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Eduardo Fontes
Henrique Hoffmann
PROVA DISSERTATIVA
2020
Concursos Abrangidos
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W C A P Í T U LO 1
O R I E N TA Ç Õ E S G E R A I S
1.1. INTRODUÇÃO
Como se sabe, o concurso para delegado de polícia é formado por diversas etapas, sendo que sem-
pre haverá uma primeira fase de prova objetiva (seja com questões de múltipla escolha ou com assertiva
certa ou errada) e uma segunda etapa de prova dissertativa (com questões discursivas e eventualmente
também com peça profissional).
O estudo para a prova objetiva deve priorizar a análise da legislação, pois muitas questões consis-
tem em simples reprodução dos dispositivos legais. Contudo, é cada vez maior a cobrança de doutrina e
jurisprudência já na fase inaugural do concurso público.
Ultrapassada a primeira etapa, fase que mais elimina os candidatos, realiza-se a prova subjetiva,
com características próprias. Nessa fase a doutrina e jurisprudência ganham preponderância sobre a
lei seca. As questões têm mais profundidade do que na prova objetiva e o examinador avaliará mais o
desenvolvimento do raciocínio jurídico do candidato do que propriamente a memorização do número
do dispositivo legal ou sua reprodução ipsis litteris.
A segunda etapa do concurso de delegado de polícia possui diversos tipos de questionamentos,
mas as questões mais comuns são aquelas que exigem conceitos jurídicos ou trazem uma situação
fática que demande do candidato uma solução jurídica como se ele fosse a autoridade do caso (seja em
forma de questão ou de peça profissional). O examinador expõe um problema e pede uma solução ju-
rídica, objetivando buscar o raciocínio do candidato caso já estivesse desempenhando as funções.
As respostas deverão ser redigidas à mão, em letra legível. A caligrafia é muito importante numa
prova discursiva, pois se o examinador encontrar dificuldade em compreender uma palavra ou um trecho
da resposta poderá desconsiderá-lo. Ademais, é de se imaginar que a prova repleta de garranchos não
será corrigida com a mesma boa vontade de uma prova com letra de fácil leitura. Lembre-se que o exami-
nador terá centenas ou milhares de provas para corrigir em muito pouco tempo. Nos tempos atuais, em
que pouco se escreve à mão, é importante treinar para evitar o cansaço na hora da prova.
A caneta a ser usada é a de tinta preta ou azul (sempre verifique a cor exigida no edital, pois o CE-
BRASPE, por exemplo, só aceita a cor preta), fabricada em material transparente. Dica: sempre leve, no
mínimo, 3 canetas já testadas, do modelo que você é acostumado a usar.
O caderno de prova definitivo não deverá ser assinado ou rubricado nem conter qualquer palavra
e/ou marca identificadora em outro local que não seja o indicado, sob pena de ser anulado (evita-se a
identificação do candidato). Além disso, antes de transcrever para a folha definitiva, certifique-se de que
se trata do espaço de resposta destinado àquela questão.
Caso cometa algum erro, apenas risque a palavra ou trecho, por exemplo, incontitucionalidade, e
continue a escrita. Muito cuidado ao manusear alimentos ou tomar água próximo ao caderno definitivo,
pois não será substituído.
Use a divisão silábica se a palavra não couber na linha da resposta, colocando um traço e prosse-
guindo na linha debaixo, em vez de espremer no cantinho para caber.
Use o máximo de linhas possível. Se tiver conhecimento genérico sobre o tema ou não souber a
resposta, tangencie o assunto, ainda que de forma genérica, explorando os aspectos constitucionais e
principiológicos. Deixe espaço em branco apenas se não tiver conhecimento correlato algum, para não
encher linguiça, pois a fuga completa do tema pode ensejar decréscimo na nota.
