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Vende-se na Loja de papel e de livros de Narclzo José
de Souza Lameira rua do ouvidor n.°'55 , assim como todas
as mais obras publicadas por esta Sociedade,
R O M A IV C E

VERTIDO, E OFFEREGIDO

a’
SOCIEDADE LITTERARIA DO RIO DE JANEIRO
PELO SOCIO DA MESMA,

T. A. Craveiro:

e por esta mandado im prim ir.

RIO DE JANEIRO.
NA TYPOGRAPniA AUSTRAL.
BECO DE BRAGANÇA. N. 15.
1 83 7.
V.

(Extracto da Sessão da Sociedade Lltterarla do Rio de


Janeiro no i.® de jdgosto de iSòy. ) ,

Determina a S ociedade L itte r a r ia do Rio de Janeiro que


se imprima á sua custa, como propriedade sua, o Poema
L aba , de Lord Byron, cuja traducção lhe foi ofíerecida
pelo Soclo 0 Sr. Tiburcio Antonio Craveiro.

Dr. Luiz Antonio da Cosia Barradas.


,!.• Secretario.
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"i JàftÂr- ■
DEDICATOUIÜ.
PELO TRADUCTOR.

Est honor et tumulis.


OviD. Fast. Libi II.

Aos tumulos também se fazem honras.

Na lingua de Gamoens, se não tam bella,


Tam sonorosa, ao menos que o rasteja.
Acolhe, acceita inspiraçoens suaves
Do nardo Inglez: são tuas estas vozes.
Tu me deste o sentir do nobre v a te ,
O suspirar, o arder das labaredas
De Lara infortunoso— eu t’o consagro.
Mas inda podes escutar meu canto?
Morreste, a campa fria te sumio
A meus olhos de ti sempre chorosos.
Sonhos de am or, delirios acabaram :
Venho depor ao pé do teu jazigo
Pura oíTerta de lagrimas banhada:
Entre m yrtos, e rozas, e cyprestes,
Que o enfeitam , lá fica; atteste ao menos
Illesa a fé jurada tantas vezes.
E tu ! — oh não, não sintas um remorso
Siquer na eternidade. Adeus, oh Bella,
V III.

Como inda em meus delírios te chamava.


Vivo para chorar-te: a d o r, que sinto,
Não a conheces tu — nem a conheças
Nunca, nunca. Perdi-te—não convinha—

Talvez que te illudissem invejosos—
Morreste em íim , adeus: inda te adoro.

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VÎDA DE LORD BYRON.

RECOPILADA DA DE JOHN GALT, ESQ.

|lelo trabuctor.

A familia de Byron acompanhou Guilherme o Con­


quistador, e foi desde então illustre com o nome
de Buron, ou Byron. Em outubro 24, i 645 Sir John
Byron foi nomeado Lord Byron de Rochdale no
Condado de Lancaster com transmissão do titulo a
seus irmãos, e á sua descendeneia varonil.

Noel Gordon Byron ( o illustre poeta, de quem


tratamos ) nasceu em janeiro 22 , 1788 em Holies
Street em Londres. T)e quatro annos entrou para a
escola, e em 1798 succedeu no titulo da íamilia pela
morte de Guilherme, seu tio , e quinto Lord. Passou
com sua mãe algum tempo em Newstead Abbey, solar
de seus njaiores, e voltando da Escossia frequentou
as primeiras aulas em Nottingham, Dulwich, c Har­
row. Altivo , turbulento , • e recoíiceiitrado , Lord
Bvron nos primeiros estudos não deu provas de um
talento superior, mas antes fez progressos mui medío­
cres : indócil á disciplina, e estatutos coll'^giae^ des­
gostou a seus professores, e a sua mesma íamilia.

Mas uma circunstancia oceorreu em Harrow, que


parece haver dominado o seu espirito em todo o resto
da vida. Lord Byron apaixonou-se por Miss Chaworth:
era ella mais velha, e o amava, mas como a uma
criança, ou a um irmão. Este repudio, ou antes in-
diíferença, afíligio o joven B yron, inllammou a sua
alma sobejamente ardente, e‘ parece que fora a fonte
d onde brotou esta sensibilidade melancólica sempie ,
e ás vezes desesperada, c visionária, qiic enhitou o
leslo de seus dias. Em Miss Chaworth elle imaginou
o prototype d’ uma bellesa ideal, e este phantasma
o atormentou ate morte como a Gamoens, Tasso, e
Eetrarca: era uma doença incurável do espirito. « Ella
eia ( diz elle ) o bello ideal de tudo quanto a minha
veic e iniancia podia pintar de forrnozura ! e eu con­
cebi todos os meus delirios da natureza celeste d ’ uma
mu ei pela perfeição, que a minha ideia formou d’esta.»
Toram as primicias do amor d’uma alma sublime, e
todos sabem que ellas sao sinceras ; o tempo não po­
de apagar aíTecçoens d’uma idade, em que o coracão
se desabrocha ao sentimento da vida.

Passou^ daqui á universidade de Cambridge onde


compoz ja algumas poezias, que não agouravam toda­
via um talento eminente como mostrou, e que servi­
ram de assumpto d’uma critica severa; mas aprovei­
tou milhor ahi o tempo. Em março i 3 , 1800
tomou assento na Gamara dos Lords com o projecto
í e logo se embarcar, partindo eífectivamente para
Lisboa em julho deste mesmo anno, e dahi pelas
províncias do Sul da Ilespanha para Gibraltar. Passou
depois á Italia, e dahi á Grécia, que percorreu em
toda a parte com attenção d’ um viajante, gosto d’ um
litterato, e impressoens sublimes d’um poeta da pri­
meira ordem. Foi depois a Constantinopla, regressou
a Athenas, e se embarcou para Londres onde chegou
hl 8
em meado de julho de 1811.

Passados tempos desposou-se com Miss Milbank,


cujas núpcias se celebraram em janeiro 2, 1815 sem
que o nobre Lord sentisse em si muita aíTeição por sua
esposa, antes uma repugnância, e como* elle disse
maus agouros. Uma vida faustosa em Londres com
outras extravagancias poz em completa ruina a sua
X I.

casa, que nem era mui rendosa, e se achava de ha


muito empenhada em grandes sommas, e soíFreu pe-
nhora até na cama. Lady Byron podéra talvez quei­
xar-se com razão de seu esposo em algumas cousas;
mas ella mesma parece não ter possuido alguma das
qualidades, que podessem attrahir o caracter singular,
e o espirito ardente, e volúvel de Lord Byron: nunca
se amaram, e apenas se estimavam. « Ella casou-se
comigo por vaidade ( diz o illustre poeta ) , e na espe­
rança de corrigir-me, e de íixar-me. » Isto explica
tudo. Resolveu-se que ella hiria visitar seu pai, e es­
peraria tempo mais bonançoso; desde então houve
um divorcio tácito, mas elle sempre a estimou até os
últimos momentos. Houve uma filha, a quem em seus
poemas appelidouAda.— «Ada, unica herdeira do meu
amor, e do meu titulo. Ada sole daughter of my house
and heart. »

0 nobrc Lord resolveu-se a sahir, e para sempre,


outra vez da sua patria. Em abril 26, 1816 se em­
barcou para Ostend : visitou depois o campo de W a­
terloo, e viveu algum tempo em Switzerland; passou-se
a Veneza, e dahi a Ravenna no fim de 1819. Foi
aqui que Lord Byron se apaixonou pela condeça Guic-
cioli. Esta senhora mui bella, de dezoito armos de
idade, e de um espirito cultivado, era casada com o
conde Guiccioli, homem septuagenário: ella mereceu
todo o aífecto do illustre poeta, e o amava extremo-
samente ; seu esposo irritou-se, e separaram-se. Lord
Byron a tirou de um convento furtivamente, e houve
d’ella duas fdhas, das quaes uma morreu depois,
INeste tempo era Lord Byron vigiado do governo, que
o suppunha intrometer-se nos negocios politicos do
|)aiz ; recebendo em casa alguns cabeças do partido
liberal, e tendo armamentos em seu palacio ; c este
dissabor, com a opinião desfavorável nascida do divor­
cio da condeça pela perseguição dos Gambas da fami-
Ir: lia de Guiccioli, o obrigou no outono de 1821 a partir
para Pisa em companhia desta senhora. Aqui também
I esteve debaixo da vigilância do governo Toscano, e
no fim de septembre de 1822 se passou a Genova.
iei
fr
íi Lord Byron carecia então Ja de aíTecçoens mui fortes,
que despertassem o seu espirito ; a vida molle o eno­
,1 ^ java, e de ha muito intentava voltar á Grécia, e ella
no seu estado actual de polilica era capaz de dar-
lhe nova gloria, e novos prazeres. Na primavera de
1820 fez os seus preparativos de viagem , e chegou a
Cephalonia eni agosto do mesmo armo. Abandonou
em Genova a condeça Guiccioli, que por ellc sacrifi­
cara tudo. Antes de entrar na Grécia tiidia aberto
correspondências com os primeiros cabeças da re­
volução, e depois se concertou com Mavrocordato,
Colocotroni, e Marco Botzaris, a quem mandou
soccorros de provimentos, e quarenta Suliotes, ou r
Albanos, pagos, e fardados á sua custa no cerco de
Missolonghi.

Em dezembro 29, 1823 Lord Byron deixou Argos-


toli, porto de Gephalonia, e se embarcou para Zante,
e chegou a Missolonghi em janeiro 5, 1824. Foi de­
pois nomeado commandante de trez mil homens no
h! '3 cerco de Lepanto onde soífreu algumas contrariedades,
e disgostos da parte dos Suliotes. Taes revezes com
outras difliculdades nascidas da guerra irritaram o seu -J
caracter, e alteraram o seu estado de saude, que
nunca fòra vigorosa, e a final teve um ataque de epi-
lepsya, de que milhorou sem comtudo se recobrar
inteiramente. No primeiro de março queixou-se de
, 1 vertigens: em 9 de abril hindo a passeio apanhou í\
xiir

chuva, e a 12 cahio de cama com iima lebre, que


nuiica fez inteira remitteiicia até o dia 19 cm que
morreu pelas onze horas da noite.

Mavrocordato em decreto do mesmo dia mandou


suspender as festevidades publicas, salvar a artilheria,
fechar tribunaes, casas, c lojas publicas por trez dias,
fazer preces, e funeraes em todas as igrejas, e tomar
lucto de 21 dias. O seu corpo foi embalsamado, e en­
viado a Zante. Daqui foi levado a Inglaterra acom­
panhado do Coronel Stanhope. Ilccusou-se-lhe o ser
depositado em S. Paulo, e que o seu funeral fosse
publico; foi por tanto acompanhado de alguns ami­
gos para Hucknell perto de INewstead Abbey, em cuja
igreja íoi depositado ao pé das cinzas de seus maiores.

l\íal podemos dar um juizo critico acerca das com-


posiçoens deste illustre poeta, recopilando a opinião
de diversos escriptorcs abalisados, por iios fallecer es­
paço , e tem po: e contentando-nos apenas com dar a
nomenclatura de suas obras em diííerentes generös,
diremos que os tribunaes litterarios de Inglaterra,
França, e Alemanha lhe assignaram um logar sum-
mamente distincto entre os poetas da primeira ordem
n’öste século.

As obras de Lord Byron são as que seguem—


iMrci, romance— Ghilde Häi'old, Id— Hints from IIo-~
race^ Imitaçoens de Horacio— I he Curse of Minerva
— The IValtZj, Hymno apostrophico— The Giaour j,
fragmento de um romance Turco— The Corsair, o
Pirata— TAc Bride o f Abydos^ a Noiva de A bydos,
romance Turco— Of/e to Napoleon Bonaparte— He-
brew Melodies j, Melodias Hebraicas— 7 he Siege of
Corinth:, o Sitio de Corinth o ^ vom?.nQQ— Parisina,
poema----- l he Prisoner o f Chilian, o Prisioneiro de
UiilJon, fabula— The Dream, o Sonho, poema—
poema dramatico— J/íí? o f Tasso,
í. J.amentação de Tasso, ]}oem^~-Beppo, C ontoV ene-
^^no~Mazeppa, romance— on Venice, Ode a
) enes>:i~-Tlie Morgant Maggiore o f Pulei, poema—
1 he 1 rophecy o f Dante, aProphecia de Dante—
oj honwu, poema— Marino Faliero, Iragedia histo-
r\ca— The Vision o f Judgement, Yisao do ultimo
im zo— Heaven and Earth, O Ceo, e a Terra—
Seirdanapalm, tragédia— ÏVîî? T wo F oscari, tra-edia ffls!
historica— The Deformed transformed— Cain, myâerio J îol?
— TVerner, tragédia— Age o f Bronze, a Idade de
bronze, poema— The island, a Ilh a, id— Don Juan,
lo:

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LARA

CANTO PRIMEIRO ( i )

Pelas terras de Lara hoje os vassallos [ 2 )


Folgam, na escravidão cjuasi não pensam ;
Nunca esquecido, mas inopinado
Chega o Senhor do exilio voluntário.
No aturdido castello ha ledos rostos,
Taças na meza, em muros estandartes;
Nas pintadas janellas reverbera,
E luz de longe chamma hospitaleira;
Cercam o lar contentes paniguados,
Na lingua estrondo são, prazer nos olhos. 10

II.

