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Qual é o seu negócio?

Theodore Levitt
30 de dezembro de 2011

Embora a administração de empresas costume ser tratada como ciência, o executivo


experiente sabe que decisões e táticas estratégicas dependem, e muito, do contexto.
Ninguém entendeu melhor esse fato do que Theodore Levitt (1925-2006). Professor da
Harvard Business School celebrado como o fundador do marketing moderno, Levitt buscou,
acima de tudo, colocar suas ideias a serviço das necessidades de homens e mulheres de
negócios. Em uma série de ensaios inspirados – e escritos com maestria – na Harvard
Business Review, Levitt incitou o leitor a reexaminar velhas convenções sobre temas
fundamentais para poder servir melhor a clientela.
Levitt tinha o dom da provocação e da generalização. Suas ideias chocavam o leitor, mas
também o obrigavam a pensar de modo mais criativo e inteligente sobre o próprio negócio.
Escrevendo em uma época na qual a atividade empresarial não era tão prezada, Levitt
reprovava o desprezo de muitos intelectuais por gestores e consumidores.

Levitt trouxe essa abordagem prática ao cargo de editor-chefe da Harvard Business Review,
que exerceu entre 1985 e 1989. Um dos mais intelectuais e popularizantes editores da
revista, Levitt sabia que a principal função da HBR era ser uma tradução sofisticada de
ideias cruas do autor para leitores impacientes, com pouco tempo a perder.

Este tributo a um dos grandes cérebros da administração traz trechos de seis dos artigos
mais influentes de Levitt para a HBR:

 “Miopia em marketing” (julho-agosto de 1960)


 “Depois da venda…” (setembro-outubro de 1983)
 “Sucesso no marketing pela diferenciação – de qualquer coisa” (janeiro-
fevereiro de 1980)
 “Abordagem de linha de produção aos serviços” (setembro-outubro de 1972)
 “A globalização dos mercados” (maio-junho de 1983)
 “Criatividade não basta” (maio-junho de 1963)

Ted Levitt instou o executivo a colocar o cliente no centro das atenções – e o marketing no
centro da estratégia. A seguir, algumas de suas grandes ideias.
Nota do editor: embora a administração de empresas costume ser tratada como ciência, o
executivo experiente sabe que decisões e táticas estratégicas dependem, e muito, do
contexto. Ninguém entendeu melhor esse fato do que Theodore Levitt. Celebrado como o
fundador do marketing moderno, Levitt buscava, acima de tudo, colocar suas ideias a
serviço das necessidades de homens e mulheres de negócios. Em uma série de ensaios
inspirados – e escritos com maestria – na Harvard Business Review, Levitt incitou o leitor a
reexaminar velhas convenções sobre temas fundamentais para poder servir mais bem a
clientela.
Theodore Levitt nasceu em Vollmerz, Alemanha, em 1925. Dez anos depois, assim como
outro emigrante chamado Peter Drucker, Levitt e família desembarcavam nos Estados
Unidos fugindo da escalada do nazismo. Foram se instalar em Dayton, Ohio, e em 1940
viravam cidadãos americanos. Com a conclusão do doutorado em economia em 1951, Levitt
acabou integrado ao corpo docente da Harvard Business School, onde ficou até se
aposentar, em 1990.
Sua obra acadêmica foi, a princípio, bastante convencional. A mudança veio em 1960,
quando a HBR publicou seu artigo mais famoso, “Miopia em marketing”. Mais do que um
artigo, era um manifesto. Percorrendo trilhas abertas por ele próprio e outros estudiosos,
Levitt teceu uma tese contundente: a de que a empresa deveria deixar de se definir por
aquilo que produzia e passar a agir em torno de necessidades do cliente. Até então,
ninguém fizera defesa tão calorosa e prática da organização em função do cliente, ideia que
até hoje influencia práticas de marketing – conforme mostrou Clay Christensen em
dezembro passado em um artigo na HBR, “Imperícia no marketing”.
Levitt queria que “Miopia em marketing” servisse de desafio para toda empresa, e não só
para o departamento de marketing. Vinte e três anos depois, o artigo “Globalização do
mercado” contava uma história similar, em escala maior. Para tirar proveito da globalização,
escreveu, a empresa deveria levar ao máximo a padronização, pois o que o público mais
quer é o preço baixo e a qualidade trazidos pela estratégia. O catequizador do marketing
agora louvava empresas com forte base de engenharia e marketing nulo – mas que
entendiam a oportunidade estratégica aberta pela globalização. Mais uma vez seu estilo
incisivo atraiu atenção e provocou debate – e também críticas sobre suas declarações tão
taxativas. O que essa crítica não captou foi a mensagem maior – de novo, aquilo que o
consumidor realmente busca.

