Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Theodore Levitt
30 de dezembro de 2011
Levitt trouxe essa abordagem prática ao cargo de editor-chefe da Harvard Business Review,
que exerceu entre 1985 e 1989. Um dos mais intelectuais e popularizantes editores da
revista, Levitt sabia que a principal função da HBR era ser uma tradução sofisticada de
ideias cruas do autor para leitores impacientes, com pouco tempo a perder.
Este tributo a um dos grandes cérebros da administração traz trechos de seis dos artigos
mais influentes de Levitt para a HBR:
Ted Levitt instou o executivo a colocar o cliente no centro das atenções – e o marketing no
centro da estratégia. A seguir, algumas de suas grandes ideias.
Nota do editor: embora a administração de empresas costume ser tratada como ciência, o
executivo experiente sabe que decisões e táticas estratégicas dependem, e muito, do
contexto. Ninguém entendeu melhor esse fato do que Theodore Levitt. Celebrado como o
fundador do marketing moderno, Levitt buscava, acima de tudo, colocar suas ideias a
serviço das necessidades de homens e mulheres de negócios. Em uma série de ensaios
inspirados – e escritos com maestria – na Harvard Business Review, Levitt incitou o leitor a
reexaminar velhas convenções sobre temas fundamentais para poder servir mais bem a
clientela.
Theodore Levitt nasceu em Vollmerz, Alemanha, em 1925. Dez anos depois, assim como
outro emigrante chamado Peter Drucker, Levitt e família desembarcavam nos Estados
Unidos fugindo da escalada do nazismo. Foram se instalar em Dayton, Ohio, e em 1940
viravam cidadãos americanos. Com a conclusão do doutorado em economia em 1951, Levitt
acabou integrado ao corpo docente da Harvard Business School, onde ficou até se
aposentar, em 1990.
Sua obra acadêmica foi, a princípio, bastante convencional. A mudança veio em 1960,
quando a HBR publicou seu artigo mais famoso, “Miopia em marketing”. Mais do que um
artigo, era um manifesto. Percorrendo trilhas abertas por ele próprio e outros estudiosos,
Levitt teceu uma tese contundente: a de que a empresa deveria deixar de se definir por
aquilo que produzia e passar a agir em torno de necessidades do cliente. Até então,
ninguém fizera defesa tão calorosa e prática da organização em função do cliente, ideia que
até hoje influencia práticas de marketing – conforme mostrou Clay Christensen em
dezembro passado em um artigo na HBR, “Imperícia no marketing”.
Levitt queria que “Miopia em marketing” servisse de desafio para toda empresa, e não só
para o departamento de marketing. Vinte e três anos depois, o artigo “Globalização do
mercado” contava uma história similar, em escala maior. Para tirar proveito da globalização,
escreveu, a empresa deveria levar ao máximo a padronização, pois o que o público mais
quer é o preço baixo e a qualidade trazidos pela estratégia. O catequizador do marketing
agora louvava empresas com forte base de engenharia e marketing nulo – mas que
entendiam a oportunidade estratégica aberta pela globalização. Mais uma vez seu estilo
incisivo atraiu atenção e provocou debate – e também críticas sobre suas declarações tão
taxativas. O que essa crítica não captou foi a mensagem maior – de novo, aquilo que o
consumidor realmente busca.
Levitt tinha o dom da provocação e da generalização. Suas ideias chocavam o leitor, mas
também o obrigavam a pensar de modo mais criativo e inteligente sobre o próprio negócio.
Escrevendo em uma época na qual a atividade empresarial não era tão prezada, Levitt
reprovava o desprezo de muitos intelectuais por gestores e consumidores. Festejava as
conquistas materiais de empresas e foi capaz de prever o poder que teriam no longo prazo.
Foi um dos autores mais prolíficos da HBR, na qual publicou 26 artigos – número superado
apenas por Peter Drucker.
