois, alçou-o ao espaço
em suave arremetida.
A ave partiu em paz,
a g r a d e c e n d o ao rapaz
por ter salvo a sua v i d a
D e w a t t a se desculpou
por ter causado a discórdia,
os dois primos se a b r a ç a r a m
tudo voltou à concórdia,
Siddarta entrou no B u d a t o
cumprindo o primeiro ato
de pura misericórdia.

Para ele, esse incidente


teve um profundo valor:
foi sua primeira c h a n c e
de praticar o a m o r
e a primeira vez, por certo,
que ele poude ver de perto
na dor do pássaro — A D O R !

O amor e a dor se tornaram


a partir daquele dia
sentimentos sobre os quais
Siddarta meditaria
e, em época futura,
serviriam de estrutura
à sua Filosofia . . .

Mas, como a a m b i ç ã o h u m a n a
não deixa n i n g u é m em paz,
Suddhodana i m a g i n a v a
um plano bastante audaz,
u m a forma astuciosa,
u m a maneira engenhosa -
para envolver o rapaz.
A estratégia do rei
consistia em convidar
Siddarta para um passeio
em que pudesse mostrar
toda a extensão do reinado
e fazê-lo interessado
nas terras que iria h e r d a r . . .

Pensava que quando o filho


visse a vastidão do i m p é r i o
passasse a encarar o trono
c o m o um assunto mais sério
e perdesse o interesse
por meditações e prece
e todo aquele mistérío.

O rei mandou p r e p a r a r
a mais bonita carruagem
e deu ordens pessoalmente
aos súditos e à vassalagem
p a r a que a comitiva
fosse saudada com V I V A
durante toda a passagem.

Feitos os preparativos,
a g u a r d o u com esperteza
um dia de p r i m a v e r a
cheio de sol e beleza,
de modo que o itinerário
tivesse c o m o cenário
o esplendor da Natureza.
Ao receber o convite,
Siddarta que só vivia
trancado em seus aposentos
e raramente saía,
beijou o pai com ternura
e partiu para a aventura
na inocência da alegria.

Havia um clima de festas


o reino todo enfeitado,
o povo a p l a u d i a o príncipe,
o rei estava e m p o l g a d o
e sorria satisfeito,
pois tudo estava do jeito
que ele havia planejado.

Siddarta se deleitava
contemplando a Natureza:
rios, terras, campos, flores
e toda a q u e l a beleza,
mas enquanto c o n t e m p l a v a
seu coração m e r g u l h a v a
n u m a profunda tristeza!

É que o jovem via as coisas


além de sua a p a r ê n c i a ,
procurando penetrá-las
no fundo de sua essência,
vendo com outra visão:
olhava com o coração,
via com a consciência.
No rosto dos camponeses
via um riso encomendado,
nas suas mãos calejadas
e no seu corpo a l q u e b r a d o
Siddarta enxergava a dor
de seu i r m ã o lavrador
pobre, oprimido e e x p l o r a d o . . .

Nas mulheres desdentadas,


magras do pouco comer
— que p u n h a m as mãos na boca
para o sorriso esconder —
via legiões suicidas
que davam as próprias vidas
para o reinado c r e s c e r . . .

Nas mãos magras das crianças,


inocentes, puras, calmas,
que, à passagem do cortejo,
tremiam, batendo palmas,
via protestos, reclamos,
c l a m a n d o aos céus por seus amos,
rogando por suas almas!

Via o pescoço dos bois


na canga, a r a n d o arrozais.
Viu a e x p l o r a ç ã o reinando
sobre filhos, mães e pais,
a l i m e n t a n d o os tiranos,
escravisando os h u m a n o s
e h u m i l h a n d o os animais!
Siddarta pediu ao rei
pra interromper a excursão,
avistou u m a mangueira,
sentou-se à sombra, no c h ã o
e ficou ali, parado,
totalmente mergulhado
em longa meditação.

O rei a i n d a o esperou
durante mais de u m a hora,
depois, impacientou-se
devido a grande demora,
recomendou-o aos vassalos,
atrelou os seus cavalos,
despediu-se e foi embora.

Ali, Siddarta bebeu


Sabedoria na fonte.
Vieram anjos do espaço
iluminaram-lhe a fronte
e ele só se levantou
depois que o sol se ocultou
lá nos confins do horizonte.

Durante a meditação
um fato estranho ocorreu.
Se foi acaso ou milagre
ninguém garante - nem eu — :
durante uma tarde inteira
n ã o deu sol sob a m a n g u e i r a ,
a sombra n ã o se m e x e u ! . . .
Assim, o rei Suddhodana
V i u se.frustarem os planos
de interessar o menino
pelos tesouros profanos,
enquanto o tempo passava
e Buda se a p r o x i m a v a
de atingir dezoito anos.

Foi quando o rei teve a i d é i a


de apelar para a emoção.
J á que o filho n ã o mostrava
pelo reinado a m b i ç ã o ,
planejou então casá-lo
e. quem sabe, conquistá-lo
através do c o r a ç ã o .

Convocou de novo a Corte


e confessou-se assustado
pois, conforme as profecias,
B u d a era um predestinado
e abandonaria o I m p é r i o
a não ser que algo mais sério
o prendesse no reinado.

"— Siddarta j á está na idade


(disse o rei com sutileza)
em que n ã o há q u e m resista
aos encantos, à beleza
de um rosto j o v e m , formoso
e ao sorriso gracioso
de uma bonita p r i n c e s a . . .
"Por isto, estou prete.ndend.o,
como manda a tradição,
escolher entre as donzelas
de toda nossa nação,
u m a que seja capaz
de provocar no rapaz
a mais violenta paixão".

Os ministros, como sempre,


a c h a r a m que o soberano
tinha pensado um esquema
"genial" e "sobrehumano",
Só um deles — o mais velho —
pediu l i c e n ç a ao Conselho
para completar o plano.

— " E u sugiro a Vossa Alteza


que convoque esta semana
as mais prendadas donzelas
de toda a terra indiana,
e Siddarta escolherá
dentre elas a que será
a futura soberana"

O rei achou magnífica


a idéia do conselheiro
e, após o endosso real
ao plano do cavalheiro,
os ministros concordaram
e todos c u m p r i m e n t a r a m
seu "ilustre c o m p a n h e i r o " . . .
Espalharam-se editais
d i v u l g a n d o o grande dia
em que o príncipe Siddarta,
n u m a festa, escolheria
dentre as princesas mais belas
a mais prendada entre elas
com quem depois casaria.

No dia do grande evento


os jardins palacianos
regorgitavam de moças
em seus trajos indianos,
cada u m a mais bonita
a g u a r d a n d o a hora bendita
de concretisar seus planos.

O rei t i n h a convidado
a plebe e a realeza,
foi a festa mais bonita
que se viu na redondeza.
N u n c a em Kapilavastu
nem no território hindu
reuniu-se tanta beleza.

De seu p a l a n q u e real,
Siddarta a tudo assistia,
c u m p r i m e n t a v a as princesas
com n a t u r a l cortesia,
a todas dava u m presente,
..sorria amistosamente
e o desfile prosseguia.
Dezenas de senhoritas
j á haviam desfilado
sem que o jovem se mostrasse
por n e n h u m a interessado.
Eram todas muito belas,
porém por nenhuma delas
sentira-se apaixonado.

Quando a última princesa


pisou sobre a passarela
foi logo reconhecida
como de fato a mais bela,
e o príncipe estremeceu
tão logo a reconheceu
e se dirigiu a ela.

Todos queriam saber


Quem era essa joia rara
que impressionou a Siddarta
de maneira assim tão clara.
Esclareceu-se afinal:
era de sangue real,
seu nome era Yasodhara.

Veio a se saber, mais tarde,


relendo os livros sagrados,
que Yasodhara e Siddarta
há muito estavam ligados
por laços superiores
e, em yidas anteriores,
já tinham sidos casados.
Naquele instante, porém,
só ela e ele sabiam.
Por isto, os dois se entreolharam
se a b r a ç a v a m , se sorriam,
os demais olhavam tudo
cheios de um espanto m u d o ,
porém nada c o m p r e e n d i a m .

Q u a n d o terminou a festa
que foi um d e s l u m b r a m e n t o
Suddhodana não cabia
em si, de contentamento,
e foi ao rei Suprabuda
pedir pro seu filho, Buda,
Y a s o d h a r a em casamento.

S u p r a b u d a convocou
a Corte, amigos, parentes,
e recebeu S u d d h o d a n a
com honras e com presentes,
mas mostrou a Sua Alteza
que Yasodhara — a princesa —
j á tinha três pretendentes.

E r a m três príncipes jovens,


famosoB no i m p é r i o inteiro:
Ardjuna — um mestre da esgrima,
Dewadatta— um g r a n d e arqueiro,
e Amanda, o mais respeitado,
por todos considerado
como eximio cavaleiro!'
Se Siddarta pretendesse
Yasodhara por consorte
teria que demonstrar
ser de todos o mais forte
e em três duelos formais
derrotar seus três rivais,
cada um no seu esporte!

Suddhodana agradeceu,
mas regressou ao castelo
bastante desanimado,
a c h a n d o aquilo um flagelo
pensando que o seu rapaz
que era um amante da paz
não aceitasse o duelo.

