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Ministério Público do Estado de Mato Grosso

1ª Promotoria de Justiça Cível de Tangará da Serra

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA 4ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE


TANGARÁ DA SERRA– MT

URGENTE – PEDIDO LIMINAR – NOVO CORONAVÍRUS


SIMP 001893-009/2020

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO, por seu


Promotor de Justiça infrafirmado, no exercício de suas atribuições legais, vem perante Vossa
Excelência, nos termos do art. 74, VII e art. 44 da Lei nº 10.741/03 (Estatuto do Idoso), vem
oferecer a presente:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER


C/C TUTELA DE URGÊNCIA

em face do MUNICÍPIO DE TANGARÁ DA SERRA, (pessoa jurídica de direito público interno,


registrado sob CNPJ n. 03.789.239.0001-66, representado pelo Prefeito Fábio Martins
Junqueira, ou a quem suas vezes o fizer, via Procuradoria Jurídica do Município de Tangará
da Serra, com endereço na Av. Brasil, n.º 50-W, Centro, CEP 78.300-000, Tangará da
Serra/MT), pelas razões e fatos de direito a seguir aduzidos:

I – DOS FATOS:
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Trata-se de Inquérito Civil instaurado após recebimento de e-mail


encaminhado à 1ª Promotoria de Justiça Cível de Tangará da Serra/MT, pela Comissão de
Saúde da Câmara Municipal de Tangará da Serra/MT, que noticia em síntese a transferência
de pacientes diagnosticados com coronavírus em estado grave para outros municípios,
mesmo diante da existência de leitos de UTI no Hospital Municipal, inclusive sendo estes
leitos declarados pelo prefeito. Aponta sobre a falta de equipamentos de proteção individual
(EPI’s), insumos e demais equipamentos, que tornam os leitos locais inoperantes.

Aduz ainda sobre a ausência de contratação de profissionais da saúde


para trabalhar na UTI e a ausência de aplicação dos recursos oriundos do Governo Federal
na UTI-Covid do hospital municipal.

Isso posto, oficiou-se o Município e Escritório Regional de Saúde para


apresentarem informações/esclarecimentos sobre os fatos e apontamentos, além de visita
técnica deste último órgão, bem como solicitou-se ao Conselho Regional de Medicina do
Mato Grosso (CRM-MT) para que realizasse relatório detalhado das condições do nosocômio
municipal e capacidade/efetividade para o atendimento aos pacientes com
suspeitas/infecção de COVID-19.

Em resposta, o Conselho Regional de Medicina apresentou relatório


realizado no mês de abril no Hospital Municipal, confirmando que os leitos não estavam
ativos.

O Município requereu inicialmente cópia integral dos autos para


manifestação (ID: 50900469) mas, antes da análise do pedido, apresentou resposta aos
quesitos formulados (ID: 50916981, 50916987 e 50916991).

Por sua vez, o Escritório Regional de Saúde informou que no dia


26/05/2020 realizou uma visita técnica no Hospital Municipal e verificou que os leitos
encontram-se inativos, com equipamentos de caixas ainda lacrados, equipamentos
desmontados, respiradores incompletos, em especial, ausência de: (i) instalação da bomba
de vácuo para realização de aspiração fechada; (ii) aquisição de 22 (vinte e duas) bombas de
infusão e (iii) instalação de exaustor biológico no interior da UTI.

Afirmou também que através da Portaria n.° 1.236, de 18/05/20, o


Ministério da Saúde habilitou 8 (oito) leitos de UTI Adulto – Tipo II – Covid-19, no Hospital

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Municipal de Tangará da Serra, com o repasse de R$ 1.152.000,00 (um milhão, cento e


cinquenta e dois mil reais) para custeio exclusivo destes leitos.

E, que este valor é apenas parte do que já fora repassado pelo


Governo Federal durante os últimos 60 (sessenta) dias, totalizando R$ 2.311.911,55 (dois
milhões, trezentos e onze mil e novecentos e onze reais e cinquenta e cinco centavos), para
execução de medidas para enfrentamento ao novo coronavírus (ID: 50917040).

