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Projeto Tecnologias Sociais

para a Gestão da Água

Programa de Capacitação em Gestão da Água

CURSO

Manejo para qualidade


do solo
PROJETO TECNOLOGIAS SOCIAIS PARA GESTÃO DA AGUA - FASE II

COORDENADOR GERAL
Paulo Belli Filho

COORDENADOR CAPACITAÇÃO PRESENCIAL


Armando Borges de Castilhos Jr.

GRUPO DE PLANEJAMENTO, GERENCIAMENTO E EXECUÇÃO


Claudia Diavan Pereira
Valéria Veras
Hugo Adolfo Gosmann
Alexandre Ghilardi Machado
Mateus Santana Reis
 Thaianna Cardoso

COORDENADORES REGIONAIS
Sung Chen Lin
Cristine Lopes de Abreu
Luiz Augusto Verona
Claudio Rocha de Miranda
Ademar Rolling

COMITE EDITORIAL
Edson Carlos Menezes Benites
Hugo Adolfo Gosmann
Sergio Roberto Martins

AUTORES DO CONTEÚDO
Jucinei José Comin
Paulo Emílio Lovato

Gestão: Execução Técnica: Patrocínio:


Universidade Federal de Santa Catarina
Centro Tecnológico
Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental

Programa de Capacitação em

Gestão da Água

Manejo para Qualidade


do Solo

Florianópolis – Santa Catarina


2014
Catalogação na fonte pela Biblioteca Universitária
da
Universidade Federal de Santa Catarina

U58s Universidade Federal de Santa Catarina. Departamento de


Engenharia Sanitária e Ambiental.
Manejo para qualidade do solo / Centro Tecnológico, Depar-
tamento de Engenharia Sanitária e Ambiental ; [coordenador ge-
ral Paulo Belli Filho ; autores do conteúdo: Jucinei José Comin,
Paulo Emilio Lovato]. - Florianópolis : [s. n.], 2014.
55 p. ; il., tabs., fots.

ISBN: 978-85-98128-76-4

Projeto Tecnologias Sociais para Gestão da Água - Fase II.


Programa de capacitação em gestão da água.
Inclui bibliografia.

1. Gestão das águas. 2. Solos - Manejo. 3. Tecnologias so-


ciais. I. Comin, Jucinei José. II. Lovato, Paulo Emílio. III. Título.

CDU: 631.4

Correção Gramatical
Rosangela Santos e Souza

Capa, Projeto Gráfico e Diagramação


Studio S • Diagramação & Arte Visual
(48) 3025-3070 - studios@studios.com.br

Impressão
Digital Máquinas Ltda.
(48) 3879-0128 - digitalcri@ig.com.br

Contatos com TSGA


www.tsga.ufsc.br
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(48) 3334-4480 ou (48) 3721-7230
o Projeto

O
Projeto Tecnologias Sociais para a Gestão da Água - TSGA iniciou
suas atividades em Santa Catarina apoiado pela Petrobrás, desde
o ano de 2007. Sua execução é realizada pela Universidade Fede-
ral de Santa Catarina – UFSC, em conjunto com a Empresa de Pesquisa
Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina – EPAGRI e o Centro Na-
cional de Pesquisas em Suínos e Aves da Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária, CNPSA/EMBRAPA. As principais ações em desenvolvimento
na atual fase são:

• Desenvolver unidades demonstrativas de tecnologias sociais para o


uso eficiente da água na produção de suínos, na rizicultura, para a
prática da agroecologia e para o saneamento ambiental no meio rural.
• Reversão de processos de degradação de recursos hídricos: uso e
ocupação do solo visando à proteção de mananciais; recomposição
de vegetação ciliar; preservação e recuperação da capacidade de
carga de aqüíferos e ações de melhoria da qualidade da água;
• Promoção e práticas de uso racional de recursos hídricos: ações de
racionalização do uso da água; promoção dos instrumentos de ges-
tão de bacias: mobilização; planejamento e viabilização de usos
múltiplos.

Neste contexto, um dos programas prioritários em desenvolvimento, ob-


jetiva o fortalecimento das atividades formação, capacitação, em temas
relacionados com o uso eficiente da água e preservação dos recursos hí-
dricos, com prioridade para professores, corpo técnico das comunidades
e organizações parceiras do TSGA.

O presente material didático constitui uma ferramenta de apoio ao en-


sino e formação do publico alvo, elaborado por equipe de profissionais
especialistas em suas áreas de atuação. Finalmente, visa igualmente
perenizar e disseminar informações para o alcance dos objetivos do pro-
jeto TSGA, Fase II.

Manejo para qualidade do solo 5


SUMÁRIO

Introdução.................................................................... 9

Processos de degradação do solo............................... 11

Introdução...................................................................... 11

Definição........................................................................ 11

Extensão geográfica da degradação do solo........................... 11

Causas da Degradação do Solo............................................. 12

Tipos e processos de degradação do solo............................... 12


Degradação Física do Solo................................................. 13
Degradação Química do Solo.............................................. 15
Degradação Biológica do Solo............................................. 17

Princípios de manejo conservacionista do solo............ 19

Práticas de caráter vegetativo............................................ 19


Florestamento e reflorestamento........................................ 19
Pastagens..................................................................... 21
Plantas de cobertura....................................................... 22
Culturas em faixas.......................................................... 22
Cordões de vegetação permanente....................................... 23
Roçada........................................................................ 24
Cobertura morta............................................................ 24
Quebra-ventos............................................................... 25

Práticas de caráter edáfico................................................ 25


Adubação verde............................................................. 25
Adubação química........................................................... 26
Adubação orgânica.......................................................... 26
Calagem....................................................................... 27

Manejo para qualidade do solo 7


Práticas de caráter mecânico.............................................. 28
Distribuição racional das estradas nas propriedades.................. 28
Plantio em contorno........................................................ 28
Terraceamento............................................................... 29
Canais escoadouros......................................................... 29

Interpretação de análise de solos para manejo........... 31

Possibilidades e limitações................................................. 31

Manejo da matéria orgânica e de resíduos,


composto, camas de animais e dejetos.......................... 35

Princípios, vantagens e riscos.............................................. 35

Práticas inovadoras de manejo.................................... 39

Rotação de culturas.......................................................... 39

Culturas de cobertura e adubos verdes................................. 40

Plantio direto sem herbicidas.............................................. 42

Avaliação participativa da qualidade do solo.......................... 44

Agroecologia e agricultura orgânica......................... 47

O que é Agricultura Orgânica?............................................. 47

Três agricultores.............................................................. 49

Referências bibliográficas........................................... 53

8 PROJETO TECNOLOGIAS SOCIAIS PARA A GESTÃO DA ÁGUA


Introdução
Jucinei José Comin1
Paulo Emílio Lovato2

O
s números alarmantes das áreas com características físicas, quí-
micas e biológicas degradadas por diferentes processos, assim
como as perspectivas catastróficas que se apresentam, têm des-
pertado a consciência da sociedade como um todo, e da comunidade
científica, sobre a importância do solo para a qualidade ambiental. As-
sim, cada vez mais se tem dado importância para a relação do manejo
do solo e a sustentabilidade da agricultura, e por extensão do planeta.

A partir dessa constatação, tem aumentado a busca pelo desenvolvimen-


to de sistemas de manejo inovadores, capazes de atender às exigências
do solo e das culturas agrícolas. Essa abordagem não tem como objetivo
principal a maximização da produção, mas sim aperfeiçoar o uso do solo
e sustentar a produtividade por um longo período, de forma a contem-
plar as necessidades e possibilidades das futuras gerações.

O presente curso objetiva fornecer conhecimento sobre os mecanismos


de degradação do solo; os princípios de manejo do solo e práticas de ma-
nutenção e recuperação de sua qualidade; as práticas inovadoras de ma-
nejo do solo; para que os discentes desenvolvam a capacidade de avaliar
a qualidade do solo; e entendam os princípios de manejo agroecológico.

1
Prof. Associado IV, Departamento de Engenharia Rural da UFSC. Dr. em Agronomia. E-mail: j.co-
min@ufsc.br
2
Prof. Associado IV, Departamento de Engenharia Rural da UFSC. Dr. em Ciências da Vida. E-mail:
paulo.lovato@ufsc.br

Manejo para qualidade do solo 9


1
Processos de
degradação do solo

Introdução ANOTAÇÕES:

A
degradação dos solos é tão antiga quanto a agricultura estabeleci-
da. É um desafio para a humanidade enfrentar, pois reduz a capa-
cidade produtiva dos ecossistemas e afeta o clima global através
de alterações da qualidade da água e do balanço hídrico e da quebra dos
ciclos do carbono (C), nitrogênio (N), enxofre (S) e outros elementos.

Em razão do impacto na produtividade da agricultura e na qualidade do


ambiente, a degradação do solo conduz à instabilidade social e política,
ao aumento da taxa de desmatamento, à intensificação do uso de terras
marginais, à aceleração do processo erosivo, à poluição das águas natu-
rais e à emissão de gases que contribuem para o efeito estufa.

Definição
É a diminuição da qualidade do solo causada pelo mau uso humano. Re-
fere-se à diminuição da produtividade devido a mudanças adversas nas
propriedades químicas, físicas e biológicas do solo. Em outras palavras,
refere-se à redução da capacidade potencial para produzir, em termos
qualitativos e quantitativos, ou das possibilidades de uso, como resulta-
do de um ou mais processos de degradação.

Extensão geográfica da degradação do solo


As mais antigas civilizações humanas surgiram em regiões de solos fér-
teis. Quando a produtividade do solo diminuiu, essas civilizações tam-
bém decaíram. Evidências arqueológicas indicam que a degradação do
solo foi responsável pela extinção de civilizações Harapan no Oeste da
Índia, Mesopotâmica no Oeste da Ásia e Maia na América Central (JUO,
A.S.R.; WILDING, 2001).

Manejo para qualidade do solo 11


Estima-se globalmente que em um milênio mais de dois bilhões de hec-
tares de terras produtivas foram degradadas e tornaram-se improduti-
vas. A taxa atual de degradação é estimada entre cinco e sete milhões
de hectares/ano e pode aumentar para 10 milhões/ano em um período
de 100 anos (OLDEMAN, 1994).

Causas da Degradação do Solo


A degradação do solo é consequência da ação nociva das atividades hu-
manas e suas interações com os ambientes naturais. Os processos de
degradação do solo são os mecanismos responsáveis pela diminuição da
ANOTAÇÕES: qualidade do solo.

As causas da degradação do solo são, principalmente, perturbações antró-


picas ligadas a perturbações socioeconômicas e de crescimento popula-
cional. Alguns exemplos são o desmatamento, a agricultura intensiva em
terras férteis e marginais, o uso indiscriminado e excessivo de produtos
químicos (agrotóxicos), o pastoreio excessivo com alta carga de animais,
as migrações de populações e o desenvolvimento de infraestrutura em
áreas ecologicamente sensíveis. Essas causas estão aumentando especial-
mente em países em desenvolvimento da Ásia, África e América Tropical.

Tipos e processos de degradação do solo


Os principais tipos de degradação são físico, químico e biológico. Cada
um deles apresenta diferentes processos de degradação (Figura 1).

Figura 1: Diagrama dos principais tipos de degradação do solo (Baretta


et al., 2011).

12 PROJETO TECNOLOGIAS SOCIAIS PARA A GESTÃO DA ÁGUA


Degradação Física do Solo
O termo se refere à deterioração das propriedades físicas do solo.

Compactação: adensamento do solo causado pela destruição ou redu-


ção da estrutura dos poros em função da aplicação de uma pressão, que
pode ser decorrente do tráfego de máquinas agrícolas, equipamentos de
transporte e pisoteio de animais.

Nos solos compactados, tem-se uma diminuição da emergência das plân-


tulas e o desenvolvimento das plantas é prejudicado pelo impedimento
mecânico ao crescimento radicular, resultando em menor volume de solo
explorado, menor absorção de água e nutrientes e, consequentemente,
menor produção das culturas agrícolas. A limitada penetração das raízes ANOTAÇÕES:
no subsolo pode ser crítica durante os períodos de seca (Figura 2).

Os solos argilosos apresentam maior propensão à compactação do que


solos areno-argilosos e arenosos e os solos compactados são mais susce-
tíveis ao acelerado escorrimento superficial e erosão.

O grau de compactação pode ser expresso em termos de densidade do


solo, porosidade e resistência à penetração. A camada compactada apre-
senta aumento de valor de densidade do solo e resistência à penetração e
diminuição da porosidade, e nela predominam os microporos ou poros ca-
pilares, nos quais o movimento da água e do ar é mais lento, dificultando
a drenagem interna do solo. A absorção de água pelas raízes é mais afe-
tada pela distribuição por tamanho e continuidade dos poros do que pela
porosidade total. A mudança da distribuição por tamanho de poros devido
à compactação ocorre, principalmente, pela destruição dos macroporos,
que são associados com água e aeração disponível.