Q u a n d o explicou tudo ao filho


seu m a u humor se desfez,
Siddarta disse ao seu pai
m a r q u e a data de uma vez,
embora eu deteste luta,
travarei essa disputa,
tentarei vencer os três.

No dia, tudo ocorreu


como em casos semelhantes:
os suspiros da princesa,
os lances emocionantes,
Siddarta foi quem g a n h o u
e o povo c o m e m o r o u
entre aplausos, d e l i r a n t e s . . .
Não vou descrever a q u i
o baile monumental,
nem tampouco os rituais
ou o cerimonial
que deram ao casamento
um tom de acontecimento
de dimensão nacional.

Para o casal residir


o rei mandou l e v a n t a r
a o lado do seu p a l á c i o
m a n s ã o espetacular
com jardins, piscinas, grutas,
cascatas, flores e frutas,
em meio a um grande pomar.

Por fora era um paraíso,


por dentro era um santuário.
Os mais suntuosos tapetes,
riquissímo mobiliário,
tudo do mais alto nível,
de um bom gosto indiscutível
e um conforto extraordinário.

A mansão toda era um sonho,


mas o quarto n u p c i a l
foi decorado a capricho
para envolver o casal
na atmosfera poética
de u m a prisão m a g n é t i c a
própria para o a m o r real.
N a q u e l e m u n d o de l u z e s ,
e n c a n t a m e n t o e poesia
dias e noites p a s s a v a m
c o m o se fossem o dia
entre o afeto e o c a r i n h o
o a m o r construiu seu n i n h o
e a p a z sua m o r a d i a .

M a s . . . t u d o tem face e dorso


todo verso tem reverso
e, p a r a n ã o ser perfeita
a paz daquele universo
o rei tinha concebido
e fez ser o b e d e c i d o
u m p l a n o m u i t o perverso:

M a n d o u fazer três portões


que isolavam a mansão,
em c a d a p o r t ã o , um g u a r d a
com rigorosa instrução
p r a v i g i a r noite e dia,
n i n g u é m e n t r a v a ou saía
sem ter do rei permissão.

A p e s a r das p r e c a u ç õ e s
e de t o d o o i s o l a m e n t o ,
Siddarta ouvia mensagens
t r a z i d a s na voz do v e n t o
e, sem sair da m a n s ã o ,
voava pela amplidão
nas asas do p e n s a m e n t o ..
Certa noite, ale acordou
durante um sonho profundo
e ouviu u m a voz dizer-lhe:
"SOU O VENTO VAGABUNDO,
VEM C O M I G O , P O R F A V O R ,
D E I X A O TEU NINHO DE A M O R ,
V A M O S V E R A D O R D O MUNDO!

" O U V E , EU SOU A V O Z D O VENTO


QUE VIVE SEMPRE A SOPRAR,
S U S P I R A N D O POR R E P O U S O ,
MAS SEM NUNCA R E P O U S A R .
A VIDA É TAMBÉM ASSIM:
UMA T O R M E N T A SEM FIM,
UM S O L U Ç O SEM CESSAR.

"QUE PRAZER PODES SENTIR


NESSA C A D E I A DE A M O R
TU Q U E F O S T E O E S C O L H I D O
PARA SER O S A L V A D O R ? !
COMO FICAR PRISIONEIRO
D E UM S O N H O Q U E E P A S S A G E I R O
COMO TUDO, EXCETO A DOR?

" D E S P E R T A , F I L H O DE M A Y A ,
SAI DO TEU E S Q U E C I M E N T O ,
V Ê Q U E O C A M I N H O DA V I D A :
É I G U A L Z I N H O AO D O V E N T O :
SOLUÇOS, SUSPIROS .LUTA
G U E R R A S , TORMÉNTO.S; D I S P U T A ,
MISÉRIA, DOR, SOFRIMENTO!
"ENQUANTO DORMES TRANQUILO,
P R E S O A S U P O S T A S RAÍZES.
H Á T R I S T E Z A EM T O D A P A R T E ,
G U E R R A S EM D I V E R S O S PAÍSES,
F O M E EM T O D O S OS L U G A R E S .
D O E N Ç A EM T O D O S OS L A R E S ,
M I L H Õ E S DE HOMENS INFELIZES!

" T U A H O R A SE A P R O X I M A !
A B A N D O N A ESSA P R I S Ã O ,
RENUNCIA A H I E R A R Q U I A ,
R O M P E OS G R I L H Õ E S DA I L U S Ã O ,
VAI D E S C O B R I R A V E R D A D E
E DAR PARA A HUMANIDADE
A PAZ E A L I B E R T A Ç Ã O !

COMO P O D E S D E S C A N S A R
ENTRE A P A R E N T E S P O D E R E S
E TE D E I X A R S E D U Z I R
P O R ESSES F A L S O S P R A Z E R E S ,
TU QUE VIESTE PRA S A L V A R
E, P E L O A M O R , L I B E R T A R
DA D O R A T O D O S O S S E R E S ? ! "

Q u a n d o o vento silenciou
Siddarta teve a certeza
de sua nobre missão
e, com toda a sutileza,
c o m e ç o u a imaginar
um modo de n ã o m a g u a r
o c o r a ç ã o da princesa. .
Sempre q u e os dois conversavam
Ele lhe dava a entender
que embora a amasse bastante
era bom ela saber
que ele j á fora avisado
de que seria c h a m a d o
para u m mais alto dever!

Apesar de ele falar


com todo jeito e cuidado
e fazê-lo em pleno leito,
no momento apropriado,
Yasodhara chorou tanto
que inundou com seu pranto
o peito do bem-amado.

Siddarta acordou-se um dia


decidido a caminhar,
c h a m o u seu criado — Channa —
mandou-o ao rei avisar
que queria ir à cidade,
ver gente, andar à vontade,
respirar um outro ar.

O rei pensou em negar,


mas sentiu que não devia,
concordou com o passeio
embora sem alegria.
Deu instruções ao criado
e tudo foi c o m b i n a d o
para a m a n h ã do outro dia
Antes, mandou q u e enfeitassem
os caminhos e a cidade
para que o filho só visse
beleza e felicidade
e n ã o pudesse encontrar
nada capaz de m a g u a r
sua sensibilidade.

Recolheram-se mendigos,
pobres, cegos, aleijados,
as ruas foram varridas,
os prédios todos lavados.
Doentes, feridos, leprosos
e até os homens, idosos
foram todos retirados.

Siddarta saiu com C h a n n a


no outro dia bem c e d i n h o ,
aplaudido pelo povo
durante todo o c a m i n h o .
De todas as direções
vinham manifestações
de entusiasmo e carinho.

As ordens de S u d d h o d a n a
eram sempre respeitadas:
as casas estavam limpas,
as avenidas lavadas,
as pessoas bem vestidas,
as ruas todas varridas
easpraçasembandeiradas
Tudo transcorria bem,
Siddarta estava contente
quando, de forma imprevista,
surgiu bem. na sua f r e n t e ,
um mendigo esfarrapado,
velho roto, esclerosado,
— um arremedo de gente!

O velho saiu aos gritos


p u l a n d o de entre a f o l h a g e m
e prostrou-se em plena estrada
no frente da c a r r u a g e m ,
c h a m a n d o a a t e n ç ã o de B u d a ,
i m p l o r a n d o a sua ajuda,
interrompendo a passagem.

Siddarta desceu do carro,


conversou com o ancião,
c o n t e m p l o u o seu estado
com profunda c o m p a i x ã o ,
deu-lhe o dinheiro que tinha
e, como a noite j á vinha,
regressou para a mansão.

Trancou-se em seus aposentos


c h a m o u Y a s o d h a r a e disse
para não ser perturbado
e, sem que ninguém o visse,
meditou por vários dias
sobre a dor, as agonias
e a solidão da velhice.
Saiu da meditação
bastante transfigurado,
n ã o se alimentava bem,
nada era de seu agrado.
Seu desejo era partir,
desaparecer, sumir,
abandonar o reinado!

Q u a n d o o rei soube de tudo


através de um seu criado,
ficou bastante abatido,
sentiu-se desmascarado.
Sonhava todos os dias
pensando nas profecias,
cada vez mais preocupado.

Siddarta, então, disse ao rei:


" A b r a os portões, um por um,
quero sair a m a n h ã
como um c i d a d ã o c o m u m ,
sem pompas, sem carruagem,
sem guardas, sem vassalagem
e sem aviso n e n h u m . "

Embora contra a vontade


o rei lhe deu permissão,
Siddarta saiu com C h a n n a
misturou-se à multidão,
conversou com lavradores,
ladrões, sábios,! mercadores
como homem, como irmão;
Sem as insígnias reais
percorreu toda a cidade
falou com pobres e ricos
discutia com a mocidade.
Quanto mais se a p r o f u n d a v a
mais sentia que ansiava
por conhecer a Verdade

Foi a templos, hospitais,


prisões asilos, escolas
viu milhares de mendigos
exibindo-lhe as sacolas,
viu a dor e a i g n o r â n c i a
e chorou de ver a i n f â n c i a
faminta, pedindo esmolas.

