Você está na página 1de 11

segunda-feira, 4 de maio de 2020

ISSN 1983-392X

https://www.migalhas.com.br/depeso/326032/o-que-se-fazer-com-o-valor-dos-alugueis-
em-contratos-de-locacao-residencial-e-comercial-de-imoveis-urbanos-no-brasil-no-
contexto-da-pandemia-de-covid-19

O que se fazer com o valor dos aluguéis


em contratos de locação residencial e
comercial de imóveis urbanos no Brasil
no contexto da pandemia de covid-19?
Alexandre Senra e João Felipe Calmon Nogueira da Gama

No âmbito das soluções consensuais, os caminhos possíveis são inúmeros e são


trilhados de acordo com a própria criatividade das partes (ressalvadas as limitações
legais).

segunda-feira, 4 de maio de 2020


1 - Introdução

Como afirmamos em artigo anterior1, os desafios impostos pela pandemia de


covid-19, causada pelo vírus SARS-CoV-2, impulsiona reflexões sobre diversos
temas, muitos deles jurídicos, com severas repercussões práticas.

Enfrentaremos aqui um desses temas, sintetizado na pergunta que compõe o


título ("O que se fazer com o valor dos aluguéis em contratos de locação
residencial e comercial de imóveis urbanos no Brasil no contexto da pandemia
de covid-19?").

Faremos isso decompondo a pergunta inicial em 02 (duas) outras (veja-se


adiante), uma mais proximamente relacionada à locação residencial e outra à
locação comercial, escolhidas com base nas principais dúvidas que têm
orbitado o tema, que, depois de firmadas as premissas, serão respondidas.

1ª Pergunta: A perda total ou parcial da fonte de renda do locatário confere-lhe


direito ao não pagamento do aluguel de imóvel residencial, ao seu abatimento
ou a que lhe seja adiado o vencimento?

2ª Pergunta: Medidas de proibição e/ou limitação do exercício de atividades


comerciais adotadas pelo Poder Público conferem ao locatário por elas atingido
o direito ao não pagamento do aluguel de imóvel comercial, ao seu abatimento
ou a que lhe seja adiado o vencimento?

2 - Premissas

Enunciemos os nossos pontos de partida.

(1ª Premissa) O contrato de locação é um contrato (i) bilateral, (ii) oneroso,


(iii) de trato continuado e (iv) sinalagmático. Quer-se dizer com isso (i) que
ambas as partes têm prestações a cumprir; prestações essas que (ii) são
mensuráveis economicamente, (iii) renovam-se periodicamente e (iv) mantém
uma relação de equilíbrio entre si.

Assim, dentre outras obrigações (lei 8.245/91, arts. 22, I e III e 23, I): cabe ao
locador entregar ao locatário o imóvel alugado em estado que sirva ao uso a
que se destina e manter durante o contrato a forma e o destino do imóvel;
enquanto ao locatário incumbe a obrigação de pagar pontualmente o aluguel
ajustado (bilateralidade e onerosidade).

O pagamento do aluguel e a cessão do uso do imóvel são prestações que se


renovam periodicamente. Por exemplo, via de regra, o valor do aluguel é
devido pelo locatário ao locador como remuneração pelo uso do imóvel ter sido
disponibilizado no mês anterior (trato continuado).

Tais prestações equilibram-se na forma contratualmente ajustada e devem


manter esse equilíbrio original. É por isso que: existem critérios admitidos de
reajuste do valor do aluguel, critérios que não são admitidos (como vinculá-lo à
variação cambial ou ao salário-mínimo; lei 8.245/91, art. 17) e que o direito à
sua revisão, seja pelo locador seja pelo locatário, é excepcional, justificável
apenas diante de algum fato que tenha rompido aquele equilíbrio (sinalagma).