Finalmente voltou outra vez Lara:


E para que passou o mar visinho?
Perdera o pae tam joven que o não sente,
Senhor de si— herança de infortúnio,
Fatal dominio ao homem concedido, i5
Que foragida a paz lhe poem do peito! —
Sem um, que o reja, com alguns, que o levem
I,:,
■,r

Por mil veredas, que vão dar no crime,


líomens Lara governa, e sua infancia
Violenta ha mister ser governada. 20
Embora, irmtil he na vida errante,
Que teve, o pesquizar-lhe os verdes annos;
Dos desvarios seus foi breve o espaço,
Mas para quasi o perverter foi longo. ( 5 )
a

I .VI

Lara deixou a patria ainda moço ;


Mas logo que partira se esqueceram
De indagar onde liiriam os seus passos,
T(3 que quasi o riscaram da lembrança.
Seu pae be morto, devem acclama-lo,
Mas Lara ausente está, mais nada sabem ; oo
U. Não vem, nem manda, e d’elle se recordam
Mui poucos com pezar, muitos sem elle.
Seu nome apenas se ouve no castello,
Desbotado painel mal o retrata,
Outro senhor conforta a sua noiva, 35 ïril
Morreram velhos, mal se lembram moços;
l i :“ « E ainda vive! » exclama herdeiro sôfreso,
E chora pelo lucto intempestivo.
Ornam escudos cem com negras vestes
Dos Laras vasta estancia derradeira ; 4o
Mas á lista dos mortos um não fôra,
Foi gariam de o ter na pilha gothica. ( 4 }

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Subito em fim chegou, e só , mas d’onde,
Ou a que vem não sabem, nem carecem ;
Quando o saudam mais se maravilham
INão d’elle vir, porem da longa ausência:
A comitiva sua he d’um só pagem
De tenra idade, e aspecto forasteiro.
Gastam-se os annos, passam-se velozes
Para quem sabe da patria, ou vive n’ella; 5o
Mas desejos de ver climas estranhos
Dão lentas azas ao cançado tempo.
Elles o veem , conhecem, e inda julgam
Dubio o presente, e sonhos o passado.
Vive , e dos dias seus na flor, crestada 55
Comtudo de fadigas, e do tempo;
Dos desvarios seus se lembra apenas,
São tantos que olvida-los fora facil ;
D ’elle se ignoram vicios, ou virtudes
Agora, e sustentar pode a prosapia: 6o
De Índole altiva foi na juventude,
Triumphes d’ella foram os seus erros,
Mas taes que, se de todo o não perdessem ,
Podéra resgata-los c’ um remorso.

V.

Mudados estão pois — elle apparece 65


De repente qual h e , não como fôrj
4îV.-

— 4

Pvugas da sobrancelha se alizaram,


Ella exprime paixão, porem ja finda, O
H'
1 V'l
Nao urn ardor de m oço, mas orgulho,
Frio gesto, desprezo de louvores,
70
Altivo porte, e um fitar, que escruta
Alheios pensamentos n’ uma vista,
Em lallar de ironia, que descobre
Chagas do coração, que o mundo aíilige, ( 5 )
Esse dardo, que fere com motejos,
70
Be que os mesmos feridos se não queixam.
Seus traços estes são, e outros escondem,
Que a sua vista, c voz mal revelaram.
Gloria, amor, ambição, alvos do vulgo,
U-}
Onde todos disparam, poucos ferem . 80
) \ Dentro do peito seu ja não reluctam,
E parecia Iia pouco alimenta-los;
Um sombrio pezar, que em vão se estuda,
A ’s faces lividas lhe assoma ás vezes.

V í.
i) M
' ‘ (■
Não gosta que lhe indaguem do passado, 85
Nem falia em solidoens, paramos vastos
De terras longes onde divaíjara,
como o desejou— desconhecido.
Emvão pretendem 1er nas vistas d elle.
Ao companheiro seu debalde inquirem ; 90
Lara não quer fallar do que avistara.

Si i. !
m c
— 5 —

De o saber julga indigno um forasleiro;


E s e , encarando-o mais, o reperguntam ,
Carrega a sobrancelha, e não responde.

YII.

Não se fartam de o verem muitas vezes, p5


Da sua vinda faliam muito os homens;
Nascido nobre, em alto senhorio,
C ’os magnates da patria emparelhava;
Hia á festa dos nobres divertidos.
Via-os sumir em pranto, ou riso, o tempo; ( 6 ) loo
Mas hoje os ve somente sem ter parte
Em seus communs prazeres, ou desgostos;
Apoz não vai do que elles todos buscam
Ainda emvão, ainda insaciados ;
As honras tranzitorias, as riquezas, io 5
Prêmios de amor, ou d’ um rival trium phos:
Em torno d’clle apinham-se suspensos,
Contcmplam-n’o , e dos homens o desviam;
Suas vistas infundem tal conceito
Que fita-las os frívolos não podem; i io
Se alguns o veem de perto mais ousados
Pasmam, e em mutuo medo sos murmuram;
Outros não mais amigos, mais discretos,
0 crem melhor do que os seus gestos dizem.
Mudado esta de todo— outr’ora moco » 1 ih
Sofrego de prazer buscava riscos; í
Amor— combates— mar— tudo , que dava »1
Ou desastres, ou gozos verdadeiros ,
Elle o passou— na terra gozou tudo,
E por fructos colheu prazer, ou magoas , 120
í -í'
Os extremos seguira ; quiz em lidas lí.Fo
Intorpecer seus mesmos pensamentos : £
Sua alma proccllosa remontava
Zombando álem dos debeis elementos ;
Eltava os ares, perguntava em extases 126 1 (üí
Se havia como os seus álem dos astros: '■ d
■ »■ A excessos dado, escravo dos extremos,
• f li".
B e que modo acordou d’estes delirios?
i' A i! nao diz— mas tornando em si pragueja
Myrrhado coração, que inda palpita. ( 7 ) 1 3o

IX.

Com avidez o viam abrir livros,


O seu primeiro tomo fôra o homem,
E ás vezes de repente muitos dias
Gostava de ficar mui solitário:
Seus pagcns, a quem raro chama, dizem i 35
Que alta noite lhe escutam passos rápidos
Na escura galeria, onde amedrontam
— i

Toscas copias de seus antepassados:


Murmuram entre si— « que bem nam viram—
« Como a d’elles a voz não he terrestre. \l\0
0
« Sim ria quem quizer, o que avistaram
« ]\ão sabem, mas de humano nada tinha,
« Porque pasma em fitar caveira pallicla,
« Que mão profana cá morte arrebatára,
« E junto a tem do livro seu aberto,
50
« Como para espantar aos outros homens?
« Porque jtião dorme quando os mais descançam?
« E de musica foge, e não quer hospedes?
« IN’isto nada ha de bom— mas de mau nada.
« Alguém sabe-o talvez— conta-lo he longo; i 5o
« De mais quem o souber será prudente
« Em lhes dizer que apenaS são suspeitas ;
« Se o quizessem porem— podiam— » juntos
Assim faliam de Lara os seus vassallos.

X.

Era noite— as estrellas fulgurantes 55


Puros crystaes do rio marchetavam :
Serenas mal se ve descer as aguas,
Mansas como a ventura em tanto fogem ;
De longe, e d’alto magicas reflectem
Os lumes immortaes do firmamento ; i6o
Bellas arvores ornam-lhes as margens,
E flores, que as abelhas convidaram ;
J aes Diana eui grinaldas punha /oven , •
la e s a amor oíTertára a innocencia.
As ondas fazem leito em torcicollos w
Como a serpente lubricos, brilhantes;
O ar, e a terra estão n’ um tal soce«-o
Que nem mesmo um phantasma amedrontara;
Certo nao pode o mal achar deleite
Em vagar numa scena, e noite destas!
170 jo
Sao para o bem somente estes momentos :
Lara o pensa, parado está não longe, pel
Mas em silencio vai para o castello; Parei
Não pode mais sua alma ver tal scena: \à
Ella o faz recordar de antigos dias.
17Í)
De ceos mais puros, luas mais fulgentes, (li'
Noites mais bellas, e de peitos, que IiojL— to

Não— nao— elle procédas não temera,


.\ovas— mortaes— mas noite tam formosa
Zomba de um coração como o de Lara. ( 8 ) 180

Xí. 1®
li:

Passeia pela sala solitaria.


finie
Alta a sombra se estira nas paredes ;
m Dellas pendem retratos antiquados,
São os restos de crimes, ou virtudes. " , : Omj
W
Conforme a tradição; alll ha campas i 85
Onde se abrigam po, fraquezas, erros;
Sleia coliimna em titulos pomposos

tt^r
Noticias vans estende d’era em era;
N’ella a historia gravou louvor, ou culpa,
Mentindo ataviada da verdade. ipo
A lua enfia os raios pelos vidros
Escuros, e vão dar no chão de mármore ;
0 tecto corroido, os santos curvos
Em oração nas gothicas capcllas
Reflectidos avultam em phantasmas, ipS
Parecem respirar immortal vida;
Anda, e medita L ara, estes cabellos
0
Pretos, e sobrancelha, as plumas tremulas.
Lhe dão visos de spectro, c seu aspeclo
Inspira o que o terror tem de mais grave. ;20o

XIL

Meia noite— repousa tudo; a alampada


Tem erma luz luttando com as trevas.
Ai! Lara no castello ouve rumores,
Um som— voz— grito— e um chamar medonho !
Grito forte— e silencio— elle o seu eceo 20S
Fez estalar no ouvido dos que dormem?
Ouviram; e entre sustos, e ousadia
Acodem onde o som lhes pede auxilio;
N’ uma mão trazem fachos semi-acesos.
Espadas sem talim na dextra armada. 21*»
■í'
Fií’
> S'tl?
f- \ :
I'i i
Frio, qual marmore onde baqueara,
Como a luz, que Ihe dá no rosto, pallido
lx Lara jaz : perto o sabre meio fora
Diz que o susto não foi d’ um ser terrestre
I *
Inda está firme, ou estivera sempre, 2i 5
Contrahe-lhe o rosto furia de guerreiro;
Espavorido, e immovel,.em seus lábios
Pintada a sede tem de morticínio;
De ameaças exprimir não acabaram,
E imprecaçoens de orgulho delirado; 220
Cerrados, porem não de todo, os olhos
i Visos de gladiador teem em seus trances,
Se fòra em si podéra revela-los.
Ora os fixou n’ um descançar medonho.
Levantam-n’o— seguram— vive— falia. 22D
Recobra um baço-purpura nas faces,
Cor nos lábios, os olhos, bem que turvos,
fi
Espavoridos giram, membros trêmulos
Se movem devagar, altas as vozes.
Em sons, que não parecem ser da patria; 23o .
Distinctos, mas estranhos, e elles podem
Discernir que são sons d ’outros paizes.
Li^':’ ) Eram-n o sim , mas buscam escuta-los ,
E os não entendem— se entender não podem !

mi
Uiega o pagem ; parece ser quem sabe ( 9 )
Peneirar o que as vozes exprimiam.
Um comprimir de gesto, e sobrancelha
Mostra que Lara nunca as revelara ;
Nem as explica, e menos assombrado
Do que todos, que estão em torno do amo,
Se inclina para Lara ainda em terra.
Falia esta lingua, que parece a d elle
L Lara escuta os sons, que meigos fazem
Dissipar-lhe o horror do séu delirio,
Se íoi delirio o que abatera um peito
Que dispensa aílliçoens imaginarias.

