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Igor Machado Correia

Lucas Emmanuel Plaça Margueiro

MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS: UM ESTUDO SOBRE


CULTURA

Centro Universitário Toledo


Araçatuba
2018
Igor Machado Correia
Lucas Emmanuel Plaça Margueiro

MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS: UM ESTUDO SOBRE


CULTURA

Trabalho de Conclusão de Curso, orientado pela


professora e mestra Angela Ines Liberatti, para
fins de conclusão do curso de Licenciatura em
História.

Centro Universitário Toledo


Araçatuba
2018
1

Lucas Emmanuel Rodrigues Plaça Margueiro1 – UNITOLEDO


Igor Machado Correia2 – UNITOLEDO
Angela Ines Liberatti3 – UNITOLEDO

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo principal revelar a contribuição ao campo da


história e da análise cultural, realizada pelo filósofo brasileiro Mário Ferreira dos Santos.
Indevidamente esquecido, o mesmo reexamina o conceito de história e de cultura a partir de
postulados apodíticos de sua filosofia, bem como desenvolve e aplica os conceitos em direção
à análise política, social e intelectual das civilizações. Neste sentido, a inovação simbólica de
seu pensamento aparenta dar soluções às aporias que ficaram insolúveis por algumas escolas
historiográficas, filósofos e teóricos da história.

Palavras-Chave: História; Cultura; Renovação.

ABSTRACT

The present work have as a principal objective reveal the contribution for
the area of history and cultural analysis, realized by the Brazilian philosopher Mario
Ferreira Dos Santos. Unduly forgotten, he reexamined the concept of history and of culture
by the apodictes postulates of you philosophy, as well develop and apply the concepts in the
direction to political analyses, social and intellectual of civilizations. In this sense, the
symbolic innovation of your thought seems to give solution to the insoluble question of the
some historiographical schools, philosophers and history intelectuals.

Key-Words: History; Culture; Renovation.

1 Introdução

Pode parecer-vos audacioso quanto à amplitude que a introdução deste trabalho


pretende realizar, sobretudo quanto aos critérios históricos das ideias acerca da complexa
matéria Cultura; não por ocasião momentânea, mas, na verdade, por necessidade intrínseca e
ao devido respeito que devemos conceder aos autores que aqui serão trabalhados, sem padecer
de dúvida, rápidas explanações não só figuraria a mais fácil leviandade e rasa concretude das
ideias, como também nos impediria de alcançar e finalizar nossos objetivos que, como tal,
consideramos de suma importância para o estudo historial.

1
Formando de Licenciatura em História, no Centro Universitário Toledo.
2
Formando de Licenciatura em História, no Centro Universitário Toledo.
3
Professora e Orientadora de Licenciatura em História. Mestra em Ciências Sociais pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo.
2

Não poderíamos esclarecer completamente as ideias filosóficas da cultura e dos fatos


histórico-culturais que o intelectual principal deste estudo, Mário Ferreira dos Santos, com
certa polivalência resolve diversas aporias de modo harmônico, sob os arquétipos
sociológicos, antropológicos e historiais do ato e do fato genuinamente humano considerados
filosoficamente, sem salientar-vos do produzir-se historicamente arraigado às discussões
desenvolvidas por uma série de autores precedentes. Entretanto, nos limitamos
exclusivamente às suas ideias.
Já que um breve exame da formalidade deste estudo fora realizado há pouco, podemos
agora tecer certas considerações à epígrafe antecipada. Pelo o que se sabe, o filósofo
brasileiro Mário Ferreira dos Santos, condenado a uma espécie de ostracismo pelo
desentendimento para com suas ideias, não revelou senão a despeito dos amortecedores
ideológicos e intelectuais de seu tempo, uma verdadeira ignorância mútua de sua obra e
contribuição que, em última instância, permanece, em certa medida, olvidada até hoje por
estes citados elementos – e em última instância pelo mercado editorial. Resgatar sua
contribuição é, decerto, um dos principais objetivos.
Mas, a despeito deste fato de proporções imensuráveis e lastimáveis, ser-se-á um non-
sequitur a ideia de não voltarmo-nos a dar por continuidade seu trabalho pela falta de
reconhecimento que assim se aplica para com este autor. No que tange a contribuição à
Historiografia ou, mais amplamente, à própria História como matéria concreta, a filosofia de
Mário Ferreira dos Santos nos concede grandes elementos de diferenciação, de fundamentos e
de parâmetros inclusive ontológicos que elucidam boa parte das interligações das matérias:
Sociologia, Antropologia, Historiografia e, sobretudo, a própria Filosofia.
Esclarecemos, no entanto, de que não se deverá confundir a compenetração simbólica
e filosófica entre estas disciplinas, para com o intuito de estabelecer um “diálogo entre as
diversas ciências sociais” da famosa École des Annales francesa – a de fazer outra história, de
Febvre, e da insatisfação da história política de Marc Bloch.
Bem como o próprio Mário diz, em uma de suas aulas, “a má compreensão mesma que
se faz a uma série de autores se deve a não compreensão de sua Simbólica”; deve-se ter em
mente, por exemplo, que a partir da catalogação dos fatos históricos sobre a discussão e as
diversas noções de Cultura, a interdisciplinaridade entrará como fator necessário, mas
coadjuvante completo à generalidade tomada das matérias religiosas, psicológicas, materiais
e, sobretudo, filosóficas que surgem no estudo da cultura. Esquivarmo-nos daquela potencial
confusão é, inclusive, fazer jus às ideias que trabalhamos. Por consequência e em vista disto,
3