Levitt trouxe essa abordagem prática ao cargo de editor-chefe da Harvard Business Review,
que exerceu entre 1985 e 1989. Oitavo editor da revista, foi ao mesmo tempo um dos mais
intelectuais e popularizantes. Levitt sabia que a principal função da HBR era ser uma
tradução sofisticada de ideias cruas do autor para leitores impacientes, com pouco tempo a
perder. Como autor e editor, simbolizou a busca incessante do imbricamento entre teoria e
prática, marca da revista.
Para Levitt, o administrador ideal era alguém que, em meio à agitação de reuniões,
telefonemas, dados do mercado financeiro, jornais, revistas e apresentações de consultores,
mostrava desprezo pelo burburinho e insaciável apetite pelo conhecimento. Em uma carta
ao leitor em 1987, escreveu: “A Harvard Business Review traz a contribuição embasada de
uma linha de pensamento e atuação altamente profissionais – com artigos escritos por
especialistas e profissionais tarimbados e voltados a pessoas importantes que tomam
decisões importantes sobre temas importantes. A nosso ver, é disso que precisa – e é isso
que quer – um administrador responsável em um mundo instável, marcado pela
popularização inconsequente e pelo culto à celebridade”. O próprio Levitt foi o melhor
exemplo desse ideal.
Miopia em marketing
Publicado em julho-agosto de 1960
Todo setor importante foi, um dia, um setor em crescimento. Mas alguns dos setores hoje
envoltos em uma onda de entusiasmo expansionista já estão à sombra do declínio. Outros,
tidos como setores em perene crescimento, na verdade deixaram de crescer. Em cada caso
desses, a razão pela qual o crescimento foi ameaçado, desacelerado ou interrompido não foi
a saturação do mercado. Foi uma falha na administração (…).
A tese de que o lucro é garantido por uma população em expansão, e cada vez mais
afluente, cala fundo no coração de todo setor. Aplaca o temor que todos sentem,
compreensivelmente, acerca do futuro. Se os consumidores estão se multiplicando e
comprando em maior volume seus produtos ou serviços, é possível encarar o futuro com
muito mais tranquilidade. Um mercado em expansão poupa o fabricante da necessidade de
pensar ou de usar a imaginação. Se pensar é a reação intelectual a um problema, quem não
tem problemas não precisaria pensar. Se o produto tem um mercado que se expande
automaticamente, a empresa não perderá tempo pensando em como expandi-lo (…).
(…) O apelo do lucro da produção em massa obviamente vai constar dos planos e da
estratégia da empresa, mas deve sempre vir depois de uma reflexão profunda sobre o
cliente. Essa é uma das lições mais importantes a se tirar do comportamento contraditório de
Henry Ford. De certa forma, Ford foi o mais brilhante e o mais insensato homem de
marketing da história americana. Insensato porque se recusava a oferecer ao cliente outra
opção que não um automóvel preto. Brilhante porque criou um sistema de produção para
acomodar as necessidades do mercado. Em geral, Ford é saudado pelo motivo errado: a
genialidade na produção. Mas Ford brilhou mesmo no marketing. Diz-se que Ford conseguiu
derrubar o preço e, assim, vender milhões de automóveis de US$ 500 porque a linha de
montagem que inventara permitiu que cortasse custos. Na verdade, Ford inventou a linha de
montagem porque concluíra que, a US$ 500, poderia vender milhões de carros. A produção
em massa foi o resultado, e não a causa, de seus preços baixos (…).
Para formar essa clientela, a corporação inteira deve ser entendida como um organismo que
visa à criação e à satisfação do cliente. A direção deve se enxergar não como fabricante de
produtos, mas como provedora de uma satisfação que gera clientes. Deve promover essa
ideia (e tudo o que ela significa e exige) em todos os cantos da organização. Isso tem de ser
feito continuamente e de modo a atrair e estimular as pessoas ali dentro. Do contrário, a
empresa será simplesmente uma série de compartimentos isolados, sem nenhum sentido
comum de propósito ou direção.
