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Igualdade

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d e g ê n e ro

Intrusas: uma reflexão


sobre mulheres e
BR do Brasil

Foto: Nonono Nononon


Ilustração: Alice Gauto

meninas na ciência
Há 20 anos, a escritora Susan Bor­
do utilizou o termo “o outro” para
sintetizar a percepção coletiva das
contribuições da crítica feminista à
ciência. O conceito, elaborado pela
filósofa Simone de Beauvoir, apon­
ta para a existência de uma posição
social periférica – marcada pelas di­
ferenças sexuais e raciais – onde es­
tariam localizados os estudos femi­
nistas. “O outro” é, ainda hoje, uma
metáfora possível para falar sobre as
mulheres e meninas na ciência. Des­
de 2015, 11 de fevereiro foi estabe­
lecido como o Dia Internacional das Mulheres e meninas na ciência
Mulheres e Meninas na Ciência. A
data foi definida pela Organização de o início da formação escolar que pulação com idade entre 25 a 34
das Nações Unidas (ONU), com o os saberes e potencialidades das me­ anos nem sequer chega ao ensino
objetivo de tornar visível o papel e ninas costumam ser sabotados. “A superior, de acordo com dados do
as contribuições das mulheres pa­ menina não pode errar. O menino Fórum Econômico Mundial. No
ra o desenvolvimento científico, e tem mais chance. Quando ele erra, entanto, há outras estatísticas que
que também serve para fomentar as não tem tanto a sensação do fracas­ apontam para um cenário poten­
discussões sobre quais barreiras elas so. Para uma menina pesa muito cialmente mais positivo em rela­
enfrentam nas universidades, ins­ mais”, aponta. ção às questões de gênero: segundo
titutos de pesquisas e nas carreiras o Instituto Nacional de Estudos
científicas, de maneira geral. Lugar de mulher Uma pesquisa rea­ e Pesquisas Educacionais Anísio
Para Adla Betsaida Martins Teixeira, lizada pela Organização das Nações Teixeira (Inep), em 2016, as mu­
pesquisadora e professora da Facul­ Unidas para a Educação, Ciência e lheres eram 57,2% nos cursos de
dade de Educação da Universidade Cultura (Unesco), em 2015, mos­ gradua­ç ão do país e, de acordo
Federal de Minas Gerais (UFMG), trou que as mulheres são apenas com a Coor­denação de Aperfeiçoa­
embora a organização universitária 28% dos pesquisadores de todo mento de Pessoal de Nível Supe­
tenha uma ordem masculina, é des­ o mundo. No Brasil, 80% da po­ rior (Capes), as mulheres também

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constituem maioria nos cursos de
pós‑graduação. Em 2016, eram mais
de 126 mil mulheres matriculadas
em cursos de doutorado e mestrado
Notícias

BR do Ministério da Ciência, Tecno‑


logia, Inovação e Comunicações
(MCTIC), o Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tec‑
do Brasil

Geografia e Estatística (IBGE), di‑


vulgados em 2018, mostram que
as mulheres brasileiras gastam, em
média, 72% a mais de tempo que os
– número 18% maior que o de ho‑ nológico (CNPq) e a Petrobras. O homens no trabalho doméstico e de
mens matriculados nos mesmos cur‑ objetivo era selecionar propostas – cuidados. Outro estudo, realizado
sos (cerca de 107 mil), (ver tabela). para apoio financeiro – que estimu‑ pelo movimento Parent in Science,
Apesar de serem maioria na gradua‑ lassem a formação de mulheres para mostra que, no ambiente acadêmi‑
ção e na pós‑graduação, as mulheres as carreiras nas áreas que dão nome co, 54% das mulheres que são mães
ainda estão sub‑representadas em à iniciativa. “A ideia era mudar esse declaram que cuidam sozinhas dos
áreas tradicionalmente concebidas panorama onde vemos poucas mu‑ filhos. “Obviamente não podemos
como masculinas, como as engenha‑ lheres na física, na matemática, nas esperar que as mulheres consigam
rias, a computação, as ciências exatas engenharias”, conta Soares. O pro‑ o mesmo desempenho na atividade
e da terra. Para a física Vera Soares, jeto envolveu meninas de escolas acadêmica quando têm que atuar
que foi Secretária de Articulação Ins‑ públicas e professores das universi‑ em casa e no trabalho. Algumas
titucional e Ações Temáticas da Se‑ dades e do ensino médio. “As meni‑ profissionais conseguem fazer isso
cretaria de Políticas para as Mulheres nas estão em profissões que refletem delegando a atividade do cuidar
(SPM), a ideia de que existem profis‑ e dialogam com o estereótipo de que dos filhos a outras mulheres, mas os
sões para mulheres e profissões para o papel das mulheres na sociedade homens não precisam fazer isso pa‑
homens é cultivada em diversos dos é o cuidado, de que a mulher está ra continuar no trabalho e ter uma
espaços de socialização das meni‑ restrita ao cuidado”, afirma a física. família”, declara a física, professora
nas e meninos. “Esses preconceitos “O que a ministra da Mulher, da e pesquisadora do Instituto de Físi‑
de que as meninas não gostam das Família e dos Direitos Humanos, ca da Universidade Federal do Rio
disciplinas das áreas de exatas estão Damares Alves, disse – que menina Grande do Sul (UFRGS), Marcia
presentes na família, na sociedade e veste rosa e menino veste azul – está Bernardes Barbosa. “Há uma forte
também na escola”, afirma. reafirmando os papéis sociais defini‑ correlação entre maternidade e di‑
Foi esse entendimento que motivou dos para meninas e meninos. E isso minuição da produção no período
a SPM a criar o projeto Meninas e se reflete fortemente nas escolhas onde somos mais avaliadas. Atual‑
jovens fazendo ciências exatas, enge- profissionais”, completa Soares. mente estamos trabalhando para
nharias e computação, em parceria Dados do Instituto Brasileiro de reverter isto”, completa.