percebemos mais uma necessidade de realizar este esboço histórico até que cheguemos à
genuína parte deste trabalho.
Neste sentido, nosso escopo residirá na perspectiva que se funda Eric Voegelin, com
uma abordagem da história das ideias, bem como uma fundamentação de seus estudos mais
realçados em “Evangelho e Cultura”. Isto é, a utilização de fontes teoréticas a cerca do
produzir-se histórico das ideias da cultura; desta forma, não apegamo-nos nos fatos históricos
brutos, mas, na verdade, no campo das ideias que confirmam, no final das contas, uma boa
interligação para com a Filosofia. Desta forma, não haverá limitações de escopo, mas apenas
de objetos de estudo (neste caso, o tema da “cultura”).
Somente a partir desta precaução metodológica que poderemos prosseguir com o
estudo histórico das ideias culturais, através do historiador Kaj Birket-Smith para que
possamos identificar as mais diversas concepções filosóficas e seus pontos de concordância,
bem como o horizonte de consciência de cada produção e, por último, mas não menos
importante, situar a “conjuntura de ideias” em que Mário Ferreira se encontrava. É neste
enfoque central que teremos de enrijecer nosso esforço de teorização, diante das produções e
colocações, sobretudo através de uma perspectiva sistemática hegeliana, que nos permita
identificar a real contribuição e o benéfico realçar filosófico diante de uma História Cultural
dita “concreta”.

2 Biografia

Quando se abre a pergunta sobre quem foi Mário Ferreira dos Santos, abre-se
conjuntamente a prerrogativa de que já tratamos na introdução, sobre o devido respeito que
tem de existir em uma circunstância deste tipo; não nos é uma resposta curta e fácil de
conceder, a despeito da má e pouca referência que se faz direta e francamente a este autor e
que, no entanto, podemos dizer em linhas gerais: Mário Ferreira dos Santos foi um filósofo de
nacionalidade brasileira, nascido em 3 de Janeiro de 1907, vindo a falecer em 11 de Abril de
1968. Quando entrevistado na obra Rumos da Filosofia Atual do Brasil, Mário enunciava que
era “natural de São Paulo, filho de pai português, de família de intelectuais” (p. 409); também
a vida intelectual de Mário foi marcada pelo ensino com os Jesuítas brasileiros4, os quais lhe

4
Padre Ladusãns realizou um Inquérito ao Mário Ferreira dos Santos, indagando-lhe acerca de sua filosofia. A
resposta de Mário, sobre sua formação, fora de que “estudara com Jesuítas” (a resposta também encontra-se em
áudio).
4

educaram para a vida, dando-lhe o desejo do saber necessário para que constituísse seus
trabalhos intelectuais.

Iniciei meus estudos num ginásio dos jesuítas, onde cursei até os dezoito anos de
idade, ingressando, depois, no curso superior, onde me formei em Direito e Ciências
Sociais [...]. Mantive sempre uma atitude de independência e de liberdade, fugindo
de toda participação, tanto quanto possível, da vida política e das rodas literárias, por
considerar dissolvente o primeiro ambiente e deletério o segundo (LADUSÃNS, p.
409).

Infelizmente ainda carecemos de precisas e numerosas fontes acerca de sua vida e,


portanto, de uma visão sobre o desenvolvimento de sua obra. A única aparição em vídeo que
temos de Mário Ferreira dos Santos é, enquanto criança, em um dos filmes que se tem notícia
do cinema brasileiro, o chamado Os Óculos do Vovô, dirigido por Francisco Dias Ferreira dos
Santos5, seu pai. A vida intelectual de Mário teve início logo na adolescência quando, no
escritório de seu pai, teve contato com diversos autores e pela leitura lhe influenciou: a
filosofia de Nietzsche que, a dizer, fizera uma edição de Assim Falava Zaratustra, com
comentários, o anarquismo científico de Proudhon, defendendo suas ideias econômicas
(CARVALHO, p. 152) entre outros filósofos antigos como Pitágoras e Platão. Algumas
destas ideias, bem como as anarquistas, renderam-lhe uma espécie de perseguição política no
tempo de Getúlio Vargas, pelas suas críticas ao governo por meio de jornais.
O posicionamento filosófico de Mário Ferreira dos Santos, segundo suas próprias
palavras, segue uma linha pitagórica e platônica; no desenvolvimento de sua filosofia,
condensando e agregando elementos antitéticos, até chegar ao cume de seu desenvolvimento:
a Filosofia Concreta.
Nas suas ideias no campo das ciências sociais, vislumbraremos a influência de
Proudhon e também de Oswald Spengler; aquele primeiro, nas obras Tratado de Economia e
O Problema Social, sobretudo com o tema do valor e o caráter da sociedade, e este último
com sua famosa obra A Decadência do Ocidente, nos três volumes de Filosofia e História da
Cultura. Mário reconhece em Spengler grande validade, não, porém, absoluta veracidade6;
agrega ele uma série de elementos filosófico-simbólicos de sua perspectiva, sobretudo na
ideia de um Logos Analogante aplicado às ciências sociais. Excluindo o cunho relativizado e