O que a m'ente sonhara, ou viram olhos,


bem que o saiba jamais o revelara,
Fica em seu peito: raia a luz diurna ,
E as quebrantadas forças lhe restaura; 2,5o
Picgeila a medicina , e sacerdotes,
Tornado ao mesmo em falias, e nos gestos,
Como dantes occupa horas velozes:

Mais que d’antes: se a noite se avizinha^


L se aos olhos de Lara he menos bella,
Não podem seus vassallos conhece-lo.
12 —

I
Cujo tremor delata-lhes o susto.
Não sos, porem a doiis se Juntam sempre,
Fogem da triste sala espavoridos; 260
De estandarte um bolir, bater de porta,
O rugir de um tapete, ecco de passos,
A sombra de alamedas, dos morcegos
O esvoaçar, a viração da noite ;
Tudo, que veem, e escutam, os assusta. 265
Logo que as trevas cobrem as muralhas.

XVI.

Em vão 1 a hora da dor misteriosa


Não volta, ou encubri-la pode Lara A
Como quem se esquecera, e mais assombro,
Mas não menos terror, teem os vassallos— 270
Ao cobrar dos sentidos se não lembra?
A falia, e vista, e gestos de seu amo
Não são de quem jíareça recordar-se
Do momento mortal dos males d alma.
Foi sonho?— sua a voz, que proferira
Confusos sons estranhos?— seu o O irrito.“
h- Que os despertou?— e o coração, que em ancias
Parou?— foi d elle o olhar, que amedrontava?
Quem tanto padeceu pode esquecer-se ,
Se quem o vira inda estremece agora? 280
Este o silencio d’um sentir profundo,
Que lhe tolhe o fallar, mas indelevel

[■ !
11
\
— 13 --

N’um segredo voraz, que morde nalm a,


Que os eíTeitos descobre, e esconde a causa?
Não sabem, tam recondito he seu peito, 285
Que penetrar não pode a vista humana
Pensamentos, que os lábios mal exprimem;
Murmuram sons confusos, e emmudecem. ( lo )

XYII.

Lara reune em si m ixto, que inspira


Amor, e odio, aíTectos, e temores; 290
Do seu viver sombrio ha dubia fama.
Ou desprezo, ou louvor tem o seu nom e;
Instiga a fallar d elle o seu silencio—
Pensam— admiram— querem conhece-lo.
O que fora? este incognito, que vaga 290
No mundo, e so conhecem que he íidalgo?
Inimigo dos homens ? Ila quem diga
Que em seu rosto alegria se pintava;
Porem que o seu surrir visto de perto
Se sumia em escarneo convertido ; 000
Que vinha a lábios seus, mas não de dentro
E que nunca os seus olhos serenava :
A s vezes tinha n’elles mais doçura
*

Como se mau per indole não fora;


Mas a sua alma logo se emendava 5o 5
D’uma fraqueza indigna de seu porte,
Buscava encruecer-se qual se d’homens
Resgatar os louvores desdenhasse;
— 14

E O coração punir d’uma ternura


Quizesse, que o repouso lhe tirara, JIO
E per vivos pezares impelli-lo
A odiar Ja que anicâra em demasia.

xvm.
Tem tudo n’um desprezo de continuo:
Como quem ja passara o mais funesto,
Parece um forasteiro pelo mundo.
Ou pliantasma, que os tumulos lançaram;
De sombrio pensar como quem busca
Riscos por gosto, c apenas lhes escapa;
Mas debalde, sua alma em recorda-los
Tinha um mixto de magoas, e prazeres: ono
Com mais forças de amar do que no mundo
Receberam os entes, que respiram.
Os sonhos de virtude o transviaram,
E joven foi apoz de desvarios;
Chorava os annos gastos em quimeras, T t'
v)no
E as forças, que tam mal desperdiçara;
ii‘ i- 0 império de paixoens desacordadas
Totalmente os seus passos devastara,
Perturbacoens
o deixando-lhe so n’alma
Na idea d’esses dias procellosos; J.>0
Mas suberbo, e tardio em condemnar-se
De cúmplice aceusava a natureza.
Seus erros a esta carne attribuia,

I'. '
— 15 —

Do cspirilo prisão, pasto de vermes ;


III
Até que o bem, e o mal iião discernindo o 00
Chamava a seus caprichos leis do fad o:
Podia sobranceiro ao egoismo
A s vezes immolar-se ao bem alheio,
Alas não como um dever, como piedade,
Depravação bizarra era so d’alma,
Que n ’um calado orgullio o obrigava
Ao que poucos, nenhuns talvez íizessem;
Mas este mesmo impulso muitas vezes
Tarnbem o desvairava para o crim e;
Tanto se distinguir buscava d’homens 545
Como ellc condemnados á existência,
b per virtude ou crimes extremar-se
Dos que tinham também mortal partilha;
Por tedio ergueu sua alma um throno longe
000
r» r '
Do mundo em regioens de phantasia:
Desdenhando terráqueos estampidos
Seu sangue então corria mais tranquillo:
Ah! ditoso se o não ateasse o crim e,
E se nesta frieza circulara!
De certo elle pizava humanas sendas, 555
]h’am d’homem seus gestos, e palavras,
Com faltas a razão não ultrajava,
Do coração seu mal era, não d’ alma;
Karo se distrahia nos discursos,
Para não oífender emmudecia. o()o
Apezar d’estes ares tani sombrios,
E de gostar de ser desconhecido,
Soube ^se um dom não foi da natiireza )
No alheio coração gravar lembranças;
Não era amor talvez— nem odio— nada
m .■f: V Do que em palavras pode transmittir-se ; ■/.i ünf
Porem debalde os homens o não viam ,
De si sempre os deixava insaciáveis:
Das fallas, que lhe ouviam , se lembravam,
Bem que levianas n’ellas reüectiam :
Não sabem com o, nem porque, mas n’alma
il Dos que o ouviam elle penetrava;
Logo ao ve-lo inspirava amor, ou odio ;
De qualquer modo emíim que commovesse
Compaixão, amizade, antipathia,
O que imprimisse em ti era indelevel.
’■;i>,'if.'f *^ Penetrar não podias em sua alma,
Maravilhado entrar na tua o vias:
I‘
A imagem d ’elle nunca se apagava, 1*
Forçava alheios peitos a estima-lo i , 58o
Debalde resistiras, parecia
'Í Que elle te provocava a esquecê-lo. ( 11 )
\m\'- irè
XX.

Celehrou-se uma festa, a que assistiram


Cavalheiros, e damas, convidados
. Ee
— 17 —

Por linhagem, riqueza— o conde Lara 385


Ao castello de Othon também viera.
Na sala illiiminada eram convivas
Enlevados na dança e no banquete ;
Coro alegre de jovens formozuras
As graças, e harmonia encadeavam: 390
Sinceros coraçoens, mãos amorosas
Grupos gentis alli faziam juntos;
Scena, que dera júbilo á tristeza,
Piso á velhice, á mocidade sonhos,
Ella, que em seus delirios se não lembra 093
De que na terra gasta estes momentos!

XXL

— Mas Lara mui risonho assiste á festa,


— Se tem magoas, no rosto o não conhecem ;
Com vista firme segue airosos jDares,—
Cujos passos nem fazem um ruido : /|00
— Junto d’ alto pilar se recostára,
— Encrusados os braços, d’olhos fitos,
Não dá íe d’uma vista, que o contempla—
— D ’um curioso olhar Lara não gosta—
Avista-o, desconhece este semblante, 4^5
— Mas elle busca so fitar-se em Lara;
Sombrio, indagador, um forasteiro
Parece, e sem ser visto o espreitava;
De repente os seus olhos se encontraram,—
E estranhos pasmamj mutuos se interrogam; í\io
18 —

Leve perturbação Lara serilio


Como se do estrangeiro recelasse;
?lí■ .*
Elle tem nm aspecto truculento,
E o que exprime saber não pode o vulgo.

XXII.

« He elle! » grita, e esta voz resoa 4i5 t (.'

Veloz em murmurinho pela sala. I'


« líe elle »— « Quem? » assim gira a pergunta
\ '‘ :•#
E aos ouvidos cbegou também de Lara ;
W l' De scena tam estranha todos pasmam.
fr/m Mal do geral assombro se recobram /|20
■ Lara immovcl íicou, de cor não muda,
hí::
A agitação do encontro inopinado
uk Sc acalmou, firme espalha a vista em torno.
Porem o forasteiro inda o contempla ;
, . , .v*'f.?,;V
Cheg a-sc, c com feroz desprezo brada:
k' W
m;2r « Ile elle!— c como veio aqui?— que intenta? »

X X llL
íi
ij;»
1^ Ile muito, relevar não pode Lara
Aífronta de pergunta tam altiva;
Carrega a sobrancelha, c em tom pausado,
Que mais tinha de firme que arrogante, /lÕ O
Eesponde ao forasteiro curioso—
. « Cbamo-mc Lara !— e quando ouvir teu nome
•*
7“;
— 19
« Não duvides de que eu responder possa
« A um tam cortez, e estranho cavalheiro.
« Sou Lara !— queres mais saber? A tudo f
qoa
« Responderei que mascara não tenho ».

« Responderás ! Pondera— a uma pergunta


« Ousaras se chegasses a escuta-la?
« Não me conheces bem? em mim reílecto !
« Não te foi dada inútil a memória. 44 o
« O h ! negáras emvão o que ella deve,
« Não to deixa esquecer a eternidade. » ( 1 ^ )
Lara firme, e tranquillo mede os ares
Do estrangeiro , mas n elles nada encontra ,
De que possa, ou talvez queira lembrar-se— 445
Duvidoso não falia, e volta o rosto, f
D ’um ar desprezador vai relirar-sc ;
O estrangeiro feroz lhe diz que paro.
« Uma palavra s ó !— Responde a um homem ,
« Que fòra teu igual se fosses nobre. 45o
« Sejas quem fo r— o gesto não carregues,
« Se o que eu dicer for falso me desmente—
« Do teu surrir, e olhar mc nao confio,
« Mas nem temo o teu rosto carrancudo.
« Dize, o mesmo não hes— »
« Quem quer que eu seja, 455
« Palavras taes, c taes aceusadores
« Desprezo; quem quizer prestar-te ouvidos
« Ao mais, que não se afoite a interromper-te
« Pella historia, que estavas proseguindo,
« E tam cortez havias comecado.
d
46o
r.
« Festeje Othon seu hospede polido,
« Eu saberei mostrar-IIie (jue sou grato ».
I • ■* V V
Então pasmado Otlioii os interrompe_
« Seja qualquer que for vosso segredo
« Este o tempo não lie ch perturbardes 465
« A alegre companhia com disputas.
« Se tu tens, Ezzelin, cousas de peso,
« Que revelar convenha ao conde Lara,
« Amanhan, mesmo aqui, ou noutra parte,
« Como ambos convierem, lhas descobre; 470
Ço Ezzelin por que o conheço,
« Se hem que ha pouco vindo d’outras terras
« Como Lara pareça forasteiro;
« E se o valor, e méritos de Lara
« Eu medir pelo sangue, e nascimento, 475
« Fio que elle lionrara sua linhagem,
« L nem falte ao dever de cavalheiro.

« Te amanhan » diz Ezzelin— «veremos


« Aqui quem tem valor, c quem tem honra;
« A verdade direi: por esta espada, 48o
« E vida o juro: assim nos Ceos entrasse ! »
Lara o que respondeu ?— sua alma toda
Meditaçoens profundas occupa vam :
B e lle muitos fallar parecem, n ellc
A companhia toda poem as vistas ;
1 aciturno espalliou em roda as suas.
Esquecido parece todo— todo—
r^ J\Ias ai ! sua abstração mui hem delata
0 que a reminiscência lhe lembrava.

I' i V
l> . f

I; V-
« Té ámanlian !— sim, ámarihan ! » de Lara '190
Nem mais um som os lábios proferiram ;
Em seu rosto paixoens se não vislumbram;
Nos grandes olhos iras não dardejam ;
Mas o accento de sua voz lie d’ homem,
Que firme resolveu, mais nada exprime. 495
Toma o manto— corteja ao despedir-se,
E perto de Ezzclin passou; surrio-se
Do olhar ameaçador, que nelle punha
0 cavalheiro ao ve-lo retirar-se :
Não foi surrir de júbilo, ou de orgulho, »00
Q ue, quando se vingar não p od e, zomba;
Era o dTim coração de homem, que sabe
O que tem de soífrcr, ou o que emprende.
Este o surrir de paz, o da virtude?
r K
Ou do crime amestrado cm desespero ? 000
A i! ambos se assemelham em seus ares,
A vista, e voz dos homens os confundem;
So per acçoens he dado discernir-se
0 que sondar não pode a innocencia.

