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O Rádio Brasileiro na Era

da Convergência

1 Televisão Digital na América Latina: avanços e perspectivas


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d’Aquila, Itália) Sandra Reimão (USP)
Luiz C. Martino (UnB) Sérgio Augusto Soares Mattos (UFRB)

2 Televisão Digital na América Latina: avanços e perspectivas


O Rádio Brasileiro na Era
da Convergência

Nélia R. Del Bianco


(org.)

Coleção GP's E-books


vol. 5

São Paulo
Grupo de Pesquisa Rádio e Mídia Sonora
Intercom
2012

3 Televisão Digital na América Latina: avanços e perspectivas


O Rádio Brasileiro na Era da Convergência
Copyright © 2012 dos autores dos textos, cedidos para esta edição à Sociedade
Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação – INTERCOM

Direção
Osvando J. de Morais

Projeto Gráfico e Diagramação


Marina Real e Mariana Real

Capa
Marina Real

Revisão
João Alvarenga

Ficha Catalográfica

O Rádio Brasileiro na Era da Convergência / Organizador, Nélia R.


Del Bianco. – São Paulo: INTERCOM, 2012.
359 p.: il. – (Coleção GP’S : grupos de pesquisa; vol. 5)

Inclui bibliografias.
E-book
ISBN: 978-85-8208-007-8

1. Radiojornalismo. 2. Radiojornalismo contemporâneo.


3.Rádio e Mídia Sonora. 4. Rádio brasileira. 5. Rádio 3.0.
6. Convergência dos Meios. 7. Comunicação. 8. Comunicação
de Massa. I. Del Bianco, Nélia R. II. Título.

Todos os direitos desta edição reservados à:


Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação – INTERCOM
Rua Joaquim Antunes, 705 – Pinheiros
CEP: 05415 - 012 - São Paulo - SP - Brasil - Tel: (11) 2574 - 8477 /
3596 - 4747 / 3384 - 0303 / 3596 - 9494
http://www.intercom.org.br – E-mail: intercom@usp.br

4 Televisão Digital na América Latina: avanços e perspectivas


5 Televisão Digital na América Latina: avanços e perspectivas
6 Televisão Digital na América Latina: avanços e perspectivas
7 Televisão Digital na América Latina: avanços e perspectivas
Prefácio

Nair Prata
Coordenadora do Grupo de Pesquisa
Rádio e Mídia Sonora da Intercom

A primeira transmissão oficial de rádio no Brasil se deu


há 90 anos, quando, em sete de setembro de 1922, na festa
do centenário da Independência, as empresas norte-ameri-
canas Westinghouse e Western Electric realizaram emissões
experimentais de radiotelefonia. Hoje, nove décadas depois,
o rádio é ainda uma mídia vigorosa e presente na vida da
sociedade brasileira e se prepara para completar um século
em meio a um cenário de convergência midiática que o
transforma de maneira decisiva.
Com esse foco, o Grupo de Pesquisa Rádio e Mídia So-
nora da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares
da Comunicação (Intercom) apresenta esta obra que tem
o objetivo de refletir, à luz das pesquisas, sobre esse novo
cenário que se desenha. Há alguns poucos anos, a definição
de radiofonia era clara e precisa e qualquer pessoa sabe-
ria descrever, com presteza, as possibilidades radiofônicas.

8 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


Hoje foram agregadas ao rádio novas linguagens, novos
públicos, novas plataformas e novas formas de transmissão
e recepção. Alguns termos utilizados nos títulos dos artigos
que compõem este livro exemplificam bem a pluralidade e
a complexidade do rádio nesses 90 anos de existência. Ex-
pressões como rádio 3.0, rádio em bits, rádio e redes sociais,
linguagem radiofônica em múltiplas telas, rádio e Twitter,
entre outras, podem dar pistas do panorama que se desenha
e também do que está por vir.
Esta obra, coordenada pela Nélia Del Bianco, é a décima
sexta pesquisa coletiva do GP, que em 21 anos de atividades
tomou a dianteira em relação aos grupos da Intercom no
tocante às investigações em conjunto efetivamente realiza-
das e publicadas. Apenas neste ano de 2012, além deste O
Rádio na era da convergência, o grupo lança mais dois livros
colaborativos: Enciclopédia do Rádio Esportivo Brasileiro e O
Rádio e as Copas do Mundo. Além dos três lançamentos, o
grupo já publicou: 1) MEDITSCH, Eduardo (Org.).  Rádio
e pânico: a Guerra dos mundos, 60 anos depois. Florianópolis:
Insular, 1998; 2) DEL BIANCO, Nélia R e MOREIRA,
Sonia Virgínia (Org.). Rádio no Brasil; tendências e perspecti-
vas. Rio de Janeiro: EdUERJ; Brasília, DF: UnB, 1999; 3)
MOREIRA, Sonia Virgínia e DEL BIANCO, Nélia R.
(Org.). Desafios do rádio no século XXI. São Paulo/ Rio de
Janeiro: Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares
da Comunicação/ Universidade Estadual do Rio de Ja-
neiro, 2001; 4) HAUSSEN, Dóris Fagundes e CUNHA,
Mágda (Org.). Rádio brasileiro: episódios e personagens. Porto
Alegre: Editora da PUCRS, 2003; 5) BAUM, Ana (Org.). 
Vargas, agosto de 54: a história contada pelas ondas do rádio.
Rio de Janeiro: Garamond, 2004; 6) MEDITSCH, Edu-
ardo (Org.). Teorias do rádio: textos e contextos. Florianópo-
lis: Insular, 2005, v. 1; 7) GOLIN, Cida e ABREU, João
Batista de.   Batalha sonora: o rádio e a Segunda Guerra

9 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


Mundial. Porto Alegre: Editora da PUCRS, 2006; 8) ME-
DITSCH, Eduardo e ZUCULOTO, Valci (Org.).  Teorias
do rádio: textos e contextos. Florianópolis: Insular, 2008. v.2; 9)
KLÖCKNER, Luciano e PRATA, Nair (Org.). História da
mídia sonora: experiências, memórias e afetos de Norte a Sul do
Brasil. Porto Alegre: Editora da PUCRS, 2009; 10) FER-
RARETTO, Luiz Artur e KLÖCKNER, Luciano (Org.).
E o rádio? Novos horizontes midiáticos. Porto Alegre: Editora
da PUCRS, 2010; 11) VICENTE, Eduardo e GUERRINI
JÚNIOR, Irineu (Org.).  Na trilha do disco: relatos sobre a
indústria fonográfica no Brasil. Rio de Janeiro: E-Papers, 2010;
12) KLÖCKNER, Luciano e PRATA, Nair (Org.). Mídia
sonora em 4 dimensões. Porto Alegre: Editora da PUCRS,
2011 e 13) PRATA, Nair (Org.). Panorama do rádio no Brasil.
Florianópolis: Editora Insular, 2011.
Dessa forma, o grupo ingressa na maioridade com o sta-
tus de ser o maior e mais importante pólo de investigação
sobre a radiofonia do país. O GP tem hoje quase 200 pes-
quisadores – mais de 60 doutores – que, a partir de diferen-
tes perspectivas teóricas e metodológicas, estudam o rádio
nos seus mais diversos aspectos, como teoria, linguagem,
técnicas, mercado, história, ética, arte, programação, produ-
ção, recepção, experimentação e conteúdos de jornalismo,
publicitários e de entretenimento.
Porém, um dos mais instigantes desafios que se impõem
nos últimos tempos ao GP é refletir justamente sobre as es-
pecificidades do nosso objeto de estudo inserido no macro
campo da comunicação. Temos hoje um rádio que busca
sua reconfiguração no contexto da cultura de imagens, pro-
fundamente modificado pela presença da internet e pelo
cenário da chamada era da convergência.
Como bem lembrou Mariano Cebrián Herreros na pa-
lestra que comemorou os 20 anos do GP, em Recife, o
rádio não é uma ilha e entrou na disputa em um conjunto

10 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


complexo de plataformas comunicativas, integrando um
ecossistema midiático em constante mutação. O professor
destacou que o rádio vive agora a terceira transformação (a
primeira foi nos anos 40-50 baseada nas contribuições dos
transistores, gravadores magnéticos, etc e a segunda em 80-
90 com a digitalização e convergência dos meios) que se
produz pela presença das plataformas de internet e telefonia
e a convergência das plataformas anteriores com as novas
até gerar a multiplataforma atual.
Os quatorze textos que compõem este livro empreen-
dem uma bem sucedida reflexão sobre a reconfiguração
vivida pela radiofonia neste processo de convergência das
plataformas midiáticas. O conjunto dos artigos mostra que
o rádio na era da convergência é mesmo novo, lugar midi-
ático em que a diferenciação se dá não pelo suporte, mas
pelo formato e onde coexistem várias lógicas comunica-
cionais simultaneamente, algumas impensáveis alguns anos
atrás.

11 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


Apresentação

Nelia R. Del Bianco


Organizadora

O livro “Rádio brasileiro na era da convergência” teve


origem na inquietação do Grupo de Rádio e Mïdia Sonora
da Intercom sobre o futuro do meio frente às mudanças nos
hábitos de audiência, interface com a internet e plataformas
digitais móveis. O motivou a publicação é compreender, por
meio de pesquisas empíricas, aspectos que desafiam a susten-
tabilidade e a permanência do rádio brasileiro diante da con-
vergência tecnológica e midiática. Entre eles, o impacto das
inovações tecnológicas nos processo de produção, estratégias
de programação e politicas públicas, além de mudanças nos
gêneros, linguagens, estilos e modos de recepção.
Para dar conta desse objetivo, os pesquisadores do grupo
reuniram estudos e pesquisas empíricas realizadas no âmbi-
to de programas de pós-graduação de universidades brasi-
leiras. Ao todo são 14 estudos aqui apresentados, que juntos
podem contribuir para a reflexão sobre a permanência do

12 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


rádio como um meio privilegiado de representação e cria-
ção do imaginário social diante dos desafios impostos pela
convergência tecnológica.
Na abertura do livro, Nelia R. Del Bianco analisa a ten-
dência de evolução do rádio considerando sua inserção no
ambiente da convergência. Para tanto busca referências em
pesquisas, dados e levantamentos produzidos por órgãos de
regulação, institutos de pesquisas e grupos de mídia para
entender como se dá essa adaptação.
Na sequência, Marcelo Kischinhevsky traz uma propos-
ta de categorização da radiofonia em diferentes modalida-
des, distinguidas quanto ao acesso, à recepção e à circulação.
Parte da noção de que a radiodifusão sonora é, cada vez
mais, uma linguagem, independente de suporte e de forma
de mediação tecnológica. O texto é uma contribuição no
sentido de delimitar o que é o radiofônico, balizando futu-
ros estudos sobre o rádio e a mídia sonora em geral.
Em “As linguagens radiofônicas em um cenário de múlti-
plas telas e mobilidade”, Mágda Cunha e sua equipe de pesqui-
sadores da PUCRS trazem resultados de uma investigação apli-
cada sobre a relação da linguagem radiofônica com as múltiplas
telas, elementos de conexão entre o indivíduo e o ciberespaço
com o objetivo de entender os cruzamentos de linguagens.
Sandra Sueli Garcia de Sousa investiga a produção de
conteúdo radiofônico em tempos virtuais. Ao analisar o
ambiente de rádios musicais na Internet, a autora desvenda
novas formas de ouvir o meio no ambiente virtual.
Como os jovens ouvem rádio é o tema do artigo de Ana
Baumworcel da UFF. Resultado de sua tese de doutorado,
Ana fez um estudo de recepção da sonoridade entre univer-
sitários para identificar padrões de comportamento. Conclui
que esses jovens podem ser classificados como a “tribo” da
mobilidade constituída por uma audiência “nômade” carac-
terizada por ter ouvido “seletivo” em relação à mídia sonora.

13 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


O uso de ferramentas de redes sociais e Internet no
jornalismo é analisado em três artigos construídos a partir
de pesquisas empíricas lideradas pelos professores do Rio
Grande do Sul Luiz Ferraretto, Miriam Quadros e Débora
Lopez. O papel do Twitter em dois programas jornalísti-
cos de grande audiência em Porto Alegre é abordado por
Ferraretto e pesquisadoras de iniciação científica que vêem
nessa ferramenta um elemento importante que reforça a
ideia de companhia virtual do meio em relação aos seus
ouvintes. Miriam Quadros e Débora Lopez abordam a in-
tegração do rádio às redes sociais, em especial como se re-
lacionam com o conteúdo jornalístico. E fechando o bloco
de estudos sobre jornalismo, Débora Lopez e sua equipe
de pesquisadores da Universidade Federal de Santa Maria
entrevistaram profissionais de emissoras para entender as
estratégias que adotam em seus sites e aplicativos para dis-
positivos móveis. O estudo revela as estratégias que afetam
a composição do conteúdo e as práticas produtivas do rádio
de Porto Alegre no contexto da convergência.
A emergência das webradios é uma marcas que caracteri-
zam a comunicação na sociedade em rede. Com o objetivo
de analisar o modelo de negócio desse tipo de emissora que
garante sua sustentabilidade financeira, Nair Prata e Henrique
Martins utilizam os 4Ps e dos 4Cs do marketing. A pesquisa
de natureza qualitativa teve como corpus as dez webradios mais
acessadas do país, apontadas pelo portal radios.com.
A partir de uma experiência de produção de conteúdos
radiofônicos na internet (sons, imagens e textos) dirigido às
pessoas com deficiência auditiva e visual, Luciano Klöckner
e pesquisadores da PUCRS apontam caminhos e estraté-
gias para produção do gênero e forma de explorar o poten-
cial da linguagem.
A busca de participação social no rádio educativo é o
tema do texto de autoria de Aline Meneguini de Oliveira.

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Por meio de metodologia de pesquisa qualitativa, com uti-
lização de entrevista em profundidade aplicada com os pro-
fissionais da Rádio UNESP-FM, observação assistemática
e análise de relatórios de atividades da emissora, a autora
revela como se dá o processo de participação social à luz da
perspectiva teórica das relações públicas.
Cada vez mais presentes no ambiente de mídia, as rádios
comunitárias legalizadas já rivalizam com as comercias em
muitas praças no país. A configuração da programação e
as estratégias de inserção no mercado dessas emissoras são
abordadas por Bruno Araújo Torres.
E para fechar o livro, dois textos de caráter histórico que
iluminam o presente. Doris Fagundes Haussen traz o ima-
ginário sobre o rádio na literatura brasileira de ficção, atra-
vés da análise de sete romances. Para ela, ao longo do século
XX, o rádio e a literatura foram responsáveis pelo registro
e a divulgação do cotidiano das sociedades e que imagi-
nários constitutivos destes dois meios circulavam e eram
“capturados” e expostos tanto em criações literárias quanto
em programações radiofônicas. E por fim, Pedro Serico Vaz
Filho lembra dois inovadores do rádio do século passado
que ainda inspiram mudanças em tempos de convergência:
Nicolau Tuma e César Ladeira. Locutores que atuaram na
rádio Record de São Paulo,Tuma e Ladeira transmitiram as
intensas manifestações sociais e políticas de seu tempo, de-
monstrando o poder de força da linguagem do rádio, num
Brasil que tinha uma população na sua maioria analfabeta.
O conjunto dos textos aqui apresentados, não esgotam,
evidentemente, toda a complexidade das questões que en-
volvem as transformações de uma midia tradicional no
ambiente da convergência tecnológica. No entanto, abre
caminhos para outras pesquisas e estudos. A expectativa é
que esta publicação sirva para inspirar pesquisadores que ainda
apostam na permanência do rádio nessa nova ecologia da mídia.

15 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


1.
Rádio e o cenário da
convergência tecnológica

Nelia R. Del Bianco1


Universidade de Brasília

É incontestável a tendência atual de adesão dos meios


de comunicação tradicionais ao ambiente da Internet e dos
dispositivos móveis. É um fenômeno típico da convergên-
cia tecnológica caracterizada por um sistema de informa-
ção em rede, formado pela conjunção da informática, tele-
comunicações, optoeletrônica, computadores e que incluiu
dispositivos móveis e meios tradicionais de comunicação.
Nesse ambiente é possível navegar em páginas da internet,
trocar informações, assistir TV, ouvir rádio, tudo em tempo
real. O rádio nesse ambiente expandiu o dial, seu alcance

1. Professora da Faculdade de Comunicação da Universidade de Bra-


sília (UnB), doutora em Ciências da Comunicação pela Universi-
dade de São Paulo, pós-doutorado na Universidade de Sevilha, pes-
quisadora sênior e cofundadora do Observatório de Radiodifusão
Pública na América Latina. Email: nbianco@uol.com.br

16 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


passou a ser mundial. Baseado nas tecnologias da informa-
ção e comunicação, esse novo sistema abre caminhos para
a construção do que Denis de Moraes (2002) denomina
de uma “dialética ativa de desdobramentos e remissões no
lugar de divisões e estacas demarcatórias” que possibilita o
surgimento de novos nexos, bricolagens e hibridações.
A convergência de mídia é entendida aqui mais do que
uma mudança tecnológica. É um processo cultural a con-
siderar que o fluxo de conteúdo que perpassa múltiplos
suportes e mercados midiáticos e os consumidores migram
de um comportamento de espectadores passivos para uma
cultura mais participativa. A convergência ocorre dentro
das mentes dos consumidores individuais e através de suas
interações sociais com os outros e nas formas de consu-
mo (JENKINS, 2008). Representa uma nova maneira de
interagir com meios tradicionais, estabelecendo um outro
patamar de cultura de relacionamento com o público. A
convergência não é uma novidade no desenvolvimento dos
meios de comunicação, sempre foi essencial no processo de
transformação em todos os tempos, embora a observada na
contemporaneidade tenha características diferenciadas por
força dos recursos oferecidos pela tecnologia digital. Qua-
tro aspectos caracterizam para essa diferenciação:

a) A centralidade da Internet na contemporaneidade


como ambiente de informação, comunicação e ação
múltiplo e heterogéneo. Sendo por natureza multiface-
tado, a Internet pode funcionar num ambiente compar-
tilhado simultaneamente como suporte, meio de comu-
nicação que se presta à expressão, muitas vezes como
sistema tecnológico ou ambiente de informação e de
comunicação. A definição de função depende em muito
do uso que dela se faz em determinado contexto, cir-
cunstâncias, objetivos, finalidade e aplicação social seja

17 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


por interesse, atividade específica ou mesmo por fruição
(Palácios, 2002).
b) A estrutura midiática tem como base material as redes
digitais entendidas como estruturas abertas capazes de
expandir de forma ilimitada, integrando os mais variados
nós desde que consigam comunicar-se dentro da rede,
ou seja, desde que compartilhem os mesmos códigos de
comunicação (Castells, 1999: 499). Por sua malea-
bilidade e flexibilidade, as redes oferecem possibilidades
novas de configuração, rearranjos, conexões, interfaces
que alteram o modo de operação da midia tradicional
desde a produção, a distribuição e a transmissão de con-
teúdo. Funcionam como ferramentas organizativas que
possibilitam centralizar conhecimento e informação
com um grau elevado de flexibilidade e adaptabilidade.

c) Outro conceito importante é o de complexidade


utilizado por Fidler (1997) construído a partir de es-
tudos científicos sobre o comportamento de sistemas
complexos vivos diante dos processos de mudanças. Es-
ses estudos revelam a capacidade de sistemas de se adap-
tarem às mudanças de modo a garantir a sua sobrevi-
vência. Reconhecendo que o sistema de comunicação é
complexo e adaptável, Roger Fidler acredita que todas
as formas de mídia habitam um universo dinâmico, po-
rém interdependente. E quando são introduzidas inova-
ções, cada forma de comunicação é afetada e passa por
uma auto-organização espontânea dentro do sistema.
Da mesma maneira que as espécies vivas evoluem para
a sobreviverem num ambiente com condições variáveis,
o mesmo acontece com as mídias tradicionais. É preciso
considerar, no entanto, que nem todas as mídias sem-
pre se adaptam para evoluir. Eventualmente, algumas
formas de comunicação, assim como as espécies vivas,

18 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


desaparecem. Mas isso não acontece imediatamente ao
aparecimento de uma nova forma.

d) E, por fim, tudo o que forma o tecido do sistema de


comunicação não existe independente da nossa cultu-
ra (Fidler, 1997). Assemelha-se ao desenvolvimento de
toda forma de vida existente no planeta. Em lugar de
evolução e subseqüente substituição, uma nova forma
coexiste e convive com a antiga para que a metamorfose
possa acontecer. No campo da comunicação, as inova-
ções não teriam sido possíveis se a cada nascimento de
um meio resultasse na morte de um mais velho. Cada
nova forma de comunicação emergente, desenvolve-se
influenciada, em graus variados, pela mídia existente. Da
mesma forma que as mídias existentes são impulsionadas
a se adaptarem e evoluir para sobreviver dentro de um
ambiente variável, até mesmo se apropriando de traços
da mídia emergente. Se não houver adaptação, o meio
tende a desaparecer. Por esse entendimento, Fidler acre-
dita num processo de coexistência e convivência entre
meios novos e tradicionais até que cada um possa en-
contrar sua especifidade de linguagem e função no espa-
ço social. No caso do rádio, a tendência é se apropriar de
traços como multidimensionalidade na forma de apre-
sentação do conteúdo, interatividade ativa e participação
colaborativa no desenvolvimento de conteúdos, com-
partilhamento de informação e comunicação horizontal
livre de hierarquias.

Considerando esses pressupostos, a proposta deste artigo é


analisar as questões que desafiam a sustentabilidade do rádio
no ambiente da convergência tecnológica. Para alcançar esse
objetivo, recorreu-se a ideia original de Lévy expressa em
“Cibercultura” para explicar a dinamica e características do

19 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


novo espaço virtual de comunicação, bem como suas poten-
cialidades nos planos econômico, social, político e cultural.
O avanço das novas tecnologias, no início do século XXI,
era alvo de críticas e uma das mais eloquentes dizia respeito
a possibilidade de aumentar ainda mais o abismo entre os ri-
cos e os excluídos, entre o Primeiro Mundo informatizado e
as regiões mais pobres. Em resposta aos críticos, Lévy (1999,
p. 236) dizia que era preciso primeiro observar a tendência
de conexão e não apenas os números absolutos de acessos.
Para sustentar seu argumento citava que o crescimento das
conexões com o ciberespaço demonstrava uma velocidade
de apropriação social superior à de todos os sistemas ante-
riores de comunicação. O ritmo da evolução evidenciava,
naquele momento, que seria exponencial fazendo com que
os excluídos fossem cada vez menos com o avançar o tempo.
Profético, Lévy previu que seria cada vez mais fácil e barato
conectar-se ao mundo virtual.
A partir dessa ideia original de Lévy, o presente artigo
traz uma avaliação da tendência de evolução do rádio con-
siderando sua inserção no ambiente da convergência tec-
nológica. Para tanto busca referências em pesquisas, dados
e levantamentos produzidos por órgãos de regulação, ins-
titutos de pesquisas e grupos de profissinais de mídia para
entender como o rádio está se adaptando ao novo cenário.
A seguir são apresentados 10 aspectos que desafiam o rádio
nesse novo ambiente.

1. O crescimento das comunitárias

No ambiente da radiodifusão brasileira, as rádios comer-


ciais tradicionalmente sempre foram em maior número. Essa
predominância, no entanto, está sendo ameaçada por um
novo competidor: as rádios comunitárias. Em breve, as con-

20 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


cessões para emissoras de baixa potencia deverão ultrapassar
as de AM e FM. A situação é desafiadora a considerar que
uma parte significativa das comunitárias atua rivalizando
com as comerciais em termos de oferta conteúdo de entre-
tenimento e na disputa por patrocinadores junto ao comér-
cio local, mesmo que a lei 9.612/98 de criação dessa moda-
lidade de freqüência não permita veiculação de comerciais.

Tabela 1 – Emissoras de rádio2


2001 2002 2007 2008 2009 2010 2011
Rádios FM 1.622 2.025 2.678 2.732 2.903 3.064 3.125
Rádios OM 1.632 1.682 1.718 1.749 1.773 1.784 1.785
Rádios OC 64 62 66 66 66 66 66
Rádios OT 78 76 75 74 74 74 74
Rádios
980 1.625 3.154 3.386 3.897 4.150 4.409
Comunitárias

Fonte: Anatel Dados

Gráfico 1

Fonte: Anatel Dados

2. Novos hábitos de consumo de rádio


De acordo com pesquisa realizada pelo governo federal

2. Inclui emissoras em instaladas e em carácter experimental.

21 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


em 2010, o hábito de ouvir rádio alcança 80,3% da popu-
lação. O percentual é inferior ao de televisão, com 96.6%3.
No entanto, esse dado revela apenas penetração do meio e
não a audiência. Pesquisas de midia do Ibope indicam que
a audiência media do rádio FM é de 15% da população e
3% para o AM. Se for considerado o volume total de ou-
vintes nos 13 mercados com pesquisas regulares do Ibope
há algo em torno de 11 milhões de ouvintes por minuto.
Ocorre que essa audiência é pulverizada se dividir o per-
centual entre as 380 rádios AM e FM existentes nas praças
abrangidas pela medição. Os índices mais baixos de escuta
estão entre jovens de 20 a 29 anos. E quando acontece se
dá, na sua maioria, pela Internet. Enquanto o consumo de
AM continua estagnado na faixa etária de 45 a 49 anos. O
segmento de classe C é o que mais escuta rádio segundo
dados da Ipsos Estudo Marplan EGM de 20104.
Com a emergência de multiplataformas digitais, o rádio
expande a entrega de conteúdo para além do aparelho recep-
tor tradicional e conquista audiência que ainda não é compu-
tada pelas pesquisas tradicionais. Uma enquete realizada pelo
Grupo dos Profissionais do Rádio em 2009 com 2.580 ou-
vintes que acessaram o site www.radioenquete.com.br reve-
lou que o hábito de ouvir o veículo pelo aparelho portátil ou
receiver já rivaliza com outras formas de consumo. De acordo
com a pesquisa, 74% disseram que ouve no aparelho portátil,
receiver, microsystem; 63% internet  via  computador; 61%
no rádio  do  carro; 37% sintoniza no  celular; 37% no  mp3/
mp4/iPod; 12% pelos canais  de  áudio  da  TV  a  cabo/pa-
rabólica; e 3% pela internet  via  celular. Quando pergunta-
do se ouve rádio na internet ou visita os sites das emissoras,
82% confirmaram esse hábito5.

3. Pesquisa hábitos de informação e formação de opinião da população


brasileira. Relatório consolidado. Governo Federal, março 2010.

4. Mídia Dados Brasil 2011, Grupo de Mídia de São Paulo.

5. Pesquisa disponível em http://www.gpradio.com.br/dados.html

22 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


Outra mudança significativa é que a audição acon-
tece simultaneamente a outras atividades como também
ao consumo de outras mídias. A pesquisa do Grupo dos
Profissionais do Rádio realizada em 2009 mostra que 79%
dos entrevistas dizem ouvir rádio quando está em casa, 64%
enquanto dirige automóvel, 45% durante o trabalho, 26%
enquanto caminho pelas ruas e 25% fazendo exercícios.
A simultaneidade de atividades e consumo de mídia ocorre
especialmente entre jovens. Numa pesquisa exploratória reali-
zada pela autora com 350 alunos da UnB foi possível constatar
a centralidade do consumo de internet na vida dos jovens o
que acontece, invariavelmente, associado aos meios tradicionais:
Tabela 2 – Consumo de Internet e outros meios
pelos jovens
Você faz outras atividades enquanto acessa a Internet?
Itens Quant. %
a. Faz refeições 197 56%
c. Estuda 254 72%
d. Trabalha 124 35%
e.Vê TV 168 48%
f. Conversa ao telefone 186 53%
g. Envia mensagens pelo celular 132 37%
h. Ouve MP3 140 40%
i. Ouve rádio 80 22%
h. Não faz outra atividade paralela 20 5%

O fenômeno também acontece em relação à TV. Um a


cada seis brasileiros navega na Internet enquanto assiste à TV,
de acordo com pesquisa Social TV realizada pelo Ibope Niel-
sen Online em 2012. Destes, 59% declararam fazer isso todos
os dias. Além disso, 29% dos consumidores simultâneos de TV
e Internet fazem comentários online sobre os programas, so-
bretudo em redes sociais. Mais de 70% desses consumidores
simultâneos afirmam que procuram na Internet informações
sobre o que está sendo mostrado na TV e 80% admitem ter li-
gado a TV ou trocado de canal motivados por uma mensagem

23 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


recebida pela Internet6. Diante desses dados, o que se constata
é que o futuro dos meios está na combinação entre eles, espe-
cialmente com a Internet e dispositivos móveis.

3. Crescimento exponencial da Internet e da ban-


da larga
A integração do rádio à Internet tornar-se cada vez mais
necessária como estratégia de sustentabilidade, a considerar
o crescimento do acesso à rede e seu uso aos poucos sen-
do integrado ao cotidiano da população. A quantidade de
domicílios brasileiros com computador aumentou 264% de
2005 para 2011. E se considerar os que tem acesso à Inter-
net, o crescimento foi de 292%. Interessante observar que
paralelamente caiu em 12% o número de casas com aparelho
de rádio em seis anos, indicando que a audição pode estar
reduzindo ou migrando para outras plataformas multimidia.
Gráfico 2 – Evolução em % de domicílios com equipa-
mentos de TIC

Fonte: TIC Domicílios, Núcleo de Informação e Coordenação do


Ponto Br (NIC.br)

6. Um a cada seis navega na internet enquanto assiste à TV. Revista Exame


26. 06.2012. Disponível em http://exame.abril.com.br/tecnologia/no-
ticias/um-a-cada-seis-navega-na-internet-enquanto-assiste-a-tv

24 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


Gráfico 3 – Evolução em % de domicílios com Internet
40
38
35

30
27
25 24
20 20
Expon.
17
15 14,49
12,93
10

0
2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

Fonte: TIC Domicílios - Núcleo de Informação e Coordenação do


Ponto Br (NIC.br)

Outro aspecto que favorece o consumo de produtos


multimídia é a popularização da banda larga. Em 2011,
ultrapassou o acesso discado. Mais de 40% dos usuários
conectam-se com velocidade superior a 2 MB, segundo
o estudo NetSpeed Report, do IBOPE Nielsen Online re-
alizado em 2011.

Gráfico 4 – Evolução em % de domicílios com compu-


tador e acesso à banda larga

80

70 68 68
66
60 58
50 50

40 40,35
35,42
30

20

10

0
2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

Fonte: TIC Domicílios - Núcleo de Informação e Coordenação do


Ponto Br (NIC.br)

25 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


Embora seja notável o avanço da banda larga, a audição
de rádio em tempo real pela Internet ainda não se firmou
como hábito frequente, 36% dos usuários em 2011, sofrendo
a competição de outras formas de consumo de mídia como a
TV (21%) e a prática de baixar músicas (51%) e filmes (33%).

Gráfico 5 – Evolução em % de usuários concetados


que ouvem rádio pela Internet
45
42
40 40

35 36 36

30
27,52
25 26
23,3
20 Série1

15

10

0
2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

 Fonte: TIC Domicílios - Núcleo de Informação e Coordenação do


Ponto Br (NIC.br)

Sem dúvida, nos últimos dez anos houve um salto ex-


pressivo de domicilios com acesso a Internet. Mas ainda in-
suficiente se considerar que, mesmo com esse avanço, 55%
das residências ainda não tem computador. E 62% não tem
acesso à internet. A sexta economia do planeta aparece em
81º lugar - após cair três posições, em 2011 - no ranking
mundial de usuários de internet.
No entanto, projeções realizadas pela FGV apontam que
essa realidade tende a mudar rapidamente. O Brasil tem,
hoje 99 milhões de computadores em uso – incluindo ta-
blets – e deve chegar a 2014 com 140 milhões. Isso significa
ter dois computadores para cada três habitantes do País em

26 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


2014, podendo chegar à taxa de um por um em 20177.
Enquanto tendência é importante observar o comporta-
mento da classe C no consumo de mídia. Nesse segmento,
a proporção de computadores portáteis praticamente do-
brou em relação a 2010 – pelo menos um notebook em
28% dos domicílios. De acordo com pesquisa do Data Po-
pular de 2011, a nova classe média deve gastar cerca de R$
1 trilhão de reais e entre os itens que pretende consumir
está em primeiro lugar um computador (61%), seguido de
eletromésticos (56%)5.

5. A tímida interface do rádio brasileiro na Internet

Pesquisa sobre as condições de adaptação do rádio ao


digital (BIANCO e ESCH, 2010) aponta que a maioria das
emissoras brasileiras tem acesso a Internet (95,36%) e utili-
za banda larga (94,44%). Em metade das pesquisadas, a in-
ternet está disponível em todas as instalações da emissoras.
A crescente informatização levou 77% das emissoras a
criarem um sítio na Internet, sendo que 33% deles entra-
ram em operação há mais de cinco anos. A média dos ra-
diodifusores considera a página na rede muito mais como
espaço de interação com o ouvinte (43%) e forma alterna-
tiva de transmissão de programação ao vivo (41%) do que
um meio para disponibilizar programas em arquivos pod-
cast (2%). Essa prática limita o potencial de uso da Internet
como disponibilizar conteúdo para consumo a qualquer
tempo. Ao mesmo tempo revela a dificuldade das emissoras

7. “Até 2014, Brasil terá 140 milhões de computadores em uso, mos-


tra FGV”. InfoMoney. Disponível em http://economia.uol.com.
br/ultimas-noticias/infomoney/2011/04/19/ate-2014-brasil-te-
ra-140-milhoes-de-computadores-em-uso-mostra-fgv.jhtm

27 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


em investir em formatação de conteúdo digital ou mesmo
de dispor condições técnicas e de pessoal qualificado para
manter paginas na internet mais interativas e significativas.
Observa-se, ainda, que a apresentação de sites eficien-
tes está concentrado nas grandes emissoras e em menor
proporção entre as de menor porte. Estudo realizado pela
Lumens Consultoria a pedido do Grupo de Profissionais
do Rádio identificou vários problemas de usabilidade nos
sites de rádios. Entre eles, baixo contraste de cor, as vezes
utiliza-se fundo escuro e letras praticamente ilegíveis; apre-
sentação de novas ferramentas sem explicar como funcio-
nam; menu apagado sem contraste; excesso de rolagem para
se alcançar a informação desejada; falta de mensagens esti-
mulando a participação da audiência no canal destinado a
essa finalidade e excesso de janelas de navegação8. Moral da
história: não adianta transpor para o mundo digital à lógica
do analógico. É préciso entender o ambiente, explorar suas
potencialidades se quiser atrair ouvintes internautas.

6. Presença nas redes sociais

O Brasi já é o segundo país no Facebook. São mais de


43 milhões de brasileiros ativos na rede social. Os brasileiros
correspondem a pouco mais de 23% dos membros da rede.
O crescimento dessa presença é exponecial. De janeiro a
abril de 2012 houve um aumento de 22% no número de
brasileiros na rede social – enquanto, entre os indianos, o
crescimento foi de apenas 5%.9

8. As novas métricas do rádio. Grupo dos Profissionais do Rádio. Dis-


ponível em http://www.gpradio.com.br/dados.html

9. O Brasi já é o segundo país no Facebook. Estadao, 3.05.2012. Dis-

28 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


A questão central não está somente no avanço do núme-
ro de participantes das mídias sociais, mas o que eles fazem
nesse espaço de interação e comunicação. Uma pesquisa
da agência JWT, divulgada durante a Social Media Week
de 2011 (fórum de discussão e debates sobres as tendências
no universo das mídias sociais) mostrou que as mídias so-
ciais (blogs, Twitter, Facebook, Orkut e afins) no Brasil são
totalmente pautadas pela mídia tradicional. O inverso não
acontece, a tradicional é pouquíssimo pautada pelas sociais
e, em especial, pelos blogueiros independentes. O estudo
foi baseado na análise de arquivos de reportagens de 2010
do “Jornal Nacional” e das revistas “Época” e “Veja”. Foram
analisadas 7.418 matérias10.
Ora, se as mídias sociais são um local de ressonancia da
mídia tradicional, o rádio tem feito para ocupar esse espaço?
A principio ter uma fan page ou um canal numa das mídias
sociais existentes é o primeiro passo. O segundo é fazer com
que a produção do seu conteúdo seja visto por muitos, o que
implica entregar o conteúdo formatado para aquele supor-
te. E, por fim, se fazer ouvir. Um bom exemplo é a Nova
Brasil FM que lançou em 2012 o aplicativo Social Radio,
que permite que o internauta ouça a programação da rádio
enquanto navega pelo Facebook, sem abrir pop-up. O apli-
cativo mostra o nome do cantor ou da banda e da música
que é executada no momento, além disso é possível, também,
compartilhar pela rede a música que você está ouvindo.
A presença nas redes sociais gera a necessidade de acom-

ponível em http://blogs.estadao.com.br/link/o-brasil-ja-e-o-se-
gundo-pais-no-facebook/

10. Mídias sociais são pouco influentes no Brasil, mostra pesquisa. Fo-
lha de São Paulo em 08.02.2011.Disponível em http://www1.folha.
uol.com.br/mercado/872488-midias-sociais-sao-pouco-influen-
tes-no-brasil-mostra-pesquisa.shtml

29 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


panhamento e gestão por parte uma equipe qualificada
para o trabalho. A estratégia é fundamental especialmente
para emissoras que dependem de anunciantes que chegam
via agências de publicidade e utilizam estratégias complexas
para alcançar uma audiência pulverizada e fragmentada.

7. Comunicação móvel, um novo espaço para o rádio

A maior evolução em andamento é a universalização do


uso de telefones celulares entre a população - 76% têm celular
e 82% utilizam celular. O acesso à internet via telefone chega a
17% de usuários para 2011, segundo pesquisa TIC Domicílios
do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto Br.
A banda larga móvel alcança 37,6 milhões de conexões
no Brasil conforme pesquisa da Associação Brasileira de
Telecomunicações (Telebrasil). Já o número de acessos à
Internet pela banda larga móvel praticamente dobrou nos
últimos de 2010 para 2011. Do total de conexões móveis,
7,4 milhões são de modems e 30,2 milhões de celulares de
terceira geração que permitem conexão à internet. As redes
3G já estão em mais de 1.795 municípios, que concentram
78% da população brasileira11.
Há uma tendência de uso do celular mais com o obje-
tivo de acessar dados e mensagens de texto do que serviços
de voz. A mola propulsora desse fenômeno é o crescimento
de 73% em 2012 das vendas de smartphones. Segundo pro-
jeção da consultoria IDC, especializada no mercado de tec-
nologia e telecomunicações, serão vendidos no Brasil perto
de 15,4 milhões de unidades de smartphones. Os números

11. Banda larga móvel chega a 37,6 milhões de conexões no Brasil.


Convergência Digital. Disponível em http://convergenciadigital.
uol.com.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=28416&sid=17

30 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


puxaram o Brasil da 16ª para a 10ª posição entre os maiores
mercados do produto no mundo12.
Com o crescimento do acesso a telefonia móvel, as rá-
dios de maior porte já estão investindo em aplicativos para
conexão para ouvir a emissora em tempo real pelo celular
e smartphones. Iniciativa partiu, inicialmente, das rádios di-
rigidas ao publico jovem e agora alcança as emissoras tra-
dicionais no segmento adulto de classe C como a Rádio
Capital AM e Globo AM, ambas de São Paulo.

8. Faturamento estagnado

Nos últimos 10 anos, a participação do rádio na distri-


buição do bolo publicitário permaneceu entre 5% e 4% de
acordo com o Projeto Inter-Meios, iniciativa dos canais de
comunicação, coordenada por Meio & Mensagem. Embora
o volume de recursos para a publicidade esteja aumentando
em termos nominais, a parcela abocanhada pelo rádio tem
se cristalizado. A concorrência tente acirrar com a entrada
de novos competidores, como a internet cuja parcela já é
superior a do rádio (5,08%).
É bem verdade que existem muitas realidades comerciais
no rádio brasileiro. Por um lado, grandes emissoras são cor-
tejadas pelos planejamentos de mídia, seja pela audiência,
seja pela qualificação do público. Por outro, milhares de
pequenas e médias emissoras não são lembradas na hora de
as agencias de publicidade distribuírem as verbas. Essa dis-

12. Vendas de smartphones no Brasil devem crescer 73% em 2012,


diz IDC. G1. Disponível em http://g1.globo.com/tecnologia/
noticia/2012/03/vendas-de-smartphones-no-brasil-devem-cres-
cer-73-em-2012-diz-idc.html

31 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


torção entre faturamento, participação no bolo publicitá-
rio e potencial desempenho pode ter várias origens, porém
uma delas, bastante reclamada pelo mercado, é a falta de
pesquisas mais profundas sobre o meio e uma metodologia
que ainda não conseguiria contemplar a complexidade dos
ouvintes e a das modalidades de escuta na atualidade.
A sustentabilidade financeira hoje é um desafio que exige
das emissoras construírem estratégias não somente para ven-
der espaços de inserção de spots de 30 segundos, mas também
fazer projetos customizados para atender a necessidade do pa-
trocinador. E nesses projetos é preciso ter um mix de soluções
para ações que, invariavelmente, são do tipo cross media.
Está se tornando cada vez mais comum campanhas que en-
volvem lançamento de hotsite, veiculação de spots e testemu-
nhais em rádios veiculados, as vezes, em duas ou três na mesma
cidade, a inclusão de banners e links patrocinados na Internet,
e uma ação de cross media com torpedo de voz e SMS gra-
tuito. Da ação podem fazer parte pedágios e blitzs organizadas
pelas emissoras e, ainda, envio de mensagens sonoras por te-
lefone. As combinações de suportes digitais, internet, telefonia
e meios tradicionais são inúmeras, constituindo-se num novo
paradigma para a publicidade: Rádio + Promoção + Evento
+ Internet + Celular + Ação de relacionamento.

9. Digitalização da transmissão em compasso de espera

É paradoxal ver a crescente integração do rádio a In-


ternet e plataformas digitais se considerar que ainda é len-
to o processo de migração para o sistema de transmissão
digital em boa parte do mundo. No Brasil há 10 anos se
discute qual deve ser o formato de digitalização da trans-
missão sem chegar a uma conclusão. O impasse resultou
em atrasos para o setor, 59% dos radiodifusores gostariam

32 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


de trocar transmissores da emissora para se adaptar às no-
vas exigências tecnológicas do rádio digital (BIANCO e
ESCH, 2010). Diante da indefinição emissoras tem retar-
dado os investimentos, seja em equipamentos como tam-
bém na melhoria da programação, especialmente no AM
por razões que serão detalhadas no item 10 deste artigo.
É fato que a discussão evoluiu em 2010 com a criação
pelo Ministério das Comunicações do Sistema Brasileiro
de Rádio Digital – SBRD, por meio da Portaria nº 290.
Trata-se de uma norma que aponta características a serem
consideradas no processo de escolha. E o segundo avanço
está na decisão do Ministério das Comunicações em rea-
lizar novos testes técnicos (2011-2012), em parceria com
emissoras executantes dos diferentes serviços de radiodifu-
são e o Inmetro, para verificar o desempenho dos diferentes
modelos (DRM e IBOC). Pela primeira vez se terá uma
avaliação comparativa de desempenho entre os formatos
de digitalização, contribuindo para que a escolha possa ter
maior grau de acerto.
De qualquer modo, o impasse traz incertezas quanto ao
futuro: 37% dos radiodifusores brasileiros não tem planos
para a rádio digital porque aguardam definições técnicas
sobre o padrão. No entanto, há uma grande expectativa
quanto aos benefícios advindos com a mudança tecnológi-
ca. Esperam que com a digitalização se consiga melhoria da
qualidade de som (36%), incremento da oferta de produtos
adicionais (16%), aumento da audiência (13%) e tão dese-
jado crescimento do faturamento (10%). Por outro lado,
poucos enxergam na tecnologia potencial para conquistar
ouvintes diferenciados do perfil atual (9.58%) ou acreditam
na melhoria da gestão do negócio rádio (7%) (BIANCO e
ESCH, 2010).

33 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


10. Agravamento da crise do AM

Numa época em que o som stereo é dominante, ouvir


AM é penoso. Som chiado, quase incompreensível, dificulta
a audição de música, reduzindo o espectro de produção a
programas falados. A dificuldade resulta das características
físicas do meio de propagação das ondas médias, suscetíveis
a interferências e ruídos. E com o aumento do ruído urba-
no o nível de interferência tem crescido ainda mais.
A saída sugerida pelos radiodifusores é utilizar os canais 5
e 6 das TVs analógicas que serão desocupados totalmente em
2016, quando termina o simulcast da TV digital, para aumentar
a disponibilidade de canais FM e transferir para o AM para esse
novo ambiente. Na prática, cada emissora de rádio AM recebe-
rá um canal na nova faixa de FM.A proposta está sendo analisa-
da pelo Ministério das Comunicações há pelo menos dois anos.
A realocação da freqüência para os canais 5 e 6, aliada à
definição do padrão de rádio digital,  permitirá que o AM
mais qualidade de transmissão e novos recursos informati-
vos, recursos necessários para sair da estagnação em termos
de audiência, faturamente e condições técnicas operacionais.
Atualmente no Brasil 37% das emissoras ainda funcionam
com transmissor valvulado, enquanto (63%) operam com
transmissor modular. O equipamento valvulado está concen-
trado em emissoras das regiões nordeste (24%), sul (26%) e
sudeste (37%). Ao se analisar os dados pelo tipo de tecnologia
de transmissão, observa-se que 35% dos valvulados estão em
emissoras AM e 62% nas de FM. Entre as FMs comerciais
mais da metade possui equipamento a válvula, um terço das
comerciais AMs e das educativas FMs, metade das educativas
AMs e a totalidade das estações OCs e OTs também apre-
sentam este tipo de tecnologia (BIANCO e ESCH, 2010).

34 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


Considerações finais

Os dados aqui apresentados mostram que o futuro do


rádio brasileiro está na combinação com os outros meios e
suportes. Isolado não terá sustentabilidade num ambiente
onde o consumo de mídia se dá de forma casada com ati-
vidades (trabalho, estudos, lazer) e com a audiência simul-
tânea de outros meios.
Sem dúvida, o rádio brasileiro precisa abraçar a internet e a
comunicação móvel – não apenas como ferramentas de ven-
da ou de marketing, mas principalmente como negócio que
depende da interatividade e do desenvolvimento tecnológico.
Além disso deve apostar no seu conteúdo e fazê-lo en-
contrar caixas de ressonância para além do aparelho receptor
tradicional. Diante da fragmentação da audiência é necessário
buscar o ouvinte onde estiver. E a melhor forma de atraí-lo é
pelo conteúdo significativo que apresente vínculos com o lo-
cal, a comunidade, o entorno do seu cotidiano. Esse é o grande
diferencial do rádio: o sentido de proximidade, o localismo.
O rádio como parte do ambiente sempre impregnou a
vida das pessoas por estar em toda parte graças o aparelho
portátil. Em tempos de internet e celular a mobilidade é po-
tencializada. O desafio é manter-se necessário frente à emer-
gência de muitos outros meios que passaram a competir com
uma antiga capacidade do rádio de dar a notícia em primeira
mão, de ser o primeiro a informar. Esse sentido primordial
está sendo rivalizado fortemente pela Internet graças a mo-
bilidade conquistada com a ampliação da rede 3G pelo país.
A questão central é porque o rádio ainda seria necessário
nesse novo ambiente de consumo midiático, ou seja, em que
medida pode oferecer algo que os outros não são capazes?
A resposta pode estar na sua própria natureza constituída
pelo código sonoro. A ausência de imagens que poderia
ser considerada uma inferioridade é, ao contrario, uma su-

35 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


perioridade, segundo Bachelard (1986, p.179), porque na
unisensorialidade reside o eixo da intimidade. É por meio
das imagens que se formam na imaginação do ouvinte que
se constrói o carácter pessoal da comunicação, ou seja, uma
relação de proximidade e de interação informal. É o vín-
culo com a tradição da cultura oral que tem sido capaz de
suscitar efeitos junto à recepção, colaborando para manter
o poder de mobilização e a permanência do rádio. Mas os
tempos são outros, isso requer que esse poder de mobili-
zação pela sonoridade seja reinventado. O futuro pertencer
aos que sejam capazes de reinterpretar a sonoridade em
tempos de conexão com o ambiente digital.

Referências

BACHELARD, Gaston. Devaneio e rádio. Direito de sonhar.


São Paulo: Difel, 1986.
BIANCO, Nelia R. Del ; ESCH, C. E. . Condições de
Adaptação do Rádio Brasileiro à Tecnologia de Difusão
Digital. Conexão (UCS), v. 09, p. 159-174, 2010.
Bianco, Nelia R. Del ; ESCH, C. E. . Rádio digital no
Brasil: análise de um debate inacabado. Revista Brasileira de
Políticas de Comunicação, v. 2, p. 01, 2012.
CASTELLS, Manuel. A era da informação: economia, sociedade
e cultural - A sociedade em rede, volume 1 São Paulo: Paz e
Terra, 1999.
FIDLER, Roger. Mediamorphosis – Understanding New Me-
dia. Califórnia: Pine Forge Press, 1997.
JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo, Ale-
ph, 2008.

36 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


LEMOS, André. Cibercultura – tecnologia e vida social na cul-
tura contemporânea. Porto Alegre: Sulina, 2002.
MORAES, Dênis. Ciberespaço e mutações comunicacio-
nais. Sala de Prensa, nº 44, ano IV, vol. 2, junho de 2002.
Disponível em: http://www.saladeprensa.org/art370.htm.
PALÁCIOS, Marcos. Fazendo jornalismo em redes híbri-
das. Observatório da Imprensa, 2002. Disponível em http://
www.observatoriodaimprensa.com.br/news/showNews/
eno111220022.htm.

37 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


2.
Rádio social – Uma proposta de
categorização das modalidades
radiofônicas

Marcelo Kischinhevsky1
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

Meio de comunicação inovador e de caráter revolucio-


nário, ferramenta para pôr em contato as pessoas apesar das
grandes distâncias que as separam. Espaço privilegiado para
a educação e a difusão de informação e cultura. Chave para
a democratização e a inclusão social. Maravilha tecnológi-
ca proporcionada pelos avanços da ciência... Quase tudo
que se fala hoje da internet, na esfera do senso comum,

1. Professor do Departamento de Jornalismo e do Programa de Pós-


-Graduação em Comunicação da Faculdade de Comunicação Social
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FCS/UERJ), onde co-
ordena o AudioLab. É doutor em Comunicação e Cultura pela Escola
de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO/
UFRJ). O autor agradece à Fundação Carlos Chagas Filho de Ampa-
ro à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) e ao Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo
apoio às suas pesquisas. Email: marcelokisch@gmail.com.

38 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


pode ser encontrado nos discursos acerca do rádio em seus
primórdios, nos anos 1920 (para um rico inventário dos
textos canônicos sobre o meio, cf. MEDITSCH, 2005, e
MEDITSCH e ZUCULOTO, 2008).
O deslumbramento com as novas tecnologias de infor-
mação e comunicação encontra paralelos importantes com
saltos anteriores da história humana e remonta à consolida-
ção da experiência da vida moderna, ainda no fim do sé-
culo 19. Carolyn Marvin, em estudo pré-internet, recupera
este percurso, buscando nos discursos sobre a invenção do
telégrafo, do telefone e da lâmpada elétrica – veiculados na
grande imprensa e em publicações especializadas da época
– a chave para a compreensão das formas de apropriação
da mídia massiva do século subsequente (MARVIN, 1988).
Meios de comunicação desenvolvem-se em torno de
complexos sistemas de práticas sociais, hábitos, crenças e
códigos culturais, regidos por processos dinâmicos, que
abrangem a criação de conteúdos/discursos/mensagens,
sua produção, transmissão, distribuição, circulação e consu-
mo – todos mediados tecnologicamente.
Tendemos ora a naturalizar os meios, atribuindo-lhes
uma ascendência sobre o nosso cotidiano, uma posição
de poder de que não desfrutam, ora a fetichizar suas
inovações éticas e estéticas, especulando sobre aspectos
positivos ou negativos de seus desdobramentos técnicos,
não raro sem qualquer base empírica.
Não é por outro motivo que se alternam, no mundo
acadêmico, leituras otimistas da internet, com seu po-
tencial de reinventar o rádio e visões pessimistas, que
relacionam a expansão da rede mundial de computado-
res a uma espécie de canto do cisne do meio. De acordo
com essa percepção fatalista, o rádio – que, em 2012,
festeja nove décadas de história oficial no Brasil – es-
taria fadado ao desaparecimento, por representar uma

39 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


outra época, em que a lógica dominante nas indústrias
midiáticas seria a do broadcasting.
Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Neste trabalho,
opta-se por uma leitura cautelosa, em que a tecnologia é
apenas pano de fundo de transformações econômicas e cul-
turais mais profundas. Que não se espere encontrar aqui
discursos tecno-apologéticos ou conceitos mirabolantes. O
desafio teórico é de caráter exploratório, mas balizado por
uma perspectiva empírica. O presente artigo visa contribuir
para os estudos de rádio e mídia sonora, buscando novas fer-
ramentas e unidades de análise de acordo com suas especi-
ficidades. O objetivo central é mapear as novas modalidades
de radiodifusão sonora, distinguindo-as sobretudo quanto ao
acesso, à recepção e à circulação. Considera-se que esforços
teórico-metodológicos nesta direção são cruciais num mo-
mento de consolidação e adensamento dos estudos de rádio
e mídia sonora, que chegam a duas décadas no Brasil tendo
na Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Co-
municação (Intercom) um fórum permanente de diálogo e
aprimoramento para os pesquisadores deste campo.
A presente pesquisa vem sendo desenvolvida des-
de 2009, no AudioLab da Faculdade de Comunicação
Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(FCS/UERJ) e, desde 2011, se articula com projeto de
pesquisa no âmbito do Programa de Pós-Graduação em
Comunicação (PPGC), intitulado “A indústria da ra-
diodifusão sonora diante da convergência midiática –
Produção, veiculação e consumo de conteúdos radiofô-
nicos no Rio de Janeiro”.
A pesquisa – que mobiliza bolsistas e colaboradores, es-
tudantes de Jornalismo da FCS/UERJ – abrange entrevis-
tas semiestruturadas com profissionais de radiojornalismo,
com ativistas ligados a rádios comunitárias e a portais dedi-
cados à radiofonia (cf. KISCHINHEVSKY, 2011a) e com

40 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


ouvintes2, bem como uma estratégia de observação partici-
pante em serviços on-line que possibilitam a veiculação de
conteúdos radiofônicos. Entre 2007 e 2010, o autor criou
perfis em três destes serviços (o britânico Last.fm3, o ame-

2. A pesquisa com jovens ouvintes mobilizou mais seis pesquisadores,


de quatro estados, com foco nos usos e apropriações do rádio, em
seus mais variados suportes. Os resultados do levantamento foram
apresentados no XXXIII Congresso Brasileiro de Ciências da Co-
municação (Intercom), em 2010, realizado em Caxias do Sul (RS),
sendo posteriormente sistematizados em artigo publicado em revis-
ta científica internacional. Cf. FERRARETTO et al., 2011.

3. Sistema ancorado no programa Audioscrobbler, que lê todos os ar-


quivos do computador do usuário e traça, por meio de algoritmos,
uma espécie de perfil, formando sequências de músicas e outros
arquivos sonoros, como podcasts, em fluxo contínuo. Desde 2003,
quando foi lançado, contabiliza mais de 50 bilhões de scrobbles, o
que equivale a uma playlist que levaria 391 mil anos para ser exe-
cutada. É possível eleger faixas favoritas, recomendá-las, estabelecer
amizades virtuais, participar de comunidades e ouvir estações de
outros usuários livremente, mas o download de arquivos é limitado a
ações promocionais conjuntas com gravadoras de discos. Compra-
do pelo CBS Interactive Music Group, o portal passou a cobrar por
parte dos serviços (a assinatura é de US$ 3 mensais). Soma cerca de
40 milhões de usuários ativos. Competindo com emissoras de rádio,
portais de podcasts e canais de música on-line, passou a oferecer apli-
cativos para viabilizar a escuta em celulares. Mantém escritórios em
diversos países, inclusive no Brasil. Endereço: http://lastfm.com.br.

41 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


ricano Blip.fm4 e o brasileiro Radiotube5), interagindo com
atores diversos, o que propiciou a impregnação pelos dados
colhidos na pesquisa de campo.

4. Em sua página de abertura, convoca: “Ouça música grátis online.


Rádio via internet tornado social – streaming e compartilhamento
gratuito de música” (no original: “Listen to free music online. Internet
radio made social – free music streaming and sharing”). Os participantes
são chamados DJs, hierarquizados pela quantidade de ouvintes e
distinções (props) que suas postagens recebem. O sistema permite
que se distribuam arquivos de áudio, disponíveis em outras páginas
da internet ou cadastrados pelo próprio DJ, o que viabiliza a distri-
buição de podcasts. Os arquivos podem ser ouvidos por um círculo
de amigos virtuais e também numa página pública, mundialmente,
em tempo real. Pode-se fazer comentários sobre os arquivos, redis-
tribuí-los e também habilitar o serviço para que suas atualizações
sejam recebidas em outras mídias sociais, como Twitter, Facebook
e Ping.fm. Não há possibilidade de download. Em sua página inicial,
convida os visitantes a se cadastrar prometendo “acesso a milhões de
músicas grátis” e a chance de ter “sua própria estação de rádio via
internet”. Endereço: http://blip.fm.

5. Site colaborativo que tem como bordão “A cidadania por todas as


ondas”, reúne aficionados por rádio, ativistas de rádios comunitárias
e movimentos sociais e pessoas físicas e tem como objetivo “formar
uma rede social que produza conhecimento coletivo e informação
cidadã”. Surgiu a partir da Rede de Cidadania nas Ondas do Rádio,
desenvolvida em 2007, com apoio da Petrobras, mobilizando jovens
colaboradores e uma rede de 635 emissoras de rádio de todo o país.
Conta com mais de 2,4 mil usuários cadastrados e 180 comunida-
des on-line. É possível postar áudios, textos e vídeos, todos com li-
cença Creative Commons, fazer o download de arquivos publicados,
enviá-los para mídias sociais, serviços de microblogging e sites de
relacionamento, como Twitter, Facebook e Orkut, postar comentá-
rios e navegar por listas de destaques, distribuídos por temas que se
revezam na capa (inclusão, acessibilidade, transportes, educação, di-
versidade etc.) – há duas listas deste tipo, uma de conteúdos eleitos
pelos editores do Radiotube e outra, automatizada, com os arqui-
vos mais visitados, mais comentados e últimas postagens. Endereço:
http://www.radiotube.org.br.

42 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


As prioridades deste levantamento, de caráter explora-
tório, foram: a) a compreensão da lógica que rege os três
serviços (regras de utilização, ferramentas disponíveis, neti-
queta, representações sociais veiculadas) e b) a identificação
da especificidade das práticas interacionais ali concretiza-
das, como a etiquetagem (tagging) e o compartilhamento
de arquivos digitais de áudio, como reportagens, progra-
mas e comentários (KISCHINHEVSKY, 2012a e 2012b).
Esta pesquisa por meio de observação participante guar-
da afinidades com uma netnografia (ou etnografia virtual
ou, para alguns, simplesmente etnografia), reconhecendo
suas limitações e as possibilidades que oferece na investiga-
ção da comunicação mediada por computador (BRAGA,
2006), bem como as controvérsias que o neologismo suscita
(FRAGOSO, RECUERO e AMARAL, 2011).
A opção metodológica recaiu sobre a perspectiva ne-
tnográfica, pois considera-se que esta seria mais útil para
explorar novas práticas interacionais sonoras, práticas que
devem ser compreendidas como elementos constituintes
de um vasto conjunto de serviços de comunicação e dis-
tribuição de mensagens e arquivos digitais de áudio, que se
complementam e se realimentam em diversos níveis.
As informações coletadas no trabalho de campo foram
complementadas por entrevistas, que forneceram estatísticas,
esclareceram modos de produção e, sobretudo, trouxeram
percepções pessoais dos gestores sobre a dinâmica envolven-
do os ouvintes de rádio em plataformas digitais6. A partir
deste mosaico, foi construída a proposta de categorização das

6. Agradeço aqui especialmente a André Lobão, da Criar Brasil, orga-


nização não-governamental que administra o portal colaborativo
Radiotube, Carolina Morand, Creso Soares Jr., Eduardo Compan e
Júlio Lubianco, do Sistema Globo de Rádio, e Rodolfo Schneider,
do Grupo Bandeirantes de Comunicação.

43 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


modalidades radiofônicas, que será apresentada mais adiante.
Mas, antes, é preciso buscar a especificidade da radiofo-
nia. Afinal, de que rádio falamos?

Delimitando o radiofônico

Nos congressos nacionais da Intercom dos anos 2000, a


discussão sobre o que seria ou não rádio ganhou contor-
nos mais definidos e suscitou polêmicas. Em seu livro, fruto
de premiada tese de doutorado, Nair Prata (2010, p. 73)
recupera artigo em que Eduardo Meditsch considerava a
radiofonia um “meio de comunicação que transmite infor-
mação sonora, invisível, em tempo real. Se não for feito de
som não é rádio, se tiver imagem junto não é mais rádio, se
não emitir em tempo real (o tempo da vida real do ouvinte
e da sociedade em que está inserido) é fonografia, também
não é rádio (MEDITSCH, 2001, p. 4)7.
Prata queria, com isso, estabelecer fronteiras entre o que
é ou não radiofônico. Nesta categorização, excluía da esfera
da radiofonia as chamadas rádios pessoais8 e os podcasts9, mas

7. O curioso é que, no congresso nacional da Intercom em Natal, em


2008, Meditsch reviu sua posição em relação ao tema publicamen-
te, afirmando, por exemplo, que já não podia ter certeza de que a
imagem de uma webcam no site de uma emissora descaracterizava,
de algum modo, a transmissão radiofônica.

8. A autora se referia a serviços surgidos nos anos 1990, entre os quais po-
demos destacar a Usina do Som, do Grupo Abril, em que o internauta
personalizava playlists musicais a partir de um repositório de arquivos
digitais, compartilhando-as com outros internautas. Como veremos
adiante, há diferenças substanciais entre estes serviços e o que chamare-
mos de mídias sociais de base radiofônica, ou rádio social.

9. O podcasting, batizado desta forma em reportagem do jornal bri-

44 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


não as web rádios. Sobre as primeiras, recorria novamente a
Meditsch, que, no mesmo artigo, havia sustentado que “na

tânico The Guardian, em 2004, é fruto de intensa discussão entre


pesquisadores de rádio e mídia sonora. Há os que renegam o nome,
por considerá-lo uma propaganda descabida do tocador multimídia
iPod, da Apple – de fato, qualquer aparelho capaz de ler arquivos
em formato MP3 pode ser utilizado para este fim. Nomes alterna-
tivos, como audiocast, netcast, webcast, no entanto, acabaram não se
consolidando. No campo da comunicação, o podcasting foi objeto de
diversos estudos (ver, entre outros, CASTRO, 2005; LEMOS, 2005;
PRIMO, 2005; HERSCHMANN e KISCHINHEVSKY, 2008).
Em trabalho pioneiro, Gisela Castro destacou as questões relacio-
nadas ao consumo dos arquivos sonoros digitais. Já André Lemos
viu nos podcasts uma “liberação do polo emissor”, enfatizando a
possibilidade de que internautas individuais criassem seus próprios
programas/episódios. Alex Primo, por sua vez, assinalou as mudan-
ças introduzidas pelo podcasting nas esferas da produção, da distri-
buição, da recepção, ressaltando que a emissão neste novo suporte
ainda era vertical, ou seja, baseada na lógica um-todos, com poucas
possibilidades de intervenção por parte dos ouvintes. Em trabalho
realizado em parceria com Micael Herschmann, percebeu-se que o
podcasting proporcionava a diversos atores sociais um inédito acesso
à comunicação, mas, por outro lado, ficou patente que o percentu-
al de ouvintes que assumia o papel de emissor utilizando-se desta
ferramenta era ínfimo. De toda forma, não se pode desconsiderar o
impulso à circulação de conteúdos radiofônicos no novo suporte.
Quando foi lançado, em fins de 2001, o iPod era vendido com o
slogan “mil músicas no seu bolso”. Três anos depois, com 10 mi-
lhões de unidades vendidas, o total de downloads de arquivos musi-
cais na loja on-line da Apple, iTunes, atingia 200 milhões. Surgem
neste período os primeiros podcasts, que passam a ter visibilidade
num diretório específico da iTunes Music Store. A partir daí, radio-
difusores e podcasters passaram a se utilizar desta plataforma de dis-
tribuição de conteúdos radiofônicos, que não para de crescer – até
setembro de 2010, o total de iPods vendidos chegava a 275 milhões
de unidades em todo o mundo. Em julho de 2011, o diretório da
iTunes oferecia acesso a milhares de podcasts e web rádios. Dados
disponíveis em: http://www.apple.com/pr/products/ipodhistory/.
Última visita: 6/7/2011.

45 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


realidade, estes jukeboxes eletrônicos, onde o internauta
‘monta a sua própria rádio’, são na verdade uma programa-
ção de música gravada, só um pouco mais versátil do que o
velho hábito da minha geração de gravar uma fita com uma
seleção pessoal de canções” (idem, ibidem). Quanto ao pod-
casting, Prata era taxativa: “Para ser rádio, falta ao podcast a
essencial emissão no tempo real do ouvinte e da sociedade
no qual está inserido” (PRATA, op. cit., p. 77).
O debate seguiu acalorado com outros protagonistas.
Marcello Medeiros sustentou também que o podcasting não
poderia ser considerado radiofônico, pois não apresenta flu-
xo contínuo de transmissão nem é produzido apenas pelas
emissoras AM/FM – argumentação difícil de ser sustentada.
A partir de Lemos (2005, op. cit.), Medeiros se apega a uma
característica específica do podcasting – a produção descen-
tralizada, numa era de suposta “liberação do pólo emissor”
– para tentar descaracterizá-lo como rádio (MEDEIROS,
2005, 2006 e 2007). Em diálogo com Medeiros, no entanto,
Luiz Artur Ferraretto advoga a “ampliação do entendimen-
to do rádio para além das emissões eletromagnéticas, abar-
cando ou se aproximando de novas manifestações sonoras
associadas à internet” (FERRARETTO, 2007).
Esta visão menos restritiva do que é rádio hoje, que
abrange web rádios e podcasting, entre outras modalidades
de radiodifusão sonora, foi aprofundada posteriormente
(FERRARETTO e KISCHINHEVSKY, 2010a e 2010b)
e é aqui encampada. De acordo com o verbete “Rádio” da
Enciclopédia Intercom de Comunicação, “a tendência é aceitar
o rádio como uma linguagem comunicacional específica,
que usa voz, efeitos sonoros, música e silêncio, independen-
temente da plataforma tecnológica à qual esteja vinculado”
(idem, 2010b, p. 1010).
A perspectiva inclusiva abarca ainda novos tipos de ra-
diofonia, como as mídias sociais de base radiofônica, ou

46 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


rádio social (KISCHINHEVSKY, 2012). A disputa teórica
também se estende nessa direção: outros pesquisadores ca-
racterizam alguns destes serviços como plataformas sociais
de música (AMARAL, 2007) ou canais de música em fluxo,
baseados em programas que simulariam rádios (LEÃO e
PRADO, 2007).
Faz-se aqui uma distinção: serão chamados de mídias
sociais de base radiofônica, neste trabalho, aqueles serviços
que têm nos conteúdos radiofônicos o principal (ou um
dos principais) fator(es) de atração de audiência. Isto não
inclui, por exemplo, sites de relacionamento como MySpa-
ce10, que apresentam como maior ativo a visibilidade pro-
porcionada a músicos, cantores e selos fonográficos, empe-
nhados em usar seus perfis on-line para divulgar fonogramas
e agendas de shows e estreitar (ou estabelecer) laços com
seus públicos. O conceito de rádio social abrange, em con-
trapartida, sites que apresentam circulação predominante de
arquivos digitais de música, mas comportam também áudio
de programas, reportagens, comentários e outros conteúdos
típicos da radiofonia11. Em geral, como veremos a seguir,

10. O site foi muito popular entre jovens nos EUA nos primeiros anos
do século 21, tendo sido adquirido pela News Corp., do magna-
ta australiano das comunicações Rupert Murdoch, por US$ 580
milhões, em 2005. Em junho de 2011, no entanto, sem conse-
guir tornar o negócio rentável, Murdoch se desfez do MySpace,
repassando-o à operadora de redes de publicidade Specific Media,
por apenas US$ 35 milhões. Ver http://www.valoronline.com.br/
online/geral/87/448333/news-corp-vende-rede-social-myspace-
-por-us-35-milhoes. Para outras informações sobre o serviço, ver:
http://www.myspace.com/. Última visita: 7/7/2011.