5
Em “Internet Movie Database” (IMDB), encontra-se uma breve biografia de Francisco Dias Ferreira dos
Santos: “Francisco Santos was born in 1873 in Porto, Portugal as Francisco Dias Ferreira dos Santos. He was a
producer and director, known for Amor de Perdição (1914), A Mulher do Chiqueiro (1913) and O Crime dos
Banhados (1914). He died in 1937 in Pelotas, Rio Grande do Sul, Brazil.”.
6
Ver o último capítulo do primeiro volume de Filosofia e História da Cultura, onde Mário traça a teoria da
Morfologia da História Universal de Spengler e tece suas considerações.
5

pessimista da perspectiva de Spengler, potencializou, especificamente no terceiro volume de


sua obra, a ideia de Ciclos Culturais; a concepção de Cultura em Mário, portanto, girará em
torno desta perspectiva.

3 A Cultura Como Produzir-se

Mario Ferreira dos Santos define a cultura como “o produzir-se da história”, isto é, o
grau de consciência do homem que molda e cria a partir de seu espírito de forma orgânica,
atribuindo assim valores as transformações da natureza. Toda está transformação não se dá de
forma inútil, mas para atingir um fim, que é de elevação do homem, isto é, seu
desenvolvimento nas diversas áreas, sejam elas econômicas, religiosas, culturais, sociais ou
políticas.

E o imediato são as coisas, enquanto o fim seria a eleva ção do homem. Por isso,
nossa era está tôda vertida, tôda debruçada para as coisas, e apenas balbucía um fim,
que nada mais é que a efectivação dos meios e do imediato, E o imediato é o
utilitário, o apenas utilitário, o agradável, o conveniente, o próximo, o que está às
mãos. São tantas as carências, tais as ausências que gritam dentro de todos, que
julgamos poder encher apenas com coisas os grandes e abissais vazios que sentimos
dentro de nós. As coisas são meios, não fins. Elas servem para, por m do delas,
enchermos uma parte dêsse vazio. Mas se pensarmos que com elas nos
completaremos, trágica será a conseqüência dêsse nosso engano. O homem só se
completará por si mesmo, pela sua realização, fazendo de si. quer individual, quer
colectivamente, um firn. (SANTOS,1962 p. 22)

Conforme o avanço cultural do homem, este começa a compreender o mundo,


atribuindo-lhe valor tanto positivo, quanto negativo, para, se opor ao que é negativo e, por
meio da cultura, criar ferramentas para contornar, até que, conceba uma forma de combater
tal mal, resultando então nos diversos campos da civilização.

É ela a geradora das tantas formas na arte, como no campo da Sociologia e da


Política. Mas as grandes obras humanas não foram apenas aquelas que surgiram
dessa luta, mas, sobretudo, aquelas que não foram movidas pelo interesse daquela,
as obras desinteressadas, gratuitas, aquelas de que já falamos. (SANTOS, 1962 p.43)

Devemos então definir o qual é o produto resultante da cultura, considerar tudo que é
produzido no mundo das ideias e que o homem cria, transforma e molda, como as obras de
arte, a literatura, as cidades, os grandes feitos dos homens enquanto históricos e que na área
da história nos é importante que nos serve de objeto de estudo. Porém, um dos grandes
problemas que vemos dentro dos campos historiográficos é exatamente a supervalorização do
6

que é produzido pelas civilizações, tudo que já está pronto, nos focamos apenas nos fatos e
transformamos os acontecidos em atos mecanizados e apenas atualizamos os produtos de uma
civilização dando suas ordens cronológicas de forma sistematizada e esquecemos que a
história se dá no tempo, que não podemos repetir os acontecidos, mas, nos lembrar de que
podemos nos debruçar sobre o espirito que criaram o produto.

A História é o produzir-se, porque é dinâmica, é tempo. O que produziu, o que ficou,


monumentos, arte realizada, obras em geral, são o producto, os quais nos permitem,
através deles, captar algo daquele produzir-se. (SANTOS, 1962 p.18).

Devemos, segundo o autor entender estas duas áreas que constroem , compreendendo
certos aspectos de uma sociedade por meio de seus produtos, e, para isso, utilizaremos então
as instituições destacadas pelo próprio Mario para identificar características da cultura: o
valor aplicado aos feitos de uma civilização e como a mesma o classifica, negativa ou
positivamente, através de uma intuição que apreenda os sentidos da obra. Pela subjetividade
daquela classificação podemos finalizar com o juízo de sua existência, o porque de tal ato ter
sido tomado de tal jeito, isso irá nos aproximar do espirito daquela civilização, assim
compreendendo suas tensões7.
Estas servem para demonstrar a modificação cultural a partir das interações, já que a
cultura contém uma tensão, mesmo nas culturas dos tempos mais contemporâneos, por mais
diversa que sejam.