Tal desequilíbrio é, no contrato de locação, observável a partir da apreciação


ou da depreciação do valor da disponibilização do uso do imóvel pelo locador,
sendo que a depreciação poderá ocorrer diante de: (i) redução do valor de
mercado do imóvel locado (que diminui o valor da disponibilização de seu uso e
permite a revisão da contraprestação correspondente, ou seja, pagamento de
aluguéis) e/ou (ii) diminuição da utilidade da disponibilização de imóvel pelo
locador.

(2ª Premissa) A solução consensual sempre é possível. Respeitados os


limites legais, as partes podem rever o valor do aluguel e, mais amplamente,
renegociar o contrato de locação a qualquer tempo (lei 8.245/91, arts. 18 e 19,
parte inicial). Não é essa, portanto, a questão que as perguntas envolvem. Mas
sim saber se, diante das situações pontuadas nas perguntas, o locatário tem o
direito à revisão, exigível judicialmente, caso o locador a ele se oponha.

(3ª Premissa) Para o enfrentamento da temática aqui proposta não


interessa diferenciar o "caso fortuito" da "força maior", as consequências
jurídicas serão as mesmas (vide CC/02, art. 393, par. ún.). Por esse motivo, ao
longo do texto empregaremos os termos conjuntamente, na forma "caso
fortuito/força maior".

3 - Considerações

Podemos agora retomar as indagações anteriormente formuladas para


respondê-las.

3.1 (Da locação residencial)

A perda total ou parcial da fonte de renda do locatário confere-lhe direito ao


não pagamento do aluguel de imóvel residencial, ao seu abatimento ou a que
lhe seja adiado o vencimento?

Não. O pontual pagamento do aluguel é devido pelo locatário como


contrapartida à disponibilização do uso do imóvel pelo locador e o que autoriza
a revisão do seu valor é o surgimento de uma desproporção entre as
prestações, que no caso não ocorre.

O contrato de locação é bilateral e, em contratos bilaterais, o que autoriza uma


das partes a não cumprir a sua obrigação é o fato de a outra não ter cumprido
a sua (CC, art. 476), defesa essa que é conhecida no Direito como exceção do
contrato não cumprido ("exceptio non adimpleti contractus").

Nos termos do art. 19 da Lei de Locações (lei 8.245/91), "Não havendo acordo,
o locador ou locatário, após três anos de vigência do contrato ou do acordo
anteriormente realizado, poderão pedir revisão judicial do aluguel, a fim de
ajustá-lo ao preço de mercado".
O direito à revisão do aluguel pressupõe, portanto, que o seu valor esteja
incompatível com o valor de mercado. Dito mais extensamente: o valor do
aluguel deve ter se tornado incompatível com o valor que o mercado estaria
disposto a pagar pela disponibilização do uso daquele imóvel no mesmo
período. Ou, em termos mais simples: o valor do aluguel não corresponde mais
ao valor do uso do imóvel.

Motivos imprevisíveis, por força do art. 317 do Código Civil (CC/02), podem
autorizar a superação do requisito temporal (os três anos) previsto no
mencionado artigo, mas não a necessidade de que as prestações não guardem
mais um equilíbrio entre si. Falar-se em desproporção manifesta entre "o valor
da prestação devida" e "o do momento de sua execução" ou em se assegurar
“quanto possível, o valor real da prestação”, para contratos sinalagmáticos, é a
mesma coisa que se zelar pela manutenção do equilíbrio entre as prestações.
Muda-se o enunciado (texto), mas não se altera a proposição (sentido).

Evidente que se a pandemia tiver afetado ou vier a afetar o valor do uso do


imóvel residencial caberá a revisão do contrato. Mas aí em razão da
desproporção entre as prestações e não motivada pela perda de renda de uma
das partes. A propósito do tema, convém registrar que, em tempos de
distanciamento social, não é de se esperar uma desvalorização na prestação
do locador (pelo contrário, muitos imóveis residenciais têm sido mais
intensamente utilizados), apesar da previsível redução do preço de venda
desses imóveis, decorrente da busca por liquidez.