11. É difícil na maioria dos casos distinguir entre conteúdos musicais e


radiofônicos distribuídos via internet, pois ambos são arquivos digi-
tais de áudio. Em 2006, a consultoria Nielsen NetRatings divulgou
estudo informando que o download de podcasts nos EUA havia tota-

47 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


estes serviços fazem alusão à radiodifusão sonora em seus
próprios nomes.
De fato, ganha corpo nas indústrias midiáticas uma dis-
puta pelo poder de nomeação. Circunscrever o rádio às ondas
eletromagnéticas é condená-lo a um papel cada vez mais
secundário, diante do crescimento da internet comercial e
do processo de convergência de mídias. No início do século
21, escuta-se rádio em ondas médias, tropicais e curtas ou em
frequência modulada, mas também na TV por assinatura, via
cabo, micro-ondas ou satélite, em serviços digitais abertos e
por assinatura, e via internet, de múltiplas formas.
Talvez mais produtivo do que definir “rádio” seja bus-
car a especificidade do radiofônico, como propõe José Luis
Fernández (2008), numa leitura semiótica sobre os primór-
dios da indústria da radiodifusão sonora na Argentina. Para
o grupo de pesquisadores liderados pelo autor, o rádio se
opõe ao radiofônico da mesma forma que o produto se
opõe ao processo. Desta forma, o que a sociedade chama
de rádio seria “um conjunto de textos sonoros aos quais
se atribui sentido, distribuídos através de diversos procedi-
mentos, mas que, basicamente, chegam ao ouvido através
de alto-falantes e/ou fones” (FERNÁNDEZ et al., 2008, p.
14)12. Para os autores...

lizado 9,2 milhões no mês de junho, cobrindo 6,6% da população


conectada à internet – mais do que o percentual de internautas que
tinham acessado blogs no mesmo período, ou 4,8% do total. Ver
“Podcast ultrapassa blog em popularidade nos EUA”, de Alexandre
Barbosa, caderno Vida Digital, O Estado de S. Paulo, 14 de julho de
2006. Dias depois, no entanto, pressionada por blogueiros, a con-
sultoria veio a público informar que, de fato, não havia ferramentas
técnicas para separar os downloads de músicas e podcasts.

12. Tradução nossa. No original:“[...] un conjunto de textos sonoros a los que


se les atribuye sentido, distribuidos a través de diversos procedimientos pero
que, básicamente, llegan al oído a através de parlantes y/o auriculares”.

48 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


A esta altura, falar da construção do radiofônico im-
plica pouco mais do que advertir que nos referimos
a um processo complexo que, do ponto de vista do
esquema anterior, enquanto se desenvolve esse meio
que a sociedade vai denominar e consumir como
rádio, inclui várias séries de fenômenos: dispositivos
técnicos que vão se incorporando ao uso radiofôni-
co, gerando possibilidades e restrições de construção
discursiva, gêneros e estilos radiofônicos que vão
aparecendo e se consolidando e o mesmo ocorre
com práticas sociais novas – total ou parcialmente,
direta ou indiretamente – relacionadas com o novo
meio. (FERNÁNDEZ, op. cit., pp. 35-36)13

Consideraremos, para nossa categorização da radiofonia


além das transmissões em ondas hertzianas, os diversos dispo-
sitivos técnicos incorporados aos usos radiofônicos contempo-
râneos, bem como novas práticas sociais relacionadas ao meio.
Mas antes trataremos da demarcação das múltiplas característi-
cas da radiofonia diante do processo de convergência midiática.

O novo entorno midiático da radiofonia

A inserção da radiofonia num complexo midiático que


abrange a produção de conteúdos em texto, áudio, vídeo e

13. Tradução nossa. No original: “A esta altura, hablar de la construcción


de lo radiofónico implica poco más que advertir que nos referimos a un
proceso complejo que, desde el punto de vista del esquema anterior, mientras
se desarolla ese medio que la sociedad va a denominar y consumir como
radio, incluye varias series de fenómenos: dispositivos técnicos que se van a
ir incorporando al uso radiofónico generando posibilidades y restricciones de
construcción discursiva, géneros y estilos radiofónicos que van a ir aparecendo
y consolidándose y lo mismo va a ocurrir con prácticas sociales nuevas – total
o parcialmente, directa o indirectamente – relacionadas con el nuevo médio”.

49 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


fotografia é um primeiro passo para compreender as novas
lógicas que regem as rotinas de produção, distribuição e
consumo do meio.
A radiodifusão sonora encontra-se numa encruzilhada,
com diversas opções para seguir viagem – opções que não
são mutuamente excludentes. Se a indefinição sobre a es-
colha de um padrão digital de rádio brasileiro persistia até
meados de 2012, o meio desenvolvia-se de forma acelerada
rumo à internet e à telefonia móvel. Em estudo específico
sobre a realidade do rádio diante da convergência de mídia
(FERRARETTO e KISCHINHEVSKY, op. cit., 2010a),
foram detectados diversos fenômenos, neste processo de re-
configuração, entre os quais destacam-se:
a) a assimetria dos processos de digitalização, acirrando a
concentração empresarial e a desigualdade no acesso do
público às inovações tecnológicas;
b) o surgimento de novos canais de distribuição de
conteúdo radiofônico, em especial telefones celulares
inteligentes14;

14. Segundo estimativa da União Internacional de Telecomunicações


(UIT), ao fim de 2009, havia 4,6 bilhões de conexões telefônicas
por celular – o equivalente a três telefones móveis para cada quatro
seres humanos – e 600 milhões de usuários de banda larga móvel em
todo o planeta. No Brasil, a teledensidade é substancialmente maior,
tendo saltado de 90,55 para cada 100 habitantes, em dezembro de
2009, para 104,68, em dezembro de 2010, segundo a Agência Na-
cional de Telecomunicações (Anatel). O total de acessos habilitados
no Serviço Móvel Pessoal (SMP) subiu de 173,9 milhões para 202,9
milhões no período. Ou seja, o país já tem mais de um celular por ha-
bitante, embora persistam flagrantes desigualdades regionais quanto
ao acesso. Dados disponíveis em: http://sistemas.anatel.gov.br/SMP/
Administracao/Consulta/TecnologiaERBs/tela.asp. Última consulta:
2/7/2011. Vale lembrar que grande parte dos modelos de aparelhos
disponíveis no mercado brasileiro – e não apenas os inteligentes, co-
nhecidos como smartphones – permite a escuta de emissoras FM.

50 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


c) a expansão de redes em ondas hertzianas, reduzindo a
diversidade nos mercados locais de AM/FM;
d) a formação de novas cadeias de valor, que fortalecem
grandes grupos empresariais com capacidade para inves-
tir em inovação tecnológica;
e) o surgimento de oportunidades para novos atores
no mercado, como fornecedores de serviços e soluções
(portais de voz para interação com ouvintes e aplicati-
vos para sintonia de emissoras via telefones móveis, por
exemplo), e grupos sem raízes na radiodifusão, que ado-
tam estratégias de branded content (por meio do arrenda-
mento de emissoras, rebatizadas para ajudar no recall de
suas marcas, como Mitsubishi FM, Oi FM, Sulamérica
Paradiso FM e Sulamérica Trânsito FM);
f) o aprofundamento da segmentação proporcionado
pelas redes digitais, criando nichos de mercado para no-
vas modalidades como mídias sociais de base radiofôni-
ca, podcasting, diretórios on-line e fornecedores de solu-
ções para distribuição de podcasts e web rádios; e
g) o desenvolvimento (incipiente) de novos modelos de
negócios e formatos radiofônicos.

As inovações tecnológicas são tantas que Mariano Ce-


brián Herreros prefere tratar a radiofonia via internet por
um novo nome: ciber-rádio. A perspectiva do autor espa-
nhol é também inclusiva – e interessante, para este artigo,
devido à conexão entre a radiofonia e as mídias sociais.

Parte-se, portanto, de uma concepção muito aberta


do ciber-rádio com o objetivo de integrar outras
inovações mais ou menos próximas e que tenham
como núcleo expressivo principal o som. Emerge
um mundo sonoro por trás desta denominação que
abarca todo o fenômeno sonoro da Internet ou pro-

51 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


cedente de outras modalidades internas ou exter-
nas da Rede. Tudo isso é possível graças à transição
rumo à web 2.0, que repercute de maneira trans-
versal em todas as grandes mudanças na Internet até
dar o salto para uma nova concepção comunicativa
baseada no desenvolvimento de redes sociais. Neste
caso, interessam as redes sociais centradas no áudio
como prolongamento do ciber-rádio. (CEBRIÁN
HERREROS, 2008, p. 134)15.

Mariano Cebrián Herreros identifica desenvolvimentos


do rádio rumo a “zonas fronteiriças”, no limiar de outras
modalidades sonoras. O autor identifica dois grandes ei-
xos de extensões do chamado ciber-rádio: um, transver-
sal e concernente a todos os demais desenvolvimentos e
aplicações, no qual se destacariam os serviços de voz sobre
protocolos de internet (VoIP), sistemas de distribuição de
conteúdos (como RSS), as redes de compartilhamento de
arquivos digitais (peer-to-peer, ou P2P) e os servidores (“que
se converteram nos mediadores técnico-comunicativos dos
processos que põem em funcionamento as redes sociais”16,
idem, p. 143); outro eixo, de componentes com identidade

15. Tradução nossa. No original: “Se parte, pues, de uma concepción muy
aberta de la ciberradio con objeto de poder integrar otras innovaciones más
o menos próximas y que tengan como núcleo expresivo principal el sonido.
Emerge un mundo sonoro detrás de esta denominación que abarca todo el
fenómeno sonoro de Internet o procedente de otras modalidades internas o
externas de la Red.Todo ello es posible gracias al paso a la web 2.0 que re-
percute de manera transversal en todos los grandes cambios en Internet hasta
dar el salto a una nueva concepción comunicativa basada en el desarollo de
redes sociales. En este caso interesan las redes sociales centradas en el audio
como prolongación de la ciberradio”.

16. Tradução nossa. No original: “[...] que se han convertido en los media-
dores técnico-comunicativos de los procesos que ponen en funcionamento las
redes sociales”.

52 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


própria, incluiria as emissoras web, os portais de áudio, o
podcasting, os audioblogs e as chamadas “wikipedias sonoras”
(idem, ibidem). Ambos os eixos, para o espanhol, teriam
no computador seu ponto de interconexão. Na esfera do
consumo, o pesquisador identifica também a gradual subs-
tituição do receptor de rádio pelo telefone celular.
Como panorama do rádio no fim da primeira década
do século 21, o trabalho de Cebrián Herreros registra fe-
nômenos relevantes. Sua categorização, no entanto, dei-
xa a desejar. O autor trata do chamado ciber-rádio sem
problematizá-lo, sem investigar mais a fundo os processos
de criação, produção, distribuição e consumo de conteúdos
radiofônicos e como estes foram redesenhados pela digita-
lização ao longo das últimas duas décadas.
Nesta investigação, parte-se da experiência de um grupo de
pesquisadores espanhóis, que, no projeto Convergencia Digital
en los Medios de Comunicación en España (2006-2009), ma-
pearam o processo de convergência naquele país, com ênfase
no Jornalismo (SALAVERRÍA e GARCÍA AVILÉS, 2008,
p. 35). Entende-se aqui a convergência midiática como um
fenômeno multidimensional, com diferentes âmbitos – tecno-
lógico, empresarial, profissional, dos conteúdos17.
Considerando os desenvolvimentos da radiodifusão
sonora nas últimas duas décadas, rumo a um processo de
convergência com outros meios de comunicação e com
plataformas digitais, pode-se analisar desdobramentos nos
diversos âmbitos apontados pelos pesquisadores espanhóis.
No âmbito tecnológico, as etapas de criação/produção,
edição, distribuição e consumo foram redesenhadas por no-

17. Suzana Barbosa cita o acréscimo de outros dois âmbitos, meios e


audiências, por Sábada et al., em estudo posterior ao relatório do
projeto de pesquisa (BARBOSA,2009, p. 37). Estes âmbitos, contu-
do, não serão trabalhados aqui.

53 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


vos dispositivos e hábitos de escuta. Estúdios tornaram-se
mais compactos, baratos e funcionais; microfones direcio-
nais dispensaram cabines de locução, propiciando a remo-
ção de paredes e permitindo a repórteres entrarem ao vivo
diretamente da redação; softwares de edição de áudio faci-
litaram a montagem de reportagens, boletins e programas;
telefones celulares e unidades móveis deram agilidade à co-
bertura jornalística ao vivo nos grandes centros urbanos;
softwares de gestão de conteúdos e modernas mesas, com
efeitos sonoros e vinhetas a um clique do operador, deram
nova dinâmica à técnica e à plástica das emissoras; toca-dis-
cos e gravadores de rolo foram dando lugar, sucessivamen-
te, a cartucheiras, DATs, MDs e CDs, até a completa des-
materialização das mídias físicas e a migração dos arquivos
de áudio para os discos rígidos de microcomputadores, ao
menos nas maiores emissoras; e, por fim, na esfera do con-
sumo, a disseminação de microcomputadores domésticos,
telefones celulares e tocadores multimídia reconfiguraram
a recepção, propiciando maior interação com os conteúdos
veiculados e estimulando uma cultura da portabilidade de
arquivos digitais de áudio, em múltiplos dispositivos, como
tocadores multimídia, PDAs e telefones móveis (KISCHI-
NHEVSKY, 2009).
No âmbito empresarial, a frouxa regulação permitiu o
crescimento descontrolado de redes de emissoras, reduzin-
do a diversidade na oferta de conteúdos locais no dial, e
alimentou um mercado paralelo de arrendamento de ra-
diofrequências por grandes grupos de comunicação e orga-
nizações ligadas a políticos e religiosos, questões trabalhadas
em outros estudos (RIBEIRO, ABREU e KISCHINHE-
VSKY, 2011, KISCHINHEVSKY, 2010 e 2011b).
No âmbito profissional, cresceu a demanda por traba-
lhadores multifuncionais, que assumem diversas tarefas nas
rotinas de produção. A carga horária aumentou, bem como

54 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


a cobrança por produtividade – repórteres de emissoras do
segmento All News chegam a entrar no ar 30 vezes num
único dia, com notas curtas sobre crimes, trânsito e outros
temas de interesse local. Nas emissoras musicais, a auto-
mação acabou com incontáveis empregos. Muitos comu-
nicadores são obrigados a também operar a mesa de som,
comandando a entrada de comerciais, reportagens e co-
mentários pré-gravados, o que acarreta sobrecarga de tra-
balho e pode, inclusive, prejudicar a plástica da emissora
(KISCHINHEVSKY, 2008).
No âmbito dos conteúdos, surpreendentemente, persis-
tem formatos e gêneros consolidados na programação das
emissoras desde os anos 1980, apesar do avanço das plata-
formas digitais. Percebe-se, no entanto, o surgimento de
novas formas de interação entre ouvintes e emissoras, bem
como dos ouvintes entre si, sobretudo via mídias sociais e
microblogs, extensões dos fóruns e chats dos primórdios
da internet. Nas principais praças do país, é difícil encon-
trar um programa ou um comunicador de emissoras AM/
FM que não utilizem perfis em mídias sociais e serviços
de microblogging para interagir com os ouvintes, muitas
vezes substituindo completamente os antigos contatos via
telefone fixo, numa modalidade mais sofisticada de filtro.
Muitas mensagens enviadas por estes canais são lidas no ar,
como as antigas cartas postadas nos Correios, mas com a
vantagem da instantaneidade, pois estes perfis apresentam
picos de acesso justamente no horário em que o programa
e o comunicador estão no ar.
As ferramentas mais usadas por comunicadores e produ-
tores são serviços de microblogging como Twitter18 e sites

18. Serviço que permite ler, escrever e compartilhar mensagens de até


140 caracteres, em que é possível linkar conteúdos disponíveis em
outros sites. Conta com mais de 200 milhões de usuários cadastra-

55 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


de relacionamento como Facebook19 e Orkut20. Em per-
fis pessoais ou dos programas que comandam, interagem
com seus ouvintes, recebendo informações, comentários,

dos em todo o mundo e, em junho de 2011, recebia 460 mil novos


cadastros por dia. As curtas mensagens – daí a noção de microblog
–, mais conhecidas como tweets, chegam a 155 milhões diariamente.
O mote é responder “o que está acontecendo agora?” e acumular
“seguidores”, que passam a acompanhar suas postagens. Mensagens
podem também ser repassadas a outras redes de seguidores – prática
do retweet –, o que alimenta a recirculação de conteúdos na web (sobre
o conceito de recirculação, ver ZAGO, 2011). Endereço: http://
twitter.com/. Última visita: 30/6/2011.

19. Com mais de 750 milhões de usuários cadastrados em todo o mun-


do, o site de relacionamentos Facebook foi criado em 2004 e come-
çou como uma rede social on-line para universitários dos EUA. Por
meio do serviço, pode-se localizar amigos do mundo off-line, selar
novas amizades, construir comunidades, divulgar eventos e partilhar
links para textos, áudios, vídeos e fotos, além de trocar mensagens
instantâneas, compartilhar e “curtir” conteúdos. Em abril de 2011,
o serviço do jovem bilionário Mark Zuckerberg superou, no Brasil,
o tráfego do Orkut, pertencente ao Google, embora contasse com
menos usuários cadastrados no país – 18 milhões contra 32 mi-
lhões do rival. É o quarto site mais acessado no Brasil, atrás apenas
de Google Brasil, Google e Youtube, segundo dados da consultoria
Alexa.com. Ver: http://exame.abril.com.br/tecnologia/facebook/
noticias/facebook-atinge-750-milhoes-de-usuarios e http://www.
noticiastecnologia.com.br/facebook-ultrapassa-trafego-de-usua-
rios-do-orkut-no-brasil. Endereço: www.facebook.com. Última
visita: 30/6/2011.

20. Criado pelo engenheiro turco Orkut Büyükkökten, em 2004, o site


de relacionamentos pertencente ao Google foi literalmente tomado
por brasileiros – que representam 50,6% do total de usuários cadas-
trados e já chegaram a atingir 68% – a ponto de ter sua administra-
ção transferida para o país em 2008.Vem perdendo terreno no país,
no entanto, para o Facebook. Endereço: http://www.orkut.com.
Última visita: 5/7/2011.

56 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


críticas, divulgando promoções, em suma, ampliando seus
canais de comunicação com público e fontes.
Estas ferramentas propiciam não apenas novas formas de
interação, mas também franqueiam a circulação de conteúdos
radiofônicos, produzidos tanto por emissoras AM/FM quanto
por web rádios ou podcasters individuais e veiculados em ondas
hertzianas ou diretamente via internet. Estes conteúdos circu-
lam em serviços de microblogging e em plataformas digitais
de base radiofônica e/ou musical. A circulação, potencializada
pelas redes sociais de comunicadores e dos próprios ouvintes,
proporciona audiências de alcance indeterminado e estabelece
novo foco de concorrência para os tradicionais atores estabele-
cidos no mercado da radiodifusão sonora. Oferece, ainda, a pos-
sibilidade de consumo assincrônico de conteúdos radiofônicos,
engendrando novos hábitos de escuta.
A radiofonia transborda para outros meios, remediada
(BOLTER e GRUSIN, 1999) pela internet e, especifica-
mente, pelos microblogs, pelos sites de relacionamento e
pelas mídias sociais de base radiofônica. Deve ser entendida
como parte de um complexo midiático integrado que não
pode mais ser estudado de forma isolada – se é que isto
algum dia já foi possível, considerando que, mesmo na cha-
mada era de ouro, o rádio articulava-se com selos fonográ-
ficos e revistas especializadas que desempenhavam papel-
-chave na constituição de um star system.
À luz destas observações, partiremos, para a categorização
da radiofonia, em suas diversas modalidades contemporâneas.

Cartografando as modalidades radiofônicas

Numa perspectiva não-restritiva do que seja o radiofô-


nico, entende-se que o meio emprega hoje múltiplas pla-
taformas de difusão, on-line e off-line. Podemos distinguir,

57 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


neste rádio expandido, plural, diferentes modalidades:

1) Quanto à distribuição:
a) Rádio aberto – Com transmissão em ondas hertzianas
(AM, FM, ondas curtas, tropicais), digital (IBOC/HD Ra-
dio21, DRM22, ISDB23, DAB24 etc.) e/ou via internet, desde

21. Americano, desenvolvido pelo consórcio iBiquity Digital (formado


originalmente por Lucent Technologies e CBS), o sistema In Band On
Channel (mais conhecido hoje como HD Radio) permite a transmis-
são de dados e voz nas mesmas frequências usadas hoje para AM e FM.
Surgiu em 2000 e teve lançamento comercial em 2002. A promessa
é equiparar o som em Ondas Médias ao da Frequência Modulada e
o do FM ao de um CD. Mais de 2 mil emissoras dos EUA oferecem
programação digital por meio do IBOC/HD Radio, que permite a
veiculação de até três programações simultâneas. Outras informações:
http://www.ibiquity.com/hd_radio. Última visita: 6/7/2011.

22. Sistema europeu, desenvolvido por consórcio formado em 1998 por


grandes redes públicas de 30 países, fornecedores de equipamentos
eletrônicos e mais 80 entidades, o Digital Radio Mondiale (DRM)
destinava-se originalmente às transmissões em AM e Ondas Curtas,
mas já atende também em FM, por meio do sistema DRM+. Outras
informações: http://www.drm-brasil.org/. Última visita: 6/7/2011.

23. Japonês, desenvolvido a partir de 1997 e em operação comercial


desde 2003, o sistema Integrated Services Digital Broadcast (ISDB)
enfatiza a convergência entre voz, dados e imagens e, desta forma,
comporta tanto o rádio quanto a TV digital. Foi escolhido pelo
Brasil e por outros países latino-americanos como padrão para TV
digital, mas até meados de 2011 era o azarão para o rádio por não
permitir simulcasting (transmissão simultânea) nas frequências atuais
de AM e FM, como preferem os empresários brasileiros do setor de
radiodifusão sonora. Outras informações: http://www.dibeg.org/.
Última visita: 6/7/2011.

24. Pioneiro sistema europeu, o Digital Audio Broadcasting (DAB) foi


desenvolvido a partir de 1980 pelo projeto Eureka-147 e lança-
do em 1994, tendo sido adotado pela British Broadcasting Cor-
poration (BBC), já em 1995. Como opera na frequência 1.452 a

58 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


que sem custo para o ouvinte, exceto pela prévia aquisição
do dispositivo receptor;
b) Rádio por assinatura – Com transmissão via satélite,
micro-ondas ou internet, sempre que houver mensalidades
ou anuidades e, em alguns casos, taxas de adesão e de de-
codificação de sinal25. Também se incluem nesta categoria
web radios que integram portais e diretórios nos quais o
internauta paga pelo acesso;
c) Serviços radiofônicos de acesso misto – Emissoras
via internet abrigadas em portais/diretórios, que permi-
tem navegação em algumas áreas dos sites, mas reservam

1.492 GHz, não atraiu maior interesse de radiodifusores europeus,


encontrando-se hoje estagnado em diversos países. Tem uma versão
via satélite, o Digital Satellite Radio, explorado por conglomerados
como WorldSpace e Alcatel, e outra versão multimídia, o Digital
Multimedia Broadcasting (DMB), desenvolvido em parceria com
grupos sul-coreanos. Outras informações: http://www.worlddab.
org/. Última visita: 6/7/2011.

25. O consórcio Worldspace fracassou na exploração de um serviço de


rádio via satélite que contava com dois satélites geoestacionários,
cobrindo 130 países da Europa, Oriente Médio, África e Ásia. O
serviço, que foi à falência em 2009, oferecia 62 emissoras, das quais
30 com conteúdo produzido pela própria empresa ou por parceiros,
em 17 idiomas. Seus estúdios estavam distribuídos por apenas três
cidades – Washington (EUA), Bangalore (Índia, onde se concentra-
vam 75 mil dos 115 mil assinantes do serviço) e Nairóbi (Quênia).
Nos EUA, no entanto, o rádio pago teve melhor sorte. Após a crise
econômica de 2008, as duas grandes operadoras de rádio por assi-
natura do país, XM Satellite Radio e Sirius, fundiram-se. Em 2011,
a empresa totalizava mais de 20 milhões de assinantes, que tinham
acesso a mais de 135 estações de rádio, com conteúdos exclusivos de
música, entretenimento e noticiário 24 horas de esportes, trânsito e
clima, sem intervalos comerciais. Outras informações: http://www.
siriusxm.com/. Última visita: 6/7/2011.

59 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


conteúdos exclusivos para assinantes26.

2) Quanto à recepção:
a) Sincrônica – Nas transmissões em broadcasting ofereci-
das pelo rádio em suas versões analógica, digital e via inter-
net (streaming, ou seja, veiculação em fluxo contínuo);
b) Assincrônica – Difusão sob demanda, sem streaming,
com escuta direta nos sites em que os conteúdos são posta-
dos ou mediante download (podcasting) para posterior fruição.

3) Quanto à circulação:
a) Aberta – Em transmissões analógicas ou digitais, com
ou sem streaming, em plataformas de livre acesso – emissoras
AM/FM em ondas hertzianas, web rádios, podcasts dispo-
níveis em sites e/ou diretórios que não cobram assinatura,
portais de mídia sonora em geral;
b) Restrita – Em serviços de microblogging, mídias sociais
de base radiofônica e em diretórios de podcasting e/ou web
rádios nos quais é necessário se inscrever/cadastrar ou ser
convidado, mesmo que o acesso seja gratuito.
Como Alex Primo (2005, op. cit.), entende-se que o
podcasting é maior do que um episódio de podcast, ou seja,
o processo de comunicação sofre alteração substancial, com

26. Um exemplo de serviço de acesso misto é o diretório Live365,


que reúne mais de 7 mil radiodifusores (de emissoras AM/FM a
indivíduos) de 150 países diferentes, atingindo milhões de ouvintes.
Com modelo híbrido de negócios, o diretório reserva parte de seus
conteúdos a “membros VIP” e é financiado por assinaturas pagas
por ouvintes, taxas para emissoras e publicidade. Em sua página,
informa que sua plataforma “empodera indivíduos e organizações
dando-lhes uma ‘voz’ para alcançar audiências ao redor do globo” –
no original: “[...] empowers individuals and organizations alike by giving
them a ‘voice’ to reach audiences around the globe”. Outras informações:
http://www.live365.com/index.live. Última visita: 6/7/2011.

60 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


a possibilidade de um ouvinte se tornar também emissor e
postar na internet seus próprios programas radiofônicos – a
despeito do fato de que apenas uma minoria efetivamente
assuma este papel. A lógica do broadcasting, da comunicação
um-muitos, contudo, permanece mesmo sem transmissão em
fluxo contínuo. O surgimento de serviços que facilitam a gra-
vação e a postagem de arquivos de áudio, bem como de novas
ferramentas de blogs para a recepção de mensagens de voz,
ajuda a alterar esta balança, mas a radiodifusão sonora ainda
tem um longo caminho pela frente até chegar a relações mais
próximas de uma horizontalidade com seus ouvintes.
As mídias sociais de base radiofônica vêm, de algum
modo, mudar esta lógica, ao proporcionar novas ferramen-
tas de circulação de conteúdos e de interação entre emis-
sores e ouvintes. Um podcaster individual pode produzir um
conteúdo radiofônico em casa, utilizando o kit multimídia
de um computador doméstico para gravação do áudio ou
o gravador de seu telefone celular e softwares livres para
edição de áudio; em seguida, pode publicar o episódio em
seu site e/ou em um diretório de podcasting; informa, então,
suas redes de seguidores no Twitter e seus amigos no Fa-
cebook ou no Orkut sobre a publicação, fazendo circular
uma breve chamada com link direto para o podcast; pode
também publicá-lo diretamente em serviços de rádio social,
tais como Last.fm, Blip.fm e Radiotube – muitos deles com
interfaces para que o conteúdo seja replicado no Twitter e
no Facebook, por exemplo, potencializando sua circulação.
Podcasting e rádio social sobrepõem-se, complementam-se,
agregando novas formas de interação e de consumo às prá-
ticas já consolidadas das rádios com transmissão analógica
e das web rádios (para um mapeamento destas práticas, que
abrangem a participação em chats relacionados aos conteú-
dos veiculados, ver PRATA, op. cit.).
Em outro estudo (KISCHINHEVSKY, 2012b), foi

61 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


iniciado um mapeamento das práticas interacionais neste
rádio expandido que transborda para as mídias sociais, os
microblogs e a telefonia móvel. No percurso, foi realizada
uma observação participativa nos três serviços menciona-
dos acima. Restou evidente a importância de sistemas de
classificação, como tagging (ou tagueamento, neologismo
para atribuição de rótulos/etiquetas de conteúdos na inter-
net o que facilita a localização por motores de busca – cf.
LEÃO e PRADO, op. cit.) e segmentação por gêneros. A
pesquisa ainda deverá ser aprofundada para se verificar as
efetivas alterações no processo comunicacional trazidas pela
reordenação desta radiofonia remediada.
Chama a atenção a resiliência da radiodifusão sonora
diante da internet. Nesta disputa de poder pela nomeação
dos meios, expressões como “rádio” e “FM” mantêm sur-
preendente força e são tomadas emprestadas para o batismo
de mídias sociais e portais dedicados à mídia sonora. Algo
inusitado para aqueles que, impressionados com as estatís-
ticas de grandes firmas de consultoria, imaginavam que os
jovens já não estavam interessados na radiofonia.

Considerações finais

Percebe-se que a linguagem consolidada nas trans-


missões em ondas hertzianas persiste na maioria das no-
vas plataformas digitais. Há, evidentemente, mais con-
tinuidades do que rupturas no processo comunicativo.
Gêneros e formatos são extremamente diversificados,
mas esta variedade remonta à chamada era de ouro,
quando os conteúdos radiofônicos se apoiavam em qua-
tro pilares: a informação (por meio dos radiojornais e
boletins informativos, mas também através dos progra-
mas de caráter educativo, incluindo aí palestras e aulas

62 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


de idiomas), o entretenimento (por meio de programas
humorísticos e de variedades), a música (com apresenta-
ções ao vivo em auditórios, em estúdio ou pré-gravadas)
e a dramaturgia (por meio das radionovelas). Isso sem
falar nas várias formas de radioarte desenvolvidas a par-
tir do fim dos anos 1960.
A indústria do rádio – a exemplo de outras mídias –
busca ser social, 2.0, e encontra-se no meio de uma bata-
lha pela sobrevivência diante da crescente convergência, da
evolução dos dispositivos de recepção e da reconfiguração
permanente dos hábitos de consumo dos ouvintes.
Neste contexto, não faz mais sentido discutir os limites do
radiofônico, mas sim debater, pesquisar, analisar suas diversas
modalidades, suas interfaces, prestando especial atenção às
mudanças em andamento em termos de linguagem, práticas
interacionais, rotinas produtivas, emergência de novos atores
no mercado, estratégias de circulação e hábitos de escuta.
Este é apenas um primeiro esforço de categorização
desta nova radiofonia, plural, que se expande para além das
ondas hertzianas. Novas pesquisas de campo serão empre-
endidas para cartografar estas novas modalidades radiofôni-
cas e, para tanto, talvez seja hora de unir forças, por meio de
projetos de pesquisa que envolvam instituições de ensino
superior e outros atores sociais, em busca das especificida-
des teórico-metodológicas dos chamados estudos de rádio
e mídia sonora – campo que dá sinais claros de amadure-
cimento e consolidação, mas ainda carece de uma melhor
delimitação do ponto de vista epistemológico.

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63 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


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67 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


3.
As linguagens radiofônicas em
um cenário de múltiplas telas e
mobilidade

Ana Cecília Bisso Nunes1


Breno Maciel Souza Reis2
Eduardo Campos Pellanda3
Karen Sica da Cunha4
Mágda Rodrigues da Cunha5
PUC do Rio Grande do Sul

As reflexões que envolvem a linguagem radiofônica, histo-


ricamente, tomam como ponto de partida, em muitas dimen-
sões, a questão da oralidade. Foi esta uma das características que

1. Mestranda em Comunicação Social, do PPG/Famecos/PUCRS,


bolsista do Ubilab

2. Mestrando em Comunicação Social, do PPG/Famecos/PUCRS,


bolsista do Ubilab.

3. Professor do PPG em Comunicação Social, Famecos/PUCRS, co-


ordenador do Ubilab

4. Doutoranda em Comunicação Social, do PPG/Famecos/PUCRS,


bolsista do Ubilab.

5. Professora do PPG em Comunicação Social, Famecos/PUCRS.

68 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


norteou e ainda norteia muitas investigações, especialmente em
um cenário onde linguagens acompanhavam plataformas tec-
nológicas e determinavam formatos narrativos da informação.
A transformação, porém, dos modelos de mídia, que mais pode
ser apontada como uma mistura de linguagens, traz inquieta-
ções a um contexto no qual o rádio esteve apenas associado à
oralidade e ao áudio. E, talvez a mais significativa delas, sejam as
múltiplas possibilidades de produção, narração, distribuição ou
compartilhamento.
Ong (1998, p. 17) indica que ver a linguagem como
um fenômeno oral parece ser inevitável e óbvio. Os seres
humanos, afirma, comunicam-se de inúmeras maneiras, fa-
zendo uso de todos os seus sentidos: tato, paladar, olfato e
especialmente visão, assim como audição. Para ele, o som
articulado tem valor capital e a oralidade básica da lingua-
gem é constante. “Os seres, nas culturas orais primárias,
não afetados por qualquer tipo de escrita, aprendem mui-
to, possuem e praticam uma grande sabedoria, porém não
estudam.” Eles aprendem pela prática, participando de um
tipo de retrospecção coletiva. Em sua obra, Ong evidencia a
preocupação permanente entre oralidade e cultura escrita e
como essas estratégias humanas, por assim dizer, resultam na
transmissão, retenção das informações e consequentemente
no registro e na memória. “A expressão oral pode existir
– na maioria das vezes existiu – sem qualquer escrita; mas
nunca a escrita sem a oralidade” (Ong,1998, p.16).
Sobre oralidade e escrita, Ong reflete que embora as
palavras estejam fundadas na linguagem falada, a escrita “ti-
ranicamente” as encerra para sempre num campo visual.
No entanto, reconhece o autor,

...felizmente, a cultura escrita – não obstante de-


vore seus próprios antecedentes orais e, ao menos
que seja cuidadosamente monitorada, até mesmo

69 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


destrua sua memória – é também infinitamente
adaptável. Ela pode também resgatar sua memória.
Podemos usar a cultura escrita para reconstruir a
consciência humana primitiva que não possuía ne-
nhuma cultura escrita.(ONG,1998:24)

A oralidade é distinguida em três tipos, segundo Zu-


mthor (1993), correspondentes a três situações de cultura.
A primária e imediata não comporta nenhum contato com
a escritura. Encontra-se apenas nas sociedades desprovidas
de todo sistema de simbolização gráfica, ou nos grupos so-
ciais isolados e analfabetos. Na oralidade mista, a influência
do escrito permanece externa, parcial e atrasada. A oralida-
de segunda se recompõe com base na escritura num meio
onde esta tende a esgotar os valores da voz no uso e no
imaginário. Entre os séculos VI e XVI, prevalece uma situ-
ação de oralidade mista ou segunda, conforme as épocas, as
regiões, as classes sociais, quando não os indivíduos.
O autor ressalta que, quando um poeta ou seu intérprete
canta ou recita, sua voz, por si só, lhe confere autoridade.
“O prestígio da tradição, certamente, contribui para valori-
zá-lo; mas o que o integra nessa tradição é a ação da voz”
(Zumthor, 1993:19). Se, ao contrário, o poeta lê num
livro o que os ouvintes escutam, a autoridade provém do
livro, objeto visualmente percebido no centro do espetácu-
lo performático. A escritura, com os valores que significa e
mantém, pertence à performance. O ato da audição, pelo
qual a obra se concretiza socialmente, não pode deixar de
inscrever-se como antecipação no texto, como um projeto
e aí traçar os signos de uma intenção. Esta define o lugar de
articulação do discurso no sujeito que o pronuncia.
É no ato de percepção de um texto, segundo Zumthor
(1993), mais do que em seu modo de constituição, que se ma-
nifestam as oposições definidoras da vocalidade. Na economia

70 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


interna e na gramática de um texto, não importa que ele tenha
ou não sido composto por escrito. Porém, o fato de ele ser
percebido pela leitura individual direta ou pela audição e es-
petáculo modifica, profundamente, seu efeito sobre o receptor
e consequentemente sobre sua significância. O pensamento de
Zumthor e Ong dão conta de uma tradição oral da sociedade
e pode-se afirmar que o rádio tem espaço significativo na evo-
lução desta mesma tradição.
Ao revisitarmos alguns autores que descrevem as culturas
orais, deve ser trazido também o pensamento de McLuhan
sobre o rádio e o áudio. “Quando ouço rádio, parece que
vivo dentro dele. Eu me abandono mais facilmente ao ouvir
rádio do que ao ler um livro.” A declaração de uma pessoa
consultada, por ocasião de pesquisa de opinião sobre o rádio
e reproduzida por McLuhan (1964, p. 335), demonstra o po-
der de envolvimento da radiofonia. Como define o próprio
autor, o poder que tem o rádio de envolver as pessoas em
profundidade se manifesta no uso que os adolescentes fazem
do aparelho durante seus trabalhos de casa, bem como as
pessoas que levam consigo seus transistores, que lhes propi-
ciam um mundo particular próprio em meio às multidões.
O rádio, para McLuhan (1964, p. 337), afeta as pessoas como
que pessoalmente, oferecendo um mundo de comunicação
não expressa entre o escritor‑locutor e o ouvinte. Este é o as-
pecto mais imediato do rádio, uma experiência particular.
Para McLuhan, o rádio propicia a primeira experiência
maciça de implosão eletrônica, a reversão da direção e do
sentido da civilização ocidental letrada. Para os povos tri-
bais, cuja existência social constitui uma extensão da vida
familiar, o rádio continuará a ser uma experiência violenta.
As sociedades altamente letradas, que há muito tempo su-
bordinam a vida familiar à ênfase individualista nos negó-
cios e na política, têm conseguido absorver e neutralizar a
implosão do rádio sem revolução. O mesmo não acontece

71 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


com as comunidades que ainda não possuem senão uma
breve e superficial experiência de cultura letrada. Para estes,
segundo o autor, o rádio é absolutamente explosivo.
A linguagem do rádio é oral e auditiva, por isso a sua
larga abrangência, chegando a sociedades que convivem
com a oralidade primária ou com as que estão em estágio
mais adiantado de conhecimento. Sobre as características da
radiofonia, é importante citar a descrição de Lopes (1988).
A linguagem do rádio pode ser definida como um arranjo
particular de sons, ruídos, palavras e vozes que se dirige à
capacidade interior da imaginação. Tal como a imprensa, o
cinema e a literatura são impensáveis sem sinais óticos, o rá-
dio apenas emite sinais e signos acústicos. Nunes (1993:41)
afirma que em seu aspecto material, o rádio suspende a
imagem. Seu corpo é voz, considerado como carga sonora,
e palavra falada. “Palavras e vozes noturnas convidam o ou-
vinte, no silêncio de si mesmo à escuta.”
Mas é em Rudolf Arnheim (2005, p. 62), em texto pro-
duzido nos anos 30, que a questão da linguagem relacionada
à visão encontra uma de suas mais significativas abordagens.
Quando escreve sobre a nova forma de arte criada pelo rá-
dio e analisa a lei geral de economia na arte, Arnheim traz o
problema à tona. Aponta que a arte radiofônica parece sen-
sorialmente deficiente e incompleta diante de outras artes
– “porque ela não conta com o nosso sentido mais impor-
tante, que é a visão”. Diz ainda que o olho sozinho dá uma
imagem bastante completa do mundo, mas que o ouvido
sozinho fornece uma imagem incompleta. Torna-se, então,
para o ouvinte uma grande tentação completar com sua
própria imaginação o que está faltando tão claramente na
transmissão radiofônica.
Arnheim (2005, p. 71) vai adiante, porém, e diz nada
falta ao rádio, pois sua essência consiste justamente em ofe-
recer a totalidade somente por meio sonoro, fornecendo

72 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


a essência de um evento, uma ideia, uma representação. O
que mede o talento do artista de rádio, no pensamento de
Arnheim, é a capacidade de produzir o efeito desejado ape-
nas com os elementos sonoros. “Mas no rádio a abolição
do visual não é um corte artificial, mas uma consequência
natural das condições técnicas. O visual, se for para ser feito,
deve ser penosamente construído na imaginação.”
O rádio como forma de expressão, como uma nova ex-
periência, por somente utilizar o audível, não de qualquer
modo, mas em relação ao que há de visível, cativava Ar-
nheim. Meditsch (2005) avalia que a oposição entre forma
de transmissão e forma de expressão proposta pela perspec-
tiva de Arnheim pode ser ainda muito útil para avaliar, por
exemplo, as possibilidades da internet. A afirmação das pos-
sibilidades da expressão do rádio, definidas dialeticamente
por suas limitações, será a grande contribuição do autor
para a teoria do meio (Meditsch, 2005).
Meditsch ressalta que embora Arnheim concorde que a
visão é o mais importante dos sentidos para a espécie hu-
mana, salienta que não falta nada ao rádio como meio de
expressão artística, podendo alcançar resultados plenamente
satisfatórios apenas com os recursos de que dispõe. A des-
coberta leva Arnheim a fazer o “elogio da cegueira”, relata
Meditsch (2005, p. 103).
Expressão ou transmissão estão apoiados nas linguagens
de narração. Souza (2001) reflete que somos conforme a
linguagem que utilizamos para dizer uns aos outros quem
somos. O processo social criou, ao longo da história recente,
o que chamamos mídias, meios de comunicação social. O
estar junto passou a ser necessariamente mediatizado pelas
técnicas de comunicação. O conhecimento dessas técnicas
passou a ser o novo componente sobre o qual as linguagens
se constroem e, em consequência, também se constroi o
que chamamos de cultura. As linguagens não são as tecno-

73 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


logias, mas o sentido dado a elas, criado a partir delas.
Durante quase 18 séculos vivemos dentro de um proces-
so comunicacional dependente dos códigos da escrita, aponta
Souza (2001), chegando a um presente em que todo o processo
social depende da escrita. Entende que nos últimos 200 anos
começou uma nova revolução, que criou uma segunda lingua-
gem, um segundo modo de se compreender a sociedade, de
se compreender a relação das pessoas entre si. Trata-se da che-
gada da imagem eletrônica. “A imagem, presente e percebida
desde a Antiguidade, é agora redescoberta e publicizada pelos
suportes tecnológicos.” (Souza, 2001, p. 10) Aponta para uma
terceira linguagem que é a multimídia e considera que muitos
estão dentro de uma idade que se confunde ainda com o pre-
domínio da escrita e outros já avançaram. Isto resulta de uma
co-existência de linguagens e também de suportes midiáticos
que as acompanham.
Nessa linha de co-existência em meio à transformação
profunda, Manovich (2001) aponta que a emergência da
nova mídia coincide com o segundo estágio da sociedade
em relação à mídia, com muitos acessando e usando nova-
mente os objetos existentes, tanto quanto criando novos.
Algumas categorias descrevem as características desta mu-
dança. Destaca-se aqui a variabilidade. Os novos objetos
midiáticos não são fixos e para todos, mas algo que pode
existir em diferentes, potencialmente, infinitas versões.
A mídia antiga envolvia um criador humano que com-
binava manualmente elementos visuais, textuais e de áudio,
numa composição particular ou sequência. Essa sequência
era armazenada, em alguma plataforma, uma vez, e distribu-
ída para todos. De uma matriz, várias cópias poderiam ser
reproduzidas, em perfeita correspondência com a lógica da
sociedade industrial, eram todas idênticas. A nova mídia, em
contraste, se caracteriza pela variabilidade e Manovich (2001)
cita outros termos frequentemente usados e que podem aqui

74 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


ser apropriados como mídia mutável ou líquida. Todos esses
processos passam pela automatização, pela computação.
O princípio da variabilidade, exemplifica Manovich (2001,
p. 41), evidencia como, historicamente, as mudanças das tec-
nologias midiáticas estão relacionadas com as mudanças so-
ciais. Se a lógica da “velha mídia” corresponde a uma lógica de
uma sociedade industrial de massa, a nova mídia serve à lógica
de uma sociedade pós-industrial, com valores individuais de-
senhados. Na sociedade industrial todos deveriam, supõe-se,
gostar das mesmas coisas e compartilhar as mesmas crenças. Na
sociedade pós-industrial todos os cidadãos podem construir
seu estilo de vida e selecionar suas ideologias a partir de um
grande número, não infinito, de escolhas.

O diálogo do rádio com as telas

E, se na sociedade pós-industrial há multiplicidade de


escolhas e de possibilidades, o rádio amplia suas dimensões
em relação às linguagens. Com o contexto do ambiente di-
gital em rede, estabelece uma primeira relação através da
transmissão streaming do seu conteúdo na internet. Esta
tecnologia foi viabilizada no final da década de 1990 e im-
pactou o meio rádio principalmente na sua abrangência ge-
ográfica. Tanto por característica de linguagem como por
legislação, o rádio sempre teve um discurso local voltado
para uma cidade ou comunidade. As exceções eram os pro-
gramas como a Voz da América e produções da BBC ou do
Vaticano, transmitidos por ondas curtas para rádios como o
Transglobe6 que necessitavam de condições climáticas e po-

6 . Trata-se de um receptor de rádio multibanda fabricado pela Philco


Brasileira entre as décadas de 50 e 80. O Transglobe oferece a pos-
sibilidade de escuta em várias faixas de Ondas Curtas.

75 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


sições geográficas específicas para a recepção do conteúdo.
Em torno de 10 anos depois do início das rádios onli-
ne, o outro passo evolutivo da relação com o internet é a
possibilidade da presença em aparelhos móveis de acesso à
rede como os smartphones. Os aplicativos (Apps) começam
a proporcionar que rádios online sejam consumidas em
diversas situações urbanas. Este fato transporta a mobi-
lidade, que desde a invenção do transistor, é uma carac-
terística essencial do meio, para o ambiente em rede. As
cidades começam a se transformar (Mitchell, 2003)
por novas ondas eletromagnéticas que agora transportam
sinais digitais (Negroponte, 1995) e não mais pulsos
analógicos. O rádio online tem ao mesmo tempo con-
teúdo global e local que dialoga em situações onde cada
extremo tem contextos de manifestações específicas.
Em uma outra perspectiva, o cenário presente de pla-
taformas digitas é composto de uma diversidade de telas
que abrangem desde pequenas informações de eletrodo-
mésticos até telas gigantes nas cidades, passando também
por smartphones, tablets, computadores pessoais e TV. Para
(Lévy, 1996) estas telas representam janelas para o ciberes-
paço e são as pontes responsáveis para a interação online.
Elas são janelas justamente pela metáfora de um trânsi-
to em duas vias da informação, elas são visíveis dos dois
sentidos. Cada dimensão de display representa um tipo
de circunstância de uso, onde as menores tendem a ter
um acesso mais personalizado ao passo que as maiores
possuem um conteúdo compartilhado em simultaneidade
por vários interagentes.
Neste contexto, a pergunta que pauta a pesquisa reali-
zada pelo Ubilab (Laboratório de Pesquisa em Mobilidade
e Convergência Midiática), da Faculdade de Comunicação
Social (Famecos)/ PUCRS, em conjunto com o Grupo
RBS, por intermédio de sua divisão de desenvolvimento

76 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


móvel, no parque tecnológico da Universidade, o Tecno-
puc, é como o rádio se relaciona com as telas? Como pode
um meio que possui a característica embrionária da lingua-
gem audiofônica dialogar com um conteúdo visual intera-
tivo sem perder contudo sua essência?
Em um primeiro momento, houve a busca por exem-
plos de diálogos entre o rádio e as telas, particularmente
no campo das Apps para smartphones e tablets. Em um se-
gundo momento, foi desenvolvido um estudo que mapeia
o uso do rádio com a atenção exigida para a compreensão
de seu conteúdo em diversas situações cotidianas. Esta si-
mulação de contexto tem como objetivo entender onde o
ouvinte/interagente pode, e em que grau, se relacionar si-
multaneamente com o conteúdo em áudio e imagem. Estas
duas etapas compõem a base para o futuro desenho de uma
solução de produto que busque novos caminhos de diálogo
do meio rádio com o contexto das telas.

O rádio e as telas móveis de smartphones e tablets

Para avaliar as possibilidades de transformação, tornou-


-se necessário fazer um estudo de caso e tentar compreen-
der como esta mídia deveria agir para conquistar ainda mais
o seu público-alvo, tendo em vista o uso de aplicativos em
dispositivos móveis e de fácil acesso. Portanto, foi realizada
uma pesquisa tendo como base a Rádio Gaúcha, um dos
principais canais de comunicação do Rio Grande do Sul,
emissora do Grupo RBS.
A pesquisa qualitativa trouxe como contribuição ao es-
tudo uma mescla de procedimentos de cunho racional e
intuitivo capazes de contribuir para a melhor compreensão
dos fenômenos que estavam sendo estudados. Desta for-
ma, este tipo de técnica não procura enumerar ou medir os

77 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


eventos estudados, nem emprega instrumental estatístico na
análise dos dados, mas envolve a obtenção de informações
descritivas sobre pessoas, lugares e processos interativos pelo
contato direto do pesquisador com a situação estudada, pro-
curando compreender os fenômenos, segundo a perspectiva
dos participantes da situação em estudo (GODOY, 1995).
Antes de pesquisar especificamente o caso da Rádio
Gaúcha, vale salientar os principais motivos pelos quais o
estudo passou a ser ainda mais relevante. A partir da obser-
vação de Apps já existentes, percebeu-se que, no momento
atual da tecnologia, os meios estão presentes em todas as
partes. Independente do motivo pelo qual o meio de co-
municação foi projetado na origem, ele pode criar uma
nova finalidade. O rádio, por exemplo, era uma forma de
distração através da audição. Porém, também pode se apre-
sentar em formato de tela em tablets e celulares.
Os Apps de redes sociais agregadas a conteúdo serviram
como base de inspiração para a pesquisa focada no rádio. O
GetGlue e o IntoNow são alguns dos exemplos que mere-
cem destaque visto que unem pessoas com objetivos comuns e
proporcionam a troca de experiências entre os usuários. Além
disso, é possível intervir no conteúdo que está sendo disponi-
bilizado na televisão apenas com o uso de um aparelho mobile.
Os games também apresentam conexões entre diversas
telas e ultrapassam o conceito de tela única. Em 2011, após
o lançamento do iPhone 4S e do iOS5, a Firemint anunciou
uma atualização dos jogos Real Racing 2 e Real Racing
2 HD para oferecer o modo Party Play no jogo. Este novo
formato permite a criação de um modo multiplayer local, no
qual até quatro dispositivos podem interagir ao mesmo tem-
po, no mesmo jogo que é reproduzido na tela da televisão.
Aplicativos de rádios internacionais, como a Bloomberg
Radio, já apresentam funcionalidades diferenciadas, que há
pouco tempo não eram imaginadas. Um exemplo disso é o

78 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


fato de o App oferecer notícias atualizadas a cada minuto, bem
como o programa ao vivo com imagens, quando necessário.

Aplicação dos pressupostos em um estudo de caso

Após esta breve descrição sobre indicações que desenca-


dearam a busca por uma nova visão de um aplicativo para
rádios, tornou-se essencial fazer a pesquisa mais aprofun-
dada a respeito da programação da Rádio Gaúcha, objeto
de análise, a fim de descobrir como se dá a divisão dos
programas, focando sempre nos de maior audiência e des-
taque. Sendo assim, foi criada uma tabela com diversas abas:
nome do programa, especificação sobre o programa, tempo
de duração, tipo de programa, forma de interação com o
internauta no formato que é hoje e forma de interação que
pode estabelecer com o internauta no novo aplicativo.
Já neste momento, pode-se perceber que a rádio estava
dividida em três grandes eixos: esportes, notícias e deba-
tes/entrevistas/entretenimento. No primeiro eixo de pro-
gramas analisados, percebeu-se uma outra subdivisão de
grande importância para a Rádio Gaúcha. Com exceção
do programa Sala de Redação, que traz um debate entre
comentaristas sobre os mais variados temas, os demais pro-
gramas de esporte estão sempre relacionados a partidas dos
clubes locais, Grêmio e Internacional.
Desta forma, foi possível fazer uma comparação entre
eles para dividi-los da seguinte forma: programas pré-jogo,
durante o jogo e pós-jogo. Em todos estes, percebe-se a
discussão de assuntos referentes aos clubes de destaque da
semana ou do próprio dia, com opiniões claras dos comen-
tarias e jornalistas do Grupo RBS.
Partindo de um mapeamento detalhado sobre a própria
programação da rádio para a qual se estava realizando esse

79 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


estudo, chegou-se a conclusão de que seria pertinente, nes-
se caso, dividir a grade de acordo com o tipo de conteúdo
dos programas, os quais foram classificados nas seguintes
categorias: esportes; entretenimento, entrevistas e debates;
noticiosos e, por fim, especializados. Assim, procuramos en-
tender as especificidades de cada grupo de programas para
que fosse possível fornecer soluções mais adequadas a cada
um deles. Dentro de cada categoria das acima descritas, fo-
ram feitas, também, subdivisões, tomando como princípios
fundamentais as próprias características dos programas, a
duração de cada um e, a partir disso, a própria agilidade do
conteúdo veiculado, e como o ouvinte poderia, através do
aplicativo, interagir com a rádio em três esferas: com o con-
teúdo propriamente dito, com a equipe interna da rádio e
com outros ouvintes, as quais serão descritas a seguir.
Os programas esportivos são, sem dúvida, um dos car-
ros-chefes da programação da rádio em questão, principal-
mente quando os dois clubes de futebol principais de Porto
Alegre estão disputando campeonatos, tanto locais, quando
nacionais ou internacionais. Nessas ocasiões, a programação
costuma se dividir entre o momento pré-jogo, a transmis-
são da partida e programas pós-jogo, com a análise do jogo,
comentários técnicos e alta participação dos ouvintes. Além
disso, durante os dias nos quais não há jogos, ainda assim
os programas voltados às noticias esportivas ocupam um
importante espaço na grade de programação da rádio, uma
vez que eles servem como atualizações das últimas notícias
sobre o esporte. Assim, foram divididos os programas es-
portivos também em relação à duração de cada um deles,
com a seguinte classificação: programas rápidos, de até dez
minutos; de média duração, com até trinta minutos; e, final-
mente, com longa duração, a partir de 30 minutos.
Em seguida, classificados também de acordo com a agili-
dade do tempo de cada notícia nos programas. Certamente,

80 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


a duração do programa em si influencia na forma como o
conteúdo é tratado, porém, não é seu fator determinante.
Logo, cabe aqui esclarecer que em relação à agilidade, nos
referimos ao aprofundamento e à duração que cada notícia
ocupa dentro do programa, e não devemos confundir com
a duração do programa em si. Os mesmos critérios também
foram utilizados para a divisão dos programas noticiosos,
os quais foram classificados como super ágeis – programas
boletins rápidos de notícias, normalmente a cada hora; de
agilidade média, nos quais as informações são discutidas en-
tre os participantes, podendo contar também com a parti-
cipação direta dos ouvintes através de enquetes e interações
via internet; e também os especializados, ou programas que
tratam de temas específicos, como o mundo empresarial ou
assuntos relacionados ao agronegócio.
Os programas de debates, entrevistas e entretenimen-
to foram reunidos em um grupo único, pois se percebeu
que eles possuem características comuns, como a duração
que, pelo próprio objetivo que possuem, exigem um tempo
maior de duração para que os assuntos sejam tratados com
mais profundidade. A agilidade dos mesmos também é simi-
lar, pois eles abordam temas bem definidos, sendo conside-
rados como de agilidade média. Esses programas possuem
como marca grande participação dos ouvintes, principal-
mente através de ligações telefônicas e internet. Sendo assim,
procurou-se levar em conta tais características de interativi-
dade com o público, na elaboração de possíveis soluções no
desenvolvimento das funções que o aplicativo teria.
A metodologia utilizada na pesquisa foi fundamental
para tornar possível a compreensão das necessidades e o
que era pertinente para cada um dos programas da emisso-
ra. Possibilita ainda oferecer não só uma nova experiência
radiofônica, mas também diferentes experiências dos ou-
vintes dentro de um aplicativo, de acordo com o programa

81 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


que estiver ouvindo no momento, aproveitando, assim, as
possibilidades que o próprio suporte móvel oferece. Como
um dos princípios norteadores seria aumentar a interação
através do aplicativo, foi estabelecido que ela se daria em di-
ferentes esferas. Entre estas dimensões, a investigação apon-
tou a possibilidade de convergir a linguagem do rádio com
a imagem, dentro de um mesmo aplicativo. Para os ouvin-
tes, esta já é uma relação existente, mesmo entre produtos
de comunicação distintos, e não viria a ferir o consumo do
rádio, por intermédio da emissora a que estão acostumados.

Repensando o rádio: a atenção dispersiva e os cená-


rios de uso das mídias na era digital

O rádio confirma suas possibilidades na cultura da con-


vergência que, detalhada por Jenkins (2009), representa
um contexto em que diversas fronteiras, antes facilmente
identificáveis, hoje se desmaterializam e não estão mais fa-
cilmente visíveis no espectro cultural da sociedade. Neste
sentido, se encontra a ‘cultura da participação’ e a tênue
linha que separa (ou não) produtores e consumidores de
conteúdo, assim como a própria identidade midiática que
se vê alterada. Entre suas diversas facetas, a convergência
representa alterações importantes no que se refere ao ‘con-
sumo de/interação com conteúdo’, e a relação do público
com a informação e as mídias. Uma audiência modificada,
que interage e faz diversas atividades ao mesmo tempo.
O acesso a notícias e conteúdos é um processo cada
vez mais dinâmico, e a atenção que antes parecia ser foca-
da em uma única atividade, hoje se dispersa entre diver-
sos canais e plataformas. Jenkins (2008, p. 3) descreve: “no
mundo da convergência de mídia, toda história é contada,
toda marca é vendida e todo consumidor é cortejado por

82 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


múltiplas plataformas de mídia”. É uma mudança cogni-
tiva que Santaella (2004, p. 33) define como uma experi-
ência ‘imersiva”, em que o público estaria “em estado de
prontidão, conectando-se entre nós e nexos, num roteiro
multilinear, multisequencial e labiríntico que ele próprio
ajudou a construir». Assim como ela, Bilton (2010, p. 215-
216) identifica que o consumo de mídia passou a ser cada
vez mais concomitante a outras atividades:

Ao invés de decidir entre um jornal e um rádio, con-


sumidores escolheram fazer ambos ao mesmo tem-
po. Ou ao invés de decidir entre surfar em diversos
websites no meu laptop, assistir a um programa de
TV, trocar mensagens de celular e jogar videogame,
eu vou escolher fazer tudo simultaneamente. As pró-
ximas gerações vão descobrir ainda mais combina-
ções de consumo e vão se tornar coletivamente ain-
da mais adeptos a mesclar diferentes tipos de mídia.

Este hábito está se tornando cada vez mais forte no uni-


verso digital, algo que influencia o consumo de mídias no
mundo analógico também. Estudo da Starcom MediaVest
e da divisão online da BBC aponta que dois terços dos
usuários de tablets frequentemente usam o aparelho en-
quanto fazem outras atividades como ver televisão (IND-
VIK, 2011). Ou seja, o consumo de mídias é cada vez mais
simultâneo, somos multitarefa.
No entanto, é importante lembrar que isso foi um processo
de transformação que não aconteceu de uma hora para outra.
Pensando especificamente no rádio, nosso objeto de estudo, o
consumo simultâneo com outras atividades não nasceu na era
digital, mas transformou-se. Podia-se ouvir rádio realizando
outras atividades, mas atualmente, além das possibilidades que
antes se tinha, abrem-se outras no universo digital.
Assim, as transformações vão acontecendo em diversas

83 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


esferas e “a convergência exige que as empresas de mídia
repensem antigas suposições sobre o que significa consumir
mídias, suposições que moldam tanto decisões de programa-
ção quanto de marketing”(JENKINS, 2009, p. 47). É preciso
pensar que existe um público diferente de anos atrás e é pre-
ciso pensar no que é a verdadeira identidade de cada meio.
A convergência midiática, para além do consumo e nível
de atenção, desvinculou linguagens específicas de aparelhos
únicos para consumo midiático. Ouvir rádio, assim como
ver televisão ou ler um jornal, era uma prática antes vincu-
lada a um suporte material específico. As mídias estão hoje
desvinculadas das limitações materiais de linguagens dos
meios analógicos de comunicação. É possível interagir com
conteúdos radiofônicos, televisivos e noticiosos de maneira
geral em diferentes suportes e, muitas vezes, fazer tudo isso
em um só suporte digital. A problemática está na altera-
ção e na adaptação do papel destas mídias em um cenário
convergente como o que se apresenta. Estas modificações
afetam as identidades das mídias e causam receio sobre seu
futuro, sobre a perpetuação em suportes convergentes.

Nos anos 90 o mito era de que a internet substitui-


ria a televisão, alguém pode dizer que a televisão e
a internet poderão se reunir em um mesmo apare-
lho. Não é impossível que um mesmo aparelho seja
usado para TV, internet, ou game. Mas não é um
aparelho que define a mídia. É o tipo de conteúdo.
Quando usamos o monitor da televisão para jogar
game sabemos que é um game, não é por ser exi-
bido na TV que ele deixa de ser game. O mesmo
ocorre com a TV, mesmo sendo exibida num com-
putador ela continua sendo TV (CANNITO, 2009).

E assim se começa os questionamentos que perpassam


suportes, culturas e adaptações de consumo e conteúdo.

84 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


As transformações da cultura da convergência convocam
um pensamento sobre a verdadeira essência das mídias, que
deixou de ser um suporte ou uma linguagem específica
vinculada ao meio material ao qual ela estava antes inevita-
velmente atrelada.
Na pesquisa, passamos a nos perguntar: qual seria a ver-
dadeira identidade do rádio para além do suporte? O que
para além do meio material caracteriza a informação radio-
fônica e faz com que ela se torne única e própria? Buscamos
esta resposta na natureza da informação radiofônica: o ao
vivo. E para vincular o rádio ao contexto convergente, bus-
camos primeiramente entender o cenário de uso de acordo
com os níveis de atenção e os sentidos retidos nesta atenção
dispersa: ouvir rádio e fazer atividade motora, auditiva e/ou
visual que pode ter origem noticiosa ou não. Considerando
estes cenários e todo os estudos de caso realizados é que
partimos para nossas considerações finais sobre o futuro do
rádio na era digital.

Considerações finais

Ao fim destas etapas de entendimento do cenário e es-


tudo de situações e relações entre o rádio e as diversas telas
que o circundam, ficou evidente para os pesquisadores que
o desenvolvimento de um App para tablets e smartphones
seria o produto resultante desta pesquisa. Um aplicativo
que não tornasse o envolvimento visual tão profundamen-
te intenso que demandasse do ouvinte atenção exclusiva,
pois estaríamos deste modo ultrapassando a fronteira do
meio rádio em direção a outra experiência. Esta solução
deve possuir uma integração natural em que o conteúdo
visual dialogue com o áudio de maneira fluída e comple-
mentar. O fato de os indivíduos estarem de forma ubíquoa

85 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


se relacionando com smartphones ou tablets demonstram
que este ambiente pode complementar as características de
mobilidade do rádio em uma nova perspectiva no ambiente
digital em rede. No momento da formulação deste texto a
solução final proposta pela pesquisa encontra-se em fase de
desenvolvimento e também em processo de requerimento
de patente. Desta forma o relato se estenderá em futuros
artigos que explicitarão os resultados a partir das evidências
e da descrição do produto final.
O rádio começa neste contexto uma relação de aco-
plamento aos novos hábitos de consumo de informação e
também aos novos ouvintes que podem navegar em águas
mais conhecidas pela sua geração. O cenário de atualização
da linguagem radiofônica poder ser, desta forma, um dos
mais profundos de sua história.
Quando falamos em atualização, consideramos que o
rádio chega a este cenário de mídia pós-industrial ainda
emitindo sons, ruídos, signos acústicos e a palavra falada.
A discussão sobre a completude ou incompletude de exis-
tência apenas pelo áudio vai dialogando com as possibili-
dades de conexão por intermédio de telas. Conexão esta
que garante o envolvimento descrito por McLuhan com
intensidade ainda maior, num ambiente onde se confun-
dem o predomínio da escrita, como definem alguns auto-
res aqui citados, enquanto muitos já fazem conviver áudio
e imagem com tranquilidade. Neste cruzamento, definido
como cultura da convergência ou atualização, novos usos e
sentidos vão sendo dados aos objetos já existentes. E, nesta
situação, o rádio dialoga com a imagem e as suas múltiplas
dimensões. O ouvinte, “cortejado” pelas muitas platafor-
mas, pode relacionar-se ainda melhor com os conteúdos
radiofônicos, se as soluções apontarem para produtos em
que muitas linguagens convivam para cercar o consumo
disperso e simultâneo com outras atividades.

86 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


Referências

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limites dos corpos. In Teorias do Rádio: textos e contextos. Flo-
rianópolis: Insular,Volume I, 2005.
Bilton, N. I live in the future & here’s how it works. New
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88 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


4.
A produção de conteúdo radio-
fônico em tempos virtuais - vale
a pena ouvir de novo

Sandra Sueli Garcia de Sousa1


Mariana Goulart Hueb2
Universidade Federal de Uberlândia 

O rádio tradicional está em crise há tempos, sobretudo


quando se fala de rádio comercial. A culpa pode ser dividida
entre os parcos recursos provenientes da publicidade dire-
cionados ao veículo; ao avanço da internet, que já é o quin-
to maior meio de comunicação no mercado publicitário3
e ao próprio descaso que se vê com o rádio, observado no

1. Docente do curso de Comunicação Social – Jornalismo da Univer-


sidade Federal de Uberlândia

2. Discente do curso de Comunicação Social – Jornalismo Universi-


dade Federal de Uberlândia

3. rádio responde por 4% da fatia do mercado publicitário e a inter-


net já o ultrapassou com 6%, segundo dados do Monitor Evolution
do Ibope, 2011. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/
mercado/1036948-investimento-em-publicidade-cresce-16.shtml.
Acesso em 01 mai 2012.

89 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


pouco investimento estrutural destinado às emissoras, tanto
em termos materiais quanto humanos. Diante deste cenário,
o potencial jovem ouvinte de rádio e mesmo antigos ou-
vintes radiofônicos tem navegado em outras ondas sonoras4.
Assim, o rádio acaba por reconfigurar-se enquanto meio de
comunicação, um processo comum ao longo de sua história.
Nesse sentido, localizamos as atuais formas de ouvir o
meio no ambiente virtual seja para o ouvinte interessado
em entretenimento musical, seja para o ouvinte interessado
em acompanhar um programa de humor ou de entrevista.
As idéias e análises aqui apresentadas fazem parte da pes-
quisa “Redes Sociais Musicais: rádios ou plataformas? uma
discussão sobre as novas formas de ouvir na Internet”, em
andamento no curso de Comunicação Social – Jornalis-
mo da Universidade Federal de Uberlândia. Embora o foco
maior da pesquisa sejam as emissoras sociais musicais5, tam-
bém analisamos a prática de algumas rádios que existem
tanto no ambiente virtual quanto na esfera hertziana.
Em relação a este artigo, nosso objetivo principal é ana-
lisar a produção oferecida aos ouvintes por essas emissoras.
Indagamos assim se, com o advento da Internet e seus di-
versos aparatos de consumo, o ouvinte não estaria liberan-
do-se para ouvir suas músicas e programas preferidos em

4. Na Argentina, por exemplo, um estudo do Mediaedge detectou


que os jovens tem preferido ouvir rádio na internet. Disponível em:
http://www.acontecendoaqui.com.br/posts/cresce-a-audiencia-
-de-radios-pela-internet. Acesso em 01 mai 2012.