Depois da venda.
Publicado em setembro-outubro de 1983
A venda simplesmente consuma a corte. Ali começa o casamento. Se essa união será boa
ou não vai depender de como o vendedor administra a relação, e a qualidade do casamento
determina se os negócios terão continuidade ou crescerão, ou se haverá problemas e o
divórcio. Em certos casos – um grande projeto de construção ou instalação em andamento,
por exemplo – o divórcio é impossível. Se há um ônus para a união, a reputação do
vendedor sai manchada (…).
(…) No esquema [tradicional] o vendedor está situado a uma certa distância dos
compradores e se vale de um departamento de vendas para levar a eles seus produtos.
Essa é a base para a noção de que o vendedor deve ter carisma, pois é o carisma, e não
atributos do produto, que faz o negócio ser fechado.
Graças à maior interdependência, parte crescente do trabalho econômico mundial é feita por
meio de relações de longo prazo entre vendedores e compradores. Já não se trata só de
conquistar e reter clientes. É preciso dar ao comprador aquilo que ele deseja. Quem compra
quer um fornecedor que cumpra promessas, mantenha o fornecimento, siga honrando o
prometido. A era da relação de uma noite só acabou. O casamento é, a uma só vez,
necessário e mais conveniente. Produtos são complicados demais, novas negociações
consomem energia e dinheiro demais. Nessas condições, o sucesso no marketing se
transforma na inescapabilidade da relação. A interface se torna interdependência (…).
Na era na qual agora entramos, a ênfase recairá sobre contratos de sistemas e a relação
entre comprador e vendedor será caracterizada pelo contato contínuo e pela evolução da
relação para que o sistema surta efeito. A “venda” não será só um sistema, mas um sistema
ao longo do tempo. O valor em jogo incluirá as vantagens do sistema ao longo do tempo. À
medida que o consumidor ganha experiência, a tecnologia perderá importância em relação
ao sistema que permite ao comprador desfrutar dos benefícios da tecnologia. Serviços,
entrega, confiabilidade, capacidade de resposta e qualidade das interações humanas e
organizacionais entre comprador e vendedor serão mais importantes do que a tecnologia em
si (…).
(…) É razoável que um cliente a quem se prometeu a lua acredite que ela será entregue.
Mas, se ganhar a comissão antes de o cliente receber tudo aquilo que pediu, quem fez a
promessa não se sentirá obrigado a garantir a plena satisfação posterior do cliente. Depois
da venda, sairá em busca de outra presa. Se o marketing planeja a venda, vendas fecha o
negócio, a produção entrega o bem e a assistência técnica faz a manutenção, quem é que
manda e quem é o responsável pelo processo como um todo?
Um dos sinais mais claros do desgaste na relação é a falta de queixas da parte do cliente.
Ninguém nunca está tão satisfeito assim, muito menos por um período extenso de tempo.
Ou o cliente não está sendo franco ou não está sendo procurado – provavelmente ambos. A
falta de franqueza reflete a queda de confiança e a deterioração da relação. Mágoas se
acumulam. A comunicação falha é tanto sintoma como causa de problemas. Por dentro, as
coisas apodrecem. Quando finalmente vêm à tona, em geral é tarde (ou caro) demais para
que a situação seja corrigida.
Podemos investir em uma relação e podemos tirar proveito dela. Todos fazemos as duas
coisas, mas quase nunca respondemos por nossos atos e quase nunca os controlamos.
Entretanto, o bem mais precioso de uma empresa é sua relação com clientes. O importante
não é quem conhecemos, mas como somos conhecidos pelos outros.
Não existe commodity. Todo bem e serviço é diferenciável. Embora a percepção comum
seja de que isso vale mais para bens de consumo do que para bens e serviços industriais, o
oposto é realidade (…).
