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Lemos muitos elementos contraditórios

segundo diferentes fontes de informação


disponíveis ou de acordo com opiniões
dos profissionais de saúde. Para você,
qual é, de fato, a realidade desta
pandemia?
Não podemos excluir uma origem natural da pandemia (embora eu permaneça
cético perante a fábula do pangolim e do morcego), mas devemos aceitar
discutir uma outra hipótese: isso é um ato de guerra bacteriológica dirigida
contra a China, o Irã e a Europa, os três principais focos da doença. O vírus
mutante, porque o vírus é, ao que parece, mutante, poderia também ter
escapado de um laboratório chinês, ou outro, mas então por que ele atinge os
rivais da hegemonia, quase excluindo outras regiões do globo? Se a hipótese de
uma guerra bacteriológica se revelar exata, poderíamos estabelecer o seguinte
cenário: o centro nevrálgico da China foi atingido, sua indústria impulsionada
pelas deslocalizações neoliberais no resto do mundo, sobretudo na Europa, fica
reduzida, o que tem um efeito sobre sua moeda, capaz, a médio prazo, de
suplantar o dólar. Ademais, essa recessão ou essa sabotagem trava a
realização das famosas “rotas da seda”. O Irã, inimigo número um de certos
círculos neoconservadores, é, por sua vez, atingido, país que então poderia
facilmente se tornar o principal fornecedor de hidrocarbonetos para a China e
um parceiro comercial mais importante da Europa, como no fim do regime do
último Xá, com os acordos EURATOM, em particular. Essa é a tese de Houchang
Nahavandi, ex-ministro do Xá e autor de livros muito importantes sobre a
história recente e antiga do Irã, cuja leitura recomendo enfaticamente.

Na Europa, as calamidades se abatem sobre os elos mais fracos e sobre o


principal motor da economia europeia, a Alemanha. A Grécia deve enfrentar a
crise dos refugiados na sua fronteira trácia, enquanto sua saúde econômica e
financeira está vacilante há uma década, na sequência da crise de 2008. Ela
ainda escapa amplamente do coronavírus mas… Wait and see… A Itália,
recorde-se, assinara acordos especiais, fazendo dela o trampolim da China na
UE. A Espanha igualmente recebeu a crise da pandemia em cheio, porque ela
também é uma economia fragilizada que pode levar à ruína o projeto europeu,
favorecido pelos Estados Unidos nas décadas de 1940 e 1950, em seguida
considerado concorrencial e colocado, nomeadamente pela doutrina Clinton,
como “alienígena”, ou seja, como inimigo potencial, se não inimigo declarado. A
França também foi afetada, ainda que, oficialmente, seja considerada aliada
desde Macron, presidente formado intelectualmente por uma escola americana.
Ela está sendo progressivamente esvaziada de seus expoentes industriais
(Alsthom, Latécoère…) e pesadamente infestada pelo coronavírus, tudo
simplesmente porque o hiperliberalismo a debilita desde a presidência de
Sarközy, cortada nos setores essenciais, não mercadológicos, incluindo o setor
médico. Sem um setor médico forte, bem estruturado, prevenindo todas as
formas de pandemia, compreendendo aquelas que poderiam ser desencadeadas
por um ataque bacteriológico, um país é o alvo ideal para esse tipo de
operação.
A desgaullização da França, a partir de Sarközy, constitui o desmantelamento
de um Estado que possuía reflexos clausewitzianos, almejado pelo militar De
Gaulle, pelo menos em seus escritos teóricos, com a influência que exercia
Raymond Aron, grande especialista em estratégia alemã do século XIX, em sua
práxis original dos anos sessenta, que poderia ser descrita como um modelo de
“terceira via” entre os dois blocos da guerra fria. Era uma resposta aos
imperativos da Terceira República, fustigados por Simone Weil em Londres
antes da sua morte em 1943, e à má gestão política da Quarta República.

Esses tipos de regime administram o curto prazo, o mesquinho e não preveem


nada, o que implica a incapacidade de decidir em momentos oportunos e de
fazer face a catástrofes imprevistas, como uma pandemia. “O suicídio francês”,
descrito por Eric Zemmour, é justamente esse desmantelamento progressivo do
Estado clausewitziano – com todos seus dispositivos postos em ordem, que
sempre previam o pior –, o que a Quinta República queria ser quando da sua
proclamação e sobretudo nos anos 1963-69.