Ao se-afastar das muralhas


da cidade, r u m o ao Norte,
Siddarta ia deparar
u m a e m o ç ã o bem mais forte:
viu, sem poder fazer nada,
a luta desesperada
entre um m o r i b u n d o e a morte

C h a n n a e o príncipe a n d a v a m
q u a n d o surgiu, no caminho,
todo coberto de chagas
um c a m p o n ê s bem velhinho.
A peste o, tinha a t a c a d o
e o povo o t i n h a l a r g a d o
pra morrer ali, sozinho.
Quase morto, j á sem forças,
o ancião suplicava:
queria morrer em casa
onde a família o esperava.
Só encontrava indiferença,
porque a sua doença,
além do mais, contagiava..

A n t e o protesto de todos
inclusive seu criado,
Siddarta pegou o velho,
pôs nos ombros com c u i d a d o ,
levou-o à casa, correndo.
O velho acabou morrendo
mas antes foi confortado.

Siddarta. viu, transtornado,


sem nada poder fazer,
a luta do homem com a morte
e a morte, por fim, vencer.
Q u a n d o tudo consumou-se
c h a m o u C h a n n a e retirou-se
sem n a d a mais querer ver.

Recolheu-se em seu p a l á c i o
num sofrimento profundo,
meditou sobre a angústia
e a morte do m o r i b u n d o ,
vendo no acontecimento
a dor e o sofrimento
dos homens todos do mundo
Viu que a morte torna iguais
o pobre e o potentado
e o sofrimento nivela
o analfabeto e o letrado
que a riqueza a c a b a em ruína
e que o próprio amor termina
na perda do ser a m a d o !

Viu que o h o m e m vem ao m u n d o


n u m grito de sofrimento,
sofre a doença, a velhice,
sofre da morte o tormento
e volta em outra existência,
para c u m p r i r a sequência
de dor e p a d e c i m e n t o . . .

Depois de meditar muito


chegou a u m a conclusão:
n ã o lhe era mais possível
p e r m a n e c e r na mansão,
resolveu que iria embora,
sair pelo mundo afora,
c u m p r i r a sua missão!

R e n u n c i o u ao reinado,
hierarquia, propriedade,
esposa, fortuna, luxo,
para buscar a Verdade
e as origens da dor,
dedicar-se ao. puro amor,
libertar a h u m a n i d a d e !
Chamou, então, Yasodhara
apertou-a ao coração,
explicou-lhe as razões todas
de sua resolução
disse-lhe o quanto sentia,
mas que n ã o raais poderia
permanecer n a ilusão.

- " V O C Ê ME TEM DE D I R E I T O ,
MAS DE F A T O NÃO ME TEM.
SAIBA Q U E EU LHE A M O BASTANTE
LHE D E S E J O T O D O O BEM.
EU R E G R E S S A R E I P O R C E R T O ,
MAS SÓ V O L T A R E I L I B E R T O ,
P A R A SALVÁ-LA T A M B É M . "

A princesa tentou tudo


para o fazer desistir,
por fim, falou-lhe do filho
dos dois, que estava por vir.
Siddarta ouviu comovido,
mas já estava decidido
e então tratou de partir.

Todos dormiam na Corte,


era u m a noite estrelada.
Ele beijou Yasodhara
e saiu sem dizer nada,
m a n d a n d o Channa — o vassalo
preparar o seu cavalo
para aquela madrugada.
O criado a i n d a lhe disse:
— " D e i x a i parentes e amigos,
prazeres, riquezas, trono,
para viver com mendigos
pelas montanhas geladas,
entre as feras esfomeadas
e mil outros inimigos?!

" V ó s que tendes a fortuna


e o privilégio do trono,
largais toda essa riqueza
para viver no abandono,
sem ter nem sequer direito
ao terno calor de um leito
nas vossas noites de sono!

"Pensai na angústia do rei


ao notar vossa partida,
refleti no desespero
de vossa esposa querida
que vos deu o seu amor!
E nós, teus servos, Senhor,
que será de nossa vida?!"

Siddarta a b r a ç o u o a m i g o
e, sem querer ser severo,
olhou-o dentro dos olhos
e disse num tom sincero:
"PODES FICAR DESCANSADO,
T U D O ISTO J Á F O I P E N S A D O ,
É I S T O MESMO Q U E EU Q U E R O
" O A M O R Q U E , POR C O M O D I S M O ,
É C A P A Z DE SE P R E N D E R
À S C R I A T U R A S A QUE AMA
PRA DELAS T I R A R P R A Z E R ,
É UM SENTIMENTO EGOÍSTA.
FALSO, IMPURO, EXCLUSIVISTA,
Q U E DEVEMOS C O M B A T E R !

C U L T I V A R UM T A L A M O R
É SIMPLES H I P O C R I S I A .
AMO MEU PAI E A PRINCESA
MAIS DO Q U E A MINHA A L E G R I A .
J U S T A M E N T E P O R AMÁ-LOS
V O U P A R T I R , P A R A SALVÁ-LOS,
Q U A N D O EU V O L T A R , ALGUM D I A " .

O criado, banhado em pranto,


mostrava o quanto sofria.
Siddarta então lhe falau:
"PREPARA OUTRA MONTARIA,
J Á Q U E ÉS TÃO L E A L A M I G O ,
CAMINHA UM P O U C O C O M I G O ,
V E M ME F A Z E R C O M P A N H I A " .

Montado no seu cavalo,


deu u m a ú l t i m a olhada,
despediu-se dos jardins
de sua prisão dourada,
fazendo um aceno mudo,
num gesto de quem diz tudo.
nem precisar f a l a r nada.
Fitou o céu estrelado,
ás mãos sobre o c o r a ç ã o ,
saudou a lua ê as estreles
como a pedir proteção.
Lá longe, os astros brilharam,
num sinal de que a p r o v a r a m
a sua r e s o l u ç ã o . . .

C h a n n a seguia ao seu lado


sem entender o mistério.
Siddarta bastante alegre
o criado calado e sério.
C a v a l g a r a m noite afora
até que, ao r o m p e r da aurora,
chegaram no fim do império.

Ali mesmo na fronteira


do que fora o seu reinado,
Buda desceu do cavalo,
despediu-se do criado
e lhe pediu, com amor,
um derradeiro favor:
levar ao rei um recado.

Despiu-se de sua túnica


e do c i n t u r ã o real,
cortou toda a cabeleira
com a espada i m p e r i a l
e recomendou a Channa
que entregasse a S u d d h o d a n a
com seu amor filial:
" — L E V A T O D A S ESSAS C O I S A S
DE Q U E NÃO PRECISO MAIS,
MEU C A V A L O , MINHAS J Ó I A S ,
E AS MINHAS VESTES REAIS,
DIZ A SUA M A J E S T A D E
QUE EU VIREI COM A V E R D A D E
OU NÃO V O L T A R E I • A M A I S " !

Em torno de Rajagriha
— terras do rei Bimbisara
existem cinco montanhas,
são: Bipula, Baibhara,
Tapovan, Sailagiri
e, ao Leste, RatnagirL
Nesta, Siddarta ficara.

No dorso dessa montanha


de penhascos escarpados
descobriu uma caverna
onde pôs seus pés sagrados,
fez muitas meditações
entre tórridos verões
e crepúsculos gelados.

Passava os dias e as noites


em meditação tranquila
possuía o manto amarelo,
a marmita e uma mochila.
Quando a comida acabava
ele vinha e mendigava
nos arredores da Vila,
Brincava.comascrianças
c o n v e r s a v a a l g u n s momentos, .
r e t r i b u í a as esmolas
com m i i a g r a d e c i m e n t o s ,
voltava ao seu s a n t u á r i o ,
na c a v e r n a , solitário,
e n t r e g u e aos seus pensamentos.

G e r a l m e n t e ao meio dia
sentava-se a meditar,
f i c a v a até m e i a noite
em vigília, sem p a r a r ,
l e v a n t a v a , o l h a v a a lua,
d e i t a v a na r e l v a n u a
até o sol o acordar.

Quando a aurora começava


a despontar no horizonte,
Siddarta s a u d a v a o sol,
d e s c i a c o r r e n d o o monte,
até c h e g a r ao baixio,
t o m a v a b a n h o de rio
e bebia á g u a na fonte.

J u n t o às m o n t a n h a s v i v i a m
uns estranhos ermitões,
faquires fanatizados
q u e , entre horríveis c o n t o r ç õ e s ,
seu p r ó p r i o corpo a ç o i t a v a m .
e- assim se automultilavam
commilmortificações
Certo dia, o: Senhor B u d a
tomado de c o m p a i x ã o ,
foi ao chefe dos faquires
e quis saber a razão
daquela exibição fútil,
d a q u e l e flagelo inútil,
e ouviu esta e x p l i c a ç ã o :

" S e g u n d o o que está escrito


em nosso livro sagrado,
quem mortifica seu corpo
até ficar mutilado
e encontra, na dor, a morte,
modifica a sua sorte
e se livra do pecado".

Buda, então, lhe replicou:


" V Ê S ESSA NUVEM, I R M Ã O ?
VEM D O M A R F E I T O DE RIOS,
V I R A GOTA, VOLTA A O C H Ã O ,
S E R Á R I O , S E R Á MAR,
E TORNARÁ A VOLTAR
AO SEIO DA C R E A Ç Ã O . . .