(…) Em bolsas de commodities, corretores de metais, grãos e carcaça suína negociam
artigos genéricos, totalmente indiferenciados. Mas o que “vendem” é a alegada distinção de
sua execução – a eficiência de transações em nome do cliente, a pronta resposta a
solicitações, a clareza e a velocidade de confirmações e por aí afora. Em suma, o produto
oferecido é diferenciado, embora o produto genérico seja idêntico.
O valor que o cliente atribui a um produto é proporcional à suposta capacidade [do produto]
de resolver um problema ou satisfazer suas necessidades. Todo o resto é secundário (…).
Um cliente nunca adquire apenas o produto “genérico” como aço, trigo, módulos, assessoria
em investimentos, aspirina, consultoria em engenharia, bolas de golfe, manutenção
industrial, papel jornal, cosméticos, álcool isopropílico com 99% de teor de pureza. O que
compra é algo que transcende essas designações – e a definição desse “algo” ajuda a
determinar de quem comprará o quê, quanto pagará e se, em vista do vendedor, será “fiel”
ou “volúvel”. Esse algo, relacionado à conquista e à satisfação do cliente, pode em sua
totalidade ser gerenciado (…).
(…) Isso tudo pode ser de conhecimento público, mas os princípios subjacentes vão muito
além. A incapacidade de satisfazer certas expectativas mais sutis pode ter impacto negativo
no artigo genérico. Uma imobiliária sediada em instalações precárias pode custar ao corretor
o acesso a imóveis de clientes. Ainda que um advogado tenha passado com louvor no
exame da Ordem e tenha um escritório de discreta elegância, sua personalidade pode colidir
com a de um potencial cliente. A máquina de usinagem de um certo fabricante pode ter
preço competitivo e contar com sofisticados controles numéricos por trás de um
impressionante painel, mas o cliente pode alegar que tolerâncias de saída têm precisão
muito superior ao que necessita. O cliente às vezes espera e quer menos (…)
Em geral, quanto mais o vendedor orienta e ajuda o cliente a usar seu produto, ampliando
assim o mercado, mais suscetível fica a perder esse cliente. Um cliente que não precisa
mais de ajuda ganha flexibilidade para buscar aquilo a que dá mais valor – como preço.
O setor de serviços está crescendo em tamanho, mas caindo em qualidade. É o que muitos
dizem. Prestadores de serviços, de sua parte, acham que seus negócios e problemas são
basicamente distintos de outras empresas e dos problemas delas. Acham que a área de
serviços se apoia muito em pessoal, enquanto o resto da economia depende mais de capital.
Mas essas distinções são, em boa medida, falsas. Não há setor de serviços – o que existe
são setores nos quais o componente de serviços é maior ou menor do que em outros
setores. Todo mundo trabalha com serviços.
Em geral, quanto menos parece haver, mais há. Quanto mais tecnologicamente sofisticado
for o produto genérico (carros, computadores), mais a venda dependerá da qualidade e
disponibilidade de serviços correlatos (showrooms, entrega, consertos e manutenção,
aplicativos auxiliares, treinamento de operadores, orientação na instalação, cumprimento da
garantia). Nesse sentido, a General Motors é mais ligada a serviços do que à produção. Sem
serviços, suas vendas despencariam (…).
É comum pensarmos em serviços e manufatura como coisas bastante distintas. Um serviço
seria prestado por indivíduos a outros indivíduos, em geral em escala individual. No caso da
produção, supõe-se que seja conduzida por máquinas, normalmente supervisionadas por
grandes grupos de indivíduos cujo tamanho e configuração são, em si, ditados por
exigências das máquinas. Um serviço (seja o atendimento a clientes, seja o serviço ligado à
indústria de serviços) é realizado “em campo”, por gente dispersa e com pouca supervisão,
trabalhando em condições altamente variáveis, muitas vezes voláteis. Já a manufatura
ocorre “na fábrica”, em condições altamente centralizadas, organizadas, controladas e
minuciosamente programadas.