Lara chama o seu pagem , e ambos sahem- 5 10


A seus gestos, c voz acode o m oço;
Seu companheiro foi de terras longcs
Oncle astros mais brilhantes a alma inflammam
Abandonou por Lara a sua patria,
Era docil, tranquillo, inda que joven; rOIJ
Calado como o amo, alem do estado, Eí
E dos annos mostrava lealdade. D
Inda que do paiz sabia a lingua, Î
INella Jlie dava Lara poucas ordens;
Mas quando lhe fallava em sons da patria 520 I- i
Subito se apressava em responder-lhe : {rc
l l íai
Despertam-lhe saudades das montanhas
Onde nasceu, os eccos lhe recordam Dí
D ellas, os paes, amigos, e parentes,
Aos quaes deixou por um— amigo, tudo: r' 0
02 ^ ík
Outro guia não tem ja neste mundo; b
E de nunca o deixar inda se admiram?

XXVI.
14
Jb-a lindo o seu talhe, o sol nativo
li- 0 rosto lhe ateou fino, e moreno,
Mas bem que abrasador não macerára rT
ooo
Faces, que ás vezes tingem-se de purpura ;
Xão d’esse colorido de saude,
Que traslada na tez júbilos d’alma ; Eü
Era uma cor febril de occultas magoas , D':
Que cm fervidos momentos rcsumbravam ; 555
Iioabado aos astros foi fulgor dos olhos
D ’urn pensamento eléctrico accendidos,
Bem que em negras pupillas longas palpebras
Mesclassem melancólica doçura;
Mostrava mais orgulho que tristeza,
Uma tristeza ao menos solitaria:
Um gracejar de pagens, em doudices
De moços como elle h e, não se occupava;
Fixava a vista em Lara longas horas,
De tudo se esquecia em contempla-lo;
Se o não v ia , sozinho passeava,
Freve no responder, e sem perguntas;
Vagueava em bosques, lia estranhos livros;
Descançava nas margens dos regatos:
K K
Farecia, como o amo, viver longe
Do que embelleza a vista, encanta a mente;
Fugir dos homens, e não ter da terra
Mais que um amargo dom— da existência.

XXVII

Se elle ama alguém, he Lara; mas somente


Lhe mostra aíTecto no cumprir das ordens;
Atlento, c m udo, o zelo seu previne
Desejos, que inda a voz não revelara.
Em tudo, que fazia, tinha orgulho
D ’uma alma nobre a increpaçoens esquiva ;
Se a servis ministérios se abaixava
Era sempre com ares de suberba
Como quem ordens não, porem desejos
De Lara cumpriria, e sem salario.
24 —

Seu amo o iiicLiinbc so de al-uns serviços,


Oaaes no estri])o pegar, irazer a espada, 565
A sua Iiaipa afijiar, ou ler-llie Jivros
Üe iingua eslraiiha , e deras antiquadas;
Nunca com outros pagens se entretinha.
Si' '
Sem lhes mostrar estima, nem desprezo.
Mas um ar reservado, que indicava b'-o
.4 Discordar desta turba mercenária:
Quer losse nobre, ou não, mas a sua alma
Io d e a Lara abater-sc, a elles nunca, ! Íet
1 aicce que nasceu feliz , c illustre.
Nas mãos não tem signaes d’ obras vulgares,
iam finas que outro sexo mostrariam
A par da tez macia d’estas faces,
Se os vestidos não íoram ; mais altivo
ï OI em tem um olhar que o do seu sexo;
\ibra um fogo, que nasce do seu clima 58o
Ardente, e não dum corpo delicado:
Mas d alma elle não sobe nunca a lábios,
Vivo transluz somente no semblante.
Seu nome he Kaled, apezar que dizem
Que outro teve antes de sahir da patria; 585
Sem responder ás vezes o escutava
Mui perto repetir como esquecido.
Ora dava por elle de repente
Como se se lembrasse que era aquelle ;
j\íenos SC a voz de Lara o proferia , 590
Que então sua alma toda despertava.
_ 9n _

XXYIIL

Via a festa, e tambem na desavença


Reparou, que enlevava os convidados;
Quando todos lhe dizem que se admiram
Do arrojo do valente cavalheiro, r'
590
.1'í E que o illustre Lara tolerasse,
E dum desconhecido, tal aílVonta,
Kaled muda de cor, ora nos lahios
Tem pallidez, ora nas faces fogo;
Ranha-se o rosto seu n’um regclado Goo
Suor, que o coração de si distilla
Quando se ahatc ao peso, que o eomjn-imc.
D’uni pensamento, que esquecer não pode.
Ila cousas que devoramos faze-las
Antes que a rellexão venha aclara-Ias; 60 5
Kaled teve uma ideia, que os seus lahios
Cerrou, c no seu rosto pintou ancias.
Observava Ezzelin quando um surriso
De motejo passando lhe deu l^ara;
Lm terra o gesto poz Kaled ao vc-lo
K' Como SC conhecesse que era justo ;
Este surriso mais lhe revelara
Do que os gestos de Lara aos outros dizem:
Ei-lo a pé— um momento, e ambos partiram.
Parece a sala toda solitaria; 6 15
Tanto as feiçoens de Lara contemplaram
T odos, c n’esta scena se cmhehcram
Que depois que no portico alongada
Pelos fachos se fora a sua sombra.
If
■ ■ r '
lit ''iii
— 26 —
[if' Pt
■ iP■'i:'
Os coraçoens oppresses palpitavam
Como ao sahir de soriho pavoroso,
> - ÜÍ
It 1l .lii'
i .' Ao qual se não dá fé , comtiido assusta,
Por que he mais facil ser um mal verdade.
Foram—mas Ezzeliu inda ficcára,
P e rosto pensativo, e de ar suberho; 6^5
,Mss não se detem muito ; antes d’uma hora
Se despede de Othon, e retirou-se.

XXIX.
h
Foi-se a turba, repousam os convivas; Di-
Othon cortez , c os hospedes depressa li
Yão ao descanço onde o prazer expira, (|ie
63o
Fi pelo somno a dor gemendo chama, h.
Onde o homem fatigado de revezes
Busca o esquecimento da existencla :
Alll sonhos de amor, perfidlas, morrem. .1:
Astúcias d’amhiçâo, tormentos d’odio ; 635 íi,
O esquecimento a tudo estende as azas, Cí:.
E n’um tumulo a vida se sepulta. ií
Que outro nome convem do somno ao leito? I
Campa da noite, universal asylo,
Onde n’uma nudez igual reclinam 64o ile
1} 1
Fo rça, fraqueza, vícios, e virtudes; íol^
Feliz que sem sentir respira um pouco, •^er
Ao despertar torna a luttar co’ a morte, %
E inda que o novo dia aggrave os m ales,
Foge ao somno, o melhor, c sem delhios, 645
FIM DO CANÏO PÍUMEIRO.

I
I.-)i ?1t-

I*.'•
LARA

CANTO SEGTNDO ( i )

V o a a n o ite — os v a p o re s da m o n ta n h a
Dissipa a a u r o r a , a liiz d e s p e r t a o m u n d o .
U m d i a m a i s j u n t o u - s e a o s d ia s d o l i o m e m ,
Q u e de vagar c a m in h a ao d e r r a d e ir o ;
P a r e c e estar n a infancia a n a tu r e z a , 5
0 sol b rilh a n os ce o s , na terra h a v i d a ,
F lo res no v a llc, resplan dor nos are s,
N a vi r a ç ã o v i g o r , fresco n o s rio s.
Ve, h o m e m im m o rtal! tanta b e l l e z a ,
C om tigo e xu lta, e dize « is t o h e m e u t u d o ! » lo
A d m ira em quanto os olhos teus o p o d e m ;
Virá d ia , e m q u e m ais te n ão p e r t e n ç a :
Cubra-te em b o ra a dor a m u d a ca m p a ,
A terra, c ceos não hão de p ra n te a r-te ,
T o ld a r-sc a n u v e m , dcsfoIhar-se o tr o n c o , i5
Nem o vento g e m e r p o r ti, p o r tan to s;
V irã o a teu d esp o jo a rasto os b i c h o s ,
F a terra a d u b a r ã o c o m tuas c i n z a s .
V!!

■t
Ik
‘r
M e io dia— de O t h o n para o castello
C a m in h a m convidados cavalh eiros; 20
l i s t a h o r a se m a r c o u , e n ’el la a i n f a m i a ,
O u O l o u v o r d e L a r a se d e c i d e .
A q u i m esm o E zzelin ha d e accu sa-lo,
1 E a verd a d e dirá c o m singeleza.
A palavra e m p e n h o u , e dar-lhe ouvidos Ol3
Perante o c e o , e os h o m e n s j u r o u L a r a :
P o r q u e t a r d a ? I n d u l g e n t e assaz p a r e c e
Em cousas aclarar d e tanta m onta.

l t-

Passa a h o r a , m as L a r a não se a u s e n ta ,
'■ So
C o n f i a e m si d ’u m a r i n a l t e r á v e l ; 3o
P o r q u e E zze lin não v e m ? He tarde, e todos
M urm uram , p e r t u r b a d o O t h o n se afílige.
« C on h eço o m eu am igo, á fé n ã o fa lta ,
« S e in da n o m u n d o está p o r elle e s p e r e m ;
« A casa, em que d o r m i r a , jaz n o valle
« E n t r e as t e r r a s d o n o b r e L a r a , e m i n h a s ;
« U m c a v a l h e i r o tal m e f ô r a d ’ h o n r a ,
« E E zze lin pernoitara em m e u castello;
« M a s t a l v e z f o i m i s t e r d i s p o r as p r o v a s ,
« Q u e h o je lhe assegurassem o tr io m p h o ; 4o
•I l
— 29 —

« O utra vez o afian ço, e e m f a l t a d ’e l l e


« A h o n ra sustentarei de cavalheiro. »

D i s s e r a — e L a r a a s s im t o r n o u « T u foste
« Q u e m para a q u i m e ach ar m e c o n v id a ra ;
« Y i n h a a f f r o n t a s o u v i r d ’u m e s t r a n g e i r o ,
« Q u e m u i t o a f fl i g ir i a m a m i n h a a l m a
« S e eu o não reputára d e in sen sato ,
« Ou, o q u e inda h e p e i o r , vil in im igo.
« Q u e m h e n ã o sei— p a r e c e c o n h e c e r - m e
« D ’a l g u m p a i z — m a s d e s p e r d i ç o o t e m p o :
« P ro d u z o delator— ou com a espada
« S u s te n ta a g o ra a q u i tua p r o m e s sa . »

O t h o n c o r o u d e raiva, atira e m terra


C o ’a l u v a , e p u x a o s a h r e d a h a i n h a .
« E s c o lh o este p artido d e r r a d e ir o , 55
« C o m b a t e r e i p o r m e u am ig o ausente. »
S o m b ria pallidez L ara não m u d a ,
A m o r r e r , ou m atar e m b o ra exposto.
A galhardia, com que em punha os c o p o s ,
M ostra ser destro no vibrar dos g o lp e s ; 6o
D ’o l h o s s e r e n o s s i m , m a s i m p l a c á v e i s ,
C o m p r a z e r se p o s t o u d e e s p a d a n u a .
D e b a l d e os ca v a lh e ir o s in t e r f e r e m ,
N a d a o fu ro r de O th o n rep rim ir p o d e ;
D e seus lahios s o m e n te solla affron tas, 65
E sua e s p a d a hasta a su slcn ta -la s .
i?4Vr 73

1 30 —

IV.

( - u r t o O c o m b a t e foi ; c e g o de furia
l. O th o n vaidoso e x p o e m o peito ao g o l p e :
E m terra cahe ferido d e s tra m e n te ,
Mas não m o rta l, da m ão d o seu contrario.
« P e d e a vida! » N ão tp ier: quasi da terra
E n s a n g u e n t a d a m a i s se n ã o l e v a n t a ,
Q u e o s e m b l a n t e d e L a r a n ’u m m o m e n t o
Ennegreceu da ra iv a , em q u e se a b r a s a ;
A lç a o seu s a b r e , e tam fe ro z não fôra
Q u a n d o o de O tlio n seu peito am eaçava;
E n t ã o f ic a r a f r i o , e tru cu len to ,
E agora d e r e p e n te abafa c m ira s;
P e s o lv e u não p o u p ar o seu c o n tra rio ,
E q u a n d o o b ra ço q u e r e m desarm ar-lhe 8o
Quasi q u e aponta a espada fu rib u n d o
C o n tra os q u e vem p e d ir -lh e q u e p e r d o e ;
Porem d isso o d i s t r a h e u m pensam ento;
E nlevado contem pla o cavalheiro.
Parece pezaroso da Victoria 85
;••r-f-h
Inútil, que viver deixa o inimigo, h
E m e d ir a distancia, em q u e da m o rte
ni I O s seus golpes a victim a deixaram .
\m -^
\m
V.