A moral disso é que todo Estado ou grupo de Estados deve, imperativamente,


se quiser sobreviver às tramas de seus inimigos (pois há sempre um inimigo,
dizia Julien Freund), conservar seus trunfos industriais e rejeitar deslocalizações
e fusões com corporações estrangeiras, manter as infraestruturas médicas
sólidas e um sistema educacional/universitário eficiente.

Na Alemanha, os dispositivos previstos para uma pandemia foram conservados,


o que explica uma melhor gestão da crise do coronavírus. No entanto, o futuro
da Alemanha não é róseo: os fluxos de refugiados que se instalaram em seu
território estão arruinando o sistema de seguridade social exemplar que foi
implantado no pós-guerra e engendram desordem em todo o lado nas ruas das
cidades; o principal parceiro da indústria alemã hoje é a China, mas essa
dependência é frágil, os chineses acabam sempre por produzir as coisas de que
precisam, especialmente carros. A indústria alemã apostou demais na
exportação de seus excelentes automóveis, sem imaginar que esse fluxo
poderia um dia secar.

Além disso, a dupla de gás germano-russa está na mira da hegemonia: as


empresas europeias que contribuíram para a conclusão do gasoduto Nord
Stream 2 estão diretamente ameaçadas de processo pela “justiça” americana
ou confisco de seus ativos em bancos do outro lado do Atlântico. O caso
Frédéric Pierucci, quadro da Alsthom, ilustra bem qual é esse risco,
especialmente no livro de testemunho que esse executivo redigiu depois de sua
prisão nos Estados Unidos, Le piège américain.

Enfim, a Alemanha está diante de uma crise sem precedente em sua história
pós-1945. Os partidos que foram a base de apoio da República Federal a partir
do milagre econômico e desde a reunificação que se seguiram após o
desaparecimento do Muro de Berlim estão em queda livre. O SPD socialista não
é mais que sua própria sombra. A CDU, verdadeiro pilar do país, passa por
derrotas problemáticas e perde nos seus redutos em todos os Länder da antiga
RDA. Esse rebaixamento ou declínio não é exceção na Europa: os democratas-
cristãos italianos desapareceram da cena há muito tempo já; o PPE espanhol
está em liquefação, o que permite hoje a uma falsa esquerda, apesar das
etiquetas, de mal governar o país em crise e face à pandemia; os dois partidos
democratas-cristãos belgas estão igualmente em via de desaparecer. Esses
enfraquecimentos democratas-cristãos e socialistas desafiam: uma outra
normalidade política está em via de constituição, mas ainda não se sabe quais
contornos ela assumirá.

Apenas Orban mantém sua forma húngara de democracia cristã em


funcionamento, obtendo simultaneamente certo consenso em seu país, mas
fustigado e mesmo ostracizado pelas instâncias eurocráticas que fazem pressão
para que ele seja excluído de tudo.

O declínio alemão é inelutável, ao contrário do que se crê comumente hoje na


França, onde certos círculos agitam novamente o espectro de um
pangermanismo agressivo. No outro lado do Reno, a literatura contestadora do
sistema está florescendo e não é mais reduzida às margens esquerda ou
direita, mas doravante proveniente das mais altas esferas econômicas ou
intelectuais. Será necessário regressar a isso, pois os argumentos apresentados
por esses dissidentes, contestadores casam muito bem com as críticas à
eurocracia em voga na França.

Se a pandemia se abateu há pouco sobre os Estados Unidos, cujo sistema


hospitalar deixa muito a desejar, poderemos argumentar que a hipótese, que
não é mais que uma hipótese, que esbocei aqui, está errada, já que a
hegemonia, acusada de ter desencadeado uma guerra bacteriológica, será
eximida dessa acusação, visto que ela mesma foi atingida pela pandemia. Mas
toda operação bacteriológica tem isto em peculiar, a primeira vítima pode
facilmente reenviar a bola e espalhar o agente perturbador na casa de quem o
enviou.