Nesse ponto, importante analisar o art. 393 do CC/02: "O devedor não
responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se
expressamente não se houver por eles responsabilizado". Não devemos
confundir, todavia, a prestação em si com os “prejuízos resultantes de caso
fortuito ou força maior”. Caso fortuito/força maior podem exonerar o locatário
dos prejuízos daí advindos ao locador, mas jamais da prestação pecuniária em
si2.

A causa de ser devido o pagamento do aluguel é o uso do imóvel ter sido


disponibilizado e a causa do seu valor não merecer abatimento é o valor da
disponibilização não ter sido depreciado.

A redução da renda do locatário seguramente importa numa desproporção


entre a sua nova renda mensal e o valor do aluguel. Não é essa, contudo, a
desproporção que autoriza a revisão do valor do aluguel. Em termos mais
técnicos, essa desproporção não é causa jurídica de revisão, de modo que,
abater uma das prestações sem alteração do valor da outra resultaria num
enriquecimento sem causa (jurídica) de uma das partes, vedado pelos arts. 884
e 885 do CC/02.

Nem poderia ser diferente. Admitir-se a possibilidade de obrigar o locador a


aceitar uma redução do valor do aluguel, com base na redução da capacidade
econômica do locatário, ainda que decorrente de “caso fortuito/força maior”,
seria o mesmo que se admitir a possibilidade de se impor um aumento no valor
do aluguel, motivado por ter o locatário ganhado na Mega-Sena. Talvez até
seja justo, mas não é jurídico. Não é assim que funciona o direito positivo
brasileiro vigente.

3.2 (Da locação comercial)

Medidas de proibição e/ou limitação do exercício de atividades comerciais


adotadas pelo Poder Público conferem ao locatário por elas atingido o direito
ao não pagamento do aluguel de imóvel comercial, ao seu abatimento ou a que
lhe seja adiado o vencimento?

Excetuado o direito a se adiar o vencimento (o "direito à moratória" pode


resultar de acordo entre as partes, mas não resulta atualmente da lei), a
resposta é sim. Responde-se afirmativamente, não em razão do
comprometimento da capacidade econômica do locatário – que não é a causa
desse direito –, e sim porque tais medidas, ao prejudicarem o uso do imóvel
comercial, atingem o valor da prestação do locador.

Num contrato de locação comercial, facilmente se percebe qual é a prestação a


prestação do locatário: é o pagamento do aluguel. Mas qual é a sua
contraprestação, a prestação do locador, que, neste contexto, também pode
ser designada com "objeto do contrato"? É a disponibilização do uso do imóvel,
para a finalidade comercial a que ele contratualmente se destine, pelo prazo a
que se refere o aluguel.

"Disponibilização" porque não é necessário o efetivo uso do bem pelo locatário


para que o aluguel seja por ele devido. "Para a finalidade comercial a que ele
contratualmente se destine" porque o dever do locador vai apenas até aí, não
devendo este responder por fatos que, sem atingirem a finalidade contratual,
afetem a atividade concretamente exercida pelo locador. Exemplos mais à
frente confirmarão essa afirmação.

Como já vimos na resposta anterior, a celebração de contrato de locação


estabelece um equilíbrio entre as prestações das partes que a legislação busca
preservar. Daí a razão pela qual não existe direito à revisão com base na perda
da capacidade econômica de uma das partes, mas existe esse mesmo direito
quando, salvo previsão contratual em sentido diverso, surja uma desproporção
entre as prestações, resultante de motivo imprevisto.

Já para se precisar se o direito do locatário é ao não pagamento do aluguel ou


a um desconto no seu valor, e neste caso, quais seriam os parâmetros para
esse abatimento, devemos considerar 02 (dois) fatores: (A) grau de definição
do objeto do contrato e (B) o grau de afetação das atividades comerciais a que
o imóvel se encontre destinado.

Vejamos cada um deles.

(A) Por análise do "grau de definição do objeto do contrato" queremos dizer


que se deve examinar no contrato qual foi o nível de detalhamento da
finalidade a que se destinou a locação do imóvel comercial. (A.i) Destinou-se a
qualquer atividade comercial? (A.ii) ou a um ramo em especial? (A.iii) ou a um
particular modelo de negócios dentro de um ramo de atividade?