Levitt tinha o dom da provocação e da generalização. Suas ideias chocavam o leitor, mas
também o obrigavam a pensar de modo mais criativo e inteligente sobre o próprio negócio.
Escrevendo em uma época na qual a atividade empresarial não era tão prezada, Levitt
reprovava o desprezo de muitos intelectuais por gestores e consumidores. Festejava as
conquistas materiais de empresas e foi capaz de prever o poder que teriam no longo prazo.
Foi um dos autores mais prolíficos da HBR, na qual publicou 26 artigos – número superado
apenas por Peter Drucker.
Levitt trouxe essa abordagem prática ao cargo de editor-chefe da Harvard Business Review,
que exerceu entre 1985 e 1989. Oitavo editor da revista, foi ao mesmo tempo um dos mais
intelectuais e popularizantes. Levitt sabia que a principal função da HBR era ser uma
tradução sofisticada de ideias cruas do autor para leitores impacientes, com pouco tempo a
perder. Como autor e editor, simbolizou a busca incessante do imbricamento entre teoria e
prática, marca da revista.
Para Levitt, o administrador ideal era alguém que, em meio à agitação de reuniões,
telefonemas, dados do mercado financeiro, jornais, revistas e apresentações de consultores,
mostrava desprezo pelo burburinho e insaciável apetite pelo conhecimento. Em uma carta
ao leitor em 1987, escreveu: “A Harvard Business Review traz a contribuição embasada de
uma linha de pensamento e atuação altamente profissionais – com artigos escritos por
especialistas e profissionais tarimbados e voltados a pessoas importantes que tomam
decisões importantes sobre temas importantes. A nosso ver, é disso que precisa – e é isso
que quer – um administrador responsável em um mundo instável, marcado pela
popularização inconsequente e pelo culto à celebridade”. O próprio Levitt foi o melhor
exemplo desse ideal.

Miopia em marketing
Publicado em julho-agosto de 1960

Todo setor importante foi, um dia, um setor em crescimento. Mas alguns dos setores hoje
envoltos em uma onda de entusiasmo expansionista já estão à sombra do declínio. Outros,
tidos como setores em perene crescimento, na verdade deixaram de crescer. Em cada caso
desses, a razão pela qual o crescimento foi ameaçado, desacelerado ou interrompido não foi
a saturação do mercado. Foi uma falha na administração (…).

O setor ferroviário não parou de crescer porque a necessidade de transporte de passageiros


e carga diminuiu. Subiu, isso sim. O setor ferroviário não passa por dificuldades porque tal
necessidade foi atendida por outros meios (automóveis, caminhões, aviões, até telefones),
mas porque não foi atendida pelo setor. As ferrovias perderam clientes porque achavam que
seu negócio era o ferroviário, e não o de transporte. E erraram ao definir sua área de
atuação porque voltaram o foco a estradas de ferro, e não ao transporte. Voltaram o foco ao
produto, e não ao cliente (…).

A tese de que o lucro é garantido por uma população em expansão, e cada vez mais
afluente, cala fundo no coração de todo setor. Aplaca o temor que todos sentem,
compreensivelmente, acerca do futuro. Se os consumidores estão se multiplicando e
comprando em maior volume seus produtos ou serviços, é possível encarar o futuro com
muito mais tranquilidade. Um mercado em expansão poupa o fabricante da necessidade de
pensar ou de usar a imaginação. Se pensar é a reação intelectual a um problema, quem não
tem problemas não precisaria pensar. Se o produto tem um mercado que se expande
automaticamente, a empresa não perderá tempo pensando em como expandi-lo (…).

(…) O apelo do lucro da produção em massa obviamente vai constar dos planos e da
estratégia da empresa, mas deve sempre vir depois de uma reflexão profunda sobre o
cliente. Essa é uma das lições mais importantes a se tirar do comportamento contraditório de
Henry Ford. De certa forma, Ford foi o mais brilhante e o mais insensato homem de
marketing da história americana. Insensato porque se recusava a oferecer ao cliente outra
opção que não um automóvel preto. Brilhante porque criou um sistema de produção para
acomodar as necessidades do mercado. Em geral, Ford é saudado pelo motivo errado: a
genialidade na produção. Mas Ford brilhou mesmo no marketing. Diz-se que Ford conseguiu
derrubar o preço e, assim, vender milhões de automóveis de US$ 500 porque a linha de
montagem que inventara permitiu que cortasse custos. Na verdade, Ford inventou a linha de
montagem porque concluíra que, a US$ 500, poderia vender milhões de carros. A produção
em massa foi o resultado, e não a causa, de seus preços baixos (…).