TITULADO

11.190

9.415

20.605

Fonte: Plataforma Sucupira (Capes/MEC)

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Notícias

Foto: Divulgação/MEC
BR
Basta de assédio! O assédio – mo‑
do Brasil

ral e sexual – é outra “barreira invi‑


sível”, nas palavras de Vera Soares,
que as universitárias e cientistas
escreveu o ensaio Woman as an inven-
tor, em que protesta contra o senso
comum de que as mulheres não pos‑
suem vocação para invenções. O con‑
enfrentam em suas atividades pro‑ ceito foi consagrado pela historiadora
fissionais. Como há poucos estudos da ciência Margaret W. Rossiter, da
que apresentem números sobre o Universidade de Cornell, em 1993,
problema, um grupo de pesqui‑ na revista Social Studies of Science.
sadores da UFRGS construiu um Outro fenômeno é o “efeito tesou‑
questionário que será repassado para ra”, termo utilizado para mostrar
toda a comunidade acadêmica, após como as mulheres vão sendo expul‑
a aprovação do comitê de ética, a fim sas da ciência ao longo de suas car‑
de reunir dados sobre a questão. “O reiras, impedindo que elas ocupem
Carolina Bori, primeira presidente tema é espinhoso e estamos esperan‑ posições de liderança. A elite cien‑
da SBPC
do muito barulho pelo simples fato tífica no Brasil é composta, majori‑
Prêmio Carolina Bori de perguntar”, comenta Barbosa, tariamente, por homens. Enquanto
que está envolvida nesta iniciativa. 59% das bolsas de iniciação científi‑
No dia 11 de fevereiro de 2019, Para Soares, a questão está vindo à to‑ ca (IC) ficam com mulheres, apenas
data em que se comemora o Dia na, entre outras razões, pela atuação 35,5% das bolsas de produtividade
Internacional das Mulheres e dos inúmeros coletivos feministas científica – um dos principais meca‑
Meninas na Ciência, a Sociedade que se organizaram nas universidades nismos de reconhecimento nas car‑
Brasileira Para o Progresso da nos últimos anos. “Esse movimento reiras científicas – são destinadas a
Ciência (SBPC) lançou o Prêmio é muito alvissareiro porque, orga‑ elas. No grupo de bolsas com maio‑
Carolina Bori Ciência e Mulher, que nizadas em coletivos, essas jovens res recursos (1A), o percentual é ain‑
será entregue a partir de 2020. discutem, se apoiam e denunciam da menor: 24,6%. Esta dificuldade,
O nome é uma homenagem à o que está acontecendo. Com isso, de ascender nas carreiras, também é
primeira presidente da SBPC e que obrigam as universidades a tomar al‑ chamada de “teto de vidro”.
permaneceu à frente da entidade gumas medidas”, comenta. Efeito Matilda, efeito tesoura, teto
entre 1986 e 1989. Carolina Bori, que de vidro são algumas barreiras e difi‑
faleceu em 2004, aos 80 anos, foi Vocabulário da desigualdade No culdades que as mulheres enfrentam
professora da Faculdade de Filosofia, diálogo com mulheres cientistas, é para ser cientistas. Elas formam um
Ciências e Letras de Rio Claro (atual frequente ouvir que o trabalho delas conjunto de estereótipos de gênero
Unesp), da Universidade de São não rende o mesmo reconhecimen‑ cultivados na família, nas escolas e
Paulo (USP), e também participou to creditado aos colegas homens. De no ambiente de trabalho. Há, ainda,
da criação dos departamentos tão recorrente, o fenômeno ganhou um longo caminho a ser percorrido
de psicologia na Universidade de nome: “efeito Matilda”, em uma refe‑ para alcançar a igualdade de gênero
Brasília (UnB) e na Universidade rência à Matilda Joslyn Gage, ativista na ciência e em toda a sociedade.
Federal de São Carlos (UFSCar). pelo sufrágio universal, abolicionista
e pensadora americana, que em 1893 Fabiana de Oliveira Benedito

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