5. Termo cunhado do pesquisador Marcelo Kischinhevsky no artigo


“Rádio social – Uma proposta de categorização das modalidades
radiofônicas”. Para o autor, as rádios sociais podem ser definidas
como sites que apresentam uma circulação de arquivos digitais de
música. Disponível em: http://www.intercom.org.br/papers/na-
cionais/2011/lista_area_DT4-RM.htm. Acesso em 01 mai 2012.

90 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


qualquer lugar, independente da instantaneidade do veícu-
lo. Ora, se o primeiro grito que marcou a independência
do ouvinte em relação ao aparelho de rádio, foi a criação
do transistor (1947), evoluindo para a miniaturização dos
aparelhos e a transposição dos mesmos para automóveis,
celulares, MP3 e iPods, o acesso à diversificação de con-
teúdos e ouvi-los livremente se faz presente, sem dúvida,
na internet. Na chamada rede, é possível ouvir emissoras
de vários países e de todos os tipos a qualquer hora do dia,
desde rádios livres e comunitárias até rádios virtuais perso-
nalizadas e rádios consagradas a determinados segmentos:
jornalísticas, musicais, esportes, universitárias entre outros
– estejam apenas no ambiente virtual ou não.
Para exemplificar a produção de conteúdo na rede,
analisamos duas rádios sociais voltadas à execução musical
(Last FM e Blip FM) e duas rádios convencionais públicas
(Rádio Cultura FM de SP e Rádio USP) que disponibili-
zam os programas veiculados na FM também na internet.
As emissoras foram escolhidas de forma intencional para
exemplificar alguns parâmetros de produção de conteú-
do para este momento do rádio. O trabalho aponta para
um novo cenário ainda em construção e assimilação pelas
emissoras que precisam produzir conteúdo diversificado e
diferenciado para o público internauta. O estudo não esgo-
ta o assunto, no entanto mostra algumas experiências neste
âmbito e espera contribuir para o avanço na discussão do
meio, sobretudo em relação à produção de conteúdo.

Mobilidade e independência

A invenção do transistor trouxe ao rádio mobilidade, mo-


vimento, a capacidade do ouvinte acompanhar os programas
em qualquer local, fato relatado por pesquisadores da área

91 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


como Ferrareto (2000), Cunha (2010) entre outros. A mo-
bilidade aliada a miniaturização do aparelho foi sem dúvida
uma das grandes conquistas do meio e para o ouvinte, um
verdadeiro grito de liberdade concedendo-lhe autonomia na
recepção: escolhe-se o que se quer ouvir, a hora que se quer
ouvir e onde se quer ouvir.
Ao explicar a evolução do rádio e sua abrangência na era
digital, o editor de Communication Research Trends, William
E. Biernatzki (1999, p. 44), afirma que a transição do rádio,
das válvulas aos transistores e destes aos circuitos integra-
dos, permitiu a miniaturização e a maior durabilidade do
equipamento. Após essa fase, o próximo passo do desenvol-
vimento eletrônico do rádio, no início na década de 1970,
viria com o microprocessador:

Um circuito digital integrado avançado, cujo vas-


to número de componentes pode ser programado.
Este desenvolvimento revolucionou a evolução de
quase tudo o que opera com base na eletricida-
de. Muito desse potencial para mudar tanto o rádio
como a televisão ainda estaria por surgir com a re-
volução digital (BIERNATZKI, 1999, p. 44).

Justamente durante a década de 1970, as novas tecno-


logias da comunicação e da informação surgem nos paí-
ses industrializados, conseqüência dos avanços da indústria
eletrônica. Mas só na década seguinte passam a fazer parte
daquele mercado, logo se espalhando pelo resto do mundo
(MELO, 1986, p. 29). As novas tecnologias sofisticam os
equipamentos em grande velocidade, basta ver que durante
a década de 1980, por exemplo, havia o deslumbre com
a chegada dos videoteipes, videocassetes, videodiscos, câ-
meras portáteis, TVs a cabo, computadores, fax e correios
eletrônicos. Atualmente, os MP3 Players, os iPods, os smar-
tphones e tablets, só para citar alguns, tomam conta do so-

92 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


nho de consumo de muita gente.
Em resumo, Mariano Cebrián Herreros (2011, p. 36)
situa a transformação do meio rádio considerando três mo-
mentos distintos:

[...] a primeira na década dos anos de 1940-50 com


base na chegada dos transistores, gravadores e FM
estéreo, e a segunda na década dos anos de 1980-90
da digitalização e convergência de mídias. A terceira
transformação é causada pela presença de platafor-
mas de Internet e telefonia móvel e a convergência
das plataformas anteriores com as novas até gerar as
atuais multiplataformas. Se passa da convergência
de mídias ou multimídia à convergência multipla-
taforma (HERREROS, 2011, p. 36).

O surgimento da internet, em relação ao rádio, trouxe as


transmissões online, as web radios e outros tipos de execuções
sonoras - podcasts6, por exemplo - dando nova configuração
ao meio. Para Nair Prata (2008, p. 28), o advento da inter-
net faz surgir uma nova forma de radiofonia:

O usuário não apenas ouve as mensagens transmiti-


das, mas também as encontra em textos, vídeos, fo-
tografias, desenhos, hipertextos. Além do áudio, há
toda uma profusão de elementos textuais e imagé-
ticos que resignificam o velho invento de Marconi
(PRATA, 2008, p. 28).

6. O podcasting é um processo de transmissão de arquivos de áudio


na Internet. Esses arquivos são chamados de podcasts e podem ser
produzidos por qualquer pessoa, abordar diversos temas e ser distri-
buídos gratuitamente na rede. Uma análise mais apurada pode ser
encontrada em KISCHINHEVSKY (2007, pp. 117-121).

93 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


Essa resignificação do rádio em tempos de internet per-
mite que o usuário programe o que deseja ouvir na hora em
que quiser e torne-se, ele próprio, um produtor de conte-
údo. De acordo com Marcelo Kischinhevsky (2008, p. 01):

Com o crescente – embora desigual – acesso da


população brasileira às novas tecnologias da infor-
mação e da comunicação, que propiciam a digitali-
zação e a compressão de arquivos musicais em larga
escala, consumir áudio no computador pessoal, no
telefone celular ou em tocadores multimídia tor-
nou-se uma atividade cotidiana. Discotecas inteiras
passam a caber em diminutos players, e proliferam
as ofertas de conteúdo sonoro em web radios, pod-
casts e comunidades de relacionamento que ofere-
cem a possibilidade de criar estações de rádio per-
sonalizadas (KISCHINHEVSKY, 2008, p.01).

Desta forma, o próprio Marcelo Kischinhevsky afirma que:

Circunscrever o rádio às ondas eletromagnéticas é


condená-lo a um papel cada vez mais secundário,
diante do crescimento da internet comercial e do pro-
cesso de convergência de mídias. No início do século
21, escuta-se rádio em ondas médias, tropicais e curtas
ou em frequência modulada, mas também na TV por
assinatura, via cabo, micro-ondas ou satélite, em ser-
viços digitais abertos e por assinatura, e via internet,
de múltiplas formas (KISCHINHEVSKY, 2011, p. 05).

A respeito do assunto, Mariano Cebrián Herreros (2011, p.


34) defende que o rádio e os outros meios não deixam de exis-
tir com o avanço tecnológico, mas sofrem uma transformação.

Há pessimistas que dão por mortos os meios de


comunicação: jornais, rádio e televisão, mas se es-

94 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


quecem de acrescentar massivos os outros ele-
mentos que lhes permitem transformar e sobre-
viver. O importante não é o desaparecimento de
determinados suportes e sim a continuidade do
que cada um traz como seu. Pode desaparecer
a imprensa de papel, mas o jornalismo escrito
vai sobreviver; é possível que as ondas hertzianas
percam tanta audiência que as façam irreconhe-
cíveis como emissoras de rádio, mas sobreviverá
o consumo dos documentos sonoros, da música
e da informação oral; é possível que a televi-
são generalista seja encurralada pelas audiências
entusiasmadas por conteúdos muito específicos,
mas permanecerão as transmissões ao vivo de
grandes eventos, a informação audiovisual, a fic-
ção e o entretenimento. A tecnologia importa
como mero suporte de produção, registro, dis-
tribuição ou recepção, mas introduz outras vari-
áveis ​​comunicativas, promove outros conteúdos
e emprega outras linguagens usadas de acordo
com grupos de usuários, com os territórios e
com cada época. Muda a tecnologia, se renova a
sociedade, se modificam os gostos, mas prevalece
a comunicação mediada pela inovação tecnoló-
gica entre os membros de uma sociedade (Her-
reros, 2011, p. 34).

No processo de transformação do rádio, entre o ca-


minho hertziano e online, é que localizamos as formas
de ouvir atuais: livres da pressão do tempo, resgatando
o que foi ao ar para ouvir em outro momento, fazen-
do parte do que Kischinhevsky (2008, p. 04) considera
“cultura da portabilidade”, em suma, a possibilidade de
ouvir e de se fazer ouvir, onde quer que se esteja e des-
de que se domine o aparato tecnológico necessário a
isso, é que analisamos quatro situações sonoras.

95 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


Produção de conteúdo em tempos virtuais - Rádios
Sociais Musicais

As rádios sociais musicais surgem para compartilhar gos-


tos musicais, vem ao encontro do boom das redes sociais e
trazem a possibilidade de que cada usuário programe o que
deseja ouvir, sem que fique limitado à oferta colocada pelas
emissoras tradicionais e grandes gravadoras. Vejamos duas
destas experiências na web.

1 – Blip.FM
O Blip.FM7 é um microblog8 que permite aos usuários
compartilharem músicas e textos de, no máximo, 150 ca-
racteres. Para participar é preciso se inscrever através de um
cadastro rápido, criando um nome de usuário e uma senha.
A partir de então, cada vez que o usuário desejar compar-
tilhar uma música ele deverá buscá-la na barra de pesquisa
que aparece na página principal. As canções postadas são
chamadas de blips e podem ser re-postadas por outros usu-
ários, além de receberem props, pontos de parabenização
pelo compartilhamento.
Lançado em maio de 2008 pela empresa Fuzz, cujo foco
principal é o mercado de música online, o Blip.FM surgiu

7. Blip.FM. Disponível em <http://blip.fm/>. Acesso em 27 mai 2012.

8. Microblog (ou micro-blogging) é uma forma de publicação de peque-


nos textos (geralmente com 200 caracteres) na Internet. Os usuá-
rios podem fazer atualizações e publicá-las para que sejam acessa-
das publicamente ou por um grupo de usuários selecionados pelo
indivíduo que publicou. Atualmente o Twitter, criado em 2006, é
o serviço de microblog mais utilizado na Internet e possui cerca
de 100 milhões de usuários inscritos, segundo matéria publicada
no portal G1, disponível em http://g1.globo.com/tecnologia/no-
ticia/2011/09/twitter-tem-100-milhoes-de-usuarios-ativos-diz-
-ceo.html. Acesso em 20 jan 2012.

96 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


como uma plataforma social de compartilhamento de música.
Seu fundador JessYasuda, o descreve como o Twitter da música.
O Blip.FM disponibiliza aos usuários alguns recursos
que complementam a postagem das músicas e possibilitam
uma ampliação das relações sociais entre os DJ’s (como são
chamados os usuários).
Para postar uma música basta que o usuário digite no
campo de busca a canção ou o artista que pretende com-
partilhar. Ao encontrar a música desejada, o usuário tem a
opção de ouvi-la antes de postar, clicando no botão preview
ao lado da música. Algumas canções são de vídeos do You-
tube e aparecem em uma tela do lado direito do monitor.
As músicas que possuem vídeo são indicadas por um ícone
no formato de uma televisão.
Assim como no Twitter, é possível enviar mensagens a
outras pessoas. Para isso é preciso digitar o sinal @ seguido
do nome de usuário para quem você está escrevendo. Essas
mensagens podem ser encaminhadas para vários usuários,
basta manter o procedimento de utilização do sinal de @
antes dos nomes. Também é possível adicionar outros DJ’s
como favoritos e acompanhar suas postagens.
Outro recurso, bastante utilizado pelos DJ’s são os props.
De acordo com o próprio Blip.FM enviar props para outros
usuários é uma forma de reconhecimento pela postagem de
uma boa música.Todos os usuários começam com dez props
(ou créditos) que podem ser usados com qualquer outro
usuário. Cada prop recebido dá ao DJ um crédito, permitin-
do que ele o envie para qualquer pessoa. Para enviar props
basta clicar no ícone thumbs-up (sinal de jóia) que aparece
no canto inferior direito de cada compartilhamento. Além
dos props existem as badges, que são como medalhas que o
usuário recebe do próprio Blip.FM e que variam conforme
o número de postagem e a popularidade delas.
O banco de dados do Blip.FM aceita envios de músicas

97 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


pelos usuários. Caso um DJ procure uma canção e ela não
esteja disponível na busca da plataforma, ele poderá enviá-la
e o Blip.FM irá armazená-la. Para isso ele deve clicar no link
“Settings” no canto superior direito e depois clicar em “Mu-
sic”. Em seguida o usuário deverá digitar a URL9 da canção
e clicar no botão “Save”. Se a canção estiver disponível ela
será automaticamente anexada ao banco de dados do site.

2 – Last.FM
A Last.fm10 é um site cuja principal função é a de rádio
social. Com aspectos de comunidade virtual, ela agrega da-
dos sobre músicas e artistas e permite a troca de informações
e recomendações sobre o tema entre seus usuários. Para par-
ticipar da Last.fm é necessário que o indivíduo se inscreva
no site e crie um perfil com informações pessoais e com
seus interesses musicais. A partir da criação desse perfil, o
usuário irá instalar um plugin11 em seu player de música, que
irá coletar informações acerca de todas as canções que fo-
rem executadas em seu computador. Essas informações se-
rão repassadas para a página do usuário, construindo, assim,
um perfil detalhado do interesse musical de cada indivíduo.

9. URL. In:WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida:Wikimedia Foun-


dation, 2012. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/w/index.
php?title=URL&oldid=30630846>. Acesso em: 27 de maio de 2012.

10. Last.FM. Disponível em <http://www.lastfm.com.br/>. Acessado


em 27 de maio de 2012

11. Na informática, um plugin é um programa de computador usado


para adicionar funções a outros programas maiores, provendo algu-
ma funcionalidade especial ou muito específica. Geralmente pe-
queno e leve, é usado somente sob demanda. PLUGIN. In: WIKI-
PÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2012.
Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Plugin>. Acesso em
25 mai. 2012.

98 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


A Last.fm foi fundada no Reino Unido em 2002 por
Felix Miller, Martin Stiksel, Michael Breidenbruecker e
Thomas Willomitzer. O site, a partir de um software, hoje
chamado scrobbler12 e utilizado pela Last.fm, armazenava as
músicas executadas pelos usuários em seus computadores e
criava tabelas com os dados obtidos através das execuções.
Em agosto de 2005, o Audioscrobbler se uniu totalmente
a Last.fm. Em 2006 foram feitas diversas atualizações no
site, dentre elas foi criada a possibilidade de o usuário se
conectar a Last.fm não somente através de computadores,
mas também de music players portáteis. Além disso, foi cria-
do um painel de controle, onde os usuários podem aces-
sar, em uma única página, informações de outros usuários.
Também foi disponibilizada a opção de compra de músicas
online, além de mudanças na identidade visual. Uma im-
portante transformação foi a inserção de páginas em ou-
tras línguas além do inglês, como por exemplo: português,
espanhol, italiano, francês e alemão. Em maio de 2007, a
empresa norte-americana CBS Interactive comprou a Last.
fm por 140 milhões de libras.
Para desenvolver seu perfil musical, o usuário da Last.fm
pode utilizar dois métodos: acrescentar informações através
do scrobbler ou ouvir a rádio Last.fm, com um repertório
baseado no gosto musical do indivíduo. A rádio do site dis-
ponibiliza o acesso a 50 músicas. Após ouvi-las o serviço
passa a disponibilizar apenas 30 segundos das canções e, para
ouvi-las por completo, é necessário assinar a rádio persona-
lizada por um valor de três dólares americanos por mês. O

12. O scrobbler é um aplicativo que deve ser baixado pelo usuário e insta-
lado em seu computador. Ele envia mensagens para a Last.fm infor-
mando qual canção está sendo executada no momento. A partir dessas
mensagens o site une informações e cria tabelas com o perfil musical
do usuário que são disponibilizadas na página de cada usuário.

99 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


scrobbler é gratuito, mas não dá acesso ao repertório do site.
Conforme as canções são executadas, o scrobbler cria ta-
belas e as disponibiliza no perfil do usuário. Os dados divul-
gados são: últimas faixas executadas, biblioteca do usuário,
contendo todos os artistas que o usuário já ouviu desde sua
inscrição no site, uma listagem com os principais artistas
em ordem de execução das canções e as faixas mais tocadas,
contendo o número de vezes que ela tocou. Esses dados
permitem que os usuários acessem outros perfis e confiram
o grau de compatibilidade musical entre eles.
Além desses recursos, o usuário pode criar listas com as
canções executadas em seu player, aplicar tags13 à artistas e
canções, participar de fóruns de debate, enviar mensagens a
outros usuários, acompanhar o anúncio de eventos, como
shows e festivais, confirmar sua presença nesses eventos e
adicionar canções preferidas.
O recurso mais recente disponibilizado pela Last.fm é
o de recomendação. O site faz uma lista de músicas que
foram recomendadas ao usuário baseada em seu perfil mu-
sical. Há também uma rádio feita com canções selecionadas
de acordo com o gosto do usuário.

Produção de conteúdo em tempos virtuais - Rádios


Públicas
As emissoras públicas, educativas e/ou universitárias, e as
comunitárias possuem mais liberdade do que as comerciais
para se aventurarem na produção de programas diferencia-

13. Uma tag, ou em português etiqueta, é uma palavra-chave ou termo


associado com uma informação que o descreve e permite uma clas-
sificação da informação.TAG. In:WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre.
Flórida: Wikimedia Foundation, 2012. Disponível em < http://
pt.wikipedia.org/wiki/Tag_(metadata)> Acesso em 27 mai 2012.

100 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


dos. Arturo Merayo Pérez (2000, p. 12) considera que es-
ses programas são necessários em uma rádio educativa para
promover a experimentação e a inovação:

Há necessidade de continuar a explorar as possibilida-


des educativas do meio. Este trabalho está diretamente
relacionado com a “experimentação sonora”, com a
finalidade de adquirir mais elementos e conhecimen-
tos sobre a linguagem radiofônica. Além dos estudos
abundantes sobre audiências, formatos e conteúdos é
necessário seguir investigando a linguagem e a expres-
sividade próprios do meio (PÉREZ, 2000, p. 12).

Para verificar o assunto, selecionamos dois programas de


emissoras públicas, de linha educativo-cultural: a Rádio USP,
da Universidade de São Paulo e a Rádio Cultura FM, tam-
bém de São Paulo. Logicamente, há muitos mais exemplos
em outras emissoras do mesmo porte, mas nossa intenção é
exemplificar o cenário que se forma para o usuário da rede.

1 – Rádio USP
A Rádio USP14 foi criada em outubro de 1977 e surgiu
como uma nova opção às rádios educadoras de São Paulo.
A emissora, que opera em 93,7 Mhz, mantém uma pro-
gramação variada, com boletins informativos sobre a Uni-
versidade de São Paulo, programas de debate, prestação de
serviços e divulgação de eventos, programas musicais e de
variedades. O espaço para experimentação de novas formas
de produção radiofônicas, característico das rádios públicas,
também está presente na emissora. Além da inovação na

14. Rádio USP. Disponível em <http://www.radio.usp.br/>. Acesso


em 28 mai 2012.

101 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


estrutura dos programas, a Rádio USP é pioneira no uso da
Internet para a criação de uma web radio, que disponibiliza
seus programas para downloads. Para ouvir a Rádio USP
na Internet é necessário baixar os seguintes programas no
computador: Windows Media Player e Real Player. Com eles
instalados, basta clicar nos links dos programas que são dis-
ponibilizados no lado direito do site da rádio.

Programa Rádio Matraca


Em março de 1985 o programa Rádio Matraca15 passou
a integrar a grade de programação da emissora. A concepção
do programa, que mescla humor, música e informação, sur-
giu durante as apresentações do Língua de Trapo, grupo mu-
sical com um viés humorístico que nasceu nos corredores da
Faculdade Cásper Líbero. Na época a equipe que compunha
a mesa do programa era formada por Carlos Melo, Cassiano
Roda, Marcelo Moraes, Lizoel Costa, Laert Sarrumor, Os-
car Pardini e Aytor Mugnaini (que deixou o programa em
1999). Em 1998 Alcione Sanna passa a integrar o grupo.
O Rádio Matraca passou a ser transmitido pela emissora
FM 97 em março de 1986, onde permaneceu até 1987.
Em 1991 o programa voltou a ser produzido e foi ao ar
através da Rádio Gazeta de São Paulo. Em abril de 1997
retornou à Rádio USP. No site da rádio estão disponíveis
para download arquivos de edições do programa desde 2001.
O programa é composto por esquetes de humor que
zombam de notícias e fatos do cotidiano. Quatro seções
que satirizam questões musicais são apresentadas durante
o programa (em alguns deles elas não aparecem). São elas:
“Sombras de um passado vergonhoso” que faz piada com

15. Rádio Matraca. Disponível em <http://www.radio.usp.br/progra-


ma.php?id=20>. Acesso em 28 mai 2012.

102 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


as primeiras gravações de artistas famosos; “Coincidências”
que traz canções muito semelhantes ou plagiadas; “Original
para os originais” com versões desconhecidas de canções de
sucesso e, por fim, “Aversão” que apresenta canções em idio-
mas diferentes do original. Além dessas seções, as paródias de
música também são marca registrada do Rádio Matraca.
Geralmente os programas seguem um tipo que pode
variar entre três diferentes. Os “Especialzões” possuem um
único tema debatido durante todo o programa. Já “Mini-
-Especiais” são aqueles em que somente o segundo bloco é
dedicado a um tema específico. E os “Convidados”, como o
próprio nome sugere, são entrevistas e apresentações de um
convidado especial. Já passaram no Rádio Matraca os cartu-
nistas Glauco Villas Boas e Angeli, os cantores Raul Seixas,
Arrigo Barnabé e Tom Zé e o maestro Julio Medaglia.
Personagens foram criados para o programa e são como
integrantes da equipe. É o caso do médico Dr. Irvanei Lourenço,
viciado em cigarros, e dos hippies que apresentam o Jornal Zen.
A linguagem utilizada pelos apresentadores é bastante informal,
a começar pela abertura do programa, “Muito boa tarde, malu-
quinhos, aparvalhados e abilolados em geral! Está entrando no ar
a sua PRKardan, Rádio Matraca Limitada, bem limitada”.Além
disso, alguns bordões se tornaram característicos do programa,
como, por exemplo, a frase “como é que é o negócio?”. O Rá-
dio Matraca vai ao ar gravado, todos os sábados das 17 às 18h.

2 – Rádio Cultura
A Rádio Cultura16 teve sua primeira transmissão em
AM, no ano de 1936. Foi criada pela família Fontoura com

16. Rádio Cultura. Disponível em < http://www.culturabrasil.com.


br/> Acesso 29 mai 2012.

103 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


o intuito de divulgar as atividades culturais de São Pau-
lo. Em 1959, foi comprada pelo grupo Diários Associados
e passou a ser controlada pela Fundação Padre Anchieta,
juntamente com a TV Cultura. Na década de 1970 desen-
volveu o Curso Supletivo de Primeiro Grau, projeto de
educação que apresentava aulas de línguas estrangeiras, por-
tuguês, história, matemática e ginástica. Dez anos depois foi
criado o programa Matéria Prima voltado para os jovens e
adolescentes, que obteve muito sucesso.
Além dos serviços de informação, a emissora também
possui uma vasta programação musical com boa parte do
conteúdo de músicas brasileiras. Em 2008, a Cultura AM
passou a se chamar Rádio Cultura Brasil. O intuito da rádio
é oferecer uma opção mais cultural aos ouvintes, diferente
do que é transmitido nas emissoras comerciais.
Em 2010, a Cultura inova e inaugura na Internet o por-
tal Cultura Brasil que oferece a possibilidade do internauta
ouvir a rádio ao vivo, além de possuir conteúdo exclusivo
para a rede e um arquivo com as produções da emissora
que podem ser ouvidos em um player disponível na pági-
na. O usuário ainda tem a opção de carregar os programas
consigo, através do recurso de download dos podcasts 17, que
podem ser passados para um dispositivo móvel, como, por
exemplo, um MP3 player18 ou celular. Para isso, deve acessar

17. O podcasting é um processo de transmissão de arquivos de áudio


na Internet. Esses arquivos são chamados de podcasts e podem ser
produzidos por qualquer pessoa, abordar diversos temas e ser distri-
buídos gratuitamente na rede.

18. Aparelho eletrônico capaz de armazenar  e  reproduzir  arqui-


vos de áudio dos tipos mp3, wma, ogg, e mp4. LEITOR DE MP3.
In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Founda-
tion, 2012. Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Leitor_
de_MP3>. Acesso em 27 mai 2012.

104 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


a página19 de Podcasts existente no site da emissora e seguir
as instruções para a instalação. Todos os programas estão
disponíveis para download.
Programa Supertônica
O programa Supertônica foi ao ar pela primeira vez em mar-
ço de 2004 pela Rádio Cultura FM de São Paulo. Até o mo-
mento 273 edições foram transmitidas. A ideia de se criar um
programa com aspectos mais experimentais partiu de Arrigo
Barnabé, músico, ator e apresentador do Supertônica. Em seu
primeiro ano o programa recebeu o prêmio APCA (Associação
Paulista de Críticos de Artes) como revelação radiofônica. 
O projeto de Arrigo era criar um programa de entrevis-
tas com um formato diferente do padrão ouvido nas rádios
brasileiras. Esse caráter inovador pode ser percebido tanto na
forma como Arrigo conduz as entrevistas, estimulando de-
bates e permitindo que o convidado divague sobre o tema,
quanto na edição, que possui cortes e inserções de áudio que
se aproximam mais do cinema do que do próprio rádio.
A estrutura básica do Supertônica consiste em duas partes.A
primeira geralmente é uma conversa com uma personalidade
do meio cultural brasileiro que acontece nos estúdios da rádio
Cultura. Já no quadro “Investigação sobre o gosto” um gru-
po de pessoas ouve uma obra musical e comenta a respeito. A
gravação desse quadro acontece fora do estúdio. Há ainda uma
série chamada “Risco no Disco” produzida dentro do progra-
ma, em que um convidado analisa e comenta todas as músicas
de um determinado disco. Já passaram pelo programa nomes
como Egberto Gismonti, Rogério Duprat, Gilberto Mendes,
Tom Zé, Nuno Ramos e Milton Hatoum. Comunidades como
a dos monges franciscanos ou das freiras passionistas, além dos
jogadores de xadrez, dos jockeys e dos engraxates, enólogos,

19. Endereço disponível: http://www.culturabrasil.com.br/podcasts

105 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


catadores de papel, ouviram de Stravinsky a Arvo Pärt; de Villa-
-Lobos a Zappa na seção “Investigação sobre o gosto”. 
O programa vai ao ar tanto pela FM às quartas-feiras, às
21 horas, com reapresentação aos domingos a partir das 19
horas e tem uma duração média de 60 minutos.

Resultados

Com a Internet, o ouvinte não acompanha as rádios do


mesmo jeito que acompanha as emissoras hertzianas. Os
tempos mudaram e as opções são muitas. Neste breve pa-
norama, nos detemos em analisar as emissoras Last FM, Blip
FM e dois programas que vão ao ar nas emissoras tradicio-
nais com conteúdo disponibilizado na web.
Em relação às emissoras musicais, constata-se que há
uma valorização de cada ouvinte como produtor de con-
teúdo. O ouvinte da Last FM, por exemplo, é instado o
tempo todo a compartilhar o que ouve, dando qualidade à
sua rádio pessoal (sim, na web, pode-se ter uma rádio per-
sonalizada!) numa clara valorização de seu gosto musical. Já
a Blip FM eleva o ouvinte ao posto de DJ de suas músicas:
ele não depende mais de alguém dizendo o que deve ou
não ouvir, a escolha é sua e quanto mais uso ele faz da fer-
ramenta, mais é qualificado pelo site.
Já os programas das emissoras públicas tem a inovação como
marca registrada. O “Rádio Matraca” funciona como uma ou-
tra emissora dentro da Rádio USP, como informa seu próprio
nome, isso significa que não é um programa que vai ao ar e sim
uma emissora de rádio.A inovação na linguagem, a estrutura di-
ferenciada e o humor, que satiriza fatos do cotidiano, são pouco
comuns na programação de rádios públicas, pois estas, em geral,
optam por um certo tradicionalismo em seus programas.
Um ponto a ser destacado é que os apresentadores do “Rá-

106 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


dio Matraca” tem uma estreita relação com a música, haja vista
que alguns participam do grupo musical “Língua de Trapo”,
uma banda satírica, nascida no final dos anos de 1970, parte da
chamada Vanguarda Paulista e que tem como característica o
humor e a sátira política. Por conta disso, o grupo musical aca-
ba por trazer uma grande bagagem ao “Rádio Matraca”, que
se reflete, inclusive, na estrutura do programa dando espaço a
quatro seções que satirizam questões musicais.
A inovação também é característica marcante no pro-
grama “Supertônica”, principalmente no que diz respeito
à estrutura, edição e linguagem. De acordo com o produ-
tor do programa20, Júlio de Paula, a mudança na linguagem
partiu do apresentador, Arrigo Barnabé, que tinha a inten-
ção de tornar o programa mais orgânico, sem muitos cortes
na edição. Ao longo do programa o ouvinte pode perceber
uma estrutura de linguagem mais próxima do cinema do
que do rádio. Julio explica ainda que houve vezes em que
a captação do áudio das entrevistas foi feita em sequência:
logo que o convidado chegava ao estúdio a gravação co-
meçava, aproveitando assim, tudo o que foi dito ao longo
da entrevista. Com poucos cortes, a impressão que se tem
é de uma conversa entre conhecidos e não uma entrevista
impessoal entre apresentador e convidado. O formato do
programa dialoga com o espaço da internet em que está
disponível. Os hipertextos, links e ferramentas, tais como o
podcast, são tão novos quanto a estrutura feita pelo “Super-
tônica”. Desse modo, podemos perceber que a web com-
porta a inovação proposta pelo programa e torna-se um
exemplo ao surgimento de outras experiências.

20, Entrevista concedida às autoras em 30 de maio de 2012 por telefone.

107 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


Referências

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ponível em G1: http://g1.globo.com/tecnologia/noti-
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-diz-ceo.html. Acesso em 20 jan 2012.

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Acessado em 27 de maio de 2012
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Acesso em 28 mai 2012.
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Rádio Cultura. Disponível em < http://www.culturabrasil.com.
br/> Acesso 29 mai 2012.

109 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


5.
Audiência Nômade e Ouvido
Seletivo: Marcas de uma
“Tribo” Juvenil

Ana Baumworcel1
Universidade Federal Fluminense

Para entender a função social da mídia sonora22, na con-


juntura atual, é necessário conhecer como os jovens a acessam
e quais as consequências desse acesso para suas vidas, pois os

1. Professora Doutora da área de Rádio da Universidade Federal Flu-


minense (UFF). Email: anabaumw@yahoo.com.br.

2. Em função da aproximação com o universo dos jovens adotou-se a


categoria de mídia sonora para abarcar a diversidade de suportes que
eles utilizam para acessar um conteúdo sonoro, numa cultura marcada
pelos avanços tecnológicos contemporâneos. Essa categoria deriva da
própria definição de rádio e a atualiza. Como destaca Orozco Gómez
(2010, p.10), o rádio, como nunca antes, é muito mais que somente
rádio. E a categoria de mídia sonora utilizada engloba uma varieda-
de de suportes de comunicação da sonoridade, desde alto-falantes,
aparelhos de rádio (AM, FM), computador (via Internet) e os no-
vos dispositivos digitais móveis, como telefone celular e aparelhos de
MP3, iPod e suas evoluções, podendo veicular diferentes conteúdos:
informativo, musical, de entretenimento, publicitário, comunitário.

110 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


jovens são os sujeitos que hoje estão fazendo novos usos dessa
mídia. É a partir deste pressuposto que este artigo apresenta
uma parte da conclusão da tese “Polifonia juvenil: reflexões so-
bre mídia sonora e educação” (BAUMWORCEL, 2012).
O material empírico da pesquisa foi constituído pelas cate-
gorias empregadas pelos próprios jovens em relatos produzidos a
partir da escuta de determinados conteúdos sonoros midiáticos3.
O lócus da investigação foi a Universidade Federal Flumi-
nense, em Niterói, que tem 29 mil alunos e o desafio foi buscar
um critério representativo para a escolha dos estudantes inte-
grantes do universo da pesquisa. Dois parâmetros nortearam
essa escolha: o das desigualdades sociais e o de algumas carac-
terísticas que marcam a heterogeneidade identitária juvenil,
considerando que o consumo midiático da sonoridade e suas
implicações variam em função desses indicadores de distinção4.
Dentre os oitenta cursos oferecidos pela UFF em dezes-
seis municípios do Rio de Janeiro, foram selecionados três:
Pedagogia, Relações Internacionais e Engenharia Agrícola
e Ambiental, todos em Niterói. O perfil socioeconômico
do corpo discente, identificado a partir dos conceitos de
capitais econômico e cultural de Bourdieu, foi o critério
de escolha desses três cursos, classificados, respectivamente,
como “popular”, “seleto” e “intermediário”.

3. Procurou-se pelo que os antropólogos chamam de categorias êmi-


cas, ou seja, as categorias utilizadas pelo próprio grupo a ser estuda-
do. O termo êmico significa interno e sugere a busca pela categoria
como ela é entendida pelas pessoas que vivenciam determinada
cultura ou fato social. As categorias êmicas são formas de lingua-
gem de uso corrente que emergem nos contextos comunicativos,
no caso, dos jovens. A proposta foi contrastar as estruturas das falas
de um universitário e as estruturas das falas de outro para encontrar
pontos de convergência e de heterogeneidade entre eles.

4. Para selecionar os jovens optou-se, então, pela diferença de classe


social, cultural, de gênero, de religião e de território.

111 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


A pesquisa se dividiu em três etapas. Na primeira, foram
aplicados 111 questionários em turmas dos três cursos es-
colhidos para a identificação inicial dos estudantes e de suas
desigualdades sociais. No segundo momento, foram entre-
vistados doze jovens selecionados, que representam, aproxi-
madamente, 10% dos que responderam aos questionários,
quatro universitários de cada curso55. Na terceira etapa, fo-
ram escolhidos dois conteúdos sonoros, a partir do que os
estudantes citaram nas entrevistas, e eles foram convidados
a participar da criação de três grupos de escuta e de debate,
um de cada curso, sobre os materiais selecionados.
O corpus de análise, portanto, se constituiu pelos ques-
tionários exploratórios do universo a ser investigado, pelas
entrevistas individuais dos doze universitários e pelos re-
latos desses estudantes nos grupos de escuta e de debate.
A partir da descrição e interpretação desses dados, foram
sistematizadas as categorias êmicas empregadas, os sentidos
que os estudantes construíram em seus relatos a partir do
ato de escuta dos conteúdos escolhidos e as pistas revela-
das que poderiam contribuir para melhor compreensão do
processo educativo midiático entre esses universitários. Este
artigo identifica quem são esses jovens e apresenta o resul-
tado apenas do consumo que eles fazem da mídia sonora.

A “tribo” da mobilidade

Em 2011, a idade deles e delas variava entre 21 e 26


anos. São universitários que fazem parte da primeira geração

5. Ana Maria, Rosa, Luana, Camila foram os nomes fictícios utilizados


pelas alunas de Pedagogia; Patrícia, Marcos, Antônio e Clarice, pelos
de Relações Internacionais e Henrique, Bernardo, David e Catari-
na, de Engenharia Agrícola e Ambiental.

112 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


global de brasileiros. São nativos digitais. Nasceram entre
os anos de 1985 e 1990, época de implantação da inter-
net no país6. Integram a “tribo” de jovens do novo milênio
que cresceu “ligada” no mundo virtual das redes sociais e
dos dispositivos móveis digitais7. Têm algumas semelhanças
entre si, mas também diferenças. Na análise das entrevistas
dos estudantes da Universidade Federal Fluminense ficou
evidente como a cultura da mobilidade é uma marca que
define a presença desses jovens no mundo.
Essa mobilidade, possível desde o século XX em função
do desenvolvimento das vias de circulação de informações
e também as de transportes, adquiriu, no século XXI, ou-
tra dimensão. Rotineiramente conectados entre o local e o
global, esses cidadãos do mundo vivem em trânsito.

6. A internet existe no Brasil desde 1988, a partir da iniciativa da


comunidade acadêmica de São Paulo (FAPESP - Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e do Rio de Janeiro
(UFRJ- Universidade Federal do Ri o de Janeiro) e do LNCC
(Laboratório Nacional de Computação Científica).Em 1989, foi
criada pelo Ministério de Ciência e Tecnologia, a Rede Nacional
de Pesquisas (RNP), uma instituição com objetivos de iniciar e
coordenar a disponibilização de serviços de acesso à internet no
Brasil. A exploração comercial da internet começou em dezembro
de 1994, a partir de um projeto piloto da Embratel, com acesso, ini-
cialmente, através de linhas discadas.

7. O termo “tribo” se refere à constituição de grupos que se unem


por afinidades, por interesses e que compartilham um estilo próprio
de vida, podendo esse “estar junto” ser transitório e instantâneo. Um
grupo de jovens que acessa uma mesma mídia e cria laços sociais en-
tre si, mesmo quando distante fisicamente, é um exemplo de “tribo”
da contemporaneidade. Para Maffesoli (1987, p. 23) o termo “tribo”
serve para denotar o processo de identificação entre os indivíduos
“que possibilita o devotamento graças ao qual se reforça aquilo que
é comum a todos”.

113 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


Vivem não só no movimento virtual, de divulgação de
informação, entretenimento e cultura, favorecido pela tecno-
logia digital, mas também no movimento físico, de desloca-
mento entre os diversos pontos por onde circulam e no mo-
vimento de uma fase denominada, histórica e socialmente,
de juventude, que transita entre a adolescência e o ser adulto.
O que fica evidente, na descrição da rotina desses estu-
dantes, é que os deslocamentos entre a moradia, a universi-
dade, o trabalho e outros cursos ocupam parte de suas vidas.
E eles aproveitam o tempo durante esses deslocamentos para
se conectar com as informações sobre o mundo a sua volta,
com as pessoas e com as músicas, a partir da mídia sonora.
É durante esses deslocamentos que eles mais ouvem rádio
ou os arquivos sonoros armazenados em seus dispositivos.
Também realizam trocas de músicas e mensagens por escrito
ou falam com os amigos. Isto demonstra que esses jovens
reconfiguram suas relações sociais em movimento. A mobili-
dade, portanto, é a principal marca identificada nessa “tribo”,
a partir das categorias utilizadas por eles nas entrevistas.
Nos relatos dos universitários é perceptível como a mo-
bilidade pelos “territórios-zona”, físicos, fixos e funcionais,
e “territórios-rede”, virtuais, fluídos e simbólicos, por onde
circulam, lhes possibilita vivenciar o mundo a partir de uma
multiterritorialização, dentro da concepção de Haesbaert
(2010, 2002, 1997).

Mutiterritorialização

Haesbaert estuda o território em várias dimensões e


apresenta a categoria de mutiterritorialização, como alter-
nativa para a compreensão das complexas relações espaciais
do mundo contemporâneo. No prólogo de seu livro-tese,
Haesbaert (2010) defende que “desterritorialização” é um

114 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


mito dos que imaginam que o homem pode viver sem ter-
ritório e que sociedade e espaço podem ser dissociados.
Ele investiga a territorialização como domínio (político-
-econômico) e apropriação (simbólico-cultural) do espaço
pelos grupos humanos.

Não há como definir o indivíduo, o grupo, a comu-


nidade, a sociedade sem ao mesmo tempo inseri-los
num determinado contexto geográfico, “territorial”.
[...] De qualquer forma, o discurso da desterritoriali-
zação tomou vulto nas Ciências Sociais. Da desterri-
torialização política, com a chamada crise do Estado
nação à deslocalização das empresas na Economia
e à fragilização das bases territoriais na construção
das identidades culturais, na Antropologia e na So-
ciologia. [...] Como se a própria formação de uma
consciência-mundo não pudesse reconstruir nossos
territórios (de identidade, inclusive) em outras esca-
las. [...] Virou moda confundir desaparecimento dos
territórios com debilitamento da mediação espacial
nas relações sociais. Trata-se da antiga confusão que
resulta da não explicitação do conceito de território
(HAESBAERT, 2010, p. 20, 22, 25).

Entre seus argumentos, destacam-se as críticas de que


os autores que defendem a “desterritorialização” focali-
zam essa categoria como um processo genérico e unifor-
me, numa relação dicotômica entre espaço e tempo, espaço
e sociedade, material e imaterial, fixação e mobilidade. E,
além de não apresentarem uma definição clara de território,
ao associarem o “fim dos territórios” com a predominân-
cia de redes, consideram que globalização e mobilidade são
sempre sinônimos de “desterritorialização” (idem, 2010, p.
31). Haesbaert apresenta uma visão ampla, integradora e
relacional de território, construída em diálogo com vários

115 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


autores, como Santos, Lévy, Castells, Auge, Deleuze e Guat-
tari, entre outros.
Ele identifica territorialização como o processo das rela-
ções de domínio e apropriação do espaço, ou seja, as media-
ções espaciais do poder em sentido amplo, do concreto ao
simbólico. Defende (HAESBAERT, 2010, p.340) que o ser
humano tem necessidade territorial ou de controle e apro-
priação do espaço, desde um nível físico ou biológico (seres
com necessidades básicas como água, ar, alimento, abrigo)
até um nível imaterial ou simbólico (seres dotados do po-
der da representação e imaginação, que resignificam e se
apropriam simbolicamente do seu meio), incluindo todas as
distinções de classe, gênero, grupo etário, etnia, religião etc.
O território, para o geógrafo, não pode ser considera-
do nem como um espaço estritamente natural, nem uni-
camente político, econômico ou cultural, sendo conce-
bido em uma perspectiva integradora entre as diferentes
dimensões sociais, assim como da sociedade com a própria
natureza. Lembra que, além das dimensões de dominação
político-econômica e de apropriação simbólico-cultural,
pode-se perceber o território em diferentes escalas, que vão
do “território-zona”, contínuo e relativamente estável, ao
“território-rede”, descontínuo e móvel.
Suas definições de “território-zona” e “território-rede”
se apoiam nos termos “fixos” e “fluxos” do geógrafo Mil-
ton Santos (1996), que trouxe a noção de movimento para
o conceito de território. Este, ao mesmo tempo, em que é
“fixo” em suas fronteiras, também é “fluxo” em suas vias de
circulação, sejam de transportes ou de informações. Nessa
visão não há dicotomia entre fixação e mobilidade e a rede,
seja de transportes ou de informações, também é constitu-
tiva do próprio território, possibilitando a passagem cons-
tante de um território a outro.
Para Haesbaert (2010, p.32), muito do que vários autores

116 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


denominam como “desterritorialização” é a intensificação
da territorialização no sentido de uma multiterritorializa-
ção. Ele define multiterritorialização como um processo
concomitante de destruição e construção de territórios
mesclando diferentes modalidades, como os “territórios-
-zona” e os “territórios-rede”, em múltiplas escalas e novas
formas de articulação territorial.

Essa multiterritorialização é a forma dominante, na


sociedade contemporânea, da reterritorialização,
consequência da predominância, no âmbito do ca-
pitalismo de acumulação flexível, de relações sociais
construídas através de territórios-rede, sobrepostos
e descontínuos, e não mais de territórios-zona, que
marcaram a modernidade clássica territorial-estatal.
O que não quer dizer que essas formas mais antigas
de território não continuem presentes, formando um
amálgama complexo com as novas modalidades de
organização territorial. [...] Devemos priorizar a dinâ-
mica combinada de múltiplos territórios ou multiter-
ritorialidade, principalmente agora que a mobilidade
domina nossas relações com o espaço. [...] Um indi-
víduo constrói seus (multi)territórios integrando sua
experiência cultural, econômica e política em relação
ao espaço [...] Pode se dar tanto no sentido de um
deslocamento físico, quanto virtual, através do ciberes-
paço (HAESBAERT, 2010, p. 338, 341, 344).

Para o autor, o grande dilema do novo milênio é a exa-


cerbação da possibilidade de experimentar diferentes ter-
ritórios ao mesmo tempo, reconstruindo constantemente
o nosso. O que sempre existiu, mas nunca como nos ní-
veis contemporâneos. A categoria de multiterritorialização,
com suas modalidades de “território-zona” e “território-
-rede”, contribui para a própria compreensão de cultura

117 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


globalizada como um amálgama entre o local e o global
combinados, ao mesmo tempo, enquanto um novo pro-
cesso. Não apenas como uma sobreposição de territoriali-
dades (o global sobre o local), mas como a combinação de
elementos numa nova dinâmica (Haesbaert, 2010, p. 347).
Haesbaert (2010, p.345) chama a atenção para a mu-
dança quantitativa e qualitativa da nova relação social dos
sujeitos com o território. Ao acessar diferentes territórios é
possível produzir uma nova experiência de tempo-espaço
mais fluida, porém não se pode esquecer as distintas “ge-
ometrias de poder”, que são diferenciadas em função da
classe social e do grupo cultural aos quais se pertence.
E ao analisar os territórios percorridos pelos alunos da
UFF, sujeitos da pesquisa empírica, chama a atenção como
a mobilidade deles é vivenciada de forma desigual, tornan-
do precária, em alguns casos, a multiterritorialização. Para
alguns, por exemplo, os territórios se “restringem” ao limite
que não vai além da Zona Norte do Rio de Janeiro e da
Universidade, em Niterói; para outros, se “expandem” até a
Malásia, Inglaterra, Portugal, Estados Unidos.
Os territórios de origem desses jovens também são
diferenciados. Apesar de todos terem nascido no estado
do Rio de Janeiro, alguns são da Região Metropolitana e
outros, da capital. Entre estes, alguns vivem na Zona Sul,
outros na Zona Norte. E há ainda a diferença entre os
que moram no “asfalto” e uma estudante que reside numa
comunidade. Essas distinções territoriais referenciam não
só o lugar de fala e a visão de mundo desses universitários,
como as interpretações do que escutam na mídia sonora.
Mas todos também “circulam” por meio de conexões em
“territórios-rede”. Alguns com mais velocidade, varieda-
de de suportes e habilidades. Outros, com mais dificulda-
des e lentidão. No entanto, não se pode dizer que sejam
“desterritorializados”. Pelo contrário, seus “territórios-

118 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


-zona” podem interferir, literalmente, em suas possibilidades de
trafegar pelo ciberespaço ou até mesmo falar com os colegas.
Ana Maria, por exemplo, afirma que seu celular não
funciona bem na Vila Cruzeiro, na Penha, Zona Norte do
Rio de Janeiro, onde mora, e que ela precisa usá-lo per-
to da janela, para conseguir sinal. Marcos, por outro lado,
cujo alto poder aquisitivo familiar o facilita na aquisição de
dispositivos sofisticados, têm menos problemas de acesso
quando está em sua casa em Itaipu, Niterói. De qualquer
forma, ele precisa estar em algum lugar e ter, pelo menos,
um dispositivo digital para acessar a “nuvem”.
O interessante é perceber que, além de reconfigurarem
suas relações sociais em movimento, esses universitários
também reconfiguram seus dispositivos identitários nes-
se processo de mobilidade entre diversos territórios, nessa
multiterritorialização pelos “territórios-zona” e “territó-
rios-rede” pelos quais conseguem transitar.
Nesse percurso de multiterritorialização, mais estreito
para alguns, mais amplo para outros, adquirem e incorpo-
ram referências culturais que influenciam sua formação.
Nos múltiplos territórios, os estudantes trocam experiên-
cias com os outros que encontram pelo caminho, intera-
gem, dialogam, compartilham atividades, informações, e
assim vão construindo suas identificações e diferenciações.
Vão incluindo e descartando algo, aceitando e negando o
que não concordam. E nessa tensão com o mundo, nesse
jogo, nesse movimento, constroem sentidos para sua pre-
sença no mundo e constituem seus dispositivos identitários.

O consumo da mídia sonora

Em termos de território simbólico, pode ser observada,


na pesquisa empírica, a variedade de emissoras de rádio que

119 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


os estudantes da UFF gostam de sintonizar8. Apesar de terem
estações preferidas, costumam mudar de dial com frequência.
Quando o rádio fica repetitivo, acessam o repertório musical
salvo no celular ou em outro dispositivo. Quando cansam
desse repertório que não tiveram tempo para renovar, voltam
para o rádio.“Ficam” nesse movimento entre lá e cá. Os uni-
versitários da pesquisa não são, portanto, ouvintes fiéis.
Eles não se “fixam” em uma emissora, como, no passado,
por exemplo, faziam os ouvintes das rádios Nacional, JB-
-AM, Fluminense, Cidade etc. Naquela época, a audiência
se identificava com sua estação preferida e não sintoniza-
va outras. Hoje, esses jovens são “ficantes”, categoria êmica
usada por alguns deles para designar relacionamentos afeti-
vos sem compromisso. Em relação à escuta radiofônica, cos-
tumam repetir esse comportamento e “ficam” transitando
entre as emissoras que gostam. Muitos nem sabem o nome
de suas estações preferidas e as localizam e as identificam
pelo número no dial que fica armazenado na memória de
seus dispositivos sonoros. E, às vezes, até isso confundem.
Em função dessa observação, esta “tribo” pode ser consi-
derada como uma audiência “nômade”, outra característica
da mobilidade que a identifica. A única estudante entre-
vistada fiel a uma emissora foi a evangélica Camila, de Pe-
dagogia. Mesmo Antônio, de Relações Internacionais, que
“fica” boa parte do tempo na Rádio Globo, costuma sinto-
nizar outras estações.

8. A Mix é a emissora mais ouvida entre os jovens de Engenharia. A


maioria das alunas de Pedagogia (manhã e noite) marcou, no ques-
tionário, o item outras e exemplificou com estações evangélicas.
A emissora MPB é a preferida entre os universitários de Relações
Internacionais. No entanto, os estudantes marcaram várias outras
emissoras no questionário, como Oi, Transamérica, Sul América Para-
diso, JB, Nativa, FM O Dia, CBN, BandNews etc.

120 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


Nesta mobilidade entre diversas emissoras, foi possível
observar, ainda, a variação de conteúdos sonoros em função
do tipo de rádio escolhida. Algumas estações têm um per-
fil musical; outras, jornalístico. Há aquelas com linguagem
específica para os jovens. Há, ainda, diversas segmentações
pelos estilos musicais, pelo tipo de perfil da audiência, po-
pular ou de elite etc.
Foi possível perceber pelas entrevistas, por exemplo, que
os estudantes de Relações Internacionais são os que mais
ouvem as rádios de perfil jornalístico, como a CBN e a
Bandnews. Os estudantes de Engenharia Agrícola e Am-
biental e os de Pedagogia sintonizam menos o rádio in-
formativo. Isso indica que os jovens com mais recursos de
capitais, econômico e cultural, se interessam mais pelas no-
tícias do mundo. A exceção foi Ana Maria, da Pedagogia,
que, mesmo com menos recursos de capitais, demonstrou
grande interesse no noticiário.
Em relação aos gêneros musicais, apesar das preferências,
a movimentação entre um e outro é constante. Essa diversi-
dade musical, possibilitada pelo acesso rápido a partir da tec-
nologia, amplia horizontes culturais. A maioria dos entrevis-
tados se classifica como eclética, pois gosta de vários gêneros.
O trabalho de campo demonstrou que os universitários
ouvem rádio9. Os jovens de menor poder aquisitivo são os

9. A partir dos questionários, observou-se que Pedagogia (noite) é o


curso com maior percentagem (37,93%) de estudantes que escu-
tam rádio por mais tempo (várias horas por dia) e que Relações
Internacionais é o que tem maior percentagem dos que não ouvem
(11,76%). Isso não significa que não haja aluno nesse último curso
que não ouça, pois 29,41% dos alunos de Relações Internacionais
declararam escutar rádio várias horas por dia. No entanto, a maior
parte dos alunos de Relações Internacionais (41,18%), de Enge-
nharia Agrícola e Ambiental (36%) e de Pedagogia (39,13%), turno
da manhã, ouve ocasionalmente. Ao somar todos os que ouvem

121 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


que mais usam o rádio e por maior quantidade de horas.
Esse resultado se aproxima do perfil do consumidor divul-
gado pelo Grupo de Mídia Dados (2012, p. 422) que apon-
ta as mulheres (53%) e a classe C (48%) como as que mais
ouvem rádio no Brasil, sendo a maior parte dos consumi-
dores formada pelo jovem, pois a faixa etária predominante
é a de 20 a 29 anos (22%).
Entre os estudantes da UFF, os suportes preferidos para
escuta são diferenciados, mas fora de casa eles costumam
ouvir o rádio pelo celular. Entre os 111 universitários que
responderam ao questionário da pesquisa, apenas seis con-
somem podcast e, mesmo assim, os de emissoras direcionadas
aos jovens, como Mix e Oi. E apenas nove acessam webradio.
A escuta é de rádios convencionais ao vivo, só que pelo
computador. A maioria dos jovens da pesquisa não procura
por emissoras com presença exclusiva na internet, como os
mineiros dos estudos de Martins (2009). Os estudantes da
UFF com menor volume de capital ainda são desinforma-
dos sobre podcast e webradio.
Mas todos os alunos de Relações Internacionais, En-
genharia e Pedagogia (manhã) participantes da pesquisa
têm acesso à rede de computadores. 96% dos de Pedagogia
(noite) também e a maioria baixa música do computador10.
Em relação, ainda, às práticas culturais de consumo da mí-
dia sonora, a maioria dos pais dos jovens que ouvem rádio
também escuta esse meio de comunicação, o que mostra
uma influência familiar no hábito de escuta. A maioria dos

independente da quantidade de horas, encontra-se um total de 96%


em Engenharia, 93,10% em Pedagogia (noite), 91,31% no turno da
manhã e 88,24% em Relações Internacionais.

10. 91% dos estudantes de Relações Internacionais, 92% de Engenha-


ria, 65% de Pedagogia, no turno da manhã e 55%, no da noite,
baixam música.

122 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


estudantes da UFF mora com os pais ou apenas com as
mães, mesmo trabalhando.
Interessados em conhecer novidades, os jovens ouvem
de tudo, em qualquer lugar e por qualquer suporte que te-
nham possibilidade de adquirir. Eles demonstram ter muita
abertura. Mas, se por um lado, essa quantidade e variedade
de música e informação que podem acessar ampliam a vi-
são, por outro, nem sempre repercutem no aprofundamen-
to do conhecimento, da reflexão, seja sobre os gêneros mu-
sicais ou sobre determinado assunto do mundo a sua volta.
O que se constata é que eles circulam muito. No en-
tanto, não têm tempo para assimilar todo esse movimento,
para articular e pensar sobre tudo o que consomem em
termos de bens simbólicos. E a categoria “sem tempo” é
outra que foi extraída das entrevistas dos jovens e contribui
para defini-los. Eles alegam “falta” de tempo em função das
diversas atividades que realizam.
Os estudantes de Engenharia foram os que mais recla-
maram por estudar em horário integral e ainda trabalhar,
fazer estágio. Os de Relações Internacionais, além de um
turno na Universidade, fazem curso de idiomas, esporte,
academia, estágio e costumam participar de conferências
e debate extraclasse. As alunas de Pedagogia estudam no
turno da manhã, mas também assistem aulas a noite para
adiantar o curso. Algumas trabalham e moram em outro
município. Há aquelas que fazem outra faculdade a noite.
O universitário de Engenharia, David, diz “não ter tem-
po para nada”. Até mesmo quando aceitou participar da
pesquisa, foi difícil conseguir marcar a entrevista, que aca-
bou sendo feita num intervalo entre duas provas. Henri-
que é outro da Engenharia que é um exemplo dos “sem
tempo”. Além de fazer várias tarefas simultâneas, surpreen-
dentemente, ele também dorme e baixa música ao mesmo

123 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


tempo11. Ele é um jovem sem tempo até para namorar e,
por isso, prefere só “ficar”.
Outra prática entre os “sem tempo” é trocar música com
amigos pelo celular ou simplesmente copiar as listas salvas
no pen drive dos outros, como gosta de fazer Felipe, da En-
genharia, que tem três mil canções armazenadas, sem ter
ouvido nem 1% disso. Seu depoimento revela como ele se
afirma socialmente pela quantidade de músicas arquivadas.
Fica implícito, em seu discurso, como esse jovem desenvol-
ve uma relação de status, perante seus colegas, a partir da
coletânea de músicas que ele nem teve tempo para ouvir,
mas que “estão lá, guardadas” em seus dispositivos digitais.
Se algumas “tribos” de gerações universitárias anteriores
afirmavam sua presença no mundo a partir da quantidade
de livros expostos nas estantes de suas bibliotecas particula-
res, hoje há grupos de jovens que se apresentam e se dife-
renciam em função da quantidade de músicas e de disposi-
tivos móveis digitais que adquirem. Esse status conquistado
pela quantidade, pela coleção, revela uma nova forma de
uso da mídia, enquanto acúmulo de capital cultural, e, ao
mesmo tempo, uma nova prática de distinção entre as “tri-
bos” da juventude.
A distinção também é visível na forma como usam
seus aparatos tecnológicos. Enquanto alguns, como Mar-
cos, Clarice e Patrícia, de Relações Internacionais, “fazem
tudo” com seus celulares, ou seja, os utilizam como rádios,

11. “Hoje, eu simplesmente boto no automático minha playlist pra to-


car direto, porque to sem tempo até para ficar baixando música. Às
vezes, eu faço o seguinte: vou dormir e deixo o computador ligado.
Ai, eu já seleciono o que eu quero e deixo baixando as músicas.
Às vezes, eu acordo pra ir ao banheiro e vejo se já baixou tudo e
desligo o computador”, trecho da entrevista do estudante de En-
genharia Agrícola e Ambiental, Henrique, concedida no segundo
semestre de 2010.

124 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


computadores, máquinas fotográficas, gravadores; outros,
por exemplo, são como Luana, de Pedagogia, que admite
não saber passar e-mail pelo celular e o usa apenas para falar
com os amigos. Com isso, identifico que a desigualdade
social contemporânea transforma alguns jovens em outlines.

A música enquanto um signo identitário juvenil

Os depoimentos dos estudantes demonstraram como a


música é um idioma comum, podendo ser classificada en-
quanto um signo identitário juvenil. Apesar das preferên-
cias por diferentes gêneros, todos a valorizam no seu dia a
dia e se relacionam com os colegas por meio dela. Alguns
se afirmam socialmente por meio da música, como Feli-
pe. Outros se expressam por ela, como o “baterista” David,
também da Engenharia Agrícola e Ambiental.
Há os que se isolam, como Patrícia, de Relações Interna-
cionais, e Henrique, de Engenharia12. Os que têm preferência
por músicas estrangeiras, como Rosa, da Pedagogia, Marcos,
Clarice e Antônio, de Relações Internacionais, e que se fazem
cidadãos do mundo, a partir da cultura musical globalizada.

12. “Quando estou em ambientes de barulho, prefiro me isolar no


mundo da música do que ouvir a conversa dos outros e por isso
uso os fones. Escolho músicas agitadas e coloco o som alto para não
ouvir e não me estressar com pessoas reclamando ao meu lado. Faço
isso, também, nos intervalos das aulas, quando quero me concentrar
em alguma leitura e os colegas estão falando na sala”, trecho da
entrevista de Patrícia, de Relações Internacionais. Mas o mesmo
aparelho de celular que a estudante utiliza para se isolar, também a
conecta, pois ela o utiliza para trocar músicas, mensagens por escri-
to, obter informações sobre o mundo e, claro, falar com os amigos.
Henrique também ouve músicas, pelo fone, no rádio ou as que
baixa, para não escutar as pessoas ao seu lado no ônibus.

125 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


Existem maneiras de ter sentimentos no mundo
E o mundo se sente tocado de alguma maneira
Aqui vem a música e soa
Ali uma cor irradia
E tinge de risos a melancolia [...].
Samba precioso, do grupo Balaio Carioca.

Se alguém quer esquecer tudo e fugir dos problemas da


vida, a música é o veículo perfeito. Mas seu caráter altamen-
te emocional, também pode levar a sentimentos extremos. A
música proporciona a possibilidade de, por um lado, escapar da
vida e, por outro, entendê-la e vivê-la melhor. A música pode
ajudar as pessoas a se sentirem mais próximas umas das outras,
segundo o pianista e regente de orquestra, Daniel Barenboim13.
Esse poder da música de aglutinar diferentes sujeitos tam-
bém pode ser percebido entre os universitários. Por exem-
plo, jovens com um capital econômico familiar alto, como
Felipe, de Engenharia, e outros, com um capital econômi-
co mais baixo, como Ana Maria, da Pedagogia, gostam do
mesmo estilo, como o rap14. A jovem, inclusive, apresentava

13. Barenboim, israelense, e Said, palestino, realizaram um ousado ex-


perimento em 1999, para demonstrar o poder da música ao reuni-
rem músicos israelenses e árabes em Weimar, na Alemanha, como
parte da celebração do 250° aniversário do nascimento de Goethe.
Na avaliação deles, um conjunto de identidades cedeu lugar a outro
conjunto e todos se tornaram violoncelistas e violinistas tocando a
mesma peça, na mesma orquestra, sob a batuta do mesmo regente.
Apesar dos estranhamentos e conflitos iniciais decorrentes de pre-
conceitos e ignorância de uns em relação aos outros, a apresentação
da orquestra foi um sucesso, provando que a “música em geral é
transnacional; ultrapassa as fronteiras de uma nação ou de uma na-
cionalidade e de um idioma” (BARENBOIM e SAID, 2003, p. 27).

14. De origem no sul do Bronx, em Nova Iorque, nos EUA, a cultura


hip hop chegou ao Rio de Janeiro na década de 1990. Ela é cons-
tituída pelo DJ, “músico sem instrumentos” que cria bases sonoras

126 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


dois programas específicos de rap na Rádio Comunitária da
Vila Cruzeiro. E apesar do rap se caracterizar pela denúncia
dos problemas étnicos e sociais e ter se tornado uma refe-
rência para os marginalizados, hoje, com a divulgação que
conseguiu na mídia, ganhou visibilidade e atinge jovens de
diferentes segmentos sociais, rompendo simbolicamente as
fronteiras entre o centro e a periferia urbana. Desde a década
de 1990, que o rap vem se tornando uma manifestação cul-
tural expressiva de identificação transnacional da juventude.
O sertanejo universitário e a MPB também foram citados
por vários estudantes da pesquisa de diferentes classes sociais.

Ouvido “seletivo”

Ouvido “seletivo” foi a expressão citada por Marcos, de


Relações Internacionais, para definir a necessidade de uma
visão crítica em relação às informações transmitidas pelo
rádio, por parte do ouvinte 15.

para os cantores; B. Boy, dançarino do estilo Break; MC, mestre de


cerimônia, cantor que improvisa as letras enunciadas em tom de
declamação e pelo grafiteiro que traz a expressão plástica através do
desenho. A palavra rap (Rhythm and poetry) significa ritmo e poesia e
é um elemento da cultura hip hop com disseminação entre os jovens.
Com a colaboração do Centro de Articulação de Populações Mar-
ginalizadas (CEAP), esse movimento cultural se organizou a partir
da Associação hip hop atitude consciente e criou o programa Racial
voltado para demandas e produções da comunidade negra. É nessa
época que o grupo de rap Geração Futura, de MV Bill, se afirma.

15. “Eu acho que tudo que a gente escuta, a gente tem que ter ouvido
seletivo e ter uma visão crítica. Eu não ouço algo no rádio, TV e
fico achando que aquilo é tudo verdade. As emissoras têm alguma
parcialidade ou ponto de vista político, ideológico, então, a pessoa
já tem que ter alguma crítica sobre o assunto [...]. É preciso estar

127 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


A maioria dos universitários manifestou impaciência
quanto às mensagens e músicas repetitivas, à superficiali-
dade e à padronização de algumas notícias e ao estilo “bes-
teirol” de emissoras destinadas ao público jovem que, em
determinados momentos, subestimam e produzem estereó-
tipos sobre este segmento, apesar de não deixarem de aces-
sar essas mensagens, mesmo quando as criticam. Uns mais,
outros menos16.

sempre questionando. Será que não tem alguma coisa por trás disso?
Quais são os interesses? Então, você tem que ser seletivo pra escutar
a notícia. E, se você for crítico, aquilo vai enriquecer seu ponto de
vista pra outra vertente que você, talvez, não pensaria sozinho”,
trecho da entrevista de Marcos, de Relações Internacionais.

16. “Tenho a impressão que a informação é criada por poucos e re-


petida por muitos, sem que outros aspectos sejam discutidos [...].
Deveriam dar margem para o próprio ouvinte decidir o que ele
acha e não focar tanto no discurso do Estado. Deveriam trazer mais
conteúdo e até mais debates”, Clarice, de Relações Internacionais.
“Ficamos muito dependentes das grandes agências como a CNN,
Reuters. Tem muita coisa acontecendo e a gente nem fica sabendo
por que não é de interesse dessas grandes mídias. O enfoque é sem-
pre sobre os Estados Unidos, a Europa, mas sobre outras partes do
mundo, você até esquece que existe [...]. Quero ouvir mais progra-
mas culturais no rádio, notícias sobre viagens, serviços, entrevistas
sobre temas relacionados à vida profissional [...]. Sinceramente, eu
não gosto das emissoras para jovens, prefiro as mais genéricas que
não ficam forçando a barra com aquelas piadas. Gente do céu. Não
tem graça nenhuma. Eles com certeza têm uma visão estereotipada
do jovem”, Patrícia, de Relações Internacionais. “Se você escuta a
CBN, vê a Globonews, o Jornal Nacional ou outra coisa, parece que já
está tudo meio formatado. Todos os jornalistas vão falar do mesmo
jeito, tocar nos mesmos assuntos, é algo meio pasteurizado [...]. Eu
acho legais os programas que levam intelectuais ou pessoas que
estudam determinado assunto pra você ter certa diferença de ponto
de vista”, Marcos, de Relações Internacionais. “Quando repetem,
ficam chatas. Eu queria que o rádio mesclasse a música com mais
noticias úteis, porque, às vezes, ouço muita notícia inútil. Hoje em

128 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


O próprio fato de não se fixarem numa emissora, como
constatado, representa um comportamento que pode ser
interpretado como uma crítica, pois eles se movimentam
em busca de alternativas de escuta. Essa precária fidelização
desses jovens, talvez, não signifique um protesto consciente
de repúdio às mensagens midiáticas veiculadas. No entanto,
não deixa de ser uma reação espontânea ao que não gostam
de ouvir e isso se evidenciou a partir dos relatos, marcados
pelo interesse pela diversidade.
Em síntese, foram apontados alguns padrões de com-
portamento, a partir das categorias utilizadas por eles, na
expectativa de conhecer e compreender quem são estes jo-
vens. Da observação de campo, destaco a mobilidade, a par-
tir de constantes deslocamentos físicos e virtuais; a falta de
tempo, em função de várias tarefas que realizam, inclusive,
simultaneamente; o tipo de audiência “nômade”; a música
como idioma comum e o ouvido “seletivo”; como marcas
que configuram e representam esses estudantes.
A partir delas, procurei mostrar como esses universitá-
rios são formados por combinações matizadas de múltiplas

dia é muita fofoca, essas rádios mais jovens, sei lá, é uma perda de
tempo, não me acrescentam nada. Eles falam tudo errado”, Catari-
na, de Engenharia. “As rádios hoje em dia tão tocando música da
moda, música que dá dinheiro. Mas não é esse tipo de música que
me agrada. Então, eu prefiro pegar, escutar o que é bom e depois
baixar essa música pela internet. Eu to sempre descobrindo coisa
nova. Na Oi, eles até têm um programa que você escuta a música
e manda uma mensagem pelo celular dizendo gostei e eles te re-
tornam para o teu celular, dizendo o nome do cantor e da música.
Isso é interessante, porque você gostou, mas não conseguiu pegar
o nome da música”, Felipe, de Engenharia. “O rádio prá mim é
entretenimento, mas também gosto, por exemplo, quando dá dicas
de saúde”, Rosa, de Pedagogia.

