Brigitte Montfort, a mais bela e perigosa espiã do
mundo, suspirou profundamente e pediu: — Beije-me outra vez, por favor. Número Um, o único verdadeiro amor de sua vida e também ele o mais perigoso espião do mundo, olhou a hora no pulso e sacudiu a cabeça: — Já é tarde; tenho que comparecer a um encontro. Quis levantar-se, mas Brigitte o abraçou Com mais força e olhou-o fixamente. Ambos formavam um curioso contraste: ela, com os seus olhos azuis maravilhosos, cheios de luz; ele, com os seus olhos negros, insondáveis. Ela, repleta de graça; ele, transpirando força. Estavam sentados no sofá do living do luxuoso apartamento de Brigitte, Quinta Avenida, Nova Iorque. Só existiam eles, um para o outro, naquele momento. Ela pedia mais um beijo e ele declarava ter que ir a um encontro. Mas tornou a beijá-la, pois afinal de contas nunca pudera recusar nada à sua querida “Baby”. — Eu o amo.. — murmurou ela no fim do beijo. — Estava começando a suspeitar isso — admitiu ele, imperturbável. Ela sorriu docemente, afastou-se um pouco e tomou-lhe o rosto entre as mãos. — Você tem certeza de que não há perigo? — Certeza, não. Mas seria absurdo que as coisas se complicassem. — Deixe-me ir também. Não. Embora você duvide, sei me cuidar sozinho. — Oh! Não é que duvide, mas... — Mas teme por minha vida. Passamos todo o tempo cada um temendo pela vida do outro. Mas você confia em si mesma e eu em mim. Somos duas aves raras, capazes de tudo; entretanto, receamos que possa acontecer ao outro algo irremediável. — O pior é que nada podemos fazer a esse respeito, pois nosso trabalho deve continuar. — E a propósito... — ele tornou a consultar o relógio — preciso ir. — Está bem — ela soltou-lhe o rosto. — Até que horas espero? — Não sei. O melhor... Chegou até eles o som musical da campainha da porta. Número Um levantou-se e apanhou a pasta que estava no extremo do sofá. Peggy, a empregadinha de Brigitte, atravessou o living a caminho do corredor de entrada. Segundos depois se ouviu sua voz. Mais nada. Não obstante, Brigitte disse: — É o tio Charlie. — Você não me disse que tinha um trabalho pendente, querida. — Oh, não! Estou livre — riu ela. — Pelo menos, até este momento. Mas não me surpreenderia nada se o tio Charles viesse me encarregar de alguma missão: é seu passatempo favorito. Número Um não respondeu. Virou-se para a entrada do living, onde realmente logo surgiu Charles Pitzer, chefe do Setor Nova Iorque da CIA e, portanto. chefe direto da agente “Baby”. Ao vê-lo junto de Brigitte, Pitzer mordeu o lábio inferior, como sempre lhe ocorria ao encontrar-se diante daquele homem que, anos atrás, quando trabalhava para a CIA, fora atraiçoado por esta durante o cumprimento de uma árdua missão. Uma jogada suja de espionagem que ninguém pudera esquecer, embora todos fizessem o possível para dar tal impressão1. — Boa-noite, Brigitte — saudou. — Olá. Número Um. Não sabia que se encontrava em Nova Iorque. — E por que o saberia? — foi a seca réplica. — Por nada, claro. — Ele veio fazer um trabalho para os chineses — disse Brigitte, sorrindo. Pitzer pareceu sobressaltar-se, depois olhou para Brigitte e soltou um grunhido. — Suponho que seja uma de suas brincadeiras. Venho... — Não é nenhuma brincadeira — assegurou Brigitte. — É verdade — disse Um. — Recebi uma proposta em Roma, aceitei e aqui estou, com as despesas pagas. O trabalho me interessou, não só pelos cinqüenta mil dólares que me ofereceram, mas por... sua índole. Achei divertido realizá-lo. Pitzer passou a língua pelos lábios. — Espero que esse trabalho para os chineses não seja... prejudicial aos Estados Unidos — murmurou. — Suponhamos que sim... — Número Um se mostrava áspero, quase desagradável. — Que aconteceria então? Brigitte olhava com ar de troça para seu chefe setorial. E