C:
B a n h a d o e m s a n g u e O t h o n d a ll i c o n d u z e m ,

' ?-*•E
Perguntas, fallas, gestos lhe p r o h ib e m ; 90
1■-' .i " ï.

I -1 ,
■— 31 —

T u c l o s o s c a v a l h e i r o s se r c l i r a n i ,
E a causa d o c o m l) a te , c m q u e triu m p h a ,
] j a r a , s e m d c s p e d i r - s e , e n ’u m s i l e n c i o
A l t i v o d a l l i s a lie a in t la i r a d o .
M onta a cavallo, e vai pa ra o c a s t e llo ,
P a r a o d e O t h o n s i q u e r n e m t o r c e a vista.

YI.

Mas o n d e o m e t e o r o d u m a n oite
H o r r e n d o , o qu al ao vir da lu z fiigio ?
Q u e lie feito de E z z e l i n , q u e se s u m i r a
S e m ao m e n o s m ostrar o q u e in ten tava?
l ) o c a s t e l l o d e O t l i o n a n t e s d o d ia
P a r t i o , ainda e s c u r o , m as a estrada
Era bem c o n h e c i d a , a casa p e r t o ;
M a s n ’e l l a n ã o e s t á , n o v a s p e s q u i z a s
jN o o u t r o d i a se f a z , e n a d a a l c a n c a m
S e n ã o q u e o c a v a lh e ir o se não acha.
Encontram sos sou l e i t o , e o seu c a v a l l o ,
O t h o n se a l l l i g e , o s p a g e n s s e u s m u r m u r a m
P r o s e s u e m a indagar na v isin h a n ca ,
E te m e m ver signaes d e s a lte a d o r e s :
Mas n e m ao m e n o s v e e m balsa a m a s sa d a ,
]\era s a n g u e , n e m pedaços de vestido;
A r e l v a e m si n ã o t e m m o s t r a s d e q u e d a ,
O u de lu e t a , q u e in d iq u e m assassinio,
E n san gu en tad o s d ed o s não deixaram
U m a im pressão p r o f u n d a , e convulsiva
D e agonisante m ã o , q u e sem dèfensa
'll’ , ‘
L m ancias apertara h e rv a m im osa.
S e alli m o r r e r a a l g u é m is to a c h a r i a m ,
M as nada e n c o n t r a m ; resta u m a e s p e ra n ç a 1 20
D u vid o sa ; d e L a ra desconfiam ,
D a m a r e p u t a ç a o d e l l e se o c c u p a m ;
Mas todos q u a n d o o avistam e m m u d e c c m ,
E e s p e r a m q u e se a u s e n t e t e m e r o s o s
il
P ara outra vez de novo m u rm u ra re m ,
loi
1 25
E n u trirem som hrias conjecturas.
De
ïi

V1Î.

1 assa o t e m p o , e de O th o n cura as feridas ,


O o r g u l h o n ã o ; s e u o d i o sç d e s c o b r e :
O contrario de Lara h e p o d e r o s o ,
E am igo d o s q u e m ais o dettestavam , i3 o
P e r a n t e o s I r i b u n a e s vai o c c u s a - I o
Agora, e de E zzelin lhe p e d e conta. lii
Q u e m t e m e r m ais q u e L a ra p o d e ria
Sua presença? e quem te-lo s u m id o
S e n ã o o h o m e m , a o q u a l as a m e a ç a s i 35
P o d e r a m c o n f u n d i r se elle existisse? Gü
Incerto, m a s g e r a l r u m o r se e s p a l h a ,
E á m u ltid ã o deleita este m istério ;
A apparente ír ie z a , com que Lara
S e n ã o fia d e a m o r , n e m d e a m i z a d e ;
33 —

Um rap ido fu ro r, q u e trahe sua a lm a ,


E esta d estreza em m e n e a r o s a b r e ;
O n d e a p re n d e u seu b ra ço não guerreiro?
Com o o s e u c o r a ç ã o se f e z t a m f e r o ?
N ã o h e pois u m a raiva p a ssa g eira , 145
Que se a t e i a , e se a p a g a f a c i l m e n t e ;
M a s o l u c t a r p r o f u n d o ja d ’u m a a l m a
S e m p i e d a d e o n d e as iras se d e b a t e m ;
E a quem poder, d esejo s saciados
T o d a t y r a n n a e m si r e c o n c e n t r a r a m : i 5o
D e m a is a p ro p e n sã o innata d T io m e n s
A n tes para culpar q u e dar louvores
S u r g ir faz c o n t r a L a r a u m a to r m e n t a
Qual tem era, ou q u iz e ra m seus c o n trá rio s,
E a resp o n d er o obrigam p o r um h o m e m ,
Kr
Q ue m orto, o u vivo d e v e p e rs e g u i-lo .

Y ilL

T in h a o paiz não p o u c o s d e s c o n te n te s ,
Q u e a tyrannia opp resses m a ld izia m ;
Alli não p o u c o s d ésp o ta s s a n h u d o s

]'n C o m o leis p r o m u l g a v a m se u s c a p r i c h o s : 160


G uerras fó r a , m otins co n tin u es d entro
A oppressão, e carnagem prom oviam ,
B a s ta -lh e s u m signal p a ra os estragos
B e p r o d u z i r de g u e rra s intestinas
O n d e a m ig o s , con trários ha sem n e u tro s; i 65
N o s c a s t c J lo s f è i u l a o s o b e d e c i d o s
]'--ram o s s e n h o r e s si m , m a s d e t t e s l a d o s .
L a ra tinha ta m b e m na sua h e r d a d e
M agoados coraçoen s , maos preguiçosas ;
M as d a terra natal a lo n g a ausência i'70
I) e l l e alTastara a i n f a m i a d e t y r a n n o ,
X- r'f^. Iè L agora o sen go ve rn o d o c e , e b ra n d o
Pouco e p o u c o os te rro re s d i s s i p a r a ;
G ozava do con ceito d o s vassallos .
P o r e lle , e nao p o r s i, sentiam sustos; 1^1
1 ^.1
Julgavam -n o in feliz, e n ’ outro tem p o
0 h aviam re p u ta d o antes p e r v e r s o ,
L o furor m u d o , e noites desveladas
C riam um m al na solidão n u t r i d o :
T i n h a a r d e a ífa ve l b e m q u e o s e u c a s t e l l o ] 8o
i\ e s t e v i v e r s o m b r i o e n t r i s t e c e r a ; II ji'
La sem pre a liv i o t i n h a m i n f e l i z e s ,
A o m e n o s c o m p a i x ã o d ’e l l e s s e n t i a .
Com g ra n d e s írio , altivo c o m suberbos
I' Í*- : A c o l h i a a os h u m i l d e s p r a z e n t e i r o ; i 85
P a r c o e m íallas, m as d e n t r o d e seu s lares
L ava asylo, a n inguém n u n c a cxpellia.
C o m o isto c a d a dia c o n h e c e s s e m
Alli n o v o s v a s s a l lo s c o n c o r r i a m ;
M a s d e p o i s q u e E z z e l i n se n ã o a c h a r a
90
F in g io -se m ais c o r t e z , e c a v a lh e iro :
L o com bate de O thon talvez te m e ra
Q u e urdissem contra si n o v a c i l a d a ;
Q u a e s q u e r q u e fossem seus in ten to s s o u b e
í* ^ m a i s s c q u a z c s q u e outros nobres. 195
— 35 -*

S e i i ’i s t o t e v e a s t ú c i a f o i t a m l i a b l l
Q u e os h o m e n s o ju lg a v a m c o m o o viam ;
A b r i a asylo a t o d o s , q u e o b u s c a v a m
Q u a n d o u m s e n h o r c r u e l os d e s p e d ia .
L a tinha o c a m p o n e z segura a c h o ç a , 200
M aldizer não p o d ia a sorte u m s e rv o ;
0 a v a r e n to g u a r d a v a os seus t h e s o u r o s ,
D o desprezo zom bava o d esvalid o;
D etin ha-os co m b o m tr a to , c recom pensas
T é q u e para o d eix a r fosse m u i t a r d e : 2o 5
O s odios esperavam q u e ch eg asse
O te m p o de vingança d ila ta d a ;
0 a m o r p e r outras núp cias m allogrado
C outava cm co n q u ista r gentil belleza.
N ad a falta, a b o lir s o m e n t e espera 210
Ares de escravidão, que m al existe.
L i-la a h o ra , o m om ento, em q u e a vingança,
Porque suspira, O thon julga se g u ra ;
0 seu arauto a c h o u u m reo ílngido
No castello c e r c a d o d e m il b ra ç o s 2i 5
D a s cadeias fe u d a e s livres d e p o u c o ,
Q u e c o n f i a m 110 c e o , c a t e r r a I n s u l t a m .
H o je L a r a liberta os feu d a ta rio s,
Q u e a terra lavram para seus s e p u lc h r o s!
Assim d izem — a senha das batalhas 220
y i n g a o p p r e s s o e n s , direitos r e c o n q u is t a :
R e lig iã o — vingança— lib e r d a d e —
Q u a l q u e r vo z leva os h o m e n s á m atança;
As phrases de m o tim espalha a astúcia,

I») driiim ph a o crim e , e pastam lobos, b ichos! 22 0


G
T a n t o p o d e r os n o b r e s u su rp ara m
Ç ' Q u e o joven rei apenas im p e ra v a ;
A o s r e b e ld e s o te m p o era p r o p i c i o ,
Que em p ou co o rei, e m o d io os n o b r e s tinham
Faltava c h e fe , u n id o á sua cau sa 2 ÙO
I
‘ ‘'f Acham u m , q u e Jamais p o d e t r a h i - l o s ;
I.
Q u e p a r a d e f e n d e r - s e as c i r c u n s t a n c i a s
'k- P o e m outra vez no m e io d e batalhas.
!■ ..
D e s tin o s o aífastaram d o s q u e am igos
F ize ra seus o sa n g u e , e a n a t u r e z a . 20D
■II D esde a n o i t e f a t a l se p r e p a r á r a ,
& M as não s o z in h o , a supportai’ r e v e z e s :

ÎC:: A ílli g i a - s e q u a n d o l h e i n d a g a v a m
m D o q u e elle havia fe ito e m terras lo n g e s ;
«
I'.t
U n i n d ’ á su a a c a u s a , q u e h e de to d o s. 240
^-•5 A o m e n o s retardava o seu dezastre.
K U m tranquillo p e z a r , q u e t i n h a n ’a l m a ,
I 3 ■'. A dorm ente p ro céd a, em q u e luttára.
P' \l'r A teados de successos, q u e am eaçavam
Fatal ru in a , aco rd am n o v a m e n t e , 245
:í‘ i' F L a r a se t o r n o u o h o m e m , q u e f o r a ,
|{ ;*
E he in d a, o u tro s p o r e m são os logares.
lii;;'
E lle a p r e ç o n ã o faz da v i d a , e g l o r i a ,
m '
Mas fa c ç o e n s arriscadas o d e le it a m ;
P en sa q u e os h o m e n s to d o s o d etestam .25o
Mas z o m b a do seu m a l, se o s m a i s p a d e c e m .
Q u e lhe im porta do p o v o a lib erd ad e?
— 37 —

LeTanta humildes so contra suberbos.


Na solidão julgara achar descanso,
La mesmo o fado, e os homens o perseguem 255
He como a fera em redes apanhada;
Bem podem-n’o esmagar, nunca abate-lo.
Sem ambição, cruel, e taciturno
Atégora tranquillo vio o mundo;
Mas de novo impellido a entrar na arena 2Go
Parece ser um não vulgar guerreiro ;
Ferozes são seus gestos— ares— vozes,
Vistas de gladiador vibra dos olhos.