(…) Comecemos do princípio: o cliente. Já está provado que o motorista abomina o


inconveniente, a demora e a própria experiência de comprar gasolina. Na realidade, as
pessoas não compram gasolina – não é um produto que vejam, provem, sintam, apreciem
ou mesmo testem. O que compram é o direito de continuar dirigindo o carro. O posto de
gasolina é como um cobrador de impostos a quem as pessoas são obrigadas a pagar uma
taxa periódica para poder usar o veículo. Isso torna o posto de gasolina uma instituição
impopular – e que nunca será popular ou agradável, apenas menos impopular, menos
desagradável.

Reduzir completamente sua impopularidade significaria erradicá-lo. Ninguém gosta do


cobrador de impostos, nem que seja simpático e alegre. Ninguém gosta de interromper a
viagem para comprar um produto fantasma, nem que seja de um belo Adônis ou de uma
sedutora Vênus. Logo, empresas hoje às voltas com a busca de combustíveis alternativos
exóticos que eliminariam a necessidade de reabastecimento constante vão cair nas graças
de irritados motoristas (…).

Para formar essa clientela, a corporação inteira deve ser entendida como um organismo que
visa à criação e à satisfação do cliente. A direção deve se enxergar não como fabricante de
produtos, mas como provedora de uma satisfação que gera clientes. Deve promover essa
ideia (e tudo o que ela significa e exige) em todos os cantos da organização. Isso tem de ser
feito continuamente e de modo a atrair e estimular as pessoas ali dentro. Do contrário, a
empresa será simplesmente uma série de compartimentos isolados, sem nenhum sentido
comum de propósito ou direção.

Depois da venda.
Publicado em setembro-outubro de 1983

A relação entre vendedor e comprador raramente termina quando a venda é concluída.


Cada vez mais, se intensifica depois da venda e ajuda a definir a escolha do comprador na
transação seguinte. Essa dinâmica é observada sobretudo com serviços e produtos que são
alvo de uma série de transações entre vendedor e comprador – serviços financeiros,
consultoria, serviços terceirizados, equipamento militar e aeroespacial e bens de capital.

A venda simplesmente consuma a corte. Ali começa o casamento. Se essa união será boa
ou não vai depender de como o vendedor administra a relação, e a qualidade do casamento
determina se os negócios terão continuidade ou crescerão, ou se haverá problemas e o
divórcio. Em certos casos – um grande projeto de construção ou instalação em andamento,
por exemplo – o divórcio é impossível. Se há um ônus para a união, a reputação do
vendedor sai manchada (…).

(…) No esquema [tradicional] o vendedor está situado a uma certa distância dos
compradores e se vale de um departamento de vendas para levar a eles seus produtos.
Essa é a base para a noção de que o vendedor deve ter carisma, pois é o carisma, e não
atributos do produto, que faz o negócio ser fechado.

Peguemos, agora, o marketing. Aqui, o vendedor, fisicamente próximo dos compradores,


entra no domínio deles para descobrir necessidades, anseios e medos – e, então, projeta e
fornece um produto com isso tudo em mente. Em vez de tentar convencer o comprador a
querer o que ele tem a oferecer, o vendedor busca ter o que o comprador quer. O “produto”
não é mais apenas um item, mas um conjunto de valores que satisfaz o comprador – um
produto “ampliado”.

Graças à maior interdependência, parte crescente do trabalho econômico mundial é feita por
meio de relações de longo prazo entre vendedores e compradores. Já não se trata só de
conquistar e reter clientes. É preciso dar ao comprador aquilo que ele deseja. Quem compra
quer um fornecedor que cumpra promessas, mantenha o fornecimento, siga honrando o
prometido. A era da relação de uma noite só acabou. O casamento é, a uma só vez,
necessário e mais conveniente. Produtos são complicados demais, novas negociações
consomem energia e dinheiro demais. Nessas condições, o sucesso no marketing se
transforma na inescapabilidade da relação. A interface se torna interdependência (…).

Na era na qual agora entramos, a ênfase recairá sobre contratos de sistemas e a relação
entre comprador e vendedor será caracterizada pelo contato contínuo e pela evolução da
relação para que o sistema surta efeito. A “venda” não será só um sistema, mas um sistema
ao longo do tempo. O valor em jogo incluirá as vantagens do sistema ao longo do tempo. À
medida que o consumidor ganha experiência, a tecnologia perderá importância em relação
ao sistema que permite ao comprador desfrutar dos benefícios da tecnologia. Serviços,
entrega, confiabilidade, capacidade de resposta e qualidade das interações humanas e
organizacionais entre comprador e vendedor serão mais importantes do que a tecnologia em
si (…).

(…) É razoável que um cliente a quem se prometeu a lua acredite que ela será entregue.
Mas, se ganhar a comissão antes de o cliente receber tudo aquilo que pediu, quem fez a
promessa não se sentirá obrigado a garantir a plena satisfação posterior do cliente. Depois
da venda, sairá em busca de outra presa. Se o marketing planeja a venda, vendas fecha o
negócio, a produção entrega o bem e a assistência técnica faz a manutenção, quem é que
manda e quem é o responsável pelo processo como um todo?