Isso tudo em contrassenso total ao que a Gestão Pública vinha


informando não somente ao Ministério Público através dos questionamentos feitos no SIMP
001396-009/2020, como informado nos Decretos Municipais, conforme a seguir.

O Decreto Municipal nº 169/2020, de 24 de abril de 2020, aponta a


existência de 13 (treze) leitos de UTI’s no município exclusivos para uso de pacientes
infectados pelo coronavírus, disponíveis desde o dia 07/04/2020:

No Procedimento Administrativo, registrado no SIMP nº 001396-


009/2020, quando questionada a quantidade de leitos de UTI’s e enfermarias, bem como a
equipe técnica, o gestor público municipal respondeu em 16 de abril de 2020:

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Diante das incongruências, expediu-se Notificação Recomendatória


nº 005/2020 ao Município de Tangará da Serra para que realizasse todos procedimentos
para o pleno funcionamento das UTI’s médicas para o setor do Covid-19 no âmbito
municipal, devendo expressar aceite ou não, no prazo de 24hs, todavia mesmo após ter
passado o dobro do prazo, o ente municipal se manteve inerte.

Dessa forma, considerando que o atendimento indispensável à


população tangaraense que carece do serviço público de saúde foi tratado de forma
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desidiosa pelo Poder Público, vem o Ministério Público mais uma vez bater às portas do
judiciário para intervir em nome da sociedade a fim de obter a garantia do direito à vida e
saúde.

II – LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO

A norma do artigo 127 da Constituição da República Federativa do Brasil


prescreve que ao Ministério Público, instituição essencial à função jurisdicional, compete a
defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis. Estabelecido este vetor, dispõe em seguida:

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:


II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância
pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas
necessárias a sua garantia.
III – promover o inquérito civil público e a ação civil pública, para a proteção do
patrimônio público e social, do meio ambiente e outros interesses difusos e
coletivos.

No entanto, como se depreende da leitura do art. 129, inciso, II, in fine, da


Constituição Federal, cabe ao Ministério Público promover as medidas necessárias a sua
garantia.

Leciona José dos Santos Carvalho Filho, in Ação Civil Pública, 4ª edição, p. 137:

“A legitimidade do Ministério Público para a Ação Civil Pública constitui uma de


suas funções institucionais. Com efeito, reza o art. 129, inciso III, da
Constituição Federal, incumbir a instituição promover o inquérito civil e a ação
civil pública para a proteção dos interesses coletivos e difusos. O mandamento
se completa com o do art. 129, §1º, segundo o qual a legitimação do Ministério
Público para as ações civis não impede a de terceiros, nas mesmas hipóteses,
conforme o disposto na Constituição e na Lei”.

Por se tratar o objeto da presente ação civil pública, da busca por ordem
judicial de obrigação de fazer ao Estado de Mato Grosso e ao Município de Tangará da
Serra, para que adotem medidas necessárias para colocar em plena atividade os leitos de
UTI’s médicas para o setor do Covid-19 no âmbito público municipal , o tempo consumido
pode resultar em sério comprometimento à saúde de toda população que necessite de
atendimento médico para tratamento da doença, sendo que ausência local de UTI’s pode
agravar o quadro dos pacientes infectados e, por consequência, levá-los à morte.

III – DA LEGITIMIDADE PASSIVA DO RÉU – RESPONSABILIDADE CONCORRENTE DO


MUNICÍPIO DE TANGARÁ DA SERRA
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Excelência, como já frisado, o município habilitou as UTIs do Hospital


Municipal, recebeu recursos federais por esta habilitação, e mesmo assim, diante de uma
grave pandemia, ainda não colocou os leitos para funcionarem.

A legitimidade passiva do réu - Município de Tangará da Serra – decorre,


inicialmente, da Constituição Federal:

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante


políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de
outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua
promoção, proteção e recuperação.
A Lei nº 8.080/90, por sua vez, disciplina a organização, direção e gestão do
Sistema Único de Saúde, nos seguintes moldes:

Art. 9º – A direção do Sistema Único de Saúde (SUS) é única, de acordo com o


inciso I do artigo 198 da Constituição Federal, sendo exercida em cada esfera
de governo pelos seguintes órgãos:
I – no âmbito da União, pelo Ministério da Saúde;
II – no âmbito dos Estados e do Distrito Federal, pela respectiva Secretaria de
Saúde ou órgão equivalente;
III – no âmbito dos Municípios, pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão
equivalente.
Depreende-se, destarte, que o Sistema Único de Saúde ramifica-se, sem,
contudo, perder sua unicidade, de modo que, de qualquer de seus gestores podem/devem
ser exigidas as “ações e serviços” necessários à promoção, proteção e recuperação da saúde
pública.