A compactação do solo influi no processo erosivo, pois com a diminui-


ção da infiltração de água no solo há maior escorrimento superficial,
podendo a camada de solo, situada acima da camada compactada, ser
transportada pelas águas da enxurrada.

Figura 2: Camada compactada na entrelinha de lavoura de tomate que li-


mita a exploração do perfil de solo pelas raízes (Foto: Jucinei José Comin).
Figura 2: Camada compactada na entrelinha de lavoura de tomate que limita a exploração
do perfil de solo pelas raízes (Foto: Jucinei José Comin).

Erosão do solo: desprendimento ou arraste das partículas do solo por água, vento,
gelo ou outros agentes geológicos em taxas superiores Manejo paraformação
às de qualidade do
do solo 13
solo. Causa
perdas de nutrientes e de matéria orgânica, altera a textura e a estrutura do solo e diminui
Figura 2: Camada compactada na entrelinha de lavoura de tomate que limita a exploração
do perfil deErosão do solo:
solo pelas raízesdesprendimento ou arraste
(Foto: Jucinei José Comin).das partículas do solo por
água, vento, gelo ou outros agentes geológicos em taxas superiores às
Erosão do solo:do
de formação desprendimento ou arraste
solo. Causa perdas das partículas
de nutrientes do solo
e de matéria por água, vento,
orgânica,
gelo ou outros agentes geológicos em taxas superiores às de formação do solo. Causa
altera a textura e a estrutura do solo e diminui as taxas de infiltra-
perdas de nutrientes e de matéria orgânica, altera a textura e a estrutura do solo e diminui
as taxas deção e de armazenamento
infiltração de água (Figura
e de armazenamento de água3).(Figura
Por consequência, ocorre
3). Por consequência, ocorre
diminuição da produtividade
diminuição da produtividade das terras. das terras.

ANOTAÇÕES:

Figura 3:manejada
Figura 3: Parcela Parcela manejada
com ocom o sistema
sistema de de preparoconvencional
preparo convencional com
comero-
erosão hídrica
aparente à são hídrica
direita aparentede
(formação à direita
sulcos)(formação de sulcos)
em contraste comemparcela
contraste com parcela
manejada com o sistema
plantio direto à esquerda
manejada com o(Foto José
sistema Eloirdireto
plantio Denardin, EMBRAPA
à esquerda Trigo).
(Foto José Eloir Denardin,
EMBRAPA Trigo).
A erosão hídrica tem como causa inicial o impacto das gotas da chuva sobre a
superfície do solo descoberta, onde inicia a primeira fase da erosão, a desagregação. A
desagregação das partículas de solo em frações menores faz com que estas, ao se
acomodarem, A erosão hídrica
produzam tem como causa
o selamento inicial
superficial o impactodos
(obstrução dasporos
gotas edaformação
chuva de uma
sobre a superfície
crosta), resultando em taxas do solo
de descoberta,
infiltração onde
muitoinicia a primeira
reduzidas e fase da ero-
elevado escoamento
superficial. são,
Essea desagregação.
efeito dá origem à segunda fase do processo erosivo,
A desagregação das partículas de solo em frações o transporte das
partículas do solo. A terceira fase é a deposição, responsável pelo
menores faz com que estas, ao se acomodarem, produzam o selamento assoreamento dos rios,
barragens, baixadas, além de gerar poluição através de resíduos de agrotóxicos e
superficial (obstrução dos poros e formação de uma crosta), resultando
fertilizantes.
em taxas de infiltração muito reduzidas e elevado escoamento superfi-
cial.
Entre as Esse
causasefeito
da dá origem
erosão à segundafatores
envolvendo fase doambientais
processo erosivo, o trans- humanas,
e as atividades
se pode citar:
porte das partículas do solo. A terceira fase é a deposição, responsável
pelo assoreamento dos rios, barragens, baixadas, além de gerar poluição
através de resíduos de agrotóxicos e fertilizantes. 5

Entre as causas da erosão envolvendo fatores ambientais e as atividades


humanas, se pode citar:

• Pastejo de animais domésticos: os animais removem a vegetação


expondo o solo às chuvas e ao vento, e o pisoteio na superfície desa-
grega partículas e/ou compacta a camada superficial do solo, o que
reduz a infiltração da água. A taxa de dano e o padrão variam de
acordo com o tipo de animal e a lotação utilizada;

14 PROJETO TECNOLOGIAS SOCIAIS PARA A GESTÃO DA ÁGUA


• Preparo do solo: dependendo da intensidade, da técnica de aração,
do clima e da vulnerabilidade do solo, pode ser uma causa da de-
gradação. O preparo do solo ou o sistema de cultivo influenciam na
quantidade de resíduos que permanece na superfície do solo e que
protege o mesmo do efeito direto das gotas de chuva;
• Fogo: remove as partes aéreas da vegetação e a cobertura morta do
solo, deixando-o exposto aos efeitos das águas da chuva e do vento.
A queima causa a perda de nutrientes por volatilização. O nitrogênio
é o elemento mais perdido nesse processo, enquanto o potássio é
facilmente carreado pelo vento junto com as cinzas ou as cinzas são
dissolvidas pelas águas da chuva;
• Extração de madeira: as atividades de extração de madeira têm sido ANOTAÇÕES:
uma das maiores causas da degradação do solo, especialmente, pelo
tráfego de máquinas ao longo das trilhas de retirada da madeira.

Degradação Química do Solo

Decorre da incidência de impactos negativos sobre propriedades quí-


micas do solo que comprometem os processos de vida e a capacidade
produtiva do solo. Dentre os processos químicos tem-se a acidificação, a
salinização, a sodificação, a lixiviação, o acúmulo de substâncias tóxicas
e a diminuição dos teores de matéria orgânica. Algumas práticas comuns
da agricultura ditas modernas como, o uso indiscriminado de fertilizan-
tes, adubos e agrotóxicos podem contribuir significativamente para o
processo de degradação.

Acidificação: os solos podem ser ácidos devido ao material de origem


(rocha matriz) ou a processos de formação que favorecem a perda de
cátions como potássio, cálcio e magnésio. O uso prolongado de elevadas
doses de fertilizantes minerais (amoniacais e ureia) e/ou de lodos de
esgoto não tratados com cal pode deixar o solo mais ácido e tem sido a
maior causa de poluição dos corpos de água. A acidificação do solo pode
ser decorrente de reações de nitrificação do nitrogênio (N) amoniacal,
da possível oxidação de sulfetos e da produção de ácidos orgânicos du-
rante a degradação do lodo por microrganismos. A perda do nitrogênio
gasoso (N2) dos fertilizantes constitui uma parte significativa das emis-
sões de gases de efeito estufa das atividades agrícolas e contribui para
o aquecimento global.

Salinização: é o acúmulo de sais solúveis em água (sódio, potássio,


magnésio, cálcio, cloreto, sulfato, carbonato e bicarbonato) na camada
superficial do solo. O acúmulo de sódio também é chamado de sodificação.

Os principais fatores naturais que influenciam a salinidade do solo são


o clima, o teor de sais do material de origem do solo e das águas sub-

Manejo para qualidade do solo 15


terrâneas, a cobertura do solo e a topografia. A salinização secundária
é causada pela ação humana, uso do solo, sistemas de produção, cap-
tação excessiva de água subterrânea, atividades industriais e o manejo
do solo, tais como uso da água de irrigação rica em sal e/ou drenagem
insuficiente e evaporação da água subterrânea salina. Grande parte da
agricultura irrigada utiliza águas subterrâneas como fonte primária de
irrigação e essas águas, em geral, têm teores variados de sais que ten-
dem a se acumular na zona radicular e na superfície do solo ao longo
do tempo. O excesso de sais no solo é prejudicial ao crescimento das
plantas e pode deixar as terras improdutivas.

Lixiviação: perda de elementos químicos (nutrientes) dissolvidos na so-


ANOTAÇÕES: lução do solo através da percolação de água no seu perfil, o que conduz
ao empobrecimento químico. Por consequência, a capacidade produtiva
do solo é reduzida. O empobrecimento do solo também pode ocorrer
quando a taxa de exportação de nutrientes pelas culturas é superior à
reposição de nutrientes via adubação. A lixiviação também pode conta-
minar as águas subterrâneas, por exemplo, com nitrato e nitrito.

Acúmulo de substâncias tóxicas: a contaminação do solo com substân-


cias químicas e outros poluentes pode ocorrer em decorrência do uso
de agrotóxicos para o controle de pragas, doenças e plantas espontâne-
as na agricultura, da disposição final de efluentes e lodos de unidades
industriais, do uso de lodos de estações de tratamento de esgoto e de
estercos de diferentes espécies de animais para adubação de culturas
agrícolas. Como os lodos de estações de tratamento de esgoto e os es-
tercos têm concentrações variáveis de nutrientes e de metais pesados,
as aplicações frequentes, sem o uso de critérios técnicos, nas mesmas
áreas, causam alterações nos atributos químicos do solo, tais como acú-
mulo de nutrientes, como o fósforo, e de metais, como o cobre e o zin-
co, nas camadas superficiais do solo.

A aplicação continuada de dejetos pode ser benéfica, desde que as doses


sejam definidas com base na concentração de nutrientes dos dejetos,
nos teores de nutrientes do solo e nas exigências nutricionais da cultura
agrícola a ser explorada. Assim, tem-se a necessidade de realizar aná-
lises dos dejetos e análises de solo. Ademais, a determinação da dose
de dejeto a ser utilizada deve ser calculada com base no nutriente que
atingir primeiro a exigência da cultura agrícola e os demais nutrientes
devem ser complementados com adubação mineral, conforme preconi-
zado pela CQFS-RS/SC (2004).

Como efeitos benéficos da aplicação de dejetos cita-se o aumento da


produtividade de grãos e matéria seca das culturas, da biomassa micro-
biana e sua atividade na ciclagem de nutrientes e, assim, dos teores de
carbono e nutrientes na camada superficial do solo.

16 PROJETO TECNOLOGIAS SOCIAIS PARA A GESTÃO DA ÁGUA


Diminuição dos teores de matéria orgânica: a matéria orgânica do solo
é afetada, principalmente, pelo clima, material de origem do solo, tex-
tura, hidrologia (drenagem), topografia, uso do solo e cobertura do solo
e/ou vegetação. Sistemas agrícolas que utilizam preparo intensivo do
solo que, por consequência, destroem a estrutura do solo e o deixam ex-
posto à ação das intempéries, contribuem para a diminuição dos teores
de matéria orgânica do solo.

A diminuição dos teores de matéria orgânica do solo ameaça a diversi-


dade de organismos, limita a capacidade do mesmo fornecer nutrientes
para as culturas agrícolas e reduz a capacidade de infiltração de água,
conduzindo ao aumento de escoamento superficial e erosão. Por sua
vez, a erosão também contribui para a diminuição dos teores de matéria ANOTAÇÕES:
orgânica do solo.

Degradação Biológica do Solo

O solo é o habitat para uma grande variedade de microrganismos e ani-


mais que constituem parte significativa dos recursos naturais. A matéria
orgânica é a principal fonte de alimentos para os organismos do solo, que
desempenham funções vitais para sustentar a produtividade do mesmo.
A diminuição da reciclagem de produtos orgânicos no solo é o principal
fator que leva a um declínio na extensão e diversidade dos organismos
vivos dentro dele. Os sistemas agrícolas que não integram o manejo de
nutrientes para aperfeiçoar o uso dos resíduos da propriedade junto com
as práticas de cultivo, conduzem à diminuição da matéria orgânica e
redução das populações de organismos do solo.

O uso de monocultura ano após ano também conduz ao declínio da bio-


diversidade do solo. O preparo do solo altera as propriedades físicas e
químicas do solo, afetando a ecologia dos organismos. O uso do fogo e
o acúmulo de sustâncias tóxicas causam a morte de organismos que de-
sempenham funções vitais no solo, como os rizóbios (bactérias fixadoras
do nitrogênio atmosférico que vivem em simbiose nas raízes das plan-
tas leguminosas, formando nódulos e trocando proteínas pelos glicídios
elaborados pela planta) e fungos micorrízios (fungos do solo que fazem
associação mutualista não patogênica com as raízes da planta. A planta,
através da fotossíntese, fornece energia e carbono para a sobrevivência
e multiplicação dos fungos, ao passo que estes absorvem nutrientes e
água do solo e os transferem para as raízes da planta).