E de que serve o descrever batalhas


Onde a morte, e os abutres se apascentam? 265
Onde he incerta a sorte nas fileiras,
E aos fracos ganham fortes o triumpho?
Ruinas fumam, e as muralhas cahem?
Igual aos outros foi este com bate,
Afora o cego ardor, com que baniram 270
Furiosas paixoens todo o remorso.
Ninguém pede perdão , nem lh’o concedem,
Os prisioneiros mortos são no campo :
A Victoria se alterna, a mesma raiva
■.]5 Inflamma aos combatentes, que triumpham ; 270
Guerream livres uns, outros escravos.
Pensam ter morto pouco se inda ha vidas.
jr -1
Para o facho apagar he ja mui tarde,
I
A fom e, e assolaçao tudo arrasaram j
f
>N O incêndio se ateou, lavrou a cliamma, 280
E a carnagem surri a cada presa.
'l l

•u I!■ .:
ül-^“ V XI

i ' ?'
^"M i-'
I)a nova liberdade compellidos
i : " ■• Os sequazes de Lara triumpharam ;
4 Porêni loi mallograda esta victoria,
A voz do chefe as linhas não cerraram ; 285
Em confusão carrec;am o inimiíxo.
Cegos no attaque julgam derrota-lo.
in A sede de vingança, e de pilhagem

iO Leva estes vagabundos á ruina;


Emvão Lara se empenha quanto j^ode 290
Lm n elles reprimir luria imprudente ;
Emvão busca estancar ardor tam cego.
Ateou, mas apagar não pode, a chamma
Cauteloso o inimigo ha de conte-los
Somente, e de seus erros castiga-los : 29^
1'ingidas retiradas, as fadigas,
E embuscadas nocturnas, as batalhas ' )>
Recusadas, a falta de soccorros,
O acampamento feito n’um ar frio.
As muralhas, que zombam do inimigo, Joo
E fazem mallograr-lhe o soíTrimento, ,
Aada disto previram: no combate
■;iV
— 39 —

Entram como soldados veteranos;


Antes preferem guerra, e seus furores,
!Í0
E prompta morte a um padecer continuo; ÕOJ
^ fome, e as doenças despovoam
As fileiras postadas ainda firmes;
Converte-se em pezar louco triumplio,
E Lara so parece inabalavel:
Mas poucos ja commanda, reduzidos 3 io
A debil troço estão seus companheiros.
Destemidos porem são os milhores,
Peza-lhes ter perdido a disciplina.
Uma esperança teem , perto a fronteira,
D ’esta guerra civil talvez escapem, 5i 5
E n’outras terras vão soíTrer pezares
De foragido, ou odios de proscripto :
Perder a patria custa-lhes, mais temem
Po rêm a morte, ou serem prisioneiros.

XII.

Resolveram— rompeu-se a marcha— a lua 020


Propicia os passos seus guia nas sombras ;
Ja lhe avistam os raios rellectidos
]No rio, que os estrema d’outras terras;
Distinguem— acolá lhes fica a margem?
:3o Ai 1— hordam-n’a fileiras inimigas. 02D
Dar-lhes costas!— Que veem na retaguarda?
A bandeira de Othon— e suas lanças!
— 40

INas collinas são fogos de pastores?


A i ! e dão tanta luz (jue impede a fuga:
Sem esperança, lassos de fadigas, 35o
E poucos, venderão cara a victoria !

XIII.

Fizeram alto: e he para respirarem,


E investirem m elhor, ou ficar firmes ?
Se attacam o inimigo, que na margem
Para a fuga vedar-lhes se postara.
335

Poucos, mas juntos possam escapar-lhe.


t-
■ 1 « Nos sermos atacados ! aguarda-lo k
« Somente fôra digno de cobardes. »
, r
4«• Apromptam sabres, redeas, findo apenas 34o ( M
0 derradeiro som hirão á car^a
O : 1 U
A voz, que Lara der, oh ! para quantos
a- Precursora será a voz de morte !

XIV.

De Lara a espada lu z , e inalterável


JMão he do desespêro este ar sereno ; 345
Mas exprime um desdem, que nos guerreiros
Não ha se alheios inales os compungem_

i-*-'
Il

Poem os olhos em Kaled, que a seu lado


Fiel nenhum temor siquer descobre;
Talvez no rosto seu sombria a lua ooo
Pintou a triste pallidez, que indica
Constância, não terrores de sua alma.
Lara o vê, sobre a mão lhe estende a sua:
Ella nem treme n’um momento d’estes;
Mal pulsa o coração, mudos os lábios, 555
No olhar somente diz « Não nos separam !
« Podem ser teus guerreiros destroçados,
« A vida perderei, deixar-te nunca ! »

Dera o signal, cerrados atacaram


As fileiras postadas pela margem; 56o
A’ espora obedeceram os ginetes,
Retinnindo os alphanges scintiílaram ;
São menos, mas iguaes cm valentia,
O desespêro os faz combater firmes;
Cahe o sangue no r io , e suas vagas 565
Té de manhan rolaram vermelhadas.

XV.

Lara commanda, ajuda, anima tudo


Onde o inimigo ataca, e os seus succuinbem ,
A voz d’elle conforta, o braço fere.
Perdeu-a, e inda inspira confiança. 070
Ninguém foge, e debalde o pretenderam,
Î
- 42
I vÍ:-'‘ I b

Quem recua outra vez instaura a carga 1


Ao ver ejue a vista, e goIp;s de seu cheio d '"
Kebatem a firmeza dos contrários : I P(.
Ora cm meio dos seus, ora sozinho í«'
. W: <
575 Ot
t . Rompe as fileiras d elles, une as suas;
Aao se poupa— parecem debandados— t
-5. ' Eis o tempo, levanta o braço, in v e ste - D
i. .
I^ Eomo tombou seu elmo, e seu pcnnacbo? }■
Ema setta voou, varou-lhe o peito! li
38o
Perdeu seu gesto aquelle ar de lorvo, fra
Fez descabir-lbe a morte o braço fero.
i\os lábios expirou-lbe a voz— triumpbo ;
Como lhe pende a mão desalentada !
Mas inda aperta a espada pelo instincto. k
385
Cansada a outra se afrouxou nas redeas ; h
Kaled as toma: e Lara involto em sangue, y>.

H Semi-morto, curvado sobre a sella, liK


'f A em dá fe de que o pagem desolado
0 conduz para longe do combate :
‘i 090
Porem inda pelejam seus soldados;
Quem m orre, ou mata apenas se distingue
li^'
,rf *'

l‘ i XVí.
I- k\
li‘- I/
Raia a luz sobre niortos, moribundos,
Capacetes, couraças estaladas; k

O cavallo sem dono jaz, rompidas
090
Com o expirar as cilhas sanguinosas;
— 43 —
»

Perto (Velle parece iiida palpita


P e, c[ue o csporeou, mão, que o guiava;
Guerreiros jazem junto da corrente,
Qxie parece arredar-se de seus lábios; 400
E esta sede, que ardente queima as fauces
Dos que morrem em meio de batalhas,
Debalde a abrasada bocea estende-lhes
^0 A um trago— o so— que refregere a morte ;
Eracos, e convulsivos se revolvem. 4 <

Pela relva san^uenta rocam lábios;


Quasi que a vida esgotam n’esta lutta.
Chegam á onda, inclinam-se a bebe-la:
Presentem-lhe a frescura, c quasi a tragam-
Porque param? Ja sede os não devora— 10
Saciada não foi, mas não a sentem;
isto era uma agonia—
O ella acabou-se!

XVII.

Mas á sombra d’um til, longe da scena


Onde per causa d ’elle houve o combate,
Scral-morto um guerreiro inda respira:
lie Lara, e firme esgota a vida em sangue.
Kaled, que foi seu pagem, e seu guia
Agora, se inclinou sobre a ferida.
Quer lhe estancar o sangue com a banda ,
Que a cada borbotão golfa mais negro; 20
Mas ja mortal, e escasso mana em ho.
n
— 44 —

■ 1
E um cîebil respirar se ,escuta apenr-s:
jNâo ialla, mas acena que he debalde,
■'<iV V;. Fundo soluço arranca apoz o aceno. ''
■H .L l'
Aperta a mão, que quer calmar-lhe as ancias, 4a5
C um surriso agradece ao triste pagem,
Que enlevado se fita no semblante
Pallido, que descansa no seu collo,
iN estes olhos ja baços, mas que foram
INa terra unica luz, que o conduzia. 43©

X YO l.

O inimigo correra o campo, c chega,


Sc ].ara lhe escapar perde o triumpho;
Q ueicm -no conduzir, porem nao podem.
Elle os ve com desprezo imperturbável.
Parece saptisfeito do destino, 455
Que o tira d’uma vida abhorrécida:
Othon chegara, apea-se, e ferido
Contempla quem seu sangue derramara,
' I
Como está lhe pergunta; não responde,
E o ve como se nunca o conhecera, 44o
Para Kaled se volta:— as suas vozes '
Foram claras, porem não entendidas; '
São moribundos sons na lingua estranha,
Que saudosas lembranças lhe recorda.
De aventuras passadas conversavam, 445
Mas quaes— Kaled o sabe , que 0 entende ;
45

Â’s suas vozes baixo respondia,


E em mutuo espanto todos o cercavam:
Parecem— e ambos— quasi se esquecerem
P o presente em lembranças do passado; A5o
E entre si partilharem um destino,
Cujos mistérios são impenetráveis.

XL\.

Fallaram muito, mas em voz sumida—


Quem ouvisse do assumpto avaliara;
Mais perto de expirar parece Kaied 4o5
Do que Lara nas vozes, no semblante,
Tam tristes, tam profundos sons cortados
Os seus paliidos lábios articulara;
A voz de Lara he debil, mas distincta,
E firme té que a morte a enrouquecôra: A6 o
O seu rosto po.rêm se não altera,
IN’elle paixoens, remorsos não acháras.
Salvo quando luttando em parocismos
Em Kaied ternamente poz os olhos ;
E logo que acabou de responder-lhe 465
Lara levanta a mão para o Oriente :
Ou fosse ( como o sol surgindo as nuvens
Rompera ) porque a luz lhe dá nos olhos,
Ou acaso, ou lembranças dos logarcs,
Que aponta, onde passou saudosas scenas, 4 70
Kaied mal dá por isso, e víra o rosto
I'll f
liJ- I.
(^omo cfiiem abhorrece o novo dia.
])a malulina luz desvia a visla,
b a lixa em Lara— ve sombras de moiie.
Ncão perdeu a razão— antes perdera; /,75
A redemptora cruz um lhe descobre,
L lhe amostra o rozario sacrosanto,
Que lhe podem valer no extremo lance
Í j Lara os ve com um surrir profano—
Pcrdoe-liie o ceo se foi o do desprezo: '.8 o
E Kaied sem fallar, de visla immovel
Pela agonia, e cm Lara so fitada.
>’um gesto arrebatado lhe desvia
A m ão, que tem este penhor sagrado,
Como se elle aííligíra ao moribundo. 485
Sem saber que elle agora enceta a vida
líiSsa vida immortal, que lie reservada
AVjuelles, cuja fé descansa em Christo.

XX.

Mas Lara ja soltou fundo gemido.


De escuras sombras cobrem-se-lhe os oihos; 490
Jazem convulsos membros, a cabeça
Descahe no collo debil, não cansado;
Aperta a mão, que tem sobre seu peito—
.Ia nao palpita,-mas Kaied não larga
A regelada mão, debalde espera
47

Para saber se vive outro soluço.


« Inda palpita ! »— oh louco ! ja iiüo vive—
Esses restos, que vcs, ja não são Lara. ( 2 )

XXL

Pita-o como se o voo não soltara


Sôpro iminortal, que teve o fragil lodo ; 000
Todos querem tira-lo d’este trance,
E a desvairada vista elle não muda;
Mas quando o levam dos logares onde
Inda abraça despojos insensiveis.
Ao ver rosto , que unir quizera ao peito , I)o0
Cahir qual terra em terra na planicie,
Não SC arroja também, e nem arranca.
De seu preto cabello lindos fios,
Mas pára, olha, vacilla, e desfallece,
Quasi como esse, que elle amava tanto. 10
Que e//e amava ! oh! que nunca peito d’ homem
Sobre a terra sentio amor tam puro 1
Alfim neste momento se descobre
Longo arcano téqui mal disfarçado ;
Para o animar despojam-n’o das vestes. 0 1ô
Mostra-se extincta a dor, patente o sexo;
Torna em si, porem Kaled não tem pejo—
Que lhe importa ja’gora o sexo, e honra?
i'' :

Lara nao jaz aoiicle os sens descansam,


A sepultura teve onde expirára; ' '^ 620
Repousa em paz se bem que não tivera
Rençãos sacerdotaes, nem monumentos;
Uma bella o chorou com dor tranquilla,
Mais profunda porem que a um rei um povo.
Emvão pelo passado lhe perí^uintam , 32D
Ameaçam-n a emvão— nada responde ;
Nao diz porque , nem como abandonara
Tudo por quem tam pouco era extremoso.
Como o amou? Que loucura!— muito embora-
Acaso amor depende da vontade? 55o
Podia gostar d elle : as almas fortes
Teem mais vivo sentir do que se Julga,
Mal sabem como adora um peito íirme
Apezar de que os lábios o não digam.
Laços communs nam foram os que uniram 555
Com Lara o coração, e alma de Kaled ;
Mas ella não declara esses mistérios,
1 Jf
Quem poderá faze-lo ja não vive.