129 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


experiências socializadoras que podem lhes proporcionar
diversas referências culturais, as vezes, contraditórias. Refe-
rências adquiridas num processo de multiterritorialização,
precário para alguns em função das desigualdades sociais.
A partir de “territórios-rede”, que possibilitam a passagem
de um universo simbólico a outro, misturando-os num entre-
lugar, essas referências influenciam o pensar, o sentir e o agir
desses jovens. E, algumas vezes, esse entrelugar pode ser enten-
dido como uma interseção paradoxal entre opostos, como no
caso em que a mídia sonora traz valores diferentes dos da famí-
lia, da religião ou de culturas de diversos países, por exemplo.
E é desse entrelugar, às vezes, paradoxal, ambíguo, que
a mídia sonora influencia as identidades juvenis. Por ou-
tro lado, são os múltiplos dispositivos identitários desses
jovens que, também, influenciam a escuta, a “leitura” que
eles fazem da mensagem midiática.
A pesquisa mostra como a sonoridade ocupa um lugar
significativo na vida desses universitários, independente dos
conteúdos e dos suportes utilizados para acessá-la. Numa
sociedade que privilegia a comunicação pela imagem, pro-
curei saber quais são os motivos que mobilizam os jovens a
ouvir rádio em seus aparatos tecnológicos.
Possivelmente, são eles que mais o consomem em mo-
vimento, acessando-o durante os diversos deslocamentos.
O fato de terem pouco tempo para baixar músicas para
renovar seus repertórios arquivados, os faz procurar pelas
emissoras de rádio. Então, em função da mobilidade e da
falta de tempo, o rádio ainda é um meio de comunicação
significativo para esses jovens, principalmente pela possi-
bilidade de escuta em dispositivos digitais móveis, como o
telefone celular, o aparelho de MP 3 e suas evoluções. Isso
evidencia a grande importância da convergência midiática.
E se a portabilidade do rádio adquirida, no século passado,
com a invensão do aparelho transistor mudou a função

130 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


deste meio de comunicação em termos sociais e discur-
sivos, a era digital amplia as possibilidades dessa mídia na
convergência com outras e os jovens são, possivelmente, os
sujeitos que mais aproveitam isso.

Referências

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radoxos: reflexões sobre música e sociedade. São Paulo: Compa-
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131 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


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OROZCO GÓMEZ. “De “ouvintes” a “falantes” da rá-
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PRETTO, Nelson De Luca e TOSTA, Sandra Pereira
(org.). Do MEB à WEB, o rádio na educação. Belo Horizonte:
Autêntica, 2010.
SANTOS, Milton. A natureza do espaço. São Paulo: Hucitec,
1996.

132 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


6.
Rádio, companhia virtual e
Twitter: uma análise a partir do
segmento do jornalismo1

Luiz Artur Ferraretto2


Jéssica Kilpp3
Nathália Bittencurt4
Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Terça-feira, 15 de maio de 2012. O segundo andar de


um prédio histórico no centro do Rio de Janeiro desaba.
Passando pelas proximidades, um ouvinte da estação carioca
da Central Brasileira de Notícias bate uma fotografia, logo

1. Este artigo apresenta conclusões parciais da pesquisa Radiojornalismo


e convergência na fase da multiplicidade da oferta, projeto em andamento.
Os autores agradecem às emissoras e aos seus profissionais o acesso
às informações necessárias à realização deste estudo.

2. Doutor em Comunicação e Informação pela Universidade Federal


do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS.

3. Estudante do curso de Comunicação Social – Habilitação em Jor-


nalismo.

4. Estudante do curso de Comunicação Social – Habilitação em


Jornalismo.

133 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


enviada, usando o Twitter, para a emissora. Em São Paulo, de
onde está sendo gerado em rede o Jornal da CBN, o apresen-
tador do programa retuita a mensagem, alertando os quase
23 mil seguidores que acompanham pelo @miltonjung.
Quarta-feira, 23 de maio de 2012. Na abertura do Jornal
da CBN, via celular, o repórter Eliezer Santos entra no ar
da Zona Norte de São Paulo, descrevendo a situação da
Estação Tucuruvi do metrô. Ali, centenas de pessoas aglo-
meram-se em função da greve que paralisa parcialmente
um dos principais meios de transporte da mais populosa
cidade do Brasil. Em seguida, o telefone transforma-se em
câmera fotográfica e, via Instagram, o aplicativo usado em
redes sociais para este tipo de serviço, a imagem ganha a
rede mundial de computadores. Segue-se a prática válida
para o material dos ouvintes e a fotografia é retuitada pelo
apresentador, sistemática repetida, pouco depois, com o tra-
balho da jornalista Isabel Campos, que se desloca entre as
estações Vila Mariana e Jabaquara. Dois dias depois, fora do
ar e, portanto, apenas via Twitter, Milton Jung responde a
um ouvinte sobre o fim ou não de outra greve, a dos ônibus
em Osasco, indicando a continuidade da paralisação.
Quinta-feira, 24 de maio de 2012. A emergência do Hos-
pital Conceição, em Porto Alegre, a maior do Rio Grande
do Sul, amanhece interditada por uma ação do Conselho
Regional de Enfermagem (Coren). O atendimento fica res-
trito aos casos de alta e média gravidade com risco de morte.
Por volta das 9h10, o Gaúcha Atualidade informa a reabertu-
ra, por ordem judicial, do setor. No bloco seguinte, faltando
pouco para terminar o programa, o presidente do Coren,
Ricardo Rivero, que já dera entrevista por telefone antes da
nova informação, manifesta-se por meio do Twitter, prome-
tendo recorrer da decisão. A mensagem é lida ao microfone
e retuitada em seguida pelo apresentador André Machado.
De outra parte, desde a semana anterior, ouvintes tuitam,

134 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


elogiando – a maioria – ou criticando – uma minoria – as
entrevistas realizadas, no dia 17 de maio, com Carlos Araújo,
ex-líder guerrilheiro, e, uma semana depois, com o almirante
Veiga Cabral, presidente do Clube Naval, ambas tendo por
mote a criação da Comissão da Verdade, que objetiva investi-
gar crimes cometidos pelo Estado brasileiro de 1937 a 1985.
As situações aqui descritas5 exemplificam pontualmente
uma nova realidade que começa a despontar na relação da
emissora de rádio com os seus ouvintes e com suas fontes.
Trata-se da utilização de uma rede social específica: o Twit-
ter, com suas mensagens de 140 caracteres, portanto curtas e
muito próximas da concisão à qual os profissionais e a audi-
ência de rádio acostumaram-se, em termos de noticiário, ao
longo do tempo. Neste uso, identificam-se, em especial, flu-
xos de mensagens em três sentidos: (1) dos ouvintes para a
emissora, (2) das fontes tradicionais para a emissora e (3) da
emissora para os ouvintes. O conteúdo, por sua vez, inclui,
em geral, a narrativa de fatos ou a opinião a respeito destes.
Da emissora para os ouvintes, o juízo de valor restringe-se
às contas dos próprios profissionais. As relacionadas às mar-
cas da rádio, da estação em si e/ou do programa apresentam
tuítes mais noticiosos – um fato restrito ao detalhamento
mínimo ou, de modo semelhante, à manifestação de algu-
ma fonte – ou mais descritivos a respeito da veiculação de
conteúdo – a indicação de que, em seguida, será transmitido,
por exemplo, um comentário ou uma entrevista.
Neste estudo, pretendia-se analisar, em princípio, a rela-
ção do rádio com a internet e o celular, marcos do processo
de convergência, suspeitando-se que, no caso das duas emis-
soras selecionadas para a pesquisa de campo – CBN, de São

5. Resultantes de uma sondagem inicial realizada de 30 de abril a 18


de maio de 2012 e de uma pesquisa sistemática ocorrida de 21 a 25
de maio de 2012.

135 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


Paulo, e Gaúcha, de Porto Alegre –, o uso das redes sociais
aparecia como uma estratégia de criação de barreiras à en-
trada da concorrência66. Sem descartar esta possibilidade, a
sondagem prévia e, na sequência, a pesquisa de campo pro-
priamente dita, no entanto, indicaram uma maior relevância
de se concentrar o estudo no Twitter, identificado pelos pro-
tagonistas como a principal rede social utilizada por eles, e
na amplificação, proporcionada por esta ferramenta, da ideia
de companhia virtual ao ampliar a noção de proximidade
entre o emissor e o receptor no processo de comunicação
radiofônica. Deste modo, concentrou-se o estudo nas fun-
ções desta rede social específica em uma emissora comercial,
mas, com grande possibilidade, de validação das conclusões
aqui apresentadas para estações de outra natureza.

Referencial teórico

Para a busca de dados na pesquisa de campo e nas refle-


xões por ela proporcionadas, parte-se, em especial, de pro-
posições apresentadas nos artigos O hábito de escuta: pistas
para a compreensão das alterações nas formas do ouvir radiofônico

6. Utiliza-se este conceito dentro da linha de raciocínio proposta por


Mario Luiz Possas. Considera-se, portanto, que as barreiras à entrada
de uma nova empresa em um dado setor são as mesmas condições
responsáveis pelas vantagens diferenciais apresentadas pelas líderes
daquele mercado específico em relação à concorrência já existente.
Neste sentido, configura-se como tal o pioneirismo em buscar a uti-
lização de redes sociais de modo impactante em termos de público.
Um indício desta possibilidade aparece na estratégia da Rádio Gaú-
cha, incitando seus ouvintes a tuitarem mensagens com felicitações
e recordações no aniversário da emissora. De 7 a 8 de fevereiro de
2012, o hashtag #gaucha85anos esteve uma vez como trending topic
mundial e três, como nacional (COLETIVA, 13 fev. 2012).

136 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


(FERRARETTO, 2007), Rádio e convergência: uma abordagem
pela economia política da comunicação (FERRARETTO; KIS-
CHINHEVSKY, 2010) e Alterações no modelo comunicacional
radiofônico: perspectivas de conteúdo em um cenário de convergência
tecnológica e multiplicidade da oferta (FERRARETTO, 2010).
Ressalta-se, ainda, como já referido em outra oportunidade
(FERRARETTO, 2011), que a aproximação do rádio com
a internet e seus correlatos constitui-se em um dos aspectos
do processo de convergência em voga, caracterizado pela
intensa multiplicidade da oferta de conteúdos em variados
suportes tecnológicos, movimento que, no entanto, não des-
carta características pré-existentes do meio e da indústria de
radiodifusão sonora como manifestação econômica deste.
O primeiro fator, portanto, a considerar é a consolidação,
desde o advento do comunicador, de um hábito de escuta
que vai ao encontro da ideia de criação de laços sociais –
talvez excessivamente no plano do imaginário – através do
rádio. Trata-se de aproximar o que ocorre em torno des-
te meio e das redes sociais com o descrito por Dominique
Wolton (2004, p. 133-4) em relação à televisão:

A crise do laço social resulta da dificuldade para


encontrar um novo equilíbrio. Os laços primá-
rios, ligados à família, ao vilarejo, ao trabalho,
desapareceram, e os laços sociais, ligados às so-
lidariedades de classe e de pertinência religiosa
e social, desmoronaram. O resultado é que não
sobra grande coisa entre a massa e o indivíduo,
entre a massa e as pessoas. Poucos laços perdu-
ram. É nesse contexto de ausência de espaço in-
termediário sociocultural entre o nível da ex-
periência individual e a experiência em escala
coletiva que se situa o interesse da televisão. Ela
oferece, justamente, um laço estruturante entre
essas escalas e esses espaços.

137 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


Ao encontro desta perspectiva, vão, pelo viés da Psico-
logia Social, algumas constatações de Harold Mendelsohn
(apud FORNATALE; MILLS, 1980, p. xvii-xviii), para
quem o rádio como companhia apresenta, pelo menos, três
dimensões: (1) a de substituto da presença do ser humano
para os que, devido à natureza de suas atividades, passam ho-
ras isolados em relação às outras pessoas; (2) a de lubrifican-
te social, conectando indivíduos solitários e fazendo com
que estes se sintam como integrantes de um determinado
grupo; e (3) a de fonte de ajuda para os que necessitam de
aconselhamento ou de um referencial na solução dos pro-
blemas cotidianos. Embora reconhecendo que estas propo-
sições passam ao largo de questões econômicas e políticas
inerentes à indústria de radiodifusão sonora e salientando
que o texto original foi publicado em 1971, advoga-se a
validade destas ainda hoje e a sua extensão às redes sociais,
pelo menos, na forma como o Twitter, especificamente, está
sendo utilizado pelo meio rádio.
Até a estratégia mercadológica de segmentação tornar-
-se dominante em um processo deflagrado pelo surgimento
da televisão, mas facilitado pela transistorização e acelerado,
no caso brasileiro, pela introdução da frequência modula-
da, um novo protagonista vai, gradativamente, ganhar pre-
dominância nas irradiações. Trata-se do comunicador, em
torno do qual se articulam modos diferentes de formatar
as transmissões de uma emissora, acompanhando a tran-
sição do espetáculo para as diversas alternativas oferecidas
ao ouvinte desde então. O animador de estúdio, antes de
locução grave e algo empolada, dá lugar ao disc-jóquei ou
DJ, optando por uma coloquialidade próxima à dos anti-
gos apresentadores de programas de auditório. No rádio
musical jovem, vai se colocar como uma espécie de irmão
ou amigo mais velho a orientar gostos e comportamentos,
como que a criar uma comunidade virtual a partir do es-

138 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


túdio da rádio. Processo semelhante ocorre nas emissões
voltadas ao segmento popular, acompanhando donas-de-casa,
idosos solitários, motoristas de táxi, operários... Pelo lado
do jornalismo, na função de âncora, deixa de ser apenas
uma voz a ler notícias ou a fazer perguntas, tornando-se
alguém a conduzir, com personalidade própria, o programa
e a garantir uma determinada linha editorial.

Uma informalidade de conversa de velhos conhe-


cidos – o comunicador e o(s) seu(s) ouvinte(s) – vai,
deste modo, tomando conta das emissões. O rádio,
antes atrelado a roteiros, nos quais os poucos espa-
ços para a espontaneidade estavam associados aos
programas de auditórios e à verbosidade de seus
animadores, solta-se. Tudo é palavra cada vez mais
falada e menos escrita, menos lida. [...] Na socie-
dade individualista de massa descrita por Wolton,
é como o ar. Está em toda parte e envolve a todos,
mesmo que não se tenha consciência disto. Ao mi-
crofone, os profissionais da fala, conferindo autenti-
cidade à postura de companheiros do público, che-
gam a deixar, por vezes, que se conheça um pouco
mais a seu respeito [...]. Falando, na realidade, para
todos, mas, virtualmente, em particular, para cada
ouvinte que se identifica com aquela mensagem,
[...] move o conjunto da sua audiência para o mes-
mo lugar. (FERRARETTO, 2007).7

Cada suporte tecnológico por onde chega o conteúdo


radiofônico estabelece, portanto, ligações – mesmo que

7. Em O hábito de escuta: pistas para a compreensão das alterações nas formas


do ouvir radiofônico, estas observações aparecem amparadas em escri-
tos de Joshua Meyrowitz e Erving Goffman, além do já citado de
Dominique Wolton.

139 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


indiretas – entre os ouvintes, criando comunidades virtu-
ais, cujos laços podem ser reforçados, na contemporanei-
dade, pelas chamadas redes sociais. Assim, na continuidade
deste raciocínio, há que considerar um segundo fator de-
flagrado pela introdução da internet comercial, do celu-
lar e de modalidades e tecnologias comunicacionais delas
decorrentes: a ascensão da convergência como estratégia
dominante entre as emissoras, algo ainda não concluído
no início desta segunda década do século 21, mas de ca-
racterísticas consideravelmente delineadas:

Um processo multidimensional que, facilitado pela


implantação generalizada das tecnologias digitais
de telecomunicação, afeta, no âmbito tecnológico,
empresarial, profissional e editorial, os meios de co-
municação, propiciando uma integração de ferra-
mentas, espaços, métodos de trabalho e linguagens
anteriormente separados, de modo que os jornalis-
tas elaboram conteúdos que se distribuem por múl-
tiplas plataformas, mediante as linguagens próprias
de cada uma delas. (GARCÍA AVILÉS et al, apud
SALAVERRÍA, GARCÍA AVILÉS, 2008, p. 35).

Como referido também em Rádio e convergência: uma


abordagem pela economia política da comunicação (FERRA-
RETTO; KISCHINHEVSKY, 2010), existem, neste pro-
cesso, aspectos comportamentais assim definidos por Henry
Jenkins, provocando o que este autor denomina de cultura
participativa ou convergente:

Em vez de falar sobre produtores e consumidores


de mídia como ocupantes de papéis separados, po-
demos agora considerá-los como participantes in-
teragindo de acordo com um novo conjunto de
regras, que nenhum de nós entende por completo.

140 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


[...] A convergência não ocorre por meio de apa-
relhos, por mais sofisticados que venham a ser. A
convergência ocorre dentro dos cérebros de con-
sumidores individuais e em suas interações sociais
com outros. (JENKINS, 2006, p. 28).

Desta cultura convergente ou participativa, faz parte um


hábito de consumo de bens simbólicos que lhe é anterior e
aparece associada em um primeiro momento ao meio rádio.
Nos anos 1960, como destaca Eduardo Meditsch (2001, p.
245), a transistorização alterou a forma como a informação
chegava ao ouvinte: “Não apenas ela poderia ser recebida
em tempo real, como poderia se fazer presente em qualquer
local”. É o que Marcelo Kischinhevsky (2008) denomina
de cultura da portabilidade e que, na contemporaneidade,
se associa aos herdeiros tecnológicos dos radinhos transis-
torizados, em especial, para o estudo aqui pretendido, aos
aparelhos de telefonia celular:

Aparelhos portáteis tornaram-se um ativo impor-


tante para o consumidor de arquivos sonoros, que
conta com cada vez mais funcionalidades agregadas.
Esse modo peculiar de consumir bens simbólicos
constitui o que chamarei de cultura da portabilidade.
A portabilidade é estudada hoje em duas fren-
tes: na informática – como propriedade de um
objeto ou aplicação acessível em plataforma
distinta daquela para a qual foi inicialmente
desenvolvido(a) – e nas telecomunicações – em
referência à possibilidade de se preservar um nú-
mero telefônico ao se mudar de operadora, como
forma de estimular a concorrência. Na área de
comunicação, contudo, a noção aparece apenas
de forma incidental, em estudos sobre cibercul-
tura e sobre novos hábitos de consumo de músi-
ca. (Kischinhevsky, 2008, f. 6-7).

141 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


Chega-se, deste modo, à questão das alterações no mo-
delo comunicacional radiofônico, notadamente as que di-
zem respeito ao ouvinte:

No caso brasileiro, em uma perspectiva talvez oti-


mista em demasia, é um público diferente do de
tempos anteriores: transformou-se, mesmo que em
nível de senso comum, sobre uma noção de cida-
dania desde a Constituição Federal de 1988, assi-
milando discussões a respeito dos direitos do con-
sumidor, dos idosos, das mulheres, dos negros, de
crianças e adolescentes... Por um viés quiçá mais
pessimista, ao contrário do que pensam alguns en-
tusiastas da convergência e da tecnologia [...], talvez
não seja tão ativo assim, tendo apenas uma varieda-
de de alternativas maior à disposição e possuindo
mais instrumentos, através da internet, para buscá-
-las. No entanto, é certo que mudou e se libertou
de algumas imposições da média de gosto, comuns
nos veículos de comunicação de massa. Pode, agora,
por exemplo, escolher centenas de músicas e ouvi-
-las na sequencia e frequência que desejar. Pode
fazer o mesmo, aliás, com conteúdos radiofônicos
disponibilizados via podcasting. Pode também assu-
mir o papel de emissor, sem a necessidade de outor-
gas governamentais, e gerar conteúdo do quarto da
sua casa, via rede mundial de computadores, para o
mundo. (FERRARETTO, 2010, p. 552-3).

Neste contexto, recorre-se novamente a John Thompson


(2002, p. 78-9), que identifica três situações interativas criadas
pelo uso dos meios de comunicação: (1) a interação face a face,
que ocorre em um contexto copresencial – os participantes
“compartilham um mesmo sistema referencial de espaço e
tempo” – e possui um caráter dialógico – marcado por “uma
ida e volta no fluxo de informação e comunicação” e pelo

142 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


uso de expressões denotativas como aqui, agora, este, aquele
etc., presumindo o entendimento destas –; (2) a interação me-
diada, categoria na qual se enquadram, por exemplo, as cartas
e as ligações telefônicas, implicando no uso de um meio téc-
nico a possibilitar “a transmissão de informação e conteúdo
simbólico para indivíduos situados remotamente no espaço,
no tempo, ou em ambos”; e (3) a quase-interação mediada, cor-
respondendo às relações sociais estabelecidas pelos meios de
comunicação de massa. Esta última diferencia-se das anterio-
res – em que os participantes são orientados para outros par-
ticipantes específicos – pela produção de formas simbólicas
para um número indefinido de receptores potenciais em um
fluxo de informação predominantemente em sentido único
e, portanto, monológico. Recordando observações feitas em
relação ao rádio na internet, defende-se, portanto, “para o
rádio tanto um papel pioneiro no plano da cultura da por-
tabilidade como – associada à mobilidade conferida, ontem,
pelo receptor transistorizado e, hoje, pelo celular – um poder
significativo em termos de quase-interação mediada” (FER-
RARETTO, 2011, f. 6).

Metodologia

A abordagem do rádio em sua fase de convergência


considerou, primeiro, qual segmento de mercado me-
lhor proporcionaria dados para um entendimento inicial
do fenômeno representado pelas alterações provocadas
pela internet, pelo celular e por seus derivados na dinâ-
mica do meio. Descartaram-se as emissoras de conteúdo
musical e focadas no público jovem a partir de estudo
realizado anteriormente em quatro capitais brasileiras
– Belo Horizonte, Porto Alegre, Rio de Janeiro e São
Paulo – e uma cidade de pequeno porte tomada como

143 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


grupo de controle – Frederico Westphalen, no interior
do Rio Grande do Sul:

Confrontando os dados – informações de teor es-


tatístico e opiniões dos respondentes –, a hipótese
aventada pelo senso comum, de que os adolescentes
estão experimentando um afastamento em relação
ao rádio, obtém uma dupla resposta contraditória,
da qual se tem a certeza da vivência de um momen-
to de transição. O quantitativo indica que ainda se
sustenta uma atração pelo rádio FM. O qualitati-
vo, no entanto, parece apontar na direção contrá-
ria, com predomínio da escolha musical própria – a
ideia de trocar, rápida e frequentemente, de estação
ou de sair do rádio para o arquivo em MP3. Com
certeza, no entanto, pôde-se aferir o afastamento
em relação às emissoras em AM, que despertam
pouquíssimo interesse: entre os jovens ouvidos nos
grandes centros [...]. (FERRARETTO et al, 2011).

Descartou-se este segmento, portanto, pelo relativo afas-


tamento do jovem em relação ao meio rádio e pela proxi-
midade deste tipo de público – considerada excessiva para
as finalidades da pesquisa – no que diz respeito à internet,
celular e correlatos. Em sentido contrário, o do acesso mar-
cadamente menor, preteriu-se também as estações do seg-
mento popular, aquelas focadas nas classes C e D.Tal atitude
embasa-se em duas constatações estatísticas a respeito do
uso domiciliar da internet apresentadas na edição 2011 do
levantamento realizado pelo Centro de Estudos sobre Tec-
nologias da Informação e da Comunicação: (1) os índices
mais expressivos em termos de realização de atividades co-
municacionais pela internet aparecem entre indivíduos da
faixa etária de 16 a 24 anos e os menos significativos entre,

144 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


independentemente de idade, os das classes C, D e E8; e (2)
quanto mais jovem, maior o uso da internet para a comu-
nicação e, quanto mais pobre, menor é esta utilização9 (CE-
TIC, 2012). Desta forma, foi feita a opção pelo segmento de
jornalismo, considerando que este tem, como público mé-
dio, integrantes das classes A e B, de idade adulta e com ensi-
no médio e/ou superior. Como a suposição inicial partia da
estratégia de criação de barreiras à entrada da concorrência,
focou-se o estudo nas duas principais emissoras dos merca-
dos paulistano e porto-alegrense, as rádios CBN e Gaúcha.
Dentro da programação destas, fez-se um corte, optando
pelos programas apontados pelos gestores como os estra-
tegicamente colocados como de maior influência junto ao
público, algo de difícil aferição, embora certo senso comum
profissional indique a faixa horária das 8 às 10h como a de
predomínio da informação, da interpretação e da opinião a
respeito dos principais fatos dos campos da economia e da
política, coincidindo com a primeira edição do noticiário
Jornal da CBN e o programa preponderantemente de entre-
vistas Gaúcha Atualidade.
A pesquisa de campo partiu, como descrito anterior-
mente, de três constatações prévias: (1) a alteração no há-
bito de escuta do meio, a partir da década de 1960, como
decorrência do advento do comunicador e da cultura da

8. Nos itens Enviar e receber e-mails, Enviar mensagens instantâneas, Par-


ticipar de sites de relacionamento como o Orkut, Facebook e Linkedin;
Usar microblogs como o Twitter e Criar ou atualizar blogs e/ou páginas
na internet (sites), a faixa etária de 16 a 24 anos apresenta os maiores
percentuais. Apenas em Conversar por voz por meio de programas como
o Skype, é ultrapassada pela faixa de 25 a 34 anos.

9. No item Não utilizou a internet para se comunicar, a faixa etária dos 16


a 24 anos registra 5%, enquanto a classe C apresenta 11% e as D e E
juntas, 18%.

145 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


portabilidade; (2) a superação gradativa, na virada do século
20 para o 21, da estratégia mercadológica de segmentação
pela de convergência, tendo como marcos deste processo a
introdução da internet comercial, do celular e de modali-
dades e tecnologias comunicacionais delas decorrentes; e,
como consequência destas, (3) a vigência de um novo mo-
delo comunicacional radiofônico. Em torno delas, foi reali-
zada uma sondagem inicial no período de 30 de abril a 18
de maio de 2012, acompanhada de entrevistas com os apre-
sentadores Milton Jung (15 maio 2012), do Jornal da CBN,
e André Machado (17 maio 2012), do Gaúcha Atualidade.
Neste processo, começou a se fechar o foco no Twitter e
na ideia de reforço ao caráter de proximidade do rádio em
relação à audiência. Também foi estabelecido que a análise,
realizada de 21 a 25 de maio de 2012, basear-se-ia em três
fluxos comunicacionais – (1) dos ouvintes para a emissora,
(2) das fontes tradicionais para a emissora e (3) da emissora
para os ouvintes –, com a escuta dos programas e o conco-
mitante acompanhamento do miniblog, concentrando-se
nas contas @jornaldacbn, @miltonjung, @rdgaucha e @
andrelmachado. Para a conferência dos dados, realizou-se,
ainda, o registro sonoro das irradiações e visual dos tuítes.

Jornal da CBN E Gaúcha atualidade


As rádios CBN, de São Paulo, e Gaúcha, de Porto Ale-
gre, apresentam algumas características em comum, além da
proximidade entre os dois conglomerados aos quais estão
ligadas. As Organizações Globo têm o Grupo RBS como
parceiro estratégico no Rio Grande do Sul e Santa Catari-
na. A família Sirotsky opera, inclusive, duas emissoras com a
marca CBN, uma em Porto Alegre, de investimento restri-
to, já que, em radiojornalismo, o foco do grupo concentra-
-se, obviamente, na Gaúcha, e outra em Florianópolis, líder

146 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


no segmento. Embora nenhuma das duas possa reivindicar
o pioneirismo em termos de estação inteiramente dedicada
ao jornalismo – indicam os dados existentes que a primeira
a fazê-lo de modo sistemático foi a Jornal do Brasil AM, do
Rio de Janeiro –, ambas representam bem-sucedidas ex-
periências neste sentido. A da Gaúcha é anterior, tendo se
consolidado em meados dos anos 1980, quando a emissora
passou a propagandear a adoção de um formato – o talk
and news –, espécie de combinação de seus correlatos es-
tadunidenses dedicados ou somente à notícia, ou apenas à
conversação. A da Central Brasileira de Notícias, mais pró-
xima do chamado all-news, iniciou em outubro de 1991
com estações em São Paulo e no Rio de Janeiro e, logo,
estendendo-se para outras praças. Também foi a primeira
emissora a fazer jornalismo 24 horas em frequência mo-
dulada ao começar a replicar o seu sinal de AM na capital
paulista em novembro de 1995. (FERRARETTO, 2007, p.
172-6/ TAVARES, FARIA, 2006, p. 89).
Considerando apenas a cada vez mais preponderante fre-
quência modulada10, no ranking geral da audiência – aferi-
da pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística,
no período de março a maio de 2012 –, a CBN ocupa a
18ª posição, liderando o segmento de jornalismo com sua
concorrente mais próxima aparecendo em 23ª (STARK, 6
jun. 2012), enquanto a Gaúcha posiciona-se em quarto lugar
com nenhuma de suas concorrentes diretas entre as dez pri-
meiras (STARK, 14 jun. 2012). Conforme informação das
emissoras e baseada no Ibope, a audiência, em números ab-
solutos, do Jornal da CBN varia de 68 mil a 109 mil ouvintes
por minuto e a do Gaúcha Atualidade em torno de 70 mil.

10. No trimestre de novembro de 2011 a janeiro de 2012, entre os


receptores ligados, 86,2% estavam sintonizados em FM na Grande
São Paulo e 78,4% em Porto Alegre (IBOPE, 20 fev. 2012).

147 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


Em termos de convergência, as estratégias da Central
Brasileira de Notícias e da Gaúcha são as mais avançadas
de seus respectivos mercados, refletindo o protagonismo
e o poder econômico dos conglomerados dos quais estas
emissoras fazem parte. Refletem ainda certa inação de seus
concorrentes diretos. Além do sinal em streaming e ao vivo
de suas estações principais – São Paulo, Rio de Janeiro,
Brasília e Belo Horizonte –, a CBN também disponibili-
za material para recepção diferida. Neste sentido, oferece
assinatura gratuita de conteúdos em podcasting – boletins,
comentários, programas e quadros –, além da chamada Se-
mana CBN, um serviço que permite a escuta on-line de
toda a programação dos últimos sete dias. Os repórteres
são considerados multimidiáticos, não se restringindo à
produção de conteúdo sonoro, mas postando fotografias,
textos e vídeos em blogs, no site da CBN ou em redes so-
ciais. No caso da Gaúcha, a possibilidade de recuperação
de conteúdo ocorre por meio do portal clicRBS, mas há
uma seleção do que é disponibilizado ali. A rádio pode
também ser escutada por streaming, mas, com exceção de
alguns momentos específicos, seus profissionais não geram
sistematicamente material multimidiático. Ambas as emis-
soras oferecem aplicativos para smartphones e, em seus si-
tes, há espaço para comentários dos ouvintes, que podem
se manifestar, usando redes sociais ou mensagens de texto
via celular ou correio eletrônico. No caso deste microblog,
a estratégia da CBN está centrada nos programas e em seus
comunicadores, sem uma conta específica da emissora. Já a
Gaúcha, diferentemente, centra o foco na marca da rádio,
canalizando o principal do seu conteúdo para o @rdgau-
cha, embora cada apresentador, comentarista ou repórter
também possa possuir a sua conta no Twitter..
Há uma década no ar, o Jornal da CBN é apresentado
de segunda a sexta-feira, das 6 às 9h30, tendo como âncora

148 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


Milton Jung, e aos sábados e domingos, das 6 às 9h, em
sistema de rodízio de apresentadores. Como noticiário, a
maioria do seu conteúdo aparece na forma de reportagens,
de textos e de comentários, incluindo, no entanto, dose sig-
nificativa de entrevistas e procurando, assim, apresentar as
principais informações do dia. Milton Jung ocupa a função
de âncora desde 2011, substituindo Heródoto Barbeiro, um
dos idealizadores da CBN. Entre os comentaristas desta-
cam-se, entre outros, Arnaldo Jabor, Artur Xexéo, Carlos
Alberto Sardenberg, Ethevaldo Siqueira, Gilberto Dimens-
tein, Juca Kfouri, Max Gehringer e Miriam Leitão. Já o
programa da Gaúcha aqui analisado começou a ser irra-
diado em 1977 com o nome de Atualidade, tendo Jorge
Alberto Mendes Ribeiro como apresentador. A denomina-
ção atual foi adotada em 1992, quando assumiram Armindo
Antônio Ranzolin, em Porto Alegre, e Ana Amélia Lemos,
em Brasília. Desde 2006, André Machado é o âncora do
Gaúcha Atualidade, que, sem deixar as entrevistas de lado,
ganhou mais participação de repórteres e um comentário
esportivo, além da presença, quase como coapresentadoras,
das jornalistas Rosane de Oliveira, principal analista polí-
tica do Grupo RBS, e Carolina Bahia, que exerce função
semelhante na sucursal da empresa em Brasília. O programa
vai ao ar de segunda a sexta-feira, das 8h10 às 9h30.

Pesquisa de campo

A pesquisa de campo orientou-se pelas rotinas de utili-


zação das redes sociais descritas pelos apresentadores de cada
um dos programas analisados, acabando por se concentrar
no Twitter e procurando identificar na escuta do conteúdo
irradiado exemplos relacionados aos três fluxos comunica-
cionais identificados para o estudo: (1) do ouvinte para a

149 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


emissora, (2) da fonte tradicional para a emissora e (3) da
emissora para os ouvintes. Neste sentido, cabe antes obser-
var a descrição das atividades dos âncoras do Jornal da CBN,
Milton Jung, e do Gaúcha Atualidade, André Machado, em
relação ao Twitter.
A prioridade, obviamente, é o conteúdo sonoro irradiado.
A pauta de ambos os programas começa a ser definida na
véspera, podendo ser alterada – na dependência dos acon-
tecimentos – pouco tempo antes da entrada no ar. Em rela-
ção ao miniblog, as opções pessoais de início de manhã são
diferentes. Milton Jung, pelo @miltonjung, começa a tuitar
poucos antes de entrar no ar, dando um bom dia em estilo de
rádio e procurando marcar uma proximidade com o ouvinte:

Quando eu escrevo lá no Twitter, eu dificilmente


escrevo “Bom dia para vocês”. Eu sempre escrevo
“Bom dia para você”. Apesar de estar escrevendo
de forma coletiva para várias pessoas, eu estou sen-
do lido por uma pessoa. E, no rádio, não é muito
diferente. Apesar de eu estar falando para milhares
de pessoas, eu estou sendo ouvido por aquela pes-
soa. [...] Não é o coletivo que me ouve. Então, eu
estou conversando com uma pessoa. E este canal
deve ser mantido. E, no Twitter e no rádio, funciona
da mesma maneira. (JUNG, 15 maio 2012).

Já André Machado, pelo @andrelmachado, centra o pri-


meiro contato em conteúdos jornalísticos mais específicos,
preferencialmente relacionados ao Gaúcha Atualidade:

Venho para a rádio e aí sim, quando tem uma no-


tícia muito forte, que eu acho que preciso comen-
tar naquele momento, que pode ser bom, aí eu
dou um comentário rápido no Twitter. Ou então
quando eu tenho certeza de que a gente tem uma

150 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


entrevista marcada, ou porque ela está gravada, ou
porque eu tive por todos os caminhos possíveis a
certeza de que a gente vai botar a entrevista no ar
naquele momento, eu revelo o que nós vamos ter
no programa. (MACHADO, 17 maio 2012).

Tais comportamentos espelham diferentes abordagens


das próprias emissoras e contextos de emissão dos progra-
mas. Cabe lembrar que, em uma, o @jornaldacbn carrega a
marca institucional, agregando, como constatado na pesqui-
sa de campo, a descrição sistemática do veiculado e a notícia
em si, enquanto, na outra, quem exerce parte desta função
é o @rdgaucha. De fato, como explica André Machado (17
maio 2012), quatro pessoas acabam tuitando em suas contas
individuais ao longo do Gaúcha Atualidade, com retuítes ou
não pela da emissora: o próprio âncora, as comentaristas e
coapresentadoras Carolina Bahia e Rosane de Oliveira e o
produtor João Vitor Santos. Na Central Brasileira de Notí-
cias, cabe a Thiago Barbosa, que acompanha Milton Jung na
apresentação, tuitar com o @jornaldacbn.
No período estudado, a CBN demonstrou ter uma es-
tratégia mais definida de chamamento à participação do
ouvinte, o que não significa a sua inexistência no caso da
Gaúcha. De fato, a emissora do Grupo RBS, até pelo dis-
tanciamento em relação aos seus concorrentes, tanto em
audiência, quanto em uso de recursos ligados à convergên-
cia, parece prescindir deste apelo. Uma escuta assistemática
do programa Gaúcha Hoje – de segunda a sábado, das 5h30
às 8h –, que precede ao Atualidade, demonstra, ao contrário,
intensa citação a mensagens de texto via celular – torpedos
– e a tuítes como resposta a um apelo constante dos apre-
sentadores Antônio Carlos Macedo e Daniel Scola. Ou seja,
no Gaúcha Atualidade, o ouvinte é convidado a participar,
mas não é relembrado constantemente de que pode expor

151 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


sua opinião via redes sociais e outros recursos disponibiliza-
dos pelo Grupo RBS. De fato, pela audiência expressiva – a
maior do horário no segmento de jornalismo – subenten-
de-se que o ouvinte conhece os canais, porque já participa,
porque acompanha o programa há certo tempo.
No fluxo comunicacional do ouvinte para a emissora,
aparecem mensagens diversificadas, podendo estas ser cate-
gorizadas em:
(1) Noticiosas, como a fotografia enviada para @mil-
tonjung em 25 de maio, mostrando um enorme conges-
tionamento na recém-inaugurada avenida Lions, em São
Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, ou o texto, no
dia 22, para @andrelmachado, indicando um acidente com
motociclista no acesso à Porto Alegre pela BR-290, a rodo-
via conhecida pelos gaúchos como freeway.
(2) Opinativas, por exemplo, a de ouvintes elogiando e cri-
ticando as já citadas entrevistas com o ex-guerrilheiro Carlos
Araújo, realizada em 17 de maio, e com o presidente do Clube
Naval, almirante Veiga Cabral, veiculada uma semana depois.
(3) Dialógicas, como a pergunta de um ouvinte a res-
peito da reabertura de um hospital, em 24 de maio, res-
pondida por André Machado fora do microfone, ou a tro-
ca de informações, um dia depois, entre outro e Milton
Jung a respeito da postagem por este último em seu blog
– http://colunas.cbn.globoradio.globo.com/platb/mil-
tonjung/ – de um texto a respeito da vitória do Grêmio
Foot-ball Porto-alegrense sobre o Bahia na véspera.
No tipo de pesquisa de campo realizada, há uma natural
dificuldade de identificação no caso do uso efetivo de tuítes
das fontes tradicionais em relação à emissora e aos seus pro-
fissionais. Neste caso, o fluxo depende em grande medida
de o jornalista seguir ou não este ou aquele protagonista
dos fatos via Twitter ou de uma notícia, em sentido con-
trário, provocar a reação desta ou daquela fonte. Portanto,

152 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


cotejando-se o constatado na escuta com o descrito pelos
apresentadores, identificam-se duas categorias predomi-
nantes de mensagens:
(1) Espontâneas, sem a intervenção direta do jornalista,
como no caso de uma informação sobre funcionamento de
linhas do metrô gerada pela empresa e retuitada pelo @jor-
naldacbn, em 23 de maio, ou de tuítes do governador do Rio
Grande do Sul,Tarso Genro, ou do prefeito de Porto Alegre,
José Fortunatti, utilizados no Gaúcha Atualidade conforme
relato do apresentador André Machado (17 maio 2012).
(2) Provocadas, que são uma resposta por escrito à inda-
gação do jornalista ao microfone ou ao posicionamento de
outra fonte entrevistada pela emissora, nela incluindo-se,
por exemplo, a manifestação do presidente do Conselho
Regional de Enfermagem, em 24 de maio, para @andrel-
machado, já citada no início deste artigo.
Da emissora para os ouvintes, estabelecem-se fluxos que
incluem contas da emissora, dos profissionais e/ou dos pro-
gramas. Podem-se, neste caso, identificar também algumas
funções para as mensagens:
(1) Noticiosas, com resumos do conteúdo apresentado
pela rádio como no tuíte de @andrelmachado em 21 de
maio – “Ruas de Canoas [município da Grande Porto Alegre]
estão congestionadas pelo tráfego ampliado de ônibus em
razão da greve dos metroviários” – ou em uma série de
mensagens do @jornaldacbn, no dia 23, indicando linhas
em funcionamento ou não durante paralisação semelhante
no metrô de São Paulo. Em função dos movimentos dos
trabalhadores, respectivamente, da Empresa de Trens Urba-
nos de Porto Alegre S.A. (Trensurb) e do mesmo tipo de
movimento reivindicatório que atingiu a Companhia do
Metropolitano de São Paulo (Metrô) e a Companhia Pau-
lista de Trens Metropolitanos (CPTM), pode-se observar

153 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


que, diante de um fato jornalístico de maior relevância, as
prioridades do rádio sobrepõem-se às do microblog Twit-
ter, que, por vezes, chega a receber menor atenção. Salien-
ta-se que, em qualquer caso, conforme os apresentadores
(JUNG, 15 maio 2012/ MACHADO, 17 maio 2012), o
critério para seleção do conteúdo a ser tuitado ou retuitado
é o jornalístico.
(2) Opinativas, em geral associadas a contas de apresen-
tadores. São exemplos estas mensagens veiculadas em 21
de maio de 2012 via @andrelmachado – “Duas meninas
foram abusadas dentro do Conceição por funcionário de
terceirizada. Violência e insanidade”, a respeito de abuso
sexual ocorrido no Hospital Conceição, em Porto Alegre
– e via @miltonjung – “O Carlinhos Cachoeira não falou
nada e ainda errou no português: ‘pra mim falar’”, sobre o
depoimento do bicheiro à Comissão Parlamentar Mista de
Inquérito do Congresso Nacional.
(3) Descritivas ou de chamamento, que vão indicando –
sem relatar a notícia em si – o conteúdo apresentado e/ou
alertando para a escuta deste, como nesta, anunciando um
comentarista, do @jornaldacbn de dia 21 de maio: “Você
sabe quais cuidados deve ter antes de se fazer compras na
internet? O Ethevaldo Siqueira responde antes do Repór-
ter CBN”.
(4) Dialógicas, embora não constatada na escuta, aparece
no relato de Milton Jung (15 maio 2012), que descreve
uma espécie de conversa entre os ouvintes, via Twitter, me-
diada por ele ao microfone:

Na sexta-feira passada [11 de maio de 2012], veio


um comentário de um ouvinte qualquer que disse:
“Olha, eu estou ouvindo vocês aqui do Canadá. Eu
acho que vocês não têm audiência mais distante
do que a minha”. Este comentário levado ao ar fez

154 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


com que outras pessoas de outras partes do mundo
começassem a nos escrever e mandar mensagens:
“Não, eu estou aqui no Japão, na cidade tal”. E ou-
tro da Inglaterra: “Eu estou no trem e ouço vocês”.

Há duas outras funções permeando mensagens em si e


fluxos comunicacionais neste processo de sinergia entre o
rádio e o Twitter. A primeira delas diz respeito ao reforço da
ideia de companhia virtual, que passa, entre outros aspectos,
pela humanização do profissional:

Você se aproxima mesmo das pessoas e ganha a


confiança delas, mesmo quando [...] você recebe
uma crítica, pelo motivo que for. Quando escre-
vem criticando você, quando você começa a dia-
logar com eles, talvez você não mude a opinião
sobre aquilo que você pensa, sobre aquilo que
a pessoa não gostou, mas, certamente, a pessoa
muda de postura em relação a você. [...] Quando
se começa a ter este contato, as pessoas começam
a enxergar você de uma maneira diferente. Ele
[o ouvinte] começa a confiar em você, a ver você
mais próximo. Aquela ideia de que os jornalistas
são semideuses, quase intocáveis ou inalcançáveis,
vai acabando. As pessoas percebem o seguinte: ali,
do outro lado, aquele apresentador que está dan-
do uma opinião, ele é como eu, o ouvinte. E, aliás,
pode inclusive errar. Pode cometer uma falha no
trabalho como qualquer profissional. Ou seja, é
um ser humano como os demais. Por isto cria
uma proximidade, uma intimidade muito inte-
ressante. Eu acho isto fundamental. Você quebrar
este altar em que, muitas vezes, os jornalistas eram
colocados. E mostra que nós estamos ali, frente a
frente, dispostos a conversar, a discutir, a debater.
(JUNG, 15 maio 2012).

155 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


A segunda, por todo o descrito até aqui, é de caráter
institucional. O uso do Twitter, como pode se supor o de
outras redes sociais e recursos relacionados à internet, refor-
ça características de imagem e de marca das emissoras, dos
profissionais e dos programas.

Considerações finais

As generalizações são sempre perigosas e, para o que se


propõe como principal resultado da pesquisa aqui apresen-
tado, esta ressalva se faz necessária. Tem-se claro, inclusive,
que o estudo apenas indica algumas pistas para a compre-
ensão de uma parcela pequena do fenômeno representado,
de modo geral, pela convergência e, mais especificamente,
pelas redes sociais em suas relações com o rádio.
No entanto, pode-se supor que o Twitter, mesmo em
outros segmentos não enfocados nesta pesquisa, tenha
como principal função a de aproximar o ouvinte da emis-
sora e de seus profissionais. Seu uso, em realidade, parece se
somar àquela característica pré-existente do rádio, a deste
meio se apresentar como uma espécie de companheiro do
ouvinte, indo – pelo menos em termos de imaginário – na
contracorrente da crise dos laços sociais citada por Domi-
nique Wolton (2004, p. 133-4). Não é de se estranhar, deste
modo, que o protagonista do processo pelo lado da emissora
– o comunicador – também seja aquele colocado a tuitar,
garantindo ao uso do novo recurso tecnológico autentici-
dade semelhante à conferida à sua mensagem sonora. Na
recepção da fala dos âncoras ou dos textos de 140 caracteres
tuitados por eles ou por outros profissionais da emissora, o
conjunto da audiência parece mover-se para um mesmo
local, o ocupado por uma comunidade virtual, a dos, para
usar uma expressão constante de Milton Jung no Jornal da

156 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


CBN, “ouvintes-internautas”.
Com a cultura da portabilidade – tão própria do rádio
dos tempos dos receptores transistorizados e à pilha, mas,
agora, corporificada na mobilidade do celular – associando-
-se à cultura participativa ou convergente de abrangência
cada vez maior, um olhar apressado talvez visse o advento de
uma nova sociedade de pleno exercício da cidadania nesta
quase-interação mediada pelos meios de comunicação de
massa em seus suportes antigos e novos. Na realidade, há
uma tensão entre os papéis de ouvinte e de internauta. O
primeiro é público de um meio, cujo consumo depende de
pouquíssimo investimento. O segundo utiliza tecnologias
ainda bem distantes economicamente de grande parte da
população brasileira. E, obviamente, como já ocorria com
cartas ou com ligações telefônicas, nem todas as mensagens
da audiência são veiculadas.
Em um segundo plano, com base em especial no depoi-
mento dos âncoras dos dois programas, constata-se a im-
portância do Twitter como ponte entre o jornalista e fon-
tes tradicionais – os protagonistas dos acontecimentos – e
anônimas – os próprios ouvintes. Por este viés, o miniblog,
indicam os dados coletados, tende a ser mais importante do
que outras redes sociais. Aliás, a respeito disto, mesmo que
fora dos objetivos desta pesquisa, pôde-se constatar a cana-
lização de mensagens originárias do Twitter para o perfil
das emissoras no Facebook, demonstrando a importância e
a prevalência desses textos de até 140 caracteres.
Cabe observar ainda que, em uma realidade de constante
utilização da internet pelos jovens, a presença do conteúdo
radiofônico e dos dele originados nas redes sociais pode in-
dicar uma garantia de renovação do público das emissoras,
perspectiva não por acaso citada tanto por André Machado
(17 maio 2012) quanto por Milton Jung (15 maio 2012) ao
se referirem ao potencial desta combinação.

157 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


A respeito do aqui descrito, salienta-se que os dados
devem ser considerados como iniciais. Há indícios, não
comprovados na pesquisa de campo, mas apontados por
fontes ligadas às emissoras pesquisadas, tanto de maior uso
do Twitter por ouvintes quanto da prevalência, em outros
horários, da utilização de mensagens de texto via celular e
mesmo da manutenção de contatos por telefone. É campo
vasto, ainda a requerer mais análise e estudo.

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161 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


7.
Redes sociais na internet como
estratégias para o radiojornalis-
mo contemporâneo: um panora-
ma sobre a inserção de emisso-
ras gaúchas

Mirian Quadros1
Debora Cristina Lopez2
Universidade Federal de Santa Maria – FW

O permanente desenvolvimento de novas tecnologias,


que perpassa a história das comunicações, é responsável
pelo contínuo ciclo de adaptações, rupturas e mutações nos
processos relacionais e comunicacionais da sociedade. Hoje,

1. Mestranda do Programa de Pós Graduação em Comunicação da Uni-


versidade Federal de Santa Maria (UFSM), linha Mídia e Estratégias
Comunicacionais. Bolsista Capes, integrante do Grupo de Pesquisa
Convergência e Jornalismo (ConJor). Email: mirianrq@gmail.com

2. Doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Uni-


versidade Federal da Bahia (UFBA) e professora do Programa de Pós
Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM) e da graduação em Jornalismo do campus Frederico Westpha-
len da mesma instituição. Coordena o Grupo de Pesquisa Convergência
e Jornalismo (ConJor). Email: deboralopezfreire@gmail.com

162 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


são as aprimoradas possibilidades de comunicação mediada
pelo computador, e todas as potencialidades oferecidas pelo
ambiente online, que provocam transformações no modo
como nos informamos e nos relacionamos, como consumi-
mos, nos divertimos ou estudamos. São transformações que
alteram o dia a dia dos sujeitos, empresas, grupos e também
dos meios de comunicação.
Nesse contexto, identificado como um processo de con-
vergência midiática (JENKINS, 2009), o rádio vive um mo-
mento de reconfiguração. Convencional e analógico, como
em seus tempos áureos, já revela estar perdendo o fôlego, des-
tinado a ocupar um espaço em acervos de museus (KISCHI-
NHEVSKY, 2007, p. 126). Modernizado e digital, entretanto,
ganha nova vida e um novo horizonte de possibilidades.
O fato é que a internet e as tecnologias digitais não sig-
nificam o fim do rádio que estamos acostumados a ouvir.
Representam, sim, mudanças nos processos de produção,
emissão e recepção do conteúdo radiofônico, configuran-
do o que Lopez (2010) denomina de rádio hipermidiático:
“um novo rádio, com novas estratégias narrativas, com novas
possibilidades e potencialidades” (LOPEZ, 2010, p. 124).
Pensar esse conceito de rádio hipermidiático, a partir do
processo de convergência, implica em analisar como os re-
cursos oferecidos pela tecnologia digital podem potenciali-
zar o rádio e torná-lo ainda competitivo. Parte deste exercí-
cio envolve examinar as relações possíveis entre o rádio e os
sites de redes sociais, representantes da lógica colaborativa e
participativa da chamada Web 2.0 (O’REILLY, 2005).
Com foco no potencial interativo das redes sociais di-
gitais, bem como nas possibilidades de uso na produção
jornalística, investigaremos, neste capítulo3, como a adoção

3. Este capítulo é uma revisão e ampliação do trabalho “A nova interati-

163 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


destas ferramentas pode indicar mudanças na comunica-
ção radiofônica. Para tanto, selecionamos seis emissoras de
rádio com sede na região metropolitana de Porto Alegre,
capital do estado do Rio Grande do Sul. A seleção seguiu
dois parâmetros. Primeiro, um levantamento das emissoras
de rádio da região de Porto Alegre, realizado pela profª Drª
Vera Lucia Spacil Raddatz (2011). Em sua pesquisa, Ra-
ddatz listou 32 emissoras sediadas na Região Metropolitana
de Porto Alegre, sendo 17 delas prioritariamente musicais;
duas com programação híbrida (música, notícia, esporte);
duas educativas/culturais; quatro religiosas; e seis emissoras
com formato informativo, baseadas em programação es-
sencialmente jornalística (sendo uma delas, Gaúcha, com
transmissão simultânea em AM e FM).
A partir da relação de emissoras identificadas, foram
selecionadas para esta análise as emissoras avaliadas como
informativas (FERRARETTO, 2001), sendo o rádio in-
formativo aquele que engloba os modelos all news, exclusi-
vamente voltado à difusão de notícias; all talk, baseado em
opinião, entrevista e conversa com o ouvinte; e talk and
news, que se caracteriza como uma mescla dos anteriores.
Complementando a definição de Ferraretto, Meditsch
(2007), com base em Faus Belau, compreende o rádio in-
formativo como um alargamento e uma transformação no
campo do radiojornalismo, diferenciando-se pelo aprofun-
damento, em relação à programação tradicional de notícias.
Com base nos critérios expostos, foram selecionadas as
seguintes emissoras de rádio para o presente estudo:
• Rádio Bandeirantes AM 640: Antiga Rádio Difusora AM,

vidade radiofônica: panorama da inserção das rádios gaúchas em sites


de redes sociais” apresentado no DT Comunicação Multimídia do
XIII Congresso de Ciências da Comunicação da Região Sul, 2012.

164 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


de Porto Alegre, adquirida pelo Grupo Bandeirantes de
Comunicação, em 1980, tem programação baseada no
jornalismo, com espaços privilegiados para a cobertura
esportiva. Site: www.bandrs.com.br/radiobandeirantes.
• Rádio BandNews FM 99.3: Emissora do Grupo Ban-
deirantes de Comunicação, com sede em Porto Alegre,
transmite informações jornalísticas 24 horas por dia, sen-
do classificada como emissora all news. Site: www.bandrs.
com.br/bandnews.
• Rádio CBN Porto Alegre AM 1340: Antiga Rádio Educa-
dora de Canoas pertence hoje ao Grupo RBS e é afiliada
do Sistema Globo de Rádio. Com transmissão de notícias
24 horas por dia, é classificada como emissora all news. Site
(cabeça de rede): http://cbn.globoradio.globo.com.
• Rádio Gaúcha AM 600 e FM 93.7: A emissora em am-
plitude modulada iniciou suas transmissões em novembro
de 1927. Integrante do Grupo RBS, mantém progra-
mação jornalística diária, com espaços para a cobertura
esportiva. A programação é transmitida simultaneamente
em frequência modulada. Site: www.radiogaucha.com.br.
• Rádio Guaíba AM 720 e FM 101.3: Vendida para a Igre-
ja Universal do Reino de Deus, que controla a Rede Re-
cord, em fevereiro de 2007, veicula programação jornalís-
tica com espaços para a cobertura esportiva. Desde agosto
de 2010, a programação é transmitida simultaneamente
em frequência modulada. Site: www.radioguaiba.com.br.
• Rádio Pampa AM 970: Pertencente à Rede Pampa de Co-
municação, veicula programação jornalística baseada em in-
formação e opinião. Site: www.pampa.com.br/pampaam.
Identificados os objetos de estudo, iniciamos a pesquisa
de campo com o objetivo de observar a presença de tais
emissoras selecionadas em sites de redes sociais. Para tanto,

165 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


recorremos4 aos próprios sites das emissoras e os mecanis-
mos de busca das principais redes sociais na internet: Face-
book, Orkut e Twitter5.

Redes sociais

A definição de rede é ampla, com aplicações em dife-


rentes áreas do conhecimento. Designa inclusive, por deri-
vação metafórica, um conjunto de pessoas que atuam em
conexão, com um objetivo em comum (HOUAISS, 2009).
Eis aí o cerne do conceito de rede social, compreendida
por Marin e Wellman (2011, p. 11) como “um conjunto de
nodos socialmente importantes ligados por uma ou mais
relações”. As redes sociais seriam explicadas, portanto, a
partir de dois elementos principais: os atores – sejam eles
pessoas, instituições ou grupos; e as suas conexões – suas
interações ou laços sociais (RECUERO, 2009a, p. 24).
Segundo Scherer-Warren (2006, p. 215), foi a partir da
década de 1940 que as redes sociais surgem como área te-
mática nas ciências humanas, aplicadas à análise das “rela-
ções interpessoais em contextos comunitários circunscri-
tos”. Antes disso, e durante os séculos anteriores, a maior
parte dos cientistas ainda mantinha-se presa ao paradigma

4. Os dados foram coletados no dia 16 de julho de 2012.

5. Sites de redes sociais selecionados a partir de pesquisa “Facebook


dispara na liderança do mercado de redes sociais após um ano de
enorme crescimento” divulgada pela empresa ComScore, em janei-
ro de 2012 (COMSCORE, 2012). A pesquisa indicava ainda a rede
Windows Live Profile como uma das mais acessadas, no entanto,
para este estudo, ela foi desconsiderada por não oferecer ferramenta
de busca. Para consultar um usuário desta rede, é preciso já tê-lo
adicionado à sua própria rede, por meio de endereço de e-mail.

166 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


analítico-cartesiano, conduzindo a análise de fenômenos di-
versos a partir do estudo individualizado de suas partes, com
vistas à compreensão do todo. Apenas no início do sécu-
lo XX começaram a surgir os primeiros entendimentos da
necessidade de se compreender os fenômenos como uma
constituição entre as partes (RECUERO, 2009a, p. 17).
Segundo Marin e Wellman (2011, p. 14), a noção de
rede já se delineava na obra de Georg Simmel, em 1908.
Para o sociólogo alemão, a sociedade constituía-se de uma
teia de relações, não podendo existir sem as interações en-
tre os sujeitos. “Simmel articula claramente a premissa de
que os laços sociais são primários. Em vez de ver as coisas
como unidades isoladas, eles são melhor compreendidos
como sendo a intersecção das relações particulares66” (MA-
RIN; WELLMAN, 2011, p. 14).
A abordagem científica orgânica, contraposta ao pensa-
mento cartesiano, consolida-se, entretanto, apenas nas dé-
cadas de 1940 e 1950, a partir da teoria desenvolvida pelo
austríaco Ludwig Von Bertalanffy. A sua Teoria Geral dos
Sistemas orientava o foco do pensamento científico para
o todo, substituindo o estudo das partes segmentadas pela
análise de suas interações (RECUERO, 2009a, p. 17).
Contudo, a ampliação dos estudos de redes sociais espe-
cificamente na sociologia, para análises de ações coletivas
mais amplas, só desenvolveu-se efetivamente a partir da dé-
cada de 1970. À medida que a abordagem sistêmica passou
a ser aceita pela comunidade científica, conforme recupera
Recuero (2009a, p. 18), teorias anteriores voltaram à discus-
são, como é o caso dos estudos de rede, iniciados por cien-

6. Tradução das autoras para: “Simmel clearly articulates the premise


that social ties are primary. Instead of viewing things as isolated
units, they are better understood as being at the intersection of
particular relations”.

167 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


tistas matemáticos e, posteriormente, adotados por outros
ramos da ciência, inclusive as sociais. Em artigo publicado
em 1736, o matemático Leonard Euler introduziu o estudo
das redes através do primeiro teorema da Teoria dos Grafos,
apresentando a reprodução gráfica de uma rede, constitu-
ída de nós e arestas que conectavam os nós (RECUERO,
2009a, p. 20).Transposta para as ciências sociais, a teoria dos
grafos deu origem à Análise Estrutural das Redes Sociais,
abordagem que percebe a rede social como um grupo de
sujeitos conectados, e utiliza os grafos para analisar proprie-
dades estruturais e funcionais dessas relações.
Com o advento da internet e o desenvolvimento de
novas formas de comunicação mediadas pelo computa-
dor, as interações entre indivíduos passaram também a
existir no espaço virtual, o ciberespaço. Pesquisadores
interessados em investigar estas relações, logo se apro-
priaram dos percursos teóricos desenvolvidos nas déca-
das anteriores, aplicando a abordagem de rede no am-
biente online. Para Recuero (2009a, p. 24),

[...] o estudo das redes sociais na internet, foca o


problema de como as estruturas sociais surgem,
de que tipo são, como são compostas através da
comunicação mediada pelo computador e como
essas interações mediadas são capazes de gerar
fluxos de informações e trocas sociais que im-
pactam essas estruturas.

Identificar as características fundamentais e a estru-


tura dos sistemas que sustentam as redes sociais na in-
ternet é nosso próximo ponto de investigação, antes de
partirmos para a relação das redes sociais digitais com o
jornalismo e, em especial com, o radiojornalismo.

168 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


Redes sociais na internet

Para ilustrar o conceito de redes sociais na internet,


Orihuela (2008, p. 57) propõe um interessante exercício,
de memória para os mais antigos, e de imaginação para os
mais jovens: “recordem ou imaginem a velha caderneta de
telefones, esse caderninho em que anotávamos os telefo-
nes, endereços e aniversários de nossos familiares, amigos e
conhecidos”7. Esta caderneta, explica em seguida o pesquisa-
dor, era a representação de nossa rede social, antes da explo-
são da telefonia móvel e da rede mundial de computadores.
A analogia de Orihuela nos leva à compreensão de
que as redes sociais na internet, ou redes sociais digitais,
são nada mais que a transposição para o ambiente virtual
das relações e interações mantidas pelos atores sociais, antes
apenas no espaço offline. Não um reflexo completo, como
pondera Recuero (2009b), mas como desveladoras de vá-
rios aspectos das redes offline e como complexificadoras de
seu espaço de atuação. Na web, essas relações manifestam-
-se por meio de sites específicos, sistemas que dão suporte
técnico para as interações entre os atores que compõem a
rede. “Eles podem apresentá-las, auxiliar a percebê-las, mas
é importante salientar que são, em si, apenas sistemas. São os
atores sociais que utilizam essas redes, que constituem essas
redes”, reitera Recuero (2009a, p. 103).
Boyd e Elisson (2007) definem os sites de rede social
como serviços baseados na web que permitem aos indiví-
duos: construir um perfil público ou semi-público, dentro
de um sistema limitado; articular uma lista de outros usu-
ários com quem compartilham conexões; e visualizar sua

7. Tradução das autoras para: “recuerden o imaginen la vieja libreta de


teléfonos, ese cuadernillo en el que apuntábamos los teléfonos, di-
recciones y cumpleaños de nuestros familiares, amigos y conocidos”.

169 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


própria lista de conexões, bem como aquelas feitas por ou-
tros usuários dentro do sistema. Além dessas características,
Boyd & Elisson (2007) salientam ainda que o que torna os
sites de rede sociais realmente originais é a possibilidade de
“articular e tornar visíveis suas redes sociais”88. Zago (2011,
p. 19) explica que mesmo que no mundo offline a formação
de redes sociais seja possível, as conexões mantidas pelos
atores sociais nem sempre são visíveis. “Já nos perfis de re-
des sociais a exibição da lista de contatos dos atores costuma
ser a regra geral. Há inclusive a possibilidade de se cruzar as
listas de conexões e visualizar a existência de contatos em
comum” (ZAGO, 2011, p. 19).
Enviar mensagens públicas ou privadas, deixar comentá-
rios, recados, compartilhar vídeos, fotografias, links, infor-
mações. Tudo isso passou a ser agregado às redes sociais na
internet. Para Orihuela (2008, p. 58), as redes sociais online
são hoje uma nova forma de representação de nossas redes
sociais, mas, para além disso, são também “o modo no qual
se constrói nossa identidade on-line e o canal através do
qual se deseja acrescentar e partilhar a nossa atividade na
rede”99. Na internet, os atores são representados por seus
avatares, perfis virtuais individualizados – num site de rede
social, num weblog, num fotolog ou numa conta de Twitter,
por exemplo –, que permitem a conexão com outros ava-
tares, mantendo laços sociais, intercâmbio de informações
ou apenas vínculos associativos. Recuero (2009a, p. 25) ex-
plica que estes “são espaços de interação, lugares de fala

8. Tradução das autoras para: “[...] to articulate and make visible their
social networks”

9. Tradução das autoras para: “[...] El modo em el que se contruye


nuestra identidad on-line y el cauce mediante el que se agrega y
comparte nuestra actividad en la red”.

170 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


construídos pelos atores de forma a expressar elementos de
sua personalidade ou individualidade”. Essa apropriação de
espaços individuais na web, segundo a autora, serve como
uma representação do “eu” no ciberespaço, uma existência
também virtual.
Nem todos os sites de redes sociais na internet, no en-
tanto, surgiram com o propósito de servirem como plata-
formas de interação social. Recuero (2009a, p. 104) dis-
tingue dois tipos de sites de redes sociais: os propriamente
ditos e os apropriados. Sites de rede social propriamente
ditos são os sistemas focados na exposição pública das redes
conectadas, “onde há perfis e há espaços específicos para a
publicização das conexões com os indivíduos” (RECUE-
RO, 2009a, p. 104). São exemplos de redes sociais propria-
mente ditas o Orkut10, Facebook11 e Linkedin12. Já as redes
sociais apropriadas são sistemas que originalmente não ti-
nham como objetivo principal a exposição das redes sociais
de seus usuários, mas que foram apropriados para esse fim
pelos próprios atores sociais. É o caso do Fotolog13, weblogs e
do Twitter.
Para Boyd (2007, p. 2), os usos e características defini-
doras das redes sociais na internet configuram esses sites
como “a última geração de ‘espaços públicos mediados’ –
ambientes onde as pessoas podem se reunir publicamente
através de mediação tecnológica”14. Para o autor, os espaços

10. http://www.orkut.com/

11. http://www.facebook.com/

12. http://www.linkedin.com/

13. http://www.fotolog.com.br/

14. Tradução das autoras para: “[…] the latest generation of ‘mediated
publics’ - environments where people can gather publicly through

171 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


públicos desempenham diversos papeis na vida social, desde
permitirem às pessoas expressarem-se e aprenderem com os
outros, até negociarem as normas que regem a sociedade.
Boyd (2007, p. 2), porém, diferencia os espaços públicos
mediados dos espaços sem mediação através de quatro pro-
priedades únicas: a persistência, ou seja, o que é dito na
web permanece; a capacidade de busca, de pessoas ou in-
formações; a replicabilidade, que se refere à possibilidade de
reproduzir os materiais digitais; e a existência de audiências
invisíveis, através de lurkers (ou espreitadores), ou por meio
das características anteriores, que “introduzem audiências
que nunca foram apresentadas no momento em que a ex-
pressão foi criada”15.
Recuero (s/d, p. 4) relaciona essas características enu-
meradas por Boyd ao fato de que, como mediadora, a in-
ternet permite o armazenamento, reprodução e busca de
informações. “São essas características que fazem com que
as redes sociais que vão emergir nesses espaços sejam tão
importantes. São essas redes que vão selecionar e repassar
informações que são relevantes para seus grupos sociais”.
Nesse sentido, Orihuela (2008, p. 59) entende as redes so-
ciais na internet como um sistema de filtro e alerta, na me-
dida em que permite ajustar o fluxo de informações que
recebemos a partir dos nossos interesses e daqueles com
quem nos relacionamos no ambiente virtual.
Ao alcançarmos esse ponto de reflexão sobre o papel
das redes sociais digitais na contemporaneidade, torna-se
possível discutir tais espaços de comunicação no âmbito do
jornalismo, antevendo três relações possíveis: as redes sociais

mediating technology”.