certamente foi isto o que fez Pitzer compreender que o famoso espião nada faria contra sua pátria, por muito 1 Ver OPERAÇÃO ESTRELAS ressentido que ainda estivesse. Talvez não pela pátria em si, já que esta o traíra, mas porque jamais faria nada que pudesse aborrecer a mulher que amava. Assim, eludiu a resposta, tornando a dirigir-se a “Baby”. — Tenho algo para você, Brigitte. Podemos passar ao seu escritório? — Boa idéia — Número Um adiantou-se na resposta. — Se não falarem diante de mim, ficarei impedido de vender também essa informação aos chineses. Brigitte tornou a sorrir e, tomando-o pela mão, fez com que ele sentasse novamente no sofá. Depois ela instalou-se sobre seus joelhos e olhou para Pitzer. — Que trabalho é esse, tio Charlie? A hesitação deste durou um segundo. Não só conhecia muito bem Brigitte, como era demasiado inteligente para perder tempo. Sentou-se numa poltrona diante de ambos, tirou um envelope do bolso e estendeu-o. Mas a internacional espiã, sempre sorridente, permaneceu com os braços ao redor do pescoço de Número Um. E foi este quem tomou o envelope e abriu-o, tirando dele umas quantas fotografias... Fotografias perfeitas, coloridas, que foram passando lentamente entre seus dedos, enquanto Brigitte as olhava. As seis fotos correspondiam a outros tantos homens de idades que oscilavam entre os quarenta e os cinqüenta e cinco anos. Ao ver a quinta e a sexta, Brigitte pestanejou, olhando depois para Pitzer, que assentiu com a cabeça. — Caiu efeito — murmurou ele — Os dois últimos são Cyril Ambler e Aaron Kefauver, conselheiros da CIA. Os outros quatro são Baldwin Dubbins, senador pelo Alabama; Uriah Greenlease, coronel da USAF; Silas Hopkins, senador pela Geórgia; Giles Blakeston, um dos secretários do Departamento de Imprensa da Casa Branca. Seus respectivos nomes estão cientes atrás. Número Um tornou a passar as fotos, virando-as para que Brigitte pudesse ler o nome de cada um daqueles personagens, dos quais, obviamente, já conhecia dois. — Muito bem — disse. — O que há com eles? — Desapareceram. — Os seis? — Sim. — Ao mesmo tempo? — Praticamente. Ontem estavam atendendo às suas obrigações; esta manhã, nenhum fez ato de presença. Foram procurados durante todo o dia, em vão. — E quer que eu os procure? — Mister Cavanagh falou-me pessoalmente pelo rádio, incumbindo-me de vir sugerir-lhe a conveniência de que se encarregue disto — disse cautelosamente Pitzer. — Ah! Alguma pista? — Nenhuma. — Onde estavam quando desapareceram? Em Washington? — Sim. O FBI, a policia e nós estamos procurando-os, mas sem o menor resultado. — E que posso fazer eu, se não há nenhuma pista? — Filha, o que você pode fazer é algo que ninguém sabe, nem saberá jamais... — Número Um sabe — sorriu ela. — Não é verdade, querido? — Talvez você não se deva dar ao trabalho de intervir — respondeu Um. — Serão simples casos de seqüestro, visando à obtenção de dinheiro. Eu não creio que o assunto lhe interesse muito, embora dois dos desaparecidos sejam da CIA. Mas não são Johnnies, do seu Grupo de Ação, dos que arriscam a vida. Claro, você poderá encontrá-los, más valerá a pena? Penso que não. Pitzer enrubesceu. — Você está pretendendo influenciar Brigitte! — Calma, tio Charlie — pediu ela. — Um nunca me diz, o que devo ou o que não devo fazer, Está tentando evitar que eu me meta em apuros, apenas isso. — Mas inutilmente, suponho, pois de qualquer modo você vai se encarregar desse assunto — resmungou o espião. — Só quando você tiver terminado seu trabalho. Não me moverei daqui enquanto não receber seu telefonema dizendo que tudo está bem, que concluiu o seu projeto sem novidade. — Então será melhor que o conclua o quanto antes: não façamos a CIA esperar. Telefonarei para você do aeroporto. Ela baixou os olhos. —Quer dizer que parte