Esta pandemia precede um colapso


econômico e sistêmico?
Penso que sim. Primeiro, o confinamento desacelera a indústria em um sistema
que não tolera qualquer pausa. Para Carl Schmitt, o mundo globalizado pela
vontade de Roosevelt entre as década de 1930 e 1940, estabeleceu o elemento
“água”, uma vez que a hegemonia construída pelo presidente americano é uma
talassocracia ideologicamente liberal: navegamos, por conseguinte, neste
imenso oceano simbólico e nos fluxos dos mercados e das comunicações
controlados desde a partida pela potência naval americana: quem fica parado
em tal contexto, simplesmente flui, escreveu Carl Schmitt em seu Glossarium.
Destarte, sempre pensei que a crise de 2008, mais profunda do que
acreditávamos até aqui, não foi, de fato, superada: colmatamos as fendas
continuamente com toda sorte de artifícios, travando seus efeitos durante doze
anos. Essas manobras de remendo chegam ao fim. E vamos colocar na conta
do vírus a implosão definitiva do sistema para que os povos não procurem
apontar os reais culpados.

Mais de 3 bilhões de pessoa no mundo


foram instadas a se confinar. Pela
primeira vez na história, a humanidade
parece conseguir se coordenar de
maneira unitária face a um inimigo global
comum. O que você pensa disso?
Essa situação é assustadora porque se houver pandemia, indubitavelmente ela
não é muito mais explosiva, ao menos até aqui, que as gripes sazonais
habituais. O vírus parece certamente mais virulento que aquelas gripes, mais
resiliente uma vez expectorado fora de corpos humanos e mais agressivo sobre
o sistema respiratório dos pacientes mais fracos, cujo sistema imunitário está
fragilizado por outras patologias. Estamos diante de uma situação comparável à
de 1968 e 1969-70, em que um vírus gripal matou, em determinada altura,
nada menos que até 4000 pessoas por semana na França! Em 2018, de 26 de
fevereiro a 4 de março, 2.900 pessoas morreram da gripe sazonal na Bélgica,
em apenas uma semana!

As hipóteses que defendem que os círculos dominantes orquestram um pânico


para instalar um sistema ditatorial, panóptico, vetor de uma vigilância universal
e onipresente, devem ser levadas a sério.

O comportamento seguidista dos cidadãos é surpreendente em tal contexto,


enquanto que é patente que as esferas dirigentes têm interesse em promover
tal sistema: a Itália de Salvini ou mesmo a Itália pós-Salvini é um país
imprevisível que se deve observar; a França dos Coletes Amarelos que rejeitam
o hiperliberalismo que lhes querem impor, merece, aos seus olhos, uma
punição severa, e a Alemanha que vaia Merkel a cada aparição pública deve ser
igualmente castigada, tanto mais porque se aquece com o gás russo e faz girar
sua indústria com os hidrocarbonetos putinianos.

Nós chegamos à era do “Vigiar e punir” planetário, de que a Europa será a


principal vítima, pois os chineses e iranianos estão mais próximos de aceitar os
custos humanos e possuem capacidades de resiliência superiores a nós,
encontradas na religião xiita, confucionista ou até mesmo na ideologia
comunista revisada e corrigida, tanto que se assemelha mais aos projetos de
Frédéric List no século XIX e com aqueles que inspiraram os ideólogos do
Kuomintang, militante de um renascimento chinês depois do “século da
humilhação”, quando o Império Celeste caíra em profunda decadência.

Essa pandemia vai forçar a humanidade a


adotar um governo mundial como
preconizava Jacques Attali durante a
pandemia de influenza A em 2009?
Attali formula pelo menos o projeto e há traços dessa visão messiânica em bom
número de seus escritos anteriores. Além disso, em uma obra que trata do
mundo visto pela CIA, há uma década, Alexandre Adler aventa uma pandemia
como aceleração de mundialização ampliada, se não definitiva. Não obstante,
não vejo a China de Xi Jinping e a Rússia de Putin se entregando a tal projeto.
Sem falar do Irã…
Ainda em 2009, Jacques Attali explicou
que a “História nos ensina que a
humanidade só evolui significativamente
quando tem realmente medo.” O que
você pensa dessa ideia?
Essa ideia é uma generalização. Quase um truísmo. Mas se Attali, cantor do
projeto globalizante em via de realização, a evocava em 2009, é uma
engenharia social e midiática que bem orquestrada poderia, se for esse o caso,
criar medo para concretizar esse projeto com o qual ele sonha há muito tempo.
Essa criação de um pânico global é o que estamos a testemunhar hoje.