Conforme dispõe a CF-88, a competência dos entes é concorrente, ou seja, o


fornecimento integral de saúde pública pode ser cobrado de um só ente ou de todos, sem
que com isso prejudique a ação. A alegação de que se trata de serviço de alta complexidade
não pode servir para prejudicar o pedido dessa ação, a uma por se tratar de competência
concorrente; a duas porque o município habilitou os leitos diretamente no Ministério da
Saúde, e recebeu recursos federais para colocar em funcionamento, sendo que os
equipamentos já foram comprados e falta somente a montagem e contratação de equipe,
conforme informado pelo escritório regional de saúde.

Da jurisprudência, por seu turno, sobre o dever constitucionalmente imposto


a cada um dos entes federativos, isolada ou conjuntamente, de garantir e promover a saúde,
extrai-se do recentíssimo julgado do Recurso Extraordinário 855178 do Egrégio Supremo

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Tribunal Federal de 23 de maio de 2019 que reafirmou sua jurisprudência e fixou tese de
repercussão geral:

“Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são


solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde e,
diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização,
compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de
repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o
ônus financeiro”.

O réu, portanto, como integrante e gestor do Sistema Único de


Saúde, figura como parte passiva legítima, uma vez que a decisão postulada projetará efeitos
diretos sobre suas respectivas esferas jurídicas.

IV – DO DIREITO

A saúde é um direito humano fundamental protegido largamente pela


Constituição Federal qual não está sendo aplicada aos munícipes de Tangará da Serra/MT,
para a garantia e preservação de sua saúde, conforme demonstram os artigos ora
colacionados:

Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.
Art. 196 – A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de
outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua
promoção, proteção e recuperação.
Art. 197 – São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao
Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização
e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros
e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.

Tratando da EFETIVIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS, Luis Roberto


Barroso, in O Direito Constitucional e a efetividade de suas normas, p. 75, ensina:

1. As normas Jurídicas Constitucionais. As ciências naturais (v.g., física, biologia)


estudam a realidade sob uma postura metodológica descritiva, ordenando, por
via de observação, princípios que são constatados. Seu objeto consiste em
revelar algo que já existe, vale dizer: elas atuam ao nível dos sistemas reais, do
ser. As ciências sociais, nas quais se inclui o Direito, sem desprezo ao estudo
descritivo dos sistemas reais, ocupam-se, também, do estudo e elaboração de
sistemas ideais, ou seja, da prescrição de um dever-ser. Desse modo, não se
limita a ciência jurídica à explicação dos fenômenos sociais, mas, antes, investe-
se de um caráter normativo, ordenando princípios concebidos abstratamente
na suposição de que, uma vez impostos à realidade, produzirão efeito benéfico
e aperfeiçoado.

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É certo que a definição, a cada tempo, de qual seja este sistema ideal – isto é,
os valores a serem protegidos e os fins a serem buscados – não é uma questão
jurídica, e sim política. Todavia, consumada a decisão pelo órgão próprio, ela se
exterioriza, se formaliza pela via do Direito, que irá então conformar a
realidade social. Por este mecanismo, o poder transforma-se de político em
jurídico.
(...) As normas constitucionais, como espécie do gênero normas jurídicas,
conservam os atributos essenciais destas, dentre os quais a imperatividade. De
regra, como qualquer outra norma, elas contêm um mandamento, uma
prescrição, uma ordem, com força jurídica e não apenas moral. Logo, a sua
inobservância há de deflagrar um mecanismo próprio de coação, de
cumprimento forçado, apto a garantir-lhe a imperatividade, inclusive pelo
estabelecimento das consequências da insubmissão ao seu comando. As
disposições constitucionais são não apenas normas jurídicas, como têm um
caráter hierarquicamente superior, não obstante a paradoxal equivocidade que
longamente campeou nesta matéria, considerando-as prescrições desprovidas
de sanção, mero ideário não jurídico”.

