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Carta pastoral Viçoso

Vejamos o que diz o Bispo de Mariana sobre as intervenções do Estado nos assuntos da Igreja.
Não é da competência das Autoridades civis das Leis á Igreja; mas só defende-las:

como pois os nossos legisladores Mineiros têm querido nos anos passados remover Párocos,
diminuir e aumentar o número dos Cônegos, marcar as atribuições e deveres dos Capelães da
Sé, reformar os estatutos dela e do Seminário Eclesiástico, castigar e demitir os Cônegos que
não residissem, criar freguesias, suprimi-las, mudar as sedes delas (...) Que desordens, que
consequencias não pensadas na fatura das leis, e tudo por se meterem em matérias que lhes
não pertencem, e tão fora de suas atribuições, como está fora das minhas dividir distritos, criar
comarcas, nomear escrivães etc. etc. (...) Pedimo-lhes por Deus atender á liberdade da Igreja,
pois á para lamentar que tenham mais liberdade os Católicos da Inglaterra ou da China, países
Protestantes e gentios, do que no Brasil, onde a religião dominante é a Católica. Deus não
pode abençoar tais abusos e escravidão. (matos, 1997, p. 81 /82)

MATOS, Henrique Cristiano José. Nossa história: 500 anos de presença da Igreja Católica no
Brasil: Período Imperial e Transição Republicana. São Paulo: Paulinas, 2002 (Igreja na história,
2).

Naquele mesmo ano de 1822, aos 6 de julho, D. Romualdo Antônio de Seixas, então arcipreste
da catedral e governador do bispado do Pará, publicou uma pastoral aos párocos da diocese,
acompanhada com os exemplares de duas homilias, transmitidas pelo diocesano, em
conformidade de uma portaria régia para aceitar o sistema constitucional português. Esse
escrito conclama os párocos a “cooperar eficazmente para a mais firme estabilidade da
regeneração política da monarquia”192, e que estes mesmos párocos eram obrigados a
ensinar “as saudáveis máximas do sistema constitucional”. Conclamou, como sempre fez, à
obediência devida às “ordens soberanas”, pois:

Quem resiste logo a soberania nacional e aos poderes constituídos


em virtude do pacto social, é violador da lei natural e divina e resiste
a ordem de Deus na frase do apóstolo; e se ao corpo da nação
compete o imprescindível direito de organizar e alterar a sua
Constituição, quando exige a sua própria segurança, a cada um dos
indivíduos que a compõe, só cumpre a obediência à lei ou vontade
geral, respeitar a autoridade soberana não só pelo temor do castigo,
mas também por obrigação da consciência, confiar na sua proteção e
contribuir com todas as suas faculdades, para aumentar aquela força
pública, a que foi encarregada a defesa e manutenção dos seus
direitos individuais193 .

D. Romualdo Antônio de Seixas defendia que o sistema constitucional


é aquele que
não apresenta nem as convulsões da democracia, nem as cruentas
facções da aristocracia, nem os abusos e arbitrariedades da
monarquia, mas reunindo a igualdade de uma , a dignidade e
sabedoria da outra, a energia e atividade da última, ele é por assim
dizer, um maravilhoso composto da combinação de três elementos
[...]194

Assim, D. Romualdo Antônio de Seixas, como faria outras vezes, se adaptou ao novo sistema
constitucional adotado em Portugal a partir do discurso da obediência às autoridades
constituídas. Toda a autoridade posta tinha caráter divino, pois de Deus tinha seu
consentimento. E se a separação dada havia apenas dois meses, em setembro de 1822,
mudaria algo na conjuntura política nacional, ainda em 1823, a situação estava indefinida no
Grão-Pará como em outras partes do Brasil.

Pastoral que o governador do bispado do Pará, Romualdo Antônio de Seixas, arcipreste da


catedral dirigiu ao reverendos párocos, com os exemplares de duas homilias transmitidas pelo
respectivo diocesano na conformidade de uma portaria régia. Lisboa, 1822, p. 3. Ver em:
https://archive.org/stream/pastoralqueogove00seix#page/4/mode/2up. Acesso: 20/02/2014.

Em ofício enviado ao Secretário de Estado dos Negócios da Justiça, já no ano de 1854, D.