Surgem problemas não só porque os envolvidos em vendas, marketing, produção e


prestação de serviços possuem incentivos diversos e visões distintas do cliente, mas porque
organizações são unidimensionais. Com exceção de quem trabalha em vendas ou
marketing, as pessoas raramente enxergam além dos muros da empresa. Para quem está
dentro, é ali que o trabalho é feito, é ali que castigos e incentivos são distribuídos, que
orçamento e planos são feitos, que a engenharia e a manufatura ocorrem, que o
desempenho é avaliado, que amigos e colegas se reúnem, que as coisas são, e podem ser,
administradas. O exterior “não é da minha alçada”, é onde “não se pode mudar as
coisas”(…).

Um dos sinais mais claros do desgaste na relação é a falta de queixas da parte do cliente.
Ninguém nunca está tão satisfeito assim, muito menos por um período extenso de tempo.
Ou o cliente não está sendo franco ou não está sendo procurado – provavelmente ambos. A
falta de franqueza reflete a queda de confiança e a deterioração da relação. Mágoas se
acumulam. A comunicação falha é tanto sintoma como causa de problemas. Por dentro, as
coisas apodrecem. Quando finalmente vêm à tona, em geral é tarde (ou caro) demais para
que a situação seja corrigida.

Podemos investir em uma relação e podemos tirar proveito dela. Todos fazemos as duas
coisas, mas quase nunca respondemos por nossos atos e quase nunca os controlamos.
Entretanto, o bem mais precioso de uma empresa é sua relação com clientes. O importante
não é quem conhecemos, mas como somos conhecidos pelos outros.

Sucesso no marketing pela diferenciação – de qualquer coisa


Publicado em janeiro-fevereiro de 1980

Não existe commodity. Todo bem e serviço é diferenciável. Embora a percepção comum
seja de que isso vale mais para bens de consumo do que para bens e serviços industriais, o
oposto é realidade (…).
(…) Em bolsas de commodities, corretores de metais, grãos e carcaça suína negociam
artigos genéricos, totalmente indiferenciados. Mas o que “vendem” é a alegada distinção de
sua execução – a eficiência de transações em nome do cliente, a pronta resposta a
solicitações, a clareza e a velocidade de confirmações e por aí afora. Em suma, o produto
oferecido é diferenciado, embora o produto genérico seja idêntico.

Quando o produto genérico é indiferenciado, o produto oferecido faz a diferença na


conquista do cliente, e o produto entregue na retenção desse comprador. Quando o
tarimbado sócio de uma renomada corretora de Chicago apareceu em um banco em Nova
York vestindo um terno de poliéster verde colado ao corpo e sapatos Gucci para tentar
fechar acordos no mercado de futuros financeiros, o resultado foi previsivelmente ruim. A
oferta implícita em sua aparência incomum contrariava a oferta contida na apresentação que
com tanto esmero preparara. Não é à toa que Thomas Watson insistia com veemência para
que o pessoal de vendas trajasse o famoso “uniforme” da IBM. O hábito pode não fazer o
monge, mas ajuda a fechar a venda.

A tese comum sobre as chamadas commodities indiferenciadas é que são demasiado


sensíveis à variação de preços. Um preço minimamente menor fecharia um negócio. Isso
raramente é verdade fora do mundo imaginário das cartilhas de economia. No mundo real
dos mercados, nada é isento de outras considerações, mesmo quando a concorrência em
preços é feroz.

Durante períodos de superávit sustentado, excesso de capacidade e acirrada guerra de


preços, quando a atenção de todos parece voltada exclusivamente a preços, é justamente
por ser visível e mensurável, além de potencialmente devastador, que o preço desvia a
atenção de possíveis saídas para retirar o produto da ferrenha disputa em preços. Tais
saídas, mesmo no curto prazo, não se limitam à concorrência desvinculada de preços, como
técnicas pessoais de venda, intensificação da publicidade ou o que é chamado
genericamente de mais ou melhores “serviços” (…).

O valor que o cliente atribui a um produto é proporcional à suposta capacidade [do produto]
de resolver um problema ou satisfazer suas necessidades. Todo o resto é secundário (…).
Um cliente nunca adquire apenas o produto “genérico” como aço, trigo, módulos, assessoria
em investimentos, aspirina, consultoria em engenharia, bolas de golfe, manutenção
industrial, papel jornal, cosméticos, álcool isopropílico com 99% de teor de pureza. O que
compra é algo que transcende essas designações – e a definição desse “algo” ajuda a
determinar de quem comprará o quê, quanto pagará e se, em vista do vendedor, será “fiel”
ou “volúvel”. Esse algo, relacionado à conquista e à satisfação do cliente, pode em sua
totalidade ser gerenciado (…).