15. Tradução das autoras para: “introduce audiences that were never
present at the time when the expression was created”.

172 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


como fontes, filtros e espaços de reverberação.Veremos cada
uma dessas relações, buscando traçar paralelos com o radio-
jornalismo, no tópico seguinte.

Redes Sociais e Jornalismo no Rádio

Além dos indivíduos, de forma particular, também as


empresas e meios de comunicação utilizam-se das redes
sociais (ORIHUELA, 2008, p. 60). Nestes espaços, se-
gundo Orihuela, a mídia projeta sua identidade e ofere-
ce serviços em redes sociais abertas, além de dar suporte
a redes sociais próprias, numa estratégia de fidelização e
interação com os usuários. Almeida e Magnoni (2010)
ressaltam a importância da internet para a instituição da
identidade de uma emissora de rádio perante seus ou-
vintes, o que pode ser atingido através de um site bem
feito, mas também por meio da presença e utilização das
redes sociais. “A internet adiciona outras formas mais
amigáveis e práticas para o ouvinte interagir com sua
emissora” (ALMEIDA; MAGNONI, 2010, p. 278), além
de poder conhecer melhor profissionais que conduzem
a programação, ver fotos e até vídeos da equipe e da
produção dos programas que ouve.
Orihuela (2008, p. 62) lembra que na web original,
que poderíamos indicar como Web 1.0, o uso habitual
era acessar informações publicadas por outros sites, loca-
lizados pelo sistema de busca. Já na Web 2.0, o compor-
tamento usual é o “compartilhamento de informações
com outros usuários, publicar conteúdos próprios, valo-
rar e remesclar conteúdos de terceiros, cooperar à dis-
tância e, em definitivo, apoderar-se da tecnologia para

173 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


convertê-la em parte da nossa vida”16.
Por causa dessa mudança comportamental, esse novo
perfil de navegação, todo site deveria, como afirma Orihue-
la (2008, p. 62) conter hoje componentes de rede social ou
interagir com as redes existentes na internet. O autor cita
como exemplo os sites informativos:

O usuário já não se contenta com poder acessar a


informação atualizada, agora exige poder fazer algo
com ela: comentá-la, avaliá-la, enviá-la a filtros so-
ciais (como Digg ou Menéame), guardar o link em
seus favoritos online (Delicious), enviá-la por cor-
reio eletrônico a um amigo, compartilhar o link em
sua própria rede social ou republicar e comentar a
notícia em seu blog (ORIHUELA, 2008, p. 62).17

Se com o advento da internet, o jornalismo na web já so-


freu significativas alterações, agregando novas características,
próprias do ambiente digital – interatividade, customização
do conteúdo ou personalização, hipertextualidade, multi-
midialidade ou convergência, memória e instantaneidade
ou atualização contínua (MIELNICZUK, 2003) –, com o
desenvolvimento da Web 2.0 e a popularização18 das redes

16. Tradução das autoras para: “[...] compartir información com otros
usuarios, publicar contenidos propios, valorar y remezclar conteni-
dos de terceros, cooperar a distancia y, en definitiva, apoderarse de
la tecnología para convertila em parte de nuestra vida”.

17. Tradução das autoras para: “el usuario ya no se contenta con poder
acceder a información actualizada, ahora exige poder hacer algo con
ella: comentarla, valorarla, remitirla a filtros sociales (como Digg o
Menéame), guardar el enlace en sus favoritos en línea (Delicious),
enviarla por correo electrónico a un amigo, compartir el enlace en su
propia red social o republicar y comentar la noticia en su blog”.

18, Apenas o Facebook possui 901 milhões de usuários ativos mensais

174 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


sociais, novas possibilidades surgem para o jornalismo online.
Recuero (s/d, p. 7) identifica três relações entre a produ-
ção jornalística e as redes sociais digitais: “a) as redes sociais
como fontes produtoras de informação; b) as redes sociais
como filtros de informações ou, como c) redes sociais es-
paços de reverberação dessas informações”.
A primeira relação que se estabelece é das redes como
fontes para o jornalismo. A autora ressalta que, como espa-
ço de circulação de informações, as redes sociais na inter-
net podem gerar mobilizações, conversações que podem
interessar o jornalista, muitas vezes influenciando ou até
mesmo gerando pautas. Além disso, por meio das redes so-
ciais, torna-se possível ao jornalista identificar e contatar
com mais facilidade diferentes especialistas, independente
da localização geográfica, que podem contribuir para o de-
senvolvimento de pautas.
No radiojornalismo, um exemplo da utilização de redes
sociais como fonte acontece no programa Gaúcha Atuali-
dade, veiculado diariamente, das 8h10 às 9h30, pela Rádio
Gaúcha. Utilizando-se de suas contas pessoais no Twitter,
os apresentadores do programa – André Machado, Carolina
Bahia e Rosane Oliveira – buscam informações no microblog
e eventualmente as utilizam no ar. Como no programa do
dia 20 de junho de 2012, que tratava da polêmica dos pe-
dágios no Rio Grande do Sul. O jornalista André Machado
aproveitou um comentário postado no site pelo então secre-

(dados do final de março de 2012) (FACEBOOK, 2012). No Brasil,


uma pesquisa conduzida pela empresa brasileira de inteligência de
mercado e gestão do relacionamento nas redes sociais E.Life, entre
novembro de 2011 e fevereiro de 2012, identificou que, entre os
mais de 1,3 mil entrevistados, 84,8% costumam acessar redes sociais
na internet, sendo que 58,1% havia se cadastrado em alguma rede
social nos últimos três meses (E.LIFE, 2012).

175 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


tário adjunto da Secretária Estadual de Agricultura Pecuária
e Agronegócio, Cláudio Fioreze, para complementar o deba-
te no ar: “O Cláudio Fioreze tá dizendo assim: ‘a 448 a du-
plicação da 386 são obras de ficção? Generalização desneces-
sária’”. O tweet de Cláudio Fioreze foi postado em resposta
(reply) à mensagem anterior do apresentador, que anunciava
a entrevista com o Ministro dos Transportes, Paulo Passos.
A fala, no entanto, não foi creditada ao Twitter. Esta é
uma prática comum nas emissoras de rádio. O conteúdo
circulado e recirculado no microblog é utilizado em antena,
mas a ferramenta através da qual foi localizado não necessa-
riamente é creditada.Vale ressaltar aqui que o perfil e as pos-
tagens são espaços públicos, em que a emissora assume uma
posição de igualdade com qualquer outro usuário. Desta
forma, a exclusividade no acesso à informação inexiste.
A segunda relação possível, conforme Recuero (s/d, p.
9), é a das redes sociais como filtros de informações. “Neste
caso, as redes sociais vão atuar de forma a coletar e republi-
car as informações obtidas através dos veículos informati-
vos ou mesmo de forma a coletar e republicar informações
observadas dentro da própria rede”. Nota-se aí um movi-
mento de difusão de informações. Zago (2009) investigou
o uso do Twitter para este fim, identificando no microblog
“um novo espaço para distribuição de conteúdos produzi-
dos em outros espaços da Internet” (ZAGO, 2009, p. 13).
Segundo a pesquisadora, essa distribuição pode se dar de
forma automática – com a reprodução dos feeds –, ou ma-
nual, através de sugestões e comentários sobre notícias pro-
duzidas por diferentes meios, ou como alertas de últimas
notícias e coberturas minuto a minuto. Para Recuero (s/d,
p. 9), a prática de repassar informações publicadas por veí-
culos de comunicação pelos usuários confere credibilidade
ao veículo e também ao ator social, que vincula a si próprio
àquela informação retransmitida.

176 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


É possível visualizar a difusão de informações também
no Facebook. Como no caso da Rádio CBN Porto Alegre,
que costuma postar informações e links para o conteúdo
disponível no site. No dia 16 de julho de 2012, uma das
postagens da emissora na rede social, com destaque ao co-
mentário de Mario Sergio Cortella, incluindo o link para
o áudio do material radiofônico, foi compartilhada por 13
usuários, caracterizando um exemplo de uso da rede social
como filtro de informações.
Por fim, a terceira contribuição das redes sociais na in-
ternet com o jornalismo se dá através da constituição de
um espaço de reverberação, onde as informações não ape-
nas circulam, mas também provocam discussões. Nesse sen-
tido, Recuero (s/d, p. 10) indica os trending topics19 do Twit-
ter, como espaço que permite o debate dos tópicos mais
comentados. A autora (2009c) também sugere a adoção das
redes sociais para observar essas discussões: “Não falo aqui
de criar um perfil no Orkut para o jornal, por exemplo.
Mas criar uma comunidade, ter um ombudsman focado
naquilo que o público discute, oferecer um espaço de de-
bate das notícias”.
Ela pode acontecer também por meio dos espaços para
comentários, como observado novamente no perfil da Rá-
dio Gaúcha, no Facebook. A partir de uma postagem, no
dia 03 de julho de 2012, a emissora estimulou os internau-
tas a manifestarem sua opinião a partir do seguinte ques-
tionamento: “Você concorda com a divulgação dos nomes
e salários dos servidores?”. A postagem continha ainda
uma breve informação complementar sobre o tema e um
link para matéria relacionada, hospedada no site do portal

19. Ou Assuntos do Momento. São os assuntos mais falados no Twitter.


São algoritmicamente determinados a ser um dos mais populares
no Twitter, em determinado momento (TWITTER, 2012).

177 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


ClicRBS, também pertencente ao Grupo RBS de Comu-
nicação. No total, 10 comentários foram enviados pelos
usuários. Nota-se, porém, que durante o debate entre os in-
ternautas, não há participação da emissora com opiniões ou
mediações, a rádio apenas abre e mantém o espaço para as
manifestações. Neste caso, não sabemos se as contribuições
dos usuários foram utilizadas na programação de antena, ou
se apenas restringiram-se ao ambiente da rede social.
Quando se pensa especificamente no rádio, é importante
considerar também a caracterização inicial de seu público,
naturalmente mais participativo. Além disso, não basta que
o debate se estabeleça nas redes sociais, mas para manter o
vínculo com o veículo prevê-se uma integração, ampliando
este espaço de reverberação para a antena, e permitindo
uma complexificação do conteúdo em ambos como parte
das mudanças no rádio em contexto de convergência.
Partindo dos conceitos de radiomorfose20 (PRATA,
2009) e remediação (BOLTER; GRUSIN, 1999), Kischi-
nhevsky (2011) analisa novas práticas interacionais sonoras,
relatando o surgimento do que ele denomina de mídias
sociais de base radiofônica, ou rádio social. Segundo o autor
(2011, p. 11), o “rádio social se apresenta como espaço de
fruição e também como canal de distribuição de conteúdos
radiofônicos, através da formação de redes de amizades e
comunidades on-line”. Com esse conceito, ele se refere às
remediações de sites de rede social semelhantes ao Face-
book e Orkut, porém focados em conteúdos sonoros. São
exemplos de rádio social, portanto, serviços online como o

20. Termo adaptado ao rádio por Nair Prata (2009), a partir do concei-
to de midiamorfose (FIDLER, 1997).

178 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


Last.fm21, o Blip.fm22e o Radiotube23.
Nos três sites estão presentes as características básicas das
redes sociais online, listadas por Boyd & Ellison (2007): a
criação de perfis individuais, a manutenção de conexões
com “amigos” e a visualização das redes sociais próprias e
de outros usuários. Em comum com outros sites de rede
social, os de rádio social ainda permitem postagens de ma-
teriais, participação em comunidades, envio de comentá-
rios e redistribuição de arquivos.
O que os diferencia dos tradicionais sites de rede social,
segundo Kischinhevsky (2011), é a incorporação de termos
que remetem ao rádio, bem como de linguagens e formatos
típicos da radiodifusão em ondas hertzianas.

Os três sites apresentam-se como exemplares de


um novo rádio, plural, remediado pelas mídias so-
ciais, metamorfoseado em novos suportes, no limite
entre a linguagem radiofônica hertziana, a simples
reprodução mecânica de músicas e múltiplas mani-
festações de arte sonora (ou radioarte) (KISCHI-
NHEVSKY, 2011, p. 12).

Sites de rádio social, deste modo, configuram-se como


um novo formato de rádio e de rede social, avançando na
integração entre as tecnologias de comunicação disponíveis
e a demanda dos usuários, com novo perfil de navegação e
consumo das mídias digitais. Entretanto, é importante con-
siderarmos que a relação do rádio com as redes sociais não
deva se restringir ao rádio social, mas também aos poten-

21. http://www.lastfm.com.br/

22. http://blip.fm/

23. http://www.radiotube.org.br/

179 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


ciais oferecidos pelas redes sociais digitais de maneira mais
ampla a esse veículo.

A inserção das rádios gaúchas nas redes sociais

Ao analisar a presença das emissoras informativas de Por-


to Alegre e região metropolitana nas redes sociais, observa-
mos alguns padrões de ação marcados em rádios de grupos
específicos de comunicação. Ainda assim, alguns resultados
podem ser generalizados a todas as emissoras.
Se as redes sociais são espaços para representação do
“eu”, como apresentamos anteriormente, percebemos uma
dificuldade em definir qual seria o papel do jornalismo
neste contexto. Esta consideração decorre da indefinição
de um padrão dialogal entre o perfil oficial das emissoras e
seu público através das redes sociais, além da pouca relação
de complementariedade ou ampliação encontrada entre o
conteúdo apresentado nestes espaços e na antena. A questão
da identidade nos profiles das rádios é reiterada também pela
falta de padrão de uso dos perfis oficiais de emissoras e pro-
gramas. Muitas vezes, a comunicação principal se estabelece
através das contas pessoais dos apresentadores e jornalistas,
e não pelas institucionais. Essa realidade, ao mesmo tempo
em que reforça o caráter personalizante característico das
redes sociais e a personificação típica do rádio, minimiza a
concentração da audiência, dificultando o estabelecimento
de espaços de participação efetiva e reduzindo a possibili-
dade de definir a individualidade do programa ou da emis-
sora, substituídos pela personalidade dos sujeitos em si.
Observamos que se trata de um reflexo da necessidade
das emissoras de se colocarem nas redes sociais por uma
demanda da audiência. Entretanto, essa presença não lhes
garante uma exploração dos potenciais apresentados por

180 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


essa nova realidade multiplataforma. A mudança pode ser
constatada a partir dos dados de adesão às redes pelas seis
emissoras analisadas, como apresentamos a seguir.
Nas emissoras porto-alegrenses ligadas à Rede Ban-
deirantes de Comunicação – Rádio Bandeirantes e Rá-
dio BandNews – a presença em redes sociais é unificada. A
Rede mantém um portal padronizado com páginas para as
emissoras de rádio e para o canal de TV. Na parte inferior
do site, localizam-se os links para redes sociais Twitter e Fa-
cebook, que remetem aos perfis dos veículos da Rede, bem
como de alguns programas.
No Facebook, existe um perfil dedicado à “Rádio e Tele-
visão Bandeirantes” (http://www.facebook.com/BandRS),
identificado como “De São Paulo”, mas “Mora em Porto
Alegre”. O perfil possuía 3.654 amigos em 16 de julho de
2012, e nele constam postagens referentes aos veículos da
Rede Bandeirantes, bem como recados de usuários. Já no
Twitter, o link do site remete ao perfil institucional (http://
twitter.com/bandrs), onde são postadas informações referen-
tes tanto às emissoras de rádio, quanto ao canal de TV. Tanto
os tweets, quanto as postagens no Facebook, não têm identifi-
cação exata em relação ao veículo da Rede a que se referem.
No Orkut, o serviço de busca remete a várias comu-
nidades relacionadas às emissoras das redes Bandeirantes e
BandNews, bem como a alguns dos programas veiculados.
Entre os resultados obtidos, destaque para a comunidade
“Band News Fm Porto Alegre 99,3” dedicada a “ouvintes
e colaboradores” da emissora. A comunidade possuía 301
membros no dia 16 de julho, porém sua última atualização
ocorreu em 9 de setembro de 2011, postada por um ou-
vinte, membro da comunidade. A pesquisa por referências
à Rádio Bandeirantes AM não retornou resultados signifi-
cativos: não foi localizado nenhum perfil ou comunidade
referindo-se à emissora gaúcha.

181 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


No caso específico das emissoras de rádio do grupo Ban-
deirantes, observamos uma fragilidade em relação à definição
de uma identidade.A vinculação constante e principal ao gru-
po, mais do que às emissoras em si, embora corroborem com a
tendência atual de reforço de informação em detrimento dos
suportes, enfraquece sua colocação como meio radiofônico.
Por se tratarem de meios com conteúdos, propostas editoriais
e comunicadores muito distintos, acreditamos que a identida-
de local e sonora deveria ser reforçada nas redes sociais, permi-
tindo uma aproximação maior com o público.
A situação da Rádio CBN Porto Alegre AM diferencia-
-se das demais emissoras já em relação ao site. A rede CBN
não mantém um site específico para a emissora gaúcha, ao
contrário do que acontece com afiliadas de outras cidades,
como é o caso da CBN Curitiba, por exemplo (http://www.
cbncuritiba.com.br/). A mesma política se estende para os si-
tes de redes sociais. Na página da CBN, um box, no canto
inferior direito, apresenta alguns serviços oferecidos, como
a assinatura de podcast, aplicativos para celular e tablet, news-
letter, e links para redes sociais: Facebook, Twitter e Youtube,
que remetem para os perfis oficiais da Rede.
No Facebook, no entanto, através da ferramenta de
busca, é possível localizar a fan page da CBN Porto Alegre
(http://www.facebook.com/cbnportoalegre). O grau de
atualização é modesto, sem manter uma frequência diária.
As postagens geralmente destacam uma entrevista impor-
tante ou informação relevante da programação. No caso do
Twitter, da mesma forma que no Facebook, não há referên-
cia no site da cabeça de rede à existência de um perfil para
a emissora porto-alegrense, apenas localizado através da
ferramenta de busca (http://twitter.com/cbnportoalegre,
com 1.109 seguidores em 16 de julho de 2012). As posta-
gens divulgam entrevistas e entrevistados com link para o
Facebook (direciona para um álbum de fotos, com imagens

182 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


institucionais), sendo atualizadas em média 5,9 vezes ao
dia24. Já no Orkut, a pesquisa não indica perfis ou comuni-
dades relacionadas à emissora gaúcha, resultando apenas em
comunidades que se referem à Rede CBN ou emissoras
afiliadas sediadas em outras cidades.
Ainda que se trate de uma emissora do Grupo RBS, a
CBN Porto Alegre tem uma relação muito diferente com
as redes sociais e as mídias digitais. Seu foco localiza-se mais
no conteúdo de antena, com pouca integração multiplata-
forma e consequentemente uma minimização dos espaços
de diálogo com a audiência. Já o grupo RBS, que conta com
uma Coordenação de Projetos Digitais, costuma estimular
a integração a esses espaços e o uso destas ferramentas de
modo a envolver mais o ouvinte e, desta maneira, fidelizá-lo.
A Rádio Gaúcha revela-se a mais engajada nas redes so-
ciais na internet, entre as emissoras pesquisadas25. Já no site
da rádio encontramos o widget do Twitter, com as postagens
recentes. Mais abaixo, dois ícones convidam o internauta a
acessar o Facebook e o Twitter oficiais da rádio. No Face-
book, é mantida uma fan page, “curtida” por 16.028 pessoas
16 de julho deste ano. A página é atualizada diariamente,
várias vezes ao dia, com postagem de links, vídeos, fotos,
enquetes e manchetes das principais notícias, com links que
direcionam o internauta de volta ao site da emissora para a
notícia completa, disponibilizada em áudio e acompanhada
de um breve texto. A estratégia, mesmo não representando

24. As médias de twittagem utilizadas neste estudo foram obtidas atra-


vés do site http://tweetstats.com/, e coletadas no dia 17 de abril de
2012.

25. No Orkut, a pesquisa revela várias comunidades relacionadas à Rá-


dio Gaúcha, programas e comunicadores específicos. A comunidade
mais saliente com 4.779 membros (em 16 de julho de 2012) é de-
nominada apenas “Rádio Gaúcha”.

183 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


uma ampliação do conteúdo levado ao ar, disponibiliza a
informação em diferentes formatos digitais, explorando as
potencialidades multimídia da internet.
No Twitter, a Gaúcha mantém um perfil oficial (http://
twitter.com/rdgaucha), com 74.456 seguidores em 16
de julho, com intensa atualização (média de 84,3 tweets
por dia). São postagens com notícias curtas, precedidas de
hashtags que identificam o programa que está no ar (por
exemplo: #Corresp para o programa Correspondente Ipi-
ranga; #NHC06H para a Notícia da Hora Certa das 6 ho-
ras). Alguns tweets ainda contêm links, que remetem, geral-
mente, ao site da emissora.
Em ambas redes, através da utilização de links e hashtags
é possível reiterar as propriedades apresentadas por Boyd
(2007). A memória fortalece a permanência da informação,
organizada segundo o tageamento, o que facilita as buscas
e a futura replicabilidade (embora esta esteja ativa desde o
momento da postagem do conteúdo), bem como a pre-
sença de audiências invisíveis, que não existem ainda neste
primeiro momento e surgirão depois, quando forem res-
gatadas pelo público. Embora o sistema de tageamento da
Rádio Gaúcha seja muito específico e mais direcionado aos
programas do que ao conteúdo, podemos indicá-lo como
uma primeira iniciativa para adequar-se a uma nova ecolo-
gia comunicacional em que o veículo se insere. Além disso,
leva os comunicadores a trabalharem com características
distintas das tradicionalmente inferidas ao rádio, incorpo-
rando a memória, ampliando o tempo de exposição e a
abrangência da informação, permitindo uma diferenciação
territorial da audiência e intensificando as possibilidades
interativas e dialogais do meio.
Não há referências no site da Rádio Guaíba à presença
da emissora nos principais sites de redes sociais. A empre-
sa, no entanto, apresenta aos visitantes do site outra rede:

184 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


o Blaving26. Um widget no site exibe as postagens recentes no
Blaving, estimulando os internautas a participarem da conversa.
O uso que a Guaíba faz do Blaving, no entanto, não
está coordenado às definições de rede social. Não há diá-
logos, comentários ou recirculação de conteúdos de outros
perfis. Trata-se de uma utilização instrumental, como um
repositório de áudios. Embora este uso reforce o caráter de
memória e permita uma organização do conteúdo, pode
ser visto como restritivo se comparado aos potenciais ofe-
recidos pela rede.
Mesmo não se referindo às demais redes sociais, as bus-
cas por “Rádio Guaíba” apresentaram resultados. No Fa-
cebook, há uma fan page em nome da emissora, criada em
7 de maio de 2011. Não há postagens institucionalizadas,
apenas contribuições de usuários. 557 pessoas curtiam a pá-
gina em 16 de julho deste ano. No Orkut, a pesquisa indica
uma longa relação de comunidades que fazem referência à
Rádio Guaíba, sendo a mais expressiva, “Radio Guaíba”,
com 1.161 membros também no dia 16 de julho.
Já no Twitter, a Rádio Guaíba mostra-se mais ativa. A
emissora mantém um perfil oficial (http://twitter.com/
guaiba720), seguido por 4.762 usuários, em 16 de julho de
2012, atualizado constantemente (média de 51,1 tweets por
dia) com postagem de manchetes, seguidas de links, que re-
metem ao site da rádio, onde as notícias podem ser con-
feridas na íntegra, em formato de texto (sem arquivos em

26. Desenvolvida pela PMovil e lançada em 3 de fevereiro de 2011, a


Blaving é uma rede social que possibilita ao usuário cadastrado gravar
mensagens de voz de até dois minutos e a compartilhar com seus
contatos. As mensagens publicadas são postadas na própria página do
Blaving (http://pt.blaving.com) e podem então ser compartilhadas
em outras redes, como Twitter, Facebook e Orkut, em formato de
link, que redireciona para o perfil do usuário no Blaving.

185 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


podcast). Observamos neste perfil uma desvinculação muito
grande do conteúdo sonoro ou de sua caracterização como
um meio radiofônico. O mesmo ocorre com o site da emis-
sora, que prioriza conteúdos em texto e produzidos por
outros veículos do grupo em detrimento à espinha dorsal
sonora proposta para o rádio em ambiente de convergência.
Já a Rádio Pampa AM exibe em seu site um widget do
Twitter, com as atualizações do perfil da emissora (http://
twitter.com/rdpampaam), com 774 seguidores em 16 de
julho de 2012. Uma breve análise da timeline revela que a
rádio utiliza o site para postar informações curtas e fazer
referência/divulgar a programação que está sendo levada ao
ar naquele momento. A atualização é constante, com média
de 20,4 postagens por dia. Novamente observamos um uso
instrumental, quase como se a emissora estivesse cumprin-
do com a obrigação de estar presente nas redes sociais, mas
não refletisse efetivamente sobre o que esta presença im-
plica – ou deveria implicar – em relação ao conteúdo que
transmite, seja em suportes digitais, seja em antena.
Nas demais redes sociais, a presença da Rádio Pampa é
fraca ou mesmo inexistente, como é o caso do Facebook.
No Orkut, há poucas comunidades que se referem à emis-
sora. A principal delas, “Rádio Pampa 970 KHz PoA”, é
mantida por ouvintes e contava com 113 membros no dia
16 de julho deste ano.

Considerações finais

São visíveis as mudanças que as tecnologias da informa-


ção e comunicação e o processo de convergência midiática
provocam hoje no nosso dia a dia, especialmente na manei-
ra como nos relacionamos, nos comunicamos e nos infor-
mamos. As redes sociais digitais ocupam papel central neste

186 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


novo contexto, interferindo não apenas nas relações sociais,
mas também influenciando os meios de comunicação.
Como vimos durante o percurso bibliográfico deste ca-
pítulo, as redes sociais são anteriores à internet e podem
existir – ainda hoje – fora do ambiente online, representan-
do as conexões mantidas entre atores sociais, unidos por al-
guma motivação comum, seja um grupo de amigos, colegas
de trabalho ou uma comunidade religiosa, por exemplo.
Na internet, a redes sociais digitais agregaram novas ca-
racterísticas, especialmente relacionadas à visibilidade das
redes de conexões, complexificando as redes offline. Novos
sites surgiram ou foram apropriados a fim de abrigar es-
tas relações na web, configurando os sites de redes sociais,
que logo reconhecemos nos populares Facebook, Twitter,
Orkut, Linkedin, MySpace27, e tantos outros.
As possibilidades de existir no mundo online, manter
uma extensa lista de “amigos”, interagir enviando mensa-
gens, comentários, compartilhando informações e mani-
festando-se das mais diferentes formas, foram os grandes
trunfos das redes sociais digitais. Este diferencial em relação
às redes sociais tradicionais é crucial para o interesse dos
meios de comunicação por esse novo espaço. Isso porque
elas agem como potencializadores da visibilidade desses
meios, inserindo-os como sujeitos iguais nos espaços origi-
nalmente ocupados pelos pares da audiência, estabelecen-
do assim uma relação de proximidade não possibilitada por
outros moldes.
Nos sites de redes sociais, os meios de comunicação tra-
dicionais encontram – ou podem encontrar – novas possi-
bilidades para expandir seus conteúdos e intensificar a in-
teração com seus receptores, fidelizando-os. Neste sentido,

27. http://www.myspace.com/

187 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


vimos como os sites de redes sociais podem colaborar com
o jornalismo e também com o radiojornalismo, servindo
com fontes, filtro de informações, espaços de reverberação
ou até mesmo, no caso do rádio, passando por um processo
de radiomorfose, inaugurando as chamadas redes sociais de
base radiofônica, ou rádios sociais.
No entanto, mesmo com potencialidades diversas para
explorar este novo ambiente comunicacional digital, a aná-
lise empírica da inserção de emissoras gaúchas em sites de
redes sociais revelou um cenário ainda distante do que po-
deria ser considerado ideal, quando pensamos nas possibili-
dades existentes de interatividade online.
A falta de uma identidade virtual é logo notada na aná-
lise dos sites institucionais e perfis em redes sociais. Muitas
emissoras parecem manter suas páginas nestes sites de rela-
cionamento apenas porque acreditam haver uma exigência
desta presença para que não se representem como ultrapas-
sadas ou envelhecidas. Entretanto, não sabem o que fazer
com esta nova ferramenta.Trata-se de um uso instrumental,
muito semelhante ao que se apresenta no site da emisso-
ra, sem, no entanto, haver uma lógica de complementação,
imersão ou aproximação. O uso observado neste estudo
revela-se mais na sobreposição de conteúdo, no diálogo
reduzido e na pouca exploração da identificação que os
membros das redes costumam estabelecer entre si. Naque-
las rádios que de alguma forma utilizam os perfis, contudo,
muitas vezes não há uma relação entre o que é postado no
site de rede social e o conteúdo levado ao ar, indo contra os
princípios da convergência de mídias.
A questão da identidade – ou da falta dela – ainda é
observada na utilização de perfis pessoais, por alguns pro-
fissionais no meio radiofônico. Deixando de lado o perfil
institucional da rádio, é a emissora quem perde, já que pul-
veriza a atenção do seu ouvinte.

188 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


Os usos dados às redes sociais também se revelam inci-
pientes. Poucas foram as constatações de usos como fon-
tes, filtros ou espaços de reverberação – essência das redes
sociais digitais. Na maioria das emissoras analisadas os sites
de rede social servem à rádio como uma nova plataforma
para difundir informações, apenas servindo como maneira
de expandir o alcance de seus conteúdos, divulgar seus
site ou programação. Seria quase como o estabelecimento
de um servidor externo à rádio que permite recircular o
conteúdo – abordagem que consideramos restritiva em
relação aos potenciais ofertados pelas plataformas digitais.
Essas ações, acreditamos, parecem se aproximar do marke-
ting do que do jornalismo.
Algumas boas iniciativas, por outro lado, puderam ser
observadas, especialmente na presença da Rádio Gaú-
cha nos sites de redes sociais. Mesmo que ainda sem
muita interação direta com os ouvintes, através dos per-
fis institucionais, a emissora já explora o Twitter e o Fa-
cebook para buscar opiniões de seus ouvintes, através de
comentários; explorando a memória online, por meio do
tageamento das postagens; relacionando os conteúdos
da antena, site e rede sociais; e até mesmo utilizando-se
dos recursos multimídia da web.
De maneira geral, no entanto, há um longo caminho
a ser percorrido pelas emissoras de rádio gaúchas, de
caráter informativo, a fim de explorar de forma eficaz os
recursos oferecidos pelo ambiente online, especialmente
os sites de redes sociais. Cabe lembrar que a adapta-
ção às novas tecnologias que emergem a cada dia estão
no cerne do contexto convergente e, se o rádio deseja
permanecer ativo e competitivo frente as outras mídias,
é preciso que as emissoras busquem essas adequações,
explorem os recursos disponíveis, revejam linguagem e
práticas profissionais.

189 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


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193 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


8.
Rádio em bits: um panorama da
presença das emissoras de Porto
Alegre na Internet

Debora Cristina Lopez1


Marcelo Freire 2
Karen Kraemer Abreu3
Ébida Rosa dos Santos4

1. Doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Uni-


versidade Federal da Bahia (UFBA) e professora do Programa de
Pós Graduação em Comunicação Midiática da Universidade Fe-
deral de Santa Maria (UFSM) e da graduação em Jornalismo do
campus Frederico Westphalen da mesma instituição. Coordena o
Grupo de Pesquisa Convergência e Jornalismo (ConJor).

2. Doutorando em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela


Universidade Federal da Bahia (UFBA) e professor do Departa-
mento de Ciências da Comunicação da Universidade Federal de
Santa Maria – campus Frederico Westphalen (UFSM-FW). Integra
o Grupo de Pesquisa Convergência e Jornalismo (ConJor).

3. Doutoranda em Ciências da Linguagem pela Universidade do Sul


de Santa Catarina (UNISUL) e professora do Departamento de
Ciências da Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria
– campus Frederico Westphalen (UFSM-FW). Integra o Grupo de
Pesquisa Convergência e Jornalismo (ConJor).

4. Graduada em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade


Federal de Santa Maria – campus Frederico Westphalen. É assistente
editorial da Revista Rádio-Leituras. Integra o Grupo de Pesquisa

194 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


Marcos Antonio Corbari5
Maurício Emanuel Cattani6
Universidade Federal de Santa Maria – FW

Neste capítulo7 apresentamos um panorama da presença


das emissoras de rádio de Porto Alegre na internet8. Para
isso, adotamos a metodologia da Análise de Conteúdo, a
partir de Bardin (1979) e Herscovitz (2007), para desenhar

Convergência e Jornalismo (ConJor).

5. Graduado em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade


Federal de Santa Maria – campus Frederico Westphalen. É assistente
editorial da Revista Rádio-Leituras. Integra o Grupo de Pesquisa
Convergência e Jornalismo (ConJor).

6. Graduando em Comunicação Social – Jornalismo pela Universida-


de Federal de Santa Maria – campus Frederico Westphalen. É bol-
sista de iniciação científica Fipe Júnior. Integra o Grupo de Pesquisa
Convergência e Jornalismo (ConJor).

7. Este capítulo apresenta os resultados da pesquisa “Estratégias do jor-


nalismo radiofônico multimídia no Rio Grande do Sul: novos gê-
neros, habilidades e formatos do rádio all news em ambiente de
convergência”, financiado pelo Edital MCT/CNPq/MEC/CA-
PES nº 02/2010 - Ciências Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas.
Trata-se de uma revisão, ampliação e atualização dos artigos “Rádio
e tecnologias: panorama da utilização da multimidialidade, hiper-
textualidade e interatividade nos sites de emissoras da Grande Porto
Alegre” e “Rádio e Tecnologia: Um Estudo Sobre os Usos da Inte-
ratividade e da Memória nas Emissoras de Porto Alegre e Região
Metropolitana”, apresentados no XXXIII Congresso Brasileiro de
Ciências da Comunicação.

8. Além dos autores deste capítulo, participaram do estudo os pesqui-


sadores: Bárbara Avrella, Daniela Silveira, Gabriella Bellé, Ricardo
Júnior Carlesso, Gustavo Menegusso, Josiane Canterle, Morgana
Fischer e Roscéli Kochhann.

195 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


um mapa das estratégias adotadas pelas rádios em seus sites
e aplicativos para dispositivos móveis. A proposta é discutir,
a partir deste panorama, as mudanças pelas quais passam o
rádio e o radiojornalismo contemporâneos, os potenciais
narrativos propiciados pela entrada em novas plataformas e
pelas alterações nas práticas e conteúdos do meio.
Para isso, o estudo se desenvolveu em três etapas: aná-
lise de conteúdo dos sites9 e aplicativos para dispositivos
móveis10 (realizado em dois momentos, sendo um de ob-
servação da presença das emissoras nestes espaços e outro
que observava seus usos e consequências para o conteúdo);
entrevistas semi-estruturadas realizadas com profissionais
das emissoras11 e cruzamento dos dados coletados de modo
a traçar o panorama do rádio em contexto de convergência
em Porto Alegre.
Para compor a base teórica do texto, optamos por dis-
cutir três perspectivas que direcionam o olhar dos pesqui-
sadores: o contexto da convergência jornalística, o novo
cenário do rádio ao inserir-se no processo de tecnologi-
zação e digitalização das informações e um debate sobre
as tendências do meio no que concerne ao seu conteúdo,
com discussões sobre os novos formatos, gêneros e usos do
veículo neste cenário.

9. A observação dos sites das emissoras foi realizada em 2010, com


complementações posteriores, derivadas de atualizações promovi-
das pelas rádios.

10. A observação dos aplicativos para dispositivos móveis das emissoras


foi realizada em 2010, com complementações posteriores, derivadas
de atualizações promovidas pelas rádios.

11. As entrevistas foram realizadas em 2012 por Ébida Santos, Karen


Kraemer Abreu, Marcos Corbari e Maurício Cattani, que integram
a equipe de pesquisadores deste projeto. O cruzamento de dados
das etapas anteriores do estudo também ocorreu em 2012.

196 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


Convergência

O processo de digitalização das redações começou len-


tamente – e há relativo pouco tempo. “No início dos anos
90, por exemplo, a incorporação massiva dos computadores
transformou as estruturas das redações e propiciou o bara-
teamento dos custos de produção e maior flexibilidade na
elaboração dos jornais e notícias televisivas”12 (GARCÍA
AVILÉS, 2006b, p. 34). Hoje as tecnologias estão presentes
no cotidiano dos jornalistas e leitores, em novos espaços de
sociabilidade e de transmissão da informação, etc. Aparatos
portáteis de apuração e de consumo de mídia desenham
um cenário novo, em que câmaras escondidas e dispositivos
multiplataforma servem à facilitação das atividades do jor-
nalista multitarefa e em que gadgets específicos para consu-
mo de mídia, ou especialmente desenhados para permitir a
integração a redes sociais e a múltiplos serviços incentivam
uma maior participação do público. A convergência tec-
nológica apresenta-se no cotidiano do jornalista e de sua
audiência.
Como afirmam Scolari et al (2008), as novidades tec-
nológicas contribuem para uma reprofissionalização, já que
geram tensões e agem como catalizadores de novas formas
de fazer jornalismo. “No início do século XXI a rotina la-
boral do jornalista atual está totalmente ligada ao computa-
dor e à internet”13 (SCOLARI et al, 2008, p. 39). A incor-

12. No original: “A comienzos de los años 90, por ejemplo, la incorpo-


ración masiva de los ordenadores transformó las estructuras de las
redacciones y propició el abaratamiento de los costes de produc-
ción y mayor flexibilidad en la elaboración de los diarios y de las
noticias televisivas” [Tradução nossa].

13. No original:“A comienzos del siglo XXI la rutina laboral del periodista
actual está totalmente ligada al ordenador y la web” [Tradução nossa].

197 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


poração, nas redações, das tecnologias da informação e da
comunicação, gerou uma alteração nas rotinas do jornalista,
com a intensificação do uso da internet como fonte de in-
formações e a exigência do domínio de uma capacidade de
construir histórias multimídia, que possam ser consumidas
em dispositivos multiplataforma e, em alguns casos, inseri-
das em um contexto de cross media. “As tendências atuais
(televisão e rádio digitais, Internet, etc.) nos obrigam a pen-
sar que talvez no futuro a curto prazo todos os jornalistas
acabam sendo digitais’ ”14 (MESO AYERDI, 2002, online).
García Avilés defendia, já em 2002, a necessidade do jor-
nalista inserido em ambiente de convergência compreen-
der-se como polivalente sem, no entanto, deixar de consi-
derar as vantagens e riscos deste processo. O autor destaca
que precisamos compreender que os benefícios e diferen-
ciais não residem nas tecnologias de distribuição, mas sim
na capacidade do jornalista em investigar e analisar a in-
formação, de modo a conseguir agregar valor a ela. A poli-
valência tem, por característica, a demanda pela revisão da
construção da narrativa. O jornalista precisa observar a in-
formação bruta e compreender qual o melhor suporte para
ela, como construir uma história utilizando as linguagens e
ferramentas que tem à sua disposição. Trata-se de uma mu-
dança impulsionada pelos novos dispositivos, fundamen-
talmente pelas possibilidades da internet. “No final desta
década [1990], a Internet voltou a romper o ecossistema
midiático, com a irrupção de novos atores, assim como as
possibilidades de documentação, atualização, narrativa mul-

14. No original: “Las tendencias actuales (televisión y radio digitales, Inter-


net, etc.) nos obligan a pensar que tal vez en un futuro a corto plazo
todos los periodistas acaben siendo “digitales”.” [Tradução nossa]

198 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


timídia e interatividade que propicia a rede”15 (GARCÍA
AVILÉS, 2006a, p. 34). Agora, ressalta o autor, o jornalista
passa a assumir funções que antes eram separadas. E, como
explicam Salaverría e Negredo (2008), enquanto algumas
funções são justapostas, outras surgem, como é o caso do
editor de infografia multimídia ou o gestor de redes sociais.
Com o passar dos anos, a abordagem da convergência
amplia suas perspectivas e, como explica Larrañaga Zubi-
zarreta (2008), a perspectiva da gestão passa a ser desenvol-
vida de maneira mais pontual a partir de 2005, com Fisher
e a compreensão de que o conteúdo multimídia antecede
a convergência e reiterando a abordagem de Quinn (2005)
de que não devemos ver a cooperação como convergência.
“Chegando a esse ponto, a convergência oscila com base
em uma dicotomia que Quinn (2005) propõe abertamente:
por um lado está em jogo um modelo de negócio empre-
sarial de redução de custos com a máxima produção que
as novas tecnologias permitem”16 (LARRAÑAGA ZU-
BIZARRETA, 2008, p. 95), mas por outro essa economia
pode gerar uma queda na qualidade de produção quando se
leva ao extremo a adoção do profissional multitarefa. Como
explica Salaverría (2003), o foco principal desta dimensão
é compreender o crescimento dos meios em um determi-
nado grupo de comunicação. Além disso, observamos tam-

15. No original: “A finales de esa década [1990], Internet volvió a tras-


tocar el ecosistema mediático, con la irrupción de nuevos actores,
así como las posibilidades de documentación, actualización, narrati-
va multimedia e interactividad que aporta la red” [Tradução nossa].

16. No original: “Llegados a este punto, la convergencia oscila en base a


una dicotomía que Quinn (2005) plantea abiertamente: por un lado
está en juego un modelo de negocio empresarial de ahorro de cos-
tes con la máxima producción que las nuevas tecnologías permiten”
[Tradução nossa].

199 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


bém as estratégias adotadas pelos meios para fazer com que
as questões econômicas e editoriais não estejam em choque
e colaborem para o seu desenvolvimento.
Erdal (2007) lembra que as mudanças foram facilitadas
pelo processo de digitalização das redações. Assim, a conver-
gência em suas perspectivas tecnológica, midiática e orga-
nizacional levou a mudanças na forma como se constroem
as notícias – e como se coordenam as empresas jornalísti-
cas. Quinn “sustenta que [as perspectivas da convergência
empresarial] se centram em dois objetivos que não são ne-
cessariamente incompatíveis: melhorar a qualidade do jor-
nalismo e ajustar os pressupostos e custos de produção”17
(GARCÍA AVILÉS, CARVAJAL, 2008, p. 06).
A gestão de meios de comunicação na sociedade con-
temporânea – estejam ou não inseridos em grupos de mí-
dia – é um desafio. É preciso compreender o processo de
convergência, como apontam Salaverría e Negredo (2008),
de maneira multidimensional, considerando também as ca-
racterísticas que vão além dos meios de comunicação espe-
cificamente, mas que afetam o dia-a-dia dos sujeitos, seus
hábitos de consumo, seus valores, suas rotinas e o ambiente
de socialização em que se inserem. Cada elemento – seja
ele o aumento do consumo de informação em dispositi-
vos móveis, o crescimento da velocidade de circulação das
notícias ou a descentralização da produção de informação
– deve ser considerado ao definir ações, linguagem, po-
sicionamento, diretrizes de organização e gestão de uma
empresa jornalística. E estas diretrizes, assim como acontece
com a sociedade contemporânea, são flexíveis e mutantes,

17. No original: “sostiene que [las perspectivas de la convergencia em-


presarial] se centran en dos objetivos que no son necesariamente
incompatibles: mejorar la calidad del periodismo y ajustar los pre-
supuestos y costes de producción” [Tradução nossa].

200 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


adaptáveis e, ainda assim, devem apresentar a identidade da
empresa.

O rádio contemporâneo

A convergência está presente no cotidiano de todos.


Hoje é impossível não conviver com ela e com suas conse-
qüências. Para Jenkins (2006) trata-se de uma transforma-
ção cultural. É um contexto mais amplo, que envolve não
só a comunicação, mas o ambiente em que ela se insere, as
tecnologias presentes nele e os reflexos que elas têm nas
ações e comportamentos do homem. Os limites passam a
se diluir tanto no uso das novas ferramentas no dia-a-dia
quanto na sua utilização nas rotinas produtivas do jornalis-
mo. Como explica Rojo Villada (2006), no passado as fer-
ramentas utilizadas em rádio, televisão ou impresso diferen-
ciavam o trabalho dos jornalistas.
O jornalista, em um modelo integrado, não está mais
ligado a um suporte apenas. Sua produção deverá ser focada
no conteúdo, independente da mídia. Para García Avilés e
Carvajal (2008, p.236) a cultura da convergência é priorita-
riamente orientada pelo conteúdo ao invés de ser orientada
pela plataforma. Essa mudança corrói a relação do jornalista
com uma mídia específica e força-o a pensar na notícia
como uma matéria prima, que ele deve tratar sem conside-
rar inicialmente a forma de transmissão. Um repórter que
cobre um acontecimento para qualquer plataforma deve
ter, além de rapidez e versatilidade, capacidade de executar
diversos formatos (GARCÍA AVILES; CARVAJAL, 2008).
No rádio hipermidiático (LOPEZ, 2010), por exemplo,
embora o jornalista precise apresentar características multi-
tarefa e precise conhecer e produzir conteúdo multimídia,
como a demanda principal é por conteúdo sonoro, o jor-

201 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


nalista ainda pode se considerar um profissional de áudio
– mas não somente.Trata-se de um profissional de comuni-
cação sonora com habilidade para compreender como uma
história pode ser contada em uma nova estrutura narrativa,
que busca aprofundamento e complementação multimídia.
Como lembra Faus Belau (2001), este é um contexto de
mudanças que afeta o rádio a curto e médio prazo, e que en-
volve âmbitos tecnológicos, sociais e econômicos. Decisões
políticas e econômicas, a evolução tecnológica e sua inserção
na rotina da sociedade e, consequentemente, no dia-a-dia dos
meios de comunicação, definem a constituição deste ambiente.
E esta realidade não atinge somente o rádio. Os meios de co-
municação, a cada dia mais, precisam se inserir em um contexto
de convergência, adotem-na ou não.
As mudanças geradas por este contexto refletem-se nos
conteúdos, formas e modos do rádio, isto é, na construção
da narrativa jornalística, mudando a configuração do papel
dos meios de comunicação na sociedade contemporânea
(SALAVERRÍA; NEGREDO, 2008). A tecnologia que
afeta a produção, transmissão e consumo de conteúdo ra-
diofônico leva os jornalistas a uma nova condição: repensar
e rediscutir o radiojornalismo, seus fazeres e sua linguagem.
São processos que não podem ser considerados de maneira
isolada, e que prescindem desta relação por se afetarem mu-
tuamente. É tempo de pensar o radiojornalismo para além
de sua concepção tradicional, considerando as especificida-
des de suporte que criam uma nova estrutura narrativa para o
rádio. “O rádio deixa de ser um monomídia, que só contava
com o som, para ser de agora em diante multimídia, um uni-
verso de síntese” (MARTÍNEZ-COSTA, 2001, p. 60).
Esta alteração contextual reflete-se também no conteú-
do do rádio e do radiojornalismo. A presença em múltiplas
plataformas, como os dispositivos móveis (telefones, smar-
tphones, tablets, notebooks), e o acesso ao conteúdo através

202 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


de computadores de mesa permite aos comunicadores a
exploração de uma nova realidade narrativa para o rádio.
Essa construção complexificada permitiria atender ao que
Jenkins denomina, ao tratar do entretenimento, de narrativa
imersiva e cross-media. Mas nem todas as emissoras de rádio
têm a possibilidade – ou a intenção – de complexificar seu
conteúdo a esse ponto e várias delas preferem apoiar sua
produção em iniciativas mais modestas, mas que permitem
à audiência uma relação diferenciada com o público e o
conteúdo.
As mudanças refletem-se diretamente nas rotinas das
redações e, consequentemente, nos produtos que são ofe-
recidos ao público. O rádio multimídia, apresentado por
Martínez-Costa, apresenta agora novas possibilidades. Seu
conteúdo de antena distribuído em multiplataforma con-
templa complementações em texto, áudio, vídeo, infografia,
fotografia. A circulação da informação em espaços institu-
cionais (como site e aplicativos das emissoras) e individua-
lizados (como redes sociais) demanda dos jornalistas a com-
preensão de um novo fazer radiofônico (LOPEZ, 2012).
Como lembra Lopez (2011a), a informação de rádio con-
templa agora produções em vídeo, que permitem agir em
dois caminhos: a) aproximação com o ouvinte através de
produções colaborativas e/ou institucionais e b) ampliação
da informação, complementação e remissão da audiência
ao palco dos acontecimentos com o uso de vídeos jorna-
lísticos, fundamentalmente em formato registro. Ainda em
relação à composição de narrativas complexas e à possibili-
dade de oferta de conteúdos que possibilitem experiências
imersivas, a autora (2011b) defende o uso de infografias
como tendência no radiojornalismo, primordialmente em
relação ao conteúdo de utilidade pública e serviço.

203 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


As rádios em Porto Alegre

O rádio em Porto Alegre não é recente. As primeiras


emissoras são contemporâneas do início da radiodifusão no
Brasil. Em meados da década de 1920 os primeiros sinais
percorriam a capital gaúcha. Em 1924 mais especificamen-
te começam a ser transmitidas as ondas da Rádio Sociedade
Rio-Grandense AM. Entretanto, a falta de observação de
um potencial comercial no rádio naquele período levou
esta emissora a ter uma curta vida. Já no FM a emissora
mais antiga em funcionamento é a Rádio Cidade que está
em atividade há 33 anos (FERRARETTO, 2002).
Segundo uma pesquisa realizada por Vera Raddatz
(2011), hoje há 13 emissoras operando em amplitude mo-
dulada (AM) e 19 em freqüência modulada (FM), na capital
gaúcha. A maior parte delas são controladas por grupos em-
presariais da área de comunicação. São 68,75% do total in-
tegrando pelo menos um grupo, sendo que 12,5% perten-
cem a mais de um, como é o caso da rádio Atlântida. Com
isso, observamos que uma minoria, 18,75%, não pertencem
a nenhum grupo de comunicação. Das 32 emissoras exis-
tentes na capital, 30% são da Rede Pampa de Comunica-
ções, 26,66% do Grupo RBS de Comunicação, 10% do
Grupo Bandeirantes, 6,66% do Grupo Record, 3,33% do
Grupo Antena Uno, 3,33% da Ulbracom, 3,33% da Funda-
ção Cultural Piratini e 3,33% da Rede Sinodal.
Isso reflete uma realidade que pode ser expandida para
muitas capitais e que acaba sendo um pouco diferente
quando se pensa em rádios em cidades de pequeno porte,
que costumam ter mais iniciativas individuais de grupo e,
para minimizar as questões de produção de conteúdo, en-
tram em rede com emissoras maiores de grandes centros.
Um ponto que auxilia na compreensão do panorama da ra-
diodifusão em Porto Alegre é a integração a redes. 39,97%

204 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


das emissoras compõem ou geram sinal de redes via satélite,
como a Rádio Jovem FM, que integra a Rede Jovem Pan
Sat 2. Já a Rádio Atlântida é a matriz da Rede Atlântida. A
Rádio CBN AM faz parte da Rede CBN. A Rádio Ban-
deirantes AM integra a Rede Bandeirantes de São Paulo.
A Rádio Band News FM, faz parte da Rede Band News.
Já a Rádio Gaúcha AM é geradora da Rede Gaúcha Sat. A
Rádio Itapema FM é a matriz do da Rede Itapema. Outra
emissora que gera seu sinal para afiliadas é a Rádio Pop
Rock FM. Já a Rádio Aleluia faz parte da Rede Aleluia.
Em relação à programação, encontramos uma predo-
minância nas emissoras dedicadas principalmente à músi-
ca, representando 52,38%. O jornalismo também merece
destaque entre as rádios analisadas, contemplando 35,75%
delas com este perfil como predominante. Apenas 4,76%
das estações têm uma programação predominantemente
cultural e 7,14% delas estão voltadas à religião, opinião e
prestação de serviços.
O propósito deste estudo, entretanto é, para além de
traçar este perfil de estilo das emissoras de Porto Alegre,
compreender como elas se relacionam com as plataformas
digitais e como está se dando o processo de inserção no
contexto da convergência, a cada dia mais necessário para o
rádio. Desta forma, buscamos discutir como as ferramentas
apresentadas pelos sites das emissoras contribuem para esta
renovação do veículo.
A análise começou pela localização dos sites das rádios e
posterior análise pontual de cada um deles. Somente uma
das emissoras não está na internet. A all news CBN Por-
to Alegre aparece online através de redes sociais e do site
da cabeça de rede, em São Paulo, mas não com um site
próprio. Durante visita ao Grupo RBS, foi confirmado
por Nélio Castaman (2012), responsável, juntamente com
Michelle Raphaeli, pela editoria de digital, que a emissora

205 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


existe somente via antena e que nenhum outro tipo de
ferramenta é disponibilizado. Na ocasião da visita o estúdio
estava montado em um pequeno compartimento improvi-
sado, segundo Castaman, devido a reforma para readequa-
ção de espaços. As demais 31 emissoras estão representadas
online, com variações de complexidade entre uma página
ou outra.
Um dos elementos observados foi a adoção de ferra-
mentas multimídia na construção e apresentação do conte-
údo pelas rádios. Concluímos que ainda há uma exploração
restrita dessa potencialidade, já que 84,37% das rádios pos-
suem apenas o streaming de “ao vivo” ou “ouça aqui” nos
seus respectivos endereços. Ou seja, de um total de 32 rádios
da grande Porto Alegre, apenas 5 rádios possuem algumas
características que nos permitiram identificar a existência da
multimidialidade em seus sites, o que corresponde a 15,62%
do total. Consideramos este um número reduzido, principal-
mente ao contrapor o dado com a localização das emissoras
em grupos de comunicação, o que em teoria facilitaria o
desenvolvimento e a circulação de conteúdos multimídia.
Mesmo assim, estas 5 rádios promovem a multimidiali-
dade somente por meio da utilização e compartilhamento
de informações dentro da rede da qual fazem parte. Temos
como exemplo desse processo a rádio Guaíba que publica
no site as notícias que são veiculadas no rádio. No caso
da Guaíba especificamente, a predominância no site é de
conteúdos produzidos pelo jornal Correio do Povo, per-
tencente ao grupo, com uso de vídeos ou áudios extrema-
mente reduzido (CARLESSO, 2011). De acordo com o
editor-chefe de jornalismo, Luis Tosca (2012), o material
que é encaminhado para o site é produzido para antena e só
vai para o site depois da transmissão hertziana. Os próprios
repórteres produzem o material para o site, mas por vezes
também fazem radioescuta para construir o conteúdo para

206 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


o site. O áudio disponibilizado no site geralmente é edita-
do, sendo postada a parte avaliada como mais importante.
Quanto ao uso de fotografias e vídeos, ainda não há uma
regra de que os repórteres façam isso ao cobrirem um fato,
a decisão de fazê-lo é de livre escolha, segundo Tosca, “por
quem deseja enriquecer sua matéria”. Podemos considerar
também o exemplo do que acontece com a rádio Atlântida,
que assim como as demais rádios afiliadas da RBS, parti-
lham entre si informações, bem como o portal Click RBS.
Observa-se que na maioria dos casos a multimidialidade
é verificada juntamente com a convergência de gestão, pois
diferentes veículos conectados a uma mesma rede parti-
lham portais e conteúdos. É o que acontece no site das
rádios Gaúcha AM e FM que postam em seus portais textos
explicativos juntamente com os áudios que foram ao ar na
programação da mesma rádio. 22 emissoras da grande Porto
Alegre estão vinculadas a redes, sendo que só a Rede Pam-
pa possui 9 emissoras de rádio e a RBS 8, enquanto outras
8 rádios não fazem parte de nenhuma rede. A Rede Pampa
deve ser vista sob um olhar diferenciado. Isso porque, em-
bora pertençam ao mesmo grupo, não há integração entre
as emissoras – seja em relação ao conteúdo ou à simples
remissão entre elas. Destacamos também, ainda em relação
à Pampa, que os sites seguem o mesmo padrão, com pouca
informação, disponibilização do streaming para consumo ao
vivo da programação e falta de reflexão sobre o que pode
ser oferecido como complementação para a audiência.
Há que se destacar que o complexo não possui um che-
fe de jornalismo das rádios ou alguém responsável pelos
conteúdos dos sites. Quem responde pelo setor na empresa
é Rita Rizzieri (2012), técnica em informática com espe-
cialização em webdesigner, que está desenvolvendo novos
layouts para os sites. Rita nos informou que o conteúdo
postado nos sites é selecionado e editado pelos locutores,

207 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


que se baseiam somente em internet para recolher dados e
imagens, uma vez que as notícias são relacionadas a artistas
e cantores em geral, sem preocupação com o jornalismo
factual ou com produção de conteúdo multimídia.
Um dos recursos multimídia mais explorados pelas emis-
soras em seus sites é a memória. É o caso da rádio Antena
1, que disponibiliza downloads ou streaming para videoclips
de música, perfis de músicos famosos e músicas. O mais
comum é encontrarmos downloads de áudios que já foram
ao ar como entrevistas, notícias ou até mesmo programas
na íntegra. Entretanto, observamos que o mais comum é a
disponibilização dos áudios para consumo online, mesmo
quando definido pela própria emissora como podcast.
Ao contrário do que apresenta Lopez (2011b) como
tendência para o rádio contemporâneo, não existe utiliza-
ção de infografia em nenhuma das emissoras. O uso de ví-
deos também é um pouco restrito. Entretanto, observamos
que, de modo geral, as rádios utilizam links em seus por-
tais (explorando a hipertextualidade característica da web),
sendo que, das 32 analisadas, 21 (65,6% ) delas apresentam
a utilização de links internos, ou seja, remetem a uma ou-
tra informação, imagem, som ou vídeo, dentro do mesmo
site ou portal. Também constatamos que 12 (37,5%) rádios
possuem links externos, ou seja, remetem a outra página da
internet ou abrem uma nova janela de comunicação quan-
do acessados.
A linkagem de conteúdos reflete também a priorização
das emissoras à sua própria produção, privilegiando o es-
paço em sua própria página na internet para que o inter-
nauta continue consumindo a informação daquele portal.
65,6% dos sites possuem links internos em detrimento de
apenas 37,5% dos casos existe link externo. Ressaltamos,
entretanto, que muitos dos links internos remetem a con-
teúdos produzidos por outros meios dos grupos de comu-

208 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


nicação, como dito anteriormente, e que na maior parte
dos casos esses links não remetem a conteúdos multimídia
ou de complementação, mas priorizam texto escrito e re-
produção dos dados transmitidos em antena. Desta forma,
a hipertextualidade surge como uma forma de explorar a
internet como espaço de memória e minimização da fuga-
cidade característica do rádio.
A interatividade e a participação aparecem como carac-
terísticas potencializadas pela entrada do rádio nas plataformas
digitais.A cada dia mais ferramentas e espaços de diálogo, como
fóruns, enquetes, redes sociais, entre outros são oferecidos nas
páginas e aplicativos para dar voz a um ouvinte com perfil ativo
e participativo, o ouvinte-internauta (LOPEZ, 2010). O ques-
tionamento principal reside, inicialmente, em quais espaços
são oferecidos à audiência e, posteriormente, em quais usos as
emissoras fazem efetivamente deste conteúdo.
No presente estudo, encontramos ferramentas de diálo-
go disponibilizadas em 27 das 32 rádios. O mais utilizado
é o “fale conosco”, que na maior parte dos casos consiste
no número do telefone da rádio disponibilizado na página
ou portal. A utilização do telefone é uma forte caracterís-
tica do rádio que se mantém em tempos de comunicação
digital. Essa manutenção pode se dever, em certa medida, à
ampliação das redes de telefonia celular e fixa no país.
Os meios interativos mais usados são “Fale Conosco”
com 20,54%, “Trabalhe Conosco”, 15,06%, “Enquete” e
“Entre em Contato” com 10,95%, “Chat” com 5,47%. Es-
sas sessões são espaços onde o ouvinte pode entrar em con-
tato, mas não necessariamente propiciam uma intensifica-
ção na relação ouvinte-emissora. A enquete, muitas vezes,
surge como um avaliador de conteúdo que sugere pautas e
expressa suas preferências. Entretanto, as rádios não a repercu-
tem na sua programação fazendo com que os interesses dos
ouvintes fiquem distantes. Por essa razão é fundamental que as

209 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


rádios procurem dar voz ao ouvinte-internauta na tentativa de
criar um laço para conquistar a sua credibilidade.
Mas para isso é necessário que durante a programação
ocorra a indicação destas ferramentas existentes no site
para que o ouvinte participe. E depois é indispensável que
a estação divulgue os resultados de enquetes ou das men-
sagens deixadas pelos seus ouvintes, pois desta forma ele
estará se “vendo” na programação da emissora e voltará a
participar dos canais disponíveis de interatividade.
A disponibilização de contato via telefone, e-mail e en-
dereço postal estão respectivamente presentes nos sites das
emissoras com 35,52%, 31,57% e 27,63%. Esse número é
relativamente baixo, pois mostra que as emissoras acreditam
que o site é o suficiente para ter a interatividade mesmo que
ele não contenha informações básicas para o seu público.
A interatividade acontece também por meio das redes
sociais, tais como Orkut, Facebok, Ning etc. Apenas 13 das
rádios analisadas estão integradas nas redes sociais acima ci-
tadas e, ainda, 12 estão no Twitter. 40,62% delas fazem parte
de alguma rede social e 59,37% não pertenciam a nenhuma
no final de 2010. Observa-se que o uso de redes sociais é
menos empregado pela maioria das rádios da região de Por-
to Alegre, isso mostra que essas emissoras focam mais nos
canais de interatividade tradicionais do rádio como cartas,
telefonemas e torpedos, mantendo um público já conquis-
tado através da transmissão via antena e tendo o site da
estação apenas como uma resposta à demanda existente. O
blog é outra ferramenta utilizada pelas rádios, ao que nova-
mente se repete o número de 13 emissoras que disponibili-
zam endereços de blogs em seus portais. Estes, geralmente,
ou são de locutores, comunicadores, jornalistas, ou são de
programas, temáticos, bastidores. Observamos, entretanto,
que muitos destes blogs não são atualizados constantemen-
te, indo de encontro à sua essência de atualização e diálogo.

210 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


As emissoras cujos repórteres ou jornalistas possuem blogs,
afirmaram que a atualização dos blogs é de responsabili-
dade dos mesmos e que não há interferência da emissora
no conteúdo e forma de abordagem dada ao mesmo na
blogosfera. Das emissoras visitadas somente a rádio Guaíba
mantém um blog do grupo, que fala sobre cultura, que é
atualizado por uma repórter que segundo Tosca (2012) por
iniciativa própria e por gostar do assunto. Observa-se, na
programação, uma exploração maior dos perfis individuais
dos apresentadores dos programas, como é o caso do Su-
persábado da Gaúcha (AVRELLA, 2011), do que dos perfis
oficiais, além de uma exploração muito restrita destas co-
municações na programação em áudio e também a falta de
diálogo com a audiência nos próprios perfis do microblog.
Quanto aos blogs ou microblogs, são espaços que permi-
tem ao internauta participar, opinar, comentar sobre o con-
teúdo postado ou veiculado pelo autor do mesmo, além da
possibilidade de uma resposta rápida, tanto do autor como
de outros internautas que visitam aquele espaço. Diante dos
dados, percebemos que as emissoras estão despertando para
este modelo de interação, onde o internauta/ouvinte pode
opinar livremente e ainda utilizar o espaço da blogosfera
como lugar de diálogo e fidelização do público. Contudo, a
maioria das rádios permanece estagnada quanto a isso, ten-
do um total de 58,37% delas que não se utilizam de blogs,
ou pelo menos não o divulgam em seus portais.
O conteúdo oferecido, seja nos blogs, sites ou perfis de
redes sociais nem sempre, como dissemos, permitem o do-
wnload. Com a opção de fazer download, o ouvinte tem a
possibilidade de baixar os arquivos e colecioná-los. Este ca-
ráter colecionável antes não era característico do veículo.
A audiência, habituada a colecionar edições especiais de
revistas e jornais, tinha no rádio a possibilidade de cole-
cionar somente no caso de edições especiais de discos –

211 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


como no caso das retrospectivas anuais da Rádio Jornal do
Brasil nos anos 1960 ou ainda em CDs de seleção musical
de DJs das emissoras, comuns em rádios jovens. Entretan-
to, a programação geral da emissora nunca havia estado à
disposição do público como ocorre hoje. Esta oferta pode
tornar o ouvinte mais próximo da rádio, estreitando sua
relação com ela, pois rompe com a barreira do tempo e
espaço, uma das características básicas da internet que o rá-
dio começa a se apropriar. Agora, além da possibilidade de
consumo sob demanda, o meio passa a incorporar em suas
características elementos que antes estavam incorporados à
indústria fonográfica ou aos meios impressos, como o collec-
table. Observamos que a adaptação das emissoras na grande
Porto Alegre ainda é restrita. 59,37% delas não exploram
esta ferramenta.
Um ponto a ser destacado é a ausência, de modo geral,
de produções exclusivas para os sites das emissoras de rá-
dio da grande Porto Alegre. Considerando a ampliação do
acesso à internet via banda larga no Brasil, que tinha pre-
visão para que em 2012 fossem 73 milhões de brasileiros
com acesso à banda larga móvel no país segundo estudo da
Teleco realizado em 2011, os potenciais para exploração de
conteúdo complementar online são crescentes. Porém, as
emissoras que realizam alguma produção exclusiva no site
utilizam como suporte os vídeos que representam 11,53%
das emissoras analisadas, já as imagens correspondem a
26,92% e os áudios com 19,23% do total. Embora iden-
tifiquemos algumas iniciativas pontuais, como o programa
“Gaúcha Fora do Ar”, transmitido pelas plataformas digitais
da emissora no horário de transmissão da Voz do Brasil em
antena, de modo geral a exploração dos potenciais dessas
plataformas para ampliação e reestruturação do conteúdo
radiofônico, assim como sua integração com as emissões via
dial são muito restritas.