As pessoas imaginam, com justa razão, que essas diferenças explicariam por que bens
produzidos na fábrica em geral têm características e qualidade mais uniformes do que
serviços produzidos (apólices de seguro, consertos de máquinas) ou entregues (peças
sobressalentes, leite) em campo. Não é tão fácil controlar o desempenho de agentes no
trabalho em campo. Além disso, cada cliente quer uma coisa. O resultado é que serviços, e
o setor de serviços, são corretamente vistos como primitivos, lentos e ineficientes em
comparação com a indústria manufatureira.
É pouco provável, porém, que a coisa seja tão ruim assim. Quando as condições em campo
recebem a mesma atenção em geral dispensada à fábrica, muitas oportunidades novas se
tornam possíveis. Antes, porém, a gerência terá de rever sua definição de serviços e o que
isso implica.
O conceito de “serviço” vai buscar, nos mais obscuros recônditos da mente, imagens
desgastadas de atenção e desvelo pessoal. Em geral, refere-se a atos que um indivíduo
pratica em pessoa para outro e carrega conotações históricas de caridade, cordialidade e
abnegação – ou de obediência, subordinação e submissão. Nesses contextos, alguém serve
porque quer (como na vocação religiosa e política) ou porque é instado a servir (caso da
escravidão e de ocupações de atendimento como garçom, camareira, carregador, faxineira).
Assim era nos tempos antigos e assim é hoje. A única diferença é que, enquanto os
senhores do passado invocavam a vontade de Deus ou o chicote do capataz para promover
o desempenho, a indústria moderna usa programas de treinamento e sessões de motivação.
Em todos esses anos, não avançamos muito em métodos ou resultados. Em suma, o setor
de serviços pensa de forma humanista, e isso explica seus erros.
(…) Enquanto não pensarmos no setor de serviços em termos mais positivos e vastos,
enquanto a atividade não for vista como uma espécie de manufatura em campo, aberta à
mesma abordagem tecnológica aplicada na fábrica, os resultados seguirão sendo tão
onerosos e idiossincráticos como os do trabalhador solitário que produz laboriosamente algo
à mão, em casa.
Uma poderosa força move o mundo rumo a um padrão comum, e essa força é a tecnologia.
Tal força proletarizou a comunicação, o transporte, a viagem. Despertou em lugares isolados
e entre povos depauperados o interesse pelos apelos da modernidade. Quase todo mundo,
em todo lugar, quer tudo aquilo de que ouviu falar, viu ou conheceu por meio de novas
tecnologias.
Isso, e pouco mais, explica o crescente sucesso de empresas japonesas que oferecem
mundo afora uma grande variedade de produtos – tanto tangíveis, como aço, automóveis,
motos, equipamento de som, máquinas agrícolas, robôs, microprocessadores, fibra de
carbono e até têxteis, como intangíveis, incluindo serviços bancários, transporte, serviços
terceirizados e, em breve, software. Operações de alta qualidade e baixo custo já não são
incompatíveis, como afirma uma série de organizações de consultoria e engenharia de
dados com vigorosa vacuidade. Dados fornecidos são incompletos, erroneamente
interpretados e contraditórios. A verdade é que operações de baixo custo são a marca de
culturas corporativas que exigem e garantem qualidade em tudo o que fazem. Qualidade alta
e custos baixos não são pólos opostos: são compatíveis, identidades gêmeas de práticas
superiores.
Dizer que empresas japonesas não são globais porque exportam carros com o volante do
lado esquerdo para os Estados Unidos e para o continente europeu enquanto no Japão a
direção é instalada no lado direito, ou porque vendem equipamentos de escritório nos EUA
através de distribuidores e não diretamente, como em casa, ou porque falam português no
Brasil, é confundir diferença com distinção. O mesmo vale para as redes varejistas Safeway
e Southland, que operam satisfatoriamente no Oriente Médio e atendem não só cidadãos
locais, mas também imigrantes da Coréia, das Filipinas, do Paquistão, da Índia, da Tailândia,
do Reino Unido e dos EUA. Normas de trânsito variam, assim como canais de distribuição e
idiomas. A distinção japonesa é a incessante busca de economia e maior valor. Isso produz
um esforço de padronização em altos níveis de qualidade (…).