Manejo para qualidade do solo 17


2
Princípios de manejo
conservacionista do solo

A
lguns processos de degradação do solo podem ser controlados, e ANOTAÇÕES:
todas as técnicas para aumentar a resistência do solo e/ou dimi-
nuir a ação desses processos denominam-se práticas conservacio-
nistas. Estas podem ser de caráter vegetativo, edáfico e mecânico, mas
elas resolvem apenas parcialmente o problema e devem ser utilizadas
simultaneamente.

Práticas de caráter vegetativo


Utiliza-se a vegetação para proteger o solo dos processos erosivos. A
densidade de cobertura vegetal é o princípio básico para proteger o solo
contra os efeitos da erosão e esta é tanto menor quanto mais densa for
a vegetação que recobre e protege o solo.

Florestamento e reflorestamento

A cobertura com floresta em solos situados em pendentes íngremes, po-


bres ou erodidos é a maneira mais econômica e segura de utilização. Nos
locais de topografia acidentada, as florestas devem ser formadas no topo
dos morros a fim de reduzir as enxurradas que se formam nas cabeceiras,
atenuando os problemas de erosão nos terrenos situados a jusante, e pro-
porcionando, pela maior infiltração, a regularização das fontes de água.

As matas ciliares são florestas ou outros tipos de cobertura vegetal, na-


tivas, situadas nas margens de rios, igarapés, lagos, olhos d´água e re-
presas (Figura 4). A recuperação de matas ciliares degradadas pode ser
feita por meio da regeneração natural ou do plantio de espécies selecio-
nadas. No caso da regeneração natural, quando uma determinada área
de floresta sofre distúrbio como a abertura natural de uma clareira por
queda de árvore, incêndio ou desmatamento, a sucessão secundária tem
a capacidade de promover a colonização da área e conduzir a vegetação
através de uma série de estágios sucessionais. Diferentes grupos de plan-

Manejo para qualidade do solo 19


tas que vão se sucedendo ao longo do tempo criam condições ecológicas
no local que permitem chegar a uma comunidade estruturada e estável.

Para que a sucessão secundária aconteça, tem-se a dependência de di-


versos fatores como a presença de vegetação remanescente, o banco de
sementes no solo, a proximidade de fontes de sementes e a rebrota de
espécies arbustivas e arbóreas. Assim, cada área degradada apresentará
uma dinâmica sucessional específica. O sucesso dessa estratégia também
depende do isolamento da área e da eliminação das causas da degradação.

Para a recuperação de matas ciliares através do plantio de mudas, deve-


se usar como critérios básicos a seleção de espécies nativas que ocorram
ANOTAÇÕES: nas matas ciliares da região, a escolha de um grande número de espécies
para gerar diversidade, a combinação de espécies pioneiras (de rápido
crescimento) associadas com espécies não pioneiras (secundárias tardias
e climácicas), o uso de espécies atrativas à fauna e adaptadas às condi-
ções de umidade do solo.

As florestas exercem papel importante no equilíbrio ecológico de uma


região, fornecendo abrigo e alimento para aves e animais úteis como
controladores de pragas das culturas agrícolas. Os reflorestamentos con-
tribuem na economia das propriedades agrícolas, fornecendo lenha e
madeiras, indispensáveis à organização e manutenção da propriedade.

Figura 4: Mata ciliar pre-


servada às margens do rio
da Prata, Anitápolis, SC.
(Foto: Jucinei José Comin).

20 PROJETO TECNOLOGIAS SOCIAIS PARA A GESTÃO DA ÁGUA


Pastagens

Áreas com grande propensão à erosão (solos frágeis e situados em locais


com elevada declividade) devem ser exploradas, preferencialmente,
com pastagens permanentes, ou anuais, que também fornecem boa pro-
teção do solo (Figura 5). A integração lavoura-pecuária, bem conduzida,
constitui condição ideal para a manutenção da fertilidade do solo e au-
mento de renda da propriedade.

ANOTAÇÕES:

Figura 5: Pastagem de aveia preta em área com elevada declividade (Foto:


Jamil Abdalla Fayad, EPAGRI).

As pastagens, embora em intensidade menor do que as florestas, for-


necem eficiente proteção ao solo contra a erosão. Porém, uma lotação
excessiva pode resultar em uma vegetação excessivamente raleada e
reduzida, redundando na diminuição da proteção contra a erosão.

O pastoreio racional é um método de manejo do conjunto solo, planta e


animal, e propõe condutas de pastoreio direto em rotações de pastagens
através da subdivisão da área em parcelas. Também preconiza a diver-
sificação de espécies forrageiras. Esse conjunto de práticas possibilita a
recuperação do pasto à medida que cada parcela passa por um período
de repouso, criando as condições necessárias para o rebrote das plantas
forrageiras e a recuperação de suas reservas de energia.

Manejo para qualidade do solo 21


Plantas de cobertura

O uso de plantas de cobertura, chamadas de adubos verdes em uma ter-


minologia mais antiga, em rotação, sucessão ou em consórcio protege a
camada superficial, bem como mantém e/ou melhora as propriedades
físicas, químicas e biológicas do solo (vide item 5.2).

Algumas espécies que podem ser usadas no inverno são aveia (Avena
spp), azevém (Lolium multiflorum Lam), centeio (Secale cereale L.),
chícharo comum (Lathyrus sativus L.), ervilhacas (Vicia spp), fava (Vi-
cia faba L.), fava forrageira (Vicia faba L.), gorga (Spergula arvensis
L.), nabo forrageiro (Raphanus sativus L.), serradela (Ornithopus sativus
ANOTAÇÕES: Broth.) e tremoços (Lupinus spp) e no verão são caupi (Vigna sinensis
Endl.), crotalárias (Crotalaria spp), feijão de porco (Canavalia ensifor-
mis DC), guandu (Cajanus cajan (L.) Millsp), mucunas (Stizolobium spp),
sesbania (Sesbania spp), milheto (Pennisetum glaucum L.), sorgo (Sor-
ghum bicolor L.) e girassol (Helianthus annuus L.).

Culturas em faixas

Consiste na disposição das culturas em faixas de largura variável, de for-


ma que a cada ano, alternem-se plantas que oferecem pouca proteção
ao solo com outras de crescimento mais denso (Figura 6). É uma prática
complexa, porque combina o plantio em contorno, a rotação de cultu-
ras, as plantas de cobertura e até os terraços.

Dentre os diversos sistemas de controle da erosão hídrica e eólica, é


uma das mais eficientes. Para o controle da erosão hídrica, o plantio
deve ser orientado no sentido das curvas de nível do terreno e para o
controle da erosão eólica, no sentido contrário dos ventos dominantes.

O efeito das culturas em faixas no controle à erosão é baseado em três


princípios: as diferenças em densidades das culturas utilizadas; o parce-
lamento das pendentes; e a disposição das linhas de cultivo em contor-
no. A disposição alternada de culturas diferentes faz com que as perdas
por erosão sofridas em determinada cultura, sejam, em parte, contro-
ladas pela cultura que vem logo em seguida; culturas como feijão, ma-
mona e mandioca perdem mais solo e água que amendoim, algodão e
arroz, e estas, por sua vez, perdem mais do que milho e cana de açúcar.
Uma mesma cultura, plantada em diferentes épocas, pode proporcionar
diferentes densidades de cobertura do solo, como, por exemplo, a cana
de açúcar e o milho verde. A largura das faixas será determinada em
função do declive do terreno, do tipo de solo e da cultura.

22 PROJETO TECNOLOGIAS SOCIAIS PARA A GESTÃO DA ÁGUA


Cordões de vegetação permanente

São fileiras de plantas perenes, de crescimento denso, dispostas com


determinado espaçamento horizontal e sempre em nível (Figura 7). Em
culturas anuais cultivadas continuamente na mesma faixa, ou em rota-
ção, são intercaladas faixas estreitas de vegetação cerrada, formando
os cordões de vegetação permanente. Em culturas perenes como café
e pomar, os cordões são dispostos entre as árvores, com determinado
espaçamento horizontal, formando barreiras para o controle da erosão.

Quebrando a velocidade de escorrimento da enxurrada, os cordões de


vegetação permanente provocam a deposição de sedimentos transpor-
tados e facilitam a infiltração de água de escorrimento no terreno. Eles ANOTAÇÕES:
podem ser usados em terrenos com até 60 % de declividade. Com o pas-
sar dos anos, podem se formar terraços acima dos cordões; com peque-
no trabalho de acabamento estes terraços estarão prontos.

A distância entre os cordões de vegetação permanente varia com a de-


clividade do terreno e as características do solo. Esses deverão ter um
a três metros de largura e a vegetação a empregar na sua formação,
além de apresentar, de preferência, valor econômico, deverá possuir
as características de crescimento rápido e cerrado, formação de uma
barreira densa junto ao solo, durabilidade e não ter caráter de planta
invasora. Exemplos de espécies usadas são: cana-de-açúcar, vetiver, ca-
pim limão, capim elefante.

Figura 6: Disposição das culturas em faixas, com largura variável de acordo


com a topografia do terreno (Foto Miguel A. Altieri, Universidade da Califór-
nia, EUA).

Manejo para qualidade do solo 23


ANOTAÇÕES:

Figura 7: Cordões de vegetação permanente formados com capim limão. (Foto


Departamento de Engenharia Rural, UFSC).

Roçada

O corte das plantas espontâneas a uma pequena altura da superfície


do solo, mantém a cobertura do solo e controla a erosão. A operação
deve ser repetida a fim de evitar concorrência com a cultura de inte-
resse econômico. Com o uso desta prática não ocorre a desagregação
da camada superficial de solo, que facilita a erosão; não ocorre o corte
das raízes superficiais das plantas perenes e o comprometimento da
produção; com a permanência da vegetação cobrindo o solo, não haverá
efeito da energia de impacto da gota de chuva; e o sombreamento do
solo diminuirá a oxidação acelerada da matéria orgânica.

Cobertura morta

O uso de cobertura morta protege o solo do impacto das gotas da


chuva, diminui o escoamento da enxurrada e incorpora a matéria or-
gânica ao solo, que aumenta a sua resistência ao processo erosivo. No
caso da erosão eólica, também protege o solo contra a ação direta dos
ventos e impede o transporte das partículas. A cobertura morta con-
tribui para o armazenamento de água nas zonas de precipitação pouco
abundantes e diminui a temperatura do solo; consequentemente, di-
minui a evapotranspiração (forma pela qual a água da superfície ter-
restre passa para a atmosfera no estado de vapor. O processo envolve
a evaporação da água de superfícies (rios, lagos, represas, oceanos,

24 PROJETO TECNOLOGIAS SOCIAIS PARA A GESTÃO DA ÁGUA


etc), dos solos e da vegetação úmida (interceptada durante chuva) e
a transpiração dos vegetais).

A utilização da prática exige um bom nível de fertilidade do solo, princi-


palmente, com relação ao nitrogênio. A cobertura do solo com material
com elevada relação C/N influencia a população de microrganismos e,
em consequência, podem causar uma rápida redução da disponibilidade
do elemento, especialmente, nas primeiras semanas da decomposição
do material. É necessário, para o sucesso da prática, o adequado supri-
mento de nitrogênio para atender a demanda da biota e das plantas.

O uso de resíduos com relação C/N mais elevada, por outro lado, pos-
sibilita uma decomposição mais lenta dos resíduos e contribui para o ANOTAÇÕES:
aumento dos teores de matéria orgânica no solo e a liberação gradual de
nitrogênio e outros elementos para as culturas agrícolas. Já as legumi-
nosas possuem uma menor relação C/N e, por consequência, a liberação
dos nutrientes durante sua decomposição é mais rápida.

Quebra-ventos

Consistem em uma barreira densa de árvores, colocadas a intervalos re-


gulares, nas regiões sujeitas a ventos fortes, formando anteparo contra
os ventos dominantes. Deverá ser o mais alto e o mais cerrado possível
na direção perpendicular dos ventos dominantes, de preferência ao lon-
go das divisas do terreno.

Os quebra-ventos mais eficientes são aqueles com diferentes espécies


de plantas, fornecendo, cada uma, uma barreira mais densa em deter-
minada altura (Figura 8). Assim o vento será desviado para cima por uma
superfície inclinada de copa de árvores. Pode-se utilizar o eucalipto, o
bambu, a tefrósia, o cipreste.

Práticas de caráter edáfico


O controle da erosão é garantido através do adequado crescimento da
vegetação e da manutenção ou melhoria da fertilidade do solo.