(B) Já por exame do "grau de afetação das atividades comerciais a que o


imóvel se encontre destinado" queremos destacar a relevância de
considerarmos o quanto as medidas restritivas de atividades comerciais
adotadas pelo Poder Público atingem atividades que, segundo o contrato
celebrado, poderiam estar sendo ali exploradas (ainda que efetivamente não
estejam). As medidas restritivas determinadas pelo Poder Público (B.i) as
prejudicam em alguma proporção, por exemplo, ao restringirem horários de
funcionamento? (B.ii) ou as inviabilizam por completo, ao proibirem certas
atividades comerciais?

Note-se que o objeto do contrato não se identifica necessariamente com a


atividade que venha sendo exercida pelo locatário e que o referencial para se
verificar e quantificar a desvalorização da prestação do locador é o objeto do
contrato e não a atividade exercida pelo locatário.

A melhor forma para se compreender tais fatores e suas repercussões é por


intermédio de alguns exemplos. Examinemos algumas situações práticas
diante das seguintes medidas cumulativamente impostas pelo Poder Público:
(a) limitação ao horário de funcionamento de qualquer atividade comercial, (b)
proibição de funcionamento de salões de beleza e academias de ginástica e (c)
permissão de que o comércio de alimentos só seja realizado via delivery.

(1) Imóvel contratualmente destinado ao exercício de qualquer atividade


comercial: a única medida que poderá ensejar alguma redução no valor do
seu aluguel será a (a), por ser aplicável ao exercício de toda atividade
comercial, independentemente do que estivesse funcionando no local.
Ilustrando: ainda que ali estivesse concretamente em funcionamento um salão
de beleza ou uma academia de ginástica (mas outra atividade poderia ser
exercida nos termos pactuados em contrato), agora impedidos de funcionarem,
o locatário não faria jus à supressão total ou parcial do aluguel com base na
medida (b).

(2) Imóvel contratualmente destinado ao comércio de alimentos: a redução do


valor do aluguel poderia ser pleiteada com base nas medidas (a) e (c), porque
ambas impactam no seu objeto.

(3) Academia de ginástica funcionando em imóvel contratualmente destinado à


exploração comercial de uma academia de ginástica: além de se poder pleitear
a redução no valor do aluguel motivado pela medida (a), o locatário poderia
pretender evitar a sua cobrança em razão da medida (b), que inviabiliza por
completo, ainda que temporariamente, o objeto do contrato.

Algumas das formas possíveis para concretamente se comprovar que, nesses


casos, é devida a revisão do aluguel, são: (i) a demonstração, por meio de
pesquisas, de que o valor do aluguel não é mais compatível com seu valor de
mercado e (ii) a demonstração, pela apresentação de documentos contábeis,
de forte queda no faturamento da empresa. Em relação a cada uma dessas
situações há uma cautela a ser observada. (i) Quanto à primeira, o que deve
ser examinado não é propriamente a queda no valor de venda do imóvel no
mercado, mas sim a queda no valor que o mercado estaria disposto a pagar
como contrapartida à disponibilização do uso daquele imóvel comercial para a
finalidade prevista no contrato em curso. (ii) Quanto à segunda, a queda no
faturamento não é causa, por si só, para a revisão contratual, mas é um
indicativo da queda da utilidade da prestação do locador, esta sim apta a
ensejar a revisão contratual3.

Existe, ainda, outro caminho argumentativo que nos conduziria às mesmas


conclusões. Passemos à expô-lo.

Há uma regra geral no Direito Civil, contemplada em diversos dispositivos


legais (ex. CC/02, arts. 238-241), de que a coisa perece para o dono (res perit
domino). Quer-se dizer com isso que, em princípio – a vontade das partes e
regras especiais podem excepcioná-la (ex. CC/02, art. 524) –, é o dono do bem
que arca com o prejuízo decorrente da sua deterioração total (também
denominada "perda") ou parcial.