XXílí.

rF Poem Lara em terra, c encontram-lhe no peito


bóra o golpe, que a vida lhe tirara, 5 /|,o

lit'
— 49 —

As costuras de muitas cicatrizes,


Que d’esta nova guerra não nasceram;
Onde quer que passara os an nos verdes
Parece have-los gaslo nos combates;
Se teve gloria, ou crimes se não sabe,
Mas sim que derramou por vezes sangue ,
E E zzelin, que dizer podéra o resto,
Não vem — talvez morresse aquella noite.

XXIV.

Um vassallo ( isto assim se divulgara ) ( 3 )


Que n’essa noite o valle atravessava , 55o
Quando á luz da manhan fugia a lu a ,
E as nuvens lhe oíluscavam o minguante,
Madrugara para bir cortar a lenha.
De cuja venda os filhos se nutriam,
E hia a longo do rio, que divide 555
Terras de Othon, e o grão solar de Lara:
Ouve rumor— assoma nm cavalleiro
Do bosque— dos arçoens da sella pende
Um vulto, que involvido vem n\im manto,
E o cavalleiro traz cuberto o rosto, 56o
Pasmado da aventura inopinada,
E suspeitando ser talvez um crime ,
Occulto o camponez lhe espia os passos,
E vê que chega ao rio, que se apea,
Tira cie cima o vulto, que trazia,
Sobe a margem, nas ondas o mergulha.
Pára, e volve a vista a toda a parte
lî(
:í Em sobresalto, e torna a olhar ainda,
E apoz vai da corrente despenhada
Como quem d ella bem se não confia: 570
r
Assustado parou junto a umas pedras,
Que as torrentes do inverno accumularam; |íl
E cl ellas escolhendo as mais pesadas De
A s ondas cauteloso arremessou-as. li
Em tanto o camponez se poem de modo
Que sem sentido ser alcance tudo ;
Um cadaver boiar se lhe affigura,
E uma estrella luzir-ihe sobre as vestes,
I ' * Mas antes de poder mui bem fita-lo, d
Uma pedra maior o leva ao fundo : 58o
J orna em cima, porem mal se distingue,
E as aguas se tingiram de verm elho,
E sumio-se logo ; o cavalleiro Co;
Olha ate desfazer-se o redomoinho,
Que a agua fez; voltou, monta a cavallo, 585 ? E
E pressuroso subito partio. í .
Tinha mascara— o medo não deixára Lu
Ao camponez ver bem feiçoens do morto, Î Î.
Se o era; mas se o peito tinha estrella, * &
i: 1
Í!-ssa insignia so trazem cavalheiros, 090
E dizem que Ezzelin uma tivera
i\a noite, que este dia precedera.
Se íoi elle a sua alma os ceos recebam !
.Ao mar occultas foram suas cinzas ;

ï&\
li
— 51 —

Mas caridosa fé não acredilc ^9 .)


One ás mãos do Lara os dias acabara

Kaled— Lara— Ezzclin, ja não cxislom,


De [)cdra funeral Iodos privados !
Em vão levar a Kaled pretenderam
Do logar onde o amante verteu sangue; 600
Tanto abatera a dor esta alma forte
Que pouco o pranto foi, nenliuns gemidos;
Mas se intentam leva-la dos louares
Onde ella inda cm delirio julga ve-lo,
Os seus olhos scintillani como o tygre, ()o5
A quem o cassador roubara os filhos;
Se ahi a deixam livre altenuar-sc,
Com pliantasticos seres ella falia
Como os que a dor produz cm seus delirlos,
E pede-lhes que escutem seus queixumes: (3IO
A ’ sombra está do til onde cm seu collo
Lara a cabeça poz dcsfallecida;
E como se inda o vira se recorda
Dos gestos d’elle, e fallas, e agonias;
O seu preto cabello lhe cortára, (3i 5
Do peito agora o tira, e o estende
Na terra devagar como quem busca
Ensopar fresco sangue d’nm phantasma,
ïnterroga-o, c responde cm logar d’elle;
«
tf" ï ^
i:'r, V‘ !M
■ l)
,1 52 —
Jí[ W 4 ’Ví’
i<.lj //-• LevaiUa-se depois, pede-lhe em ancias 4I>
620
Que fuja dum espectro, que o persegue;
Logo ao pe da raiz do til sentada
Com as myrrhadas mãos esconde o rosto,
()u grava pela areia estranhas phrazes—
Lxpiiou jaz ao pe do seu amante; 625
Que foi*fiel sabemos— e mais nada. ( 4 )

FIM.

■ ■ r!

|f? t
— 53 —

NOTAS.

C A N T O PRIM tTRO.

( 1 ) O po em a L a ra foi p u b li c a d o e m i 8 i 4 logo d e -
pois do C o rsá rio . O illustre poeta o c o m e ç o u antes do
iim de maio , e o deu á liiz e m agosto s e g u in t e , dec la­
ran do c|ue largava a poezia por a lg u m tempo.

( 2 ) « O leitor no tará c p ie , sendo líe s p a n h o l o no m e


d e L a r a , e não de ter m in an do um a c ir cu n st a n c ia de l o c a ­
l i d a d e , ou de des cri pç ão n a t u r a l, a . s c c n a , ou o he ro e
do poe ma e m cpialquer p a i z , ou e p o c a , a palavra v a s-
s a llo s , que iiao pode ser ve r d a d e ir a m e u t e appllcada aos
da classe mais ba ix a da H e s p a n h a , que nu nc a for am vas­
salos de t e r r a , fôra todavia em p re g a d a para desio-nar os
sequazes do nosso c b e f e imaginário. — ( L o r d B y r o n n ’ou-
Iro lo ga r de clar a que c o n s id e r a L a r a um cliele da Mo-
r e a — E. ) »

( 5 ) « Aelia-se em parte a propria d e s c r i p ç ã o de


L o r d B y r o n ii’esta secção. S ir J F a lter S co tt. » E nós
a c c re s e e n t a r e m o s que este n o vo R a p h a e l da poezia m o ­
der na se re t ra ta ra perfeitameiite a si m e sm o na pessoa
de L a r a ; mas não quiz pintar um perverso que elle
m e s m o o não era. L o r d B y r o n pade cia de um a doença
de espirito ( como^ dicemos ) , que atormentou a muitos
h o m e n s grandes. C o m o Rousseau bia no al ca nc e da vir­
t u d e , amb os se a n o ja v a m do m u n d o ; mas um ch or ava
p a c i í i c a m e n t e , e o outro tomou uma attitude d e m a z ia d a -
m e n t e firm e, e es toic a, deixou-se levar de um delirio c y n ic o ,
e de um a desesperação raivosa, ap p a re nt em en t e p e rv e rs a , e
até m es m o p o r vezes b la s p h é m a — talvez ambos se e x t r a ­
v i a v a m , e ambos deliravam. C o n r a d o h e o que L o r d B y r o n
— 54 —

qiiizcra scr l a i v c z : mas L ara he o que elle cm v e r d a ­


de Ibi. A c c u s a m - n o de impiedade c m sens a d o s , e es-
c r i p l o s — n ã o : era antes a vaidade de u m espirito arden te,
que busca c o m avidez o falso brilho de uina gloria ni om en ■
la n e a — o defeito de um e s t u d a n t e , ou de um collegial.
I alvez o irritassem a s a t y r a , e os sarcasmos dc seus f
c o m p a t r i o t a s , e a cr ua opposição oligarcliica dos da sua
ordem. Mas o certo hc que L o r d B y r o n possuia o mais r c '
finado ve ne no da satyra , c quando p r o v o c a d o era co m o
a vibora , feria in orla lm entc . E a q u e m c ri m ln a r ?— á
in ju stiça c o m que o tr ata ram :
IJis m adness was not o f the h e a d , but heart.

( /| ) A l l u d e aos m a u so lc o s , urnas , c pedras fune -


raes c o m l e g e n d a s , de quo em Inglaterra se usa. O b se rv e-
se i[iie a d c scrlp çã o do solar de L a r a he a dc New stead
A b b e y do incsino illastrc pocta.
t- ■
( 5 ) « l i e lima propriedade notavcl da poezia de
L o r d B y r o n quo ainda que o sen to m he fr eq ue nt em en te
var iad o— ainda quo p a r e c e haver-sc apoderado alguma
v ez da d i c ç ã o , e estilo ca rac ter íst ic o de muitos c o n t e m ­ -I

p o r â n e o s — assim m e s m o , não somente a sua poezia he


m a r c a d a c m cada assumpto dc um m o d o o mais valente
de o rig inalida de, mas l a m b e m c m algumas particularida-^
des pr in cipacs , c cs pc cia lm cn t e no c a r a c t e r de seus heroes,
cada n arr aç ão se assimelha tam v iv a m e n t e a o u t r a , q u e ,
tratada p or cs cr ipt or de m eno s f ò r ç a , h o u v e ra c m r e s u l­
tado u m a m onoto nia fastidiosa. T o d o s , ou quasi todos,
os seus heroes tem o q ue r que seja das qualidades dc
C h i l d e H a r o l d : t o d o s , ou quasi to d o s, tem se n t im e n t o s ,
q ue p a r e c e m c m desharmonia c o m sua s o r t e , c que dão
altos e p u ng en tes toques dc d o r , e de p r a z e r , uma p r o ­
funda sensação do que h c n o b r e , e h o n r o s o , c uma
i g u a lm c n t c profu nda sensibilidade da in ju st iç a , ou da in­
juria c o m 0 garbo do stoicis m o, ou desprezo do g c n c r o
h u m a n o . A fòrça de uma primeira ji a i x ã o , c a v e h e m c n c i a
■f de um se nl iin cn lo j u v e n i l , são u n ifo r m e m e n te pintadas c o ­
}
I

• 11 m o e n r e g c la d a s , ou dirivadas do eíTeito dc pr ime iras i m -


p r u d c n c i a s , ou de u m ne gro c r i m e , e a fruição de um
gòso he ))erlurbada pelo dem asiad o c o u h e c i m c n l o da vaidade
dos dese jos hum an os . Estas f|ualidad(.‘S geraes discriminam
as asperas íeiçoens de Iodos os lieroes de L o r d B y r o n , d ’esde
as que são ep so m hr ea da s pelo de sc a rn a do ch a p eo do illustre
P e r e g r i n o , até as que se e s c o n d e m debaixo do turl)anle
de A lp o R e ne ga d o . E sta va- lhe rese rvad o o apresent ar o
m e s m o c a r a c t e r em scena p u b li c a um a c m uita s vezes v a ­
riado so m en te pelos e xf o rç o s d ’este genio p o d e r o s o , que
pe sq uisa nd o a or ig em da ])aixão e do sentim ento no seu
mais int imo r e c e s s o , c o n h e c e u c o m o se c o m b i n a m as suas
o p e ra ç o e n s de m o d o q u e c oi is tan tem en te varia se m n u n c a
d im in u ir ap ez ar de q u e a mais im po rta nte pe rso na gem do
d ra m a c o n se rv e as m e sm a s feiçoens. \ irá dia , em q ue se
re p u te c o m o o p h e n o m e n o litterario não o menos notável
d ’esla c p o c a , qiic du rant e o pciãodo de q u a t r o a n n o s , a p e ­
z a r do n u m e r o do dis linclos talentos p o é t i c o s , d e q u e nos
p o d e m o s gloriar , um un ico a u c to r — e esto m e sm o m o v e n ­
do a sua pe nn a c o m a d e s c u i d a d a , c negligente facilidade
de um n o b r e , e t o m a n d o po r seu Iheina assu m pl os tam
p a r e c i d o s , c p e r s o n a g e n s , ({uc tanto se a ss ime lham entre si
— p o u d e a p e z a r d’esLas c i r c u n s t a n c i a s , das desagradaveis
q u a l i d a d e s , que deu aos seus h e r o e s , e da vol ub ilid ad e
p ro ve rb ia l do p u b l i c o , m a n t e r e m seu favor a a s c e n d ê n ­
c i a , q ue tinha ga nh o c m sua pr imeira p r o d iic çã o m ad u ra .
C o m t u d o tal foi elle In di sp ut a v cl m c ul c. — S i r f F a l t e r S co tt. »

( G ) « Esta d e s c ri p ç ã o de L a ra regressando r ep en ti n a,
c in e s p e r a d a m e n t e de viagens distante s, e re assum indo a
sua posição na soc ie da de de seu m es m o p a i z , tem g r a n ­
des pontos de similhança co m a p a r t e , que o m e s m o a u ­
c t o r p a r e c e a c c i d c n t a l m e n t c tom ar nas scenas onde o gra n d e
se m istura c o m o formoso. » Id em .