Há tensões de classe, casta, agrupamentos esportivos, culturais, bairros, povos, etc.


A cultura tem uma própria. Cada cultura tem peculiaridades, tem caracteres
próprios, modos de proceder, de realizar-se, diferentes, como veremos. Ora, cada
tensão formada tem uma série de possibilidades de realização. Essas podem ou não
actualizar-se. (Santos, 1962 p.38).

Temos aqui a definição da história como um produzir-se, já que o que constitui a


potência do homem é sua cultura possibilitadora dos fatos. Nesta visão, temos as
características de como se produz aa visão da dos fatos, já que as ações de dado momento
não são caracterizadas como históricas, estas se fazendo presente momento da civilização, e a
partir dai, podemos identificar o produzir-se histórico, ao que damos valor como histórico
enquanto já feito, já que apenas se torna histórico quando influência o futuro, conecta-se ao
passado e lhe é atribuído algum valor em forma posterior construindo uma característica que

7
A lógica interna que da forma da a algo.
7

afeta o homem, seja intelectualmente, socialmente, economicamente, culturalmente ou


politicamente.

3.1 A Teoria dos Ciclos Culturais

A teoria dos ciclos culturais de Mário Ferreira dos Santos é complexa, pois se interliga
para com o todo de sua obra. Ela se encontra mesclada e concrecionada para com a
decadialética, pentadialética, e, por último, mas não menos importante, para com uma
perspectiva ontológica da história. Os aspectos dos ciclos culturais se desdobram desde uma
teoria geral da história até uma teoria científica da existência do estado e ato humano.
Neste sentido, na medida em que se penetra no campo histórico, assim compreendido
como fenômeno existencial ontológico, sua afirmação de positividade pelo tempo penetra-se,
consequentemente, no ciclo cultural específico, o qual é capaz de condensar certos símbolos
da realidade, no mesmo instante em que há a predominância de certas constantes e notas
sociologicamente repetíveis pela história. Mário condensa estes aspectos no esquema
morfológico da história; a história como produto ou extensidade, e como produzir-se ou
intensidade:

O estudo da História, para ser um estudo proveitoso, e de frutos benéficos, não pode
afastar-se de uma concepção que englobe ambos aspectos, que permita a formação
de uma visão concreta, conexionando os aspectos meramente históricos, como
irrepetíveis, com as realizações, as obras feitas, as quais servem para indicar um
novo caminho capaz de permitir o vislumbrar dos aspectos sociológicos, para uma
visão filosófica e histórica da cultura humana em geral, e da História em particular.
(SANTOS, 1962. p. 19).

Isto quer dizer que, dentro de um kratos político, do qual, nesta perspectiva ontológica
“do todo o acontecer” (SANTOS, 1962. p. 15), permite sua catalogação hierarquicamente
social e mundana, onde a sua própria existencialidade demonstra o seu critério único e
substancial que lhe caracteriza: o seu ciclo.

O kratos social é propriamente o poder político que se estrutura nos ciclos culturais
superiores, naquilo que constitui o ‘estado’ e que dá uma certa coerência a
sociedade, mas uma coerência fundada na lei política e, sobretudo, na violência
organizada. (SANTOS, 1967, p. 19).

Temos que saber, portanto, sob qual perspectiva histórica, dentre os diversos ciclos
culturais, permite a sua forma de catalogação a partir da estruturação real-ideal dos
8

estamentos políticos. Assim sendo, em sua obra Filosofia e História da Cultura, tendo
formalizado os tipos caracterológicos dos aspectos sociais, pode-se identificar uma constância
em certos períodos da história, sobretudo no que concerne ao Ocidente, algumas notas que lhe
dão seu caráter genealógico e substancial. Os tipos Hierático ou Teocrático, em seguida o
Aristocrático, Democrático e por último, como sendo também certa constância na história do
ser humano, o Cesariocrático. Os ciclos culturais seriam, neste caso, a totalidade destas fases
consideradas.
O primeiro período que marca os ciclos culturais, o Hierático, retém a predominância
dos aspectos religiosos. Tal só é possível de compreender como causa formal de uma cultura,
ou como produzir-se e, portanto, de uma civilização, ou produto. É com a religião, no seu
mais latu sensu, que a cosmovisão da sociedade será integralmente estruturada. A sua forma,
neste aspecto, será a máxima realização do pensamento social, no sentido da auto
interpretação da realidade que a sociedade, em seu critério existencial, realiza.
Sob esta consideração temos como postulado de que os estudos das mais diversas
religiões influem não somente na primeira fase de cada ciclo cultural, como também adentrará
o campo da noologia do ser, ontológica e historiologicamente considerada. O estudo das
formas e das relações, do thambos espiritual, da sua concepção e cosmovisão da realidade,
quando devidamente desdobradas, não concedem senão melhores apontamentos histórico-
morfológicos do seu desenvolvimento.
Adentrar a concepção do real em uma fase teocrática por uma ótica científica implica,
necessariamente, o estudo da simbólica, da noologia e, por último, mas não menos
importante, dos aspectos propriamente intensivos e extensivos expostos na realidade histórica.
Isto é possível através da morfologia da história e nos estudos em que Mário já realiza em
Tratado de Simbólica e Noologia Geral. A vantagem de se obter este aprofundamento é
apresentada pela filosofia de determinada fase, podendo ser examinada, inclusive, pela ótica
de uma história das ideias ou uma história da filosofia. O caso da filosofia medieval, em que
se funda em postulado do pensamento antigo e teológico, demonstra factualmente este
aspecto.
Desde logo obtemos dois aspectos: em primeiro lugar, a filosofia especulativa, que
representa historicamente a fase em que se encontra e, segundo, a parte precisamente
noológica ou espiritual de seu caráter histórico. Estes dois aspectos, da primeira fase do Ciclo
Cultural, fazem parte da cultura intelectual.
A segunda fase dos ciclos culturais manifesta-se pelo seu caráter Aristocrático. As
características do tipo aristocrático, segundo Mário, seguem-se “da capacidade de valorização
9