Não é por outra razão que, finda a locação, o locatário deve restituir o imóvel,
"no estado em que o recebeu, salvo as deteriorações decorrentes do seu uso
normal" (lei 8.245/91, art. 23, III). O prejuízo representado pelas deteriorações
decorrentes do uso normal do imóvel é do seu proprietário (no caso, do
locador) e não do possuidor direto (locatário).

Importante perceber-se que deterioração física não se confunde com


deterioração jurídica; da mesma forma que divisibilidade física não se confunde
com divisibilidade jurídica. Um par de brincos é fisicamente divisível (em dois
brincos), mas não é juridicamente divisível, porque dessa divisão resulta uma
considerável diminuição do valor de cada uma das unidades, caso se tente
vendê-las separadamente, além prejudicar o uso a que o brinco se destina
(CC/02, arts. 87 e 88), tendo em vista que, geralmente, as pessoas desejam
usar o par de brincos e não apenas um deles.

Diversamente do que acontece com a divisibilidade jurídica, não há dispositivo


legal que cuide explicitamente da deterioração jurídica, mas não devem haver
dúvidas de que um bem se deteriora juridicamente também de outras formas,
além do perecimento físico. No que mais de perto nos interessa, um bem se
deteriora juridicamente também quando sua finalidade é parcial ou totalmente
inviabilizada e quem deve arcar com o prejuízo daí resultante é o seu
proprietário (res perit domino).

Se, por um lado, é dever do locatário pagar pontualmente o aluguel (lei


8.245/91, art. 23, I); por outro, está o locador obrigado a "entregar ao locatário
o imóvel alugado em estado de servir ao uso a que se destina" e a "manter,
durante a locação, a forma e o destino do imóvel" (lei 8.245/91, art. 22, I e III).

Esse entendimento (deterioração jurídica) é ainda alicerçado pelo art. 567 do


Código Civil (que trata da locação de coisas), que não encontra regulação
contrária na Lei de Locações de Imóveis Urbanos (e, por isso, trata-se de
norma geral a ela aplicável4), que estipula: "Art. 567. Se, durante a locação, se
deteriorar a coisa alugada, sem culpa do locatário, a este caberá pedir redução
proporcional do aluguel, ou resolver o contrato, caso já não sirva a coisa para o
fim a que se destinava"5.

Manter, durante a locação, o destino do imóvel, significa que o locador não


pode, intencional ou culposamente, alterar-lhe o destino. Mas significa também
que os prejuízos resultantes da frustração involuntária do seu destino devem
ser por ele arcados.

4 - Conclusão

Apesar de ser provável que o leitor já tenha percebido isso ao longo do texto,
há algo que precisa ser explicitamente enunciado: este artigo dá as respostas
jurídicas às situações propostas, mas não soluções prontas e acabadas para
os problemas que possam existir em cada uma das relações locatícias
vigentes.

De que adianta o locador do imóvel residencial ter direito ao pagamento


integral e pontual do aluguel, se o locatário não tiver condições de pagá-lo?
Não é exagero afirmar que, cientes de uma incapacidade econômica
temporária do locatário, a maioria dos locadores optará por transigir quanto ao
ponto, concedendo um desconto ou adiando o pagamento de uma parte ou de
todo o aluguel.

É isso ou os aborrecimentos inerentes a um processo: gastos com advogado e


custas judiciais, a demora em se obter e efetivar o despejo, a possibilidade de
o locatário pagar em Juízo (já desgastada a relação entre as partes) ou mesmo
o risco de se perder a causa (ainda que pequeno, esse risco sempre existe;
processo é incerteza quanto ao resultado, sempre); para não se falar, ainda, no
risco bastante significativo de não se conseguir voltar a alugar o imóvel de
imediato pelo mesmo valor.