Importa observar, ainda, que os editais, via de regra, não admitem consulta à legislação. Sem o Vade
Mecum na mão, em regra não há necessidade de citar números de leis, súmulas e julgados no corpo da
resposta, uma vez que é humanamente impossível memorizar todo arcabouço jurídico. Excepcionalmen-
te, quanto a dispositivos de extrema importância (ex: art. 1º, III da Constituição, que hospeda a dignidade
da pessoa humana), é recomendável mencionar expressamente na resposta, sendo possível que o exami-
nador inclusive exija tal apontamento no espelho de resposta da questão.
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COLEÇÃO CARREIRAS POLICIAIS V Prova Dissertativa
Por fim, treine o controle do tempo. Candidatos com excepcional preparo são eliminados em todos
os certames pois não sabem dividir o tempo disponível e deixam questão em branco. As bancas examina-
doras não permitem o uso de relógio, mas o tempo é controlado pelo fiscal de prova na lousa por meio de
marcações a cada 30 minutos, geralmente. Se a prova discursiva for realizada junto com a prova objetiva,
reserve o tempo adequado para respondê-la. Caso sobre tempo, não fique ansioso para ir embora, prefira
revisar suas respostas.
Se na prova objetiva todas as disciplinas elencadas no edital são cobradas, na prova dissertativa
apenas as mais importantes serão objeto de questionamento.
No concurso para delegado de polícia, geralmente a exigência incidirá sobre Direito Penal, Direito
Processual Penal, Legislação Penal Especial, Direito Constitucional, Direito Administrativo, Crimi-
nologia e Medicina Legal.
Levantamento mostra que aproximadamente 90% das provas dissertativas para delegado de po-
lícia exigem Direito Penal, Direito Processual Penal, Legislação Penal Especial (que no edital pode estar
inserido em Penal ou Processual Penal), Direito Constitucional e Direito Administrativo. Esse é o núcleo
duro que representa as disciplinas mais importantes tanto em termos quantitativos quanto qualitativos,
demandando-se da futura autoridade conhecimento profundo das matérias.
Já Criminologia e Medicina Legal aparecem com menor incidência, por volta de 10% das fases dis-
sertativas cobram esse conhecimento.
Estudando pela doutrina o aluno poderá grifar os pontos mais importantes, realizar resumos, utilizar
palavras-chave, estrutura de tópicos, conexões com setas ou colchetes, quadros esquemáticos, mapas
mentais, elaborar questionário ou lançar mão de recursos mnemônicos.
Merecem especial atenção os julgados que se refiram às atribuições do cargo almejado e às compe-
tências da instituição que busca ocupar, além daqueles assuntos que guardam divergência doutrinária
ou jurisprudencial.
Com o domínio do conhecimento de base, é interessante, se possível, aprofundar no estudo de tó-
picos específicos, o que se consegue também por meio da doutrina especializada, como por exemplo o
livro Temas Avançados de Polícia Judiciária.
Tomando como base os editais para delegado de polícia, temos os seguintes parâmetros de corre-
ção:
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Capítulo 1 V Orientações Gerais
Portanto, cuidado, porque o candidato pode ter sua prova avaliada com nota 0 e ser eliminado do
certame se (a) não desenvolver o tema proposto, (b) apresentar acentuada desestruturação na organiza-
ção textual ou quantidade elevada de falhas na língua portuguesa, ou (c) empregar letra completamente
ilegível.
Não raras vezes a avaliação de conteúdo será feita por pelo menos 2 examinadores, de maneira que
essa nota será obtida pela média aritmética de duas notas convergentes atribuídas por examinadores
distintos.
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a) A conduta de Caio se amolda à figura do feminicídio, isto é, homicídio qualificado contra a mu-
lher por razões da condição de sexo feminino, tendo em vista que foi praticado com menospre-
zo ou discriminação à condição de mulher. Além disso, matá-la sob o fundamento de ser muito
fofoqueira, também qualifica o crime por motivo fútil. Nesse contexto, a qualificadora possui
natureza subjetiva, ao passo que o feminicídio, por se ligar à condição especial da vítima, é ob-
jetiva, não havendo, portanto, qualquer óbice à imputação simultânea.
b) Em razão do crime ter sido cometido na presença virtual do pai de Ticinha, que assistia a tudo via
Skype, haverá majoração de 1/3 (um terço) até a metade.