(…) Isso tudo pode ser de conhecimento público, mas os princípios subjacentes vão muito
além. A incapacidade de satisfazer certas expectativas mais sutis pode ter impacto negativo
no artigo genérico. Uma imobiliária sediada em instalações precárias pode custar ao corretor
o acesso a imóveis de clientes. Ainda que um advogado tenha passado com louvor no
exame da Ordem e tenha um escritório de discreta elegância, sua personalidade pode colidir
com a de um potencial cliente. A máquina de usinagem de um certo fabricante pode ter
preço competitivo e contar com sofisticados controles numéricos por trás de um
impressionante painel, mas o cliente pode alegar que tolerâncias de saída têm precisão
muito superior ao que necessita. O cliente às vezes espera e quer menos (…)

Em geral, quanto mais o vendedor orienta e ajuda o cliente a usar seu produto, ampliando
assim o mercado, mais suscetível fica a perder esse cliente. Um cliente que não precisa
mais de ajuda ganha flexibilidade para buscar aquilo a que dá mais valor – como preço.

Nesse ponto, faz sentido embarcar em um programa sistemático de ampliação do produto,


algo que beneficia o cliente e, portanto, o retém. Quem vende também deve, naturalmente,
buscar a redução de custos e preços. E aí reside a ironia da maturidade do produto: é
justamente quando a concorrência em preços se intensifica, e quando a redução de custos
fica mais importante, que o vendedor tem mais chances de se beneficiar ao incorrer no custo
adicional da ampliação do produto.

Um produto ampliado é condição de um mercado maduro ou de clientes relativamente


experientes ou sofisticados – que poderiam até se beneficiar de serviços extras, ou
responder a eles. Mas, quando o cliente sabe tudo, ou acha que sabe, e pode fazer qualquer
coisa, quem vende deve pôr à prova essa percepção, sob pena de ser condenado ao
purgatório da mera disputa em preços. A melhor maneira de colocar à prova a tese do
cliente de que já não é preciso ou necessário um produto ampliado, ainda que parcialmente,
é considerar o que é possível oferecer a tal cliente.

Abordagem de linha de produção aos serviços


Publicado em setembro-outubro de 1972

O setor de serviços está crescendo em tamanho, mas caindo em qualidade. É o que muitos
dizem. Prestadores de serviços, de sua parte, acham que seus negócios e problemas são
basicamente distintos de outras empresas e dos problemas delas. Acham que a área de
serviços se apoia muito em pessoal, enquanto o resto da economia depende mais de capital.
Mas essas distinções são, em boa medida, falsas. Não há setor de serviços – o que existe
são setores nos quais o componente de serviços é maior ou menor do que em outros
setores. Todo mundo trabalha com serviços.
Em geral, quanto menos parece haver, mais há. Quanto mais tecnologicamente sofisticado
for o produto genérico (carros, computadores), mais a venda dependerá da qualidade e
disponibilidade de serviços correlatos (showrooms, entrega, consertos e manutenção,
aplicativos auxiliares, treinamento de operadores, orientação na instalação, cumprimento da
garantia). Nesse sentido, a General Motors é mais ligada a serviços do que à produção. Sem
serviços, suas vendas despencariam (…).
É comum pensarmos em serviços e manufatura como coisas bastante distintas. Um serviço
seria prestado por indivíduos a outros indivíduos, em geral em escala individual. No caso da
produção, supõe-se que seja conduzida por máquinas, normalmente supervisionadas por
grandes grupos de indivíduos cujo tamanho e configuração são, em si, ditados por
exigências das máquinas. Um serviço (seja o atendimento a clientes, seja o serviço ligado à
indústria de serviços) é realizado “em campo”, por gente dispersa e com pouca supervisão,
trabalhando em condições altamente variáveis, muitas vezes voláteis. Já a manufatura
ocorre “na fábrica”, em condições altamente centralizadas, organizadas, controladas e
minuciosamente programadas.

As pessoas imaginam, com justa razão, que essas diferenças explicariam por que bens
produzidos na fábrica em geral têm características e qualidade mais uniformes do que
serviços produzidos (apólices de seguro, consertos de máquinas) ou entregues (peças
sobressalentes, leite) em campo. Não é tão fácil controlar o desempenho de agentes no
trabalho em campo. Além disso, cada cliente quer uma coisa. O resultado é que serviços, e
o setor de serviços, são corretamente vistos como primitivos, lentos e ineficientes em
comparação com a indústria manufatureira.

É pouco provável, porém, que a coisa seja tão ruim assim. Quando as condições em campo
recebem a mesma atenção em geral dispensada à fábrica, muitas oportunidades novas se
tornam possíveis. Antes, porém, a gerência terá de rever sua definição de serviços e o que
isso implica.