Mas Attali é um velho guru, da idade daqueles que ele deseja que morram para
que os governos hiperliberais não paguem aposentadorias. No entanto, o novo
guru mundial se chama Yuval Noah Harari, célebre por dois best-sellers que
encontramos em todos os idiomas, em todas as livrarias do mundo, mormente
nas grandes estações e aeroportos, onde há aqueles que se nomadizam em
grande ou pequena escala. Em 20 de março de 2020, esse Harari publicou um
longo artigo no Financial Times (https://amp.ft.com/), no qual apresentou o
programa de mundialização em curso de maneira prazerosa e atraente, como
de praxe: não podemos censurar Atalli nem a Harari de terem um estilo
maçante, incapaz de prender a atenção de seus leitores. Harari considera que,
com o coronavírus, há uma urgência (emergência) e toda urgência é “um
processo histórico acelerado”. Em seguida, cito: “As decisões em tempos
normais, que podem exigir anos de deliberação, são tomadas em algumas
horas (…). Tecnologias ainda não inteiramente desenvolvidas e mesmo
perigosas são implementadas, porque os riscos são muito mais elevados se não
se faz nada (…). Países inteiros servem de cobaias em grande escala para
experimentações sociais.” Harari evoca, ato contínuo, um mundo em que
haverá apenas teletrabalho e principalmente ensino a distância: o confinamento
que vivemos parece então uma etapa preparatória para esse futuro de total
reclusão, concebido nas altas esferas dominantes. Harari concebe também o
monitoramento geral da humanidade, acompanhado de punições para os
teimosos. Ele é até um pouco lírico dizendo que hoje os governos são mais
fortes que a KGB soviética pois as autoridades dispõem agora de “sensores
onipresentes e algoritmos poderosos”.

O coronavírus, acrescenta ele como se quisesse trazer água para o nosso


moinho, já permite abrir tal arsenal, inédito na história da humanidade,
particularmente na China, onde o Estado se manifesta continuamente por meio
dos smartphones de seus cidadãos, utiliza o reconhecimento facial em grande
escala e pode determinar qual é o estado sanitário de cada chinês por meio de
aparelhos destinados a verificar sua febre, que qualquer policial pode levar e
utilizar em vias públicas.

A etapa seguinte também nos é revelada pelo artigo de Harari: sentimentos


como cólera ou alegria são fenômenos biológicos na mesma medida que a febre
ou a tosse: podemos, pois, detectá-los e manipulá-los no início, com os
mesmos instrumentos que servem para verificar nas ruas da China os febris
potencialmente “coronavirados”.
Por fim, Harari revela o objetivo final, quase messianicamente, em suma, a
Parusia finalmente em advento: a “cooperação global”, a única tábua de
salvação contra o vírus que deve nos induzir a optar por um “espírito
globalista”, tornando desnecessárias as reações locais ou nacionais.

Quer dizer, Harari opta por uma humanidade radicalmente diferente daquela
que Claude Lévi-Strauss tinha preconizado em seus tempos: ele queria tantos
tipos humanos quanto ainda existiam no planeta quando se dedicava a suas
pesquisas em etnologia, queria promover um “espírito etnopluralista” para que
o homem tivesse à sua disposição muitos modelos possíveis para imitar ou
assimilar em caso de bloqueio ou de colapso do modelo ao qual pertencia, no
qual diversas gerações de seus ancestrais tinham vivido. A humanidade devia
ser plural para esse etnopluralismo lévi-straussiano. Para Attali e Harari, isso
não parece ser o caso. Eu tenho, não escondo, a nostalgia do projeto de Lévi-
Strauss.

Como você vê a evolução da pandemia e


suas consequências políticas e sociais
nas próximas semanas?
Eu penso que suscitará pânico ao menos até meados de maio, até o momento
em que a desaceleração das indústrias europeias terá consequências
irreversíveis e que a crise estará aqui, bem palpável, com um número
incalculável de falências de pequenas e médias empresas. A crise social na
França se acentuará e o movimento dos Coletes Amarelos retomará com vigor,
com mais força. Os outros países europeus seguirão, incluindo a Alemanha. Por
conseguinte, o confinamento acabará por incitar os mais pacientes entre os
nativos e provocar tumultos nos bairros perigosos porque o Ramadã começa no
final de abril e se estende ao final do mês de maio. Há algo mais grave: o
mundialismo globalitário visa a erradicação da cultura europeia, cujo símbolo
mais claro e espetacular foi o incêndio da Notre-Dame de Paris. O confinamento
resultou numa primeira sabotagem da liturgia implícita da nossa civilização: as
férias de Páscoa e as festividades pascais, inclusive a semana santa espanhola,
serão canceladas pela primeira vez em séculos, do mesmo modo que o ciclo de
primavera de maio, com as festas religiosas acompanhadas das comunhões,
pretextos para festas de famílias que integram a sociedade.