em seguida? —Se você vai estar ocupada, não tenho por que permanecer nos Estados Unidos. A menos — olhou-a fixamente — que precise de mim para alguma coisa. — Não, não! — respondeu ela prontamente. — Está bem. Como não quero que você se preocupe comigo enquanto faz seu trabalho, volto para casa, onde estarei à espera do seu telegrama de sempre, ao terminar cada missão. Ele se levantou, erguendo-a também. Ao ser colocada no chão, Brigitte beijou-o levemente nos lábios. Sem dizer mais nada, Número Um retirou-se. — Parece que ficou zangado — comentou Pitzer. — Tem seus motivos. — É um homem difícil de tratar, não? Brigitte arqueou as sobrancelhas, realmente surpreendida. Número Um, difícil de tratar? Fantástico! Para ela, ao menos, era uma pessoa tão transparente como o mais puro cristal. Entretanto, disse: — Dificílimo. Uma coisa, tio Charlie: esses homens que desapareceram tinham algo em comum? Os seis, entre si, compreende-se. — Não... Sendo dois da CIA, claro, há isso de comum entre eles. Dois são senadores, pelo que têm em comum esta qualidade. Depois há o coronel da USAF, que nada tem em comum com nenhum dos outros. E tampouco o secretário do Departamento de Imprensa... Não. Não há nada que una de um modo conhecido os seis. Não estavam em relação pessoal, tampouco. Conheciam-se, mas não privavam particularmente, como acontece com muitas pessoas cujas vidas se cruzam, sem conseqüências. — Entendo. Foram feitas investigações sobre eles ou suas famílias? — Como já disse, em Washington estão trabalhando no assunto, mas até agora não se obteve nenhum dado que nos possa servir. Quanto à reputação de cada um deles, é ilibada. Não há nada suspeito em suas vidas. — Algum estava incumbido de qualquer missão especial? — Não, nenhum. — Têm dinheiro? Quero dizer... — São pessoas remediadas, sendo que Aaron Kefauver, conselheiro da CIA, tem fortuna particular. Os outros, simplesmente, vivem bem. Não pensamos que seja questão de dinheiro, pois se assim fosse não recorreríamos a você. — Outra coisa: como desapareceram? Levaram seus carros? — Não. Os carros estão em suas casas. E não se tem notícia, até o momento, de que tomassem algum trem, ou avião, ou o que seja. — Vejamos... Vamos supor, por exemplo, que Aaron Kefauver saiu da Central a noite passada, voltou normalmente à sua casa, jantou com a família e mais tarde foi para a cama... Em que momento desapareceu? À meia- noite? Ao ir a pé para a Central, pela manhã? — Não. Desapareceu durante a noite. — Durante a noite... Ou seja, deitou-se com a esposa, como sempre, e na manhã seguinte não estava na cama, nem na casa, nem foi à Central, ninguém o viu, ninguém sabe nada... Nem sua própria esposa. É isso? — Exatamente. — Então a última pessoa que o viu foi sua esposa, ambos na cama. Adormeceram... e, quando a senhora Kefauver acordou, o marido não estava. O carro continuava na garagem, ele não fora a pé ou de trem para a Central ou outro lugar... Correto? — Correto. — Bom: já temos uma pista. — Que pista? — pasmou Pitzer. — Mas se está clara! No que concerne a Aaron Kefauver, não há dúvida de que saiu de casa num dado momento, enquanto sua esposa dormia... e por sua própria vontade. Porque não vamos acreditar que alguém entrou lá e o tirou da cama sem acordar sua esposa, nem dar lugar ao menor alarma, e o levou... Não acha? — Bem, na verdade, pensou-se nisso. Mas se todos eles se foram por vontade própria, por que nenhum usou seu carro? — Talvez alguém os estivesse esperando fora da casa, com um carro. E ninguém se deu conta de nada porque, por exemplo, poderia ser alta noite. Uma hora muito discreta. —Está sugerindo que esses seis homens colocaram-se voluntariamente em mãos de outras pessoas? — No momento, não me ocorre outra explicação. Pitzer moveu dubitativamente a cabeça. — Não