212 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


Os sites das rádios ainda não estão empregando o recurso
de validação e compartilhamento de conteúdo, sendo que
27 emissoras, que representam 84,37% do total, não fazem
uso desta ferramenta e apenas 15,62%, que corresponde a
cinco rádios, usam este recurso importante para o ouvinte
poder propagar e avaliar as informações da rádio divulgadas
no site. Este mesmo número aparece para a ocorrência do
número de SMS no ambiente virtual. Já newsletter não é
explorada por 78,12% das emissoras, apenas 21,87% dispo-
nibiliza este recurso para o ouvinte fazer o cadastro e rece-
ber as informações no seu e-mail. Percebe-se que ainda as
emissoras tendem a valorizar os conteúdos produzidos via
transmissão em antena, não explorando todo o potencial
que a internet oferece.
Pensar a produção das emissoras para plataformas digi-
tais não pode restringir-se aos seus sites e às redes sociais.
Com o crescimento, como indicamos anteriormente, do
acesso à banda larga móvel e o barateamento de dispositi-
vos móveis, os aplicativos precisam ser considerados como
um canal de contato e difusão de informação importante
para o rádio. A busca pelo rejuvenescimento da audiência
demanda compreender a composição de um novo perfil de
ouvinte, inserido neste contexto multimídia e multiplata-
forma. Segundo uma pesquisa divulgada pela Ipsos Mar-
plan em julho de 2011, 50% dos usuários de dispositivos
móveis buscam por mais conteúdos nos aplicativos e 49,5%
deles consideram que o que está disponível hoje não está
adequado às suas demandas. Dos entrevistados, 30,3% pos-
suem smartphone e deles 47% acessam informação através de
uma rede de banda larga 3G. Os dados revelam um perfil
de público que busca conteúdo, variedade e acessa ampla-
mente as redes sociais, procurando por informações e por
um espaço de fala. Este é o perfil do usuário que o rádio, ao
ingressar no contexto da convergência, precisa considerar

213 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


ao revisitar suas práticas e conteúdos. Assim, neste estudo
buscamos observar também como as emissoras da grande
Porto Alegre constroem e apresentam seus conteúdos em
aplicativos para dispositivos móveis.
Das 32 emissoras analisadas apenas 27,03% das AMs pos-
suem aplicativo móvel e 47,36% das FMs fazem parte desse
meio. Embora pareça uma estatística positiva para as rádios,
os usos e conteúdos ofertados nestes aplicativos revelam
uma falta de compreensão dos potenciais da ferramenta e/
ou falta de interesse em investir neste público específico.
Trabalhando com a amostragem das emissoras que possuem
aplicativos, 100% delas possuem player de streaming trans-
mitindo o mesmo conteúdo disparado via antena. Em boa
parte dos casos, este é o conteúdo apresentado ao público,
transformando um aparato essencialmente interativo e po-
tencialmente multimídia como o smartphone ou o tablet em
uma revisão do tradicional radinho de pilha. O fato de as
emissoras ignorarem esse potencial interativo e o perfil de
seu público revela-se em mais um dado: somente a Guaí-
ba, Gaúcha, Atlântida e Itapema possuem a atualização do
twitter representando 17,39% do total das emissoras. Sendo
que o aplicativo da Atlântida, Gaúcha e Itapema permite o
compartilhamento da informação por essa rede social.
Observamos, assim como acontece em alguns sites, a
padronização do conteúdo dos aplicativos por grupo de
comunicação. No caso das rádios do Grupo RBS, elas têm
em comum os seguintes elementos: streaming e informa-
ção do programa que está sendo veiculado na programação.
As rádios do grupo que fazem parte deste contexto são:
Gaúcha, Atlântida e Itapema. O aplicativo da rádio Gaúcha
possuiu conteúdos de áudio onde é possível ouvir comen-
tários, entrevistas e programas, porém não tem a opção para
baixar o conteúdo. Outro recurso disponível no aplicativo
da emissora são os vídeos complementares a programação,

214 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


onde os apresentadores e colunistas realizam projeções es-
pecificamente sobre o futebol. Além disso, a versão mobile
oferece também as tabelas e classificações dos campeonatos
de futebol.
Já o aplicativo da Rede Pampa tem um formato que
oferece ao ouvinte mais recursos, como: streaming, opção
para indicar para um amigo, contato com a emissora, infor-
mações da empresa que desenvolveu, além disso, ainda tem
um botão para ouvir as outras rádios pertencentes à rede.
Ainda que ofereça mais possibilidades ao público, também
não se observa espaços de complementação ou ampliação
do conteúdo, mas sim uma reprodutibilidade do conteúdo
transmitido em antena, mantendo as características essen-
ciais do rádio que são minimizadas na internet, como a
linearidade na transmissão da informação.
O aplicativo da Band News está vinculado ao do “Band
Rádios” que possui todas as emissoras do Grupo Bandei-
rantes, nele o usuário só tem a sua disposição o player de
streaming ao vivo, revelando mais uma vez apresentação do
aplicativo como uma versão renovada (em forma, não em
conteúdo) do tradicional radinho de pilha.
Observamos que as estações não estão “preocupadas”
com a geração de conteúdos adicionais na interface do
aplicativo, dispondo na maioria dos casos apenas o que é
transmitido ao vivo via streaming, sem apresentar outros
recursos sonoros como, por exemplo, o uso de podcast ou
até mesmo de uma produção especifica de conteúdos em
áudio para o usuário de dispositivos móveis. Desta forma,
deslocam-se da realidade mutante do rádio em contexto de
convergência e reiteram o erro de fazer usos instrumentais
das ferramentas oferecidas simplesmente para cumprirem
com uma exigência velada existente no mercado, que dita
que a simples presença nestes espaços é representativa de
atualização, ainda que não se reflita sobre o conteúdo pro-

215 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


duzido e suas consequências para o rádio e sua configura-
ção como meio de comunicação.
A responsável pelo gerenciamento e produção de con-
teúdo do site das emissoras que integram a Rede Pampa de
comunicação comentou que estão em fase atualização das
páginas, entretanto ainda seguem uma padronização não
havendo uma identidade para cada emissora (RIZZIERI,
2012). Segundo a profissional o site consta com notícias
musicais apenas. Não existe uma produção própria de con-
teúdos noticiosos e são apenas editadas matérias retiradas
da internet. Quanto há complementação ainda não se tem
uma estratégia para produzir conteúdos específicos. O site
ainda possui integração com redes sociais, que são geren-
ciados pelos comunicadores e estagiários. Entretanto, res-
salta que não há obrigatoriedade dos comunicadores terem
um blog. Quanto ao aplicativo móvel existe uma empresa
contratada que realiza o serviço de manutenção e geren-
ciamento.
Na rádio Guaíba o editor de conteúdo do site, Luis Tos-
ca (2012) comentou que os arquivos de áudios dos pro-
gramas, entrevistas e matérias que são disponibilizados no
site são todos editados, deixando apenas o que interessa na
publicação. Ele ressaltou que a edição é realizada pelos pró-
prios jornalistas. Entretanto todo o conteúdo enviado pe-
los repórteres passam pela revisão da chefe de reportagem
e do editor de conteúdo do site, que fazem uma triagem
do material, corrigindo ou acrescentando informações. O
programa usado para publicação de conteúdo na página da
emissora foi desenvolvido pela Rede Record, sendo um
modelo padrão de publicação com titulo, subtítulo, o texto
o nome da pessoa responsável e também o arquivo sonoro.
Tosca (2012) ressalta que no site são prioridade tanto o
texto como o áudio, entretanto o áudio ainda é visto como
fundamental para a pessoa ouvir o que realmente a fonte

216 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


disse a respeito de um determinado assunto. Ressaltamos,
entretanto, que ao analisar o site não se constata essa prio-
rização do áudio, mas ao contrário, uma predominância de
conteúdos em texto, principalmente produzidos pelo jor-
nal Correio do Povo.
Uma questão importante, porém, é que não existe a pos-
sibilidade do internauta baixar o áudio devido ao formato.
Caso o ouvinte queira baixar e guardar o áudio é necessá-
rio entrar em contato com emissora para adquirir. Outro
ponto que o editor do site releva é a prioridade para a ante-
na. Isto é, o site nunca “fura” a transmissão hertziana. Assim,
a postagem é realizada depois da divulgação do conteúdo
na programação, quando o material também é replicado no
twitter oficial, que a emissora usa também como um meio
de obtenção de informações pelos seguidores. Tanto o site
como também a antena mencionam o aplicativo da emis-
sora para dispositivos móveis. Nele, observamos que existe
a possibilidade de incrementação de novas ferramentas, po-
rém, de acordo com o editor, a prioridade da rádio é levar a
informação na ponta da antena, o que coloca os aplicativos
em segundo plano. Este aplicativo é desenvolvido por um
programador responsável, não existindo um diálogo sobre
as necessidades do departamento de jornalismo para esta
plataforma.
Na Itapema, o responsável pelo gerenciamento de con-
teúdo do site Danilo Fantinel (2012) pensa a publicação
jornalística no site da emissora como um meio de com-
plementação, utilizando na medida do possível áudio, ví-
deo, imagem e formas de interação com o público leitor.
O conteúdo é sempre planejado com uma carga midiática
muito forte segundo o responsável, sendo que o que é vei-
culado no site também se reflete na grade de programação
da rádio Itapema, por meio de inserções de chamadas e
locuções ao vivo das notícias que estão no ambiente online.

217 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


Isso pode ser verificado através de uma breve análise do site.
De acordo com Fantinel (2012), o site da rádio está em fase
de reformulação em breve será lançando um novo, priori-
zando a integração com a programação disparada via ante-
na. É perceptível que o público do site, do aplicativo e da
antena são vistos como diferentes. No site, observa-se uma
expansão da rádio com outras informações, como jornalis-
mo musical que não tocam na programação da rádio, mas
são contemplados na página. O carro chefe do aplicativo
para dispositivos móveis da estação é o sinal ao vivo. En-
tretanto ele possui notícias, blogs e uma série de conteúdos
complementares oferecidos. No site é explorada a memória
apenas nos programas de final de semana, porém quando
há participação de algum artista na emissora a entrevista é
disponibilizada no site, com outras complementações como
vídeo e imagens. O aplicativo da emissora é mencionado
também na grade de programação da emissora e site.
Todas as emissoras visitadas têm os aplicativos desenvol-
vidos por um terceiro ou empresas contratadas. Além disso, de
modo geral não há jornalistas envolvidos com a produção de
conteúdo específico. O comando fica a cargo de um departa-
mento de tecnologia, que não é integrado com a redação. En-
tão o conteúdo que vai para o aplicativo é por uma espécie de
comando automático, que reproduz o que foi postado nas redes
sociais ou site, não apresentando uma reflexão sobre a compo-
sição de um conteúdo multiplataforma e multimídia que fale a
um público específico nestas rádios.

Considerações Finais

O cenário contemporâneo da convergência e as mudan-


ças que isso implica na relação dos sujeitos com os dispo-
sitivos tecnológicos e com os fenômenos comunicacionais

218 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


de uma maneira geral afetam diretamente o rádio e o fazer
jornalístico neste veículo. Acreditamos, a partir do deba-
te sobre as perspectivas do meio, em uma atualização que
envolve não só a entrada em novos espaços, mas a recon-
figuração do rádio, com a reflexão sobre novos formatos,
gêneros e rotinas profissionais.
Esta realidade reflete-se nos meios de maneira geral. Obser-
vamos, a cada dia, uma predominância de grupos de comuni-
cação – realidade que se reflete no cenário das emissoras radio-
fônicas de Porto Alegre. Isso permite o redimensionamento do
processo de construção do conteúdo a ser transmitido por essas
emissoras, pensando em uma identidade de marca e não de
suporte, compreendendo produções colaborativas geridas pelo
conteúdo e pelas potencialidades do acontecimento.
Ao traçarmos um panorama das rádios de Porto Alegre
e sua adequação às mudanças demandadas pelo contexto da
convergência, observamos que existe sim uma preocupação
em ocupar os espaços oferecidos pelas plataformas digitais,
mas ainda falta uma compreensão do que isso implica tanto
para as emissoras quanto para a configuração do rádio em
si. A maior parte das rádios apresenta conteúdo multiplata-
forma, mas de maneira meramente instrumental. Os sites e
aplicativos para dispositivos móveis funcionam mais como
repositórios do que como espaços de complementação ou
ampliação de conteúdos – tendência do rádio contemporâ-
neo. O investimento em novos gêneros e formatos é míni-
mo, assim como a reflexão sobre uma narrativa multimídia
complexificada e cross media também inexiste.
Algumas iniciativas se destacam, como é o caso da Rá-
dio Gaúcha, que alterou sua estrutura profissional, com a
inserção de comunicadores que atuam especificamente no
desenvolvimento de conteúdos para plataformas digitais,
e traz também iniciativas de produção exclusiva, como o
programa Fora do Ar. Destacamos também a rádio Itapema,

219 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


que produz conteúdos específicos para o site, ainda que de
forma modesta, e investe na construção de informação para
perfis de público diferenciados para o site, o aplicativo para
dispositivos móveis e a transmissão em antena. Mesmo que se
trate de mudanças iniciais, ainda modestas, acreditamos que es-
tas duas emissoras podem ser apresentadas como exemplos de
iniciativas que revelam uma preocupação com a necessidade de
repensar o rádio e seu conteúdo. Infelizmente, ainda se trata de
iniciativas pontuais, que não revelam um quadro generalizado
no rádio ou no radiojornalismo gaúcho.
De maneira mais ampla, as emissoras analisadas estão
deslocadas do processo de convergência, embora revelem
em suas iniciativas o conhecimento da necessidade de agir e
ocupar novos espaços.As rádios estão nas redes sociais, possuem
aplicativos para dispositivos móveis, fortalecem a transmissão
em antena e apresentam sites próprios. Entretanto, essa presença
em múltiplos espaços não se reflete necessariamente em uma
reconfiguração das práticas profissionais ou em uma revisão do
fazer radiofônico e dos conteúdos e formas apresentados aos
ouvintes. Percebe-se, a partir das análises dos produtos finais e
das entrevistas realizadas, que os comunicadores ainda vêm o
rádio como o viam em tecnologia analógica. E esta estagnação,
acreditamos, precisa ser superada e substituída por iniciativas
institucionais – e não somente individuais dos jornalistas – que
promovam a reflexão sobre quais as perspectivas do meio em
relação ao seu conteúdo, sua gestão e suas práticas profissionais.

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224 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


9.
Novos modelos de negócios
radiofônicos: uma análise das
estratégias mercadológicas
na webradio1
Nair Prata2
Henrique Cordeiro Martins3
Universidade Federal de Ouro Preto e
Universidade FUMEC

Na abertura do livro La radio en la convergencia multime-


dia, Mariano Cebrián Herreros (2001) aponta que o futuro
do rádio passa pela análise de seis variantes: 1. A evolução

1. A coleta de dados da pesquisa deste trabalho foi realizada no âmbito


do projeto de iniciação científica “Webradio: gêneros, interação e busi-
ness”, tendo como bolsista do CNPq Leandro Miranda de Sena e como
voluntários Marcela dos Santos Servano, Maysa Teixeira Souza, Nicole
Alves Camilo e Paula Peçanha de Oliveira, todos alunos do curso de
Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).

2. Jornalista, doutora em Linguística Aplicada (UFMG), professora adjunta


da UFOP, diretora administrativa da Associação Brasileira dos Pesquisa-
dores de História da Mídia (Alcar) e coordenadora do Grupo de Pes-
quisa Rádio e Mídia Sonora da Intercom. nairprata@uol.com.br

3. Administrador, doutor em Administração (UFMG), professor do


programa de Mestrado e Doutorado da Universidade FUMEC. hc-
martin@ig.com.br

225 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


da inovação técnica dos meios de comunicação; 2. A evo-
lução da inovação técnica do próprio rádio; 3. As influências
político-ideológicas que envolvem a radiofonia; 4. A situação
econômica (publicidade, aquisições, negócios e fusões); 5. O
comportamento social do público e 6. O rádio como o grande
meio para acompanhar os acontecimentos da atualidade.
O rádio hertziano pode ser um negócio lucrativo e o
Brasil tem muitos exemplos que demonstram isso. Mas so-
bre a radiofonia na internet, especificamente a webradio,
ainda não há muitas pesquisas que demonstrem o seu po-
tencial de negócio. Por isso, neste trabalho, a opção é por
uma dessas variantes, a situação econômica, com foco nos
novos modelos de business que se apresentam para a radio-
fonia a partir do advento das transmissões via internet. Mas
como se configuram os novos modelos de negócios na we-
bradio, de forma a garantir a sustentabilidade financeira das
empresas radiofônicas?
Nesse sentido, o objetivo geral desse artigo é examinar
os novos modelos de negócios radiofônicos, a partir da aná-
lise dos 4Ps e dos 4Cs do marketing aplicados à webradio.
Os 4Ps – produto, promoção, preço e praça - fundamen-
tam a estratégia mercadológica das empresas, na medida em
que identificam para a organização como promover o seu
produto, como conquistar o cliente, como fazer uma pu-
blicidade criativa, as condições de pagamento pelo cliente
e onde investir no local de vendas. Já os 4Cs – clientes, custo,
conveniência, comunicação – surgiram a partir da evolução da
teoria do marketing e, na prática, se relacionam diretamente
com o público-alvo. Ao se analisar os 4Cs, a empresa verifica as
necessidades que os clientes têm, quais as competências e habi-
lidades possui para atender a esses clientes, como a concorrên-
cia compete entre si e quais os fatores externos podem ajudar
ou atrapalhar a sua competitividade (KOTLER, GARY, 2003;
KOTLER, 1995; KOTLER, FOX, 1994).

226 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


Se de um lado, para entender a configuração dos negó-
cios da radiofonia na web é necessária a compreensão dos
aspectos mercadológicos desse business, de outro lado se faz
importante traçar, brevemente, o cenário do rádio brasi-
leiro. O país tem 4.0894 emissoras e está presente em 91%
dos domicílios. O público escuta mais rádio5, seja AM ou
FM, durante a semana, principalmente de casa (82%), con-
tra 18% no automóvel e 17% no trabalho. O tempo médio
diário de escuta é de duas horas e quinze minutos. Mais
da metade da população declara ouvir rádio diariamente
(52%) e, para eles, o meio é muito mais fonte de informa-
ção (60%) do que de entretenimento (31%). As mais de
quatro mil emissoras de rádio brasileiras têm faturamento
médio anual de cerca de R$ 433 mil, com receita mensal
em torno de R$ 36 mil, segundo estudo publicado pela
Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão
(Abert), que reconhece as dificuldades para se chegar a nú-
meros menos aproximados e mais próximos do real6.
Já na internet o cenário ainda não é tão claro. Uma bus-
ca em www.radios.com.br aponta que existem no Brasil, a
partir do portal, 2.226 webradios7 de 65 diferentes gêne-
ros: Adulta, Alternativa, Blues, Bossa Nova, Brega, Católica,

4. Disponível em http://midiadados.digitalpages.com.br/home.
aspx?edicao=4. Data de acesso: 02/08/2012.

5. Disponível em http://www.ibope.com.br/calandraWeb/servlet/
CalandraRedirect?temp=5&proj=PortalIBOPE&pub=T&db=cal
db&comp=IBOPE+Media&docid=269E9271CCDA5A0E83257
8B6005BAB3B. Data de acesso: 03/08/2012.

6. Disponível em http://www.abert.org.br/site/images/stories/pdf/
resultado/Tudooquevoceprecisasabersobreradioetelevisao.pdf. Data
de acesso: 31/07/2012.

7. Data de acesso: 01/08/2012.

227 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


CHR, Christian Contemporany, Christian Rock, Classic
Hits, Classic Rock, Comedy Show, Comunitária, Country,
Dance, Eclética, Esportes, Étnica, Financial-Business, Flash-
back, Folclore, Forró, Funk Carioca, Futebol, Gauchesca,
Gospel-Evangélica, Hip-Hop, Hits, Indian Music, Infan-
til, Instrumental, Jazz, Jornalismo, Latin Hits, MPB, Multi
Cultural, New Age, Nostalgia, Oldies, Pop Português, Pop-
-Rock, Popular, Programação Asiática, Programação Ita-
liana, Punk, R&B, Reggae, Religiosa, Rock, Rock’n’Roll,
Românticas, Samba-Pagode, Sertaneja, Smooth Jazz, Soft
Rock, Soul, Talk News, Techno, Top 40, Trance, Tropi-
cal, Underground Music, Urban Contemporany, Variety e
World Music.
Já a audiência do rádio na internet é aferida, não por
meio de pesquisas junto ao usuário, mas pela contagem do
número de acessos. É muito difícil definir, com precisão,
quantas e quais são as webradios brasileiras mais populares
da rede, já que não há um órgão centralizador da aferição,
como é o caso do Ibope nas emissoras hertzianas. Uma
pesquisa realizada pelo Grupo de Profissionais de Rádio
(GPR)8 dá uma ideia de como é a audiência do rádio na
internet. À pergunta “Você ouve rádio na internet?”, 82%
dos respondentes disseram sim; “O que você busca nos ca-
nais de rádio na internet?”: 83% - ouvir a programação de
rádio que está no ar; “A rádio que costuma ouvir mais na
internet existe”: 42% (na internet e no FM), 35% (na inter-
net, no FM e no AM) e 8% (apenas na internet);“Com qual
frequência você ouve arquivos de áudio ou programas ao
vivo de rádio via internet?”: 43% - diariamente; “Quando
você ouve rádio via internet, quanto tempo costuma per-

8. Disponível em http://www.gpradio.com.br/con-area.aspx?id=3.
Data de acesso: 31/07/2012.

228 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


manecer ligado na programação (por dia)?”: 41% - muito
mais de uma hora.

O rádio como negócio

A Constituição brasileira define que os serviços de ra-


diodifusão têm por fundamento filosófico a finalidade edu-
cativa e cultural, a promoção da cultura nacional e regio-
nal e o estímulo à produção independente que objetive sua
divulgação, a regionalização da produção cultural, artística e
jornalística e o respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e
da família. No entanto, permite a exploração comercial des-
ses serviços, na medida em que não prejudique os interesses
e finalidades para os quais foram criados. Dessa forma, a ou-
torga para a prestação dos serviços de radiodifusão hertziana
é conferida em caráter comunitário, educativo ou comercial.
A radiodifusão comunitária só pode ser explorada por
fundações ou associações comunitárias sem fins lucrativos,
sendo que a área de cobertura da estação tem que aten-
der, apenas, a determinada comunidade de um bairro e/ou
vila. Já o serviço educativo pode ser explorado pela União;
Estados, Territórios e Municípios; Universidades brasilei-
ras e fundações constituídas no Brasil cujos estatutos não
contrariem o Código Brasileiro de Telecomunicações. A
radiodifusão educativa “não tem caráter comercial, sendo
vedada a transmissão de qualquer propaganda, direta ou in-
diretamente, bem como o patrocínio dos programas trans-
mitidos, mesmo que nenhuma propaganda seja feita através
dos mesmos” (Parágrafo único do Art. 13 do Decreto-lei nº
236, de 1967).
Já a outorga para a exploração comercial da radiodifusão
depende de procedimento de licitação e podem executá-la
a União; os Estados, Territórios e Municípios; as Universi-

229 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


dades brasileiras; as fundações constituídas no Brasil cujos
estatutos não contrariem o Código Brasileiro de Teleco-
municações; as sociedades nacionais por ações nominativas
ou por cotas de responsabilidade limitada, desde que subs-
critas, as ações ou cotas, por brasileiros natos.
Conforme discutido em Prata (2009), podemos apontar
a existência de três modelos de rádio: 1. Emissoras hert-
zianas (com transmissão analógica ou digital); 2. Emissoras
hertzianas com presença na internet e 3. Emissoras com
presença exclusiva na internet, as webradios.
Tem-se, então, a regulação governamental para apenas
um único modelo de rádio, o hertziano e a legislação é
clara quanto à sua exploração comercial, mas ainda não há
qualquer normalização quanto ao negócio rádio na inter-
net, nas formas em que ele se manifesta.
O rádio hertziano como negócio foi instaurado oficial-
mente na década de 1930, conforme apontado em Prata e
Martins (2012). Aos poucos, a introdução de mensagens
comerciais deu lugar ao modelo educativo e cultural que
se pensava até então, impactando a sociedade de forma de-
finitiva. Miranda (s/d) explica que, naquela época, o jorna-
lismo impresso, ainda erudito, tinha apenas relativa eficácia,
pois a grande maioria da população era analfabeta. Assim,
“o rádio comercial e a popularização do veículo implica-
ram a criação de um elo entre o indivíduo e a coletividade,
mostrando-se capaz não apenas de vender produtos e ditar
modas, como também de mobilizar massas, levando-as a
uma participação ativa na vida nacional” (p. 72).
Segundo Vampré (1979), a Rádio Clube do Brasil foi
a primeira emissora brasileira que recebeu autorização do
governo para a veiculação de anúncios. Reis (2004) divide
a história da publicidade radiofônica no Brasil em quatro
períodos: 1) a descoberta dos formatos de anúncio, de 1922
a 1930; 2) a expansão e consolidação dos investimentos, de

230 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


1930 a 1960; 3) as mudanças ante a presença da televisão,
de 1960 a 1980 e 4) a transição para um novo modelo de
mercado, a partir de 1980. Segundo o autor, “estas etapas e
suas transformações estão vinculadas a aspectos tecnológi-
cos, jurídicos e econômicos que protagonizam o rádio, a
publicidade e o próprio país” (p. 2).
Esse novo modelo de mercado apontado por Vampré
(1979) é que suscita grandes dúvidas por parte tanto dos
radiodifusores e dos produtores, quanto do público, já que
ainda não foram definidos os modelos de business que con-
figurem a radiofonia digital como um negócio rentável.
Cebrián Herreros (2008) afirma que uma questão im-
portante a ser discutida diz respeito ao valor econômico
gerado por essas novas modalidades radiofônicas dentro do
contexto dos negócios do ciberjornalismo e de outras va-
riedades de financiamento de conteúdos digitais. “As emis-
soras, no momento, não o enxergam como um novo ne-
gócio, mas sim como um atrativo para os seus seguidores, o
que, indiretamente, redundará em beneficio econômico ao
incrementar a audiência” (p. 274).
O autor destaca que a audiência do rádio na internet é
fragmentada e não há um público de milhões de cada vez,
como acontece no rádio hertziano. “Não há praticamente
uma coincidência de algumas centenas de ouvintes e até
mesmo pode haver momentos em que não há um único
ouvinte ao longo de uma programação pré-definida. Por-
tanto, é cada vez mais difícil estabelecer audiência de nicho
específico” (p. 275).
Cebrián Herreros (2008) lembra, ainda, que o rádio na
internet experimenta novas modalidades de publicidade,
mas que esta deve ter qualidade de imagem e de áudio e
também capacidade interativa. O autor destaca os formatos
mais experimentados atualmente: banners publicitários nos
sites, links patrocinados, anúncios interativos e prêmios (in-

231 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


clusão de um código nas embalagens dos produtos, o que
incentiva o acesso a sorteios).
Ferraretto (2012) aponta três cenários para a viabilização
econômica dos empreendimentos radiofônicos na internet:
crise, estabilização e reestruturação, com “uma mudança de
estratégias mercadológicas, explorando as possibilidades da
rede e das tecnologias a ela relacionadas” (p. 213-214).
Chegamos, assim, à pergunta-chave deste trabalho: como
se configuram os novos modelos de negócios na webradio,
de forma a garantir a sustentabilidade financeira das em-
presas radiofônicas? Em palestra realizada no Recife, nas
comemorações dos 20 anos do Grupo de Pesquisa Rádio
e Mídia Sonora da Intercom, Cebrián Herreros (2012)
explicou que o maior obstáculo para o desenvolvimento
desse novo modelo de rádio é não conseguir ser um negó-
cio rentável. O professor apontou que os caminhos que têm
sido percorridos até agora não são suficientes para a viabiliza-
ção do negócio: migração de parte da publicidade dos meios
tradicionais para a internet, patrocínios para ofertas associadas a
determinados produtos publicitários, novos desenvolvimentos
para o financiamento mediante publicidade on-line em suas
diversas manifestações, iniciativas de merchandising e de vendas
on-line dentro da página da emissora ou grupo multimídia a
que a emissora pertença. Mas lembrou que os principais êxitos
econômicos estão nas mãos das empresas que não trabalham
com a produção, mas sim como intermediários da distribuição
de conteúdos sonoros, especialmente musicais.

Negócios na internet

O conceito da Cauda Longa, descrito por Chris Ander-


son (2006), pode ser utilizado nestas reflexões sobre a viabi-
lidade financeira das empresas de radiofonia na internet. Se-

232 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


gundo o autor, com a nova dinâmica do marketing, ao invés
de vender poucos produtos muito populares, as empresas
hoje obtém um lucro significativo ao comercializar mui-
tos produtos, para muitas pessoas. No caso da radiodifusão,
Anderson (2006) explica que nas décadas de 1950 e 1960,
era seguro supor que quase todas as pessoas no trabalho
tinham visto a mesma programação na noite anterior. Hoje
essa situação é improvável, devido à grande quantidade de
opções, com incontáveis pequenos hits midiáticos que atra-
em a atenção do público. Segundo o autor, “o conceito
de hit é substituído pelo de micro hit. Em lugar da estrela
solitária, surge um enxame de micro-estrelas, e um número
minúsculo de elites de mercados de massa converte-se em
número ilimitado de demi-elites ou quase-elites” (p. 198).
Assim, com a multiplicação da quantidade de hits, cada um
deles tem o seu público, mas em número menor.
No campo da música – uma das matérias-primas da ra-
diofonia - Anderson (2006) lembra que, em 1950, o rádio
era a mais poderosa máquina de produção de sucessos que
o mundo já conhecera. O momento de veiculação das dez
melhores músicas era sempre um dos mais esperados pelo
público; hoje, no entanto, cada pessoa cria a sua própria
lista, com base nos seus próprios padrões de escuta e pre-
ferência, por mais estreitos que sejam. É o formato da cauda
longa, onde se tem uma hiper segmentação da audiência por
causa da grande oferta de conteúdo presente na radiofonia
presente na internet. Na webradio brasileira, os 65 gêneros
diferentes presentes nas emissoras do portal Rádios exempli-
ficam bem essa hipersegmentação, com um número ilimi-
tado de micro hits para todos os gostos e todos os públicos.
O número total de brasileiros com acesso à internet em
qualquer ambiente (trabalho, casa, lan house, etc.) chegou
a 82,4 milhões no primeiro trimestre de 2012, um cresci-

233 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


mento de 3% em relação ao trimestre anterior9. Isso signi-
fica que, a cada dia, é maior o público potencial para todo
tipo de business na rede, inclusive, é claro, na radiofonia.
A internet registrou o maior crescimento percentual
no total de investimentos publicitários no país, no período
de janeiro a junho de 201210. A TV continua em primei-
ro lugar no montante de recursos: no período citado, dos
R$ 43,8 bilhões destinados a propaganda no Brasil, R$ 24
bilhões foram gastos em campanhas televisivas, de acordo
com o Ibope. A internet aparece em quinto lugar, manten-
do a fatia de 6% já conquistada no primeiro semestre de
2011. O rádio ocupa hoje o sexto lugar no total dos inves-
timentos em publicidade no país. Embora a maior partici-
pação seja da TV, foram o rádio e a internet os meios que
registraram os maiores crescimentos percentuais, de 25% e
18%, respectivamente.
Pesquisa11 do Instituto Ipsos traça um mapa de expo-
sição dos meios on e off-line na população. O estudo de-
monstra que as novas plataformas de mídia para rádio têm
mais afinidade com as classes mais altas e a população mais
jovem, ao contrário das plataformas convencionais, con-
forme figura a seguir. Esses dados certamente impactam o
cenário de negócios que se desenha da radiofonia da rede,

9. Disponível em http://www.ibope.com.br/calandraWeb/servlet/
CalandraRedirect?temp=5&proj=PortalIBOPE&pub=T&db=cal
db&comp=Not%EDcias&docid=DDA7A78D9195CE3483257A
1A006507C0. Data de acesso: 02/08/2012.

10.
Disponível em http://exame.abril.com.br/marketing/noticias/
internet-e-radio-sao-campeoes-de-crescimento-publicitario. Data
de acesso: 01/08/2012.

11. Disponível em http://www.gpradio.com.br/images/1/chamada/


documentos/Tendencias_Ipsos_27_Nov_2008.pdf. Data de acesso:
02/08/2012.

234 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


bastando apenas que as webradios sigam um modelo de
gestão que lhes dê a necessária sustentabilidade empresarial
e financeira.

Fonte: Tendências Ipsos

235 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


Os 4Ps e os 4Cs do marketing

Vários são os modelos de gestão que podem ser seguidos


pelas empresas de forma a garantir-lhes a sustentabilidade
financeira e o principal deles é chamado “composto de ma-
rketing”, definido por Kotler (2000) como “o conjunto de
ferramentas que a empresa usa para atingir seus objetivos
de marketing no mercado alvo” (p. 32). O composto pode
ser considerado a  base para a operacionalização das ações
estratégicas de qualquer empresa, e o caso das webradios
não é diferente. Quatro grandes grupos de atividades re-
presentam as ferramentas do composto, que são chamados
de 4Ps: produto, preço, promoção e praça (MCDONALD;
CHRISTOPHER; KNOX; PAYNE, 2001).
O produto “é algo que pode ser oferecido a um merca-
do para satisfazer uma necessidade ou desejo” (KOTLER,
2000, p. 416) e pode ser tangí­vel e intangí­vel (como os ser-
viços) para organizações e para consumidores, atendendo a
todas as necessidades existentes e criando outras. O princi-
pal produto oferecido ao público pelas emissoras de rádio
é a programação gratuita, mas na internet essa ferramenta
mercadológica ganha outras dimensões, como a variada
oferta de cursos e gravação de comerciais, além da venda
de artigos diversos como camisetas, ingressos para shows e
até eletroeletrônicos.
O preço de um produto, em qualquer empresa, deve
ser definido a partir dos seguintes pressupostos: objetivos,
custos, demanda e concorrência. A natureza da transmissão
radiofônica é a gratuidade, mas há algumas exceções, como
o rádio por assinatura12.Também na internet as transmissões

12. A empresa De Pieri Comunicação lançou, em agosto/2012, a pri-


meira e única rádio por assinatura do Brasil, que transmite por um
sistema próprio ponto a ponto, permitindo a conexão de qualquer

236 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


são gratuitas, os preços a serem fixados dizem respeito, en-
tão, à publicidade e às novas opções oferecidas pelas emis-
sões digitais (BERRY; PARASURAMAN, 2001).
A promoção é uma ampla categoria que engloba a pro-
paganda, relações públicas, trade, promoção de vendas e
todas as demais atividades relacionadas. Na webradio essa
ferramenta se torna bastante complexa se for considerada a
capacidade universal da internet mas, por outro lado, pode
ser bastante eficaz e de baixo custo se a rede for utilizada
com competência, com foco num segmento específico de
público (BRETZKE, 2000; STONE, 1998).
A praça radiofônica é sempre delimitada pelo seu alcance
de transmissão, mas a webradio não tem fronteira, pois atinge o
mundo todo, sem distinção. Nesse caso, ao invés de um espaço
geográfico, poderíamos chamar de praça, ou ponto de venda, o
próprio site da emissora com todas as suas páginas.
Mas além desse modelo estratégico, há uma evolução
dele, denominado de 4Cs, uma contrapartida com relação
aos produtos oferecidos por uma empresa, mas desta vez na
visão do cliente. Os 4 Cs são: cliente, custo, conveniência e
comunicação (KOTLER, 1999).
O cliente na radiofonia é o público, também chamado
de ouvinte. Já na webradio, o público é o usuário, já que,
além de ouvir, tem uma postura mais ativa do ponto de vis-
ta interacional. O produto, isto é, a programação e todas as
novas ofertas presentes em meio digital devem ser pensadas
em função desse usuário, cada vez mais segmentado, con-
forme já foi apontado (LEVITT, 1983; KOTLER, 1999).

lugar, e que dispensa o sinal de satélites ou antenas. A ideia é ofere-


cer programação diferenciada para o público formador de opinião.
http://portalimprensa.uol.com.br/noticias/brasil/52316/empres+
lanca+primeira+radio+por+assinatura+do+brasil
Data de acesso: 04/08/2012.

237 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


O custo deve ser calculado a partir da premissa de quan-
to o usuário está disposto a pagar pelo produto. Além disso,
é importante lembrar que, do ponto de vista do cliente, o
preço não é função de custo e sim de valor e isso é válido
em todas as empresas, inclusive as radiofônicas, hertzianas
ou digitais (GORDON, 1999; STONE, 1998).
A conveniência significa a adaptação da empresa à necessi-
dade do cliente, opondo-se à visão apenas de máxima eficiên-
cia empresarial. Na webradio, essa ferramenta passa pela usabili-
dade do site, que deve ter navegabilidade confortável e intuitiva,
acesso irrestrito a todas as páginas e informações detalhadas so-
bre as práticas e procedimentos da emissora (KOTLER; AR-
MSTRONG; SAUNDERS.;WONG, 2001).
A comunicação é a ferramenta que faz a via de mão du-
pla da empresa com o seu cliente. A radiofonia, inicialmente,
usava a carta do ouvinte como ponte com o público. Depois,
essa interação passou a feita pelo telefone, mais recentemente
pelo e-mail e, nos últimos tempos, toda uma gama de recur-
sos, como as redes sociais, promoveram um deslocamento na
lógica midiática, estava centrada no pólo da emissão, para o
pólo da experimentação, onde quem importa é o usuário.
Sem o usuário não se produz mais comunicação.

Negócios radiofônicos: análise dos 4Ps e dos 4Cs do


marketing aplicados à webradio

A pesquisa realizada foi de natureza qualitativa, do tipo des-


critiva. Para tanto, foram coletados modelos de negócios reali-
zados pelas dez webradios mais acessadas do país. Uma vez co-
letados, esses modelos de negócios utilizados pelas webradios
foram analisados a partir dos 4Ps e dos 4Cs do marketing, com
o intuito de especificar melhor as possibilidades de estratégias de
business que podem e poderão ser utilidades pelas rádios na web.

238 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


O corpus da pesquisa deste trabalho foi formado pelas
seguintes webradios, apontadas pelo portal http://www.ra-
dios.com.br como as mais acessadas do país13:

1. Estação Pop (http://www.estacaopop.net): conta com uma


equipe de cinco profissionais que se revezam na con-
dução dos oito programas fixos gênero pop, com a forte
presença do público jovem no número de acessos. En-
tre as seções do site, destaca-se a editoria “Promoções”
que oferece descontos em serviços e prêmios.
2. Sertanejo Total (http://www.radiosertanejototal.com): criada
em fevereiro de 2011, em menos de um ano chegou à
segunda maior audiência em webradios brasileiras, com
foco no público jovem. Como o próprio nome diz, o
gênero sertanejo predomina na programação, com  op-
ções  que resgatam nomes do passado, nomes atuais e
até mesmo versões remixadas, como o eletro sertanejo.
3. Interaudio Light (http://www.interaudiolight.com):
possui
programação variada, com possibilidade de download de
músicas. 
4. Lembrança Radioweb (http://www.lembrancaradioweb.com.
br): fundada em 15 de janeiro de 2008 com o objetivo
de resgatar sucessos que marcaram épocas e gerações,
destaca-se pela forte interação com o público.   Além
do player, é possível visualizar a programação na íntegra,
descrição da equipe, espaço para anúncios e contato. 
5. Rádio M (http://www.radiom.com.br):ou  Rádio Músi-
ca,  está há dois anos no ar e conta
com uma progra-
mação variada e público-alvo indefinido, com cinco

13. Data de acesso: 25/05/2012.

239 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


programas fixos na grade. Oferece para venda camisetas
com estampas, preços e tamanhos variados.
6. Só Flashback (http://soflashback.net):  apresenta grande va-
riedade de seções na  homepage.  Além das tradicionais,
é possível visualizar letras estrangeiras traduzidas para o
português, downloads, vídeos, piadas, galeria com fotos
de ouvintes, aniversários da semana e enquetes intera-
tivas. 
7. A Mais Sertaneja (http://www.amaissertaneja.com.br): primeira
webradio sertaneja do  Brasil a transmitir em flash HD.
Como o próprio nome diz, é voltada para a música
sertaneja. Oferece espaço para divulgação de eventos e
promoções do público.
mantém
8. Antena 102 Web (http://www.antena102web.com.br):
programação diversificada voltada para o público jo-
vem, com transmissão 24 horas por dia.
9. BestRadio Brasil (http://www.bestradiobrasil.com): com o
nome inicial de  TeaRadio, a emissora ganhou o prê-
mio de Melhor Radio Web de 2009 no Prêmio Escola de
Rádio. A equipe da emissora sai às ruas das mais diversas
cidades do Brasil fazendo promoções, cobrindo eventos
e shows, adesivando carros e fazendo auto-publicidade.
10. Portal Vitrinet (http://www.vitrinet.net): possui layout sim-
ples, com player, anúncios, feed de notícias e espaço para
contato. 

Para ilustrar cada um dos elementos do composto de


marketing, foram destacadas figuras que exemplificam os
negócios atuais do rádio na internet.

240 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


a) 4Ps

1. Produto: se no rádio hertziano comercial a publicida-


de é o carro chefe do faturamento da empresa, a webradio
experimenta novas modalidades de produtos publicitários,
principalmente relacionadas à imagem e também à capaci-
dade interativa (CÉBRIAN HERREROS, 2008). Os for-
matos mais utilizados atualmente são: banners publicitários
nos sites, links patrocinados, anúncios interativos e prêmios.

Fonte: Dados da pesquisa, 2012

Na pesquisa realizada com as webradios mais acessadas fica


claro que as empresas têm ofertado produtos múltiplos, como
forma de atender às necessidades de vários públicos e não há um
cliente específico. Nesse sentido, as rádios na web devem adaptar
seus produtos e formas de publicidade, com ideias que incorpo-
rem além do áudio, imagens e interação com os usuários.

241 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


Fonte: Dados da pesquisa, 2012

2. Promoção: a promoção e a comunicação eficaz das


rádios na web não podem ser relegadas ao acaso. Devem ser
feitas por meio de um programa formal de comunicação e
acompanhamento da empresa na internet. As publicações
têm que ser formais, e devem ter o cuidado da qualidade
em termos de consistência, conteúdo e estilo.

Fonte: Dados da pesquisa, 2012

242 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


A identidade da rádio na web deve ser preservada, ao
mesmo tempo que ampliada, como forma de aumentar o
efeito da comunicação integrada do marketing. Nesse sen-
tido, uma boa promoção e comunicação partem do prin-
cípio de que a empresa, ao adotar qualquer mecanismo de
negócio na web, está comunicando algo a seu respeito.

Fonte: Dados da pesquisa, 2012

3. Preço: as decisões de preço, como para qualquer or-


ganização, são importantes também para as rádios na web.
Se a rádio hertziana concentra seu faturamento na publi-
cidade tradicional, as webradios buscam novos mecanismos
de faturamento, a partir dos seus custos, demanda do mer-
cado e da concorrência.
Para determinar o preço dos novos produtos na webra-
dio, as empresas devem considerar, necessariamente, seus
objetivos com a nova modalidade de negócio, a oferta e a
demanda do mercado, bem como a concorrência. Isto por-
que na web a concorrência é muito maior que nas rádios
tradicionais e, por conseguinte, a oferta também é maior.

243 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


Fonte: Dados da pesquisa, 2012

Sob esse aspecto, os preços devem refletir ás necessidades


do consumidor e entender o quanto eles estão dispostos a
pagar. Essa necessidade, por sua vez, é diretamente afetada
pela audiência e acesso das pessoas à webradio. Por isso, a
diversificação de novas fontes de receitas deve ser planejada
e intensamente procurada pelas rádios na web.

244 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


Fonte: Dados da pesquisa, 2012

4. Praça: um dos elementos mercadológicos de maior


mudança para as rádios nas web diz respeito à praça, ou lo-
calização da oferta de seus produtos. A audiência na inter-
net é fragmentada e o público é disperso geograficamente.
De outro lado, como aponta Cebrián Herreros (2008), não
há um público de milhões de cada vez, como acontece no
rádio hertziano, ou seja, dependendo do momento pode
haver um único ouvinte ao longo de uma programação.
Nesse sentido, a preocupação da rádio na web não deve
se limitar aos canais de distribuição, mas principalmente, ao
armazenamento dos produtos (programas, músicas, notícias,
banners, dentre outros) e às formas de acesso dos clientes.
Essas formas de acesso, por sua vez, devem ser de fácil loca-
lização nas páginas e de fácil abertura por parte do interes-
sado, ou seja, a conveniência para o internauta em termos
de localização e programação.

245 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


Fonte: Dados da pesquisa, 2012

Outro mecanismo importante em relação ao elemento praça


se refere aos instrumentos que permitam a interação, resolução
de problemas e solução de dúvidas, quando for o caso.A rigor, a
resposta a qualquer questionamento solicitado pelos internautas
tem que ser imediata.Além disso, as webradios devem utilizar-se
de pesquisas de satisfação e de imagem perante os usuários.

Fonte: Dados da pesquisa, 2012

246 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


b) 4 Cs

1. Cliente: a análise do elemento Cliente parte da se-


guinte questão: quem são e que necessidades têm os nossos
clientes? Ao elaborar o mix de produtos, a webradio deve
pensar sempre em quais soluções ela está oferecendo aos
clientes. Os clientes do rádio na web buscam, no geral, en-
tretenimento, música e notícias, dentre outros, que devem
ser considerados nas escolhas da empresa.
Mesmo que, como já foi dito, a rádio na internet não
atenda “milhões” ao mesmo tempo, cabe às webradios, no
mínimo, ouvir os seus clientes, ou usuários, já que as emis-
soras são altamente segmentadas. O que querem, o que
gostam, como estão sendo atendidos em suas necessidades,
são questionamentos que devem ser realizados permanen-
temente pelas empresas na internet. A partir disso, oferecer
soluções diferenciadas a nichos e públicos específicos.

Fonte: Dados da pesquisa, 2012

247 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


Fonte: Dados da pesquisa, 2012

2. Custo (para o cliente): a rádio na web deve pensar


não somente em preço dos seus produtos, mas em custo de
obtenção dos serviços pelos clientes e em quanto eles estão
dispostos a pagar. Nessa perspectiva, os custos dos produtos
vendidos pelas empresas na web tendem a ser mais eco-
nômicos, pois há diminuição de pessoas e mecanismos de
vendas, dentre outros.
Dessa forma, a partir da economia de custos e ganhos de
escala com produtos ofertados na web, a empresa deve pen-
sar em quanto o cliente está disposto a pagar e quais benefí-
cios adicionais o consumidor terá em utilizar os serviços da
rádio na internet. Isto posto, pesquisas de monitoramento
frequentes e acesso aos programas e produtos da webradio
se tornam um aliado na divulgação e venda dos produtos
das empresas.

248 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


Fonte: Dados da pesquisa, 2012

3. Conveniência: na perspectiva dos 4Cs, mais do que a


localização (que é ilimitada na internet) as empresas devem
pensar em conveniência para os clientes. Nesse sentido, as
webradios devem oferecer aos usuários links e possibilida-
des de interação com outras plataformas ou páginas, como
as redes sociais, por exemplo. Inclusive para acesso aos pro-
dutos da própria emissora.

Fonte: Dados da pesquisa, 2012

249 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


Fonte: Dados da pesquisa, 2012

4. Comunicação: por fim, a comunicação na perspectiva


dos 4 Cs deve abranger muito mais do que a promoção ou
a divulgação em si. O cliente da web espera que a empresa
seja efetiva em seu processo de comunicação. Para isto, a
palavra de ordem no ambiente web é a interação, ou seja, a
comunicação que ocorre em via de mão dupla. O usuário,
além de ver e ouvir, deve ter a opção de responder, questio-
nar, sugerir, solicitar e ser atendido com eficiência.

Fonte: Dados da pesquisa, 2012

250 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


Fonte: Dados da pesquisa, 2012

Considerações finais

A webradio emerge no cenário midiático contemporâ-


neo a partir das novas lógicas comunicacionais e impõe no-
vos modelos de negócios, com estratégias mercadológicas
próprias. Um dos principais desafios é garantir a viabilidade
econômica desse modelo, de forma a dar sustentabilidade
financeira à webradio como empresa radiofônica.
Nesse sentido, o objetivo desse artigo foi examinar os
novos modelos de negócios radiofônicos, a partir da análise
dos 4Ps e dos 4Cs do marketing aplicados à webradio
Observou-se, com a pesquisa, que o modelo de negó-
cios na internet não é uma exclusividade setorial, ou seja,
é possível obter retorno financeiro com a rede em todos
os segmentos, inclusive o rádio. O modelo de negócios do
rádio na web, porém, apresenta características que vão além
daquelas familiarizadas com as do rádio tradicional. Esse
novo modelo de radiofonia traz uma transmissão rizomáti-
ca que, além de sonora, é também textual, imagética e apro-
xima geograficamente o público por meio da interação. É a
cauda longa que modifica o negócio rádio, trazendo à tona

251 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


muitas novas possibilidades para usuários cada vez mais seg-
mentados.
Ao se analisar os elementos mercadológicos que com-
põem os 4Ps do marketing para as rádios na web – pro-
duto, promoção, preço e praça – conclui-se que a oferta
de produtos múltiplos passa a ser a tônica dos negócios
dessa modalidade de empresa. Para isso, a emissora deve
preservar e ampliar sua identidade inicialmente proposta,
principalmente visando uma melhor interação e comuni-
cação integradas na internet. Os preços, por sua vez, de-
vem refletir as reais necessidades dos consumidores, bem
como o quanto eles estão dispostos a pagar frente a uma
concorrência ilimitada. Por fim, o alcance da empresa, re-
lacionado ao elemento mercadológico Praça, dever per-
mitir a interação, resolução de problemas e solução de
dúvidas com o internauta.
Em relação aos 4Cs – clientes, custo, conveniência, co-
municação – destaca-se que, ao se elaborar o mix de produ-
tos, a rádio na web deve refletir sobre quais as soluções ela
está oferecendo aos clientes. A partir disso, a conveniência
de acessos e informação passam a ser o diferencial compe-
titivo da busca do cliente pela página da rádio na internet.
Em outras palavras, o cliente da webradio espera que a em-
presa seja efetiva em seu processo de comunicação e oferta
de produtos e entretenimento.
Essa pesquisa apresenta contribuições relevantes para o
campo de estudos, na medida em que busca o entendimen-
to do novo modelo de negócios do rádio na internet, po-
rém não se esgota. Ao assumir um caráter exploratório, abre
possibilidades para novas verificações futuras, abrangendo
novas webradios e outros elementos do marketing digital.

252 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


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PRATA, Nair e MARTINS, Henrique Cordeiro. Webradio
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PRATA, Nair. Webradio – novos gêneros, novas formas de inte-
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REIS, Clóvis A evolução histórica da publicidade radiofônica no
Brasil (1922-1990). Trabalho apresentado no GT História
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STONE, Merlin; WOODCOCK, Neil. Marketing de rela-
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VAMPRÉ, Octávio Augusto. Raízes e evolução do rádio e da
TV. Porto Alegre: Feplam/RBS, 1979.

255 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


10.
Rádio 3.0 na internet: sons,
imagens e textos como recursos
para a inclusão digital1

Luciano Klöckner2
Rosane da Conceição Vargas3
Janaína Pereira Cláudio4
Tânia Maria Fleck Brittes5
Gabriel Ferreira e Sheila Uberti6
PUC do Rio Grande do Sul

1. O Projeto integra o Programa de Apoio a Pesquisa e a Extensão


Comunitária na área de Desenvolvimento Social / PEC-DES, da
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS),
com início em abril de 2011.

2. Professor da Faculdade de Comunicação Social (Famecos), PUCRS.

3. Professora da Faculdade de Educação (Faced), PUCRS

4. Professora da Faculdade de Letras (Fale), PUCRS

5. Técnica do Laboratório de Ensino e Atendimento a Pessoas com


Necessidades Educacionais Específicas (Lepnee), da Faced, PUCRS

6. Bolsistas e alunos da Faculdade de Comunicação Social (Famecos),


PUCRS

256 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


Introdução

O acesso a informação para as pessoas com deficiência


sensorial, ainda é bastante restrito apesar da legislação (LEI
10.098, 2000) ter ampliado de forma significativa o direito
legal. No entanto, o direito de fato, mantém-se aquém da
legislação.
Em se tratando de pessoas cegas ou com deficiência vi-
sual, a informação se dá fortemente pela via auditiva, no
entanto, os meios de comunicação de massa, como rádio e
televisão, permanecem sem fazer uma audiodescrição sobre
todo o fato narrado.
Nesta perspectiva, as pessoas com deficiência auditiva,
ficam com menos possibilidades de acompanhar as infor-
mações advindas destes veículos de comunicação, princi-
palmente as pessoas surdas e os deficientes auditivos, posto
que os sujeitos surdos se comunicam através da Língua
Brasileira de Sinais –LIBRAS (QUADROS, 1997), e os de-
ficientes auditivos, através, da oralização, que muitas vezes
não é eficiente, sendo assim, é de fundamental importân-
cia o uso concomitante de imagens.
No entanto, até o momento, as pesquisas realizadas na
internet, vêm baseando-se em processos a partir da imagem
e dos textos, incorporando o áudio, apenas, secundariamen-
te. Bufarah (2003, p. 11) ao tratar da expectativa do rádio
na Internet, já prognosticava a extrema utilidade da rede
para propiciar a transmissão, através de vídeos, de progra-
mas de rádio para os deficientes auditivos. Porém, a questão
de fundo é mesmo referida por Buyssens (1943) de que a
audição é o ponto de partida para a compreensão humana
e todos os esforços nesse sentido devem ser bem-vindos.
Nesta perspectiva, as pessoas com deficiência ficam com
menos possibilidades de acompanhar as informações advin-
das destes veículos de comunicação, principalmente as pes-

257 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


soas surdas e os deficientes auditivos, posto que os sujeitos
surdos se comunicam através da Língua Brasileira de Sinais
(LIBRAS), e os deficientes auditivos, através, da oralização,
que muitas vezes não é muito eficiente, sendo assim, é de
fundamental importância o uso concomitante de imagens.
No momento, as pesquisas realizadas na internet vêm-
-se baseando em processos a partir da imagem e dos textos,
incorporando o áudio, apenas, secundariamente. Bufarah
(2003, p. 11) ao tratar da expectativa do rádio na Internet,
já prognosticava a extrema utilidade da rede para propiciar
“a transmissão, através de vídeos, de programas de rádio
para os deficientes auditivos”.
Por isso, todo o esforço para restabelecer esse elo é bem-
-vindo. Ainda mais que a proliferação de mecanismos de
acesso a informação e as mudanças no padrão econômico
das famílias brasileiras vêm exigindo o desenvolvimento
de conteúdos específicos, em especial para os veículos de
comunicação de massa, como o rádio, a televisão e a inter-
net. Hoje a renda per capita do brasileiro é 50% maior do
que em 1992 e, segundo a Pesquisa Nacional de Amostras
de Domicílio (PNAD-IBGE), 88,9% dos lares brasileiros
possuem pelo menos um aparelho de rádio tradicional,
somando-se incalculáveis dispositivos radiofônicos não tra-
dicionais (rádio de automóvel, de celular, de mp3 e outros).
Por exemplo: 98,6% dos domicílios dispõem de energia
elétrica; 98,2% de fogões; 92,1% de geladeiras; 82,1% de
telefones (37,6% só de celulares) 41,5% de máquinas de la-
var; 31,2% de computador; e 23,8% de internet. Além disso,
o número de brasileiros com alguma possibilidade de acesso
à internet supera 80%.
Um dos efeitos da melhora da economia foi a moderni-
zação das cerca de 9,5 mil estações radiofônicas brasileiras
(mais da metade composta por rádios comerciais e a outra

258 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


parte de comunitárias)7. Não faltaram investimentos no se-
tor, desde a simples instalação de computadores nas reda-
ções, passando pela elaboração de sites ou portais na inter-
net até a emissão de um som mais puro e livre de ruídos e
interferências. Em termos de tecnologia, ainda permanece
pendente definir (e implantar) o padrão digital para o rádio
brasileiro que, embora anunciado pelo Ministério das Co-
municações para 2010, não se concretizou. Já as principais
redes televisivas emitem para os telespectadores imagens
em alta definição, com repercussão na venda de novos apa-
relhos (HD e 3D).
Na contramão, os testes realizados8 com o rádio digital
na Europa e nos Estados Unidos não parecem auspiciosos,
levando as emissoras a investir no aperfeiçoamento da emis-
são pela internet, menos oneroso e mais eficaz. Até mesmo
porque, o crescimento de acesso da população à internet no
Brasil, entre 2005 e 2008, alcançou 75,3%. A saída para uma
emissão mais perfeita e a longas distâncias, porém, esbarra
na timidez da evolução dos conteúdos. Além do armazena-
mento de programas (para serem ouvidos posteriormente),
as emissoras de rádio, no máximo, em termos interativos,
exploram as mensagens no MSN, por e-mails e no twitter,
(entre outras mídias sociais); quando poderiam (ou deve-
riam) ousar, implementando outros recursos disponíveis
como, por exemplo, o uso de imagens ao vivo e gravada
nos sites, com programas e coberturas mais interativas e
apresentando os repórteres em movimento. Contudo, ape-
sar de milhares de rádios transmitirem e retransmitirem as

7. Pesquisa intitulada Radiodifusão: uma abordagem numérica. Disponível


em: www.abert.org.br/biblioteca

8. No Brasil, as principais emissoras testaram o HDRadio, mas os


resultados, até o momento, foram desanimadores.

259 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


programações pela internet, não existe o acompanhamento
confiável de audiência que chancele esta iniciativa, pondo
em risco a rentabilidade do rádio como negócio.
A imprecisão dos números afeta também a Pesquisa
Nacional de Amostras de Domicílio (PNAD-IBGE). De
1998 a 2008, o número de aparelhos de rádios nas casas
caiu de 90,5% para 88,9%, enquanto o de televisores subiu
para 95,1% dos domicílios. Porém, o percentual representa
tão somente os números de unidades de rádio no formato
tradicional, isto é, que captam as ondas hertzianas. O le-
vantamento9 ainda é incapaz de medir os aparelhos de rá-
dio associados à frota de automóveis e a uma série enorme
de equipamentos (celulares, computadores, MP-3 e MP-4,
iPod10, iPhone, relógios de cabeceira, receivers, etc.). Resu-
mo: o rádio está mais presente nos domicílios do que a
pesquisa do PNAD indica.
A despeito do aumento real no poder aquisitivo e de
investimentos na área da radiodifusão, o Brasil ainda é um
país pobre, com distribuição extremamente desigual nesta
área, haja vista que existem regiões bem desenvolvidas e
outras com enormes dificuldades. Na região Sul, por exem-
plo, a presença do rádio eleva-se para 94,9%, empatando
tecnicamente com a televisão. O Rio Grande do Sul tem
o maior índice brasileiro de receptores de rádio nas resi-
dências com 96,1%, o mesmo ocorrendo com Porto Ale-
gre. Em outras regiões como o Norte (76,4%), Nordeste
(82,4%) e Centro-Oeste (86,4%), as possibilidades de elevar
este índice é grande, completando lacunas.

9. O PNAD incluiu na pesquisa de 2009 a pergunta: quem ouve


rádio, independente da plataforma de escuta.

10. A reclamação prioritária dos primeiros usuários do iPhone foi


que os aparelhos da Apple não tinham sintonizador de rádio.

260 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


Por outro lado, nas regiões onde a tecnologia está dis-
ponível, os telefones celulares, com múltiplas funções, ofe-
recerem um novo potencial ao rádio, especialmente os de
interfaces com a internet e com a Frequência Modulada
(FM). Atualmente, 40% dos mais de 200 milhões de celula-
res são equipados com receptores radiofônicos, resultando
em mais ou menos 80 milhões de aparelhos (e de usuários)
em condições de acompanhar as programações de rádio11.
Além disso, há os receptores específicos para a rede,
como os sintonizadores de rádio para iPhone, Blackberry,
etc., sem contar os aparelhos instalados na frota brasilei-
ra de automóveis. Em 2008, o total de carros trafegando
nas ruas do país situava-se em torno de 28 milhões, com a
previsão de que mais de 22 milhões dispusessem de rádios.
De tal modo, depreende-se que o rádio é ainda o meio de
comunicação de massa mais disponível (e com potencial de
acesso) para quem tenha um receptor em casa, na rua, num
estádio de futebol, no automóvel, em frente a um compu-
tador ou transportando um telefone móvel, com acesso aos
modos de transmissão da radiofonia de hoje (ondas hert-
zianas, por satélite, por televisão a cabo ou pela internet).
Porém, uma questão preocupa, além da adequação dos
produtos radiofônicos à internet, a maneira, a forma como
esses conteúdos chegam às pessoas que apresentam defici-

11. Dados extraídos da Pesquisa intitulada Radiodifusão: uma abordagem


numérica. Disponível em: www.abert.org.br/biblioteca

261 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


ência visual12, auditiva13e surdez14. Segundo dados do cen-
so realizado em 2000, há 34 milhões e 580 mil brasileiros
com algum tipo de deficiência (motora, física, auditiva, vi-
sual e mental), sendo 16.644.842 com problemas visuais
e 5.735.009 com deficiência auditiva15. Quase a totalidade
deles tem dificuldades em acompanhar as informações di-
vulgadas pela mídia, embora, em relação ao deficiente au-
ditivo e surdos, existam várias leis16, garantindo apoio na
comunidade escolar e disponibilização, entre outros itens,
de equipamentos que oportunizem o trabalho com as no-
vas tecnologias de informação e comunicação.
Em relação ao acesso igualitário dos deficientes à infor-
mação e à comunicação, um dos escopos deste projeto, o

12. O Decreto nº 5.296 de 02/12/2004 e publicado no D.O.U., em


03/12/2004, capítulo II, art. 5º, expressa a seguinte categorização: “c)
deficiência visual: cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor
que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão,
que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a
melhor correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do
campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60 o; ou a
ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores.”

13. O mesmo decreto citado acima categoriza “deficiência auditiva:


perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou
mais, aferida por audiograma nas freqüências de 500Hz, 1.000Hz,
2.000Hz e 3.000 Hz”.

14. Pessoas com surdez é caracterizado neste trabalho como mi-


noria linguística, que se aglutina em função da língua de sinais
(QUIGLEY;PAUL.,1994).

15. IBGE – Censo 2000. Fonte: CEDIPOD:http://www.cedipod.org.


br/Ibge1.htm

16. Decreto nº 5.626, de 22/12/2005, que regulamenta a Lei nº 10.436,


de 24/04/2002, que dispõe sobe a Língua Brasileira de Sinais – LI-
BRAS, e o art. 18 da Lei nº 10.098, de 19/12/2000.

262 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


Decreto nº 5.296, dispõe explicitamente sobre o tema, tor-
nando obrigatória, no artigo 47, a acessibilidade nos por-
tais e sites eletrônicos da administração pública pelas pes-
soas com deficiência visual. Também regulamenta o acesso
a bulas de remédio, os dispositivos sonoros para telefones
celulares e fixos, os manuais de instrução de produtos ele-
troeletrônicos, além dos meios de comunicação de massa.
Igualmente, nos artigos 52 e 53, o decreto incentiva a oferta
de aparelhos de televisão com recursos que garantam aos
deficientes auditivos e visuais o direito pleno à informação,
referindo o uso de legenda oculta (Closed Caption), pro-
grama secundário de áudio (SAP), entradas para fones de
ouvido com ou sem fio, janela com intérprete de LIBRAS
e a descrição e narração em voz de cenas e imagens, ou seja,
audiodescrição.
Em dezembro de 2000 foi sancionada a Lei 10.098, que
ficou conhecida como Lei da Acessibilidade, por estabele-
cer normas gerais e critérios básicos para a promoção da
acessibilidade das pessoas com deficiência ou com mobili-
dade reduzida, fomentando o direito a informação através
dos serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens,
conforme artigo 17 e 19 do capítulo VII.

Projeto rádio 3.0

Na Faculdade de Comunicação Social (FAMECOS), da


Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(PUCRS), desde 1997, professores e alunos pesquisam as
possibilidades do rádio na internet, através da RadioFam,
uma das primeiras emissoras do gênero no País. Ao longo
dos anos, a página da rádio vem sofrendo seguidas reesti-
lizações. A última, ainda em andamento (http://www.eusou-
famecos.uni5.net/radiofam), tem o intuito de disponibilizar as

263 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


produções em áudio e texto realizadas por alunos nas disci-
plinas da área, acrescentando também a audiodescrição e a
tradução em LIBRAS.
O projeto da FACED-FAMECOS, com apoio da FALE,
propõe uma maneira inclusiva de apresentar o conteúdo
radiofônico às pessoas com problemas auditivos e surdez.
De abril até julho de 2011, as primeiras produções espe-
ciais em áudio (a partir dos diferentes formatos em rádio
produzidos por estudantes de Graduação em Jornalismo da
FAMECOS) e em vídeo (tradução em LIBRAS das maté-
rias) foram apresentadas a um grupo de alunos voluntários,
todos atendidos pelo Laboratório de Ensino e Atendimen-
to a Pessoas com Necessidades Educacionais Específicas
(LEPNEE), da Faculdade de Educação da PUCRS. Com
base nas opiniões dos alunos, pontuadas pelas orientações
profissionais dos técnicos do laboratório, alterações e ajustes
foram realizados, visando a adaptar os conteúdos à realidade
do público-alvo do projeto.
Ainda em seu começo, o projeto é pioneiro no Rio
Grande do Sul e, através dos conhecimentos de professores
das Faculdades de Educação e da Comunicação, e do feedba-
ck do grupo focal, tem por finalidade desenvolver produtos
informativos e de entretenimento compreensíveis e de fácil
acesso para todos os segmentos da sociedade, especialmente
os deficientes auditivos e visuais como também aos surdos.
O objetivo é desenvolver, a partir da pesquisa relacionada
às áreas mencionadas, conteúdos radiofônicos (sons, imagens
e textos) para todo o tipo de público da internet, com ênfase
às pessoas com deficiências visuais, auditivas e surdas.
Entre os objetivos específicos estão: agregar à página da
RadioFam os conteúdos elaborados pelos alunos da gradu-
ação de Jornalismo da FAMECOS e do LEPNEE (no-
tícias, reportagens, entrevistas, comentários, crônicas, etc.);
traduzir os conteúdos publicados na página ouvintes-inter-

264 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


nautas com deficiência visual/cegueira e com deficiência
auditiva/surdez, a partir de técnicas específicas de cada área;
medir o número de ouvintes on-line e de acessos realizados
em cada material postado na página e contabilizar as men-
sagens por e-mails, twitter, facebook, grupos de discussões en-
viados pelos ouvintes-internautas na página da RadioFam.
Em médio e longo prazo, isto é, de um a dois anos após
os primeiros resultados espera-se: incorporar as conclusões
da pesquisa em sala de aula, para o aperfeiçoamento de
professores e alunos, buscando o desenvolvimento de uma
educação reflexiva e crítica quanto aos meios tecnológicos
e produtivos nos diversos fazeres; aplicar a matriz dos pro-
gramas radiofônicos (com som, imagem e textos simultâ-
neos) em emissoras e demais veículos de comunicação de
massa para propiciar o acesso à informação indistintamente
aos cidadãos.
No Brasil, anteriormente, duas ações obtiveram resulta-
dos na adaptação de conteúdo radiofônico ao público com
deficiência auditiva e surdos, no conteúdo distribuído via
internet: uma na Rádio CBN (CBN em LIBRAS) e outra
na Rádio da Universidade de São Paulo (USP), no progra-
ma Clip Informática.
Em abril de 2009, em parceria com a Editora da PU-
CRS (Edipucrs), a FAMECOS lançou o primeiro audioli-
vro, intitulado Crônicas de Rádio: um relato falado do co-
tidiano disponível no site da editora e com acesso gratuito
(http://www.pucrs.br/edipucrs/cronicas). Alunos da disciplina de
Radio jornalismo III escreveram e narraram 41 crônicas,
destinadas ao público em geral, mas especialmente para os
deficientes visuais. Em relação ao material radiofônico pa-
drão, as audiocrônicas são mais ricas em efeitos sonoros. Tal
característica facilita a imaginação do deficiente visual na
hora de compor a cena em sua mente, conferindo caracte-
rísticas detalhadas da audiodescrição.

265 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


 
Fonte: Site da Edipucrs

Em abril de 2011, o projeto Rádio 3.0 na internet: sons,


imagens e textos como recursos essenciais para a inclusão
digital iniciou a adaptação de outros materiais anterior-
mente produzidos por alunos da FAMECOS, adicionando
a tradução em LIBRAS aos áudios. As adaptações, depois
de editadas, são publicadas no site da Radiofam (http://www.
pucrs.br/radiofam/), disponíveis para todos os internautas,
acompanhadas do convite para que qualquer pessoa surda,
deficiente auditiva ou visual contribua com a pesquisa.
Com isso, espera estar-se constituindo um experimen-
to referencial para aplicação futura não só na Comuni-
cação e na Educação, mas igualmente em outras áreas do
nosso cotidiano.

266 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


  Fonte: Site da RadioFam

A cada nova produção adaptada, o material é apresenta-


do a um grupo de alunos voluntários, atendidos pelo LEP-
NEE. Neste grupo estão quatro alunos com deficiência
auditiva e dois alunos com deficiência visual – cegos. A
partir das observações são feitas as devidas reformulações
e apresentados novamente ao grupo para a reavaliação. Os
vídeos também ficam disponíveis na página da RadioFam
(www.pucrs.br/radiofam).