Adubação verde

É entendida como a incorporação, ao solo, de plantas especialmente


cultivadas para esse fim ou de outras vegetações cortadas ainda verdes
para serem enterradas. Estas plantas protegem o solo contra ação direta
da chuva quando vivas e, depois de enterradas, melhoram as condições
físicas e químicas do solo pelo aumento dos teores de matéria orgânica.

Manejo para qualidade do solo 25


Constitui uma das formas mais baratas e acessíveis de incorporar maté-
ria orgânica ao solo, sendo conhecidos os seus efeitos na estabilização e
mesmo no aumento das produções. Os efeitos nas propriedades físicas,
químicas e biológicas estão apresentados no item 5.2.

ANOTAÇÕES:

Figura 8. Composição de quebra-ventos de árvores. Maiores alturas reque-


rem espécies de vegetação intermediárias para formar um bom quebra-vento
(ABREU e ABREU, 2000).

Adubação química

A manutenção e/ou melhoria da fertilidade do solo proporciona melhor


cobertura vegetal do terreno e, consequentemente, melhor proteção
do solo. É mais econômico e eficiente repor regularmente os elementos
exportados pelas culturas agrícolas do que, após vários anos, tentar res-
taurar o solo que já está empobrecido.

Adubação orgânica

A adubação orgânica do solo com estercos ou compostos exerce papel


importante no melhoramento das condições para o desenvolvimento das
culturas. Tem-se como benefícios nas propriedades físicas a melhoria da
estrutura do solo, aeração, armazenamento de água e drenagem interna
do solo. Sobre as propriedades químicas do solo, ocorre enriquecimento
gradual do solo com macro e micronutrientes essenciais às plantas e o
aumento gradativo do teor de matéria orgânica do solo. Os efeitos dos

26 PROJETO TECNOLOGIAS SOCIAIS PARA A GESTÃO DA ÁGUA


adubos orgânicos sobre as propriedades biológicas do solo são o aumen-
to na biodiversidade de microrganismos úteis que atuam em processos
relacionados à fertilidade do solo e no controle de pragas que atacam
as raízes das plantas (p.e. nematóides). Além de resíduos orgânicos,
podem ser utilizados outros produtos como: os inoculantes para legumi-
nosas ou ainda, os chamados biofertilizantes.

Os biofertilizantes líquidos são produtos obtidos da fermentação de ma-


teriais orgânicos com água, na presença ou ausência de ar. Possuem
composição variável e de acordo com o material empregado para a sua
fabricação, podem fornecer os macro e micronutrientes necessários à
nutrição vegetal. Por serem produtos obtidos através da fermentação,
com a participação de bactérias, leveduras e bacilos, podem atuar como ANOTAÇÕES:
protetor natural das plantas cultivadas contra doenças e pragas.

Calagem

Em solos ácidos, o baixo pH e a presença de alumínio (Al) e manganês


(Mn) tóxico afetam o crescimento das raízes, prejudicando o desenvol-
vimento das plantas, aumentando a sua sensibilidade à seca e diminuin-
do a sua produção. O desenvolvimento de microrganismos também é
reduzido, principalmente, o das bactérias fixadoras de nitrogênio (N)
atmosférico.

Com a prática da calagem, busca-se corrigir a acidez do solo e fornecer


elementos como cálcio (Ca) e magnésio (Mg) para as plantas. O Ca es-
timula o crescimento das raízes e, assim, ocorre o aumento do sistema
radicular e da absorção de água e nutrientes do solo. Tem-se, também,
o aumento da disponibilidade de fósforo (P), como consequência da di-
minuição dos sítios de fixação no solo; a diminuição da disponibilidade
de Al e Mn, através da formação de hidróxidos, que precipitam e/ou são
menos tóxicos; o aumento da mineralização da matéria orgânica e, por
consequência, maior disponibilidade de nutrientes; e o favorecimento
da fixação biológica de N. A calagem também ajuda na melhoria da agre-
gação do solo, pelo efeito floculante do Ca.

Em alguns casos, recomenda-se a aplicação de gesso, que vai adicionar


Ca ao solo, o que é importante em culturas, como a macieira ou o toma-
te, que precisam de altas doses desse elemento. No entanto, essa é uma
prática que pode fazer com que haja perdas de outros nutrientes, como
o potássio (K), pela lixiviação. A disponibilidade de resíduos de rochas de
jazidas tem levado à recomendação de pós de rocha, mas essa prática
de rochagem deve partir do conhecimento do conteúdo e da disponibili-
dade dos elementos nelas contidos.

Manejo para qualidade do solo 27


Práticas de caráter mecânico
São práticas que através da disposição do cultivo em nível ou de porções
de terra buscam diminuir a velocidade do escoamento da enxurrada e
facilitar a infiltração de água no solo.

Distribuição racional das estradas nas propriedades

As estradas devem ser construídas o mais próximo do contorno (em


curvas de nível) e os carreadores em pendente, que fazem ligação
entre estradas niveladas, devem ser em menor número possível, e lo-
ANOTAÇÕES: cados nos espigões e eixos de grotas. Nesses locais, também será mais
fácil construir os canais escoadouros. Com essa disposição das estra-
das, as glebas ficarão com uma forma alongada e recurvada no sentido
das linhas do nível do terreno.

O traçado das estradas (ou carreadores), nas propriedades agrícolas em


linha reta, sem considerar a topografia do terreno, tem sido a causa de
elevadas perdas de solo por erosão. Com a disposição dos carreadores
em linha reta, as culturas agrícolas quase sempre ficam com as linhas
a favor do escorrimento das águas, aumentando as perdas por erosão e
dificultando a adoção futura de práticas de controle.

Plantio em contorno

Consiste em dispor as fileiras das culturas agrícolas no sentido transver-


sal à pendente, em curvas de nível ou linhas em contorno. Assim, todas
as operações de cultivo serão executadas em nível. A linha de nível é
aquela cujos pontos estão todos na mesma altura (cota) do terreno.

Ao se cultivar as plantas em contorno, cada fileira, assim como os


pequenos sulcos e camalhões de terra que as máquinas de preparo e
cultivo deixam na superfície do terreno, atuarão como obstáculo ao li-
vre percurso da enxurrada, diminuindo a velocidade de escoamento e
a capacidade de arrastamento de partículas. Em grandes áreas, ou de
topografia irregular, várias linhas básicas são implantadas, a fim de que
as operações de cultivo sejam feitas o mais próximo do nível do terreno.

Embora seja uma operação simples e constitua uma medida de controle


da erosão, o uso da prática em glebas com culturas perenes pode resul-
tar na perda de área com ruas mortas entre 4 a 6%. Em cultivos anuais,
há necessidade de maior número de manobras com máquinas e maior
dificuldade de realização das operações mecanizadas nas áreas com re-
levo desuniforme.

28 PROJETO TECNOLOGIAS SOCIAIS PARA A GESTÃO DA ÁGUA


Terraceamento

Os terraços são estruturas construídas com a disposição de terra para


formar um camalhão combinado com um canal, construídos em corte da
linha de maior declive do terreno. O terraceamento é sempre combinado
com plantio em contorno; pelo seu alto custo, é recomendado onde ou-
tras práticas, simples ou combinadas, não proporcionam o efetivo contro-
le da erosão. A sua principal função é diminuir o comprimento de rampa
de forma a interceptar a enxurrada antes que ganhe volume e atinja alta
velocidade e tenha poder erosivo. O terraço reduz a formação de sulcos
em regiões de alta precipitação e retém mais água em zonas mais secas.

Os terraços, quando bem planejados e construídos, reduzem as perdas ANOTAÇÕES:


de solo e água por erosão e previnem a formação de sulcos e grotas (vo-
çorocas). Contudo, para o sucesso do controle da erosão não devem ser
usados isoladamente, e sim associados a outras práticas, como plantio e
cultivo em contorno, o manejo de restos culturais, a rotação de cultu-
ras, as culturas em faixas e outras. O rompimento de um terraço pode
levar à destruição dos demais que estejam à jusante, causando grandes
prejuízos à área cultivada.

A declividade do terreno é fator determinante para implantar os terraços,


pois a erosão aumenta com o declive. Entretanto, o custo da construção e
de manutenção dos terraços aumenta com o grau do declive do terreno e
esse fator pode tornar dispendioso o seu uso do ponto de vista econômico.

Os terraços em desnível ou de drenagem têm a função de interceptar e


escoar disciplinadamente o excesso de água que escoa superficialmen-
te. Já os terraços em nível ou de infiltração têm a função de reter o de-
flúvio superficial para posterior infiltração da água no perfil do solo. Os
terraços em nível são, portanto, recomendados para solos que possuem
elevada permeabilidade, possibilitando uma rápida infiltração das águas
até as camadas mais profundas, enquanto os terraços em desnível são
indicados para solos com permeabilidade moderada ou lenta no perfil,
que impossibilite uma infiltração em intensidade adequada das águas
provenientes das chuvas. Portanto, este tipo de terraço deve sempre
estar associado a canais escoadouros, sejam eles naturais ou artificiais,
com a finalidade de conduzir as águas das chuvas que excedem a capa-
cidade de infiltração do solo.

Canais escoadouros

São canais de dimensões apropriadas, vegetados, capazes de transportar


com segurança a enxurrada de um terreno dos vários sistemas de
terraceamento ou outras estruturas. Em geral, são locados em depres-

Manejo para qualidade do solo 29


sões rasas e largas do terreno, com declividade moderada, e estabeleci-
dos com leito resistente à erosão. Sua melhor localização é a depressão
natural, para onde as águas escorrem, bem como nos espigões, divisas
naturais e caminhos.

Estes canais podem ser construídos com secções triangular, parabolóide


e trapezoidal. Para as declividades mais acentuadas, a forma indicada
é trapeizodal, cujo fundo chato, espraia a lâmina de água e diminui a
velocidade de escoamento de enxurrada. A forma triangular é indicada
para as declividades menores, de forma que o fundo em V concentra as
águas e impede a deposição de sedimentos. A secção paraboloide, em
forma de U, é indicada para as declividades intermediárias.
ANOTAÇÕES:
A vegetação do canal escoadouro deve ser escolhida de modo a suportar
a velocidade de escoamento das enxurradas, não ter caráter de planta
invasora e, se possível, ser utilizada como forragem. Várias são as espé-
cies indicadas: entre as gramas, a batatais (Paspalum notatum Flüke),
a tapete (Axonopus compressus Swartz-Beauv), a paspalum (Paspalum
dilatatum Poir), a inglesa (Stenotaphrum secundatum Walt-Kuntze) e
a seda (Cynodon dactylon (L.) Pers.); entre os capins, o quicuio (Pen-
nisetum clandestinum Hochst.) e o rodes (Chloris gayana Kunth.) e do
grupo das leguminosas, o cudzu-comum (Pueraria thunbergiana Benth),
o cudzu-tropical (Pueraria phaseoloides Benth) e a centrosema (Centro-
sema pubescens Benth.).

30 PROJETO TECNOLOGIAS SOCIAIS PARA A GESTÃO DA ÁGUA


3
Interpretação de análise
de solos para manejo

Possibilidades e limitações ANOTAÇÕES:

A
qualidade de um solo que interessa ao agricultor é, acima de
tudo, a capacidade de garantir bom crescimento e rendimento das
plantas e, por isso, o melhor critério de avaliação é a manutenção
de alto rendimento. No entanto, é necessário que haja uma avaliação
antes da produção. Características do solo podem ser obtidas por indi-
cadores como relevo (encosta, várzea), vegetação (presença de plantas
resistentes a pH baixo ou alumínio), pelo aspecto das plantas presentes,
ou ainda, pelo aspecto do próprio solo. Ao longo do tempo, foram sendo
desenvolvidas técnicas para uma previsão mais precisa, tendo destaque
as análises de atributos químicos do solo. Essas técnicas podem quantifi-
car alguns atributos “reais”, como pH em água, teor de matéria orgâni-
ca, textura, enquanto outros atributos dependem do método utilizado,
como é o caso de potássio (K), cálcio (Ca) e magnésio (Mg), hidrogênio
(H) e alumínio (Al). Há, ainda, outros atributos que são indicadores, isto
é, apontam para um determinado nível de qualidade, e tal é o caso do
fósforo (P) e da acidez potencial.

No Brasil, a partir de 1950, já houve esforços para se ter métodos


padronizados de análise do solo, mas foi a partir dos anos 70 que
foram adotados métodos que tinham relação com o crescimento das
plantas após aplicações de corretivos e fertilizantes. Esses esforços
da pesquisa e da assistência técnica variaram nas diferentes regi-
ões do Brasil, e existem hoje sistemas regionais, havendo algumas
diferenças entre eles, como mostrado na Tabela 1, que resume os
métodos de análise mais usados no Brasil. A maior diferença entre os
métodos se refere aos chamados extratores, como ocorre no caso do
Fósforo Disponível. Nas outras determinações, como K, Ca e Mg, os
resultados do Mehlich e da Resina, para um mesmo solo, tendem a
ser semelhantes.