sei... Bom, tudo é possível. Se fosse apenas um caso, poderíamos dedicar-nos a formular toda uma série de teorias, mas são seis. Acha que todos eles podem ter feito como você diz? — Ignoro. Mas me pareceria menos surpreendente que o fato de levarem da cama seis maridos, sem que suas mulheres se dessem conta de nada. Acho mais razoável a teoria de que saíram de casa por sua própria vontade... e evitando acordar a família. —Será preciso estudar detidamente esse aspecto da questão. Quando você partirá para Washington? — Já disse: quando Número Um me telefonar avisando que o seu assunto terminou bem. — Suponho que ninguém a convencerá de outra coisa, pelo que está aceita essa decisão. Diga-me: é verdade que ele veio aos Estados Unidos fazer um trabalho para os chineses? — É verdade. — Que trabalho? Brigitte pôs-se a rir, com o que Pitzer ficou um tanto agastado. Naquele momento, Número Um voltava ao living, trazendo sua bagagem: uma única mala. Olhou para ambos com a testa franzida e aproximou-se de Brigitte, que se levantou. — Adeus — disse ele. Ela se ergueu sobre as pontas dos pés e beijou-o nos lábios. Depois o olhou, sorriu suplicante e a luz que esperava apareceu no rosto dele, que a beijou na ponta do narizinho e retirou-se, sem dizer uma só palavra. Quando Pitzer compreendeu que o espião tinha saído do apartamento, observou: — É um homem estranho, sem dúvida. Os dois são estranhos. Sem responder, Brigitte foi sentar-se junto à mesinha onde estava o telefone e depois consultou o relógio. Pitzer levantou-se. — Por que, em vez de telefonar, ele não chama você pelo rádio? — O rádio de Um nunca tem minha onda, quando ele vai tratar de assuntos particulares. Receia poder comprometer-me... Se me telefonar, saberei que tudo vai bem. — E se a chamasse pelo rádio? — Então creio que esses seis homens teriam que esperar, tio Charlie. — Entendo. Bem, enquanto você espera, voltarei à floricultura para me pôr em contato com a Central, Talvez nesse entretempo já tenham resolvido o assunto e você não precise ir a Washington. — Boa idéia. Mantenha-se em comunicação com mister Cavanagh e avise-se se houver alguma novidade. — De acordo. Até logo. Pitzer partiu também. Brigitte acendeu um cigarro e olhou de novo seu relógio: oito menos dez. Levantou-se de súbito e foi ao seu quarto. Do armário, tirou a maletinha vermelha adornada de minúsculas flores azuis, voltando com ela ao living. Tornou a sentar-se, abriu a maletinha, sacou o pequeno rádio e deixou-o a seu lado: se Número Um chamasse por ele, teria que entrar em ação imediatamente. Mas às nove e vinte o telefone tocou. — Alô! — atendeu. — Terminado — ouviu a voz de Um. — Tudo bem. Volto para casa. — Isso parece um telegrama, querido... Conseguiu passagem? — Sempre há quem desista de viajar. Parto dentro de vinte minutos. — Bem... — ela estava ouvindo o rumor do aeroporto, como fundo à voz de Número Um. — Até sempre, meu amor. — Adeus. Clic. A comunicação foi cortada e Brigitte pousou o indicador no gancho, um segundo. Depois discou o número da floricultura que camuflava a sede do setor nova-iorquino da CIA. O simpático e cordial assistente de Pitzer atendeu. — Johnny, quero... — Maravilha das maravilhas! — exclamou ele. — É realmente a voz da criatura mais adorável do mundo que estou ouvindo? — Muito obrigada — riu Brigitte. — Devo-lhe um beijo. — Vou para aí imediatamente! — Espere, espere... — ela tomou a rir. —Parece que nos vamos ver dentro em pouco, pois você terá que me levar de helicóptero a Washington. Diga ao tio Charlie que estou pronta para a viagem. Okay? Johnny tardou alguns segundos a responder. — Você quer que eu dê um recado ao chefe? — perguntou por fim. — Caro. Combinamos que... — Mas... ele não está aí? — Quem? — Brigitte empalideceu. — O tio