O problema em pensar em si mesmo como prestador de serviços – seja no setor de


serviços, seja em áreas de atendimento ao cliente de empresas de manufatura e varejo – é
a adoção, quase que inevitável, de um raciocínio ultrapassado, pré-industrial. Pior, o
indivíduo se vê presa de atitudes rígidas que podem ter um efeito profundamente paralisante
no mais determinado dos racionalistas.

O conceito de “serviço” vai buscar, nos mais obscuros recônditos da mente, imagens
desgastadas de atenção e desvelo pessoal. Em geral, refere-se a atos que um indivíduo
pratica em pessoa para outro e carrega conotações históricas de caridade, cordialidade e
abnegação – ou de obediência, subordinação e submissão. Nesses contextos, alguém serve
porque quer (como na vocação religiosa e política) ou porque é instado a servir (caso da
escravidão e de ocupações de atendimento como garçom, camareira, carregador, faxineira).

Em postos mais elevados da prestação de serviços, como na Igreja e no Exército, o


indivíduo em geral age de modo ritualístico, não racional. No caso de serviços de menor
status, simplesmente obedece. Em nenhum dos casos presume-se que a independência do
pensar seja pré-requisito para a ocupação do posto. Logo, o máximo que se pode esperar
em termos de melhoria de serviços é que a pessoa dará tudo de si, que simplesmente fará
um esforço animal maior para fazer melhor aquilo que já faz.

Assim era nos tempos antigos e assim é hoje. A única diferença é que, enquanto os
senhores do passado invocavam a vontade de Deus ou o chicote do capataz para promover
o desempenho, a indústria moderna usa programas de treinamento e sessões de motivação.
Em todos esses anos, não avançamos muito em métodos ou resultados. Em suma, o setor
de serviços pensa de forma humanista, e isso explica seus erros.

Tomemos agora a manufatura. Aqui, a orientação aponta para a produção eficiente de


resultados, não para a atenção aos outros. Relações são estritamente profissionais,
desprovidas de conotações insidiosas de status ou personalidade.

Quando pensamos em maneiras de aprimorar a manufatura, raramente buscamos um jeito


de melhorar nosso próprio desempenho nas tarefas atuais; é axiomático que tentemos, isso
sim, encontrar formas totalmente novas de realizar as mesmas tarefas e, melhor ainda, de
alterá-las. Não cogitamos exigir mais da nossa energia animal (maior empenho físico, como
o escravo), ou aumentar nosso comprometimento (sendo mais dedicados ou fiéis, como o
sacerdote), nem tampouco reafirmar nossa dependência (sendo mais solícitos, como o
mordomo).

(…) Enquanto não pensarmos no setor de serviços em termos mais positivos e vastos,
enquanto a atividade não for vista como uma espécie de manufatura em campo, aberta à
mesma abordagem tecnológica aplicada na fábrica, os resultados seguirão sendo tão
onerosos e idiossincráticos como os do trabalhador solitário que produz laboriosamente algo
à mão, em casa.

A globalização dos mercados


Publicado em maio-junho de 1983

Uma poderosa força move o mundo rumo a um padrão comum, e essa força é a tecnologia.
Tal força proletarizou a comunicação, o transporte, a viagem. Despertou em lugares isolados
e entre povos depauperados o interesse pelos apelos da modernidade. Quase todo mundo,
em todo lugar, quer tudo aquilo de que ouviu falar, viu ou conheceu por meio de novas
tecnologias.

O resultado é uma nova realidade comercial – a emergência de mercados globais para


produtos padronizados em escala de magnitude até então inimaginável. Empresas que se
amoldam a essa nova realidade tiram proveito de enormes economias de escala em
produção, distribuição, marketing e administração. Ao converter esses benefícios em preços
mundiais reduzidos, podem dizimar concorrentes que ainda vivem segundo velhos
paradigmas de funcionamento do mundo (…).

Quem pode esquecer as imagens televisionadas da insurreição no Irã em 1979, quando


jovens em calças modernas de corte francês e finas camisas apareciam, sedentos de
sangue, empunhando armas modernas em nome do fundamentalismo islâmico? (…)

As empresas mais eficazes na arena global incorporam qualidade e confiabilidade superior


em sua estrutura de custos. Vendem em todo mercado nacional o mesmo tipo de produto
vendido em casa ou em seu maior mercado de exportação. Concorrem com base no valor
apropriado – a melhor combinação de preço, qualidade, confiabilidade e entrega de produtos
idênticos no mundo inteiro no tocante a design, funções e até moda.