Manejo para qualidade do solo 31


Tabela 1. Resumo dos métodos de análise química de solo utilizados no Brasil
Determinação Metodologia Empregada Estados
pH (Acidez Ativa) pH em água ou CaCl2 todos, exceto RS e SC
pH em água RS e SC
Matéria Orgânica Digestão úmida ou método todos
colorimétrico
Fósforo Disponível Mehlich 1 (Duplo Ácido ou todos, exceto SP
Carolina do Norte)
Resina trocadora de ânions SP
K Trocável Mehlich todos, exceto SP
Resina trocadora de cátions SP
Cálcio e Magnésio KCl 1 M todos, exceto SP
Trocáveis Resina trocadora de cátions SP
ANOTAÇÕES: Alumínio Trocável KCl 1 M todos, exceto SP*
H+Al (Acidez Acetato de cálcio 0,5 M (pH 7) todos
Potencial) ou método indireto (Índice SMP)
Fonte: TOMÉ Jr., J. B. Manual para interpretação de análise de solo. Guaíba:
Agropecuária, 1997.

O pH em água ou em solução salina (como CaCl2) mede a chamada aci-


dez ativa, um retrato instantâneo da situação do solo. Essa acidez é
mantida pela acidez potencial, que é estimada pela soma de H e Al ou
pelo índice SMP. Esse índice é dado pelo pH de uma mistura do solo com
a solução SMP (de Shoemaker, MacLean e Pratt, criadores do método). O
solo é colocado nessa solução tampão de pH 7,5. Depois de 30 minutos,
mede-se novamente o pH, que se equilibra em função da capacidade do
solo acidificar
estimada pela soma adesolução
H e Al SMP. É como
ou pelo índice um
SMP.cabo
Essedeíndice
guerra entrepelo
é dado a acidez
pH de uma
mistura do solo com a solução SMP (de Shoemaker, MacLean e Pratt, criadores do
do solo e a acidez da solução. No caso abaixo, o Solo 2, mesmo tendo a
método). O solo é colocado nessa solução tampão de pH 7,5. Depois de 30 minutos, mede-
mesma acidez
se novamente ativa
o pH, que se(pH 4,7),em
equilibra tem maisdaacidez
função potencial
capacidade do soloque a solo
acidificar 1.
a solução
SMP.PorÉ isso,
como para certas
um cabo culturas,
de guerra entrea aquantidade de ecalcário
acidez do solo a acidez adaadicionar
solução. No no caso
abaixo, o Solo 2, mesmo tendo a mesma acidez ativa (pH 4,7), tem mais acidez potencial
quesolo 2 vai
a solo serisso,
1. Por maior que
para no Solo
certas 1 (Figura
culturas, 9). de calcário a adicionar no solo 2
a quantidade
vai ser maior que no Solo 1 (Figura 9).

SOLO 1: pH em Mistura solo


+Solução
água 4,7
SMP: pH 6,5 SOLUÇÃO SMP
pH 7,5
SOLO 2: pH
Mistura solo +
em água 4,7 Solução SMP:
pH 5,2

Figura 9. Diagrama de comparação de dois solos com a mesma acidez ativa,


mas com graus diferentes de acidez potencial.
Figura 9. Diagrama de comparação de dois solos com a mesma acidez ativa, mas com
graus diferentes de acidez potencial.

A matéria orgânica
A matéria é medida
orgânica é medidapor
poruma
umadigestão
digestãoquímica
química (úmida) do solo,
(úmida) do solo, com
com que
produtos produtos
reagemquecomreagem
tudo que com tudoorgânico
é material que é domaterial orgânico
solo, simulando doqueima.
uma solo, Em
alguns casos, é feito um método colorimétrico, que é indireto, a partir de medições feitas
simulando uma queima. Em alguns casos, é feito um método colorimétri-
com diferentes solos em nível regional. O teor de matéria orgânica é usado para estimar a
disponibilidade de nitrogênio para as plantas. Calcula-se que cada 1% de matéria orgânica
no solo forneça 20 a 30 kg de N por hectare.
Para a determinação de K, P, Ca e Mg, usa-se uma solução ácida (solução de
32 Mehlich) para
PROJETO extrair esses
TECNOLOGIAS elementos
SOCIAIS PARA Ado solo. DA
GESTÃO NoÁGUA
caso de K, Ca e Mg, os ácidos da solução
de Mehlich deslocam esses cátions para a solução, que é usada, com distintos aparelhos,
para determinar suas concentrações. No caso do P, há uma estimativa a partir do que é
co, que é indireto, a partir de medições feitas com diferentes solos em
nível regional. O teor de matéria orgânica é usado para estimar a disponi-
bilidade de nitrogênio para as plantas. Calcula-se que cada 1% de matéria
orgânica no solo forneça anualmente 20 a 30 kg de N por hectare.

Para a determinação de K, P, Ca e Mg, usa-se uma solução ácida (solução


de Mehlich) para extrair esses elementos do solo. No caso de K, Ca e Mg,
os ácidos da solução de Mehlich deslocam esses cátions para a solução,
que é usada, com distintos aparelhos, para determinar suas concentra-
ções. No caso do P, há uma estimativa a partir do que é extraído pelos
ácidos da solução de Mehlich, mas deve ser considerada a textura, que é
dada pelo teor de argila do solo. Outro problema desse método é que a
disponibilidade de P é superestimada se o solo recebeu fosfato de rocha, ANOTAÇÕES:
que é uma forma pouco solúvel, mas que a solução de Mehlich leva a
interpretar como estando em formas que a planta absorve.

Do ponto de vista prático, o que interessa é que essas análises são usa-
das para fazer a recomendação de adubos e corretivos, como o calcário,
usando-se manuais para orientar a aplicação de adubos. Um dos mais an-
tigos é o Manual de Recomendações de Adubação e Calagem para o Rio
Grande do Sul e Santa Catarina, daqui em diante chamado de Manual.
É importante dizer que esses manuais não dispensam a necessidade de
uma orientação técnica, porque o histórico da área e outras informações
fornecidas pelos agricultores são importantes para definir o manejo da
fertilidade do solo.

No caso de adubos orgânicos, o sistema considera, ainda, a disponibili-


dade imediata e o efeito residual para N, P, sendo que todo o K está ime-
diatamente disponível. O Manual tem tabelas com fatores de disponibi-
lidade e efeito residual para diferentes adubos orgânicos, que ajudam a
estabelecer as doses a serem aplicadas no solo de forma adequada para
as plantas e para o ambiente. Ali também se encontram tabelas com a
composição dos adubos orgânicos e dejetos. Há, por exemplo, uma ta-
bela que indica a quantidade de N, P e K em dejetos líquidos de suínos
a partir de sua densidade, o que ajuda a definir a dose a aplicar no solo.
Essas doses devem ser definidas não só pela quantidade de nutrientes
de que a planta necessita, mas também pela capacidade do solo reter
esses nutrientes. Esses limites devem ser considerados para não haver
poluição do solo, da água ou acúmulo de níveis prejudiciais de substân-
cias pelo solo ou pela planta.

Essas análises e recomendações foram criadas para sistemas de manejo


com revolvimento do solo, pois o desenvolvimento delas iniciou antes
de haver o plantio direto. No caso de plantas anuais, sempre se previa
aração e gradagem, e no caso de plantas perenes, se usavam sistemas
sem vegetação nas entrelinhas. Isso vem mudando, em razão do cresci-

Manejo para qualidade do solo 33


mento do plantio direto e de propostas de manejos de plantas perenes,
como pomares, com vegetação manejada nas entrelinhas das árvores.
O sistema plantio direto deixa o solo mais heterogêneo, com maiores
variações tanto no plano horizontal como em profundidade. Isso leva
a uma necessidade de amostragens mais intensas para análise do solo,
bem como de amostragem mais frequentes. E novamente, a assistência
técnica e a experiência dos agricultores e técnicos são fundamentais
para a orientação de um bom manejo do solo.

ANOTAÇÕES:

34 PROJETO TECNOLOGIAS SOCIAIS PARA A GESTÃO DA ÁGUA


4
Manejo da matéria orgânica
e de resíduos, composto,
camas de animais e dejetos

Princípios, vantagens e riscos ANOTAÇÕES:

A
matéria orgânica é fundamental em qualquer tipo de solo e em
qualquer parte do planeta, mas essa importância é ainda maior
em regiões tropicais e subtropicais. Isso ocorre porque, em nossos
solos, a maior parte da capacidade de fornecer nutrientes é propor-
cionada pela matéria orgânica. Também deve ser considerado que nas
regiões tropicais e subtropicais, ainda que a formação de materiais or-
gânicos a partir da fotossíntese seja maior que em regiões temperadas,
os processos de decomposição e degradação dos materiais também são
mais rápidos e mais intensos. Foi demonstrado que, num período de 5 a
15 anos, o solo perde metade da matéria orgânica após o início de seu
uso, o que leva décadas para acontecer em regiões temperadas.

Em todos os sistemas de manejo ocorrem dois processo paralelos no solo.


À medida que vão sendo colocados no solo raízes, restos de plantas ou
dejetos de animais, a maior parte (entre 80 e 90% no período de um ano)
é decomposta, servindo de fonte de energia para os microrganismos do
solo. Os 10-20% restantes permanecem no solo, na forma de matéria or-
gânica ou de microrganismos. Uma parte desse material torna-se húmus,
ou matéria orgânica estabilizada. É no húmus que fica estocada a maior
parte do N, do S e do P do solo, além de ele melhorar muito as proprie-
dades físicas do solo. Mesmo nos manejos conservacionistas, o húmus vai
sendo decomposto pelos microrganismos, possibilitando a liberação de N
e outros nutrientes para as plantas. A quantidade de húmus decomposto
pode variar de 1 a 4% ao ano, dependendo do manejo e das condições
climáticas. Assim, a questão é como equilibrar esses processos, evitando
a diminuição da matéria orgânica do solo, ou ainda, como aumentar, no
sentido de recuperar, teores de MO mais próximos do que o solo tinha
originalmente, antes de ser cultivado.

Existem várias maneiras de fazer isso, e resumimos a seguir as principais.

Manejo para qualidade do solo 35


• Resíduos de plantas: o aumento do rendimento das culturas pode
fazer com que uma quantidade maior de resíduos (palha, folhas,
talos, raízes) seja incorporada ao solo. No entanto, o aumento de
matéria orgânica dessa maneira, mesmo em plantio direto, é lento.
• Plantas de cobertura: trata-se de plantas cultivadas com a finalida-
de de aumentar o teor de matéria orgânica do solo, em outras pala-
vras, para “engordar” a terra. Para isso, podem ser usadas plantas
na época em que o cultivo seja menos rentável e/ou mais arriscado,
como é o caso do inverno no Sul do Brasil. Um tipo específico de
planta de cobertura são os chamados adubos verdes, cultivados para
aumentar a fertilidade da terra. Em geral, são usadas leguminosas,
pois elas têm microrganismo nas raízes que obtém N do ar, e as plan-
ANOTAÇÕES: tas podem fornecer esse N para as culturas seguintes.
• Resíduos agrícolas e agroindustriais: as palhas que sobram das cul-
turas podem ser úteis. Um exemplo brasileiro é o da cana de açúcar,
depois que se elimina a queima e se faz o corte com máquina colo-
cando as folhas, que eram antes queimadas, no solo, tem aumenta-
do o teor de MO daqueles solos. As sobras do processamento, como
palhas e cascas, também contribuem para melhorar o solo.

As camas e dejetos de animais têm um grande potencial, pois, em geral,


resultam em maior proporção de húmus do que simples resíduos de plan-
tas. Isso é importante em SC, onde se criam grandes números de suínos
e de aves. No caso das camas, se tem um material mais concentrado e
a maravalha, embora diminua a concentração dos nutrientes como N e
P, tem a vantagem de acrescentar matéria orgânica ao solo. Os deje-
tos suínos líquidos, além do problema dos grandes volumes, que geram
custos altos para aplicação no solo, têm nutrientes com disponibilidade
imediata. Os dois tipos têm problemas de concentração de metais, mais
exatamente, o Cu o Zn. Esse dois elementos são nutrientes essenciais,
mas em grandes quantidades podem ser tóxicos para plantas e para ani-
mais que consumirem essas plantas. Trabalhos feitos durante dez anos
de aplicação de dejetos suínos mostraram que o cobre e o zinco podem
se acumular bastante em diferentes camadas do solo.