Charlie? — Sim. Ele me disse que ia vê-la... — Esteve aqui, mas já foi embora, Johnny. — Ah, bem! Deve estar a caminho. Eu lhe direi... — A caminho? Johnny: o tio Charlie saiu daqui há mais de hora e meia. — Pois ainda não chegou, “Baby”... — Não se mova daí. Estarei com você em quinze minutos. Desligou, guardou o rádio na maletinha e olhou para Peggy, que aparecera ao notar a tensão em sua voz e a contemplava com a habitual expressão de susto. — Que... que aconteceu, miss Montfort? — Não sei, Peggy. O tio Charlie está desaparecido... Como os outros! Vou sair e ignoro quando voltarei! Abandonou o living, apanhou seu agasalho no vestíbulo e saiu rapidamente do apartamento. CAPITULO SEGUNDO Ninguém tem olhos nas costas
Minutos depois, saía com seu carro à Quinta Avenida e,
à máxima velocidade permitida, tocava para a floricultura, situada na Segunda. Quando chegou lá, Johnny estava à porta, esperando. Ao vê-la, levantou a cortina de ferro ondulado e ela meteu o carro na garagem das camionetas de entrega. O espião tornou a fechar e. aproximando-se, disse: — Isto tem que estar relacionado com os acontecimentos de Washington. — Continua sem ter notícia dele? — Nenhuma. Devem tê-lo...! — Vamos ao rádio, Johnny. Num minuto, chegaram diante do bem camuflado aparelho, cujo alcance excedia em muito a distância que separa Nova Iorque de Washington. Rapidamente foi conseguida comunicação direta com Mr. Cavanagh. chefe do Grupo de Ação da CIA. — “Baby”? — ouviu-se a voz dele. — Eu, chefe. O tio Charlie desapareceu. — Como? — captou-se perfeitamente o sobressalto de Cavanagh. — Desapareceu. Foi ao meu apartamento para encarregar-me do caso de Washington, saiu para voltar aqui e no caminho desapareceu. Preciso saber se a CIA, ou o FBI, ou a polícia já obtiveram algum resultado. — Não. Nada em absoluto. — Bem. Que faço, chefe? — Não lhe dou sugestões, “Baby”: faça o que quiser. — Estava pensando na conveniência de ir ai. Se todos esses seqüestros se relacionam, tanto podemos conseguir uma pista em Washington como em Nova Iorque. Vou aí ou começo a trabalhar aqui? — Querida, repito: faça o que melhor lhe parecer. Mas, se me permite, lhe darei minha opinião. — Okay — suspirou Brigitte. — Permito. — Bem, creio que aqui já somos demais, para não conseguir nada. De modo que, a meu ver, você deveria dedicar-se a Nova Iorque. Talvez aí consiga alguma coisa. — De acordo. É tudo, chefe. Obrigada. — Boa sorte, Brigitte. *** Ela desligou o rádio e ficou pensativa, sob o olhar de Johnny, que parecia à espera de vê-la operar um milagre a qualquer momento. Mas o milagre não ocorria, pelo que manifestou impaciência. — Bom, que fazemos? — Não sei, Johnny... Se minhas conclusões estão certas, ninguém saberá nada do tio Charlie. Em seu caso, há uma pequena variação com respeito aos outros, mas podemos atribuí-la ao fato de não ser casado, portanto... Não entendo nada. Mas de uma coisa eu sei: vamos encontrá-lo. — Como, “Baby”? — De qualquer modo. Volto ao meu apartamento e de lá torno a sair, com mais calma, seguindo o caminho que logicamente tio Charlie deve ter tomado para voltar aqui. Talvez consiga alguma coisa, Enquanto isso, você se dedicará ao rádio. Mobilize todos os homens do Setor: dê alarma geral e ordene que se procure mister Pitzer. Dentro de duas horas, voltarei aqui se não tiver conseguido nada e... Bom, suponho que será preciso tomar decisões. — Sobre quê? — Não sei. Faça a sua parte. Deixou Johnny sozinho e, minutos após, saía com o carro da garagem. Para que queriam o tio Charlie?, pensava. E para onde o poderiam ter levado? Enquanto estes pensamentos cruzavam sua mente, um carro escuro e fechado passava pela floricultura. E, sobre a porta traseira, apareceu o rosto de Charles Pitzer, olhos fixos nela. Imediatamente, como se temesse