VÈ, POIS, MEU C A R O E R M I T Â O ,


QUE O QUE É S E M P R E SERÁ...
ESSA M O R T I F I C A Ç Ã O
EM NADA TE M U D A R Á .
E A G O R A PEÇO QUE FALES:
P O R Q U E J U N T A R TANTOS MALES
A: V I D A Q U E J Á ' É M Á " 7!
" N O S S O C O R P O Ê N O S S O TEMPLO
Q U E D E V E SER P R E S E R V A D O ,
M O R A D A DE NOSSA ALMA
E SEU R E F Ú G I O S A G R A D O
P O R ONDE O L H A M O S P'RA F O R A .
COMO AGUARDAMOS A AURORA,
SE O C O R P O F O R M U T I L A D O ? ! "

O velho ermitão lhe disse:


" P o u p a i , pois, o corpo vosso.
Eu j á escolhi meu caminho,
mudá-lo agora n ã o posso.
Deixai que eu siga sozinho,
segui o vosso caminho,
nós seguiremos o nosso".

Buda voltou à caverna


com mais esse ensinamento:
cada homem faz de sua vida
sua glória ou seu tormento,
e escreve a própria sentença
conforme o modo que pensa
e o gráu de discernimento!

Depois, em meditação,
Buda poude perceber
este estranho paradoxo:
o desejo de viver
faz do h o m e m um suicida,
ou seja, é o apego à vida
que faz o homem morrer
Era o fio-da-meada
esta n o v a conclusão,
q u e r e n d o penetrar mais
no fundo dessa questão,
recolheu-se novamente,
voltou-se para o nascente
e entrou em c o n t e m p l a ç ã o .

A g o r a , só c o n t e m p l a v a ,
j á n ã o meditava mais,,
totalmente abstraído
dos sentidos materiais,
liberto das sensações,
dos sonhos, das emoções,
livre das ondas mentais»..,.

Muitas vezes se deixava


permanecer nesse estado
dias e noites seguidos,
alheio ao m u n d o extasiado,
entregue a contemplação,
sem ter a menor n o ç ã o
que o tempo tinha passado!

Um dia, Ele c a m i n h a v a
na planície, após o banho,
viu u m a nuvem de pó
que a c o m p a n h a v a um r e b a n h o
seguido de seus pastores,
e escutou uns estertores,
um certo- batido estranho.
Seguiu, de perto, as ovelhas,
apurou bastante o ouvido
até poder descobrir
de onde partira o gemido,
e notou um cordeirinho
desviado do caminho,
muito cansado e ferido.

Ao lado do borreguinho
saltitava um seu irmão,
enquanto sua m ã e berrava
na mais t r e m e n d a aflição,
sofrendo pelo destino
do filhote p e q u e n i n o
que agonizava no chão.

Diante daquele imprevisto


Buda se apiedou tanto
que pegou o cordeirinho
enrolou-o no seu manto,
pôs no colo, de mansinho,
e o conduziu com o carinho
de quem conduzisse um santo!

Despediu-se da m o n t a n h a
e seguiu em romaria,
disposto a ir com o cordeiro
aonde o rebanho iria,
a ovelha a fazer-lhe festa,
correndo pela floresta,
dando pulos de a l e g r i a . . .
Siddarta p o u d e sentir
nessa gratidão materna,
que v a l i a m u i t o mais
u m a atitude fraterna
de a m o r e c o m p r e e n s ã o
que um ano de r e c l u s ã o
no fundo de u m a c a v e r n a . . .

Ao meio-dia os pastores
p a r a r a m para a l m o ç a r .
Os carneiros, estrupiados,
trataram de se deitar.
Siddarta olhava os caprinos
temendo por seus destinos,
e resolveu perguntar:

"RESPONDEI-ME. I R M Ã O S P A S T O R E S ,
ONDE IDES E ONDE LEVAIS.
EM M E I O A O S O L INCLEMENTE
ESSES P O B R E S ANIMAIS.
NESSES C A M I N H O S P O E I R E N T O S ?
VEDE, E L E S E S T Ã O S E D E N T O S
E J Á NÃO S U P O R T A M MAIS!"

— " O nosso rei, Bimbisara,


mandou-nos a r r e b a n h a r
100 cabras e 100 carneiros
que ele irá sacrificar
hoje à noite, após o ofício,
e ofertar em sacrifício
aos deuses, n-o p é do a l t a r "
Siddarta pensou e disse:
" N Ã O TENDES CULPAS, EU SEI.
ESTAIS A P E N A S C U M P R I N D O
AS O R D E N S DE V O S S O REI.
IREI CONVOSCO À CIDADE,
V E R E I SUA MAJESTADE,
EU VOS A C O M P A N H A R E I ! "

Q u a n d o o sol baixou um pouco


amenisando o mormaço,
o rebanho foi tangido,
Siddarta seguiu-lhe o passo,
percorreu todo o c a m i n h o
conduzindo o carneirinho
ferido, embaixo do braço.

A t i n g i r a m a cidade
na hora do sol se pôr.
A p o p u l a ç ã o inteira
quis ver o estranho pastor
em cujos olhos brilhava
u m a luz que irradiava
compreensão, paz e amor.

Os soldados que faziam


sentinela, no portão,
olharam para Siddarta
como a u m a a p a r i ç ã o .
Não só lhe deram passagem,
mas renderam-lhe h o m e n a g e m ,
tal era a sua expressão.
As mulheres e as c r i a n ç a s
entraram correndo atrás
e perguntavam: Q U E M É
ESSE H O M E M , E O Q U E F A Z ?
CAMINHA COM TANTA G R A Ç A
E D E I X A P O R O N D E PASSA
UMA S E N S A Ç Ã O DE PAZ!

D i z i a m uns: " É UM P R Í N C I P E
QUE A B A N D O N O U SEU I M P É R I O
E EMBRENHOU-SE NAS M O N T A N H A S ,
DEDICADO AO MONASTERIO".
Outros diziam: É UM SANTO,
e tocavam no seu manto,
com ar respeitoso e sério.

Siddarta nada escutava


daquela especulação,
a n d a v a altivo e sereno
em p l e n a meditação,
até que um g u a r d a o pegou
pelo braço e o afastou
da pequena m u l t i d ã o .

Ele ainda saudou a todos


com um gesto de carinho,
a c o m p a n h o u o soldado
e, q u a n d o se viu sozinho,
foi seu p r i m e i r o cuidado
buscar um canto isolado
e tratar do borreguinho.
Foi ele m e s m o à c o z i n h a ,
conseguiu água fervida,
tratou bem do f e r i m e n t o ,
deu ao bicho á g u a e c o m i d a
e o deixou-o em c o m p a n h i a
da o v e l h a q u e tudo v i a
satisfeita e a g r a d e c i d a .

U m pastor f a l o u ao rei
q u e um h o m e m d e s c o n h e c i d o ,
h a b i t a n t e da m o n t a n h a ,
t i n h a o r e b a n h o seguido.
Tipo estranho — m e i g o e forte
e que s a l v a r a da m o r t e
um c o r d e i r i n h o ferido.

Na sala dos holocaustos


h a v i a um g r a n d e bulício:
Brâ.manes ( 2 ) c a n t a v a m m a n t r a n s ( 3 ) ,
iniciava-se o ofício,
as ovelhas a l i n h a d a s ,
de c a b e ç a s a m a r r a d a s ,
prontos p a r a o sacrifício.

Q u a n d o o rei e n t r o u na sala
c o m e ç o u o ritual:
um sacerdote, q u e orava,
parou, pegou o p u n h a l
foi p a r a a cabra presa,
a, i n e r m e , indefesa,
sangrar o animal!

- Bràmaues - Sacerdotes.- (Sânscrito)


j - Mràtraiscânti™? sagrados, item, liem.
\

Nisto, Buda entra correndo


e se interpõe, circunspecto
entre o sacerdote e a cabra!
Tão grave era o seu aspecto
que o sacerdote estacou,
e o próprio rei o encarou
ante o espanto de seu séquito!

Um silêncio indescritível
tomou conta da platéia.
V o c ê que l ê esta história
pode fazer u m a idéia
do horror generalisado
que esse gesto inesperado
causou n a q u e l a assembléia!

O rei olhou pra Siddarta


do alto de sua nobreza
e viu, além da coragem,
da bravura e da f r a n q u e z a
daquele mendigo pobre,
um porte sereno e nobre,
um toque de realeza!

Depois, voltou a sentar-se


j á mais t r a n q ü i l o e refeito.
Aí, Siddarta curvou-se,
as m ã o s postas frente ao peito,
pleno de serenidade,
saudou sua Majestade
com o mais profundo respeito.'
O rei não só respondeu
do príncipe a s a u d a ç ã o ,
mais ainda lhe fez um gesto
em que dava permissão
pra que Siddarta falasse
e à assembléia explicasse
as razões da intromissão.

— " P E R D O A I - M E MEU N O B R E R E I
POR INTERROMPER O OFICIO,
MAS N Ã O PUDE P R E S E N C I A R
O RITUAL DESDE O INÍCIO.
SEI Q U E NÃO A G I D I R E I T O ,
MAS EU NÃO TINHA O U T R O J E I T O
DE E V I T A R O S A C R I F Í C I O .