Assim, resta flagrantemente demonstrado o dever estatal em prover a saúde


da sociedade, inclusive com o fornecimento dos tratamentos imprescindíveis. Este dever
encontra exigibilidade pelo simples fato de estar constitucionalizado e, em geral, por se
tratar de direito instrumental para a garantia do direito à vida, que dada a sua importância e
indisponibilidade não admite omissões e procedimentos excessivamente burocráticos.

O direito à saúde, tal como assegurado na Constituição de 1988, configura


direito fundamental de segunda geração. Nesta geração, estão os direitos sociais, culturais e
econômicos, que se caracterizam por exigirem prestações positivas do Estado. Não se trata
mais, como nos direitos de primeira geração, de apenas impedir a intervenção do Estado em
desfavor das liberdades individuais. Neste sentido, Alexandre de Moraes, trazendo excerto
de Acórdão do STF, preleciona que:

“Modernamente, a doutrina apresenta-nos a classificação de direitos


fundamentais de primeira, segunda e terceira gerações, baseando-se na ordem
histórica cronológica em que passaram a ser constitucionalmente
reconhecidos.”

Como destaca Celso de Mello:

“enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) --que


compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais -- realçam o
princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos,
sociais e culturais) -- que se identificam com as liberdades positivas, reais ou
concretas -- acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração,
que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a
todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e
constituem um momento importante no processo de desenvolvimento,
expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto
valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial

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inexauribilidade” (STF – Pleno – MS n° 22164/SP – rel. Min. Celso de Mello,


Diário da Justiça, Seção I, 17-11-1995, p. 39.206)

Destarte, os direitos de segunda geração conferem ao indivíduo o direito de


exigir do Estado prestações sociais (positivas) nos campos da saúde, alimentação, educação,
habitação, trabalho etc.

Cumpre ressaltar, outrossim, que baliza nosso ordenamento jurídico o


PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, insculpido no artigo 1º, inciso III, da
Constituição Federal e que se apresenta como fundamento da República Federativa do
Brasil.

Daniel Sarmento, em sua erudita obra intitulada “A Ponderação de Interesses


na Constituição”, assevera que:

“Na verdade, o princípio da dignidade da pessoa humana exprime, em termos


jurídicos, a máxima kantiana, segundo a qual o Homem deve sempre ser
tratado como um fim em si mesmo e nunca como um meio. O ser humano
precede o Direito e o Estado, que apenas se justificam em razão dele. Nesse
sentido, a pessoa humana deve ser concebida e tratada como valor-fonte do
ordenamento jurídico, como assevera Miguel Reale, sendo a defesa e
promoção da sua dignidade, em todas as suas dimensões, a tarefa primordial
do Estado Democrático de Direito. Como afirma José Castan Tobena, el
postulado primário del Derecho es el valor próprio del hombre como valor
superior e absoluto, o lo que es igual, el imperativo de respecto a la persona
humana.
Nesta linha, o princípio da dignidade da pessoa humana representa o epicentro
axiológico da ordem constitucional, irradiando efeitos sobre todo o
ordenamento jurídico e balizando não apenas os atos estatais, mas também
toda a miríade de relações privadas que se desenvolvem no seio da sociedade
civil e do mercado. A despeito do caráter compromissório da Constituição,
pode ser dito que o princípio em questão é o que confere unidade de sentido e
valor ao sistema constitucional, que repousa na ideia de respeito irrestrito ao
ser humano -- razão última do Direito e do Estado”.

Visando concretizar o mandamento constitucional, o legislador estabeleceu


preceitos que tutelam e garantem o direito à saúde. Neste sentido, a Lei nº 8.212/91 dispõe
que:

“Art. 1º A Seguridade Social compreende um conjunto integrado de ações de


iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinado a assegurar o direito
relativo à saúde, à previdência e à assistência social.
(...) Art. 2º A Saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de
outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua
promoção, proteção e recuperação.
Parágrafo único. As atividades de saúde são de relevância pública e sua
organização obedecerá aos seguintes princípios e diretrizes:

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a) acesso universal e igualitário;


b) provimento das ações e serviços através de rede regionalizada e
hierarquizada, integrados em sistema único;
c) descentralização, com direção única em cada esfera de governo;”

Assim, em consonância com o mandamento constitucional, a Lei Orgânica da


Seguridade Social reafirma o compromisso do Estado e da própria sociedade no sentido de
“assegurar o direito relativo à saúde”.

A Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, que dispõe sobre as condições


para a promoção, proteção e recuperação da saúde, estabelece:

“Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado


prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.
§1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução
de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e
de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso
universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e
recuperação.
(...) Art. 4°. O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e
instituições públicas federais, estaduais e municipais, da administração direta e
indireta e das funções mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único
de Saúde – SUS.
(...) Art. 24. Quando as suas disponibilidades forem insuficientes para garantir a
cobertura assistencial à população de uma determinada área, o Sistema Único
de Saúde (SUS) poderá recorrer aos serviços ofertados pela iniciativa privada.
Parágrafo único. A participação complementar dos serviços privados será
formalizada mediante contrato ou convênio, observadas, a respeito, as normas
de direito público.”

Nesse sentido, pronunciou-se o Egrégio Tribunal local recentemente:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA –


AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – PRELIMINAR DE OFÍCIO – IRREGULARIDADE
DE REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL DO MUNICÍPIO – INTIMAÇÃO PARA SANAR O
DEFEITO – NÃO CUMPRIMENTO – RECURSO DO MUNICÍPIO NÃO CONHECIDO
– DIREITO À SAÚDE – DEVER DO ESTADO – INTELIGÊNCIA DO ART. 196 DA CF
– NECESSIDADE COMPROVADA – HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS EM FAVOR
DA DEFENSORIA PÚBLICA – IMPROPRIEDADE – EMENDA CONSTITUCIONAL Nº
80/2014 – SENTENÇA RETIFICADA EM PARTE. 1. Não se conhece do recurso
quando a parte recorrente descumpre a determinação para regularização da
representação processual, nos termos do artigo 76, § 2º, I, do Código de
Processo Civil de 2015. 2. A SAÚDE é DIREITO de todos e dever do Estado, nos
termos do artigo 196 da Constituição Federal, que deve garantir aos cidadãos
o fornecimento de todos os meios indispensáveis para manutenção e
restabelecimento da SAÚDE. 3. Correta a decisão que determinou aos
Requeridos que providenciassem o fornecimento da cirurgia requerida na
inicial, em consonância com o diagnóstico apresentado, uma vez que a
necessidade e a URGÊNCIA do caso (dor contínua sem melhora com
tratamento clínico) autorizam a medida, em observância ao princípio da
dignidade da pessoa humana. 4. A Emenda Constitucional nº 80, de 4 de junho
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de 2014, equipara a Defensoria Pública à Magistratura e ao Ministério Público;


portanto, incabível o pagamento de honorários sucumbenciais em seu favor.
(N.U 0001759-74.2014.8.11.0018, 20695/2018, DESA. HELENA MARIA BEZERRA
RAMOS, PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO, Julgado em
25/03/2019, Publicado no DJE 09/04/2019)

Necessário frisar ainda ao Douto Juízo que o Município de Tangará


da Serra conta com mais de 100 (cem) mil habitantes e com o aumento exponencial dos
casos de coronavírus necessita de forma urgente realizar todas as medidas cabíveis para
deixar em operação/funcionamento os leitos de UTI’s médicas no Hospital Municipal, sob
pena de pacientes em estado grave evoluírem a óbito, sendo que o último boletim diário
divulgado pelo Município de Tangará da Serra na data de ontem (08/06/2020), há no
município 176 (cento e setenta e seis) casos confirmados, sendo destes 37 em quarentena,
dos quais 29 em isolamento domiciliar, 06 internados em enfermaria pública,
confirmando-se o aumento exponencial de casos a cada novo boletim diário municipal.

V – DA ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA:

O Novo Código de Processo Civil ao cuidar da antecipação da tutela


assim preconiza:

Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que
evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao
resultado útil do processo.