ser visto, ele se jogou para trás, tomando-se invisível. Demasiado tarde. Ela já o vira e sua reação foi imediata: apertou o acelerador, lançando-se atrás daquele carro. Por um momento, pensou em avisar Johnny, mas se perdesse tempo nisto... Ou teria sonhado e não era o tio Charlie homem que vira naquele carro? Alcançou-o em seguida e colocou-se atrás. O trajeto era Segunda Avenida abaixo. Depois rodaram por Canal Street e, desta, passaram ao Brooklyn, pela Manhattam Bridge... Enquanto isso. entre o tráfego pesado, ela tentou várias vezes ultrapassar o outro carro, disposta a olhar bem para o assento traseiro. Impossível. Só já em Brooklyn conseguiu emparelhá-lo. ver o homem que o conduzia e o que estava a seu lado. mas apenas isso. Inclusive, sua manobra foi imprudente, valendo-lhe o olhar duro do motorista daquele carro. Bem, só tinha que segui-lo. Deixou-se ultrapassar e colocou-se a uma distância conveniente. Não tinha outra coisa a fazer. Isso e pensar. Pensar. Interessante! Desaparecia o tio Charles, tal como outras pessoas importantes de Washington, e ela o encontrava em tão pouco tempo, facilmente. Tirou a mão esquerda do volante, abriu a maleta vermelha, que estava no assento ao lado, sacou a pistolinha de coronha de madrepérola, enfiando-a no decote. Aquela não era a primeira cilada que lhe preparavam... e certamente não seria a última. Por puro instinto, olhou o retrovisor, mas nada viu que lhe chamasse a atenção. Carros, carros, carros... Qualquer deles podia estar cheio de homens que, num momento dado, lhe cortariam a retirada. Também poderia não existir tal grupo de homens. Mas aquilo tinha que ser uma cilada. Por que haveriam de passar justamente diante da floricultura? E no momento em que estava saindo dela? Atravessaram todo o Brooklyn e tomaram a estrada que levava a Rockville. Pouco antes de chegar a esta localidade, o outro carro abandonou a estrada, continuando por um caminho de terra. Ao longe, diante deles, salpicado de luzes, estava o mar. Percorridos uns quinhentos metros por aquele caminho, o outro carro desviou à esquerda e, após iluminar uma pequena cabana, seu faróis foram apagados. Imediatamente Brigitte meteu-se pelo mato, sem nenhuma consideração pelo seu Cadillac. Era apenas um carro e fabricava-se em série. Em compensação, era pouco provável que alguém pudesse fabricar outro tio Charlie. Desligou o motor, apagou todas as luzes e ficou imóvel. Pela porta, cujo vidro estava baixado, vinha-lhe muito suave o rumor do mar, que não era mar aberto, mas antes uma lagoa formada entre a costa de Long Island e a estreita faixa de terra que a protege da fúria do Atlântico. A localidade que tinha à frente, brilhante de luzes, era Long Beach, do outro lado da lagoa. À direita, Brooklyn. À esquerda, toda a extensão de Long Beach, com Amityvile, Babylone, Bay Sliore... Ninguém poderia ensiná-la a mover-se pelo setor Nova Iorque. Esperou ainda mais uns segundos. Depois, empunhando a pistolinha, saiu do carro e começou a deslizar silenciosamente, sombra na sombra, para a cabana. Tinham acendido uma luz com qual podia ver o outro carro, diante da porta. Aproximou-se mais e rodeou a cabana. Então pôde ver o dístico que tinha no alto, do lado do mar. Pertencia a um clube de pescadores de Nova Iorque, um desses lugares onde se deixam varas, os cestos e demais utensílios para a pesca esportiva. Mas, àquela hora e com aquele frio, não era surpreendente que nenhum pescador estivesse utilizando a cabana, a qual estava hermeticamente fechada. Voltou ao carro, apanhou a maletinha e tornou a aproximar-se da cabana. Já bem perto desta, abriu a maleta, tirou um jogo de gazuas, tornou a fechá-la e deslizou para a porta. Aplicou o ouvido a esta e pôde escutar vozes. Pouco depois, o som de um golpe e a queda de um