" V Ó S S A B E I S QUE A V I D A É F R Á G I L
T O D O S A PODEM T I R A R ,
E M B O R A NENHUM DE NÓS
TENHA O P O D t R DE A C R E A R .
A V I D A E UM D O M P R E C I O S O ,
DIVINO, M A R A V I L H O S O ,
QUE T O D O S Q U E R E M G O Z A R . . .

"ESSES C A R N E I R O S NOS O L H A M
A VÓS, A MIM, A O S P A S T O R E S ,
COMO A SANTOS, C O M O A DEUSES,
COMO A SERES SUPERIORES.
NO ENTANTO, Q U A N D O OS M A T A M O S
NÓS T O D O S NOS C O M P O R T A M O S
COMO S E R E S I N F E R I O R E S !
" O H O M E M QUE, NA A F L I Ç Ã O
D E SEUS MOMENTOS C R U C I A I S ,
SUPLICA A O S DEUSES CLEMÊNCIA
E J U R A NÃO P E C A R MAIS.
MATA ANIMAIS. I R M Ã O S SEUS,
ELE - QUE É I G U A L A UM DEUS
AOS O L H O S D O S ANIMAIS!

" P R O C E D E M DESSAS O V E L H A S
A L Ã E O P E L O MACIO
Q U E A Q U E C E M O S NOSSOS C O R P O S
NAS L O N G A S N O I T E S DE F R I O ,
SEU LEITE S A L V A AS CRIANÇAS,
Q U E C H O R A M , SEM E S P E R A N Ç A S ,
COM O E S T Ô M A G O V A S I O . . .

"NOSSO SANGUE, MAJESTADE.


TEM A MESMA C O R V E R M E L H A
E SE NUTRE, E SE A L I M E N T A
D A MESMA ETERNA CENTELHA
Q U E ANIMA E N U T R E I G U A L M E N T E
O S A N G U E P U R O E INOCENTE
DE UMA C A B R A OU DE UMA O V E L H A !

" A M E S M A CHISPA DIVINA


Q U E H A B I T A O MEU C O R A Ç Ã O
H A B I T A O DESSE C A R N E I R O ,
MEU S E M E L H A N T E E I R M Ã O .
FAZER. UM B I C H O M O R R E R
É O MESMO QUE INTERROMPER
O CICLO DA C R E A Ç Ã O ! . . .
" E S T A NOS L I V R O S S A G R A D O S
(E T O D O S V Ó S O S A B E I S )
A L E I DE CAUSA E E F E I T O
QUE É A MAIS S Á B I A D A S L E I S
P R E C Ò N I S A EM SEUS ANAIS:
R E I S J Á F O R A M ANIMAIS . .
E ANIMAIS J Á F O R A M REIS!

N Ã O S E R Á COM O S A C R I F Í C I O
DE UM A N I M A L I M O L A D O
Q U E OS DEUSES V I R Ã O S A L V A R
A NINGUÉM DE SEU P E C A D O .
UM DEUS QUE E J U S T O E CLEMENTE
N Ã O P O D E F I C A R CONTENTE
VENDO S A N G U E D E R R A M A D O !

"A JUSTIÇA UNIVERSAL


V Ê T O D O S N O S S O S MOMENTOS
E É SUMAMENTE I N P L A C Á V E L
EM SEUS S Á B I O S J U L G A M E N T O S ,
P R E M I A N D O A MAUS E BONS
CONFORME AS SUAS AÇÕES.
P A L A V R A S E PENSAMENTOS!

" S E G U N D O ESSA L E I D I V I N A
T O D O S OS S E R E S C R E A D O S
D A R Ã O CONTA, P E S S O A L M E N T E ,
DOS A T O S C E R T O S E E R R A D O S
S E J A M PUROS OU I M P U R O S
E, ASSIM, T O D O S OS F U T U R O S
SÃO O F R U T O D O S P A S S A D O S !
" S E NINGUEM S A C R I F I C A S S E
E S S E S P O B R E S INFELIZES,
SE T O D O S COMESSEM F R U T O S ,
GRÃOS, FOLHAS, ERVAS, RAÍZES,
NÃO HAVERIA MAIS GUERRA.
R E I N A R I A P A Z NA T E R R A
TODOS SERIAM FELIZES".

Q u a n d o o p r í n c i p e Siddarta
interrompeu seu sermão,
toda a assembléia, em silêncio,
tributou-lhe a p r o v a ç ã o .
Então, o rei levantou-se
juntou as mãos e curvou-se
saudando-o como a um i r m ã o .

Nesta altura, os sacerdotes


curvaram-se envergonhados,
d e r r u b a r a m um por um
seus altares inflamados
j o g a n d o fora os punhais
com que h á pouco os animais
estavam sendo sangrados.

No o u t r o dia, Bimbisara
que era um rei muito correto
m o n d o u sua assessoria
elaborar um projeto
que ele transformou em Lei
Eis o que dizia o rei
no texto de seu decreto.
FICA, A PARTIR DESTA DATA,
DECRETADA A PROIBIÇÃO
NOS E S T A D O S E P R O V Í N C I A S
D E T O D A NOSSA N A Ç Ã O ,
D E SE M A T A R ANIMAIS,
SEJA PARA RITUAIS
OU PARA ALIMENTAÇÃO.

Querendo dar a Siddarta


prova de agradecimentos,
Bimbisara ofereceu-lhe
os melhores aposentos
e mais a sua amizade,
pra ele ficar na cidade
transmitindo ensinamentos.

Siddarta agradeceu muito


as ofertas imperiais,
mas disse que o seu destino
não era as pompas reais
nem as luzes da cidade.
Ia em busca da Verdade,
precisava saber mais.

Disse-lhe o rei: Não nasceste


para viver no abandono,
mendigando pelas vilas
pobre como um cão sem dono.
T e r á s o' meu reine inteiro,
pois como eu n ã o tenho herdeiro
Tu herderás o meu trono".
— " J á que insistis — disse Buda
com a maior h u m i l d a d e —
Eu também tive o meu reino
trono, esposa, propriedade
e a tudo renunciei,
para conhecer a Lei
e procurar a Verdade.

"As montanhas são meu Lar,


a natureza é o meu teto.
Um dia, se eu descobrir
a L u z do Saber Correto,
virei por aqui de novo
para ensinar vosso povo
e resgatar vosso afeto".

V e n d o que a sua insistência


de n a d a lhe adiantasse,
o rei abraçou o príncipe,
depôs-lhe um beijo na face,
despediu-se sorridente
desejando ardentemente
que Siddarta triunfasse.

J á se passaram seis anos


de pesquisas incessantes,
de vigílias, de jejuns
e m e d i t a ç õ e s constantes.
Siddarta p e r m a n e c i a
buscando a Sabedoria
com a m e s m a sede de antes!
Na salda da c i d a d e
soube, de fontes diretas,
q u e nos bosques da m o n t a n h a
h a v i a sete profetas,
h o m e n s de c i ê n c i a r a r a ,
que eram Udra e Alara
c o m c i n c o outros ascetas.

F o i c o n v e r s a r c o m os sábios,
p o n d e r o u suas verdades,
discutiu s e g u i d a m e n t e
co'as sete c e l e b r i d a d e s
sobre a p a r t e e x o t é r i c a
e toda a c i ê n c i a esotérica
dos Verias (4' e Upanixades (5)

A c h o u bastante p r o f u n d o
o q u e esse g r u p o e n s i n a v a ,
m a s n ã o era, e s s e n c i a l m e n t e ,
o que Siddarta buscava.
Despediu-se dos ascetas
sem as r e s p o s t a c o n c r e t a s
q u e a sua a l m a p r o c u r a v a

A c a d a iDStante sentia
q u e a busca não era v ã .
A t i n g i u o rio Ganges
um dia pela m a n h ã ,
as á g u a s se m i s t u r a v a m ,
pois dois rios se e n c o n t r a v a m
— o Mohafta e o Vilajan.

(4 e 5) - Livros Sagrados Hiaíus (sànsoriio)


Tomou um banho e seguiu
sem destino, a caminhar,
até que uma intuição
lhe apontou para um lugar
e ele partiu confiante:
era o ponto culminante
da montanha Barabar.

Ali, ficou alguns meses


meditando noite e dia.
Entre a vigília e os jejuns
o seu tempo dividia,
dormia uns poucos minutos
e só comia alguns frutos
que a terra lhe oferecia

Certa tarde adormeceu


tão fraco e tão abatido
que permaneceu no sol,
prostrado, desíalecido.
Tão magro o seu corpo estava
que quem o visse pensava
que ele tivesse morrido.

Foi salvo por um pastor


vindo das bandas do Norte,
que lhe deu leite de cabra
e o retirou do sol forte.
Se não fosse aquela ajuda
certamente o Senhor Buda
teria encontrado a morte.
Quando, o príncipe acordou
o pastor tinha partido,
viu que ! o tiraram do sol,
sentiu que tinha comido,
extendeu o olhar de m o n g e ,
viu seu salvador l á longe
e o saudou, agradecido.

De outra feita, meditava


sob u m a árvore, sentado,
no mais completo silêncio
quando se viu despertado
por acordes musicais
que eram como madrigais
ao seu ouvido apurado.