Composto é o produto de um processo manejado de mistura e decom-


posição aeróbia de diferentes resíduos orgânicos. No processo chamado
de compostagem, são misturados, em pilhas, materiais mais ricos, como
esterco, e materiais mais pobres, mais “duros”. São feitas camadas, e
se procura ter a dose certa de água e de ar nas pilhas. Isso possibilita
uma grande atividade microbiana, que chega a elevar a temperatura a
65 ºC, eliminado muitos organismos prejudiciais, como microrganismos
que causam doenças e as sementes de plantas indesejáveis. O resultado
é um material mais rico em N, P e outros nutrientes, que ainda é parcial-
mente humificado. Isso significa que ele não só vai fornecer nutrientes

36 PROJETO TECNOLOGIAS SOCIAIS PARA A GESTÃO DA ÁGUA


às plantas de forma lenta, mas também trará benefícios para a qualida-
de física, química e biológica do solo. Pode se dizer que é uma maneira
mais rápida de aumentar o húmus do solo.

Os riscos de contaminação do ambiente e degradação do solo resultam


dos limites do solo degradar a matéria orgânica, cujo limite prático é de
10 toneladas por hectare. Devem ser considerados outros fatores, como
o acúmulo de metais já mencionados, a lixiviação de nitratos ou de ou-
tros elementos pelo excesso aplicado, contaminando o lençol freático
ou rios e lagoas. Adições muito grandes de resíduos, maiores que as 10
toneladas por hectare citadas acima, podem fazer com que falte oxigê-
nio no solo, seja pela quantidade de líquido, como no caso de dejetos
líquidos de suínos, seja pela falta de oxigênio, que é todo consumido ANOTAÇÕES:
pela alta atividade microbiana. Altas doses de resíduos também podem
levar a processos que afetam o pH do solo, ou causar problemas de altas
concentrações de sais, que, mesmo temporárias, podem prejudicar o
crescimento das plantas. Um problema que pode ocorrer é a formação
de altas quantidades de nitrato. Isso acidifica o solo, e o nitrato pode
ser absorvido em excesso pelas plantas, ou ser lixiviado, contaminando
a água do lençol freático ou de rios e lagoas.

Manejo para qualidade do solo 37


5
Práticas inovadoras
de manejo

Rotação de culturas ANOTAÇÕES:

É
a alternância regular de diferentes espécies vegetais no mesmo
local, seguindo princípios básicos. Dependendo da família botâni-
ca, a mesma espécie não deve ser repetida na área num intervalo
menor do que um a três anos (Figura 10). Os princípios que devem ser
levados em consideração para a escolha das culturas são: evitar plan-
tas da mesma família botânica; alternar espécies com diferentes ar-
quiteturas, sistemas radiculares e exigências nutricionais, usar espécies
com diferentes hábitos de crescimento; alternar espécies que exigem a
mesma mão de obra, equipamentos agrícolas e instalações em estações
diferentes (Figura 11). Na montagem do plano de rotação, devem-se al-
ternar plantas de interesse comercial com plantas capazes de promover
a conservação e a recuperação do solo.

O cultivo de uma espécie no mesmo local, ao longo do tempo, leva ao


esgotamento nutricional do solo, em consequência da demanda contínua
pelos mesmos nutrientes; da redução nos teores de matéria orgânica, al-
terando a estrutura e diminuindo a agregação do solo, e da compactação
do solo, porque as raízes vão explorar a mesma camada de solo.

As vantagens proporcionadas pela rotação de culturas são a diminuição


de doenças, pragas e plantas espontâneas; a manutenção e/ou melho-
ria da fertilidade e estrutura do solo, através de melhor ciclagem de
nutrientes; descompactação horizontal e vertical do solo devido aos di-
ferentes sistemas radiculares; estímulo à atividade microbiana e aporte
de carbono ao solo em diferentes profundidades; a diminuição da ero-
são; o aumento da estabilidade e da produtividade (inclusive qualidade
dos produtos); o aproveitamento do parque de máquinas e da mão de
obra; e a diversificação de renda na propriedade.

As dificuldades para a adoção da rotação de culturas residem em dei-


xar algumas glebas sem exploração econômica, pelo uso de plantas de
cobertura ou adubação verde; o melhor gerenciamento da propriedade,

Manejo para qualidade do solo 39


solo, através de melhor ciclagem de nutrientes; descompactação horizontal e vertical do solo
devido aos diferentes sistemas radiculares; estímulo à atividade microbiana e aporte de
redução nos teores de matéria orgânica, alterando a estrutura e diminuindo a agregação do
carbono ao solo em diferentes profundidades; a diminuição da erosão; o aumento da
solo, e da compactação do solo, porque as raízes vão explorar a mesma camada de solo.
estabilidade Ase da produtividade
vantagens (inclusive
proporcionadas pela qualidade dos produtos);
rotação de culturas o aproveitamento
são a diminuição de doenças, do
parquepragas
de máquinas e da mão de obra; e a diversificação de renda na propriedade.
e plantas espontâneas; a manutenção e/ou melhoria da fertilidade e estrutura do
As dificuldades
solo, paraciclagem
através de melhor a adoção da rotação
de nutrientes; de culturas residem
descompactação horizontalem deixardoalgumas
e vertical solo
glebasdevido
sem exploração
aos econômica,
diferentes sistemas pelo uso
radiculares; de plantas
estímulo àde cobertura
atividade
pois é necessário planejar a implantação das culturas com antecedên- ou adubação
microbiana verde;
e aporte de o
melhorcarbono
gerenciamento
ao solo em dadiferentes
propriedade, pois é necessário
profundidades; a diminuição planejar
da erosão;a oimplantação
aumento da das
culturas cia;antecedência;
com o uso
estabilidade de produtividade
e da máquinas
o uso e mão de obra;
de(inclusive
máquinas e o preço
qualidade
e mão dos dase sementes
produtos);
de obra; desementes
plan- do de
o aproveitamento
o preço das
plantas detas
parque de cobertura
de máquinas
cobertura e e/ou adubação
da mão
e/ou adubação de verde. verde.
obra; e a diversificação de renda na propriedade.
As dificuldades para a adoção da rotação de culturas residem em deixar algumas
glebas sem exploração econômica, pelo uso de plantas de cobertura ou adubação verde; o
melhor gerenciamento da propriedade, pois é necessário planejar a implantação das
culturas com antecedência; o uso de máquinas e mão de obra; e o preço das sementes de
plantas de cobertura e/ou adubação verde.

ANOTAÇÕES:

Figura 10:Figura 10: Representação


Representação esquemática
esquemática de umde
de um plano plano de rotação
rotação de culturas
de culturas (Fotos Milton da
(Fotos
Veiga, Figura
EPAGRI). Milton da Veiga, EPAGRI).
10: Representação esquemática de um plano de rotação de culturas (Fotos Milton da
Veiga, EPAGRI).

Figura Figura 11: 11:


11:Figura Representação
de de
Representação
Representação plantas comcom
de plantas
plantas com diferentes arquiteturas,
diferentes
diferentes sistemas
arquiteturas,
arquiteturas, radiculares e
sistemas
sistemas radiculares e
exigências nutricionais (Imagem de fonte desconhecida).
exigênciasradiculares
nutricionaise exigências
(Imagem de nutricionais (Imagem de fonte desconhecida).
fonte desconhecida).
20
20
Culturas de cobertura e adubos verdes
O uso de plantas de cobertura e/ou adubos verdes promove efeitos be-
néficos nas propriedades físicas, químicas e biológicas do solo.

Em relação às propriedades físicas do solo, os efeitos têm duas fases: a


proteção das plantas e seus resíduos das camadas superficiais do solo e a

40 PROJETO TECNOLOGIAS SOCIAIS PARA A GESTÃO DA ÁGUA


incorporação da massa vegetal ao solo e das raízes e sua decomposição.
A superfície do solo é protegida pela cobertura viva (plantas) ou morta
(palha), que a protegem do impacto das gotas de chuva; previnem a
desagregação
5.2.
e a formação de crostas superficiais no solo (Figura 12);
Culturas de cobertura e adubos verdes
aumentam a infiltração da água no solo; diminuem a velocidade de es-
O uso de plantas
coamento da águade(concentração
cobertura e/oueadubos verdesdepromove
o tamanho efeitos
sedimentos benéficos nas
transpor-
propriedades físicas, químicas e biológicas do solo.
tados); diminuem
Em relação as perdas físicas
às propriedades de solodoe solo,
água;osreduzem a incidência
efeitos têm direta
duas fases: a proteção
dos raios
das plantas solares
e seus sobre
resíduos o camadas
das solo e porsuperficiais
consequência,
do soloreduzem a amplitude
e a incorporação da massa
vegetaltérmica
ao solo(temperatura);
e das raízes e sua decomposição.
a evaporação e as A superfície
perdas do solo é protegida pela
por umidade.
cobertura viva (plantas) ou morta (palha), que a protegem do impacto das gotas de chuva;
previnem a desagregação e a formação de crostas superficiais no solo (Figura 12);
No perfil
aumentam cultural
a infiltração da do
água solo
no (volume de soloa explorado
solo; diminuem pelas
velocidade de raízes), as
escoamento da água
plantas edeo cobertura
(concentração tamanho de e sedimentos
adubos verdes promovemdiminuem
transportados); melhoriaas daperdas
estrutura
de solo e
água; reduzem a incidência direta dos raios solares sobre o solo e por consequência,
do solo; aumento da capacidade de retenção de água; e melhoria da ANOTAÇÕES:
reduzem a amplitude térmica (temperatura); a evaporação e as perdas por umidade.
estrutura através da ação das raízes e deposição de carbono (diminuição
No perfil cultural do solo (volume de solo explorado pelas raízes), as plantas de
da densidade
cobertura e adubos do solo epromovem
verdes melhoria na porosidade,
melhoria aeração,docondutividade
da estrutura solo; aumento da
capacidade de retenção de água;
hidráulica e infiltração). e melhoria da estrutura através da ação das raízes e
deposição de carbono (diminuição da densidade do solo e melhoria na porosidade, aeração,
condutividade hidráulica e infiltração).

b
Figura 12: Superfície do solo em parcela manejada com sistema de plantio direto (a), onde a
Figura 12: Superfície do solo em parcela manejada com sistema de plantio
fitomassa foi retirada para permitir a visualização dos agregados e em parcela manejada
direto de
com sistema (a),preparo
onde aconvencional
fitomassa foi
(b)retirada para permitir
com presença a visualização
de selamento dos
superficial (formação
agregados e em parcela manejada com sistema de preparo convencional
de crosta) decorrente do impacto das gotas da chuva (Foto: Jamil Abdalla Fayad, EPAGRI).
(b) com presença de selamento superficial (formação de crosta) decor-
Os efeitos benéficos nas propriedades químicas do solo são o aumento da matéria
rente do impacto das gotas da chuva (Foto: Jamil Abdalla Fayad, EPAGRI).
21

Manejo para qualidade do solo 41


Os efeitos benéficos nas propriedades químicas do solo são o aumento
da matéria orgânica, ao longo dos anos; o aumento dos teores de ma-
cro e micronutrientes em formas assimiláveis, o que é favorecido pela
associação simbiótica com bactérias fixadoras de nitrogênio (rizóbios)
e fungos micorrízicos (micorrizas); o aumento da capacidade de troca
de cátions (CTC) do solo; a exsudação de ácidos orgânicos (solubiliza-
ção dos minerais do solo); o aumento do pH e a diminuição da acidez;
a diminuição dos teores de alumínio tóxico, consequência do aumento
do pH e/ou da complexação por ácidos orgânicos; a liberação de alelo-
químicos, substâncias que atuam na supressão de plantas espontâneas;
a reciclagem de nutrientes (N, P, K e outros); e a formação de ácidos
orgânicos hidrossolúveis, que atuam no transporte de nutrientes para
ANOTAÇÕES: dentro do perfil do solo.

Nas propriedades biológicas do solo, as plantas de cobertura e aduba-


ção verde atuam melhorando as condições ambientais do solo (água,
ar e temperatura) e a decomposição dos resíduos orgânicos. Com o uso
dessa prática, ocorre o aumento da atividade microbiana; o aumento
da meso e macrofauna do solo; a fixação biológica do N (leguminosas);
o controle de nematóides e outros parasitas (por exemplo, crotalárias,
mucunas, etc); e a supressão de plantas espontâneas, através do som-
breamento, a liberação de aleloquímicos que atuam na germinação e/
ou crescimento das espontâneas.

Em decorrência da melhoria das propriedades físicas, químicas e bioló-


gicas do solo, verifica-se a melhoria da produtividade das culturas em
sucessão ou rotação; o aumento da população de insetos benéficos, pelo
equilíbrio biológico; o aumento da oferta de alimentos, possibilitando
sistemas integrados de lavoura e pecuária; e o aumento da população
da fauna silvestre, pela manutenção ou retomada da cadeia alimentar.