corpo no chão. Seus lábios se crisparam. Com todo o cuidado, introduziu na fechadura uma das gazuas. Em cinco segundos, fez correr a lingüeta, enquanto continuava ouvindo vozes, entremeadas de um e outro golpe. Deixou a porta encostada, guardou as gazuas, e, maletinha na mão esquerda, pistola na direita, empurrou bruscamente a porta cem um pé, colocando-se no umbral, braço estendido, apontando sua arma para os três homens dispostos em semicírculo diante de Charles Pitzer, que estava sentado numa velha cadeira, com marcas de pancadas e sangue no rosto. A porta não fizera ruído ao abrir, por isso os três homens não a ouviram. Mas chegou a eles o frio do exterior um virou-se, mal-humorado. Seus olhos se arregalaram quando viu a linda jovem do casaco de pele, que os contemplava com impressionante frieza, enquanto apontava-lhes uma pistolinha que parecia de brinquedo. Soltou uma exclamação e, rosto crispado, fez a pior coisa que lhe poderia ocorrer: quis sacar sua arma. Plop. Estalou a pistolinha de “Baby”. O homem recebeu a bala no centro da testa, soltou um gemido, saltou para trás e caiu de costas, ficando imóvel. A pistolinha apontava implacável para os outros dois. E a voz feminina, seca, gélida, ordenou: — Afastem-se para o canto. Venha para cá, tio Charlie, se pode caminhar. Pitzer tentou levantar-se, mas, com um queixume, não o conseguiu. O olhar de Brigitte congelou-se ainda mais. Os dois homens pareciam cravados no chão e ela moveu outra vez a pistola, indicando o canto onde estavam as varas de pesca. — Coloquem-se lá, de costas para mim. Tirem suas armas só com dois dedos e joguem-nas para trás. Os dois reagiram por fim, dirigiram-se ao canto indicado e jogaram suas armas para trás. Brigitte se aproximara de Pitzer e contemplava com um doce sorriso sua face cheia de sangue. — Mas vejamos, tio Charlie — disse. — Você ainda é dos que se deixam caçar bobamente? Ele baixou a cabeça, com um resmungo. “Baby” tomou a olhar os dois homens. — Quem são vocês e o que pretendem? — perguntou. Ficaram em silêncio, com as mãos erguidas à altura das orelhas. Ela entrecerrou as pálpebras e sorriu, de um modo arrepiante. — Parecem que são dos que se julgam valentes. Vou lhes mostrar que ninguém é valente a ponto de ficar calado todo o tempo. Ponham as mãos sobre a cabeça, apoiem a testa na parede e afastem os pés desta. Assim... Muito obrigada. Os homens estavam numa posição verdadeiramente incômoda, que lhes fazia doer o pescoço, pois este se mantinha rígido para suportar o peso do corpo lançado para a frente. Ela aproximou-se e aplicou uma coronhada seca nos rins de um, que, dando um grito, tombou de joelhos. — Vão me responder agora? — perguntou “Baby”. — Que queriam com o tio Charlie? Quem os enviou? Silêncio. Ela atingiu do mesmo modo o outro indivíduo, de sorte que ambos ficaram em idêntica posição: ajoelhados e dando-lhe as costas. — Estamos apenas começando — afirmou. — Agora vamos... Virou-se de súbito, vivamente, e viu Pitzer pondo-se de pé. Arqueou as sobrancelhas, surpreendida, enquanto ele indicava as armas caídas no chão. — Okay, tio Charlie: apanhe-as e vigie a porta. Parece que isto não é nenhuma cilada, o que muito me assombrou, mas não nos descuidemos. Pitzer assentiu, deu dois passos para as armas e tombou de joelhos, quase de bruços. Brigitte correu para ele, tomou- o por um braço e ergueu-o. Depois apanhou as duas pistolas, entregando-as a ele. — Será melhor que torne a sentar-se, tio Charlie. Deixe- me ajudá-lo. Levou-o até a cadeira e lá ficou, com uma pistola em cada mão. — Sente-se bem? Não vai desmaiar? Pitzer negou com a cabeça, mas não parecia muito seguro dele mesmo. Franzindo a testa, disse Brigitte: — Não gosto deste lugar, por isso vamos embora imediatamente. E, claro, levaremos estes cavalheiros