Na sequência desse sacrilégio, pois isso deve ser classificado desse jeito, o ciclo
de férias estivais será muito provavelmente afetado, uma vez que é uma
tradição secular, também pontuada de celebrações. O povo de nosso
subcontinente será profundamente perturbado, desestabilizado
psicologicamente, com efeitos somáticos. Esse é o risco mais assustador num
futuro próximo, visto que, desencadeado o sacrilégio de quebrar nossa liturgia
milenar, haverá o risco de reincidência. Mas mesmo a ruptura do ciclo ritual
litúrgico, herdado de Roma, durante um ano somente, é vaticínio de
catástrofes: nunca ousamos isso.

Na sua opinião, há uma saída política


para a situação que você acabou de
descrever e que forma ela poderia
assumir?
Uma saída política, verdadeiramente política no sentido, no entendimento de
Carl Schmitt e Julien Freund, apenas é possível por uma demonstração de
força, uma provação cruelmente conflituosa, por uma convulsão semelhante à
revolução russa de 1917. Ora, não estamos mais nos anos 1920 ou 1930,
quando milhões de soldados regressavam do front e não tinham medo de ser
atacados ou de morrer baleados por governistas ou adversários políticos. Ainda
por cima, não se quebra mais um regime hoje com simples fuzis, munidos de
baionetas. Os Estados possuem armas mais sofisticadas, que não podemos
comprar na loja da esquina, mesmo nos EUA. Eles dispõem de “sensores
onipresentes e algoritmos poderosos”, para citar Harari. Em nossos dias, há
drones, câmeras, complexos ocultos, para que não baste tomar o posto central
dos Correios, como em Dublin em 1916, ou a Rádio de Moscou em 1993, face
aos blindados de Iéltsin.

Nossa humanidade está adocicada demais por décadas de liberalismo (ou de


festivismo) para ousar tal aventura.

A única forma que uma reação poderia assumir seria um deslocamento no


sentido de um iliberalismo à Orban ou à Putin, sem repetir a estúpida dicotomia
esquerda/direita, pois o inimigo de todos é único: se trata do hiperliberalismo
imposto em nossas sociedades pela parelha Thatcher-Reagan a partir de 1979.
Não obstante, à esquerda temos pesados reflexos hostis à política e, à direita,
temos sempre a tendência a incorrer em uma forma ou outra de liberalismo.
Essas são as armadilhas a evitar, apelando a uma imaginação metapolítica que
fundiria corpos opostos em uma nova síntese, em que os princípios da justiça
social e suum cuique sejam respeitados.

Como você relaciona a crise atual com


sua expertise e seu campo de pesquisa?
Eu não sou um expert, mas um observador engajado. A meu ver, a crise atual
é o ápice da crise financeira de 2008 e, mas posso me equivocar, uma
demonstração de força bem orientada, perpetrada por um ato de guerra
bacteriológica que visa destruir o poder econômico europeu (a única forma de
poder que resta em nosso subcontinente), o adversário chinês, derrocar a
“nova rota da seda”, com o apoio contínuo de uma orquestração midiática
planetária.

Estamos em meio a guerras híbridas ou guerras de quarta geração, quer dizer,


guerras em que não alinhamos mais exércitos, tanques, infantarias, mas nas
quais aplicamos habilmente estratégias indiretas. A Europa, já constataram
alguns observadores nos anos 1990 e 2000, era a menos preparada para
manejar as ferramentas midiáticas e culturais dessa guerra de nova dimensão:
isso era preocupantemente verdadeiro e hoje estamos pagando fortemente as
consequências. Se seu projeto fosse clausewitziano ao invés de neoliberal, a
Europa não estaria nessa situação…
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