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Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso

PJe - Processo Judicial Eletrônico

15/06/2020

Número: 1001815-66.2020.8.11.0055
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL
Órgão julgador: 4ª VARA CÍVEL DE TANGARÁ DA SERRA
Última distribuição : 09/06/2020
Valor da causa: R$ 1.000.000,00
Assuntos: Repasse de Verbas Públicas, COVID-19
Segredo de justiça? NÃO
Justiça gratuita? SIM
Pedido de liminar ou antecipação de tutela? SIM
Partes Procurador/Terceiro vinculado
MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO
(AUTOR(A))
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO
(AUTOR(A))
MUNICÍPIO DE TANGARÁ DA SERRA (REU)
Documentos
Id. Data da Documento Tipo
Assinatura
33413 14/06/2020 15:20 Decisão Decisão
649
ESTADO DE MATO GROSSO
PODER JUDICIÁRIO
4ª VARA CÍVEL DE TANGARÁ DA SERRA

DECISÃO

Processo: 1001815-66.2020.8.11.0055.
AUTOR(A): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO
REU: MUNICÍPIO DE TANGARÁ DA SERRA

Vistos.

Trata-se de Ação Civil Pública de Obrigação de Fazer c/c Pedido


Liminar intentada pelo Ministério Público Estadual em face do Município de Tangará da Serra
, devidamente qualificado nos autos.
Segundo narra a Inicial foi instaurado Inquérito Civil no âmbito da 1º
Promotoria de Justiça Cível desta cidade, após recebimento de e-mail encaminhado pela
Comissão de Saúde da Câmara Municipal de Tangará da Serra, o qual noticiava em síntese a
transferência de pacientes diagnosticados com coronavirus em estado grave para outros
municípios, mesmo diante da existência de leites de UTI no Hospital Municipal. Ainda, apontava
que estaria faltando equipamentos e insumos, o que tornavam os leitos inoperantes.
Aduz ainda sobre a ausência de contratação de profissionais da saúde para
trabalhar na UTI e a ausência de aplicação dos recursos oriundos do Governo Federal na UTI-
Covid do hospital municipal.
Sendo assim, consta da Inicial que o Ministério Público oficiou ao Município
e ao Escritório Regional de Saúde para apresentarem informações/esclarecimentos sobre os
fatos e apontamentos, além de visita técnica deste último órgão, bem como solicitou-se ao
Conselho Regional de Medicina do Mato Grosso (CRM-MT) para que realizasse relatório
detalhado das condições do nosocômio municipal e capacidade/efetividade para o atendimento
aos pacientes com suspeitas/infecção de COVID-19.
Em resposta, o Conselho Regional de Medicina apresentou relatório
realizado no mês de abril no Hospital Municipal, confirmando que os leitos não estavam ativos. O
Município apresentou resposta aos quesitos formulados e por sua vez, o Escritório Regional de
Saúde informou que no dia 26/05/2020 realizou uma visita técnica no Hospital Municipal e
verificou que os leitos encontram-se inativos, com equipamentos de caixas ainda lacrados,
equipamentos desmontados, respiradores incompletos, em especial, ausência de: (i) instalação
da bomba de vácuo para realização de aspiração fechada; (ii) aquisição de 22 (vinte e duas)
bombas de infusão e (iii) instalação de exaustor biológico no interior da UTI.
Afirmou também que através da Portaria n.° 1.236, de 18/05/20, o Ministério
da Saúde habilitou 8 (oito) leitos de UTI Adulto – Tipo II – Covid-19, no Hospital Municipal de