Isso, e pouco mais, explica o crescente sucesso de empresas japonesas que oferecem
mundo afora uma grande variedade de produtos – tanto tangíveis, como aço, automóveis,
motos, equipamento de som, máquinas agrícolas, robôs, microprocessadores, fibra de
carbono e até têxteis, como intangíveis, incluindo serviços bancários, transporte, serviços
terceirizados e, em breve, software. Operações de alta qualidade e baixo custo já não são
incompatíveis, como afirma uma série de organizações de consultoria e engenharia de
dados com vigorosa vacuidade. Dados fornecidos são incompletos, erroneamente
interpretados e contraditórios. A verdade é que operações de baixo custo são a marca de
culturas corporativas que exigem e garantem qualidade em tudo o que fazem. Qualidade alta
e custos baixos não são pólos opostos: são compatíveis, identidades gêmeas de práticas
superiores.

Dizer que empresas japonesas não são globais porque exportam carros com o volante do
lado esquerdo para os Estados Unidos e para o continente europeu enquanto no Japão a
direção é instalada no lado direito, ou porque vendem equipamentos de escritório nos EUA
através de distribuidores e não diretamente, como em casa, ou porque falam português no
Brasil, é confundir diferença com distinção. O mesmo vale para as redes varejistas Safeway
e Southland, que operam satisfatoriamente no Oriente Médio e atendem não só cidadãos
locais, mas também imigrantes da Coréia, das Filipinas, do Paquistão, da Índia, da Tailândia,
do Reino Unido e dos EUA. Normas de trânsito variam, assim como canais de distribuição e
idiomas. A distinção japonesa é a incessante busca de economia e maior valor. Isso produz
um esforço de padronização em altos níveis de qualidade (…).

A empresa de atuação global estará sempre tentando padronizar sua linha em toda parte.
Só se desviará da padronização depois de esgotar todas as possibilidades de mantê-la e
tentará reinstaurá-la sempre que tiver havido desvio e divergência. Jamais presumirá que o
cliente é um rei que sabe bem o que quer (…)

O caso Hoover ilustra como a prática perversa do conceito de marketing e a falta de


qualquer imaginação nessa arena permitiram que a atitude da multinacional imperasse
quando o cliente, na verdade, quer os benefícios da padronização global. O projeto já
começou mal – indagando das pessoas que recursos buscavam em uma lavadora de
roupas, e não o que queriam da vida. Vender uma linha de produtos adaptada
individualmente a cada país é insensato. Quem se orgulhava de aplicar o conceito de
marketing em sua plenitude na prática não o fazia. A Hoover fez a pergunta errada e, depois,
não usou nem a cabeça nem a imaginação para analisar as respostas. Essas empresas são
como os etnocentristas da Idade Média, que viam com a clareza do dia o Sol se movendo
em torno da Terra e propunham o fato como a Verdade. Sem dados adicionais, mas com
uma mente mais curiosa, Copérnico interpretou uma realidade mais contundente e exata.
Dados não produzem informação sem a intervenção da mente. E a informação não faz
sentido sem a intervenção da imaginação.

A corporação global aceita, para o bem ou para o mal, que a tecnologia move o consumidor
inexoravelmente rumo às mesmas metas comuns – o alívio do fardo da vida e a expansão
do tempo livre e do poder aquisitivo (…).

É importante notar que empresas japonesas operam quase que totalmente sem
departamentos de marketing e sem pesquisas de mercado, tão comuns no ocidente. Mas,
nas vivas palavras de John F. Welch, Jr., presidente da General Electric, os japoneses,
vindos de um pequeno grupo de ilhas de escassos recursos, com uma cultura totalmente
distinta e um idioma de complexidade quase impenetrável, conseguiram decifrar o código de
mercados ocidentais. E fizeram isso não com o exame mecânico de diferenças entre
mercados, mas com a busca de sentido com uma sabedoria mais profunda. Descobriram o
grande ponto em comum entre todo mercado: o desejo arrebatador de uma modernidade
confiável e padronizada em todas as coisas, a preços bastante baixos. Em resposta,
oferecem um valor irresistível em toda parte, atraindo o público com produtos que
tecnocratas da pesquisa de mercado classificaram superficialmente de inadequados e pouco
competitivos (…).

Considerar a persistência do nacionalismo econômico (práticas comerciais protecionistas e


subsidiadas, incentivos fiscais especiais ou restrições a produtores locais) como barreira à
globalização dos mercados é uma tese válida. O nacionalismo econômico é, de fato, muito
persistente. Mas, com a presente internacionalização do capital de investimento, o passado
por si só não molda nem prediz o futuro (…).