De que adianta o locatário do imóvel comercial, por sua vez, ter direito a não
pagar o aluguel ou ao seu abatimento, caso haja oposição do locador,
enquanto o contrato não for judicialmente revisto? Ter, em princípio, esse
direito, não lhe torna certo o ganho de causa, nem afasta a possibilidade,
bastante concreta, de que o locador permaneça realizando a cobrança do
aluguel pelo seu valor integral, com ameaça, inclusive, de negativação do
nome do devedor e rescisão do contrato caso esse valor não seja pago (ainda
que o despejo apenas possa ocorrer, de forma coercitiva, via demanda de
despejo – lei 8.245/91, art. 5º).

Isso é para que se demonstre que problemas complexos não comportam


soluções simples. As respostas jurídicas podem ser simples. As soluções
concretas para os problemas da vida jamais. É como disse o jornalista norte
americano Henry Louis Mencken: "Para todo problema complexo, existe
sempre uma solução simples, elegante e completamente errada" 6 (em tradução
livre).
Oportuniza-se, então, a pergunta: se não é para resolver problemas concretos,
para que, afinal de contas, serve este artigo? Sua utilidade é disseminar
informações sobre o direito de cada uma das partes envolvidas em contratos
de locação de imóveis urbanos, contribuindo, assim, para uma negociação
mais justa entre as partes.

No âmbito das soluções consensuais, os caminhos possíveis são inúmeros e


são trilhados de acordo com a própria criatividade das partes (ressalvadas as
limitações legais). Além da suspensão ou redução temporária do valor integral
ou parcial do aluguel, pode-se propor, por exemplo: (i) o desconto do valor do
aluguel de eventual caução que tenha sido prestada em dinheiro, com
substituição da garantia por alguma de outra modalidade ou (ii) a estipulação
de reajuste do valor do aluguel limitado temporariamente a teto máximo inferior
à inflação ou (iii) mesmo a suspensão temporária do reajuste do valor do
aluguel.

Mas todo esse espectro de possibilidades fica comprometido se as partes não


conhecerem os seus direitos. Sem informação sobre os direitos, próprios e
alheios, torna-se impossível avaliar os termos de um acordo. A avaliação é
subjetiva, mas obviamente não é imotivada ou irrefletida.

Somente aquele que conhece as implicações de um não-acordo tem como


saber se um acordo vale a pena. Enfim, quando não se sabe o que se quer
evitar, não há como se saber o que se está disposto a fazer.

5 – Referências

BRASIL. Código Civil de 1916. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L3071.htm. Acesso em: 21 abr. 2020.

BRASIL. Código Civil de 2002. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm. Acesso
em: 21 abr. 2020.

BRASIL. Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8245.htm. Acesso em: 22 abr. 2020.

MAZZEI, Rodrigo; CALMON NOGUEIRA DA GAMA, João Felipe; SENRA,


Alexandre. O que se fazer com o valor das mensalidades escolares no
Brasil no contexto da pandemia de COVID-19? Disponível em:
https://direitocivilbrasileiro.jusbrasil.com.br/artigos/830037768/o-que-se-fazer-
com-o-valor-das-mensalidades-escolares-no-brasil-no-contexto-da-pandemia-
de-covid-19?fbclid=IwAR13X5cXCEIs8Cym-
InBaVFJGvFcOXM1tyqZrxOk0c9D_bR2XdrcYeRWRho. Acesso em: 20 abr.
2020.

MENCKEN, Henry Louis. Prejudices: Second Series. New York: Alfred A.


Knopf, 1920 p. 158.
RODRIGUES, Silvio. Direito civil: dos contratos e das declarações unilaterais
da vontade. V. III. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 228.

__________

1 Confira-se: MAZZEI, Rodrigo; CALMON NOGUEIRA DA GAMA, João Felipe; SENRA,


Alexandre. O que se fazer com o valor das mensalidades escolares no Brasil no contexto da
pandemia de COVID-19? Acesso em 20/4/ 2020.