Plantio direto sem herbicidas


Com o desenvolvimento das tecnologias industriais de controle químico
de plantas espontâneas, na década de 50, foi possível realizar o plantio
com revolvimento do solo restrito, originando o sistema plantio direto
(SPD), que chegou ao Brasil na década de 70. Esse aspecto e o controle
da erosão levaram à adoção do sistema no Sul do Brasil na mesma época.

O sistema plantio direto pode ser definido como a semeadura das cul-
turas em solo com revolvimento restrito à linha de plantio ou cova,
com largura e profundidade suficientes para cobrir as sementes, onde
se mantém, na superfície do solo, uma camada de fitomassa (palha) ou
de vegetação para cobri-lo.

42 PROJETO TECNOLOGIAS SOCIAIS PARA A GESTÃO DA ÁGUA


Entre os benefícios do SPD destaca-se a redução na erosão; a melhoria
da estrutura física do solo (descompactação); o aumento da fertilidade
pela melhor ciclagem de nutrientes e de retenção de água; a maior
população e atividade de microrganismos; a redução do tempo entre
cultivos; e a redução na amplitude térmica do solo; além de facilitar o
controle de plantas espontâneas, pragas e até de doenças, quando asso-
ciado a uma rotação de culturas adequada.

O SPD também contribui para a redução dos custos de produção, por


diminuir o uso de máquinas e a penosidade do trabalho; também pode
aumentar os rendimentos, por permitir um maior número de ciclos pro-
dutivos por ano e um melhor aproveitamento das áreas de cultivo.
ANOTAÇÕES:
A despeito desses benefícios, o sistema tem grande dependência de insu-
mos de síntese química – fertilizantes e herbicidas. O SPD praticado por
grande parte dos agricultores emprega agrotóxicos para o manejo das
culturas de cobertura que antecedem o plantio ou das plantas espontâ-
neas. No modelo “convencional” de plantio direto é feita, pelo menos,
uma aplicação de herbicidas para dessecação da vegetação existente no
fim do inverno (supressão das plantas existentes e formação da camada
de palha para a cobertura do solo) e outra no final do ciclo, antes da
implantação das novas culturas de cobertura, para evitar que as plan-
tas espontâneas que surgiram dentro da lavoura produzam sementes.
Também podem ser feitas outras pulverizações intermediárias, especial-
mente, no caso de sistemas agrícolas que utilizam plantas transgênicas
resistentes ao princípio ativo utilizado, como o caso do glifosato.

Na perspectiva de aprimorar o SPD tornando-o menos impactante à saú-


de do ambiente e do agricultor, e menos dependente de recursos exó-
genos (adubos, agrotóxicos, mecanização, sementes), tem se buscado o
manejo das plantas espontâneas sem o uso de herbicidas. Para isso, um
dos objetivos no manejo das plantas espontâneas é a manipulação da
relação das plantas cultivadas e as plantas espontâneas de forma que o
cultivo seja favorecido. Deve-se prevenir a reprodução e a entrada de
novas plantas espontâneas, além de reduzir as condições que favore-
çam o seu estabelecimento e o seu poder de competição. Fatores de-
terminantes são a quantidade de biomassa produzida pelas culturas de
cobertura; utilização de elevada densidade de semeadura das culturas
de cobertura para obter rápido fechamento ou ocupação da área, redu-
zindo os nichos disponíveis para crescimento das espécies espontâneas;
a disposição espacial da cultura para fechar mais rapidamente a área,
reduzindo o crescimento das espontâneas.

Em algumas situações é interessante antecipar a semeadura da cultu-


ra agrícola para evitar o ponto crítico de competição, quando as es-
pontâneas iniciarem a germinação. A rotação de culturas permite uma
diversidade de habilidades, uma vez que cada espécie tem diferentes

Manejo para qualidade do solo 43


padrões estruturais, fisiológicos e de competição por nutrientes, impe-
dindo que ocorra uma seleção das espontâneas. O cultivo consorciado
permite aproveitar diversidades de competências, onde cada espécie
utiliza determinado estrato aéreo e radicular, com diferentes taxas de
absorção de nutrientes, aumentando, assim, a capacidade competitiva
frente às plantas espontâneas.

Várias espécies podem ser utilizadas como culturas de cobertura, mas


aquelas com maior aptidão para este fim devem ter crescimento rápido,
grande produção de matéria seca, rusticidade, ciclo definido, entre outros.

ANOTAÇÕES: Avaliação participativa da qualidade do solo


A avaliação da qualidade do solo através de indicadores participativos
com o intuito de buscar a sustentabilidade dos sistemas produtivos é uma
ferramenta que valoriza o conhecimento local, transforma o agricultor
em sujeito do processo, dando-lhe autonomia para demonstrar os seus
saberes e construir conhecimento. Diversos trabalhos foram desenvolvi-
dos com o intuito de avaliar a sustentabilidade de forma participativa.

A qualidade e a capacidade produtiva do solo podem ser avaliadas e mo-


nitoradas por agricultores e agentes de ATER pelo uso de indicadores de
qualidade do solo. Assumindo que a qualidade do solo é a capacidade de
um solo funcionar, seja em um ecossistema natural ou manejado, susten-
tando a produtividade de plantas e animais, mantendo ou aumentando a
qualidade do ar e da água e promovendo a saúde das plantas, dos animais
e dos homens, um bom indicador da qualidade ambiental é a qualidade
do solo, ou seja, se a qualidade do solo é mantida, o que estiver aconte-
cendo na paisagem, seja ela gerenciada ou natural, deve ser sustentável.
Por isso, a qualidade do solo é a integração das propriedades biológicas,
físicas e químicas do solo, que o habilita a exercer suas funções na ple-
nitude. De forma geral, os indicadores para avaliar a qualidade do solo
devem contemplar as propriedades físicas, químicas e biológicas.

Metodologias de avaliação participativa da qualidade solo e da saúde


dos cultivos podem ser usadas em diferentes agroecossistemas e em
uma série de contextos geográficos e socioeconômicos, desde que os
indicadores de avaliação sejam adequados para o agroecossistema a ser
avaliado. A identificação do objeto de estudo ou agroecossistema de-
verá seguir os seguintes passos: estabelecer os indicadores e definir as
características que representam um solo de boa qualidade ou um cultivo
sadio. Estas características deverão ser discutidas e transformadas em
indicadores. Para a definição dos indicadores e a forma de avaliação
dos mesmos, realizam-se um ou mais encontros e uma ou mais práticas
para capacitar e nivelar o conhecimento da metodologia pelos presen-
tes. Para cada indicador será atribuída uma nota de 1 a 10, segundo a

44 PROJETO TECNOLOGIAS SOCIAIS PARA A GESTÃO DA ÁGUA


avaliação do seu estado. O valor 1 corresponde ao nível indesejável,
o 5 representa um valor médio e o 10 equivale ao nível desejável. Por
exemplo, no caso do indicador estrutura de solo, o valor 1 será atribuído
ao solo empoeirado e sem agregados visíveis, o valor 5 para o solo com
estrutura granular e agregados que são facilmente quebradas sob uma
ligeira pressão com os dedos, e o valor 10 para solo friável e com agrega-
dos que mantêm sua forma mesmo depois de umedecidos e submetidos
a uma leve pressão. De acordo com as características observadas, será
possível atribuir valores entre 1 e 5 ou 5 e 10.

De posse dos valores obtidos para cada indicador e a construção de gráfi-


cos do tipo ameba ou guarda chuva será possível descrever a qualidade do
solo, e quando os valores atribuídos aos indicadores estiverem mais próxi- ANOTAÇÕES:
mos do diâmetro do círculo, o sistema será mais sustentável (Figura 13).
observadas, será possível atribuir valores entre 1 e 5 ou 5 e 10.
observadas, será possível
De posse atribuir
dos valores valores
obtidos paraentre
cada 1indicador
e 5 ou e5 ae construção
10. de gráficos do tipo
Esses
De posse
ameba gráficos
ou guarda são
dos valores apropriados
chuva será obtidos já
para
possível que apresentam
cada indicador
descrever a qualidadecada
eadoindicador
construção emde
solo, e quando ter-
gráficos
os valores do tipo
oumos
amebaatribuídos qualitativos
guarda aoschuva e permitem
será
indicadores possível
estiverem uma comparação
descrever
mais próximos a do simples,
diâmetro mas
qualidade integral,
do círculo,
solo, das será
eoquando
sistema os valores
mais
atribuídos sustentável (Figura 13).
vantagens e limitações dos sistemas em estudo. Para a interpretação dos
aos indicadores estiverem mais próximos do diâmetro do círculo, o sistema será
mais sustentável Esses gráficos são apropriados já que apresentam cada indicador em termos
gráficos,e(Figura
qualitativos
13).
considera-se
permitem umaacomparação
situação ideal a área
simples, mas formada
integral,pela linha externa
das vantagens e limitações
Esses
dosdo
gráficos
guardaem
sistemas chuva, são
estudo.
apropriados
enquanto já que
a área preenchida
Para a interpretação
apresentam
representa
dos gráficos,
cada indicador
a situação
considera-se
em a termos
en- ideal
a situação
qualitativos
área e permitem
formada na pela uma comparação
linha externa docada
guarda simples, mas
chuva,localizando integral,
enquanto a área das vantagens
preenchida e
representalimitações
a
contrada realidade, com vértice a pontuação obtida
dos sistemas
situação encontrada na realidade, com cada vértice localizando a pontuação obtida pelo ideal a
em estudo. Para a interpretação dos gráficos, considera-se a situação
área formadapelo pela
indicador. indicador.
Com linha
essesComgráficos,
externaesses gráficos,
do guarda será visualizar
chuva,
será possível possível
enquanto visualizar
a asituação a do
situação
área preenchidaconjuntorepresenta
dos a
do conjunto
indicadores e dos
identificar indicadores
quais e
indicadores identificar
devem ser
situação encontrada na realidade, com cada vértice localizando a pontuação quais indicadores
trabalhados para devem
melhorar aser
qualidade
obtida pelo
do trabalhados
solo. Tambémpara
indicador. Com esses será possível acompanhar
melhorar
gráficos, a qualidade
será possível ododesempenho
solo. Também
visualizar ado situação
agroecossistema
será possível numa
do conjunto dos
escala temporal e realizar comparações entre agroecossistemas para estabelecer aqueles
queacompanhar
indicadores e identificar
estão o desempenho
mais próximosquaisdaindicadoresdo agroecossistema
sustentabilidade. numa escala
devem ser trabalhados temporal
para melhorar e a qualidade
do solo. realizar
Tambémcomparações
será possível acompanhar o desempenho
entre agroecossistemas para estabelecer aqueles do agroecossistema numa
escala temporal e realizar comparações
que estão mais próximos da sustentabilidade. entre agroecossistemas para estabelecer aqueles
que estão mais próximos da sustentabilidade.

Figura 13. Avaliação da qualidade do solo em Sistemas de Pastagens Manejados sob


Figura 13.
Pastoreio Avaliação
Racional da qualidade
Voisin (SP PRV)doesolo em Sistemas
Sistemas de Pastagens
de Pastagens Manejados
Manejados de forma
Convencional (SPC) no período de inverno (Solda et al., 2014).
sob Pastoreio Racional Voisin (SP PRV) e Sistemas de Pastagens Manejados de
forma Convencional (SPC) no período de inverno (Solda et al., 2014).
6. AGROECOLOGIA E AGRICULTURA ORGÂNICA.

6.1.
Figura 13. Avaliação O que
daé qualidade
Agricultura do
Orgânica?
solo em Sistemas de Pastagens Manejados sob
Pastoreio Racional
Nos últimosVoisin
anos, (SP PRV)
ouve-se falar ecada
Sistemas ManejoPastagens
vez mais de
para qualidade do solo
Manejados
em produtos orgânicos,
45forma
de
ecológicos,
Convencional
naturais,(SPC) no período
biológicos, de inverno
biodinâmicos, (Solda et
agroecológicos e al.,
assim2014).
por diante. Em geral, isso faz
6
Agroecologia e
agricultura orgânica

O que é Agricultura Orgânica? ANOTAÇÕES:

N
os últimos anos, ouve-se falar cada vez mais em produtos orgâni-
cos, ecológicos, naturais, biológicos, biodinâmicos, agroecológi-
cos e assim por diante. Em geral, isso faz lembrar produtos obti-
dos sem o uso de venenos, adubos “fortes” ou outras coisas que possam
prejudicar a saúde de quem come o produto, de quem lida ou produz
esse alimento, e que a produção não causa dano ao ambiente. No en-
tanto, todas essas palavras podem ter significados bem diferentes, tanto
em termos legais, como nas concepções sociais e políticas envolvidas.