extremada”, “da honra, do renome pela realização de feitos dignos e superirores”, “dos
valores éticos” e, por último, mas não menos importante, “a extrema valorização do sangue e
da transmissão dos altos caracteres adquiridos” (p. 92-93).
O pathos aristocrático, como sendo em um fenômeno de aproximação social, inverte
os valores hieráticos “que é capaz de sacrificar seus interesses utilitários pelo bem da
verdade” (p.93) em direção aos princípios de valores lógicos e estéticos; o homem virtuoso,
aretês, neste sentido, está também em busca da verdade bem como o anterior, não, porém,
com a mesma simbólica ou com os mesmos caminhos no campo da intelectualidade. Como
toda fase do ciclo cultural tem um símbolo, esta se manifesta e inicia-se pela figura religiosa
ou espiritual.

Quem era o aristocrata cristão dos primeiros dias do cristianismo senão o que era
capaz de sacrificar todos os valores pela sua fé? Nessa capacidade de sacrifício, nas
façanhas que realizava, obtinha o renome, a fama, o respeito e a admiração de todos.
Os primeiros cristãos aristocratas foram naturalmente aqueles que tudo
abandonaram e tudo sacrificaram para pregar a fé. O cavaleiro andante, desejoso de
realizar a justiça, de endireitar "tuertos", como diria Don Quixote, é o símbolo desse
genuíno herói. É a heroicidade que o eleva. E Don Quixote é, na ficção, o símbolo
mais elevado de aristocracia pura. (SANTOS, 1967 p. 93).

A compenetração dos símbolos hieráticos em um tempo manifestamente aristocrático


resplandecem a noção de transferência de valores, reafirmando a correspondência da
cosmovisão correspondente; mas, se por um lado as semelhanças se confundem pelo seu
mesmo tipo de caráter de busca, com diferenças mínimas de direção, por outro há uma
“disposição prévia”, diz Mário, “corruptiva da aristocracia que estava não no desejo de
transmitir aos descendentes as honras obtidas, mas precisamente no afirmar que apenas nessa
transmissão estava a nobreza” (p. 93). Esta sutil característica influi no seu despontar na
esfera social ao longo do tempo.

À proporção que a aristocracia foi conquistando poder econômico, e põs-se a


disputar o kratos político, as disposições prévias corruptivas teriam de acentuar o
seu papel destrutivo e precipitar, fatalmente, como sempre aconteceu em todos os
ciclos culturais, a decadência daquele mesmo estamento social (SANTOS, 1967, p.
93).

Da nova sacralidade, onde seu horizonte de ação se fecha em si mesmo porém se


expandindo no que tange à própria sociedade-política, passa a surgir o terceiro estágio
chamado Democrático, em meio ao desgaste da aristocracia e de uma transferência, não
somente de valores, mas de cosmovisão.
10

A fase democrática não é senão uma das mais complexas em sentido estrito; isto é,
trata-se de um período das culturas e das civilizações onde suas características mais diversas
se polarizam pela sua própria cosmovisão, mas que uma multiplicidade de fatores influem
para que assim seja. É por esta razão que empregar a análise desta fase exige diferenciações8,
como a democrata, plutocrata e argirocrata. Os valores utilitários, diferentemente do estágio
Hierático – que eram negados – e do Aristocrático – que os utilizava para a honra, benefício
da busca da verdade e de estabilização política – estão agora como princípio fundador desta
nova cosmovisão. É por esta razão que da diferenciação do complexo democrata que emerge
do sentido da liberdade social e política, ao complexo plutocrata e argirocrata, o sentido
utilitário ultrapassa a área dos fatos sociais chegando ao indivíduo; esta pormenorização se
identifica, justamente, pelo aspecto tipológico do plutocrata, cujo sistema de poder pertence
ao grupo mais rico, em direção ao argirocrata, em que o sistema estaria em mãos, ou sob forte
influência, de um indivíduo mais rico.
No caso do empresário utilitário, já sob os finais desta fase:

[...] encontra-se uma variância muito maior na escala de valores. Mas o que o
caracteriza é a predominância que dá ao valor utilitário, ao económico, que, em
conflito com outros, prevalece quase sempre, como eficiente. Não é, pois, de
admirar que, no período de seu domínio político, a visão económica da história seja
a predominante, e que pretenda atribuir a todos os factos a influência decisiva dos
factores económicos, a ponto de querer interpretar a História, como um efeito desses
factores todo-poderosos, como a interpretação materialista da História, que é a
concepção do mundo próprio do empresário utilitário, e que, em nosso ciclo cultural,
é participada, intensivamente, por capitalistas e marxistas. (SANTOS, 1967, p. 103-
104).