Romualdo Antônio de Seixas se explica mais uma vez sobre as acusações que lhe faziam de
ultramontano, fazendo recurso ao bispo de Meaux:

Eis o que agora julgo dever levar ao conhecimento de V. Exc. Alguém


há entre os nossos legistas, que nestas minhas opiniões suspeita, ou
sente algum ressaibo do que se tem chamado ultramontanismo, mas
eu me lisongeio de ser ultramontano como Bossuet, quando afirmava
e ensinava ao herdeiro de Luiz XIV – que nos negócios não somente
da fé, como ainda de disciplina, a Igreja pertence à decisão, ao
príncipe a proteção, a defesa e execução dos cânones e regras
eclesiásticas. Como Fenelon quando dizia altamente que, - se a Igreja
precisa do poder temporal, ela precisa ainda mais de manter sua
independência e liberdade; como enfim, é hoje todo o respeitável
corpo episcopal da França e da Áustria, isto é, onde ainda há pouco
dominava em um, galicanismo, em outro, Josefismo, distinguindo-se
particularmente o ilustre arcebispo atual de Viena, que em uma
solene e numerosa reunião de bispos e mais clero do império da
Áustria, acaba de proclamar, que a liberdade da Igreja é a verdadeira
base do renascimento cristão231 SEIXAS, D. Romualdo Antônio. de.
Coleção das obras... 1839, Tom. III p. 13-18. (Discurso de 8 de julho
de 1826)

É indubitável que o discurso de do deputado de goias Cunha Matos é uma resposta às


proposições defendidas por José Bonifácio de Andrada e Silva que, em 1825, defendera um
projeto de abolição do tráfico e da própria escravidão no Brasil
Diz-se que a escravidão é oposta aos preceitos da religião católica! Que a escravidão seja coisa
má; não duvido eu, mas que ela é oposta aos preceitos da religião católica, é coisa que nunca li
[...] Eis um preceito que não foi transmitido pelo nosso divino mestre nem pelos apóstolos,
concílios ou doutores da Igreja! O mais que eles fazem é aconselhar-nos a tratar bem os nossos
escravos e nisto para as recomendações. Maldito seja Canaã; ele seja escravo dos escravos a
respeito de seus irmãos: Canaã seja escravo de Jafet! Tais são as palavras da Biblia! [...]
Também se diz que o tráfico é vergonhoso e oposto ao cristianismo! Para que tráfico? Para
que continuamos srs. eclesiásticos a viver com essa gente procedida de um vergonhoso
tráfico? Concedam-lhes liberdade, não se sirvam com cativos; deem-nos exemplos de
moralidade conforme o espírito do cristianismo, não fique essa moralidade em simples
palavras, que são levadas pelo vento346 . Cunha Matos apud. 346 PEIXOTO, Rafael Cuppelo. A
abolição do tráfico de escravos para o Brasil... p.5

Como se vê, a justificativa teológica utilizada pelo parlamentar residia na concepção de que os
africanos, descendentes de Cam, foram condenados pela Bíblia à escravidão e, portanto, era
legítima se fossem levadas em consideração as concepções do cristianismo católico. Além
disso, o exemplo dado pelos membros da instituição católica para Cunha Matos não favorecia
o discurso católico contra a escravidão, pois muitos religiosos continuavam mantendo escravos
tanto em suas residências como nas ordens, as quais professavam fé3

D. Romualdo Antônio de Seixas afirmava que a introdução dos indígenas no convívio do


restante da população acabaria por encher o vazio deixado pela abolição do tráfico:

Só os bosques da minha província (a província do Pará) apresentam mais de 200 mil indígenas
aptos para todo o gênero de trabalho e indústria, mas cujos braços têm sido infelizmente
perdidos pelo Estado por falta de um bom sistema de catequização e colonização e talvez pelas
falsas ideias que ordinariamente se forma de sua indolência ou incapacidade intelectual. Eu
posso afirmar que eles são habilíssimos para o comércio e navegação; que muitas tribos, como
por exemplo, a dos mondorucús, são excelentes para a agricultura (apoiados) e susceptíveis
em fim de todo gênero de aplicação, pois, vê-se que no arsenal e nas fábricas, quase sem
ensino, eles lavram madeiras e fazem todo o trabalho que lhes incumbe (apoiado). Não será
possível, portanto, transformá-los em lavradores, artistas e marinheiros, infinitamente mais
úteis do que esses desgraçados negros, de cuja existência se faz depender a prosperidade do
comércio, indústria e marinha brasileira?355 SEIXAS, D. Romualdo Antônio de. Coleção das
obras... Tom. III, p. 81.

