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ISSN 1983-392X
https://www.migalhas.com.br/depeso/326032/o-que-se-fazer-com-o-valor-dos-alugueis-
em-contratos-de-locacao-residencial-e-comercial-de-imoveis-urbanos-no-brasil-no-
contexto-da-pandemia-de-covid-19
2 - Premissas
Assim, dentre outras obrigações (lei 8.245/91, arts. 22, I e III e 23, I): cabe ao
locador entregar ao locatário o imóvel alugado em estado que sirva ao uso a
que se destina e manter durante o contrato a forma e o destino do imóvel;
enquanto ao locatário incumbe a obrigação de pagar pontualmente o aluguel
ajustado (bilateralidade e onerosidade).
3 - Considerações
Nos termos do art. 19 da Lei de Locações (lei 8.245/91), "Não havendo acordo,
o locador ou locatário, após três anos de vigência do contrato ou do acordo
anteriormente realizado, poderão pedir revisão judicial do aluguel, a fim de
ajustá-lo ao preço de mercado".
O direito à revisão do aluguel pressupõe, portanto, que o seu valor esteja
incompatível com o valor de mercado. Dito mais extensamente: o valor do
aluguel deve ter se tornado incompatível com o valor que o mercado estaria
disposto a pagar pela disponibilização do uso daquele imóvel no mesmo
período. Ou, em termos mais simples: o valor do aluguel não corresponde mais
ao valor do uso do imóvel.
Motivos imprevisíveis, por força do art. 317 do Código Civil (CC/02), podem
autorizar a superação do requisito temporal (os três anos) previsto no
mencionado artigo, mas não a necessidade de que as prestações não guardem
mais um equilíbrio entre si. Falar-se em desproporção manifesta entre "o valor
da prestação devida" e "o do momento de sua execução" ou em se assegurar
“quanto possível, o valor real da prestação”, para contratos sinalagmáticos, é a
mesma coisa que se zelar pela manutenção do equilíbrio entre as prestações.
Muda-se o enunciado (texto), mas não se altera a proposição (sentido).
Nesse ponto, importante analisar o art. 393 do CC/02: "O devedor não
responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se
expressamente não se houver por eles responsabilizado". Não devemos
confundir, todavia, a prestação em si com os “prejuízos resultantes de caso
fortuito ou força maior”. Caso fortuito/força maior podem exonerar o locatário
dos prejuízos daí advindos ao locador, mas jamais da prestação pecuniária em
si2.
Não é por outra razão que, finda a locação, o locatário deve restituir o imóvel,
"no estado em que o recebeu, salvo as deteriorações decorrentes do seu uso
normal" (lei 8.245/91, art. 23, III). O prejuízo representado pelas deteriorações
decorrentes do uso normal do imóvel é do seu proprietário (no caso, do
locador) e não do possuidor direto (locatário).
4 - Conclusão
Apesar de ser provável que o leitor já tenha percebido isso ao longo do texto,
há algo que precisa ser explicitamente enunciado: este artigo dá as respostas
jurídicas às situações propostas, mas não soluções prontas e acabadas para
os problemas que possam existir em cada uma das relações locatícias
vigentes.
De que adianta o locatário do imóvel comercial, por sua vez, ter direito a não
pagar o aluguel ou ao seu abatimento, caso haja oposição do locador,
enquanto o contrato não for judicialmente revisto? Ter, em princípio, esse
direito, não lhe torna certo o ganho de causa, nem afasta a possibilidade,
bastante concreta, de que o locador permaneça realizando a cobrança do
aluguel pelo seu valor integral, com ameaça, inclusive, de negativação do
nome do devedor e rescisão do contrato caso esse valor não seja pago (ainda
que o despejo apenas possa ocorrer, de forma coercitiva, via demanda de
despejo – lei 8.245/91, art. 5º).