Este processo de pormenorização da sociedade, da passagem de autoridade dos mais


diversos grupos, não poderá ser compreendido como uma forma teleológica da história. Tem
de se realizar uma distinção: tal não se manifesta senão pelo caráter sobreposto de certas
constâncias repetíveis na história. Vicente Ferreira da Silva, filósofo e contemporâneo de
Mário Ferreira dos Santos, por exemplo, desde o início de suas investigações culturais já
havia concluído de que toda a cultura em formação, em sua raiz, tem de estar apoiada em
critérios religiosos9, ou nos termos empregados por Mário, no caráter hierático. É por este
motivo eminentemente aristotélico, isto é, o da forma cultural que precede à matéria da
civilização, que também o último período exposto, o Cesariocrático, pode vir ou não adentrar
a esfera da existência histórica e cultural. Potencialmente, o que se encontraria no processo

8
Mário assim realiza em “Exame do Tipo do Empresário Utilitário”, ver: Filosofia e História da Cultura Vol. III.
9
Ver: “A Origem Religiosa da Cultura”, Vicente Ferreira da Silva.
11

histórico das culturas, é que “[...] no período cesário, que é o menos favorável ao tipo
hierático, ou se dá a submissão quase total daquele ou o deperecimento constante deste.”(p.
76) e, portanto, a própria religião que outrora havia fundado a cultura desaparece do seio
político e social.
Seria o Cesariocrático o último período de um Ciclo Cultural considerado na tentativa
política de resguardar o kratos político e impedir maiores fragmentações. A cosmovisão de
determinado ciclo se esgota, dando caminho para outras criações do pensamento humano,
noesis, das hierofanias religiosas, pneuma, que naturalmente irão se resguardar de frente ao
critério do poder político, kratos.
A queda, rompimento ou corrupção das culturas, independentemente de quais
situações se encontram, se fundam ora nas corrupções intrínsecas ou extrínsecas:

O factor extrínseco (ou causa) da corrupção é um poder suficiente para destruir a


forma, e capaz de dar uma nova forma aos elementos anteriores. Quando há
corrupção por um factor intrínseco, por uma causa imanente ao ser tensional,
portanto de origem intrínseca, tem-se de admitir, necessariamente, que há nesse ser
certas disposições prévias corruptivas, que levam essa tensão a perder a sua
coerência formal e a ser substituída por outra, ou os elementos, anteriormente
componentes comporem, com outras, novas unidades tensionais. (SANTOS, 1967,
p. 147).

3.2 A ligação Ontológica da História

O autor busca um nexo de ligação entre os tempos e os fatos propriamente ditos,


evitando o que pode ser considerado como um determinismo histórico, tendo em vista que a
decorrência dos fatos só poderia ser totalmente compreendida buscando a conexão entre as
ideias de dada sociedade, sua ligação com o passado e como interfere no fluir histórico até o
fato explicitado. Existe uma série de características que devemos evidenciar para entendermos
o histórico, iniciamos rebuscando o nexo histórico, sendo esta ligação com o passado, já que
não existe nenhum tipo de abismo de um acontecimento até outro.

Em todo facto que acontece, há a presença do passado. Tudo quanto acontece é um


possível de ser e, como tal, está contido no prometeico de alguma coisa, ou de
muitas, já que nenhum acontecimento vem do nada absoluto. (O prometeico é o que
se refere ao possível vir-a-ser das coisas, e epimeteico ao que já foi).”
(SANTOS,1962, p. 131)
12

Dentro deste nexo que interliga os fatores, o histórico se liga também ao presente,
fazendo com que a influência passada tenha poder sobre os acontecimentos do presente; sendo
eles potencialmente históricos ou não, ainda sim, o fato histórico já se foi, mas se faz presente
enquanto potencialidade, já que é de fundamental importância para compreensão como objeto
de estudo.

Constitui o ser histórico "o que deixou de existir”, mas 0 que deixou de existir é algo
que já foi existente, é algo que conhecemos como passado, mas que já foi presente e
que, como tal, não consistia em ser passado, mas em ser presente. Então, vc-se desde
logo que o em que consiste o facto histórico era algo que não era passado. Portanto,
o ser passado não é da consistência do ser histórico, mas apenas do seu fluir. O facto
histórico é algo que flui. não é, porém, mera fluência, pois ser mera fluência seria
não ser nada, e o facto histórico é alguma coisa real.” (SANTOS, 1962, p 133-134.)

De toda forma, o histórico não se resplandece apenas no passado e no presente como


histórico, mas também no futuro10. Podemos utilizar de diversos exemplos, potencialmente na
área da cultura, onde os fatos históricos podem ter uma continuidade interligada.