A realidade não é um paradigma fixo, dominado por costumes imemoriais e atitudes


derivadas, imune a forças novas e poderosas. O mundo é cada vez mais ciente das
possibilidades liberadoras e progressistas da modernidade. A persistência de variedades
herdadas de preferências nacionais sobrevive precariamente à luz de indícios cada vez
maiores da ineficiência, do alto custo e do confinamento que impõem. O passado histórico, e
diferenças nacionais em relação a comércio e indústria que gerou e fomentou por toda parte,
hoje é sujeito a transformações relativamente simples.
O cosmopolitismo não é mais monopólio das classes intelectuais e abastadas – está virando
propriedade estabelecida e característica determinante de todos os setores, no mundo todo.
Gradual e inexoravelmente, derruba os muros do isolamento econômico, do nacionalismo e
do chauvinismo. O que vemos hoje como um nacionalismo comercial crescente é,
simplesmente, o grito agonizante de uma instituição obsoleta (…).
A Terra é redonda, mas para a maioria dos propósitos o melhor é considerá-la plana.

Criatividade não basta


Publicado em maio-junho de 1963

A “criatividade” não é a saída milagrosa para o crescimento e a riqueza que tanto se


apregoa hoje em dia. Para o gerente de linha, em especial, pode ser mais um fardo do que
um feito. Quem exalta as virtudes liberadoras da criatividade corporativa em detrimento do
vício sonambulístico da conformidade empresarial pode, em realidade, estar distribuindo
conselhos que terminarão por tolher o ânimo criativo da empresa. Isso ocorre porque
tendem a confundir a geração de ideias com sua implementação – ou seja, a confundir
criatividade abstrata com inovação prática, a não entender os problemas cotidianos do
executivo de operações e a subestimar a complexidade de organizações de negócios (…).
O fato de que é possível reunir uma dezena de indivíduos inexperientes em uma sala e
conduzir uma sessão de brainstorming que produza ideias empolgantes mostra a pouca
importância relativa de uma ideia em si. Quase toda pessoa com a inteligência do homem de
negócios médio pode ter ideias na presença de condições e estímulos minimamente
adequados. Raros são aqueles que têm know-how, energia, ousadia e autoridade para
implementar ideias (…).

Um executivo rejeita novas ideias com tanta frequência porque é alguém ocupado, cuja
principal função no dia-a-dia é administrar um fluxo ininterrupto de problemas. É alguém que
recebe uma leva sem fim de questões que requerem decisões. É alguém constantemente
obrigado a lidar com problemas cuja solução é mais ou menos urgente e está longe de ser
clara. Para o subordinado, pode parecer ótimo sugerir ideias brilhantes ao chefe para ajudá-
lo em seu trabalho. Mas os paladinos da criatividade precisam entender de uma vez por
todas a pressão que caracteriza a vida de um executivo: toda vez que uma ideia lhe é
apresentada, surgem mais problemas – e ele já tem muitos (…).

(…) A defesa de um “ambiente permissivo” para a criatividade na organização em geral é um


ataque velado à ideia em si da organização. Isso logo fica claro quando se reconhece um
fato inescapável: uma das metas colaterais de uma organização é justamente ser hostil a um
fluxo elevado e constante de ideias e criatividade.

Não importa se a organização é a U.S. Steel Corporation ou a United Steel-workers of


America, o Exército americano ou o Exército de Salvação, os Estados Unidos ou a URSS. O
propósito de uma organização é atingir um grau de ordem e conformidade necessário à
realização de uma atividade específica. A organização existe para limitar e direcionar os atos
e o comportamento de indivíduos a uma rotina previsível e conhecida. Sem organização
haveria caos e degeneração. A organização existe para criar inflexibilidade em grau e
gênero exigidos para que o trabalho mais premente seja realizado de maneira eficiente e
pontual (…).

Isso tudo gera uma dúvida aparentemente inquietante. Se conformidade e rigidez são
requisitos necessários da organização, e se reprimem a criatividade – e se, além disso, o
indivíduo criativo pode de fato se sentir tolhido caso tenha de explicar em detalhes o que é
necessário para converter suas ideias em inovações efetivas -, isso significa que a
organização moderna se transformou em um monstro intrincado e fadado ao triste destino
dos dinossauros por ser grande e desengonçada demais para sobreviver?
A resposta é não. Primeiro, é questionável a tese de que o impulso criativo seria
automaticamente extinto se o autor de uma ideia fosse obrigado a assumir certa
responsabilidade por sua execução. Quem é tão resoluto em proclamar a própria energia
criativa raramente dirá que necessita de uma estufa para que tal energia floresça. Segundo
a grande organização possui atributos importantes que na verdade facilitam a inovação. Sua
capacidade de distribuir o risco ao longo de uma ampla base econômica e entre os vários
indivíduos associados à implementação do novo é considerável. A organização torna a
exploração de novos territórios mais fácil do ponto de vista econômico – e também do
pessoal para os indivíduos envolvidos.

LEVITT, Theodore. Qual é o seu negócio? Harvard Business Review Brasil, 2011.
Disponível em: <https://hbrbr.uol.com.br/qual-e-o-seu-negocio/> acesso em: 25 mai. 2020.

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