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Resenha

Texto: Mercado interno, trabalho livre e escravidão: a agricultura de alimentos na


Província Fluminense na segunda metade do século XIX.
Autora: Hebe Maria da Costa Mattos Gomes de Castro

Hebe Castro ao longo do texto irá analisar as relações entre a produção voltada para
o mercado interno e a escravidão, procurando também averiguar os casos em que a
demanda interna contribuía para o estabelecimento de aparatos produtivos estáveis e qual
era o papel do homem pobre e livre no abastecimento interno num contexto de crise do
trabalho escravo, de dificuldades para reposição de mão-de-obra e de pressões para
transformar o produtor pobre voltado para a subsistência em força de trabalho.
Logo no início do texto, Hebe Castro vai falar um pouco sobre alguns pontos de
vista em relação aos mercados coloniais existentes na historiografia, como por exemplo, a
abordagem que diz haver um limitado mercado interno cuja restrição da demanda interna
em decorrência da auto-suficiência da plantation não estimula investimentos, daí surgiria a
definição de mercado interno como um setor produtivo inexpressivo e secundário, onde o
única atividade voltada para o mercado interno com relevância significativa seria a
pecuária. Hebe Castro mostra como uma tendência mais viável, a tendência das não
generalizações, onde a diferenciação regional apareceria como elemento básico para se
pensar o processo histórico e tendo isso em mente seria possível perceber que o mercado
interno enquanto algo regional existiu com sucesso em algumas regiões e não através do
sentido que ele ganha enquanto formulação geral (sentido de restrição), havendo ainda a
necessidade de uma análise de processos específicos e de um corte cronológico. Sendo
assim, Hebe Castro vai partir de um quadro que se estabeleceu no século XIX, onde houve
carestia dos gêneros alimentícios em decorrência da extinção do tráfico negreiro que
desviou escravos das plantações destinadas a subsistências (plantações estas dentro das
próprias plantations) para a produção cafeeira destinada ao comércio internacional, sendo
assim as plantations deixaram de ser auto-suficientes, passando a necessitar da demanda
urbana de gêneros alimentícios. A partir desta situação Hebe Castro vai formular uma
pergunta “... que tipo de organização agrária continuava a produzir gêneros de primeira
necessidade... e até que ponto esta organização chegou a ser tocada pelo estímulo
decorrente do crescimento da demanda e pela alta de preços que lhe correspondeu” (p.88)
Tendo enfim a pergunta e uma tendência de estudo já traçada (a regionalização),
Hebe Castro irá estudar o caso de Capivary.
Nesta região desenvolveu-se uma produção cafeeira voltada para o mercado
interno, em função da concorrência do café de melhor qualidade que era produzido em
terras mais altas e destinadas a exportação. Devido a sua enorme extensão, estas terras
atraiam produtores que contavam com capitais e escravos, porém com as restrições que o
café desta região sofria, houve uma tendência a plantação de outros gêneros alimentícios,
como a mandioca, estas produções eram redistribuídas para mercados como o do Rio de
Janeiro e outros mercados.
Conforme novas estradas iam sendo construídas e o mercado cafeeiro ia ficando
limitado, pessoas migravam para estas terras e faziam pequenas roças em terras que ainda
não tinham proprietários legais.
Através de fontes documentais como registros de transações com escravos,
inventários post mortem, registros do Almanack Laemmert, censos, obras como tese de
doutorado e livros de outros autores, registros paroquiais e listas de conta-corrente
encontrada em pequenos inventários a autora descreve as relações existentes nesta região.
Uma das relações que se destacou neste período de crise foi o tráfico negreiro
interprovincial que garantia a reposição de mão-de-obra, porém mesmo com estes dois
fatores (crise e tráfico interprovincial), a força de trabalho escrava mostrava-se
extremamente difundida na organização socioeconômica local (p.89).Com este fato a
autora pretende provar que com o encarecimento do escravo houve uma concentração do
escravo como propriedade da organização agrícola, gerando assim uma concentração
regional da população escrava em detrimento de outras regiões.Desta forma desenvolveu-
se uma “elite regional” com condições de assegurar a propriedade escrava, que se
denominava como “fazendeiros” e controlavam a política e a economia da região (a autora
salienta bem em seu texto que estes fazendeiros não se comparavam às elites de
fazendeiros das plantation).
Os fazendeiros asseguravam o seu prestígio através do localismo e por se manterem
afastados do envolvimento com o trabalho braçal.Havia também a presença de
proprietários menos favorecidos que conseguiam empréstimos destes fazendeiros em troca
de fidelidade política e não a juros. Os sitiantes pobres que possuíam plantéis para sua
subsistência também contribuíam para fornecer gêneros para o mercado interno, pois como
não tinham dinheiro trocavam suas mercadorias (café e mandioca) por outros gêneros
necessários a sua sobrevivência, nas chamadas casas de secos e molhados, que devido o
grande número de posseiros que se estabeleciam em terras sem dono, acumulavam grandes
estoques de café e mandioca para fornecer aos grandes mercados urbanos.
Enfim, a abundância de terras livres permitiu a proliferação de posseiros que
trabalhavam independentemente para sua subsistência, não constituindo assim, mão-de-
obra para os fazendeiros e gerando excedentes para o mercado interno.
Desta forma proprietários pobres e fazendeiros, juntamente com estabelecimentos
comerciais atendiam a demanda interna por café e mandioca que se estabeleceu após o fim
do trafico negreiro e formavam uma organização produtiva escravista e comercial em
Capivary.

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