O facto histórico não é algo que se dá sôlto. mas algo entrosado com outros
(coexistência histórica), e penetra no presente (vinculação histórica), algo que não
tem mais uma existência actual, mas uma existência virtual que permanece, como o
sentiu Lindner.”(SANTOS, 1962, p. 135)

Há na área da cultura certos valores de um momento histórico que podem ser


resgatados por certas civilizações. Exemplo claro é a independência americana, que resgata os
valores liberais ingleses durante suas revoluções e que se resplandece até hoje em seus valores
contemporâneos. “Dêste modo, o facto histórico tem duas actualidades: a que constitui o seu
presente e a sua permanência no futuro.” (SANTOS, 1962, pg 135).
A mera redução do histórico como apenas passado é de fato uma pobreza na análise de
sua permanência enquanto objeto de estudo, e se tratando de um estudo que indica relevância
á humanidade, o autor descarta os pormenores contidos na área cultural, como a simples
representação de determinados grupos de menor importância que não contribuem com o
desenvolvimento civilizatório ou no campo das ideias e atuação no mundo prático – mesmo
que tal área possa acrescentar como desenvolvimento dos grupos sociais menores.

Por isso não se pode reduzir o histórico ao mero acto e potência, porque o
ultrapassa. O acto é o "ser-já”, e potência ”o que ainda não é e pode vir-a-ser” e isso
é distinto do "ser que já foi, mas ainda é” ou do "não-ser-já que de certo modo é
ainda. (SANTOS, 1962, p. 135).

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Tanto como uma constante na história como uma visão de mundo.
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Tratando sobre cultura e sua modificação ao longo do tempo, podemos relatar que,
sejam geográficas, sejam elas sociais, existe uma permanência também histórica que apesar
de misturar-se, jamais se aniquila resquícios de sua antiga composição, mas que reduzem em
sua intensidade ao mesclar-se com o tempo.

No mixton (no misto, como o químico), há a permanência virtual do que já foi,


como, na água, o hidrogênio está virtualizado enquanto tal* não aniquilado como
tal). Essa pervivência encontramo-la na Técnica, nas realidades étnicas, nas
realizações humanas, no Direito, na Religião etc.. que revelam a pervivencia, na
esquemática geral, do que já foi e que ainda é. Há algo que permanece, pois, no
mixton há uma interactuação (modificações mútuas dos elementos componentes,
especificamente distintos, que permanecem virtualizados; ou seja, não permanecem
em tôda a sua intensidade específica. (SANTOS, 1962 p. 163).

Mas o fato histórico não é o todo da história, é apenas o objeto de estudo da história,
sendo inconfundível como fato, mas analisável e comparável a outros e servindo de suporte ao
estudo da material total da história. Podemos distinguir o fato histórico da história como um
todo e a partir dela, rebuscarmos seu entendimento total não apenas aos meios, nem seu fim e
suas metas, mas principalmente seus valores iniciais e os rumos que tomaram durante sua
produção até seu respaldo enquanto passado, presente e futuro, como em uma redução da
história a um eidos.
Para separarmos então o estudo da história em sua plenitude devemos separar o fato
histórico, como matéria de estudo, da história em si como sua funcionalidade, nexo, aplicação
– sendo estes o entendimento total. Trabalhando então o fato como matéria ex qua11 e a
história como matéria in qua12, a partir do fato analisamos toda sua decorrência em torno de
seu eidos, salientando que a única mudança que existe é em quem analisa os fatos, jamais o
fato em si, este estático, irreversível e diferenciado do fato cronológico, e este apenas o
acontecimento, já que o fato histórico carrega toda a permanência temporal.

A distinção entre os factos cronológicos e os históricos é a seguinte: nos factos


cronológicos, a ordenação é extrínseca; enquanto, nos históricos, a ordenação é
intrínseca. O histórico é mais rico que o facto cronológico tomado abstractamente,
porque há acrescentamento. (SANTOS, 1962 p. 138).

Pode-se apontar que tal linha de pensamento que dê enfoque na permanência temporal
possa ser determinista, já que estamos apontando um nexo temporal e de certa forma já pré-
concebido; mas isto seria equivocado, já que necessariamente na história existe a frustração

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Matéria Prima.
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Substância Composta
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histórica, em que esta pode se dar por diversas maneiras, através do próprio homem, da área
geográfica, das condições climáticas, etc. São todas possibilidades e, portanto, o fato histórico
em si pode ser ou não frustrável.

É o facto ético frustrável por natureza, como vimos, como também há frustrabilidade
nos factos históricos. Mas há factos que pertencem à Física, à Meteorologia, à
Geografia, que influem na História. Foi a erupção do Vesúvio um facto histórico em
relação a Pompéia e Herculanum, ou não? Se o facto histórico é apenas o facto
humano, é êle, conseqüentemente, sempre um acto ético? Eis outros problemas, dos
quais trataremos mais adiante, quando tenhamos precisado melhor a Ontologia do
ser histórico. (SANTOS, 1962 p. 132).