Olhou e viu que era um g r u p o


de músicos e bailarinas
com seus vestidos bordados
e meias de sedas finas:
u m a verdadeira festa,
um bailado na floresta,
um sonho em meio às colinas.

Adiante, o grupo parou


de tocar e de d a n ç a r
e u m a das dançarinas
veio ao músico avisar:
afina a citara pra nós
na altura de nossa voz,
que agora vamos cantar.
A dançarina insistia
para que a a f i n a ç ã o
n ã o fosse alta nem baixa,
mas em um diapasão
em que existisse h a r m o n i a
entre o que a citara dizia
e o que falava a canção.

Q u a n d o o g r u p o foi-se embora
envolto em sua alegria,
Siddarta pôs-se a pensar
sobre o que a moca dizia:
"HARMONIA, AFINAÇÃO . . .
O QUE FALAVA A CANÇÃO...
O QUE A CÍTARA D I Z I A " . . .

Contemplou seu corpo magro


sobre a pele ressequida,
fitou o céu e falou
da forma mais decidida:
devo ter exagerado,
t a l v e z eu tenha esticado
demais as cordas da v i d a . . .

" O s meus olhos estão turvos,


embora eu veja a Verdade,
sinto que não vou ter forças
na hora da necessidade.
Vou poupar a m i n h a vida
para entregá-Ja em seguida
à causa da Humanidade!
Na cidade de Senani
ficou uma temporada,
quando sentiu que a saúde
j á estava recuperada
partiu dali para Bear
onde, enfim, iria achar
a meta t ã o almejada.

Nesta altura, era tão forte


o seu poder de vidência
que a o avistar uma árvore
teve plena consciência
que aquela copa frondosa
era a ficus religiosa
ou a Arvore da Ciência...

Dirigiu-se para a árvore


num passo determinado,
olhou para o firmamento
e fez seu voto sagrado:
" A G O R A , EU ME S E N T A R E I
E D A Q U I SÓ S A I R E I
OU M O R T O OU I L U M I N A D O ! "

Aqui, meu earo leitor,


nós vamos ter que parar.
Você vai respirar fundo,
eu também vou r e s p i r a r
pra ver se a gente consegue
extrair-do que se segue
o que há para assimilar...
Talvez me faltem palavra
porque a linguagem h u m a n a
é pobre para expressar
q u a l q u e r coisa soberana,
q u a n t o mais para exprimir
o que a l g u é m possa sentir
ao penetrar no NIRVANA!

C o m o expressar em palavras
de modo a ser entendido,
o estado em que a gente ouve
sem utilisar o ouvido,
enxerga sem a visão,
sente toda sensação
sem usar n e n h u m sentido?!

Como descrever a voz


a p a r e n t e m e n t e muda
do silêncio absoluto
q u e escutava o Senhor Buda?,
o som que n i n g u é m escuta,
a luta que não é luta,
a m u d a n ç a que não muda?!

C o m o explicar uma L u z
que está sempre a i l u m i n a r ,
envolve a todos os seres,
clareia em todo lugar,
brilha em todos os sentidos,
mas somente aos escolhidos
é dado vê-la brilhar?!
V e j a m o s até q u e p o n t o
poderei, leitor a m i g o ,
sem falsear a v e r d a d e
n e m v a c i l a r n o q u e digo
mostrar o q u e o B u d a v i u ,
p e r c e b e u , o u v i u sentiu
e o q u e se passou consigo:

L o g o q u e Ele se sentou
u m sol i m e n s o o e n v o l v e u ,
todo o céu iluminou-se,
a t e r r a i n t e i r a tremeu.
Riram-se os deuses e os Devas
p o r é m Mara — o rei das trevas -
lá no inferno estremeceu.

Mara — q u e quer dizer d i a b o


no i d i o m a dos h i n d u s —
q u a n d o viu B u d a sentar-se
c o n v o c o u seus belzebus
e ordenou-lhes sem rodeio
pra evitar por q u a l q u e r meio
q u e o Mestre encontrasse a L u z !

M a r a sentia estar p r ó x i m o
o f i n a l de seu r e i n a d o ,
pois s e m p r e q u e um A v a t a r ' 7 )
se t o r n a um I l u m i n a d o ,
p r o v a q u e o diabo é i l u s ã o
e, ao v e n c e r a t e n t a ç ã o ,
desmoralisa o pecado.

(6) .- Bras - saatos (Sânscrllo)


H) - Avitaf - MaMcâo Divina (Sãnswito),
Por isto, o inferno de Mara
tornou-se um Deus«nos-acuda:
c h a m o u todos os demônios
e exigiu-lhes sua ajuda,
mandou que se disfarçassem
e a todo custo evitassem
a I l u m i n a ç ã o de Buda!

Primeiro, veio o egoísmo


disfarçado de bomzínho
e disse ao Buda: ''Está bem
vou te mostrar o c a m i n h o
desde que tu te ilumines,
mas a n i n g u é m mais ensines —
Sejas Buda tu sozinho"!

Mas Buda, reconhecendo-o


rechaçou-o com firmeza:
" N Ã O C O N S E G U E S ME E N G A N A R ,
CONHEÇO A TUA ESPERTEZA,
S Ó I L U D E S A O S Q U E TE A M A M
E A SI MESMOS SE P R O C L A M A M
COMO DONOS DA C E R T E Z A " .

E assim desfilaram todos


os mais temíveis pecados:
o orgulho, a concupiscência,
os prazeres desvairados,
o ódio — o mais triste deles —
Buda venceu todos eles,
foram todos derrotados.
Nessa primeira vigília
vieram raios e tufões,
relâmpagos, tempestades,
tremor de terra, trovões,,
tudo isto Mara m a n d a v a ,
mas Buda continuava
entregue as meditações..

J á na segunda vigília
foi enviada por M a r a
aquela q u e , para Buda
era a l e m b r a n ç a mais cara:
mandou-lhe u m a bailarina,
linda, explêndida, divina,
disfarçada em Yasodhara.

Na visão ela dizia:


" V e m , me beija, és meu dono,
não vês, príncipe, que morro
devido ao teu a b a n d o n o ?
Vem, nosso leito te espera ?
deixa toda essa q u i m e r a
e volta pro nosso trono".

Mas B u d a identificou
n a q u e l a visão tão clara
que p r o c u r a d a envolvê-lo
na forma de Yasodhara,
mais um fruto da ilusão,
mais u m a : m a q u i n a ç ã o
da astúcía incirvel de Mara.
Quando Siddarta venceu
os pecados capitais
recolheram-se aos abismos
as legiões infernais
e Ele viu q u e inferno e céus
n ã o são mais q u e simples véus,
sonho, ilusão, nada mais!

Veio a terceira vigília:


liberto das tentações,
Siddarta viu c l a r a m e n t e
suas peregrinações
(lutas, vitórias, tormentas)
em um total de quinhentas
e c i n q u e n t a encarnações.

Nas vidas anteriores


viu seus bons e m a u s auspícios,
florestas, pântanos vales,
c a v e r n a s e precipícios,
prazeres, viscissitudes,
e o triunfo das dez virtudes
sobre a escravidão dos vícios.

V i u como, em cada existência,


colhia implacavelmente
o que h a v i a s e m e a d o
na existência precedente,
e a J u s t i ç a que o céu d á
n ã o é boa nem é m á ,
mas J u s t i ç a . . . simplesmente!
Na altura da meia noite
veio a mais bela visão:
B u d a entrou noutras esferas
onde sóis em profusão
i l u m i n a v a m às vidas
de galáxias escondidas,
n u m a quarta d i m e n s ã o .. .

Viu satélites girando


de m a n e i r a i n v a r i á v e l
em torno de seus sistemas
cada um mais formidável,
tudo obedecendo a um plano
infinito, soberano,
preconcebido e imutável!

Milhões de mundos r o d a n d o
à extrema velocidade,
se formando e se e x t i n g u i n d o
com u m a regularidade
capaz de causar espanto,
separados, e, entretanto,
Integrando u m a U n i d a d e ! . . .

Transpôs cimos, profundezas,


desvendou estratosferas,
viu atrás das aparências,
ouviu a l é m das esferas,
foi aos abismos mais fundos,
habitou todos os mundos,
viveu em todas as e r a s . . .
Ele, ,que j á tinha visto
a Lei de Causa e Efeito,
viu a Lei da E v o l u ç ã o
melhorando o que está feito,
F a z e n d o o Grande — M A I O R ,
Tornando o Bom — no M E L H O R ,
fazendo o Melhor — P E R F E I T O !

Viu que a m ã o do Absoluto


— essa Lei sempre i m u t á v e l —
constrói, conserva, destrói
de m a n e i r a inexorável,
depois, volta a construir,
conservar e destruir
c u m p r i n d o um ciclo infindável.

Durante a quarta vigília,


j á com sua a l m a liberta
e a superconsciên
inteiramente desperta,
Siddarta perceberia
o que, por certo, seria,
sua maior descoberta:

As Q U A T R O N O B R E S V E R D A D E S
que iriam ser a semente
de sua Filosofia
vieram simultaneamente
puras, claras, cristalinas,
como emanações Divinas
p o u s a d a s na sua mente!
Primeiro, ele percebeu
que A D O R Ê A S O M B R A DA V I D A
e, aí, poude ver a D O R
claramente refletida
na face da Humanidade.
Era a Primeira Verdade
que ficava esclarecida.