A empresa de atuação global estará sempre tentando padronizar sua linha em toda parte.
Só se desviará da padronização depois de esgotar todas as possibilidades de mantê-la e
tentará reinstaurá-la sempre que tiver havido desvio e divergência. Jamais presumirá que o
cliente é um rei que sabe bem o que quer (…)
A corporação global aceita, para o bem ou para o mal, que a tecnologia move o consumidor
inexoravelmente rumo às mesmas metas comuns – o alívio do fardo da vida e a expansão
do tempo livre e do poder aquisitivo (…).
É importante notar que empresas japonesas operam quase que totalmente sem
departamentos de marketing e sem pesquisas de mercado, tão comuns no ocidente. Mas,
nas vivas palavras de John F. Welch, Jr., presidente da General Electric, os japoneses,
vindos de um pequeno grupo de ilhas de escassos recursos, com uma cultura totalmente
distinta e um idioma de complexidade quase impenetrável, conseguiram decifrar o código de
mercados ocidentais. E fizeram isso não com o exame mecânico de diferenças entre
mercados, mas com a busca de sentido com uma sabedoria mais profunda. Descobriram o
grande ponto em comum entre todo mercado: o desejo arrebatador de uma modernidade
confiável e padronizada em todas as coisas, a preços bastante baixos. Em resposta,
oferecem um valor irresistível em toda parte, atraindo o público com produtos que
tecnocratas da pesquisa de mercado classificaram superficialmente de inadequados e pouco
competitivos (…).
Um executivo rejeita novas ideias com tanta frequência porque é alguém ocupado, cuja
principal função no dia-a-dia é administrar um fluxo ininterrupto de problemas. É alguém que
recebe uma leva sem fim de questões que requerem decisões. É alguém constantemente
obrigado a lidar com problemas cuja solução é mais ou menos urgente e está longe de ser
clara. Para o subordinado, pode parecer ótimo sugerir ideias brilhantes ao chefe para ajudá-
lo em seu trabalho. Mas os paladinos da criatividade precisam entender de uma vez por
todas a pressão que caracteriza a vida de um executivo: toda vez que uma ideia lhe é
apresentada, surgem mais problemas – e ele já tem muitos (…).
Isso tudo gera uma dúvida aparentemente inquietante. Se conformidade e rigidez são
requisitos necessários da organização, e se reprimem a criatividade – e se, além disso, o
indivíduo criativo pode de fato se sentir tolhido caso tenha de explicar em detalhes o que é
necessário para converter suas ideias em inovações efetivas -, isso significa que a
organização moderna se transformou em um monstro intrincado e fadado ao triste destino
dos dinossauros por ser grande e desengonçada demais para sobreviver?
A resposta é não. Primeiro, é questionável a tese de que o impulso criativo seria
automaticamente extinto se o autor de uma ideia fosse obrigado a assumir certa
responsabilidade por sua execução. Quem é tão resoluto em proclamar a própria energia
criativa raramente dirá que necessita de uma estufa para que tal energia floresça. Segundo
a grande organização possui atributos importantes que na verdade facilitam a inovação. Sua
capacidade de distribuir o risco ao longo de uma ampla base econômica e entre os vários
indivíduos associados à implementação do novo é considerável. A organização torna a
exploração de novos territórios mais fácil do ponto de vista econômico – e também do
pessoal para os indivíduos envolvidos.
LEVITT, Theodore. Qual é o seu negócio? Harvard Business Review Brasil, 2011.
Disponível em: <https://hbrbr.uol.com.br/qual-e-o-seu-negocio/> acesso em: 25 mai. 2020.