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Tangará da Serra, com o repasse de R$ 1.152.000,00 (um milhão, cento e cinquenta e dois mil
reais) para custeio exclusivo destes leitos. E, que este valor é apenas parte do que já fora
repassado pelo Governo Federal durante os últimos 60 (sessenta) dias, totalizando R$
2.311.911,55 (dois milhões, trezentos e onze mil e novecentos e onze reais e cinquenta e cinco
centavos), para execução de medidas para enfrentamento ao novo coronavírus.
Isso tudo, segundo o requerente, em contrassenso total ao que a Gestão
Pública vinha informando não somente ao Ministério Público através dos questionamentos feitos
no SIMP 001396-009/2020, como informado nos Decretos Municipais, mormente o Decreto
Municipal nº 169/2020, de 24 de abril de 2020, aponta a existência de 13 (treze) leitos de UTI’s no
município exclusivos para uso de pacientes infectados pelo coronavírus, disponíveis desde o dia
07/04/2020.
Diante das incongruências, expediu-se Notificação Recomendatória nº
005/2020 ao Município de Tangará da Serra para que realizasse todos procedimentos para o
pleno funcionamento das UTI’s médicas para o setor do Covid-19 no âmbito municipal, devendo
expressar aceite ou não, no prazo de 24hs, todavia mesmo após ter passado o dobro do prazo, o
ente municipal se manteve inerte.
Dessa forma, considerando que o atendimento indispensável à população
tangaraense que carece do serviço público de saúde foi tratado de forma desidiosa pelo Poder
Público, vem o Ministério Público mais uma vez bater às portas do judiciário para intervir em
nome da sociedade a fim de obter a garantia do direito à vida e saúde
Em sede liminar requer que seja concedida a antecipação dos efeitos da
tutela, a fim de que seja determinado ao requerido que adote imediatamente as ações
necessárias para colocar em plena atividade os leitos de UTI´s médicas no hospital municipal
para o setor do Covid-19 no âmbito público municipal, no prazo de 48 horas.
Recebida a presente demanda, nos termos do §2º do art. 300 do CPC, foi
determinada a manifestação prévia do ente municipal para posterior análise do pedido liminar.
Em sua manifestação de Id. nº 33408908, o Município alegou
preliminarmente que o objeto que se busca com a obrigação de fazer trata-se de um ato impróprio
ao ante federativo municipal. Entende que por demandar obrigação de fazer de estrutura de alta
complexidade deve o Estado de Mato Grosso figurar no polo passivo da demanda,
consequentemente, com a integração deste à lide, este juízo seria incompetente para o
processamento do feito dado a competência privativa da Vara Especializada da Fazenda Pública
em Várzea Grande relativa a feitos de saúde.
No mérito alega o Município que, desde o início da pandemia, tem buscado
meios de solucionar os mais diversos problemas relativos à falta de equipamentos, insumos e
profissionais da área de saúde necessários para o enfrentamento da pandemia.
Alega o requerido que desde o mês de abril, embora com muito dificuldade,
já estavam em funcionamento os leitos de UTI, sem, contudo, haver demanda. Afirma que tem
agido diligentemente para que a unidade hospitalar fosse paramentada com todos os
equipamentos necessários ao seu funcionamento.
Afirma que por diversas vezes o Ministério Público foi informado quanto à
situação dos leitos disponíveis, bem como que estes seriam utilizados em último caso, por

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entender que as demandas de alta complexidade seria de competência do Estado de Mato
Grosso, nos termos da organização do SUS.
Por fim relatou que em inspeção realizada no dia 12 de junho pela
Superintendência da Secretaria Estadual de Saúde, ficou constatado que o Hospital Municipal
está APTO para continuidade da assistência aos pacientes diagnosticados com a COVID-19 para
atendimento hospitalar clínico Adulto e Pediátrico, e de Unidade de Terapia Intensiva/UTI II adulto
COVID-19, de acordo com as normativas e preceitos do SUS, com relação ao enfrentamento da
pandemia COVID-19.
Inclusive consta do parecer que foram sanadas as três pendências
apontadas na Inicial do requerente relativas a instalação da bomba de vácuo, aquisição de bomba
de infusão e aquisição de exaustor biológico.
Vieram os autos conclusos.

É o relatório. Fundamento e Decido.