( 7 ) L o r d B y r o i i formou um a escola n ovo-rom a n lica ,


que até h o je se julg^a in i m i t á v e l, ap ez ar de nos p a r e c e r que
o iiluslre c o n d e de E h a t e a u b r ia n d a f u n d a r a , e elle a
a p e r fe iç o o u . Mas o cpie he ce rt o he que L o r d B y r o n p e n e ­
trou no mais r c c o n d il o do cor aç ão h u m a n o , es ten de u im-
m e n sa m e n lo o d o m .n io da poezia m e t i i a p l i y s i c a , levantou
l o i n po de ro so cinzel ein alio re le v o o mais a bs lra ct o ideal i ef>'
am o, e e s c a n c a r o u o mais se cre to do sentimento è
ado rnou fm al .n en tc a poezia de novas im a g e n s , nóvo

r ”so'’ ''1m .'’ « » -laalcprer sur^


ISO, u„, de cor, carregar do sobrancelha, com-
i m . m r , ou levantar de k b i o s , e finalmente o mais imuer- t3l
ce p ti vc l m o u m e n t o , a c h a r a m in t e r p r e t a ç ã o , e vida nos lí
p m c e is deste g r a m le p o e t a - I b i o Kapliaél da poezia m o ­
d er n a . Na c o n c e j . ç ã o , v a r i e d a d e , e l e g a n c i a , e s n b l i m b k d e
íoi ic p u t a d o ])octa da pr ime ira centú ria.

( 8 ; Dillicil será e n c o n t r a r e m poezia a n t i g a , e m o ­ I\Ç5


d e r n a um p e d a ç o mais b o l l o , e sentimental. L o r d iSyron
t7 en‘lo" « «Icgancia de^le,"
in e ío L s a

I i ^ ^ d este p a g e m , cu ja de sc ri pç ão h c tam
üelia e m is t e ri o sa , não deixa talvez de ter orisrem v e r d a -
tieira e m al gu m a das a ven tur as rom an esc as do illustre
ft,:
m in or ahsar a m em ór ia da c o u d e r a C n i c c i o l i , ou de ou ­
tra (pialtjuer pe rso na gem c m si ia sp er eg rin a ço e ns do O ri en te ,
».oino rpier tpic seja , o iog ar ( a Italia ) , e as c i r c u n s t a n ­
cias, c m cpic este po em a foi c o n c e b id o , o feito, nos in c lin a m kl
a pr ime ira o p m ia o . C o m t n d o este d n e l l o , o ge n e r o da oc;
gue rra en tr e L a r a , e O l b o i i , a a r m a d u r a , e outras c i r ­ üu
c u n s t a n c i a s , (leixam prosnppor a m ei a ida de a c p o c a do
p o e m a , c a península o seu th e a lro .

( 10 ) L o r d B y r o n re ve lo u os arc ano s mais r e c o n d il o s


(to s e n t im e n t o , pintou os c a r ac te r es mais íin o s, e i m p e r ­
ceptíveis de pa ix o en s d i v e r s a s , c ( d ig a m o -l o assim )
apalpou o co r a ç ã o lu im a n o , poz-lhc a mão em ci m a sem
estancar-Jlic o m o v i m e n t o , c pe rseruto u- lhe as suas mais
intimas sensaroens.

l i e opinião gera! ffue o n ob re L o r d , ainda f]uc


i|,' d e s c o n h e c i d o , e x c it av a a attencã o de q u e m o v i a , e que


e r a m Indelcveis as im p r e ss o e n s, que deixava.

( 12 ) í l a u m mistério u ’c s l c e n c o n t r o , c nas a v e n ­
turas q ue o d ev e ra m p r e c e d e r , e que o s e g u i r a m , q u e
e m ve r d a d e nos e n l e v a , e nos deleita apez ar de que ig n o -
; ra m o s o p r i n c i p i o , c o íim : e talvez h e d ’este s e g r e d o
ro m â nt ic o de fad as, e n c a n t a m e n t o s , m ag as, e ca val he ir os
n a m or ad os da idade m e d i a , c de que se ap o d e ro u o g r a n d e
talento de L o r d B y r o n , que na sce c m gra nd e p a r le a h e l -
leza de suas c o m p o s iç o e n s. A l é m dos a n ti g o s, que o c o ­
n h e c e r a m , c tratara m c o n f o r m e o t e m p o , ho je p o u c o
neste gen ero a c h a m o s , que iguale n — D o n a B ra n ca

C A N T O SEGUNDO.

( 1 ) « P a r e c e q u e L o r d B y r o n to m o u um p r a ze r c a ­
pr ichoso c m m al lo gra r no C a n t o se gu n d o a m o r p a r te
da c x p e c t a ç a o , que causá ra no primeiro. P o r q u e , sem a
re v lv e n c i a de S i r E z z c l i n , a misteriosa aparição de L a ra
no seu antigo castello se torna urna m er a p e ç a inútil de
b a g a t e l l a , ina p pl lc ave l a q u a lq u e r assumpto Intclligivel ; —
0 c a r a c t e r de M e d o r a , a qual nos c on te nta m os de o Jd-
servar m ui p a c líi c a m e n t c a co st u m a d a na Ilha do Pirata ,
se m in da ga r d ’o n d e , ou co m o ella se passara a q u i, lica
involvido n ’ uma a m b i g u i d a d e m u i d e s a g r a d a v e l , po r causa
de al gu m a c o n n e x ã o misteriosa en tre e l l a , e S ir E z z e l i n ;
— e mais a i n d a , o s n b e r h o , c gene roso C o n r a d o , q u e
pr ef er ir a a m o r t e , e os tor m en to s á v i d a , c á lib er d a d e ,
se c o m p r a d a p e r u m n o c t u rn o h o m i c i d i o , se de grada
n ’ um v i l , c c o b a r d e assassino.— C eo rg e B ilis ». P a r e ­
ce-nos h a v e r aqu i demasiada severid ade ao menos na p r i ­
m e ir a parte. T o d o s os he roes pois, suas f e i ç o e n s , c a r a c t e r ,
c indole d e v e m ser o — ?ion plus u ltr a — da p e r f e i ç ã o — d e ­
v e m ser m o d e la d o s pe lo A p o ll o de P h i d i a s , ou pela V e n u s
58

(Ic Med ieis? A h e r r a ç o c ii s c o m o as de L a r a , c Gonrado


serão seinprc h e l l a s , e de pe r si c o n í u n d e m toda a
c i i t i c a . ddíiceis dc Iratar c o m o sao pr ovam nada menos
i: :iie
do qiie a prodigiosa l ô r e a , o Iceundidade do e n gen h o do
illnslre poeta.
r lasi
!: enc
{ 9. ) A m or lo dc í.ara he in c o m p a ra ve lm en te a pas­
'i 'poí
sagem mais hella no ] ) o e m a , e he perfeitamente igual ao
que o aiictor aliaz escrev êra jamais. O h o r r o r p h y s ic o do
a c o n l e c i m c n t o , ainda que dc scriplo c o m l o r ç a , e iideli-
dade le r r i v e l, hc r e a l ç a d o , c subido e m pr eç o pelas
hellas pinturas dc e n e r g i a , c aíTecção m e n t a l , c o m que
se mistura. T o d o o resto do po em a he escrito co m igual
f o r ç a , e se n t im e n t o , c pode entrar e m c o m p e t ê n c ia co m
o que a poezia tem prod uz id o no que pe rten ce ao p a ­ u-
lhas ^ ou e n e r g i a . — J e ffre y ». ÒL'

( 5 ) L o r d B y r o n apontou aqui uma passagem da his­


toria dc l.c ã o X de R o s c o e , vol. I pag. s 6 5 , que diz
lh e su ggcrí ra o ])rescnte ep iso d io , a qual omittimos por
l o n g a , c c m nada e s c l a r e c e r o assumplo.
lUi"
( 4 ) « L a r a , ainda 'que tem muitas passagens b o a s ,
h c uma gra n d e prova de um facto m el a n c ó lic o , o qual he
v c i‘dadeii’0 e m todos os elfeitos, d’esde a co nt in ua ç ã o da
E n e i d a , p e r um dos famosos poetas Italianos da m eia
idade , até « P o l l y , » se gu im en to da O p e r a de B c g g a r ,
« dc que » pe la m o r parte as ultimas palavras « pod ia m
g e r a lm e n t c ser dispensadas sem gra nd e pe rda do m u n d o .
I:^
— O B isp o í l e b b c r ». O illustre cr itico p a r e c e de seja r que
o p o e m a findasse no p e nú lti m o verso.
« L a r a te m alg um as h e l l e z a s , que o Co rsá ri o não tem.
l l c mais c a s e ir o ; ex c ita m uito mais sy m p at hi a c o m a so­
c i e d a d e polid a; he mais inteiligivel, m as m u it o m e n o s ap ai­
x o n a d o , menos í o r t e , c menos b r i l h a n t e , antes lie a lg u ­
m as vezes l â n g u i d o — c em co n c lu sã o h c mais diíliiso.—
S ir E . B r y d g c s ».
« L a r a , o h v ia m e n te a c o n t in u a ç ã o do « C o r s á r i o , »
con se rv a g e r a lm e n t c o m e s m o tom dc pr ofu nd o i n -
— o9 —

t c r c s s e , c dc sctitiuienlo s u b l i m e , — ainda q u e a desap-


pa r iç ã o dc Med ora da scena o priva da e n c a n t a d o ra do •
ç u r a , pela qual o seu t e rro r lie aqui r e s v a l a d o , c torna
o h e r o e íiiialnientc m en os se duet or. O c a r a c t e r de L a ra
t a m b é m he m e s m o a c a b a d o m ui t r a b a lh o sa m e n le ( * ) c o s e u
e n c o n t r o n o c t u rn o c o m a app ariçã o b e leito m u i , c m ui
p o m p o s a m e n t e . Ha aqui iníinita b c lle z a na pin tura do P a ­
g e m m i s t e r i o s o , e c m muitas das reflexoens m o r a e s ,
ou genericas , que estão cn t re s a c h a d a s na n a r r a ç ã o . —
J elfrey.

\ ^ ) « Que entendem por Iraballiar? lía escreví Lara quando


me despia depois de vir para casa dos bailes e mascaradas no armo
das galbolas i 8r4 ( Carias de Jiyron, 1822 )
Esta a resposta de Lord Hyron. Mas nós por « inui trabalhosamente 0
entendemos o « bem acabado » em pintura como dizem cs da arle :
e quando em taes momentos se compunha tam bclla poezla, o que
deveiamos esperar da que fosse feita no remanso da paz , e quando o
espirito se não achasse exinanido.^ Rias ern ftm lia nm limite nas cou-
sas iiumanas , alein do qual fòra vaidade esperar, ou proinelter mais.

FIM DAS NOTAS.

ERRATA.
Ficam sem ef]'cilo a. pag. os slgnaes— no principio dos versos 397, 5()S,
4ot, /(02 c 4o6 ; c no fim dos rersos 099, e 4'’9* Quacsquer oalros ur­
ros não somente não alteram, ou invertem o sentido, como tambem são dc
mui facil correcção.
J
.m
'lili!’
-A •?• .
^iUiJiJ f. i . [
:

I'*, ’r'x’j'- /? •-
>
k :ii :
■'* i ■.)(' „ J
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Lrt
j>0 •• :ir .Í >r ...’'I" v ,‘ >i Hi ri' , 'UiiU
:' ' <■ ■. “ - * ;-■ .. ii Y ~ r : i i.'î,:rUor-^
M i '»•J;î-“!:i!-^'1 :)0 b ’ :b iM ÍM f)n ■■-íH
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r.t- t ! s- » ti' ■, 'Jîè'5
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