2 É o dinheiro, por excelência, bem fungível. O que isso quer dizer? Quer dizer, valendo-nos de
exemplo de fácil compreensão, que o valor (em papel-moeda) de R$ 100,00 que se tenha na
carteira pode ser substituído por coisa de mesma espécie, qualidade e quantidade, ou seja,
pela mesma quantia que, por exemplo, já se possua em banco, ou que sobrevenha de
economia de despesas ou da venda de algum ativo/bem ou que se tome de empréstimo.

3 Destacamos que por ser este um dos critérios para a revisão do contrato de locação (e não o
impacto em faturamento, que serve, entretanto, de indicativo do decréscimo de utilidade da
prestação do locador), considerações sobre a implementação de outros custos por parte do
locatário (e que até tenham reduzido/minorado o impacto financeiro) não interferem na aferição
do direito à revisão contratual e tampouco na quantificação da redução proporcional do valor do
aluguel. Imaginemos que uma loja de roupas, proibida de funcionar temporariamente, passe a
revender seus produtos por meio de delivery (já que inútil o imóvel locado para a revenda
presencial de roupas realizada até então). Nesse caso, eventuais custos (por exemplo,
publicidade em internet e custeio de entregas) pelo locatário (a quem interessa aumentar o
percentual de redução do valor de aluguel) não se refletirão na maior diminuição do valor do
aluguel, mesmo porque o art. 393, caput, CC/02, prevê que outros prejuízos não serão arcados
pelo devedor (no caso, o devedor da prestação de disponibilizar o imóvel a fim a que se destina
e de forma útil é do locador). Por sua vez, o locador não pode se valer da queda menor no
faturamento por adoção de medidas de reformulação de modelo de negócios do locatário para
indicar inexistir a queda de utilidade de sua prestação (inibindo a revisão ou admitindo-a em
percentual mínimo), já que se trata de fato alheio à sua prestação (que suportou decréscimo de
utilidade), assim como o aumento do faturamento (por adoção de renovado modelo de
negócios) não é causa jurídica para revisão a maior (majoração) do valor do aluguel.

4 A disposição da Lei 8.245/91, em seu art. 26, é específica para reparos urgentes (se feitas
em até 10 dias pelo locador, nada há a abater; se os reparos ultrapassarem tal marco temporal,
haverá abatimento do aluguel relativo ao período excedente; se os reparos não se realizarem
em até 30 dias, pode o locatário resilir o contrato), razão pela qual a norma geral do CC/02
pode ser aqui invocada.

5 Neste ponto, vale destacar lição de Silvio Rodrigues ainda sob a égide do Código Civil de
1916, que dispunha sobre deveres do locador e da responsabilidade pela deterioração (sem
culpa do locatário) em seus arts. 1.189 1.190, dispositivos que foram reproduzidos nos artigos
566 e 567 do Código Civil de 2002: "Se, por exemplo, falta água ao prédio alugado, tal fato
constitui causa bastante para a rescisão da avença, pois o mesmo não se encontra em estado
de servir ao uso a que se destina. [...] Ademais, cumpre ao locador manter a coisa em estado
de servir ao uso a que se destina, De modo que lhe incumbe custear as reparações dos
estragos advindos à coisa e que não derivam de culpa do locatário. [...] A lei defere ao
locatário, em caso de deterioração da coisa alugada, a seguinte prerrogativa: ou rescindir o
contrato (se a deterioração for de tal vulto que frustre a sua utilização) ou pedir redução
proporcional do aluguel (Cód. Civ., art. 1.190)" (RODRIGUES, Silvio. Direito civil: dos contratos
e das declarações unilaterais da vontade. V. III. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 228).

6 No original "Explanations exist; they have existed for all time; there is always a well-known
solution to every human problem — neat, plausible, and wrong". (MENCKEN, Henry Louis.
Prejudices: Second Series. New York: Alfred A. Knopf, 1920 p. 158).

__________
*Alexandre Senra é mestre (UFES) e procurador da República no Espírito
Santo.

**João Felipe Calmon Nogueira da Gama é pós-graduado (FDV) e mestre


(UFES). Advogado e juiz leigo do TJ/ES.

Você também pode gostar