c) O privilégio não restou demonstrado no caso hipotético. Nesse aspecto, a doutrina e a jurispru-
dência têm admitido a figura privilegiada no crime de homicídio qualificado, desde que exista
compatibilidade lógica entre as circunstâncias, ou seja, a existência concomitante de qualifica-
doras objetivas com as causas do privilégio, que são de ordem subjetiva (motivo de relevante
valor social ou moral e sob o domínio de violenta emoção). Ocorre que em relação ao feminicí-
dio, há divergência doutrinária e jurisprudencial acerca da natureza dessa qualificadora, pois, de
um lado, o Superior Tribunal de Justiça entende que é de ordem objetiva, fato que autorizaria a
incidência, mas, do outro, boa parte da doutrina leciona tratar-se de qualificadora com natureza
subjetiva, sendo, portanto, inviável a figura qualificada-privilegiada nesses casos.
d) O Supremo Tribunal Federal entendeu que tal medida é inconstitucional, pois as hipóteses de
foro por prerrogativa de função somente podem ser previstas validamente pela Constituição
Estadual se estiverem asseguradas, explicita ou implicitamente, pela Constituição Federal.
f Gabarito Oficial
Inexistente (questão inédita).
f Aprofundamento
A natureza da qualificadora do feminicídio
Discute-se a natureza da qualificadora do feminicídio (art. 121, §2º, VI, do Código Penal). O STJ considera que é
objetiva, vejamos: “[...] considerando as circunstâncias subjetivas e objetivas, temos a possibilidade de coexistên-
cia entre as qualificadoras do motivo torpe e do feminicídio. Isso porque a natureza do motivo torpe é subjetiva,
porquanto de caráter pessoal, enquanto o feminicídio possui natureza objetiva, pois incide nos crimes praticados
contra a mulher por razão do seu gênero feminino e/ou sempre que o crime estiver atrelado à violência doméstica
e familiar propriamente dita, assim o animus do agente não é objeto de análise.”
Rogério Sanches esmiúça o tema e apresenta as seguintes conclusões, a depender do posicionamento adotado:
1) Feminicídio (natureza objetiva): a) Sendo a qualificadora de feminicídio de natureza objetiva, é possível coe-
xistir com a qualificadora de motivo torpe ou fútil; b) Para essa posição, é possível um “feminicídio qualificado
privilegiado”.
2) Feminicídio (natureza subjetiva): a) As qualificadoras subjetivas (artigo 121, §2º, I, II, V, VI e VII) não se comu-
nicam com os demais coautores ou partícipe no concurso de pessoas. As qualificadoras objetivas (artigo 121,
§2º, III e IV) comunicam-se, desde que ingressem na esfera de conhecimento dos envolvidos; c) Não é possível
a qualificadora do feminicídio ser cumulada com o privilégio do artigo 121, §1º, do Código Penal, ou seja, não
existe feminicídio qualificado privilegiado, porque doutrina e a jurisprudência dominante sempre admitiram, co-
mo regra, homicídio qualificado privilegiado, estabelecendo uma condição; a qualificadora deve ser de natureza
objetiva, pois o privilégio descrito nos núcleos típicos do artigo 121, §1º, são todos subjetivos, algo que repele as
qualificadoras da mesma natureza. Por fim, cabe observar que o feminicídio é a morte da mulher em razão do sexo
feminino (leia-se, violência de gênero quanto ao sexo). Já o femicídio, é a prática do homicídio contra a mulher.
Feminicídio na presença física ou virtual de descendente ou ascendente da vítima
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Capítulo 2 V Direito Penal
O CP prevê que o crime de feminicídio praticado na presença física ou virtual de descendente ou de ascendente
da vítima será agravado 1/3 (um terço) até a metade. Segundo Rogério Sanches, essa causa de aumento de pena
se deu por conta “do atual estágio de interação humana, em que ambientes de presença virtual são capazes de
tornar a comunicação por meio de áudio e vídeo muito próxima da realidade [...]”