Procedimentos metodológicos

A pesquisa qualitativa em questão enquadra-se na área


das Ciências Sociais Aplicadas. A ideia é, no primeiro mo-

267 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


mento, realizar uma revisão da bibliografia citada nas re-
ferências, para selecionar os livros com as técnicas mais
adequadas à implementação do projeto. Por apresentar-se
ainda em nível inicial, parte dos procedimentos vai sopesar
a experiência profissional dos professores e bolsistas envol-
vidos, como observa Braga e Calazans:

“Tanto o sistema educacional como as comunica-


ções sociais... estão envolvidos em sérias e cons-
tantes mutações... Os dois sistemas apresentam um
processo de ´reconstrução permanente`, que impe-
de o recurso a procedimentos sedimentados na prá-
tica e na teoria. Assim, mais ainda que em cada um
dos campos específicos, a interface deles é espaço
de experimentação e risco”. (BRAGA e CALA-
ZANS, 2001, p. 11)

Entretanto, o processo não prescindirá, num segundo


momento, de condutas específicas de cada campo envol-
vido. Na área do Radio jornalismo, quando os alunos de-
cidirem, junto com os professores, os temas (pautas) que
originarão as matérias (reportagens, notícias, etc.), haverá a
preocupação de elaborar as notícias com base no trinômio
áudio (voz do repórter e sons de fundo), texto e imagem.
Por sua vez, o LEPNEE, com os atendimentos já prestados
e as pesquisas realizadas com deficientes visuais e auditi-
vos, terá condições de instruir da melhor forma possível
desde a captação à finalização da notícia, considerando os
detalhes mais importantes para a pessoa com cegueira, além
de converter áudio em imagem por intermédio da Língua
Brasileira de Sinais.
Após os produtos radiofônicos receberem o tratamento
adequado, a terceira fase da pesquisa inclui a medição dos
números de ouvintes on-line e dos acessos feitos a cada um
dos materiais expostos na página, bem como das mensagens

268 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


recebidas pelos ouvintes-internautas. O programa que vai
mensurar o número de cliques em cada parte da nova pá-
gina da RadioFam está instalado, portanto, os dados ficarão
disponíveis automaticamente.
Quanto às mensagens recebidas, julga-se que o mais apro-
priado é realizar uma análise de conteúdo, dividida em três
etapas: pré-análise; exploração do material, e tratamento dos
dados, inferência e interpretação (BARDIN, 1977, p. 95). A tí-
tulo de complementação, Bauer (2002) sugere a realização de
um teste na(s) amostra (s) para revisão do referencial utilizado,
visando a ajustar alguma possível imprecisão.
A partir deste projeto, acredita-se como refere Braga e
Calazans (2001, p. 31), que os meios oferecem como maté-
rias (ou substâncias) de objetivação, o som e a imagem. Mas,
sobretudo, “propõem outros modos de representar o mun-
do...”. E, “como forma de captar e transmitir o que está na
realidade, estes meios se caracterizam por sua inclusividade”.
Isto é, tendem a abranger todos os públicos, sem distinções.

Como as gravações em LIBRAS são realizadas


A gravação em LIBRAS está dividida em cinco etapas:

• Seleção dos materiais em áudio. O primeiro movi-


mento é escolher os materiais em áudio disponíveis na
página da RadioFam a serem traduzidos. Essa seleção
é realizada pelo grupo produtor (professores, bolsistas,
colaboradores) e pelo grupo focal (alunos deficientes
auditivos e surdos). A escolha parte de critérios jorna-
lísticos e do interesse do público alvo, reforçado pelas
manifestações do grupo focal.
• Degravação. Após a seleção do material, o áudio é de-
gravado, estabelecendo-se um roteiro escrito, em que
são realçados os elementos que deverão figurar no qua-

269 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


dro específico em que vai atuar o tradutor-intérprete
de LIBRAS (legendas e palavras-chave de reforço a
ideia central do texto para facilitar a compreensão).
• Texto ou som. A degravação do material é repassada
a uma tela comum de computador, em fonte e corpo
suficientes para a leitura da professora surda. O pro-
cesso é baseado no teleprompter17. Porém, como o pro-
jeto trabalha com ferramentas simples e ao alcance de
qualquer instituição de ensino, optou-se por usar a tela
de computador. Basta um computador e destacar o ro-
teiro num software de edição de texto, como Microsoft
Office. A tradução para LIBRAS é realizada por uma
professora com surdez, mas se o intérprete for ouvinte,
como ocorreu no início do projeto em 2011, a degra-
vação do áudio não é necessária. Nesse último caso, a
gravação em LIBRAS é realizada simultaneamente à
escuta do áudio por alto-falantes ou caixas de som e
ainda por fones de ouvidos comuns ou ponto eletrô-
nico18. A desvantagem do fone de ouvido é que ele vai
necessariamente aparecer, ocasionando possíveis distra-
ções para o público. Cabe ressaltar que o áudio, no am-
biente capturado pela câmera, não é relevante, pois o
que importa são as expressões faciais e a sinalização do
intérprete ou da professora surda.
• Gravações. Estas ocorrem uma vez por semana numa
sala de aula comum e o sinalizador (professora surda)

17. Teleprompter é um aparelho, acoplado a uma câmera de vídeo,


que exibe o texto a ser lido por apresentadores/locutores.

18. Ponto eletrônico é utilizado em um dos ouvidos pelos âncoras/


apresentadores de programas para se comunicarem com a direção
ou produção.

270 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


fica em frente a um fundo branco, em espaço bem ilu-
minado. O enquadramento da câmera deve ser o Plano
Médio (ver figura 4) por destacar o sinalizador, bem
como liberar a sua movimentação pelo cenário. A rou-
pa do sinalizador é fundamental. Ela deve preferencial-
mente ser de uma só cor, estabelecendo contraste entre
o fundo, o vestuário e as mãos da pessoa. Cada um des-
ses itens deve ficar ressaltado no cenário. É preferível
não exibir apetrechos reluzentes como brincos, colares,
anéis, relógios, pulseiras, que levam a distrair a atenção
e a interferir no entendimento da informação. Roupas
com listras e outros padrões de estampa podem pre-
judicar a qualidade do vídeo por entrelaçarem a ima-
gem dependendo da câmera utilizada. O importante é
a expressão facial e sinalização estejam bem visíveis para
não prejudicar a comunicação.
• Elementos auxiliares na pós-produção. De forma re-
sumida, cada parte da gravação pode ser assim descrita:
elementos auxiliares para fixar os conceitos principais
de cada produção em LIBRAS. Foram criados elemen-
tos auxiliares a serem inseridos junto à imagem do sina-
lizador ou no entorno da(o) mesma(o). Esses elementos
são constituídos de legendas, palavras-chaves, além de
fotos de pessoas ou acontecimentos, a serem inseridos
na pós-produção. A observação partiu do grupo focal.
Conforme o grupo, quando o texto citar uma pessoa que
foi determinante para resolução de algum fato, é recomen-
dável mostrar uma imagem deste indivíduo para ilustrar a
reportagem. O mesmo pode ocorrer durante citações de
entrevistas ou em partes da entrevistas19. O recurso deve ser

19. Alguns denominam essas partes da entrevista de sonoras (pequeno tre-


cho em áudio), termo, em verdade, herdado do cinema e da televisão.

271 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


empregado também como forma de passar informações
adicionais como dados estatísticos que ficaram de fora da
matéria. Esses elementos precisam estar definidos antes da
gravação, pois o sinalizador precisa ter conhecimento pré-
vio desses detalhes a fim de relacioná-los à sinalização.

Os primeiros resultados

Em todos os materiais adaptados até o momento, não foi


utilizada qualquer tecnologia específica diferente do que se
utiliza na rotina de uma redação e estúdios de empresa jor-
nalística ou numa sala de aula com computadores: um estú-
dio de vídeo para captura das imagens em LIBRAS (ou um
local adequado na própria sala de aula), estúdio para captura
dos áudios (o que também pode ser feito em computador
comum com um software de áudio), além de outro software
de edição de vídeo para sincronismo das duas mídias.
Com ferramentas relativamente comuns ao universo
jornalístico é possível editar em pouco tempo o material
que será disponibilizado na internet. Algumas câmeras de
uso doméstico oferecem o modo de edição. Espera-se que,
conforme novas tecnologias forem surgindo, a tradução do
conteúdo radiofônico possa ser imediatamente transmitida,
tão logo seja gerada pelo intérprete de LIBRAS.
Sobre as avaliações do material produzido, o grupo focal
de alunos voluntários que é atendido pelo LEPNEE pon-
tua o seguinte:

• O tamanho em que a sinalizadora se apresenta na tela


facilita a visualização dos sinais interpretados.
• Para os deficientes auditivos que se utilizam da leitura
labial, é importante uma imagem ampliada.

272 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


• Incluir as legendas do youtube, pois o próprio internauta
pode ativar ou desativar o texto. Porém, cabe ressaltar
que tal recurso ainda é precário, suscetível a panes e
interrupções sem aviso prévio.
• Usar legendas grandes, observando tempo entre a tran-
sição de uma e outra e cuidado com a cor.
• Uma legenda do que está sendo pronunciado e sinali-
zado facilita a compreensão de palavras incomuns, bem
como do público não usuário de LIBRAS, isto é, os
deficientes auditivos oralizados. Porém, não deve subs-
tituir ou tomar maior espaço da sinalizadora, pois a ex-
pressão facial e corporal que esta aplica é insubstituível
e humaniza o conteúdo. Assim como quem ouve ple-
namente percebe as variações no tom de voz de quem
fala, as expressões ajudam a alcançar essa compreensão.
• Formar um conselho de alunos surdos, deficientes au-
ditivos e visuais para a seleção dos materiais e das pautas
a serem executadas.
• Evidenciar na descrição do projeto (no site da Radio-
fam) que a participação das pessoas com deficiência é
essencial para o sucesso da pesquisa. Afinal, a aceitação
e a compreensão deste público é o objetivo final.

As ponderações do grupo focal estão sendo conside-


radas em sua integralidade nessa segunda fase do projeto.
Além disso, duas câmeras portáteis em HD e um tripé fi-
cam à disposição da equipe, facilitando os deslocamentos e
as gravações. A etapa atual prevê o crescimento paulatino
da inserção na página da RadioFam de matérias destinadas
ao público alvo, sendo interposto, ao lado da mesma, um
símbolo especial, sinalizando que aquela produção pode ser
“ouvida” em LIBRAS.

273 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


Referencias

ABERT. Associação Brasileira de Rádio e Televisão. Radio-


difusão: uma abordagem numérica. Disponível em: www.
abert.org.br/biblioteca
BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições
70, 1977.
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n° 9394/96. Brasília, 1996.
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BRASIL. Decreto Nº 5.296 de 02/12/2004. Brasília, 2004.
BRASIL. Decreto Nº 5.626, de 22/12/2005. Brasília, 2005.
BUFARAH, Álvaro. Rádio na internet: convergência de
possibilidades. Trabalho apresentado no Núcleo de Mídia
Sonora, XXVI Congresso Anual em Ciência da Comuni-
cação, Belo Horizonte/MG, 02 a 06 de setembro de 2003.
BAUER, Martin W. e GASKELL, George.Pesquisa Quali-
tativa com Texto, Imagem e Som: um manual prático. Pe-
trópolis:Vozes, 2002.
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e Educação. São Leopoldo: Hacker, 2001.
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QUIGLEY, Stephen P.; PAUL, Peter V. Language and Deaf-
ness. San Diego: Singular Publishing Group,1994.
QUADROS, Ronice Müller de. Aquisição de L1 e L2: o
contexto da pessoa surda. Porto Alegre, 1997.

274 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


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RÁDIO CBN. Programa Inclusão digital. www.cbn.glo-
boradio.globo.com
RADIOFAM. www.eusoufamecos.uni5.net/radiofam

275 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


11.
Rádio UNESP FM: Uma análise
revisitada sobre o processo
comunicativo da emissora
na busca de maior
participação social1

Aline Meneguini de Oliveira2


Universidade Estadual Paulista UNESP

O debate a respeito da participação como indispensável


para o processo de construção e ampliação da cidadania
tornou-se pauta recorrente nos principais congressos aca-
dêmicos e conferências da área de comunicação, dentre os
quais se destaca a I Conferencia Nacional de Comunicação
(CONFECOM), realizada em 2009, na qual foi discutida

1. Artigo referente à pesquisa de mestrado em desenvolvimento, “In-


teração Comunitária: o cidadão em sintonia radiofônica”.

2. Bacharel em Comunicação Social com Habilitação em Relações


Públicas. Mestranda em Comunicação Midiática pela UNESP.
Membro do Grupo de Pesquisa Mídia e Sociedade. Bolsista pela
Fundação de Amparo a Pesquisa no Estado de São Paulo- FAPESP.
E-mail: alinemeneguini@gmail.com

276 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


a necessidade de democratizar os meios de comunicação
de massa no país e de assegurar o direito de comunicar dos
cidadãos.
Nesse sentido, o veículo rádio, ancião dos meios de co-
municação, considerando sua potencialidade democratiza-
dora devido a sua grande penetração nas áreas longínquas
do país, baixo custo do aparelho, abordagem comunicativa
coloquial e comunicação oral, passou a ser alvo de reflexões
a respeito das possibilidades de efetivar a participação social
nas mídias.
Se antes a participação radiofônica estava dependente de
linhas telefônicas e cartas, na atualidade o desenvolvimento
de tecnologias como a Internet e dispositivos móveis refor-
ça as alternativas de canais de comunicação, assim a partici-
pação na programação radiofônica pode ocorrer por meio
do Twitter, Facebook, Sites Institucionais, MSN (Messen-
ger), dentre outras redes sociais e aplicativos. No entanto, é
preciso questionar e avaliar de que maneira a participação
do ouvinte na programação da emissora é efetiva e reflexi-
va, ou se ocorre, apenas, a nível reativo e de entretenimento,
no caso de pedido de músicas e participação em “games
promocionais” e demais mecanismos do marketing.
É inegável a constatação de que o cenário brasileiro ra-
diofônico encontra-se preponderantemente sob o interesse
comercial, no entanto as emissoras comunitárias, públicas,
educativas a cada dia ganham espaço no cenário midiático,
justamente por estar na contramão da comunicação massiva
e hegemônica. Nessas emissoras, o processo comunicativo
pode estar mais comprometido com a construção da cida-
dania e com a consolidação democrática, possibilitando a
participação efetiva do cidadão no rádio. Em se tratando es-
pecificamente de emissoras comunitárias, também pode-se
constatar que a comunicação é realizada pela comunidade
e não para a comunidade, e assim a participação do cidadão

277 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


nessas rádios torna-se essencial e indispensável na grade de
programação.
Porém em meio à preocupação e comprometimento
com a cidadania as rádios públicas enfrentam diariamen-
te diversas complexidades em seu funcionamento, sendo
muitas vezes estigmatizadas como rádio para elites, devido
ao criterioso padrão de qualidade de suas programações e
denotado foco à educação.
A fim de aplicar a teorização da potencialidade do rádio
para a manutenção e ampliação das práticas cidadãs, a título
de exemplificação, destaca-se a experiência vivenciada, na
emissora radiofônica pública, Rádio UNESP FM, definida
como objeto de pesquisa desse artigo, com objetivo de re-
velar entraves e percalços encontrados na gestão da comu-
nicação na rádio no ano de 2009 e verificar os avanços e
aplicabilidades da proposta de ingerência comunicativa até
junho de 2012.

Rádio: espaço para o exercício da


comunicação cidadã

O rádio, por muitos teóricos é compreendido como


o ancião dos meios de comunicação pelo fato do veícu-
lo apresentar como fase de sua consolidação a década de
1930, na qual conquistou audiências mundiais. Nessa época
com milhões de ouvintes espalhados no mundo, o rádio
vivenciava seu auge, denominado “era de ouro do rádio”.
Nos países latino-americanos, a modernização e a implan-
tação do capitalismo deram-se com forte presença do ve-
ículo, facilitando a mediação entre projetos do Estado e
da sociedade. Essa ligação levou Martin-Barbero (2001) a
caracterizá-lo como “mediador popular em excelência”, na
medida em que o veículo estava muito próximo das classes

278 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


populares e traduzia o anseio de união e patriotismo dos
governos.
Referenciado na conjuntura atual de nosso país, não
resta dúvida de que o rádio ainda aparece como o meio
de comunicação que mais facilita o acesso da população à
informação. Nesta perspectiva Gisele Ortriwano assinala:

Entre os meios de comunicação de massa, o rádio


é, sem dúvida, o mais popular e o de maior alcance
público, não só no Brasil como em todo o mun-
do, constituindo-se, muitas vezes, no único a levar
a informação para populações de vastas regiões que
não tem acesso a outros meios, seja por motivos ge-
ográficos, econômicos ou culturais (ORTRIWA-
NO, 1985, p. 78).

Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios


de 2009, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Esta-
tística), apontavam aproximadamente 14 milhões de pessoas
como analfabetos funcionais, portanto, com claras dificul-
dades para aderir ao meio impresso ou mesmo à televisão,
meio que utiliza legendas na sua programação. Pesquisa de
2009, também realizada pelo IBGE, indicava que 87,9% da
população possuíam aparelho de rádio em suas residências3.
Importante salientar que a pesquisa não aborda os apare-
lhos celulares, TV a cabo e outras tecnologias que incluem
o serviço rádio. Por conta desses aspectos comparativos a
outros meios de comunicação, o veículo rádio tem sido
estudado e considerado como o meio de comunicação de
massa mais democrático no país.

3. Dados disponíveis em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/


populacao/trabalhoerendimento/pnad2009/pnad_sintese_2009.
pdf. Acessado em 15 de abril de 2011.

279 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


O rádio, “veículo de comunicação que utiliza emissões
de ondas eletromagnéticas para transmitir a distância men-
sagens sonoras destinadas a audiências numerosas” (FER-
RARETO, 2007, p.23), pode ser considerado o veículo
de comunicação mais presente no cotidiano do brasileiro,
permitindo que qualquer pessoa em qualquer região pos-
sa sintonizar uma estação gratuitamente não precisando de
fios ou tomadas, sem necessariamente despender atenção e
concentração para a recepção.
As características intrínsecas ao veículo rádio propiciaram
seu caráter democratizador com grande penetração na socie-
dade, dentre as quais se destacam: o enfoque comunicativo na
linguagem oral; baixo custo, mobilidade, imediatismo, instanta-
neidade, sensorialidade (ORTRIWANO, 1985, p.78).
Suas especificidades fizeram do rádio veículo popular e
democrático por excelência, e nessa perspectiva o teórico
Eduardo Meditsch (2001) acredita que o veículo continu-
ará presente no cotidiano dos ouvintes. Pois mesmo com a
sociedade globalizada, rodeada de imagens e virtualidades,
cada vez mais as pessoas precisarão ser informadas a respeito
do que está acontecendo, em tempo real, no lugar no qual
se encontram e sem que isso exija a monopolização de sua
atenção. O teórico ainda afirma que o rádio não desapare-
cerá, e sim será revigorado e fortalecido pelas novas adapta-
ções que a internet exige.
Contrariando as raízes histórias do veículo, que foi im-
plantado no país pela iniciativa de Roquette-Pinto que
vislumbrava no rádio uma possibilidade de nivelamento
cultural se utilizado para fins educativos. Na atualidade o
cenário radiofônico nacional está, de certa forma, distancia-
do de sua função social, na medida em que mesmo tratan-
do-se de concessões públicas, os respectivos detentores, em
sua maioria, não estão preocupados em prestar um serviço
de interesse público.

280 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


Balizadas pelo sistema neoliberalista, as emissoras de rá-
dio também se tornaram moeda de troca, sofrendo com os
desvios e brechas na regulamentação do setor da comuni-
cação no país, ou seja, concentração, oligopólios, vínculos
políticos e grupos familiares.
O rádio, como os outros meios de comunicação em seu
víeis comercial encontra-se nitidamente distanciado de seu
caráter democratizador, e com isso desrespeita o direito de
comunicação do cidadão, tornando-se canal raso, porém es-
tratégico para a camada dominante que visa à manobra e
manipulação do eleitorado e dos seus consumidores.
Mesmo com estes embates, o cenário radiofônico, por
meio dos âmbitos locais e regionais, busca satisfazer as ne-
cessidades das comunidades onde está instalado, reconfi-
gurando e propiciando a maior aproximação com os seus
ouvintes. A inclusão de novos atores sociais pode represen-
tar um grande passo para a democratização nos meios de
comunicação, uma vez que as emissoras de rádios comuni-
tárias, públicas e educativas, de certa forma, convidam e ins-
tigam o cidadão a atuar de maneira mais eficiente e crítica
em sua comunidade. Para Márcia Yukiko Matsuuchi Duarte
“a comunicação é hoje o ponto de partida e de encontro
para o processo de reaprendizado da cidadania” (DUARTE,
2007, p. 105)

Participação nas emissoras de rádio pública:


uma realidade possível

O processo comunicativo, considerado por muitos teó-


ricos como essencial a conscientização e reaprendizado da
cidadania, pode ser compreendido não apenas como trans-
ferência de conhecimento, sob referência de Paulo Frei-
re (1971, p.66) a comunicação pode ser entendida como

281 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


“coparticipação no ato de pensar, requer reciprocidade e
encontro entre os sujeitos interlocutores que buscam a sig-
nificação dos significados”. Após décadas, o pensamento do
teórico a respeito da comunicação ainda permanece ade-
quado às reflexões atuais, pois sua abordagem dialógica do
processo comunicativo continua agregando à comunica-
ção uma dimensão de igualdade e de transformação. Sob a
mesma ótica de análise, a teórica Márcia Yukiko Matsuuchi
Duarte (2007, p.100) esclarece: “a ação comunicativa teria
o papel de promover a mobilização social, permitir ao cida-
dão, a partir da interação e do consenso, tomar decisões em
prol da articulação de mudanças sociopolíticas e culturais”.
Também compreendendo a comunicação em seu sen-
tido dialógico e transformador, o teórico Mario Kaplun
(1978) defendia o veículo de comunicação rádio, como ins-
trumento de educação e fortalecimento da cultura popu-
lar, e assim acreditava que era possível promover as práticas
cidadãs no rádio por meio de uma comunicação partici-
pativa. Em vista disso, Kaplun desenvolveu sua metodolo-
gia participativa, de acordo com as limitações da década
de 1970. Tal metodologia foi denominada “cassete-forum”
e consistia na participação dos ouvintes de uma determi-
nada rádio popular, por meio de gravações de fita cassete.
A dinâmica era simples, as gravações do programa eram
distribuídas para diferentes grupos de pessoas, que debatiam
e geravam novas gravações, posteriormente essas gravações
eram analisadas e baseadas nas reflexões de cada grupo, ge-
ravam-se novos conteúdos, e por meio dessa fita os grupos
tinham acesso às discussões dos outros grupos.
Apesar de a metodologia ser condizente aos recursos
tecnológicos limitados da época, é inegável que tal empre-
endimento corrobora a possibilidade de participação na
comunicação via rádio, o que leva o teórico a compreender
a comunicação via rádio da seguinte forma:

282 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


Um programa de rádio pode fazer muito
e constituir-se num elemento muito útil e
válido de comunicação popular se parte da
realidade social concreta do grupo humano a
que se dirige, podendo ajudar a esse grupo a
assumir e tomar consciência dessa realidade,
especialmente se identifica em sua ação
educativa com os interesses sociais do grupo.
A prática participativa não consiste nem tanto
em que “o povo fale pelo rádio”. É algo mais
amplo e global. Se pode exercer através de
distintas organizações populares e de diferentes
ações. A contribuição de um programa de
rádio pode ser a de prepará-las, removendo os
obstáculos culturais internalizados nos ouvintes.
(KAPLUN, 1978, p.34-35)4.

Infere-se, portanto, que a comunicação realizada nas


emissoras de rádio possibilita o enfoque de mão-dupla e
que a participação do ouvinte, ao contrário das realizadas
em emissoras comerciais, vai muito além da interativida-
de ação-resposta. Essa interatividade, segundo Alex Primo
(2000), supõe uma reação autônoma e criativa na qual o
sujeito pode agir livremente no processo comunicativo, en-
fim a interação nesse sentido é mútua, não de estímulo-res-

4. Tradução da autora: Um programa de rádio pode fazer muito e


constituir-se em um elemento muito útil e válido de comunicação
popular se parte da realidade social concreta do grupo humano a
que se dirige, ajuda esse grupo a assumir e tomar consciência dessa
realidade e identifica sua ação educativa aos interesses sociais do
grupo. A prática participativa não consiste apenas que o povo fale
pelo rádio. É algo mais amplo e global. Pode-se exercer através de
distintas organizações sociais e de diferentes ações. A contribuição
de um programa de rádio pode ser a de preparar removendo os
obstáculos culturais internalizados no ouvinte e etc.

283 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


posta. Alex Primo (2000) direciona seus estudos para o am-
biente informatizado, no entanto, sob a mesma perspectiva,
Ortriwano (1999, s/p) direciona a discussão para o âmbi-
to radiofônico e alerta para a participação do ouvinte em
emissoras comerciais. Segundo a estudiosa, a participação
do ouvinte consiste em responder perguntas, geralmente
envolvendo prêmios, pedidos e oferecimento de músicas,
no caso de programas policiais, explora-se na participação
o máximo de emoção nos depoimentos. Para Ortriwano
(1999 s/p.), mesmo com a inserção das emissoras na inter-
net, utilizando e-mail, bate-papo e etc., a participação do
ouvinte nessas emissoras ainda é controlada pelo emissor, e
não pelo receptor.
Em suma, o que se percebe é que a participação do ou-
vinte nas emissoras comerciais responde ao que é proposta
pela própria emissora, portanto a abordagem comunicativa
encontra-se distante de sua função social, com forte apelo
de entretenimento, o que não acontece em outras tipo-
logias de rádio, como emissoras comunitárias, educativas,
universitárias e públicas.
Ferrareto (2007) explicita a tipologia de rádios comer-
ciais e rádios wducativas. As últimas, segundo o teórico, atuam
sem fins lucrativos, mantidas pela União, governos estaduais,
municipais, fundações e universidades. Já as emissoras comer-
ciais constituem-se como empresas voltadas para obtenção de
lucro e representam a grande parcela das concessões da radio-
difusão brasileira. Sua programação está associada aos anúncios
publicitários, fazendo com que a emissora esteja envolvida com
os ouvintes e também com os anunciantes.
Diante deste cenário também se aponta a tipologia de
rádios comunitárias. Para Cicília Krohling Peruzzo (1998),
podem ser caracterizadas como: sem fins lucrativos, os
anúncios publicitários são na forma de apoio cultural e os
lucros revertidos para manutenção e reinvestimento nas

284 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


próprias emissoras. Pela ótica da programação, merece ser
destacado que seus produtos emanam da comunidade, ga-
rante o acesso público ao veículo onde o cidadão pode
participar efetivamente da produção dos programas, valo-
riza as expressões culturais locais, democratiza o poder de
comunicar e incentiva a construção da cidadania.
Essas três tipologias não são suficientes para descrever o
cenário contemporâneo do rádio, no qual algumas emis-
soras, principalmente as educativas, se autoproclamam pú-
blicas. No ano de 2004 a Associação das Rádios Públicas
do Brasil (ARPUB) é fundada, reunindo emissoras estatais,
educativas, culturais e universitárias. “Para ARPUB o que
define uma emissora de rádio pública é sua visão institucio-
nal que deve pautar-se em: difundir, irradiar e produzir cul-
tura, educação, cidadania, entretenimento, buscando atingir
um público cada vez mais amplo da sociedade” (ZUCO-
LOTO, 2011, p.10). Para Eugênio Bucci (2008, p.69), “as
emissoras púbicas, por vocação, pautam e discutem aspec-
tos da cidadania e contribuem para fortalecer, no limite, a
consciência cívica, a noção dos direitos e das liberdades”.
A radiodifusão pública, assim como a comunitária, de-
sempenha um papel fundamental no processo democrático
na medida em que supre o cidadão ouvinte com informa-
ções de interesse público, programações que valorizam a
expressão cultural e que publiciza e orienta seus ouvintes
sobre seus direitos e deveres. No entanto, a radiodifusão
pública está repleta de complexidades, mesmo que as emis-
soras estatais, educativas, universitárias e culturais se pro-
clamem públicas, ainda não existe um consenso sobre sua
definição, e “ainda não atendem aos critérios como: finan-
ciamento, gestão e programação democráticas independen-
tes e autônomas” (ZUCOLOTO, 2011, p.11).
Mesmo que o cenário atual radiofônico conte com di-
versas complexidades, pode ser pensada a emissora de rádio

285 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


pública em sua forma ideal, como um espaço onde o cida-
dão tem acesso para expressar sua opinião, sua reivindicação,
por meio da ação comunicativa, aflorando nesse ouvinte o
protagonismo diante das mazelas que o cerca e do interesse
coletivo. Em suma, a rádio pública possui características e
habilidades para atuar de encontro à construção da cidada-
nia na medida em que, pelo ato comunicativo e informa-
tivo, esses ouvintes participantes são aguçados, mais especi-
ficamente na sua criticidade, seu ativismo cívico e político.
Compreendidas as especificidades das emissoras de rá-
dio pública, reconhecendo-as como espaços propícios
para a deliberação e reivindicação do cidadão ouvinte, e
consequentemente contribuindo para sua emancipação e
protagonismo social, cabe o questionamento a respeito da
maneira que se dá a participação do ouvinte nesse ambien-
te. O comprometimento com a cidadania garante a efetiva
participação do ouvinte nas emissoras de rádio pública?
No presente artigo, a fim de contribuir para com essa
discussão busca-se por meio da experiência comunicativa da
emissora pública Rádio UNESP FM, apresentar um cenário
fértil para o desenvolvimento de ações estratégicas que visem
à aproximação dos cidadãos nas emissoras públicas.

Rádio UNESP FM: aspectos da experiência e


ingerência no ano de 2009

A Rádio UNESP FM é uma unidade complementar da


Reitoria, vinculada ao Centro de Rádio e Televisão Cultu-
ral e Educativa (CRTVCE), da Universidade Estadual Pau-
lista. Sediada no campus de Bauru, na região centro-oeste do
Estado de São Paulo, a emissora inaugurou as suas transmis-
sões no dia 13 de maio de 1991. A Rádio UNESP se procla-
ma pública, de caráter cultural e educativo, e mantém uma

286 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


grade de programação diversificada, na qual oferece aos seus
ouvintes cultura, educação, informação de interesse público.
Por meio de parcerias com entidades, Organizações Não
Governamentais (ONGs), institutos e órgãos governamen-
tais, a emissora produz conteúdo noticioso e musical oriun-
dos de diferentes regiões do país e do mundo. A equipe de
profissionais da UNESP FM vem cumprindo o objetivo de
promover a cultura e a educação, ampliando o horizonte de
seus ouvintes. A rádio apresenta uma programação musical
criteriosa, abordando diversos gêneros musicais: jazz, rock,
blues, erudito, orquestras, new age, pop e principalmente
as vertentes da Música Popular Brasileira: chorinho, samba,
música instrumental, clássicos, e as novidades de MPB. O
jornalismo da emissora tem o compromisso de relatar os
fatos do cotidiano, prestar serviços e destacar a Universi-
dade Estadual Paulista como fonte de informação, “dando
vida” aos acontecimentos, pesquisas científicas e eventos do
mundo acadêmico. A emissora também conta com a con-
tribuição de projetos de extensão, dos cursos de Radio e
TV, Jornalismo e Relações Pública da UNESP.
Com potência de transmissão de 3000 watts e antena de
41 metros, a emissora atinge um raio de 100 km, atendendo
a cidade de Bauru e região. A UNESP FM é sintonizada
em 105,7 MHz 5.
A Rádio UNESP FM conta com uma equipe de 24
profissionais, divididos nos seguintes departamentos: ad-
ministração, produção, locução, equipe técnica, jornalis-
mo, programação, programação e discoteca, operação de
áudio e transporte. É importante salientar que o diretor
geral da rádio até o ano de 2009 era denominado por

5. Informações disponíveis no site oficial da Rádio: http://radio.


unesp.br/historia. Acessado em 18/05/2012.

287 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


indicação do Reitor da UNESP e que a emissora tam-
bém conta no seu quadro de público interno, com um
Conselho Regulador do Centro de Rádio e Televisão
Cultural e Educativa da UNESP, formado por: Diretor
da Rádio, Diretor da Faculdade de Arquitetura, Artes e
Comunicação (FAAC) da UNESP, representante docen-
te da FAAC, representante do PROEX- Pró-Reitoria
de Extensão Universitária, representante do Conselho
Universitário e representante da Assessoria de Comuni-
cação e Imprensa.
Como se pode observar no quadro de funcionários,
a rádio não possui um departamento de comunicação,
nem um departamento ou central de atendimento ao
ouvinte, o que leva ao questionamento se a ausência
de profissionais de comunicação responsáveis por gerir
estrategicamente o diálogo entre os públicos acarretaria
algum dano para a organização.
Por meio da pesquisa qualitativa realizada no ano de
2009, pela autora do presente artigo, foram aplicadas
entrevistas em profundidade com os funcionários da
Rádio UNESP que continuam atuando na emissora, e
antigos diretores, como também foi realizada observa-
ção assistemática da emissora. Os métodos escolhidos
tinham como objetivo compreender o processo comu-
nicativo da emissora com o público ouvinte e público
interno. Em relação ao ano de 2009 o escopo metodo-
lógico resultou nas seguintes constatações:

a) A Rádio UNESP FM não possui uma delimitação de pú-


blico-alvo, acredita-se que sejam adultos das classes sociais A e
B, no entanto, como não foi realizada nenhuma pesquisa de
audiência, tal impressão não pode ser corroborada.
b) As formas de participação do ouvinte disponibilizadas

288 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


eram: e-mail, “fale conosco” do site institucional, telefone
e cartas. No entanto, ao analisar a grade de programação
da rádio, percebeu-se que o estímulo à participação estava
focada nos pedidos de música, principalmente no programa
matutino Manhã Popular Brasileira6, e a interação com o
ouvinte geralmente não se dava de maneira simultânea, “ao
vivo” na programação, pois a emissora não possuía funcio-
nário para filtrar as ligações e direcioná-las aos locutores.
A comunicação participativa de certa forma mais efetiva
acontecia no Programa Interação Comunitária7, ou quando
o cidadão era convidado na seção de entrevistas no jorna-
lismo, que ocorria no estúdio da emissora, ou na varredura
que o comunicador do Interação Comunitária ainda faz
nas comunidades periféricas da cidade de Bauru-SP, geral-
mente para cobrir eventos e manifestações culturais.
c) Mesmo com o comprometimento para a cidadania e in-
formação de interesse público, os funcionários relataram nas
entrevistas semi-estruturadas que não conseguiam detectar o
grau de proximidade que a rádio possuía com os ouvintes, pois
a participação do ouvinte não era frequente na programação,
devido ao pouco estímulo e restrição de possibilidades.
d) Sob o olhar da comunicação organizacional, constatou-
-se que os funcionários da emissora não compartilhavam
a compreensão da emissora como uma empresa e desco-
nheciam a missão, visão e metas da Rádio UNESP FM.
Por não conter em sua equipe um profissional responsável

6. A revista interativa da MPB. Seleção musical que atende aos pedidos


de ouvintes e divulga lançamentos do mercado fonográfico, notícias,
agenda e curiosidades. Entrevistas com protagonistas do gênero.

7. Programa semanal com entrevistas e informações que visam promover


e atender os anseios de toda a comunidade.

289 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


pela gestão da comunicação, as atividades como mediação
de conflitos, monitoramento de visitas técnicas, elaboração
de campanhas institucionais, organização de eventos, dentre
outras ações estratégicas, eram realizadas pelos líderes da
organização.
e) A comunicação institucional da rádio era realizada pela
própria emissora por meio de veiculação de vinhetas, e no
apoio as campanhas sociais divulgadas na rádio. O site da
instituição encontrava-se desatualizado e a emissora não
possuía material impresso de divulgação como folders,
flyers, press-kit e etc.
f) Ao entrevistar diretores que assumiram a rádio a partir de
1993, compreendeu-se que a emissora também carregava
conflitos estruturais. Quando projetada, a emissora foi idea-
lizada sob alcance local, pois sua concessão pública era mu-
nicipal, no entanto tal concessão desdobrou-se como posse
da Universidade Estadual Paulista, exigindo uma reelabora-
ção do projeto inicial, fato não ocorrido, o que segundo os
diretores entrevistados, ocasionou sérios problemas na de-
finição da emissora e de propósitos da mesma, o que se re-
fletiu na dificuldade em delimitar o público-alvo da rádio.
Algumas gestões tiveram como meta aproximar a emissora
dos universitários, porém, mesmo com a realização de pro-
jetos de extensão e estágios, percebeu-se que na gestão de
2009 o relacionamento entre universitários e rádios não era
estreito, e também não era considerado fator para esforços
na gestão. Outra alternativa utilizada nas gestões anteriores
foi transformar a grade de programação mais eclética, a fim
de atingir de forma mais efetiva os interesses dos moradores
da cidade de Bauru.
Diante deste cenário em que se encontrava a Rádio
UNESP-FM em 2009, é constado que apenas o compro-

290 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


metimento com a cidadania no processo comunicativo não
garante a efetiva participação do ouvinte. E assim, por meio
da perspectiva das relações públicas buscou-se problemati-
zar e propor ações a fim de que o processo comunicativo
na emissora de rádio pudesse ser realizado de forma mais
participativa tanto em relação ao público ouvinte quanto
ao público interno.
Entendendo a participação do cidadão nos meios de
comunicação como uma necessidade latente para consoli-
dação da democracia social, o profissional de Relações Pú-
blicas pode ser considerado uma “peça-chave”, um agente
fomentador da participação nesse contexto, já que possui
aparato teórico humanístico, aplicado na comunicação, a
fim de proporcionar a compreensão mútua entre diferentes
públicos e assim gerir relacionamento e conflitos de inte-
resses entre organização-público.
A expoente teórica da área de Relações Pública, Margarida
Krohling Kunsch (1997, p.141) aponta que, com a velocidade
das mudanças ocorridas em todos os campos na contempo-
raneidade, as organizações assumem novas posturas mediante
a sociedade, o que as impele a um novo comportamento ins-
titucional perante a opinião pública, fazendo com que essas se
preocupem cada vez mais com as relações sociais.
Além disso, a teórica explana a respeito da compreensão
das diversas organizações como unidades sociais, exigindo
desses profissionais da comunicação uma atuação que ex-
trapola os limites apenas organizacionais, e que vai de en-
contro à construção da cidadania, no sentido em que pro-
move processos comunicativos para transformação social.
Sob mesma ótica de análise, o teórico José Felício Goussain
Murade (2007, p.162) acrescenta:

Nesse processo de enfrentamento para a construção


da cidadania, as relações públicas devem incentivar

291 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


a inquietação dos protagonistas sociais, o desejo de
transformar a realidade, de construir outra diferente
da instituída pelo poder hegemônico, enfim, de al-
cançar a consciência e a ação crítica.

A latente discussão sobre a inclusão do cidadão no pro-


cesso de produção de conteúdos dos meios de comunicação,
assim como participação nos níveis de gestão e controle das
mídias, para que seja efetuada a democratização da comu-
nicação, leva a reflexão sobre a melhor forma de introduzir
e inserir os cidadãos nessas organizações comunicacionais.
Diante desse panorama, o presente artigo defende que, para
tal ocorrência, a atuação de um gestor da comunicação nas
emissoras de rádio pública não só contribuiria para o fo-
mento da participação do ouvinte na programação radio-
fônica, como auxiliaria todo o processo de recepção e aco-
lhimento desses cidadãos, a fim de tornar essas organizações
midiáticas mais acessíveis e próximas aos ouvintes.
O processo comunicativo quando voltado para a cons-
trução e ampliação das práticas cidadãs, carrega os preceitos
de democracia e cidadania e tem a capacidade de promover
um ambiente acolhedor e fértil para que os cidadãos pos-
sam falar de seus projetos comunitários, reivindicarem me-
lhorias no fornecimento de bens coletivos, divulgarem seu
evento, sua manifestação cultural, opinarem sobre formatos
e conteúdos de programas e etc.
Essa abordagem de atuação comunicacional requer um
olhar diferenciado para as emissoras de rádio, compreen-
dendo-as como instituições sociais que necessitam além de
esforços de comunicação dialógica com seu público ou-
vinte, e também com seu público interno (funcionários,
voluntários, estagiários), para que o processo comunicativo
interno reflita o comprometimento da emissora para com o
desenvolvimento social. Segundo Marchiori (2006, p.205)

292 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


“é por meio da comunicação que uma organização pode
justamente democratizar a informação, [...] o sucesso de
uma empresa está na sua instância interna, nas habilidades
de comunicação que dispõe, na conversa que ela trava com
seu público”. Balizados nessa perspectiva foram destacados
alguns pontos a serem melhorados na gestão de 2009, e
sugeriram-se algumas ações a fim de promover a comuni-
cação mais participativa na Rádio UNESP-FM:

a) Definição de plano estratégico: A Rádio UNESP-


-FM possui uma trajetória histórica marcada por desdo-
bramento em sua concessão, de municipal para posse uni-
versitária, fato que agravou seu projeto inicial e demais
definições estratégicas. Em vista disso, percebe-se uma ne-
cessidade urgente de definição de visão, missão, valores, me-
tas organizacionais, para que assim os colaboradores possam
compreender a rádio enquanto organização. Com a defini-
ção desses pontos estratégicos, é possível criar canais de co-
municação interna como intranet, bate-papo, utilizando-os
para compartilhar as diretrizes da emissora de rádio e fo-
mentar a comunicação mais horizontalizada. Fortalecendo
o pertencimento e compreensão dos colaboradores junto
à emissora, a comunicação com o público ouvinte pode
se tornar mais participativa, na medida em que a emissora
estará posicionada de forma mais consolidada como orga-
nização midiática em comprometimento com a cidadania.
Além disso, para transmitir tais valores da emissora, faz-se
necessário a implantação de um projeto ao público interno
para que a cidadania seja vivenciada nas rotinas de trabalho
da emissora.
b) Pesquisa de Opinião Pública: O profissional de Re-
lações Públicas utiliza a pesquisa de opinião a fim de se
antecipar às reações dos públicos, e traçar de forma mais

293 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


efetiva suas ações comunicativas, no entanto esse recurso
também pode ser utilizado com objetivo de compreender,
mapear e definir melhor seu público. Por meio das entre-
vistas realizadas foi possível detectar a distância existente
entre comunicação realizada e público atingido. Tal relação
na Rádio UNESP-FM está pautada em estimativas e dedu-
ções. Portanto, já que a comunicação realizada na emissora
está comprometida com a cidadania, é preciso detectar qual
a relação entre emissora e cidadão. Tal distanciamento pode
ser considerado um agravante no processo comunicativo.
Assim, para que a situação seja contornada, sugeriu-se em
2009 que a pesquisa de opinião fosse realizada. A partir dos
resultados desta pesquisa, as atividades como realização de
eventos, elaboração de materiais de divulgação da emissora,
viabilização de canais de comunicação mais eficientes entre
organização e público interno e público ouvinte, estariam
respaldadas.
c) Participação do Ouvinte: A participação do ouvinte
na Rádio UNESP-FM pode ser considerada uma grande
limitação para efetivação da comunicação para a cidadania.
Mesmo produzindo informação de interesse público, os ci-
dadãos não conseguem participar de maneira simultânea
(ao vivo) na programação da emissora, pelo fato de não
possuir um funcionário para filtrar as ligações, o que pre-
judica a participação efetiva dos ouvintes na programação
da rádio. Possibilitar tal abertura é premissa fundamental
para rádio, pois sem o diálogo com o ouvinte os esforços na
construção da cidadania são esvaziados, já que os mesmos
convidados ao protagonismo, não conseguem ser ouvidos
nem mesmo na própria emissora.

Na gestão de 2009 da Rádio UNESP-FM foi possí-


vel detectar aspectos que precisavam ser melhorados, o que

294 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


despontou com mais evidência foi a necessidade de reali-
zar ações estratégicas e comunicativas voltadas para o pú-
blico interno primeiramente, formando-o para os valores
organizacionais da emissora radiofônica, para que assim a
comunicação para a cidadania transcendesse os conteúdos
jornalísticos e pautasse o posicionamento organizacional, a
maneira de ser da emissora. Já que a comunicação compro-
metida com a cidadania esbarrava na reduzida participação
do ouvinte na emissora, o cenário revelado em 2009 era de um
processo comunicativo baseado no modelo de Grunig e Hunt
(1984) “informação pública”, no qual existe a preocupação em
disseminar informações fidedignas, porém esse processo se dá
em via de mão única. Com os apontamentos referentes à in-
gerência de Relações Públicas, é possível vislumbrar que com
ações estratégicas, esse modelo de mão única pode ser superado
por um modelo de comunicação simétrico de duas mãos, no
qual a compreensão mútua e participação dos públicos são fa-
tores essenciais ao processo comunicativo.

Após três anos das primeiras impressões:


Rádio UNESP FM, sob nova gestão

Em 24 de Dezembro de 2009, após processo eleitoral


inédito na história da rádio, com elaboração da lista tríplice,
em sessão ordinária do Conselho Cultural do Centro de
Rádio e Televisão Cultural e Educativo (CRTVCE), a fun-
cionária Cleide Portes (editora- chefe do Jornalismo) foi
nomeada Diretora Geral da Rádio UNESP FM.
A eleição para diretoria da emissora trata-se de um mar-
co e até mesmo um avanço nas práticas democráticas or-

295 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


ganizacionais. Segundo locutor da rádio, Wellington Leite8,
quando questionado sobre a atual gestão da emissora de-
clarou que “o fato de a rádio ser administrada por funcio-
nários de um lado facilita a abertura a novos projetos, de
outro limita mudanças estruturais”.
A abertura a novos projetos é claramente observada nos
relatórios de atividades da emissora referentes ao ano de
2010 e 2011, condizentes também ao objetivo da gestão
atual, que está focada na utilização do rádio como elemen-
to imprescindível para o ensino, a pesquisa e a extensão
universitária. Comparando-se as ingerências realizadas em
2009, pode-se constatar que, devido ao foco da atual gestão,
a maioria das sugestões foram acatadas como listado abaixo:

1) No ano de 2010 a emissora em parceira com o Núcleo


Opinião do Curso de Relações Públicas da UNESP, rea-
lizou uma pesquisa qualitativa de audiência com objetivo
de definir a imagem da emissora junto à comunidade bau-
ruense. Elaborada pela aluna do curso de Relações Públicas
da UNESP, Christiane Delmondes Versuti, orientada pela
Professora Doutora Célia Retz Godoy dos Santos. Sob re-
cursos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo (FAPESP), a iniciação científica, por meio de grupo
focal e pesquisa de opinião, foi realizada em dois bairros
da cidade de Bauru. Assim como o estudo realizado em
2009, a pesquisa de imagem da rádio também detectou a
necessidade de aproximação da emissora com a comunidade
bauruense e até mesmo com os discentes de comunicação da
Universidade. Apontou-se também a falta de espaço para rei-

8. Comentário pronunciado na palestra “Segmentação no Rádio e a


Comunicação Local” do IV Enco-Rádio, realizado no dia 4 de ju-
nho de 2012 na UNESP, campus Bauru, em comemoração aos 90
anos do rádio.

296 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


vindicação, portanto necessidade de criação de mecanismos
de interatividade com seus ouvintes, melhorias na transmis-
são do sinal, e ampliação da divulgação institucional. Estas
sugestões são semelhantes às apresentadas no ano de 2009,
mesmo em se tratando de públicos diferentes entrevistados,
já que o primeiro estudo concentrou-se no público interno
da emissora, e o segundo iniciado em 2010, está focado no
público ouvinte.
2) A partir das constatações apresentadas tanto em 2009
quanto em 2010, a diretoria preocupada com o processo
comunicativo da Rádio UNESP, baseada nos resultados de
ambas pesquisas, enviou um projeto à Reitoria da Univer-
sidade, a fim de angariar financiamento para implantação de
um Núcleo de Comunicação na emissora. Até a finalização
deste artigo a proposta ainda não havia sido posicionada.
3) Contribuindo com a extensão universitária, propósito
da gestão atual da rádio, programas/programetes como: Mi-
nuto Consciente, Ecoando, Interação Comunitária, Poesia
e Prosa, O Rádio conta o Rádio, Língua Portuguesa na
Mídia, Observatório do Esporte, Toque da Ciência e Ob-
servatório da Educação em Direitos Humanos, são desen-
volvidos por meio de projetos nos quais os alunos atuam
de forma efetiva na elaboração de conteúdo radiofônico.
Além dos bolsistas referentes aos projetos, a emissora man-
tém anualmente dois alunos bolsistas estagiários do curso
de jornalismo na redação da emissora, supervisionados pelo
editor-chefe.
4) Em comemoração aos 20 anos da emissora, em maio
de 2011 a diretoria em parceria com o SESC-Bauru e a
Empresa Júnior de Relações Públicas da UNESP, realizou o
“Festival Cultural de 20 anos Rádio UNESP” que contou
com adesão de bandas da região e shows de músicos de re-

297 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


nome nacional. A fim de divulgar o evento comemorativo,
além dos esforços em assessoria de imprensa, foram criados
perfis específicos do Festival nas redes sociais: facebook e twit-
ter. Tais ações atraíram o público jovem da cidade de Bauru
e região e principalmente os discentes da Universidade.
5) Além do sucesso conquistado com a realização do Fes-
tival em Comemoração aos seus 20 anos, a Rádio UNESP
em 2011 passou a ter um representante na Diretoria da
Associação de Rádio Públicas do Brasil (ARPUB).
6) A proximidade com a comunidade de Bauru ainda é
uma questão preocupante na gestão da emissora, no entanto
algumas medidas vêm sendo tomadas para estimular a parti-
cipação do ouvinte e a interatividade na programação. Em
2011 o site institucional foi atualizado, se tornando mais
dinâmico e moderno. Sendo possível ouvir a rádio ao vivo,
além do computador, também em dispositivos móveis. Na
reformulação do site foi criado um espaço para o internau-
ta/ouvinte pedir música, diferenciado do espaço para con-
tatar a emissora. No que tange o acesso ao contato telefôni-
co, a emissora ainda não possui um funcionário para filtrar
as ligações, no entanto foram estabelecidos diversos ramais
telefônicos, que de certa forma agilizam o atendimento ao
ouvinte. O que não significa que pela implantação desses
ramais, o ouvinte possa participar ao vivo, simultaneamente
na programação da emissora. Pela observação assistemática
da programação da emissora detectou-se maior estímulo a
participação do ouvinte, por meio de vinhetas divulgando
a linha telefônica exclusiva e o endereço do site.
7) No ambiente digital, a emissora criou uma fan page ins-
titucional na rede social Facebook em agosto de 2011, até o
final da pesquisa a página contava com adesão de apenas 52
perfis, o que demonstra a necessidade de atuar de forma mais

298 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


denotada nas redes sociais. A respeito do conteúdo trabalha-
do no Facebook, observou-se forte apelo na divulgação de
sorteio de ingressos de shows realizados no SESC-Bauru,
divulgação da grade de programação e dicas de eventos cul-
turais na região. Com objetivo de atrair mais adesões na
página da Rádio UNESP, o conteúdo trabalhado na rede
social poderia ter uma abordagem mais interativa, estimu-
lando mecanismos no próprio Facebook como o comparti-
lhamento e os comentários.

Considerações finais

Ao apresentar uma análise comparativa a respeito do


processo comunicativo na Rádio UNESP FM, tendo como
base o ano de 2009 e posteriormente comparando-se as medi-
das acatadas até o ano de 2012, foi possível demonstrar alguns
processos de mudança. Enfim, o desenvolvimento da emissora
na busca de maior participação do ouvinte. Mesmo com os
avanços conquistados na atual gestão, ainda constam aspectos
importantes a serem melhorados em relação à participação ci-
dadã na rádio. Um agravante emergente de solução é o acesso
do ouvinte de forma simultânea, ao vivo na grade, e criação de
um espaço diferenciado na programação para o ouvinte expor
seus projetos e suas reivindicações.
Pelo estudo apresentado, é fato que importantes passos
foram dados para evolução da emissora, como a inserção da
rádio na rede social Facebook, a reformulação e atualização
do site institucional, a realização de evento comemorativo
aos 20 anos de emissora, a maior abertura aos projetos de
extensão universitária, dentre outras ações.
As mudanças ocorridas no período analisado podem ser
consideradas ganhos em cidadania na emissora de rádio. No
que tange o âmbito interno, destaca-se a nomeação da diretoria

299 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


da rádio por meio de eleições, já em relação ao âmbito externo
destaca-se a reformulação do site, a criação de páginas em redes
sociais, e inserção de vinhetas com maior frequência na progra-
mação, visando estimular a participação do ouvinte.
No entanto, em se tratando da efetiva participação do ou-
vinte, constata-se que muitos passos ainda precisam ser dados,
como demonstrado: implantação de Núcleo de Comunicação
a fim de atuar estrategicamente na relação organização-público
e contratação de funcionário para filtrar as chamadas telefôni-
cas, possibilitando a participação ao vivo do ouvinte nos pro-
gramas transmitidos pela Rádio UNESP FM.
Buscou-se, com a experiência do processo comunicativo
da Rádio UNESP FM, promover uma reflexão a respeito
da importância da participação do ouvinte nas emissoras de
rádio pública, as quais se autoproclamam comprometidas
com as práticas cidadãs.
Na busca de audiência, além da concorrência com as
emissoras comerciais, as rádios públicas sofrem muitas vezes
com falta de infra-estrutura e recursos financeiros. Median-
te o cenário com recursos insuficientes e ao mesmo tempo
com denotada potencialidade a ampliação da cidadania, os
meios de comunicação públicos precisam ser considerados
pelos governantes e pela comunidade como uma alterna-
tiva eficaz para a democratização da comunicação no país.


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302 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


12.
Panorama das Rádios
Comunitárias

Bruno Araújo Torres1


União de Ensino Superior de Viçosa

A presente pesquisa foi realizada com o objetivo de tra-


çar um perfil das emissoras comunitárias legalizadas ope-
rantes no Brasil. Mas, antes de começar qualquer discussão
sobre o tema, é fundamental compreender que, apesar das
exigências legais, a maior parte das emissoras que se di-
zem comunitárias, na verdade não o são. Muitas associa-
ções fantasmas foram criadas por políticos, arregimentando
a participação popular graças às práticas clientelistas, que
envolvem um indiscriminado intercâmbio de favores. No
Ceará, por exemplo, Vidal Nunes (2001) identificou que
das quase quatrocentas emissoras existentes, apenas 10% são
autenticamente comunitárias, ou seja, têm gestão coletiva,

1. Doutor em Comunicação pela Universidade de Valência na Espa-


nha (2002 - 2006). Professor e Coordenador da Pós-Graduação em
Comunicação da UNIVIÇOSA.

303 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


programação plural e participação popular efetiva em todas
as instâncias.
Na opinião de Vidal, essas emissoras autenticamente co-
munitárias são fundamentais para a vida dessas comunidades
onde surgiram, pois, além de servirem a inúmeros interesses
coletivos - serviços de utilidade pública, tais como coleta
de contribuições para o enterro das pessoas, localização de
meninos perdidos, recados, chamadas telefônicas etc. - con-
tribuem para o processo de organização e para a ampliação
do nível de consciência política da comunidade.
Há uma verdadeira proliferação de emissoras clandesti-
nas que, por operarem em baixa frequência, com progra-
mação cultural e sem fins lucrativos, se autodenominam
comunitárias. Entretanto,

“não possuem qualquer autorização para seu funcio-


namento, sob o argumento de que não necessitariam
prévia autorização por parte do Poder Público, uma
vez que uma eventual proibição afrontaria o dispo-
sitivo de art.5, inciso IX, da CF/88, que estabelece
a livre expressão da atividade intelectual, artística,
científica e de comunicação, independentemente de
censura ou licença” (SARDINHA, 2004, p.226).

Método

O primeiro passo para este estudo, que culminou em


uma tese de doutorado, foi dado no segundo semestre de
2004, quando se iniciou a procura por alguma entidade que
representasse as rádios comunitárias no Brasil. Como bem
ilustra Nestor Buso2, dirigente da Aler, Associação Latino-

2. Conceituando o Movimento - texto para Encontro de Ouro

304 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


-Americana de Educação Radiofônica, na reunião de reda-
ção do documento final do Foro Social Mundial, em Porto
Alegre, em fevereiro de 2000, que “no Brasil as entidades
que representam as rádios comunitárias se confundem,
enfrentam-se, eventualmente realizam parcerias”. Segundo
Buso, todas se alimentam das emissoras comunitárias e se
afirmam opostas ao monopólio das comunicações. Entre-
tanto, não há registro de qualquer ação geral conjunta vi-
sando a democratizar as comunicações. Diz ainda que não
existe um único movimento de rádio comunitária. Muitas
são as entidades que atuam, e o particularismo impõe uma
prática em que cada uma reivindica o pioneirismo, organi-
za-se de forma vertical e disputa uma parcela de afiliados
para seus objetivos exclusivistas. Algumas se dedicam ape-
nas a capacitar as emissoras existentes, independentemente
da característica ou proposta. Outras se dedicam a inter-
mediar serviços até a concessão da outorga. Muitas atuam
na captação de recursos para promover eventos dos mais
variados objetivos e matizes.
Ruas (2004, p. 137) também já advertia de que “as rádios
comunitárias não dispõem de uma associação que as congre-
gue e que ministre condições necessárias para sua atuação”.
No entanto, em junho de 2005, descobriu-se que o Si-
nerc, Sindicato das Entidades Mantenedoras do Sistema de
Radiodifusão Comunitária de São Paulo, que muito gentil-
mente cedeu uma lista que continha as emissoras associadas
do Estado de São Paulo.A lista era formada por 145 emissoras
registradas em ordem alfabética, de acordo com a cidade em
que estavam instaladas. A planilha também continha dados

Preto - Luiz Carlos Vergara www.rbc.org.br “Nós Queremos


transformar a sociedade e por isso fazemos rádio. Nestor Buso,
dirigente dá Aler, na reunião de redação do documento final do
Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, fevereiro de 2000.

305 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


como o nome de fantasia da emissora, nome do responsável,
telefone, e-mail, endereço e CEP. Foi enviado e-mail a todas
as emissoras que tinham registrado seu e-mail na lista enviada
pelo Sinerc, totalizando 120 mensagens enviadas.
No dia 18 de julho de 2004, as emissoras que não ti-
nham fornecido o e-mail ou cujo e-mail havia “voltado”,
totalizando 25 emissoras nessa situação, foram contatadas
por telefone. Nos três primeiros dias de pesquisa, somente
tentou-se entrar em contato com essas emissoras na espe-
rança de que as outras respondessem ao e-mail. Ao final, so-
mente cinco emissoras nos responderam o questionário por
e-mail e as demais quarenta e cinco foram questionadas por
telefone3. A coleta de dados se encerrou no dia 29 de julho.
Setenta e oito por cento dos questionários foram res-
pondidos pelos dirigentes da emissora. Um pré-teste foi re-
alizado para ajustar as perguntas do questionário. Também
é importante ressaltar que a aplicação dos questionários
via telefone foi realizada exclusivamente pelo autor deste
trabalho. Somente duas pessoas se recusaram a responder
o questionário por telefone. O contato impessoal causado
por este método de pesquisa foi o maior problema diagnos-
ticado, mas não interferiu na apuração do resultado final.
Na sequência, faremos uma análise dos resultados do
trabalho de campo.

3. As cidades que responderam o questionário foram: Álvares Machado,


Andradina, Araraquara, Assis, Avaré, Bady Bassit, Barueri, Batatais, Ber-
tioga, Campinas, Cananeia, Cerqueira César, Cravinhos, Guararema,
Guareí, Guarulhos, Igaratá, Itajobi, Itatiba, Itirapina, Itupeva, Jales, La-
ranjal Paulista, Lençóis Paulista, Mesópolis, Miguelópolis, Mogi-Guaçu,
Nova Europa, Paranapanema, Paulínia, Pedrinhas Paulista, Penápolis, Pi-
racaia, Pirajuí, Pirassununga, Pompéia, Presidente Bernardes, Ribeirão
Bonito, Ribeirão Pires, Salto Grande, Santa Albertina, Santa Cruz das
Palmeiras, Santa Fé do Sul, Santa Gertrudes, Santa Isabel, São João da
Boa Vista,Taquarituba,Taubaté,Três Fronteiras e Valinhos.

306 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


Resultados

O Gráfico 1 mostra que nenhuma emissora respondeu


que a rádio era de um estilo comunitário. A pergunta “qual
é o estilo de programação da rádio” era aberta, e o entre-
vistado estava livre para responder o que quisesse. Todos
responderam em função do estilo mais tocado de música.
Normalmente, quando o entrevistado respondia que a rá-
dio tocava de tudo, o pesquisador insistia na pergunta e
a resposta era “eclético ou variado”, como bem podemos
observar no Gráfico 1, em que 86% dos entrevistados de-
clararam que a emissora era de um estilo variado.

  Gráfico 1 - Estilo da Programação

   

12%   2%   Variado  

Sertanejo  

Gospel  

86%  

Gráfico  1  

A pergunta “qual o público alvo da rádio” tinha por ob-


jetivo principal identificar se a emissora comunitária estava
interessada em representar somente a comunidade onde ela
estava inserida ou se ela tinha a intenção de cobrir a cidade
onde ela estava instalada, como um todo. Interessante é no-
tar que nenhum entrevistado respondeu que o público alvo
da rádio era a comunidade onde ela estava instalada. Mais
uma vez a pergunta era aberta e dava margem para que o

307 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


entrevistado respondesse livremente. Assim sendo, 30% das
rádios comunitárias têm como público alvo toda a cidade
onde ela está instalada, 24% disseram que seu público alvo
é geral/variado - um dado que eu considero vago - e 22%
  das emissoras disseram ser toda a comunidade seu público
alvo. Outros 6% disseram orientar a rádio às donas de casa e
os demais 18% estão divididos por igual entre outros públi-
cos, como bem podemos observar no Gráfico2.

Gráfico 2 – O público alvo da emissora

Toda cidade  
2%2%    2%   Geral/Variado  
2%2%    
2%   Toda a comunidade  
2%  
2%   30%   Donas de casa  
2%  
Maiores de 25 anos  
6%   30 a 35 anos  
Classe média  
Classe baixa  
Zona Rural  

22%   Família  
Juventude  
24%   Evangélico  
Indefinido  
Gráfico  2  

Os dados revelam que as rádios comunitárias não estão


dirigidas, como deveriam estar, a um público específico, ou
seja, a uma comunidade específica. De acordo com a lei,
a rádio não pode fazer proselitismo, deve representar um
bairro, uma comunidade, ser a voz do povo de uma de-
terminada localidade. A rádio comunitária deve ser mais
aberta ao diálogo e ao debate, ser menos musical. Apresen-
tar propostas diferentes de fazer rádio. Ser criativa, procurar
essa criatividade. Afinal, foi para esta finalidade que as co-
munitárias foram criadas: para fazer algo diferente das emis-

308 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


soras comerciais. E a cada gráfico apresentado neste traba-
lho, conclui-se que não é bem isso o que está acontecendo.
É fato que existem emissoras realmente de caráter co-
munitário. Acreditamos que, entre essas emissoras investi-
gadas, como também podemos observar pela análise dos
gráficos, existam emissoras realmente comunitárias, mas
infelizmente são a exceção e não a regra. Notamos que a
maioria delas parece não representar este caráter comunitá-
rio que tanto se buscou com a lei 9.612.
Interessante é ressaltar que muitas dessas emissoras
comunitárias reivindicam aumento da potência. Mas
para quê? Para fazer o mesmo que já fazem as emisso-
ras comerciais? O que não pode acontecer é que uma
emissora comunitária funcione como uma emissora co-
mercial. Por que não? Porque se alguém quer transmi-
tir com potência superior a 25 watts, então que instale
uma emissora comercial. Simplesmente porque para isso
já existem as emissoras comerciais AM e FM e não se
precisaria fazer uma lei específica para a radiodifusão
comunitária.
Conta-nos Ruas (2004, p. 135) em sua pesquisa que,
tanto com os presidentes das associações quanto com os
moradores, observou-se falta de conhecimento, tanto da
própria comunidade quanto dos integrantes das Associa-
ções Comunitárias.

“Ambos confundem conteúdo com o que abran-


gem. Acreditam que, por estar prestando serviços a
uma determinada comunidade e cumprir a lei com
relação a manter a potência do transmissor em até
25 watts, já podem intitular as suas emissoras como
“comunitárias”. Tendo em conta sua audiência e/
ou seu público restrito, já que alcançavam apenas
aquela comunidade e eventualmente alguns bairros
adjacentes, esqueciam por completo do conteúdo,

309 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


fazendo parecer que uma emissora é comunitária
pelo fato de ser organizada dentro de um bairro
ou estar restrita territorialmente. Ao contrário, uma
rádio comunitária se intitula comunitária pela par-
ticipação da comunidade em sua gestão e não por
sua audiência e/ou alcance de público”.

Ainda com o objetivo de tentar identificar o estilo


das emissoras, outras perguntas foram feitas em diferen-
tes pontos do questionário que serviriam como “per-
guntas de controle”, estratégias utilizadas nas investi-
gações sociais para analisar as respostas recebidas. Essas
perguntas, quando cruzados seus resultados, teriam que
revelar um resultado parecido/semelhante. Por exem-
plo, havia uma pergunta sobre o estilo de programação
da emissora, outra sobre o público alvo da rádio, outra
querendo saber qual era o programa mais ouvido da
rádio e de que estilo era este programa. Para finalizar,
era perguntado se a emissora tinha algum programa es-
pecífico para a comunidade onde ela estava inserida.
Com estas perguntas foi possível identificar o que
uma emissora comunitária faz em seu dia a dia e qual
seria seu perfil verdadeiro. Por considerar esse tema um
dos mais importantes da investigação, insistiu-se tantas
vezes em fazer perguntas diferentes, mas cujas respostas
deviam ser parecidas. Por isso, foram denominadas de
“perguntas de controle”, com a finalidade de identifi-
car possíveis contradições entre as respostas dos entre-
vistados.

310 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


Gráfico 3 – O ouvinte pode participar
da programação?
   

2%  

Sim  

Não  

98%  

Gráfico  3  

 
Gráfico 4 – Como o ouvinte pode participar
da programação

Fone/carta/e-mail  
4%   2%  

Pode fazer programas  

Não sabe/ não respondeu  


94%  

Gráfico  4  

Como esperado, no Gráfico 3, 98% dos entrevistados


responderam que sim à primeira parte da pergunta, mas
sem antes saber que estavam sendo avaliados sobre o “real”
estilo da emissora e questionados sobre “como” o ouvin-
te poderia participar da programação da emissora. Nesta

311 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


análise, um dado que surpreendeu muito, pois 94% dos en-
trevistados responderam que o ouvinte poderia participar
por telefone/carta ou e-mail e somente 4% disseram que o
ouvinte poderia participar ativamente na programação da
emissora, fazendo e produzindo programas de acordo com
seu gosto.

Discussão

As rádios comunitárias deveriam ter objetivos de mudança e


desenvolvimento social, promovendo o direito à comunicação
e à informação, em uma perspectiva de um sistema justo que
tenha em consideração direitos humanos, tornando o poder
acessível às massas e abrindo sua participação.
O termo “rádio comunitária” identifica um veículo de
expressão social dos membros de uma comunidade, enten-
dida como uma população local que compartilha interesses
comuns. Opera em “mão dupla”, oferecendo à comunida-
de a oportunidade não só de ouvir, mas de falar, debater
problemas, formular reclamações, divulgar as manifestações
culturais e artísticas. Também denominada em vários países
da América do Sul, como o Peru, Bolívia e Chile, de “co-
municação grupal” ou “não de massas”, tem o objetivo de
alcançar um alvo limitado, entretanto, qualificado, ao con-
trário da rádio de massa, que dirige suas mensagens para o
grande público, heterogêneo e disperso.
No estudo “Formação de comunicadores comunitá-
rios: experiências colombianas”, o professor e investigador
colombiano Germán Munõz ressalta que a comunicação
comunitária prioriza o intercâmbio de ideias, de notícias
e não a transmissão unilateral das informações. Suas carac-
terísticas essenciais, afirma Munõz, podem ser resumidas
“na participação de moradores locais como planejadores,

312 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


produtores e intérpretes de meios de comunicação da co-
munidade. Esses meios de comunicação funcionam muito
mais como instrumento de comunicação da comunidade
que para a comunidade” (1989, p. 145).
A Unesco (2002) define a rádio comunitária de acordo
com a palavra “comunidade”, que “designa a unidade bási-
ca da organização social e horizontal”. Desta maneira, a rá-
dio comunitária “usualmente é considerada complemento
das operações dos meios tradicionais e um modelo partici-
pativo de administração e produção de meios”.
Contrariando os ensinamentos de Bertold Brecht, não
tendo o ouvinte condição de participar do processo por
meio de opiniões, ele fica restrito à participação por tele-
fone, a pedidos de músicas previamente selecionadas, re-
clamações de serviços e explorações dramatizadas de cartas
geralmente em programas policiais. Dentro desse espectro,
segundo Moraes Dias, pode-se afirmar que a comunica-
ção de massa, sob o domínio da indústria cultural, volta-se
então para uma bem armada informação para as massas,
dirigida e filtrada pelo poder.