O inconveniente deste estado de coisas torna-se ainda mais sensível, prejudicial ao bem dos
fieis e de grande embaraço para o governo da diocese, quando trata dos coadjutores, porque,
não podendo a maior parte dos párocos, pelas já ponderadas razões pagar sequer um
coadjutor, sobretudo nas freguesias mais longínquas, aonde só grandes interesses podem
chamar os clérigos, que nas vizinhanças da capital encontram mais fáceis e cômodos arranjos
nos serviços de outras freguesias e capelanias. O resultado é ficar essas igrejas remotas
privadas do auxilio de coadjutores e operários e reduzidas somente ao pároco que não pode
acudir a todos os pontos distantes dez, quinze e vinte léguas da respectiva matriz384
NOTICIADOR CATÓLICO, 5 de agosto de 1848, p. 83-85

Nessa pastoral Coletiva em 1890, Dom Macedo Costa redigiu um documento


intitulado: Pontos de Reforma na Igreja do Brasil, que norteou a postura da Igreja no
final do século XIX e inicio do século XX, esse documento esta divido em 9 capítulos,
conforme importância atribuída por Dom Macedo Costa:

I. As Conferências Episcopais: conforme o desejo da Santa Sé, os


bispos deveriam reunir-se periodicamente para tomar as medidas a
serem executadas "uniformemente" em todas as Dioceses, no
sentido de restaurar a disciplina do Clero, sanar males, reformar
abusos, dar todo o decoro e lustre ao culto de Deus, e deste modo
fazermos florescer a fé, a piedade e os bons costumes entre os fiéis
confiados ao nosso zelo pastoral.

II. O Episcopado: é preciso que os bispos atuem em perfeita unidade


e que, nas suas dioceses, garantam a unidade do clero. Devem
reforçar sua autoridade e seu controle sobre as atividades do Clero,
mantendo-se a par do que se passa nas paróquias por vários meios,
especialmente pelas visitas pastorais. Enfim, os bispos devem
aumentar sua união com o Papa.

A Reorganização da Igreja.

III. O Clero: este capítulo, o mais longo de todos, tem 24 parágrafos


organizados em 3 artigos. O primeiro descreve os abusos do clero.
Tratam-se de casos de indisciplina eclesiástica (imoralidade, uso de
vestes profanas, simonia e negligência na administração dos
sacramentos não-lucrativos, dispensas matrimoniais sem critérios,
falta ao dever de pregar e dar o catecismo, residência fora da
paróquia) e de casos de negligência no culto (falta de rigor na escolha
do pão e do vinho e falta de tabernáculo conveniente para o
Santíssimo). Para eliminar tais abusos, o documento recomenda aos
bispos que sejam rigorosos na vigilância do Clero, de modo a curar
seus males; recomenda também que os padres ampliem seu campo
de atividades pastorais, exortando-os especialmente a se dedicarem
a: pregação dominical; catequese das crianças e dos adultos;
promoção de exercícios pios em preparação das grandes festas
religiosas e durante os meses de São José, de Maria, do Sagrado
Coração de Jesus, do Rosário e das Almas, aproveitando essas
ocasiões para as comunhões gerais; dar mais solenidade à primeira
comunhão; visitar as escolas e exercer influência sobre os
professores; visitar os doentes e os hospitais; fundar e dirigir
Conferências Vicentinas; difundir a boa imprensa Católica; organizar
associações de bons católicos para manutenção do culto, e fundar e
dirigir associações e obras pias "totalmente católicas sem a mistura
do vírus maçônico". Concluindo, o documento aponta outros meios
valiosos para a reforma do clero: estimular o estudo da moral,
promover exercícios espirituais e, na medida do possível, fazer
reuniões mensais do clero.

IV. Os Seminários: que os seminários sejam destinados


exclusivamente a candidatos ao sacerdócio, que os seminaristas
recebam um ensino rigoroso e ortodoxo, e que a disciplina seja
assegurada. Para mais estimular os seminaristas, os melhores devem
ser enviados a continuarem sua formação em Roma.

V. As Missões: é preciso acender a fé e aumentar a prática das


virtudes, por meio das missões populares. Elas dão bons resultados
para a edificação e regeneração da fé católica e atraem candidatos ao
sacerdócio.

VI. Os Colonos Imigrantes: tendo em conta que os colonos vindos da


Europa são em maioria católicos, mas não encontram nos núcleos
coloniais e nas fazendas os cuidados espirituais que recebiam em
seus países de origem, é necessário ter um zelo especial por eles,
contando para isso com a colaboração de congregações religiosas
européias.

VII. As Ordens Religiosas: dada a impossibilidade de restaurar as


ordens religiosas tradicionais por seus próprios meios, faz-se
necessário trazer da Europa membros dessas ordens para que
tomem em mãos a direção dos conventos. Além disso, convêm trazer
da Europa outras congregações religiosas, masculinas e femininas,
para fundar e dirigir escolas católicas.

VIÍI. As Confrarias: aproveitando a separação entre Igreja e Estado, é


preciso resolver de uma vez por todas a situação das irmandades e
confrarias, expurgando-as de elementos maçônicos.

IX. As Dioceses: é preciso aumentar o número de dioceses


proporcionalmente à dimensão do País. Já que não há mais a
interferência do Estado, Santa Sé poderá criar novas dioceses, desde
que tenham uma dotação suficiente. (RIBEIRO, s.d. p.279-282).

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