A Agricultura Orgânica está legalmente definida no Brasil. Ela inclui


as correntes chamadas de Agricultura Natural, Ecológica, Agroecoló-
gica Biodinâmica e outras. Pela legislação em vigor, que inclui a lei
aprovada no Congresso (Lei 10831 de 2004), é a produção que segue
um conjunto de normas, que tem regras bem precisas. Resumindo, é
a produção que respeita o ambiente, segue as normas há pelo menos
dois anos, e deve haver a certificação, que é a garantia de que as nor-
mas foram seguidas. A certificação é feita por organismos devidamente
credenciados (acreditados).

Em termos práticos de manejo, a adubação é baseada em plantas, ro-


chas moídas e adubos orgânicos (esterco, palha, cinza, composto,...).
As sementes e mudas devem também ser de produção orgânica, mas, na
sua falta podem ser usadas mudas convencionais, desde que não trata-
das com produtos tóxicos. Finalmente, produtos tóxicos sintéticos não
são admitidos no controle de pragas, de doenças e de plantas. Devem
ser usados rotação de culturas, espécies e variedades apropriadas, pro-
teção dos inimigos naturais, capina mecânica ou manual e vassoura de
fogo. Também podem ser usados alguns produtos naturais, como pire-
tróides, preparações a base de plantas, própolis ou enxofre, além de
certas preparações a base de cobre, sabão, feromônios, Bacillus thurin-
giensis, vírus; óleos vegetais ou óleo de parafina.

Manejo para qualidade do solo 47


A Agricultura Orgânica, não é, porém, uma panaceia, o remédio para
todos os males do campo e para a segurança de quem consome os ali-
mentos. Entra aí a necessidade de novas formas de organizar a pro-
dução agrícola e a vida no meio rural. Começa nesse ponto a discus-
são e a luta por novas formas de desenvolvimento, tanto do país como
em nível local. O debate inclui questões sociais e políticas, envolve a
solidariedade entre o campo e a cidade, busca outros tipos de contato
entre produtores e consumidores, ou melhor, entre diferentes grupos e
organizações sociais. Tudo isso está inserido naquilo que no Brasil tem
sido chamado de Agroecologia. Esse termo tem sido usado de forma
genérica, para se referir a muitas coisas diferentes, mas dentro do
exposto acima, é preciso ver algumas definições dadas por pessoas e
ANOTAÇÕES: grupos envolvidos. A palavra tem, assim, diferentes definições. Abaixo
seguem algumas delas, que dizem que Agroecologia é:

• A aplicação da ecologia ao planejamento e manejo de agroecossis-


temas sustentáveis.
• Uma abordagem holística da agricultura e do desenvolvimento agrí-
cola baseada na agricultura de pequena escala, tradicional, local e
alternativa.
• Ligação da ecologia, socioeconomia e cultura para sustentar a pro-
dução agrícola, comunidades de agricultores e a saúde ambiental.
• Disciplina que define, classifica e estuda sistemas agrícolas a partir
de uma perspectiva ecológica e socioeconômica.
• Disciplina lógica para integração transversal de disciplinas e níveis
de escala. (Métodos das ciências da natureza podem ser usados para
descrever as ferramentas para tomadas de decisão que vão levar a
uma agricultura ecologicamente equilibrada, enquanto métodos das
ciências sociais podem ser usados para integrar dimensões humanas
e ajudar a melhorar e entender o sistema todo).
• Corresponde a um campo de estudos que pretende o manejo eco-
lógico dos recursos naturais, para - através de uma ação social co-
letiva de caráter participativo, de um enfoque holístico e de uma
estratégia sistêmica - reconduzir o curso alterado da coevolução
social e ecológica, mediante um controle das forças produtivas que
estanque seletivamente as formas degradantes e espoliadoras da
natureza e da sociedade.
• Agroecologia é entendida como enfoque científico, teórico, prático e
metodológico, com base em diversas áreas do conhecimento, que se
propõe a estudar processos de desenvolvimento sob uma perspectiva
ecológica e sociocultural e, a partir de um enfoque sistêmico – ado-
tando o agroecossistema como unidade de análise – apoiar a transição
dos modelos convencionais de agricultura e de desenvolvimento rural
para estilos de agricultura e de desenvolvimento rural sustentável.

48 PROJETO TECNOLOGIAS SOCIAIS PARA A GESTÃO DA ÁGUA


Como se vê, há uma variedade de enfoques, mas eles têm em comum
a necessidade de se criarem relações de uma nova qualidade, seja dos
humanos com a natureza, seja dos humanos, como indivíduos e como
grupos sociais, entre si. Esses conceitos surgiram da crítica às diferentes
formas de “agricultura alternativa” e em especial, à Agricultura Orgâ-
nica. Essa crítica afirma que não adianta os consumidores terem aces-
so a produtos mais saudáveis, ou os produtores usarem insumos mais
“amigáveis com o ambiente”, se no campo continuam os processos de
exploração e exclusão dos trabalhadores rurais, ou se os ganhos seguem
concentrados nas mãos de poucos. Para se dar um exemplo, no estado
da Califórnia, nos EUA, 50% da produção orgânica está nas mãos de 2%
dos produtores. Isso vem do fato de a Agricultura Orgânica naquele país
ter se limitado àquilo que se chama de substituição de insumos. As nor- ANOTAÇÕES:
mas podem ser seguidas à risca, mas aquelas novas relações dos homens
com a natureza e dos homens entre si não são desenvolvidas.

A agricultura de lógica industrial desenvolveu algumas técnicas para di-


minuir os impactos sobre o ambiente, como o Manejo Integrado de Pragas
(MIP) e o DRIS (um sistema de adubação). No entanto, há o risco de se
manter a mesma agricultura de lógica industrial. A Agricultura Orgânica vai
mais longe, mas ela corre o risco de limitar-se à substituição de insumos.
Para haver mudanças reais, é preciso “redesenhar” o sistema. Isso significa:

• Fazer um planejamento da propriedade agrícola, levando em conta a


ecologia local, e os problemas globais, já que certos resíduos da agri-
cultura destroem a camada de ozônio e aumentam o efeito estufa;
• Considerar, além da viabilidade econômica, a busca da equidade
social e o respeito aos valores culturais dos agricultores;
• Buscar a construção de redes de cooperação e solidariedade entre
agricultores e dos trabalhadores do campo com os trabalhadores
da cidade.

Para fomentar a discussão da questão, anexo um pequeno texto sobre


a percepção de diferentes agricultores sobre agricultura orgânica e
suas variantes.

Três agricultores
Em um verão, faz alguns anos, tive a oportunidade de acompanhar um
profissional francês, que trabalha para uma certificadora europeia. Ele
veio para inspecionar lavouras de soja a ser exportada para a Europa.
Nas andanças pelos três estados do Sul, visitamos dezenas de produto-
res, praticamente todos pequenos produtores familiares, com áreas de
produção de soja entre um e quatro hectares.

Manejo para qualidade do solo 49


A fim de contribuir para o debate sobre eventuais incompatibilidades
entre a produção “orgânica” e agroecologia ou propostas voltadas ao
desenvolvimento rural, penso que poderia haver um pouco de reflexão
sobre três agricultores cujas posturas me marcaram.

O primeiro é Seu Zé Felinto (os nomes são todos fictícios), um daqueles


“brasileiros” – ou “pelo-duro”, como se diz na minha terra – que mora no
final de um vale. Trata-se de um daqueles agricultores que eram consi-
derados resistentes, atrasados, refratários à mudança. Seu Zé continua
lá, produzindo leite com suas doze vaquinhas, para garantir o dinheiro
do mês. Para ganhar um dinheiro a mais no ano, tem soja. No meio da
soja, destaca-se uma meia lua de arroz do sequeiro: - para garantir o de
ANOTAÇÕES: comer, diz Seu Zé. Em um canto, há mandioca, abóbora, além da horta
grudada na casa. E Seu Zé descobriu que a soja que ele produz é orgâni-
ca. E ele sempre produziu daquele jeito, com um pouquinho de calcário
e inoculante, que saem barato, mas sem muito adubo e sem herbicida,
porque custam caro, ou porque a assistência técnica não chegou lá para
convencê-lo a usar, ou melhor, a se endividar para usá-los. Assim, o seu
Zé acabou vendendo sua soja a um preço mais de duas vezes superior
ao obtido por seus vizinhos. Esse foi o agricultor que o inspetor francês
mais apreciou. Talvez por estar habituado a trabalhar com agricultores
da Ásia, Seu Zé parecia-lhe a coisa mais verdadeira.

O segundo agricultor que se destacou era o líder de um grupo de pro-


dutores em um assentamento. Casinha nova, Corcelzinho daqueles anti-
gos estacionado embaixo da casa, bandeira do MST na varanda, Arlindo
nos explicou como estavam trabalhando em grupo para produzir leite,
frango “diferenciado” (sem antibióticos e sem confinamento), suínos e
grãos de maneira integrada, de forma mais “saudável”, segundo ele.
Caminhando no meio da soja, ele soltou a frase “lutamos muito para
conquistar a terra, agora vamos ter muito tempo de luta para conquis-
tar os recursos naturais”. Tive de parar e anotar aquilo no papel sobre
minha prancheta. Isso parece ser o resultado da sinergia do trabalho do
MST e de uma ONG de desenvolvimento rural atuante na região Sudoes-
te do Paraná. Esse é o agricultor com que muito sonhamos: aguerrido,
consciente, ecológico, militante, esclarecido, pensando e fazendo como
nós gostaríamos que eles fizessem.

Finalmente, havia seu João Ceretta: um “gringo” velho, fumador de pa-


lheiro; em sua propriedade moram mais dois filhos, contrariando a norma
não escrita, mas muito respeitada, de que um filho fica para cuidar da
terra e dos “velhos”. Aquilo significa não só uma grande solidariedade,
mas também um agricultor a mais, ou uma família a menos a contar no
êxodo rural. Mas também significa mais bocas para alimentar, e mais pro-
dução a se obter na mesma terra. Pois bem, além de alguns porquinhos
“pro gasto”, Seu João e os filhos produzem leite para venda e fumo de

50 PROJETO TECNOLOGIAS SOCIAIS PARA A GESTÃO DA ÁGUA


galpão. E seu João estava feliz no sábado em que passamos lá. Em lugar
dos habituais 3500 quilos de folha de fumo, ele tinha conseguido mais de
cinco mil quilos. Em meio aos fardos e fumo, ele dizia que a qualquer
momento passaria o caminhão da empresa fumageira. - E vai dar nove mil
reais limpo, dizia ele. Quem conhece a realidade da agricultura familiar
no sul do Brasil sabe o que significa tal quantia. Para produzir o fumo,
seu João usa todos os adubos químicos e venenos que a empresa manda.
E para produzir o milho com que alimenta suas vacas, usa insumos, prin-
cipalmente, as duas principais pragas da agricultura brasileira: a ureia
e o “raundape”. Explico, são baratos, disponíveis em qualquer lugar, há
uma resposta imediata a sua aplicação, e os efeitos danosos são difíceis
de mostrar de imediato. Mas, do outro lado do morro, seu João tem
uma área isolada, com dois hectares de soja. “E ali não leva veneno nem ANOTAÇÕES:
adubo”. Ao saber que ia vender ao dobro do preço dos outros, viu que era
melhor deixar assim. Mas seu João fazia as contas da soja e do fumo e ria
sozinho. Atenção, isso não é uma figura de linguagem. Ele falava sorrindo
o tempo todo e, às vezes, ria sem haver na conversa uma razão direta
para tal. Ele estava rindo provavelmente porque sua unidade familiar,
com três famílias, estava – pelo menos por enquanto – viabilizada.

O que sugiro para reflexão é que temos aí três agricultores: um com gran-
de potencial para se tornar “agroecológico”, um que já o é, e outro que
vai ser difícil converter. Mas essa é a realidade. Vamos fazer o quê: excluir
seu João de nosso esforço para que faça a longa e difícil transição para
uma nova agricultura e para um novo modelo de propriedade rural, ou
vamos abandoná-lo, como as instituições abandonaram Seu Zé Fermino,
o primeiro agricultor mencionado aqui? É preciso haver uma reflexão de
como políticas públicas (crédito, pesquisa, assistência técnica, infraestru-
tura,...) devem se articular com as atividades de ONGs, das instituições
de ensino, de pesquisa, para que haja a transição para a agroecologia.

Manejo para qualidade do solo 51


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