“Podemos dizer que a questão cultural, no contro-


le político e ideológico de meios de comunicação,
é pouco valorizada pelas forças progressistas brasi-
leiras. Podemos notar que são poucas as entidades
organizadas (sindicatos, associações de classe ou de
bairro, comunidades ou partidos políticos) que se
interessam pela prática da radiodifusão livre e co-
munitária, que, se organizada coletivamente, seria
um contraponto às forças que determinam o mo-
nopólio das comunicações” (DIAS, 1999, p. 5).

O pior é que muitas vezes quando estas associações se or-


ganizam e obtêm uma licença de rádio comunitária, fazem
igual às rádios comerciais já existentes. Para Ruas (2004, p.

313 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


152), no caso das rádios comunitárias, a participação po-
pular deveria ser entendida e exercida como um todo, de
forma completa, desenvolvendo os três níveis primordiais
de participação: decisões, execução e verificação de resul-
tados. Mas participação não é algo que se possa impor à
comunidade. Trata-se de um processo de conscientização,
de desenvolvimento de consciência. Uma aprendizagem e,
consequentemente, uma conquista.
Cláudia Ruas, em sua obra intitulada “Rádio comuni-
tária: uma estratégia para o desenvolvimento local”, já ha-
via comprovado em sua investigação que os ouvintes das
rádios comunitárias investigadas por ela, “em sua maioria,
participavam pouco, e quando participavam, chamavam
apenas para pedir músicas e as oferecer a alguém”. Para
Ruas (2004, p. 153), nos modelos atuais de radiodifusão
comunitária, a forma da organização e a falta de recursos,
aliadas aos problemas de recursos humanos - falta de pre-
paração dos produtores e locutores que são representantes
da própria comunidade - revelam os grandes obstáculos das
emissoras investigadas, limitando-as a oferecer formas de inte-
ração coletiva apenas através de programas de seleção musical.
“Não há conhecimento suficiente assimilado pelos locutores
para que sejam fomentadores de debates, críticas, questiona-
mentos; entretanto, fazem o que sabem, ficando extremamente
prejudicada a interatividade com a emissora”.
A rádio comunitária deveria pôr o ouvinte cada vez
mais em contato com sua realidade, para compreendê-la
e poder transformá-la, já que, segundo Peruzzo (1998, p.
162), “a rádio comercial nunca fala da realidade do povo,
mas sim de outras coisas, de outras realidades, justamente
para estorvar a luta popular pela transformação da socieda-
de em que vivemos”.
A real intenção de se criar uma legislação em relação às
rádios comunitárias era que a comunidade realmente pudesse

314 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


participar ativamente na emissora e não só participar por tele-
fone, e-mails ou cartas. Pois isso, as comerciais já o fazem.
Qual seria o papel das rádios autenticamente comunitá-
rias no século XXI, calcula-se em mais de quarenta mil o
número de emissoras não legalizadas hoje no Brasil4e, infe-
lizmente, as experiências de emissoras autenticamente co-
munitárias representam uma mínima parcela desse total. O
exercício da cidadania por meio da rádio se encontra ame-
açado em função da apropriação privada por comerciantes
e políticos de um espaço que deveria ser público.
O texto constitucional e a legislação são claros sobre
a necessidade de concessão, permissão ou autorização da
União, para a execução dos serviços de radiodifusão, e não
há exceção para emissoras de baixa potência. Esse controle,
continua Sardinha (2004, p. 227), deve-se à necessidade do
uso racional do espectro radioelétrico, para evitar pôr em
risco a vida de pessoas, com possíveis interferências em ser-
viços de radiocomunicação permitidos a bombeiros, polícia
e aeronáutica. Dessa forma, confirmou-se a jurisprudência
do STJ, ao decidir que a rádio comunitária, apesar de ope-
rar em baixa frequência e não ter fins lucrativos, não pode
funcionar sem a devida autorização do Poder Público.
É de saber que a compreensão dos direitos e deveres
do cidadão auxiliam na prática da cidadania integrada ao
crescimento individual, estimulando o surgimento de li-
deranças populares e a consolidação dos já existentes. Essa
é a maior contribuição do movimento de rádios autenti-
camente comunitárias hoje e no futuro, representem, cada
vez mais, espaços alternativos de exercício da cidadania,
ampliando as possibilidades de os cidadãos no futuro lu-

4. Dados fornecidos em entrevista pela Abraço (Associação Brasileira


das Rádios Comunitárias).

315 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


tarem efetivamente por seus direitos junto ao Estado e à
sociedade. Entretanto, alerta Vidal Nunes (2001), “o uso co-
mercial ou político partidário dessas emissoras representa
uma grave ameaça à legitimação desse espaço alternativo de
expressão das classes populares, como comprova a investiga-
ção realizada nas eleições de 98 em Ceará”.

“Procurando reproduzir a programação das emisso-


ras comerciais, apresentando uma composição co-
munitária artificial, reunindo associações comuni-
tárias forjadas em sua maioria pela ação de agentes
de propaganda eleitoral, essas emissoras indevida-
mente chamadas comunitárias se apropriam do es-
paço comunitário, privatizando a dimensão pública
que deve ser um espaço coletivo de articulação, de
organização e de conscientização política das co-
munidades que não dispõem de instrumentos de
comunicação próprios” (NUNES, 2001, p. 238).

Segundo a autora, por meio da utilização de práticas


clientelistas, associações comunitárias são forjadas para jus-
tificar a concessão de canais comunitários que acabam nas
mãos de políticos e comerciantes, tergiversando assim o
verdadeiro sentido de existência dessas emissoras.
Para Sardinha (2004, p. 225), a Lei 9.612/98, alterada
pela Lei 10.597/02, deveria ter previsto comprovação de
que a entidade candidata à execução do serviço de rádio
comunitária realizasse algum trabalho social desde pelo
menos um ano antes. “Evitar-se-iam assim entidades sem
qualquer conotação social, muitas vezes de objetivo estri-
tamente comercial, político e/ou religioso, sem qualquer
compromisso com a comunidade local, se candidatassem
à exploração do serviço de rádio comunitária. Isto, infeliz-
mente, não ocorreu”.

316 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


Conclusão

Assim como as rádios comunitárias investigadas por


Ruas (2004, p. 117), esta investigação constatou também
que as emissoras pesquisadas, que deveriam estar servindo
como instrumento de descentralização e democratização
de meios de comunicação, não são administradas pela co-
munidade, o que lhes garantiria, legalmente, o nome de
comunitárias. Entretanto, pelos serviços que emprestam à
comunidade, mesmo que esporádicos e em pequenas pro-
porções, aproximam o emissor do receptor, criando uma
maior proximidade entre o que se diz e o que quer ouvir.
Por isso se voltam atrativas, mercadologicamente, pois cap-
tam uma parcela da audiência.
Assim, com base em Nunes (1995, p. 67), que disse que
as chamadas rádios “piratas” “são emissoras que vêem a rá-
dio essencialmente como um veículo de comunicação alta-
mente lucrativo”, pode-se concluir que as rádios comunitá-
rias legalizadas que somente têm preocupação com lucros,
poderiam também ser chamadas de “piratas”.
Para Cogo (1998, p. 213), as dificuldades na compre-
ensão das mediações relacionadas ao universo cultural dos
receptores estão ligadas, sem dúvida, às inumeráveis limita-
ções que enfrentam os produtores das rádios comunitárias e
da comunicação comunitária de uma forma geral.

“A carência de recursos técnicos e financeiros, es-


cassez de líderes comprometidos com esse tipo de
proposta, a falta de planejamento, o caráter volun-
tário do trabalho das equipes, a baixa escolaridade,
a metodologia inadequada, as posturas autoritárias,
as expectativas e as relações no interior das equipes
restringem as possibilidades de investir no conhe-
cimento e compreensão do universo de recepção”.

317 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


Nesse caso, a comunicação passa a ser tratada como
atividade-fim, perdendo sua potencialidade como função
político-educativa para o conjunto das pessoas. O resul-
tado é que poucos fazem tudo e dão aos veículos e a seus
conteúdos o rumo que lhes parece bem, formando-os à
sua imagem e semelhança e não às da organização social
em que estão inseridos. Quando isso ocorre, a participação
dos membros ou dos associados em geral é facilitada apenas
em mecanismos que não afetem a tomada de decisões ou
que não comprometam interesses ou a linha política desses
meios. Chegam a ser feitos muitos convites à comunidade
para que se envolva, mas na prática não se viabilizam canais
para esse fim.
Por que se estaria deixando de propiciar a participação
ampliada da população? Em razão, possivelmente, de in-
genuidade, ou de objetivos pessoais, ou de interesses par-
tidários, ou de convicções políticas vanguardistas. Ou até
de um componente cultural vinculado à inexperiência
brasileira no que se refere a uma prática participativa de-
mocrática, o que pode explicar o fato de que tal situação
geralmente nem seja rejeitada pela comunidade, que acaba
até por encará-la como natural.
A conclusão a que se pode chegar é que com as rádios
comunitárias não existe um meio termo: ou elas começam
a fazer algo diferente do que foi feito até agora nas emisso-
ras comerciais, ou simplesmente não são necessárias.
As rádios comunitárias deveriam debater diferentes te-
mas, respeitando sempre a diversidade cultural, e não tole-
rando qualquer tipo de ditadura, nem sequer a musical dos
grandes estúdios de produção e gravação. Vigil (2003), em
seu Manual Urgente para Radialistas Apaixonados, defende
que as rádios comunitárias se definem pelas seguintes ca-
racterísticas:

318 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


* não têm fins lucrativos;
* a comunidade tem o controle e propriedade da rádio; e
* a participação da comunidade é central neste processo.

O autor deixa claro que rádios comunitárias não têm


por objetivo fazer algo para as comunidades: a própria co-
munidade deverá fazer algo para si mesma, controlando
seus meios de comunicação.
Embora tenham significado um importante passo para a
reivindicação de políticas menos monopolistas de comuni-
cação, despertando nas comunidades a urgência de legisla-
ções mais democráticas, as rádios comunitárias carecem de
uma mobilização social mais intensa. Restringem-se muito
à aventura de romper com o monopólio estatal ou com a
postura comercial que norteia aos meios de comunicação
de muitos países. Entretanto, muitas vezes, como compro-
vado por este trabalho, acabam repetindo os mesmos mo-
delos que tanto criticam.
Difícil entender por que as emissoras comunitárias insis-
tem em copiar as programações de emissoras comercias ao
invés de buscar criatividade e fazer algo novo. As rádios co-
munitárias, que deveriam atuar sempre no marco da legali-
dade desde a sua programação, poderiam estar respondendo
em muitos casos às necessidades, interesses, problemas e ex-
pectativas de setores muitas vezes relegados, discriminados
e empobrecidos da sociedade civil. A necessidade crescente
de expressão das maiorias e minorias sem acesso aos meios
de comunicação e sua reivindicação ao direito de comu-
nicação, de livre expressão de ideias, de difusão de infor-
mação tornam iminente a necessidade de procurar bens e
serviços que lhes assegurem condições básicas de dignida-
de, segurança, subsistência e desenvolvimento. Em muitos
casos, essas emissoras podem facilitar a circulação livre de
informação respirando a liberdade de expressão e o diálo-

319 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


go dentro das comunidades para promover a participação.
Além disso, contar com procedimentos que garantam o di-
reito da liberdade de expressão é um dos mecanismos mais
efetivos para combater a corrupção. A lei 9.612 esta perto
de completar 15 anos e nos parece que não está sendo bem
cumprida por falta de fiscalização dos órgãos competentes.
Resta saber até quando essas emissoras insistirão em copiar
um formato para o qual elas não foram criadas.
No século que terminou, os exemplos de mobilização
pela democratização da rádio são muitos, indo das gran-
des manipulações do período da Segunda Guerra Mundial,
passando por movimentos revolucionários das décadas pos-
teriores, como os da Argélia, de Cuba e do Nicarágua, até
por movimentos religiosos. A lição diz que o êxito destas
mobilizações depende não só da capacidade técnica da uti-
lização do veículo, mas, principalmente, das predisposições
dos ouvintes, sejam elas psicológicas, sociais, culturais, eco-
nômicas ou políticas.
Como se pode observar, na história recente do Brasil o
povo conseguiu pressionar o Estado e fazer com que ele
criasse uma Lei para tentar regularizar as rádios piratas que
estavam proliferando muito rapidamente por todo o territó-
rio nacional sem nenhuma regularização.Triste constatar que
a lei não está sendo cumprida, mas esperamos que esta lei seja
cumprida para que as rádios comunitárias, ao final, sejam um
instrumento a mais que possa ajudar este país a prosperar e
superar o subdesenvolvimento político, social e econômico.

Referências

BRASIL. Lei n.º 9.612, de 19 de fev. 1998. Institui o Ser-


viço de Radiodifusão Comunitária. Diário Oficial, Brasília:
20 fev.1998.

320 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


BRASIL. Decreto n.º 2.615, 3 de jun. de 1998. Aprova o
Regulamento do Serviço de Radiodifusão Comunitária.
Ministério das Comunicações, Disponível em http//www.
mc.gov.br/>
BRECHT, Bertolt. Teoria de la radio (1927 – 1932). [ S.l. :
s.n. ], 1970.
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munitários: experiências colombianas. In: MELO, José
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nas: Papirus, 1989.
NUNES, M. A. M. Rádios livres. O outro lado da Voz do Brasil
(Mestrado em Ciências da Comunicação). Departamento
de Jornalismo e Editoração da ECA. São Paulo: Universi-
dade de São Paulo, 1995.
NUNES, M. V. Rádios comunitárias no século XXI: exercício
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UERJ, 2001.
PERUZZO, C. M. K. Comunicação nos movimentos populares.
Petrópolis:Vozes, 1998.
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volvimento local. Campo Grande: UCDB, 2004.
SARDINHA, L. R. Radiodifusão: o controle estatal e social
sobre suas outorgas. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004.

321 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


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In CIDH, Informe Anual, ano 2002, Informe de la Relatoría
Especial para la Libertad de Expresión.
VIGIL, J. I. L. Manual Urgente para radialistas apaixonados.
São Paulo: Paulinas, 2003.

322 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


13.
Rádio, literatura e história no
Brasll do século XX

Doris Fagundes Haussen1


PUC do Rio Grande do Sul

Os acontecimentos do dia a dia, tradicionalmente, têm


sido a matéria-prima para os conteúdos tanto do rádio
quanto da literatura, alimentando a produção ficcional e a
radiofônica. Nesse sentido, o presente artigo2 propõe-se a
analisar como a ficção registra esta mídia e qual o imagi-
nário referente ao rádio se faz presente na literatura, através
do estudo de sete romances. As obras analisadas são A es-
trela sobe, de Marques Rebelo, A ópera de sabão, de Marcos

1. Professora no PPG em Comunicação Social da PUCRS e Pesqui-


sadora do CNPq.

2. Este artigo faz parte de uma pesquisa mais ampla intitulada “Rádio
e Literatura no Brasil do século XX”, em desenvolvimento pela au-
tora, como bolsista PQ/CNPq. A partir desta pesquisa outros textos
têm sido produzidos. O levantamento dos dados contou com o
apoio da bolsista de Iniciação Científica CNPq/PUCRS, Jessica
Mazzola.

323 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


Rey, Dona Anja, de Josué Guimarães, Quarup, de Antonio
Callado, Os subterrâneos da liberdade- Ásperos tempos, de Jorge
Amado, Crônicas de uma rádio pirata, de Tailor Netto Di-
niz, e Lâmina cega, de Luís Dill. A escolha dos romances
deveu-se ao período histórico enfocado, pretendendo-se,
assim, ter uma ampla cobertura do contexto brasileiro. É
importante salientar, ainda, que o artigo não se propõe a
analisar possíveis adaptações de obras literárias para o rádio,
como radionovelas, peças radiofônicas, e outras produções.
O foco, como já foi explicitado, é analisar o papel do rádio
no contéudo das obras de ficção.

Rádio e literatura

A trajetória do rádio acompanha a do país, praticamen-


te em todo o século XX. A literatura, por sua vez, com o
surgimento do veículo representou “a retomada de valores
perdidos ou ameaçados, não somente da cultura culta, mas
também da literatura popular, tanto falada quanto escrita”,
segundo Fadul (in Averbuck, 1984, p. 156). Para a auto-
ra, o rádio, a imprensa, o cinema e a televisão, “ao contrário
do que se poderia imaginar, ao ampliarem o conceito de
literatura, não a destroem, mas vieram dar uma nova vida
à arte, que adquire, assim, uma outra função social”. Fadul
considera que “o universo da literatura não se limita mais
à página impressa do livro, mas está em toda a parte, na
crônica do jornal, nos scripts de cinema, rádio e televisão”.
Sobre o tema, Borelli e Mira (1996, p. 44) ressaltam, ain-
da, que

“Inúmeras outras manifestações culturais circu-


laram indistintamente – em tempos e espaços va-
riados – pelo universo da literatura, circo, teatro,

324 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


rádio, televisão e cinema latino-americanos. Elas
determinaram os contornos de uma cultura popu-
lar de massas e podem ser produzidas ora de forma
mais artesanal – no caso dos circos-teatros – ora
no interior das mais organizadas empresas culturais,
como rádio, cinema e televisão. Em qualquer destes
campos explicita-se a conexão dos meios de co-
municação com expressões da cultura popular, de-
marcando espaços de continuidade entre tradições
culturais populares e cultura de massas.”

Reflexões sobre a relação da literatura com o rádio, por-


tanto, principalmente no que se refere à radionovela, têm
registrado o fenômeno, como as de Fadul, Martin Barbero
e Borelli, entre outros. No entanto, há uma lacuna no que
diz respeito a análises sobre a presença do rádio no enredo
da ficção – romances, contos, crônicas - o que se constitui
no objeto do presente texto3.
O início do rádio no Brasil coincide com a própria es-
truturação política do país. Quando Getúlio Vargas assumiu
a presidência, em 1930, o veículo sofreu o seu impacto ini-
cial ao surgir o primeiro documento sobre a radiodifusão.
Até então o rádio era regido pelas leis da radiotelegrafia,
mas, a partir de 1932 a publicidade foi legalmente permi-
tida, vindo a traçar os rumos da trajetória da radiodifusão
brasileira. Sobre aqueles anos, Sevcenko (1998, p. 348) diz:

“A partir dos anos 30, mais precisamente com a


introdução dos rádios de válvula, começa a lenta
invasão do rádio no universo doméstico, que será

3. Esta parte inicial consta também do artigo da autora “Rádio e


imaginário na obra de Erico Verissimo: uma análise de Incidente
em Antares”, publicado na revista Logos. Comunicação e Universidade.
Rio de Janeiro, Eduerj, 2011.

325 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


marcante apenas na década seguinte com a ampla e
abrangente penetração da Rádio Nacional do Rio
de Janeiro. O brasileiro já podia ligar o rádio em
casa e conectar-se não apenas com o espaço socia-
lizado e partilhado mas também com aquela nova
(e longínqua) República.”

De lá para cá, nesses 90 anos, o rádio esteve presente em


todas as manifestações da vida do país, podendo-se dizer
que a relação do mesmo com a cultura tem sido muito
próxima, desde a divulgação das primeiras músicas gravadas,
como Pelo Telefone, de Donga, passando pelos programas de
auditório, de humor, radionovelas, pelas jornadas esporti-
vas e reportagens. O veículo divulgou eventos e destacou
nomes de jornalistas, radialistas, artistas, músicos, esportistas.
Fez grandes coberturas de momentos felizes e de grandes
tragédias brasileiras. O rádio foi responsável, também, pela
alavancagem da indústria cultural no país pois funcionou
como impulsionador de vários elos desta corrente: a in-
dústria fonográfica, as revistas especializadas, o cinema, os
artistas, o jornalismo, o esporte, a publicidade e a própria
televisão (Haussen, 2004).
Além da participação na cultura, na política e na econo-
mia do país, é preciso ressaltar, ainda, o seu papel integrador.
No início, através, principalmente, da Rádio Nacional, mas,
também, das emissoras locais que reproduziam os aconte-
cimentos de interesse da nação, através dos seus microfo-
nes, sem esquecer de seu compromisso com a comunidade
próxima. Sobre a ambiguidade do rádio desses anos, Tota
(1990, p. 16) lembra que o mesmo “invade a vida cotidiana
para reproduzi-la segundo determinações e interesses dos
grupos detentores da posse desse meio de comunicação,
ao mesmo tempo em que a vida cotidiana envolve o rádio
colocando-o como parte do seu estilo de vida”.

326 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


Na atualidade, a possibilidade de formação de redes e ca-
deias, e a sua presença na internet, oportunizada pelo avan-
ço tecnológico, permite maior visibilidade do país e dos
acontecimentos internacionais. Se a televisão aberta tomou
para si o papel que a Rádio Nacional desempenhava, se a
globalização e a tecnologia oportunizam cada vez mais as
informações mundiais, tem cabido ao rádio, devido às suas
características inerentes, promover as informações locais.

O significado dos imaginários

A compreensão do papel do rádio nos romances anali-


sados exige, inicialmente, uma reflexão sobre o significado
do imaginário. Neste sentido, para Morin (1984, p. 81) “o
imaginário é um sistema projetivo que se constitui em uni-
verso espectral e que permite a projeção e a identificação
mágica, religiosa ou estética”. Segundo o autor, “o imagi-
nário liberta não apenas nossos sonhos de realização e feli-
cidade, mas também nossos monstros interiores, que violam
os tabus e a lei, trazem a destruição, a loucura ou o horror”.
Morin considera, ainda, que o imaginário não só delineia o
possível e o realizável, “mas cria mundos impossíveis e fan-
tásticos. Pode ser tímido ou audacioso, seja mal decolando
do real, mal ousando transpor as primeiras censuras, seja se
atirando à embriaguez dos instintos e do sonho” (idem).
Por sua vez, Machado da Silva (2003, p. 50) salienta que “no
imaginário, nunca há verdade, pois nele tudo é invenção, narrati-
va, seleção, bricolagem, modo de ser no mundo. No imaginário,
em consequência, não há verdadeiro nem falso. Como num ro-
mance, todos os enredos são possíveis e legítimos”. Para o autor,

“Os melhores cartógrafos de imaginários são os es-


critores, os romancistas, os cronistas do cotidiano e

327 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


os repórteres. Todos aqueles que procuram captar
os flagrantes do vivido, livres da obsessão explica-
tiva, impulsionados pelo vírus da empatia, da com-
preensão, da descrição, da fotografia. O imaginário
é sempre irredutível. Não se reduz ao utilitário, ao
explicável, ao ideológico, à crença, à razão, ao cien-
tífico, ao cognitivo, à cultura [...] Pelo imaginário,
cada um faz da sua vida uma obra de arte. O autor,
no caso, cria, involuntariamente, seus próprios pa-
râmetros, seu público, seu cânone e a sua forma de
narrar. Todo imaginário é uma imaginação do real”
(idem, p. 51).

Já Bazscko (1991) considera que designar a identidade


coletiva é, por conseguinte, marcar o território e as frontei-
ras do mesmo, é definir as relações com os outros, formar
imagens de amigos e inimigos, de rivais e aliados. Signifi-
ca, ainda, conservar e modelar as recordações passadas bem
como projetar para o futuro os temores e as esperanças.
Conforme o autor,“os modos de funcionamento específico
deste tipo de representações em uma coletividade refletem-se,
particularmente, na elaboração dos meios de sua proteção e di-
fusão, assim como de sua transmissão de uma geração a outra”.
Deste modo,“o imaginário social é uma das forças reguladoras
da vida coletiva” ( Bazscko,1991, p. 29).
Por outro lado, sobre as alterações que a sociedade vem
sofrendo devido a sua relação com as tecnologias, Martin
Barbero (in Moraes, 2006, p. 70) salienta que as mes-
mas ocorreram, efetivamente, nas “condições de circulação
entre o imaginário individual (por exemplo, os sonhos), o
imaginário coletivo (por exemplo, o mito) e a ficção (lite-
rária ou artística)”. Para o autor, “a relação global dos seres
humanos com o real se modifica pelo efeito de representa-
ções associadas às tecnologias, à globalização e à aceleração
da história (Marc Augé).

328 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


Os romances

Os sete romances analisados neste artigo referem-se, de


alguma maneira, às décadas de 30 a 90 do século passado,
em que o rádio teve forte presença junto à sociedade. Ne-
les, buscou-se verificar a abordagem relativa ao rádio, os
imaginários presentes e a história do Brasil registrada. Em
A Estrela Sobe, publicado em 1939, o autor, Marques Rebe-
lo4, conta a trajetória de Leniza, órfã de pai desde pequena.
De origem humilde, ela sonha ser cantora de rádio. Mesmo
advertida das dificuldades da profissão, ela faz teste em uma
emissora. A jovem é contratada e assume o nome de Leniza
Máier. O romance aborda as dificuldades das candidatas ao
“estrelato” radiofônico, sua ascensão e queda. No período,
tanto a indústria radiofônica, em si, cujas vendas já eram
rentáveis, quanto as emissoras, tinham papel reconhecido
na sociedade.
Por sua vez, o romance Os ásperos tempos, primeiro vo-
lume da trilogia Os subterrâneos da liberdade (1954), de
Jorge Amado5 narra a instauração do regime ditatorial do

4. Marques Rebelo era o pseudônimo do autor carioca Eddy Dias da


Cruz. Nascido em 6 de janeiro de 1907, ele foi, além de escritor,
jornalista. Ainda criança mudou-se para Minas Gerais junto com a
família. Escreveu seis romances, mas também foi autor de contos,
crônicas e uma peça de teatro. Assumiu uma cadeira na Academia
Brasileira de Letras em 1966 e morreu dia 26 de agosto de 1973, no
Rio de Janeiro.

5. Jorge Amado nasceu em Itabuna, Bahia, em 10 de agosto de 1912. Foi


jornalista e engajou-se politicamente, tornando-se comunista. Fez
parte da Academia Brasileira de Letras. Recebeu inúmeros prêmios
nacionais e internacionais por seus livros e ainda é o autor brasileiro
mais publicado em todo o mundo. A grande maioria da sua obra é
composta de romances, entre os quais Capitães da Areia, Dona Flor e
seus dois maridos, Gabriela, Cravo e Canela, e Tieta do Agreste.

329 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


Estado Novo, imposto em 1937 por Getúlio Vargas, des-
de os seus preparativos. Os espaços operários, aparelhos
clandestinos e a cidade de São Paulo são os principais ce-
nários da narrativa. A história mostra principalmente dois
aspectos: a riqueza e o poder da alta burguesia com seus
banqueiros e fazendeiros, e os trabalhadores, militantes co-
munistas e a pobreza do proletariado. O rádio aparece di-
versas vezes nesse romance, sendo o principal enfoque a
transmissão de informações políticas. O veículo divulga que
o golpe está instaurado e tambem dá as novas sobre a politi-
ca naquele momento. Além de servir como entretenimen-
to entre uma noticia e outra, as estações da época tambem
apresentavam programação musical brasileira. O aparelho de
rádio, a bateria, podia captar sinais de outras emissoras, inclu-
sive internacionais, através das ondas curtas, o que permitia ao
ouvinte ficar sabendo da visão que os outros paises estavam
tendo daquele fato historico brasileiro. No romance é citado:
“Apolinário esperava impaciente que o noticiário começasse.
Quase não comeu.Veio para junto do rádio, mastigando um
pêssego. E ouviu, no correr da noite, aquele noticiário e todos
os outros que pôde captar nas estações brasileiras, argentinas e
uruguaias”. O rádio aparece também como agente de status.
Quando Lucas, um dos personagens, consegue um espaço em
uma emissora para fazer seu discurso, a familia emociona-se:
“Apenas Manuela, o ouvido curvado sobre o aparelho de rá-
dio de uma família vizinha, sorriu orgulhosa ao ouvir a voz
redonda do “speaker” dizendo o nome do irmão”.
Na década de 50, Ópera de Sabão, de Marcos Rey6, conta

6. Marcos Rey era o pseudônimo de Edmundo Donato, autor pau-


lista, nascido em 17 de fevereiro de 1925. Ele foi também redator
de programas de televisão, adaptando clássicos como A Moreninha,
de Joaquim Manuel de Macedo, e O Príncipe e o Mendigo, de Mark
Twain. Sua cidade natal era o cenário de grande parte de suas obras.

330 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


a história de uma família paulistana de classe média com-
posta por um casal e seus três filhos. O livro narra a vida das
personagens durante os três dias que precederam o suicídio
de Getúlio Vargas. O patriarca, Manfredo Manfredi, viaja
para o Rio de Janeiro prometendo matar Carlos Lacerda, a
quem considerava o assassino do presidente. Enquanto isso,
a esposa Hilda e os três filhos precisam enfrentar proble-
mas do cotidiano, como uma gravidez indesejada da filha.
Hilda Manfredi trabalha no rádio, onde é locutora de um
programa em que assume o papel de Madame Zohra, que
dá conselhos para os ouvintes. A audiência do programa é
composta principalmente por donas de casa e a persona-
gem encarnada por ela traz uma representação caricatural.
A transição da “era do rádio” para o período em que a te-
levisão chega aos lares também é mostrada.
Quarup, de Antônio Callado7, publicado pela primeira
vez em 1967, é dividido em sete capítulos extensos: O ossu-
ário, O Éter, A maçã, A orquídea, A palavra, A praia e O mundo
de Francisca. A história inicia no governo de Getúlio Vargas
e segue até o início da ditadura militar brasileira dos anos
60. O protagonista, Padre Nando, vive em um mosteiro

O escritor dedicou-se à literatura juvenil, mas também escreveu


contos, crônicas e romances para adultos. Foi, inclusive, roteirista
de pornochanchadas produzidas na Boca do Lixo, em São Paulo.
Na década de 90, tornou-se colunista da revista Veja. Marcos Rey
faleceu em 1999.

7. Antônio Callado nasceu em Niterói, Rio de Janeiro, e trabalhou


desde cedo como jornalista, tendo se formado em Direito. Sua car-
reira profissional, no entanto, deu-se na imprensa: passou de repór-
ter a redator-chefe do extinto Correio da Manhã. Em 1941 foi
para Londres onde exerceu a função de correspondente de guerra
da BBC, emissora na qual permaneceu por vários anos. Viajou por
muitos lugares produzindo grandes reportagens. O sucesso literário
veio com Quarup, em 1967. Faleceu no Rio de Janeiro, aos 80 anos.

331 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


em Pernambuco, onde toma conta do ossuário, mas tem o
sonho de ir viver com os índios no Xingu. O rádio apa-
rece por diversas vezes ao longo da narrativa, tendo papel
essencial quando Nando se encontra no Xingu. O veícu-
lo é o seu contato com o mundo exterior, servindo tam-
bém como meio de comunicação com os companheiros
da equipe. É por meio do rádio que chega a notícia de que
Vargas iria ao Xingu. E, por um defeito no aparelho, não
o grupo não recebe a notícia do atentado a Lacerda, sen-
do informado, posteriormente, por um ministro. E é pelo
rádio que chega a notícia do suicídio de Getúlio Vargas. Já
no início da ditadura militar, nos anos 60, em Pernambu-
co, Nando está preso em um carro do exército. Olha pela
janela e há camponeses sentados em silêncio no meio fio.
Um deles liga o rádio, que anuncia: “O último comunicado
do comando do IV Exército diz que reina a mais completa
ordem em todo país”.
O romance Dona Anja, de Josué Guimarães8, aborda um
dos temas importantes do momento em que se passa a his-
tória: a questão da legislação sobre o divórcio no Brasil. Em
meio às transformações políticas e culturais, a narrativa em
forma de folhetim tem como personagem principal An-
gélica. Chamada de Dona Anja, ela intriga a população da
pequena cidade do interior com suas idéias avançadas. O
pano de fundo para os debates presentes no romance é a
aprovação da Lei do Divórcio pelo Congresso, em três de
dezembro de 1977. A partir da notícia ouvida do rádio, a

8. Josué Guimarães nasceu em São Jerônimo, Rio Grande do Sul,


em 7 de janeiro de 1921. Foi jornalista e escritor tendo trabalhado
em periódicos nacionais (Folha de São Paulo e Jornal do Brasil) e
regionais (Zero Hora e Correio do Povo). Teve atuação política,
tendo sido vereador em Porto Alegre. Escreveu mais de 20 obras,
entre romances, contos e novelas. Faleceu em 1986.

332 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


questão é comentada, assim como o contexto político da
época, que começava a ser questionado no interior do Rio
Grande do Sul.Tanto os pontos de vista mais liberais quan-
to os conservadores estão representados. O rádio é o meio
responsável por noticiar as informações que servem de base
para as conversas presentes no romance. A divergência de
opiniões aparece a partir da forma que as personagens en-
tendem especialmente a aprovação da Lei do Divórcio, cuja
votação é acompanhada pelo rádio. Nota-se a abrangência
do veículo, tendo como característica ser acessível a pesso-
as com distintos graus de instrução. Ainda no começo do
romance, Dona Anja diz: “tragam o radinho de pilha que
está no meu quarto”. A televisão era recente no interior do
país e seu ajuste era sensível, com isso o rádio mantinha sua
importância.
Por sua vez, Crônicas de uma rádio pirata, de Tailor Netto
Diniz9, aborda o surgimento de uma rádio pirata na pacata
cidade de Vila Rica. Todos os sábados à noite, iam ao ar os
segredos dos habitantes mais ilustres do local. Parte da po-
pulação teme que detalhes de sua intimidade sejam revela-
dos, o que leva a polícia a entrar em ação. São feitas prisões
a esmo, de forma absurda, mas nem isso resolve o problema.
A emissora fica cada vez mais forte e bem informada. O
mistério aumenta quando um crime envolve uma pessoa
importante na cidade. O rádio é o instrumento de ação,
que chega para revelar o que as pessoas ilustres querem es-
conder. Com humor sarcástico que não teme represálias, os

9. Tailor Netto Diniz é jornalista, tendo 11 livros publicados entre


romances, crônicas e contos. É também roteirista de cinema e te-
levisão. Entre seus livros estão O assassino usava batom que ganhou,
em 1998, destaque em narrativa longa, do Prêmio Açorianos de
Literatura, e Transversais do tempo, 2007, melhor livro de contos no
Prêmio Açorianos e no Prêmio Associação Gaúcha de Escritores.

333 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


segredos são expostos, obrigando os cidadãos a assumirem
seus vícios. Questiona-se a veracidade das histórias narra-
das, bem como a honestidade do locutor. Como resulta-
do das indiscrições da rádio pirata ocorrem três mortes. A
abertura musical da rádio torna-se uma marca registrada:
a música “Fica comigo esta noite”, de Nelson Gonçalves,
e o locutor é descrito como tendo uma entonação quase
circense ao apresentar o programa. Nota-se a facilidade de
se colocar um programa no ar e a sua força de penetração,
especialmente nas localidades do interior.
O romance Lâmina cega, de Luís Dill10, traz a história
de um jovem, cujos pais separaram-se quando era crian-
ça e que vive com uma tia em um apartamento de Por-
to Alegre. Um dia, após tomar café da manhã ele decide
matá-la. Então crava uma faca em sua nuca, deixa-a em
seu apartamento e sai. Vai contar ao pai o que havia fei-
to e acaba matando-o também. A partir daí, assassina mais
quatro pessoas da mesma forma. O rádio está presente des-
de o princípio da história, sendo o locutor, o “homem do
rádio”, um personagem crucial na narrativa, uma vez que
o veículo fica sempre ligado e são abordados muitos casos
de violência. Durante os assassinatos, o jovem pensa ouvir
o locutor dizendo “faz faz faz...”. Há, ainda, a divulgação
da publicidade “Arouca deixa mais branca toda sua roupa”,
da qual o jovem se lembrará após os crimes que mancham
suas roupas de sangue. O rádio assume seu papel mais im-
portante no desfecho da narrativa, quando o personagem,

10. Luís Dill nasceu em Porto Alegre, em 4 de abril de 1965. Formou-


-se em Jornalismo pela PUCRS, tendo autado na profissão. Como
escritor estreou em 1990 com a novela policial juvenil A Caverna
dos Diamantes. Atualmente tem 31 livros publicados, além de parti-
cipações em diversas coletâneas. Também é colaborador de jornais
e de revistas.

334 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


no apartamento de uma das vítimas, ouve o “homem do
rádio” divulgar os assassinatos, chamando-o de “o matador
do Centro”. Ele decide ligar para a emissora e confessar
seus crimes. Fala, então, com o comunicador e conta o que
fez. O radialista torna-se hostil, e Carlos começa a falar mal
do programa: “tu vai mudar o quê lidando só com esse
lixo todo o dia?”, questiona. No final, para mostrar a irres-
ponsabilidade do apresentador, Carlos leva-o a crer que vai
se matar e assassina outro homem – com as características
anunciadas no rádio – em seu lugar, jogando-o da janela. O
radialista anuncia (equivocadamente) a morte do matador,
vangloriando-se de tê-lo entrevistado.

Algumas considerações

Os sete romances, além do enredo ficcional propriamente


dito, traçam um grande painel da sociedade brasileira vista, em
grande parte, sob o ângulo do rádio, que era a mídia de massa
mais destacada naquele momento. E o que o veículo mostra
nos romances, insere-se na proposta de Baszcko (1991, p. 28)
quando este salienta que através dos imaginários sociais, uma co-
letividade designa sua identidade, elabora uma representação de
si mesma e marca a distribuição dos papéis e posições sociais.
Por outro lado, a influência do rádio na divulgação das
informações e na abordagem das temáticas importantes da
época, como a política, a social (divórcio, por exemplo), a
da violência urbana, entre outras, justificava a sua presença
nas páginas dos romances. É interessante lembrar que ao
longo do período em que se passam os enredos ficcionais,
o rádio, na política, por exemplo, anunciava a implantação
do Estado Novo, em 1937, através de discurso do próprio
Vargas ao microfone da rádio Nacional. Divulgava, tam-
bém, a deposição do presidente, em 1945, o seu retorno

335 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


nos anos 50, assim como o período da ditadura militar nos
anos 60. E esta realidade, em alguns dos romances é retra-
tada. O próprio papel do rádio, em si, também é aborda-
do, como no romance sobre a rádio pirata, assim como a
influência do comunicador junto aos ouvintes, como no
romance “Lâmina cega”, sobre o assassino e a sua relação
com o programa radiofônico popular. O que demonstra a
importância do veículo na construção de imaginários, tan-
to políticos, quanto culturais e sociais, que são apropriados
pela literatura para a construção de suas tramas.
Assim, quando literatura e rádio se unem há uma poten-
cialização desta força, lembrando, conforme Marcondes Fi-
lho (2008, p. 63), que “são a literatura e a poesia os formatos
que mais transformam as opiniões, os posicionamentos, as
crenças, as atitudes das pessoas porque tocam fundo e mexem
com os mecanismos que formam nossas opiniões, interferem
em áreas que somos mais indefesos, menos prevenidos”.
Estes mecanismos, para o ser humano, por sua vez, po-
dem ser compreendidos em relação às criações literárias,
segundo Rivera (1987, p. 51),

Como o alimento poético, sua fome de aventura e


ficção, sua necessidade de circulação constante en-
tre o imaginário e o real, sua eterna necessidade de
maravilhar-se com o espetáculo de sua própria vida
e com o espetáculo sugestivo e excitante das vidas
e destinos alheios, ainda que este espetáculo, ao fi-
nal, não seja mais que transitório engano ou apenas
uma frágil arquitetura de palavras11.

Sem esquecer, ainda as considerações de Carlos Fuentes


(1993, p. 26), que percebe o romance “não só como encon-

11. Tradução do espanhol pela autora.

336 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


tro de personagens, senão como encontro de linguagens,
de tempos históricos distantes e de civilizações que, de ou-
tra maneira, não teriam oportunidade de relacionar-se”. E
mais: “o escritor expande os limites do real criando mais
realidade com a imaginação, dando-nos a entender que não
haverá mais realidade humana se não a cria, também, a ima-
ginação” (idem, p. 173)12. Limites, estes, que são expandidos
pelo rádio, principalmente nesse período em que o veículo
reina quase absoluto, e que, posteriormente, serão divididos
com a televisão.
Os sete romances analisados neste artigo, desta forma,
ao incluir o rádio em seus enredos, reconhecem a impor-
tância do veículo e a força do mesmo sobre os imaginários
dos ouvintes – além de trazerem, em si, os imaginários de
seus escritores. Envolvem, assim, os leitores nas suas tramas
ficcionais, mexendo com a “necessidade de circulação entre
o imaginário e o real” a que se refere Rivera, e auxiliando,
ainda, no reforço e na construção de novos imaginários.
Sem esquecer o resgate da memória histórica dos ricos
anos do século XX e do próprio rádio, que ao longo desse
período teve inúmeros avanços tecnológicos e alterações
nos gêneros e na programação, ampliando e diversificando
a sua influência, como foi observado nos romances estu-
dados. Modificações essas que vão desde os programas de
auditório e os dramas de suas “estrelas”, até as rádios comu-
nitárias e os programas populares, revelando o desenvolvi-
mento e as características próprias da sociedade brasileira.
Ao finalizar é interessante salientar, como já foi citado,
que este artigo faz parte de uma pesquisa mais ampla sobre
rádio e literatura no Brasil, na qual mais de 90 obras já fo-
ram analisadas. Dessas, as décadas mais abordadas nos enre-

12. Tradução do espanhol pela autora.

337 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


dos são as 60 e 70, com temas referentes, em grande parte, à
ditadura militar brasileira, o que demonstra o impacto desse
período na sociedade. Assuntos que remetem ao futuro do
rádio são tratados em apenas quatro obras. Este fato leva
a refletir que os imaginários se consolidam ao longo do
tempo – e o rádio do século XX já teve esta possibilidade.
No entanto, o rádio do século XXI com suas importantes
alterações ainda vai exigir um período de maturação para
que se faça presente no imaginário dos novos escritores e,
consequentemente, nas suas obras. O que será, provavel-
mente, tema para futuras pesquisas.

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340 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


14.
Nicolau Tuma e César Ladeira,
uma revolução no rádio
brasileiro

Pedro Serico Vaz Filho1


Universidade Metodista de São Paulo

No ano da comemoração dos noventa anos da primeira


apresentação oficial e experimental do rádio no Brasil, em
sete de setembro de 1922, resgatamos esta história buscando
depoimentos, documentos e toda a possibilidade, ainda que
fragmentada, da trajetória desse veículo de comunicação. O
rádio no país recebe importante desenvolvimento, a partir
dos anos trinta, num contexto de enfrentamento político,
principalmente pela inserção numa sociedade formada na
época por maioria analfabeta. Neste sentido teve um olhar
mais rigoroso e criterioso do governo de então.
Na terceira década do século XX, o quadro político pas-
sava por ebulições, consequentemente os meios de comu-

1. Jornalista, mestre em comunicação pela Faculdade Cásper Líbero.


Doutorando na Universidade Metodista. É gerente da rádio Gazeta
AM, de São Paulo.

341 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


nicação também, principalmente o então recente rádio, que
mudava o foco almejado e idealizado pelo principal nome
da introdução do rádio no Brasil, Edgard Roquette-
-Pinto (1884 – 1954) 2, que visava a educação pela pro-
gramação radiofônica. A filha dele, Carmem Lúcia Ro-
quette-Pinto, 3 destacou em entrevista para esta pesquisa
que “o rádio para ele era um veículo da democratização
da informação”.
No relato da professora e jornalista Sonia Virginia
Moreira,4 uma explicação sobre os rumos que seriam desti-
nados ao rádio a partir daquele momento: “... na década de
trinta a gente já começa a ter alguém que é Getúlio Vargas,
com uma visão muito clara do que o rádio significava.Tudo
aquilo que Roquette-Pinto podia fazer pela educação, Ge-
túlio Vargas começou a perceber que podia fazer pela po-
lítica”, explicou em palestra proferida em vinte e sete de
setembro de 2006, no estúdio sinfônico da rádio MEC, no
Rio de Janeiro.
No Brasil e no exterior, surgiam previsões geradas
em torno do rádio. Pensadores inquietos, diante do apa-

2. Médico, antropólogo, etnólogo, professor, escritor. Foi membro da


Academia Brasileira de Letras, considerado como o pioneiro do
rádio no Brasil, foi fundador, ao lado de outros companheiros, da
rádio Sociedade do Rio de Janeiro, em 1923. Nascido no Rio de
Janeiro, em 1884 e morreu na mesma cidade em 1954. Idealizava a
educação através de programação radiofônica.

3. Filha de Edgard Roquette-Pinto, concedeu entrevistas ao au-


tor deste artigo nos anos de 2002 e 2007, destacando os ideais
do pai.

4. Professora, doutora em Ciências da Comunicação, presidiu a Inter-


com, Sociedade de Estudos Interdisciplinares de Comunicação, no
período de 2002 a 2005. É autora de diversas publicações relacio-
nadas à evolução da radiodifusão.

342 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


relho que comunicava, avaliavam o poder do rádio e
vislumbravam a infinita trajetória desse meio em com-
paração aos veículos impressos. Esta relação contribuiu
de forma significativa para o desenvolvimento da socie-
dade brasileira, que nos anos vinte, antes da populariza-
ção do rádio, era formada por aproximadamente setenta
por cento de analfabetos.

As publicações mais constantes sobre rádio, tanto


das referências de reprodução de escutas, como
as notícias sobre a programação e profissionais
do meio, se intensificam com a consolidação do
veículo, a partir dos anos 30. Na época, um dos
maiores dramaturgos contemporâneos, poeta e
cronista, alemão, Bertold Brecht já alertava para
um rádio “que não se limitasse à transmissão de
informações, mas que organizasse a coleta de
informações, isto é, que transformasse as infor-
mações dadas pelos governantes em respostas às
questões dos governados (1970:138)” (NUNES,
2000: 38).

343 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


Figura 1 - Página da revista PRANOVE, publicação ofi-
cial da rádio Mayrink Veiga, edição do bimestre janeiro
e fevereiro de 1939. Na página 42 da referida edição um
destaque sobre o pronunciamento do presidente Getúlio
Vargas em mensagem do final do ano de 1938 através de
programação radiofônica

344 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


Nicolau Tuma: uma vida radiofônica

Neste contexto histórico dois nomes indispensáveis para


serem lembrados não vivem mais: César Ladeira e Nicolau
Tuma. Sobre este último vamos resgatar o ano de 2002,
quando eram preparadas as comemorações para os oitenta
anos do rádio no Brasil.Tuma residia numa região nobre da
cidade de São Paulo, rua Bela Cintra, esquina com avenida
Paulista. No citado endereço, ele, aos noventa e um anos de
idade abre a porta do amplo apartamento. Bem alinhado
num terno cinza oferece assentos, em seguida se acomo-
da em um confortável sofá. Demonstra disposição e muita
vontade em falar do assunto. Faz um breve comentário de
que vai falar sobre César Ladeira. Numa mesa de centro,
um álbum de recortes de jornais e revistas, com datas a par-
tir dos anos trinta. Folheando livros e vendo fotos antigas,
ele descreve cada página. Algumas separadas com fotos dele
naquele período:

“Nossa eu tinha uma cabeleira... Sou formado há


setenta e um anos em Direito, olha como estou
aqui... Nesta foto eu tinha dez anos... faz tempo... Já
nesta aqui é um aniversário. Nem lembro quantos
anos. Ao meu lado trinta e um artistas. Foi diverti-
do… Aqui nesta foto estou com o professor Vicen-
te Rao5… Aqui com meus professores e Cardoso
de Melo6. Eu estou aqui no meio deste povão. Eu
adorava a rádio. Era o xilofone da rádio Record
aqui em São Paulo, em 1931, quando comecei...”

5. Vicente Paulo Francisco Rao nasceu em São Paulo no ano de 1892


e morreu em 1978. Foi advogado, jurista, professor e político.

6. José Joaquim Cardoso de Melo Neto nasceu em São Paulo, no ano


de 1883 e morreu em 1965. Foi advogado, professor e político.

345 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


Depois de um copo d´água, Nicolau Tuma dirige um
olhar para os visitantes curiosos e atentos. Num tom pro-
fessoral avisa: “acho que podemos começar agora pra valer
e de forma organizada. Tudo feito com organização e por
partes. Gosto das coisas feitas com racionalização”, disse.
Já com um microfone na lapela e olhar direcionado para
a câmera iniciou o depoimento referindo-se também ao
invento do aparelho do rádio:

Foi neste lugar que aconteceu uma das primeiras


experiências de transmissão sem fio da história.
Aqui da minha janela posso ver o local na avenida
Paulista. O padre Roberto Landell de Moura7 ins-
talou um aparelho e transmitiu uma mensagem sem
fio daqui até o bairro de Santana.

Na sequência um depoimento sobre a data histórica,


marco do rádio brasileiro:

Tudo aconteceu no dia sete setembro de 1922, em


comemoração ao Centenário da Independência do
Brasil. Se organizou uma grande exposição na Es-
planada do Castelo, perto do aeroporto do Rio de
Janeiro. Uma festividade onde na hora da inaugura-
ção um pequeno transmissor foi colocado no mor-
ro do Corcovado e ligado por telefone até onde
estava o presidente da República Epitácio Pessoa.
Foi ele quem inaugurou a exposição. O povo ouviu
aquele pronunciamento. Foi à primeira transmissão
pública no Brasil. A ópera O Guarani, de Carlos

7. Roberto Landell de Moura nasceu na cidade de Porto Alegre, em


1861 e morreu em 1928. Foi padre, cientista e inventor. Realizou
experiências pioneiras sobre a transmissão de voz à distância, figu-
rando entre os inventores do rádio.

346 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


Gomes também foi transmitida diretamente do
teatro municipal. Mas foi somente em 1923 que
Roquette-Pinto e outros companheiros, inaugura a
rádio Sociedade do Rio de Janeiro.

Nicolau Tuma fala sem pausa, mas num determinado


momento é interrompido com a pergunta: no ano da pri-
meira apresentação do rádio onde o senhor estava?

Em 1922 eu tinha onze anos de idade. Meu pai


adorava os acontecimentos cívicos, tanto que na
festa da proclamação da Independência do Brasil
ele arrumou um automóvel e colocou toda a crian-
çada. Fomos assistir as festas do primeiro centená-
rio. Estávamos em São Paulo. Quando começou o
falatório de que havia uma transmissão de rádio no
Rio de Janeiro, reproduzindo a palavra do presi-
dente da República, foi uma coisa fantástica. Não
dava para imaginar aquilo.

Entre as memórias, Nicolau Tuma folheava o antigo e


volumoso álbum, com fotos e recortes de jornais. Nascido
em Jundiaí, interior paulista, em dezenove de janeiro de
2011, lembrou-se da adolescência, no início da década de
vinte, com recordações da época sobre uma sociedade cria-
da por amigos, em torno de experiência com a criação de
aparelhos de rádio:

Éramos uma sociedade de amigos com aproxima-


damente quatorze anos de idade cada. Ela tinha até
uma sigla. Chamava-se NNR, Nicolau, Nelson e
Ramos. Fabricamos com as nossas mãos pequenos
aparelhos de galena. Ninguém mais sabe hoje em
dia o que é galena. Pena eu não ter guardado mais
nenhum. Era uma caixinha de madeira, com tubo
de alumínio, cobre e fios enrolados e esmaltados.

347 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


Passava um cursor. Dali pegava os fios em uma pe-
dra chamada galena, um minério de chumbo que
tinha o poder de captar ondas. Nos fones de ouvido
e nos dois pontos de contato foi possível começar a
ouvir. Era o máximo! Ninguém acreditava no que
via em 1924 e 1925...

Depois dessas experiências Nicolau Tuma revela que se


apaixona cada vez mais pela comunicação. Aos dezesseis
anos passa a trabalhar como repórter em um jornal de bair-
ro criado por ele mesmo e por colegas da época. Na publi-
cação intitulada O Sete, Tuma e amigos escreveram durante
dois anos sobre esportes, bastidores do comércio da região,
“fofoquinhas” e coluna social:

Lembro que na época só havia uma delegacia de polí-


cia em São Paulo. Eu tinha de cobrir esta área. Era no
Pátio do Colégio8. Minha primeira reportagem foi
de um homem que havia batido na mulher. Fiz tudo
certinho.Tinha de colocar um título e eu escrevi: Em
mulher não se bate nem com uma flor.Virou repor-
tagem na rádio Educadora Paulista9, que na ocasião
funcionava na rua Carlos Sampaio, entre a avenida
Paulista e a rua Treze de maio. Eles haviam recebido
na ocasião um transmissor de última geração. O som
e a torre eram fabulosos. Ela tinha sete metros de al-
tura, num estúdio com mil watts de potência.

8. Pátio do Colégio é um marco da primeira construção e da funda-


ção da cidade de São Paulo, localizado na região central da capital
paulistana, datado de 25 de janeiro de 1554.

9. Emissora de rádio fundada em 30 de novembro de 1923, sendo a


primeira estação da cidade de São Paulo. Em 1943 foi adquirida
pelo empresário e jornalista Cásper Líbero, passando a ser denomi-
nada rádio Gazeta.

348 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


A partir dessas experiências e já cursando a Faculdade de
Direito, da Universidade de São Paulo, no Largo São Fran-
cisco, Nicolau Tuma, que foi da sétima turma do referido
curso estava sempre atento aos movimentos do desenvolvi-
mento do rádio. Porém trabalhava com jornalismo e num
escritório de advocacia. Surgiu então a possibilidade de
trabalhar como speaker na rádio Record. “Eu ia ganhar bem.
Mais ou menos uns quinhentos mil réis por mês.Virei meio
marajá. Era um vencimento que já dava para começar bem
qualquer história”. Tuma lembrou que as emissoras come-
çaram a contratar preferencialmente estudantes de Direito.
Assim, com esta graduação, seriam evitados erros de por-
tuguês nas locuções. “Entrei na Record um mês antes da
Revolução, em junho de 1932. Participei como um dos
locutores. O César Ladeira (1910 - 1969) estava lá tam-
bém. Naquele tempo não se dava o nome a quem narrava.
Era apenas uma voz que entrava, dava a notícia e pronto”,
recordou. No dia nove de julho de 1932, sábado, tem início
a Revolução Constitucionalista. “Senti na cidade um mo-
vimento diferente, com soldados para todo lado e metra-
lhadoras. Não me dei conta na hora, mas havia começado a
Revolução”, lembrou Tuma que seguiu para a rádio Record,
porém foi impedido por policiais de entrar na emissora.
Entre as lembranças daquele momento, Nicolau Tuma
resgatou o domingo, dez de julho de 1932, após o início
da Revolução. Por motivos políticos a emissora foi lacrada
naquela data. Tuma, César Ladeira e o diretor da estação,
Paulo Machado de Carvalho (1901 - 1992)10, não pude-
ram entrar no edifício. “A polícia impediu o ingresso dos
funcionários”, recordou Nicolau Tuma. Ele relatou que fi-

10. Paulo Machado Carvalho, empresário, fundador da Rádio Socieda-


de Record e da Rede Record de Televisão. Nasceu em São Paulo
no ano de 1901 e morreu em 1992.

349 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


caram na porta aguardando uma solução, até que um emis-
sário do palácio do governo de São Paulo chegou com uma
mensagem para ser lida no ar. “A correspondência era do
embaixador Pedro de Toledo (1869 - 1935), que na época era
interventor do governo. Nós dissemos ao mensageiro que não
podíamos entrar, por causa dos soldados armados, mas o emis-
sário disse que era uma ordem superior e assim nós entramos.
Na redação o doutor Paulo Machado perguntou quem faria
a leitura. Eu disse: eu. Eram dez e meia da manhã.”, recordou
Tuma. Após a leitura, considerada a primeira proclamação da
Revolução de 32, na rádio Record, a redação da emissora voltou
a funcionar.“Pela primeira vez o rádio foi utilizado como arma
de guerra. Ele alimentava o entusiasmo da frente e ao mesmo
tempo dava estímulos à retaguarda para a população continuar
lutando e cada vez mais com interesse”, declarou Tuma.
Na cidade de São Paulo, o endereço da rádio Record, era
na Praça da República, região central, esquina com a rua Ba-
rão de Itapetininga, onde no dia vinte e três de maio de 1932
morreram os quatro jovens revolucionários: Martins, Miragaia,
Dráusio e Camargo.” Mais tarde o acrônimo MMDC recebeu
também a letra “A” de outro estudante morto no conflito cha-
mado Alvarenga, ficando MMDCA11. “Aquele local ficou co-
nhecido como o centro das brigas e discussões” afirmou Tuma.

Tuma: a escola da narração esportiva

A radiodifusão ganhava popularidade, entre outros fa-


tores, por atender uma população brasileira, com maioria

11. MMDCA é um acrônimo que representa os nomes dos estudantes


assassinados durante a Revolução de 1932. Eram Mário Martins de
Almeida, Euclides Miragaia, Dráusio Marcondes de Sousa, Antonio
Camargo de Andrade e Orlando de Oliveira Alvarenga.

350 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


analfabeta. “O rádio estava chegando para quem nem sabia
assinar o próprio nome, ou somente isso. Claro que logo o
governo fez esta observação e tratou de controlar as esta-
ções, tanto ou mais do que fazia com os jornais e revistas
da época”, ressaltou.
Pensando sempre nesta linguagem radiofônica para os
ouvidos Tuma desenvolve técnicas e habilidades criando
uma verdadeira escola para os futuros radialistas. Em 1934,
passou a ser mais conhecido pelas irradiações esportivas do
período, desenvolvendo uma abordagem com rápida locu-
ção, para acompanhar todas as sequências das partidas, o
que lhe rendeu o apelido de “speaker metralhadora”.
A paixão por esportes sempre esteve presente na vida
deste homem, apaixonado pela capital paulistana, onde
morreria no dia 11 de fevereiro de 2006. Sobre o automo-
bilismo, Tuma recordou a pioneira competição automobi-
lística do Circuito da Gávea, no Rio de Janeiro, em 1934.

Era tudo novo para mim. Ao mesmo tempo eu me


sentia muito à vontade e experiente diante daquele
evento, e do pioneirismo daqueles tempos. Pensava
o tempo todo em como realizar aquela transmissão,
de maneira satisfatória, sem erros e atento a tudo.

Nesta corrida, transmitida pela rádio Mayrink Veiga12,


Tuma revelou que organizou um grupo de informantes
pelo circuito, que se comunicavam com ele via telefone,

12. Emissora fundada em 21 de janeiro de 1926, no Rio de Janeiro e


fechada em 1964, durante o golpe militar. Em 1933 passa a ser diri-
gida pelo radialista César Ladeira. Teve liderança de audiência, até a
fundação da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, em 10 de setembro
de 1936, que se transformou na mais renomada e ouvida estação do
país, com audiência internacional via ondas curtas.

351 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


entre outros detalhes da prova. “Era uma correria divertida,
mas muito profissional”, ressaltou.
Sobre a dimensão daquele evento esportivo Tuma lem-
brou: “Muita gente veio para o Brasil. Eram estrangeiros
de diversos países, tanto os pilotos para a corrida e equipes,
como também o público que se distribuiu no circuito. O
ponto de partida foi no Leblon, seguindo pela avenida Os-
car Niemayer, avenida Imprensa, avenida Gávea Pequena,
passando pela avenida Marques de São Vicente, depois pelo
Canal do Jóquei Clube, encerrando novamente no Le-
blon”, recordou. A partir desse Circuito da Gávea, Tuma,
que já possuía sucesso e reconhecimento. Ele conhecia os
principais nomes do automobilismo. Entre os pilotos, des-
tacava o italiano Carlo Pintacuda, que em 1937 e em 1938
venceu o referido circuito. Na ocasião a rádio Mayrink Veiga
já contava com uma forte concorrente, a rádio Nacional,
inaugurada em setembro de 1936.
A voz de Nicolau Tuma dava credibilidade a todos os
principais eventos esportivos daquele período. O desem-
penho dele na cobertura da “Copa Roca”, para a rádio
Mayrink Veiga foi memorável. A competição realizada no
Rio de Janeiro, no estádio “Vasco da Gama”, conhecido
como “São Januário”, teve vitória argentina no primeiro
jogo: cinco a um, em quinze de janeiro de 1939. Na segun-
da partida, em vinte e dois de janeiro do mesmo ano, vence
o time brasileiro: três a dois, contra a Argentina, mas este
se sagra campeã daquele campeonato. Num dos trechos da
reportagem da revista, em gramática da época, uma refe-
rência promove a amizade entre os dois países adversários:
“Todos os desgostos se apagarão, as paixões adormecerão,
os rivaes de novo medirão forças e Brasil e Argentina, abra-
çados, festejarão, em novas epopeias, a mais bella amizade
do continente”. O Brasil tinha sido campeão duas vezes
antes daquele campeonato: em 1914, por um a zero contra

352 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


a Argentina e em 1922 por dois a um, também sobre os
argentinos. A Argentina já havia conquistado o título em
1923 contra o Brasil, por dois a zero.

Figura 2 -Nicolau Tuma (de chapéu) em atuação na co-


bertura da “Copa Roca”, para a rádio Mayrink Veiga. Re-
produção da página treze da revista PRANOVE, edição
número oito, do bimestre janeiro/fevereiro, de 1939, publi-
cação oficial da referida emissora.

César Ladeira: a voz da Revolução

Na mesma ocasião do encontro com Nicolau Tuma, por


indicação dele, a pauta volta-se para a atriz Renata Fronzi
(1925 - 2008)13, viúva o locutor e também advogado César
Ladeira. Este morreu em oito de setembro 1969. Durante

13. Atriz nascida na Argentina em 1925, porém com atuação no Brasil.


Foi casada durante vinte anos com o radialista César Ladeira. Con-
cedeu entrevista a este autor no mês de julho de 2002, relatando
fatos e curiosidades sobre a vida do marido, morto no ano de 1969.

353 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


a entrevista, realizada na residência dela, no Rio de Janeiro,
ela lembrou várias fases da vida do marido, que recebeu o
título de porta voz da Revolução de 1932.

Depois de ver o assassinato do MMCD, o César


chamou o técnico, da Record, que colocava a es-
tação no ar e disse: “Vamos fazer uma coisa. Esta
estação tem um quilowatt. Para chegar ao Rio de
Janeiro só depois da meia-noite, se não a onda não
chega. Vamos colocar a estação no ar à meia-noite,
porque eu vou falar da Revolução”. Eles então que-
riam uma música para fundo às irradiações. A dis-
coteca da Record era pequena e o primeiro disco que
pegaram foi o que tinha a marcha “Paris-Belfort”,
que ficou sendo a trilha da Revolução. O César,
como jovem determinado com a questão paulista
de querer ganhar a Revolução, começou a falar de
madrugada. Era escondido do doutor Paulo Macha-
do de Carvalho, o dono da emissora. Um dia um
amigo do doutor Paulo disse a ele: “Paulo, que coisa
maravilhosa você está fazendo, colocando a estação
no ar à noite, falando da Revolução, e aquele me-
nino (César Ladeira, tinha 21 anos na época), que
é muito bom, que fala em sustentar o fogo que a
vitória é nossa...” O doutor Paulo, que era muito
esperto, ficou quieto. Naquele dia, meia-noite ele
chegou à rádio na ponta dos pés e pegou todo mun-
do no pulo. E claro que ele não foi bobo de tirar o
César do ar, porque aquilo era um benefício para
São Paulo. (Renata Fronzi em entrevista ao autor).

Dessa reconstituição de época, Nicolau Tuma destacava


a intensa relação dos meios impressos com o rádio: “Os
dois veículos se observavam bastante. Chegávamos à Re-
cord com o jornal lido”, relembra. As emissoras de rádio
alimentavam-se também de informações vindas de agências

354 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


de notícias internacionais, telegramas e telefonemas.
Política e entretenimento se entrelaçaram nas carreiras
de Nicolau Tuma e César Ladeira. Os dois colegas, com
atuações marcantes testemunharam a ascensão e mudanças
significativas da vida radiofônica brasileira. Ladeira tornou-
-se uma das personalidades mais respeitadas do rádio e um
dos símbolos do movimento revolucionário, ao lado de
Tuma. Em 1933, César Ladeira transferiu-se de São Paulo
para o Rio de Janeiro. No dia primeiro de setembro da-
quele ano foi contratado como diretor da rádio Mayrink
Veiga. No comando da emissora, convidou grandes nomes
da música popular brasileira, para a programação artística
e passa a ter estreito contato com estes. “O César era um
apelideiro, ele colocava nome em todo mundo”, relembrou
a viúva dele Renata Fronzi. Entre os cantores apelidados
por Ladeira estão: Carmem Miranda, que antes era chama-
da de “A Ditadora Risonha do Samba”, virando então “A
Pequena Notável”; Francisco Alves deixa de ser o “Príncipe
dos Cantores”, transformando-se em “O Rei da Voz”; Sil-
vio Caldas, “O Caboclinho Querido”.
César Ladeira viveu 58 anos e Nicolau Tuma, 95 anos.
Este deixou uma verdadeira escola sobre as transmissões de
futebol, corridas de cavalos e automóveis. Atuando também
na política brasileira. “naquela época o sujeito podia não
saber ler e escrever, mas podia pensar”, costumava dizer,
numa referência à comunicação pelas ondas do rádio. Das
transmissões políticas, sobretudo da Revolução de 1932, ele
ressaltou que a situação diante dos microfones não era fácil
para ele e nem para César Ladeira: “além das limitações
vivíamos períodos de censura no país. O Brasil padeceu
muito com governos fortes, e governos fortes não gostam
da palavra liberdade”, declarou.

355 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


Figura 3 - César Ladeira, na revista PRANOVE, publica-
ção vinculada à rádio Mayrink Veiga, emissora dirigida por
ele, na edição de julho de 1939, página 23.

356 O Rádio Brasileiro na Era da Convergência


Conclusão

Realizar referências dos noventa anos do rádio brasileiro,


sem regastar nomes como Nicolau Tuma e César Ladeira, é
abrir uma lacuna e ou perda de pontuação sobre a trajetória
desse veículo de comunicação no país. Recorremos assim
às publicações documentadas sobre estes nomes, ou pessoas
próximas deles, como parentes, amigos, herdeiros e a toda
e qualquer outra possibilidade, como produções em audio-
visuais etc. Remonta-se, através de fragmentos históricos
a linha de um veículo de comunicação que se estabeleceu
num país pobre, com maioria da população analfabeta, in-
tencionado à educação, pela linguagem para os ouvidos.
Porém, as ações governamentais políticas testemunhadas
por Tuma e Ladeira refletem o uso político do rádio numa
sociedade que padecia de valores educativos, e que atu-
almente, noventa anos depois, mesmo com todo o bom
conteúdo já difundido, padece da predominância de uma
produção acentuada por gêneros que exploram a aborda-
gem sensacionalista, grotesca, popularesca, entendida como
popular, que supera em números de audiência as emissões
educativas. Fica aqui uma pequena contribuição para re-
fletirmos sobre o uso do rádio no país, diante do quadro
social de hoje, num comparativo à história de noventa anos
do rádio brasileiro.

Referências

ADAMI, Antonio. O Rádio com Sotaque Paulista: PRA-6 –


Rádio Educadora Paulista. Artigo para o XXX Congresso
Brasileiro de Ciências da Comunicação. Santos: Intercom
– Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Co-
municação 2007.

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MATHEUS, Roberto Ruiz de Rosa. Edgard Roquette-Pinto
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Educação e Cultura, 1984.
NUNES, Monica Rebecca Ferrari. O mito do rádio: a voz e
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PIRES Thirso. Almanaque do Rádio Paulistano de 1951.
São Paulo: Thyrso Pires, 1951.
SOUZA, Paulo César. Brecht Poemas – 1913 – 1956. São
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VAZ. Pedro Serico Filho. A História do Rádio Brasileiro na
Perspectiva dos Jornais e Revistas do Século XX. Dissertação de
Mestrado. São Paulo: Faculdade Cásper Líbero, 2009.
VAZ. Pedro Serico Filho. Rádio no Brasil 80 anos. Docu-
mentário. São Paulo: Faculdade Cásper Líbero, 2002.

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