O panorama atual do foro por prerrogativa de função (STF)
O foro por prerrogativa de função foi uma opção política do constituinte. Nessa senda, Renato Brasileiro define o
tema: “em face da relevância das funções desempenhadas por certos agentes, a Constituição Federal, as Constitui-
ções Estaduais e a legislação infraconstitucional lhes confere o direito de serem julgados por Tribunais. Cuida-se
da denominada competência “ratione funcionae”. Essa jurisdição especial assegurada a certas funções públicas
tem como matriz o interesse maior da sociedade de que aqueles que ocupam certos cargos possam exercê-los
em sua plenitude, com alto grau de autonomia e independência, a partir da convicção de que seus atos, se even-
tualmente questionados, serão julgados de forma imparcial por um Tribunal.”
No julgamento da Ação Penal (AP) 937, concernente ao tema, o STF atribuiu ao texto normativo uma acepção
mais restritiva, com base na teleologia do instituto e nos demais elementos de interpretação constitucional (re-
dução teleológica), estabelecendo que o foro por prerrogativa de função conferido aos deputados federais e
senadores se aplica apenas a crimes cometidos no exercício do cargo e em razão das funções a ele relacionadas.
Tal entendimento foi aplicado aos processos em curso, resguardados os atos e as decisões da Corte – e dos juízes
de outras instâncias – tomados com base na jurisprudência anterior, assentada na questão de ordem no Inquérito
(INQ) 687. Ficou decidido ainda, que após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de inti-
mação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais não será mais
afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja
o motivo.
Em recente decisão, o STF também fixou o entendimento de que é inconstitucional dispositivo da Constituição
Estadual que confere foro por prerrogativa de função, no Tribunal de Justiça, para Procuradores do Estado, Procu-
radores da ALE, Defensores Públicos e Delegados de Polícia. A CRFB/88, apenas excepcionalmente, conferiu prer-
rogativa de foro para as autoridades federais, estaduais e municipais. Assim, não se pode permitir que os Estados
possam, livremente, criar novas hipóteses de foro por prerrogativa de função.
Quadro síntese disponível no sítio eletrônico “Dizer o Direito” acerca das hipóteses de foro por prerrogativa de
função previstas na CRFB/88.
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COLEÇÃO CARREIRAS POLICIAIS V Prova Dissertativa
STF. ADI 2.553/MA, Rel. Min. Gilmar Mendes, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 15/5/19 - Info. 940.
STJ. REsp 1.739.704/RS, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 18/09/18, DJe 26/09/18.
STJ. REsp 1.707.113/MG, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 29/11/17, DJe 07/12/17.
Legislação
CP, Art. 121, §2º Se o homicídio é cometido: [...] VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino: [...]
CP, Art. 121, §7º. A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado: [...]
III - na presença física ou virtual de descendente ou de ascendente da vítima; [...]
Doutrina
CAVALCANTE, André Márcio Lopes. É possível a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido
em apelação, ainda que pendente de julgamento Resp ou RE. Sítio eletrônico - Dizer o Direito, fev. 2016. Dis-
ponível em:<https://www.dizerodireito.com.br/2016/02/e-possivel-execucao-provisoria-de.html>. Acesso em
04/08/2019.
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: parte especial (arts. 121 ao 361) - 11ª ed., Salvador: JusPodivm,
2019.
CUNHA, Rogério Sanches. O homicídio doloso perpetrado pelo marido, convivente, namorado e amasiado, em
face da sua mulher, por motivo de ciúme, atrai por si só a figura do feminicídio? Sítio eletrônico - Meusitejurídico.
com, jul. 2019. Disponível em: < https://s3.meusitejuridico.com.br/2019/07/ef363db9-o-homicidio-perpetrado-
-pelo-marido-convivente-namorado-e-amasiado-em-face-da-sua-mulher.pdf>.Acesso em: 04/08/19.
LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Criminal Especial Comentada. 7ª ed. - Salvador: JusPodivm, 2019.
Código de Processo Penal comentado. 2ª edição. Salvador: JusPodivm, 2017.
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