Anoto que para a concessão da liminar devem concorrer os dois requisitos


legais, quais sejam, relevante o fundamento da demanda e justificado receio de ineficácia do
provimento final; quando houver a probabilidade do direito pleiteado e a possibilidade de grave
prejuízo ao direito a ser tutelado.
Pelo que consta dos autos o Ministério Público teria tomado conhecimento
da transferência de pacientes diagnosticados com o coronavirus em estado grave para outros
municípios, mesmo diante da existência de leitos de UTI no Hospital Municipal.
Ainda, apontava que estaria faltando equipamentos e insumos, o que
tornavam os leitos inoperantes. Aduz que o Município recebeu verbas destinadas exclusivamente
para o enfrentamento da atual pandemia de Covid-19.
Assim requereu liminarmente que o Município adotasse imediatamente as
medidas para colocar em plena atividade os leitos de UTI´s médicas no hospital municipal para o
setor do Covid-19 no âmbito público municipal; sob o pretexto de que o tempo consumido poderia
resultar em sério comprometimento à saúde de toda população que necessite de atendimento
médico para tratamento da doença, sendo que ausência local de UTI’s agravaria o quadro dos
pacientes infectados e, por consequência, levá-los à morte
Todavia, a par da documentação juntada pelo ente municipal, ao menos por
ora, não restou demonstrado o risco eminente alegado pelo Ministério Público, que seja apto a
deferir a tutela de urgência da forma como requerida, ou seja, não restou demonstrada a
verossimilhança das alegações e o risco concreto de demora apontado pelo ente ministerial.
Sabe-se que a disposições trazidas pelo Código de Processo Civil vigente
(Lei nº 13.105/2015), a pretensão cinge-se em tutela provisória de urgência, sendo exigido para
sua concessão, “a demonstração da probabilidade do direito (tradicionalmente conhecida como
‘fumus boni iuris’) e, junto a isso, a demonstração do perigo de dano ou de ilícito, ou ainda do
comprometimento da utilidade do resultado final que a demora do processo representa
(tradicionalmente conhecido como ‘periculum in mora’) (art. 300, CPC)” (Curso de Direito
Processual Civil; teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela

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provisória, p. 594).
Neste esteio, assente que o fumus boni juris, também conhecido como
fumaça do bom direito, deve ser entendido como a suposição de verossimilhança de direito que o
julgador tem ao analisar uma alegação que lhe foi submetida. O magistrado deve decidir prima
facie com base na presunção de que a alegação possua suficiente base legal. Sendo assim, há
fumus boni iuris quando existe a possibilidade de que o direito pleiteado exista no caso concreto.

Já o periculum in mora, ou, perigo da demora é o risco de decisão tardia em


razão da demora da prestação jurisdicional por parte do Estado. Desta maneira, o pedido das
partes deve ser julgado procedente com urgência ou imediatamente suspenso o efeito de
determinado ato ou decisão sempre que o caso apresente possibilidade de dano grave e de difícil
reparação.
Esses requisitos específicos, prescritos em lei, devem estar presentes de
forma concorrente, concomitante, para que possa ser deferida a antecipação da tutela pretendida.
Além do perigo da demora, não se exige apenas que a parte seja detentora de um indício de bom
direito, mas que haja, dentre outros requisitos, a “prova inequívoca” do alegado e seja verossímil
essa alegação.
Conforme visita técnica realizada pela Secretaria de Estado de Saúde no
dia 12 de junho no Hospital Municipal, restou constatado que o local se encontra apto a receber
os pacientes que demandarem atendimento de urgência, de acordo com as normativas e
preceitos do SUS com relação ao enfrentamento da pandemia COVID-19, Id. 33408906.
Ainda, a alegada falta de insumos também não restou comprovada. Pelo
contrário, conforme fiscalização realizada junto ao Hospital Municipal pelo Conselho Regional de
Medicina (Id. nº 33408891) há insumos e medicamentos, bem como os três equipamentos
faltantes e listados na Inicial já se encontram disponíveis (bomba de vácuo, bomba de infusão e
exaustor biológico).
Quanto ao perigo da demora, foi demonstrado pelo município que as
medidas necessária ao enfrentamento da medida estão sendo tomadas e que atualmente, ainda
não há demanda pelas UTI´S disponíveis no Hospital Municipal, bem como que as transferências
de pacientes a outra cidades deu-se em razão da distribuição das competências do SUS, que
estão divididas entre os entes públicos entre média e alta complexidade.
Por fim, felizmente, por ora, não há notícias de que pacientes estejam sendo
desatendidos pelo nosocômio municipal; diferentemente de outras regiões do país onde a falta de
vagas em hospitais é uma triste realidade.
Assim, dada ausência dos requisitos legais, INDEFIRO o pedido de
antecipação de tutela. Saliento que a tutela pode ser alterada pelo juiz a qualquer tempo, no caso
de surgimento de novas provas ou novos fatos.
Intime-se o Ministério Público para que se manifeste quanto a preliminar de
incompetência do Juízo no prazo de 10 dias.

Cite-se o réu, para responder a ação, anotando as advertências contidas nos


arts. 319 e 297, ambos do Código de Processo Civil.

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Cite-se. Intime-se. Cumpra-se.
Tangará da Serra, 14 de junho de 2020.

Francisco Ney Gaíva


Juiz(a) de Direito

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