As possibilidades da frustação do fato histórico enquanto frustrado e sua sucessão só


se resplandece como uma novela fictícia, coisa oposta ao que é o fato histórico, ainda que o
homem seja portador de suas próprias vontades aplicando-se no decorrer histórico, não são
deterministas, uma vez que a possibilidade de mudanças nos atos se faz possível enquanto
presente, mas não como passado, e a sua permanência no nexo temporal pode ser modificada
a partir de interpretações incorretas. Estamos trabalhando a história em devir quando
refletimos sobre o futuro, não apenas em relação à ação humana que religa fatores além do
alcance do homem, mas que sempre influenciarão no fato concretizado. “A liberdade implica
a eleição entre possíveis e firma que o ser, que é portador dela, é intrínsecamente capaz de
futuro.” (SANTOS, 1962, p. 140.).
Denominar um determinismo histórico é a própria negação da história como um todo e
de homens portadores de suas próprias vontades que constroem o histórico; apenas
trabalhamos com a possibilidade do que o homem pode alcançar em determinado momento e
sempre que um rumo é tomado, outro pode ou não ser excluído. Apenas as ações que podem
vir a acontecer são concretizadas, e de forma geral, interligadas sempre com o tempo, são
possíveis, às vezes até mesmo excludentes umas as outras.

O futuro é apenas hipotéticamente necessário e não absolutamente necessário. O


determinismo rígido afirmaria o simplesmente necessário, ou a necessidade absoluta
do futuro determinado, o que é absurdo, porque é aquêle um ser contingente, já que
seu ser consiste em ser o que ainda não é. (SANTOS, 1962 p. 140).

Conclusão

Ao que tudo indica, Mário Ferreira dos Santos nos concede parâmetros universais que
implicam na análise, revisão e interpretação dos fatos históricos a partir da catalogação
filosófica da cultura e do entendimento do funcionamento da sociedade. A política parece
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reter, neste caso, um fator importante acerca das culturas, uma vez que representam um
caráter específico de seu ciclo cultural; embora a existência política, sob suas notas
administrativas, não englobam a totalidade de um ciclo cultural, serve-nos como ponto inicial
da alçada de uma investigação do histórico enquanto histórico. Este caso parece-nos evidente
na história das mais diversas civilizações, cuja própria interpretação da realidade se devia, em
muito, pela propagação simbólica de um mundo de significados filosóficos e teológicos acerca
da existência mediante a política mesma. Este aspecto, porém, não é totalizante na medida em
que se compreende que uma cultura é o produzir-se de uma civilização e que, neste caso, o
processo histórico de formação de uma mentalidade, de um espírito social e político, e da uma
formação de ideias nas mais diversas áreas sociais e intelectuais, dependem de uma série de
alicerces religiosos como fundamento de seu ciclo cultural.
Parece-nos correto afirmar que o desenvolvimento da história, como ligada
antropologicamente, é um dado reconhecível a partir do ato genuinamente humano, que deixa
seu legado para o desenvolvimento e criação de uma cultura. O desenvolvimento temporal,
por outro lado, traz uma linha de significado mais densa e que diz respeito à própria existência
do ser humano; Mário tratou, a partir da Ontologia da História, o tempo e o ato humano como
um condensado irrevogável e apodítico; irrevogável pela própria afirmação do fator temporal,
cuja existência é uma constante, imparável e imutável; e apodítico pelo esquema da
morfologia da história, ou seja, de como que a movimentação histórica do ser humano só é
possível na medida em que a possibilidade exista como elemento à priori. O critério que se
encontra no postulado, e até na busca de uma Ontologia da História, remete-se,
necessariamente, ao alicerce simbólico essencial: a Religião. A religião, portanto, não seria
apenas um corpo de ideias relativamente organizadas em prol de uma comunidade, ou de uma
cultura in latu sensu. Em realidade, em matéria ontológica-histórica, a religião parece exercer
um papel maior e profundamente mais direto: a elevação do homem; o aretê grego, de
Aristóteles, a metaxy de Platão, ou a participação em uma sociedade-política, eventualmente
recorre às bases religiosas e espirituais de seu produzir-se. Assim será, portanto, com todas as
particularidades de uma civilização, cuja construção se funda nos elementos religiosos; a
dependência da política, da cultura intelectual e do saber historicamente fundamentado na
religião, embora, como possibilidade ontológico-histórica, agregue e crie valores antitéticos
ao elemento espiritual, somente tornar-se-á historicamente reconhecível – como fato – na
medida em que a possibilidade esteja dada ontológica e religiosamente no seu ciclo cultural.
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Referências

BIRKET, Kaj Smith. História da Cultura, São Paulo. Edições Melhoramentos, 1962.

CARVALHO, Olavo de. A Filosofia e seu Inverso, São Paulo. Vide Editorial, 2012.

SANTOS, Mário Ferreira dos. Filosofia e História da Cultura, Vol. 1, São Paulo. Logos Ltda,
1962.

______. Filosofia e História da Cultura, Vol. 2. São Paulo. Logos Ltda, 1962.

______. Filosofia e História da Cultura, Vol. 3, São Paulo. Logos Ltda, 1962.

______. Tratado de Simbólica, São Paulo. Logos Ltda, 1959.

VOEGELIN, Eric. Evangelho e Cultura - Tradução de Mendo Castro Henriques e Luís


Salvador – The Collected Works of E. Voegelin, Rio de Janeiro, 2002.

______. Anamnese – Da Teoria da História e da Política, São Paulo. É Realizações, 2009.

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