Pensou na CAUSA DA D O R
e percebeu num lampejo
e, ao perceber, proclamou:
"Sim, é claro, agora eu vejo,
as dores que ao mundo afligem,
todas elas têm origem
nas sensações, no DESEJO!

Estava assim descoberta


sua Segunda Verdade:
Sensação gera desejo,
desejo gera ansiedade,
ansiedade é dor, conflito,
e assim até o Infinito
e por toda a Eternidade!

Aprofundou ainda mais


a sua m e d i t a ç ã o ,
viu a Terceira Verdade
brotar no seu coração
vinda da Fonte da Vida,
pode bem ser resumida
nesta simples equação:
Sabendo que. A V I D A É DOR
e A D O R VEM DA SENSAÇÃO,
quem perceber que os sentidos
não passam de u m a ilusão,
s u b l i m a a existência h u m a n a
entra na Paz do Nirvana
e alcança a libertação...

A Quarta Nobre Verdade


aponta o C a m i n h o ou V i a
de Oito Etapas, que resume
o cerne e a Filosofia
do Budismo original
— profundo m a n a n c i a l
de pura sabedoria!

Essa Estrada de Oito Vias


nem sempre é bela e florida,
tem desvios, precipícios
— como os caminhos da vida —
exige muita prudência,
retidão e p a c i ê n c i a
pra poder ser percorrida.

Ê o caminho tortuoso
pontilhado de aflição,
mais, como tudo o que é duro
tem sua compensação:
é a Estrada que conduz
à Pas, à Verdade, à L u z
e à Verdadeira. União.
Finalmente, é a Grande V i a
pela qual a R a ç a H u m a n a
livre das superstições
caminhará soberana,
encontrará Liberdade,
vislumbrará a Verdade
e atingirá o Nirvana!

As primeiras Quatro Vias


são mais simples, mais diretas,
visam todas as creaturas
— cultas ou analfabetas.
Seus quatro preceitos são:
CRENÇA, P A L A V R A , INTENÇÃO
e mais CONDUTA corretas!

As segundas quatro vias


mais difíceis, mais completas
destinam-se mais aos monges,
aos discípulos e ascetas.
Constam de: M E D I T A Ç Ã O ,
PENSAMENTO, S O L I D Ã O
E A P U R E Z A corretas!

Neste ponto, o Senhor Buda


foi voltando aos seus sentidos.
Apalpou o próprio corpo
com seus dedos doloridos,
experimentou o tato,
provou o gosto e o olfato
e apurou bemosouvidos
Por último, a abriu os olhos
sob a árvore bendita
vivendo uma sensação
t ã o Divina, tão bonita,
tão forte, t ã o colorida,
que poderá ser vivida,
mas não pode ser descrita!

Ergueu-se, respirou fundo,


c a m i n h o u pelo deserto.
Agora, sim, era O B U D A ,
o D U A S VEZES D E S P E R T O ,
Liberto dos sofrimentos,
da Roda dos Nascimentos
e Mortes, enfim LIBERTO!

Atravessou a montanha
pregou em vários lugares
Escolheu cinco discípulos
na cidade de Benares,
Falou-lhes seguidamente
e os instruiu verbalmente
nas verdades basilares.

Depois, no parque dos Gamos


cinquenta e quatro senhores
e mais o príncipe Yasad
tornaram-se seguidores
do mestre amado singelo,
vestiram .o. manto a m a r e l o
e foram ser pregadores.
Aos sessenta novos monges
B u d a entregou com carinho
as Verdades e os Princípios
escritos num pergaminho
e pediu-lhes que viajassem
pregando aos que desejassem
sobre as Vias e o Caminho.

J á fazia sete anos


que Siddarta se ausentara
das terras de S u d d h o d a n a ,
de C h a n n a e de Yasodara.
Era tempo de voltar,
mas, antes, quis visitar
o reino de Bimbisara.

Na cidade florestal
permaneceu alguns dias
p r e g a n d o as Q U A T R O V E R D A D E S
e o Caminho de O I T O VIAS.
E n q u a n t o B u d a pregava
a cidade fervilhava
em constantes romarias.

Como fruto imediato


dessa r á p i d a passagem,
mais 900 discípulos
a p r e e n d e r a m a mensagem,
fizeram suas opções,
r e c e b e r a m instruções
eempreenderamviagem.
Nessa altura, Suddhodana.
j á tinha sofrido horrores:
m a n d a r a nove recados
por diversos portadores,
mas seus homens! não voltavam
ouviam Buda e ficavam
tornavam-se seguidores.
..

Na mesma situação
se encontrava Yasôdhara
mandou vários emissários,
diversas cartas m a n d a r a .
Nem emissários nem carta,
todos a c h a r a m Siddarta,
mas nenhum só regrassara.

Por fim, o rei Suddhodana


botou n u m a carruagem
o seu ministro Udsty
e instruiu o personagem,
solicitando-lhe ajuda:
entregar em mãos de Buda
sua d é c i m a mensagem.

J u n t o ao J a r d i m dos Bambus
u m a grande multidão
c o n t e m p l a v a o Senhor B u d a
sentado em meditação.
O ministro aproximou T se,
sentou-se aos seus pés, curvou-se
e pôs-lhe a carta na mão,
Na hora em que o Senhor B u d a
voltou novamente a si,
leu a meusagem do rei
e falou para Udaiy:
"Ide e anunciai ao rei
que irei, certamente, irei
logo que eu partir daqui.

Quando o rei anunciou


que Siddarta voltaria
houve: em Kapilavastu
u m a explosão de alegria
desde a cidade à floresta,
todo o povo entrou em festa
a partir daquele dia.

Deixo a critério, leitor,


de sua i m a g i n a ç ã o ,
ver a pompa, o luxo, o brilho,
o requinte, a ostentação
com que o rei se preparou
e a cidade engalanou
p a r a aquela recepção!

Ergueu p a v i l h ã o de flores
no portão Sul do reinado,
o c a m i n h o até o p a l á c i o
foi todo ele atapetado
de rosas, cravos, jasmim,
sândalo, lírio e alecrim
era u m Éden perfumando.
Para t o m a r o parcurso.
mais enfeitado e mais belo,
escolheu 100 bailarinas
que, vestidas cie amarelo,
d a n ç a r i a m num bailado
desde o p a v i l h ã o dorado
até o portão do castelo!

Yasodhara preparou-se
com todo esmero e cuidado
vestiu seu vestido de ouro
que h á muito estava guardado,
C h a m o u seu filho — R a u l —
e foi para o portão sul
esperar seu bem amado!

Mandou ocultar o carro


por detrás de um arvoredo
e ali deixou-se ficar
escondida, desde cedo,
os olhos fixos na estrada,
t r e m e n d o , descontrolada,
com alegria e . . . com medo!

Passava do meio dia


q u a n d o ela viu um ermitão
pedindo esmolas nas casas,
passos firmes, pés no chão,
a túnica a m a r e l a d a ,
com a cabeça raspada
e u m a marmita na mão.
Notou que dois outros monges
lhe faziam c o m p a n h a
os três c a m i n h a v a m juntos,
porém só ele pedia,
viu que as c a s a s s e t a c h a v a m
e as pesssoas se j u n t a v a m
à multidão que os seguia.

Q u a n d o Ele se a p r o x i m o u
à frente do povaréu,
a princesa, ainda em dúvida,
levantou-se, ergueu o véu
reconheceu-o e, por fim,
prostrou-se e ficou assim
como quem e n t r a . . . no céu!

Abraçou-o e. nesse a b r a ç o
percebeu um novo encanto,
u m a sensação diversa
da que antes sentira tanto:
não era o abraço do h o m e m
a quem as paixões consomem,
era o a b r a ç o do Santo.

Em vez da a r d ê n c i a e calor
daquela p a i x ã o voraz
que envolvia os seus abraços
h á sete anos atrás,
agora, apenas sentia
e m a n a ç õ e s de alegria,
vibrações de pura paz.
Num relance, Yasodhara
sentiu que sua ansiedade
transformou-se em um estado
de plena serenidade.
Naquele a b r a ç o tão casto
sentiu um amor bem mais vasto
porque era a m o r de verdade.

Q u a n d o o rei soube que o filho


chegou feito um ermitão
pedindo esmolas aos pobres,
deu trinta murros no chão
decidido a espinafrá-lo,
esporeou seu cavalo
e foi para o pavilhão.

Mas seu ódio foi cedendo


q u a n d o viu a multidão.
Era u m a a v a l a n c h a h u m a n a
vindo em sua direção.
Tratou de ir-se desmontando
e foi a pé, c a m i n h a n d o ,
no r u m o da procissão.