5 – Referências
__________
2 É o dinheiro, por excelência, bem fungível. O que isso quer dizer? Quer dizer, valendo-nos de
exemplo de fácil compreensão, que o valor (em papel-moeda) de R$ 100,00 que se tenha na
carteira pode ser substituído por coisa de mesma espécie, qualidade e quantidade, ou seja,
pela mesma quantia que, por exemplo, já se possua em banco, ou que sobrevenha de
economia de despesas ou da venda de algum ativo/bem ou que se tome de empréstimo.
3 Destacamos que por ser este um dos critérios para a revisão do contrato de locação (e não o
impacto em faturamento, que serve, entretanto, de indicativo do decréscimo de utilidade da
prestação do locador), considerações sobre a implementação de outros custos por parte do
locatário (e que até tenham reduzido/minorado o impacto financeiro) não interferem na aferição
do direito à revisão contratual e tampouco na quantificação da redução proporcional do valor do
aluguel. Imaginemos que uma loja de roupas, proibida de funcionar temporariamente, passe a
revender seus produtos por meio de delivery (já que inútil o imóvel locado para a revenda
presencial de roupas realizada até então). Nesse caso, eventuais custos (por exemplo,
publicidade em internet e custeio de entregas) pelo locatário (a quem interessa aumentar o
percentual de redução do valor de aluguel) não se refletirão na maior diminuição do valor do
aluguel, mesmo porque o art. 393, caput, CC/02, prevê que outros prejuízos não serão arcados
pelo devedor (no caso, o devedor da prestação de disponibilizar o imóvel a fim a que se destina
e de forma útil é do locador). Por sua vez, o locador não pode se valer da queda menor no
faturamento por adoção de medidas de reformulação de modelo de negócios do locatário para
indicar inexistir a queda de utilidade de sua prestação (inibindo a revisão ou admitindo-a em
percentual mínimo), já que se trata de fato alheio à sua prestação (que suportou decréscimo de
utilidade), assim como o aumento do faturamento (por adoção de renovado modelo de
negócios) não é causa jurídica para revisão a maior (majoração) do valor do aluguel.
4 A disposição da Lei 8.245/91, em seu art. 26, é específica para reparos urgentes (se feitas
em até 10 dias pelo locador, nada há a abater; se os reparos ultrapassarem tal marco temporal,
haverá abatimento do aluguel relativo ao período excedente; se os reparos não se realizarem
em até 30 dias, pode o locatário resilir o contrato), razão pela qual a norma geral do CC/02
pode ser aqui invocada.
5 Neste ponto, vale destacar lição de Silvio Rodrigues ainda sob a égide do Código Civil de
1916, que dispunha sobre deveres do locador e da responsabilidade pela deterioração (sem
culpa do locatário) em seus arts. 1.189 1.190, dispositivos que foram reproduzidos nos artigos
566 e 567 do Código Civil de 2002: "Se, por exemplo, falta água ao prédio alugado, tal fato
constitui causa bastante para a rescisão da avença, pois o mesmo não se encontra em estado
de servir ao uso a que se destina. [...] Ademais, cumpre ao locador manter a coisa em estado
de servir ao uso a que se destina, De modo que lhe incumbe custear as reparações dos
estragos advindos à coisa e que não derivam de culpa do locatário. [...] A lei defere ao
locatário, em caso de deterioração da coisa alugada, a seguinte prerrogativa: ou rescindir o
contrato (se a deterioração for de tal vulto que frustre a sua utilização) ou pedir redução
proporcional do aluguel (Cód. Civ., art. 1.190)" (RODRIGUES, Silvio. Direito civil: dos contratos
e das declarações unilaterais da vontade. V. III. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 228).
6 No original "Explanations exist; they have existed for all time; there is always a well-known
solution to every human problem — neat, plausible, and wrong". (MENCKEN, Henry Louis.
Prejudices: Second Series. New York: Alfred A. Knopf, 1920 p. 158).
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*Alexandre Senra é mestre (UFES) e procurador da República no Espírito
Santo.