O Código de Processo Civil dispõe que para a concessão da tutela de


urgência há a necessidade de haver nos autos elementos que evidenciem a probabilidade do
direito pleiteado, o qual já foi devidamente demonstrado nos tópicos pretéritos.

Acerca do perigo de dano, assim ensina Guilherme Rizzo Amaral


citando os ensinamentos de Teori Zavascki (Comentários às Alterações do Novo CPC, São
Paulo: Editora Revista dos tribunais, 2015, p.400): O risco de dano irreparável ou de difícil
reparação e que enseja a antecipação assecuratória é o risco concreto (e não o hipotético ou
eventual), atual (ou seja, o que se apresenta iminente no curso do processo) e grave (vale
dizer, o potencialmente apto a fazer parecer ou a prejudicar o direito afirmado pela parte).

O preenchimento do requisito é gritante. Basta perceber a


mobilização nacional do Poder Judiciário, Ministério Público, Poder Legislativo e Poder
Executivo para combate à pandemia. A cada minuto que se permite aglomerações em
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Tangará da Serra/MT, sem as restrições necessárias, assume-se o risco de proliferação do


vírus nesta cidade, maculando, assim, o princípio da precaução.

Urge, pois, a atuação do Estado-Juiz, initio littis, no condão de obstar


obrigar o Poder Executivo a adoção de medidas que respeitem as legislações acima
referidas, especificamente para colocar em plena atividade os leitos de UTI’s médicas para
o setor do Covid-19 no âmbito público municipal, no prazo máximo de 05 dias (cinco dias).

VI – PEDIDOS:

Ante o exposto, animado pelos artigos 37, 196 e 225 da Constituição


Federal de 1988, além dos demais diplomas normativos citados, o Ministério Público do
Estado de Mato Grosso requer:

a) sem a oitiva da parte contrária, EM SEDE DE TUTELA DE URGÊNCIA


determinar ao Município de Tangará da Serra/MT a imediata adoção de medidas que
respeitem as legislações acima referidas, especificamente para colocar em plena atividade
os leitos de UTI’s médicas no hospital municipal para o setor do Covid-19 no âmbito
público municipal, no prazo máximo de 48 (quarenta e oito horas);

b) a fixação de multa diária (astreinte) diretamente ao gestor


municipal, por descumprimento do item acima no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais),
montante ser revertido aos fundos públicos de combate ao COVID-19;

c) seja o requerido citado no endereço indicado no preâmbulo deste


petitório, para que, querendo, responda ao termo da presente demanda, sob pena de
revelia, confissão e demais cominações legais, no moldes dos arts. 344 e seguintes do Código
Processo Civil;

d) seja, ao final, julgado procedente os pedidos principais, de tal


sorte a ver declarada confirmada a tutela de urgência;

e) sejam, por fim, deferidos todos os meios legais de prova, bem


como os moralmente legítimos, ainda que não especificados no Código de Processo Civil,
mas hábeis a provar a verdade dos fatos em que se funda a presente demanda, mormente a
prova pericial e testemunhal (art. 369, CPC);

Promotorias de J ustiça de Tangará da Serra Telefone: (65) 3326-5522 / 3326-5199 / 3326-3696 www.mpmt.mp.br 13/14
Avenida Tancredo Neves, nº 1444-N A.A.
J ardim Tanaka – Tangará da Serra – MT
CEP: 78300-000
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1ª Promotoria de Justiça Cível de Tangará da Serra

f) A dispensa do pagamento das custas, emolumentos e outros


encargos, em vista do disposto no artigo 18 da Lei n.º 7.347/85;

Protesta provar o alegado por todos os meios de prova em direito


admitidos, especialmente prova documental produzida com a inicial, depoimento pessoal do
representante legal do requerido, a oitiva de testemunhas, perícia, juntada de novos
documentos e tudo mais que se fizer indispensável à completa elucidação e cabal
demonstração dos fatos ora articulados.

Dá-se à causa o valor de R$ 1.000.000,00 (hum milhão reais).

Termos em que, pede e espera deferimento

Tangará da Serra/MT, 09 de junho de 2020.

Thiago Scarpellini Vieira


Promotor de Justiça

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