Q u a n d o Siddarta o avistou
lançou-lhe um olhar tão pleno
de bondade, de ternura,
tão divino, tão sereno,
com tanto amor o a b r a ç o u
que ali mesmo o rei parou
de destilar seu veneno.
Mesmo assim, ainda lhe disse:
" P o r que fizeste isto, filho?
Eu engalanei teu reino
com toda essa pompa e brilho
para gozá-lo contigo
e voltas feito um m e n d i g o
pobre, roto, m a l t r a p i l h o ? ! "

Buda c a m i n h a v a altivo
como em estado de G r a ç a .
Parou, contemplou o povo
c o m p r i m i d o em meio à praça
e disse ao rei: " E S C U T A I ,
ESTE MEU T R A J O , MEU PAI,
É O T R A J O DE MINHA R A Ç A ! "

O rei, porém, retrucou:


" T u a r a ç a é menos modesta!
Pertences a u m a linhagem
que teve cem reis à testa!
Cem tronos te precederam,
cem reis nos a n t e c e d e r a m !
Não! Tua r a ç a não é esta"!

- N Ã O V O S R E F I R O , MEU PAI,
MINHA L I N H A G E M M O R T A L ,
MAS A MINHA D E S C E N D Ê N C I A
INVISÍVEL, MAS R E A L ,
DOS BUDAS — ILUMINADOS —
OS A N T I G O S E O S P A S S A D O S ,
A MINHA E S T I R P E I M O R T A L !
«NAO, P R E T E N D O VOS, M A G U A R
NEM C A U S A R - Q U A L Q U E R D E S D O U R O ,
MAS ESTE MANTO A M A R E L O
— QUE É MEU Ú N I C O T E S O U R O —
É O TRIUNFO DA PUREZA
S O B R E AS P O M P A S E A R I Q U E Z A
D E Q U A L Q U E R I N P É R I O DE O U R O !

" O IMPÉRIO QUE EU VOS T R A G O


É O I M P É R I O DA H U M I L D A D E ,
D O A M O R , D O BEM, D A V I R T U D E ,
D A P A Z , DA F R A T E R N I D A D E ,
D A R E N Ú N C I A , DA A L E G R I A ,
D A FÉ, D A S A B E D O R I A ,
— É O I M P É R I O DA V E R D A D E !

IMPÉRIO DE QUEM TRIUNFOU


S O B R E T O D A S AS P A I X Õ E S ,
T R I U N F O U S O B R E SI PRÓPRTO,
SEUS D E S E J O S E AMBIÇÕES,
SOBRE O DESTINO E A SORTE,
SOBRE A VIDA, SOBRE A MORTE
E TODAS AS ILUSÕES!

Q u a n d o B u d a silenciou
notou cora toda c l a r e z a
l á g r i m a s de c o m p r e e n s ã o
nos olhos de sua A l t e z a .
Caminhou transfigurado
C o n d u z i n d o o rei, de u m lado,
e, do outro, o f i l h o e a princesa.
Na fronte do Senhor Buda
brilhava uma aura lilás.
E assim entrou no palácio,
seus parentes logo atrás
e a partir daquele dia
todos entraram na Via
do Amor, da Luz e da Paz!

Depois de ficar uns dias


junto aos seus familiares,
pregou a uma multidão
que se contava aos milhares.
Foi uma noite de glória
que permaneceu na História
com o S E R M Ã O DE B E N A R E S !

Contam os livros antigos


que a noite era enluarada
e que a Cidade dos Templos
estava superlotada
j á há mais de uma semana.
Toda a nação indiana
lá estava representada.

Buda curvou-se ante o povo,


depois, sentou-se no solo.
O rei sentou-se à esquerda
sem pompa, sem protocolo
é Yasodhara à direita
feliz, em paz, satisfeita,
coro o seu filho no colo.
Buda começou íalaodo
das Q U A T R O NOBRES V E R D A D E S
-seu sentido, seus valores,
suas generalidades
e explicou uma por uma
sem se esquecer de nenhuma
as suas finalidades.

Explicou como aplicá-las


para vencer as paixões,
como é possível vencer
sofrimentos e aflições,
como encontrar a Verdade,
a Paz e a Felicidade
dominando as sensações.

Esclareceu com exemplos


a Lei de Causa e Efeito,
mostrou como o homem recebe
conforme o qun tiver feito
noutras vidas, no passado:
colhe o mal se agir errado,
colhe o bem se agir direito.

Segundo essa Lei tão sábia


Cada um é o seu juiz:
não pode dizer que é pobre
ou mau porque Deus o quis.
Conforme AGE, FALA e PENSA
terá sua recompensa,
será feliz ou i n f e l i z . . .
Mostrou como funciona
a Lei da Evolução:
como tudo que é ereado
se encontra em transformação,
cresce, se expande, evolui,
murcha, contrai-se, involúi,
volta ao seio da Creação!

Dissertou sobre os pecados:


o orgulho, a intolerância,
a gula, a inveja, o ódio,
luxúria, apego, a r r o g â n c i a
e mostrou que todos eles,
sem excluir nenhum deles
resultam da ignorância!

Mostrou, depois, que a Virtude


funciona do mesmo jeito,
ou seja, o ignorante
da Lei de Causa e Efeito
vive num emaranhado
entre a virtude e o pecado
sem saber o que é direito . . .

Explicou em termos simples


úteis para o dia-a-dia
o Caminho de Oito Etapas
mostrando via por via
de maneira que a assistência
entendesse toda essência
da sua Filosofia.
E n c e r r o u o seu discurso
ensinando" a m u l t i d ã o
os c i n c o preceitos-chave
para a purificação,
um v e r d a d e i r o tesouro —
s ã o as c i n c o regras de ouro
p r a atingir-se a p e r f e i ç ã o .

A p r i m e i r a dessas regras
se r e s u m e s i m p l e s m e n t e
em: NÃO MATAR OU FERIR
A QUALQUER UM SER VIVENTE.
Plantas, pedras e a n i m a i s
t ê m existências iguais
as existências da gente.

A s e g u n d a é: NÃO TOMAR
coisa alguma a ser algum
POR FRAUDE ou POR VIOLÊNCIA,
NÃO ROUBAR A HOMEM NEHNUM.
Se só possuis um c r u z e i r o
os milhões do m u n d o inteiro
vaiem menos q u e o teu UM . . .

A regra n ú m e r o três
para o h o m e m evoluir
é: FALAR SEMPRE A VERDADE
n ã o c a l u n i a r ou trair
j a m a i s a pessoa a l g u m a
sob hipótese n e n h u m a ,
em resumo: NÃO MENTIR! 90
A regra número quatro
preceitua e especifica:
EVITAR TODAS AS DROGAS
E TUDO QUANTO 1NT0XICA.
O corpo é um templo sagrado:
se ele está purificado
a alma se purifica.

Finalmente, a quinta regra


prever com toda a clareza:
RESPEITO À MULHER ALHEIA
para viver em pureza
não cometendo jamais
quaisquer pecados carnais
contra as Leis da Natureza!

Durante u m a noite inteira


a sua voz cristalina
pregou o amor e a renúncia
— bases de sua Doutrina.
Nem seu filho cochilava
como a dizer que aceitava
aquela herança Divina . . .

Nunca, na história do mundo


se ouviu discurso mais belo!
Quando ele acabou, o rei
beijou-o de modo singelo,
fez-se um de seus companheiros
e quis ser um dos primeiros
a usar o manto amarelo.
Depois dessa noite histórica
despediu-se de Benares
e por quarenta e cinco anos
pregou em templos, altares,
vilas, fazendas, cidades,
levando as Quatro Verdades
aos mais diversos lugares.

Aos 77 anos
Buda — o exemplo da Virtude —
estava em K u s i n a r a ,
mesmo na Província de UDH
e previu seu desenlace
muito embora ainda gozasse
de absoluta saúde!

U m a certa madrugada
do A n o 620,
B u d a c h a m o u um discípulo
que foi seu ú n i c o ouvinte
e, num tom de voz bem suave,
naquele momento grave
lhe transmitiu o seguinte:

"Cumpriu-se a m i n h a missão
Dentro em p o u c o partirei
Vós e os vossos c o m p a n h e i r o s
Sabeis tudo o que ensinei.
Tomai meus ensinamentos
e pregai aos quatro ventos
A Estrada, a Verdade, a LEI"!
O monge saiu correndo
para avisar aos demais,
mas a alma do Senhor Buda
j á não era entre os mortais,
pairava em pleno Nirvana,
livre da cadeia humana,
nas regiões siderais!

Passados vinte seis séculos,


um terço da Humanidade
em todos os Continentes
cultua com humildade
mas mesquitas e nos templos
os seus imortais exemplos
de ETERNO AMOR À V E R D A D E !

Desculpe, amigo leitor,


as falhas do meu relato.
Entrouporperna-de-pinto,
saiu por perna-de~patio,
O Rei mandou-me dizer
pra nunca mais ma meter
Nos mistérios do B u d a t o , . .

OM! Shanti, Shanti, Shanti!

—-—- FIM -

Paraíba, Brasil, 1977 9 3


Errata
Pág. 6 - 4 a . estrofe - 7^. l i n h a
leia: saudando o recém nascido.
Pág. 14 - 23. estrofe - 4&. linha
leia: profunda e muito bonita
Pág. 18 - 2-, estrofe - JA l i n h a
leia: D e w a t t a exigiu que o cisne
Pág. 43 - 2&. estrofe - 7&. linha
leia: nas vossas noites de sono?
Pág. 60 - 4&. estrofe - 3&. linha
leia: m a n d o u sua assessor ia
Publicação N9. 11

P u b l i c a d o com a C o l a b o r a ç ã o da
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

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