a um lugar onde nada tenhamos a temer... eles é que sim. Vocês: ponham-se de pé e a caminho. Virou-se completamente para os dois, vigilante, atenta. Mas ninguém tem olhos nas costas, nem mesmo a agente “Baby”. De qualquer modo, sem saber por que, virava-se para Charles Pitzer, quase sobressaltada, quando ele já lhe descarregava o golpe com uma das pistolas. Ergueu o braço direito, por instinto, e o golpe amortecido alcançou-a na testa. Caiu de joelhos, um pouco tonta, uma expressão estupefata marcando-lhe as feições. Ao levantar a cabeça, viu o tio Charlie, seco, disposto a descarregar-lhe novo golpe. Não viu mais nada. CAPITULO TERCEIRO O Presidente do Mundo
Não era a primeira vez, pelo que não se surpreendeu em
absoluto quando, ao abrir os olhos, a primeira coisa que viu foi um teto. Tampouco a surpreendeu a intensa dor de cabeça que experimentou tão logo moveu os olhos. Fechou- os novamente, rosto crispado, até que a dor latejante foi desaparecendo. Mas, embora a cabeça ainda a incomodasse, podia pensar. E não precisava ter os olhos abertos para recordar- se... O tio Charlie com o rosto ensangüentado, de pé diante dela, golpeando-a. A viva recordação fê-la estremecer, como se ele lhe fosse descarregar novo golpe. Num instante, centenas de pensamentos cruzaram sua mente. Ali, claro, havia algo que não encaixava e que não podia compreender. Ou era muito fácil e só lhe faltava a vontade de admiti-lo? Já acontecera coisa parecida uma vez, quando daquele estranho assunto do Projétil Caribe, que lhe custara a expulsão da CIA2. Repetia-se a história? — Não... — murmurou. — Não o tornariam a fazer. Abriu de novo os olhos, contemplou o teto uns segundos, depois se atreveu a movê-los. A dor de cabeça aumentou. Mas tinha que dominá-la e, assim, sentou-se naquela régia cama, ficando muito surpreendida, ao constatar que usava uma deliciosa camisola de dormir azul, vaporosa, transparente. Algo realmente lindo. — Devo estar sonhando... Lentamente, olhou a seu redor. Estava num quarto magnífico, todo azul e branco. Na verdade era uma suíte, 2 Ver PROJÉTIL CARIBE não muito grande, mas elegante, alegre, com excelentes móveis, bonitas cortinas nas duas janelas, chão atapetado, quadros preciosos nas paredes. Havia um toucador com um grande espelho. Defronte da cama, entre as janelas, um esplêndido móvel com livros, rádio, televisor, um toca- discos de alta fidelidade, uma pequena discoteca... À direita, por uma porta aberta, podia ver o banheiro, também azul e branco. — Bem... — sorriu. — Para trazer alguém a um lugar como este, não seria preciso nenhum golpe: bastava um convite. Devo pensar que é uma gentileza do tio Charlie? Levantou-se e foi até a porta que, evidentemente, dava para o exterior do aposento. Abriu-a e olhou o amplíssimo corredor, também atapetado. Havia ali dois homens, um em cada extremidade. Ambos eram altos, fortes, de aspecto simpático, atraentes. Vestiam-se do mesmo modo: calça escura e camisa de malha também escura, de gola alta. Cada um deles tinha, preso ao cinto, um coldre com um revólver. Os dois sorriram amavelmente e um deles — Bom-dia, senhora. Brigitte levantou um dedo, corrigindo: — Senhorita. Depois tornou a entrar no quarto e aproximou-se de uma janela, correndo a cortina. Formidável! Sob o sol, um talvez surpreendente sol de inverno, estendia-se um formoso jardim. À direita, uma piscina. Mais além, duas quadras de tênis. E, ao fundo, o mar... Não. Aquilo não podia ser o mar. — É um lago... Mas qual? Afastou-se da janela e dirigiu-se ao banheiro. A grande surpresa foi encontrar lá sua maletinha, Nesta faltavam apenas a pistola e os dois pequenos rádios de bolso. Todo o resto fora deixado. Ouvindo bater na porta, saiu rapidamente ao quarto e autorizou: — Entre. A porta se abriu e apareceu uma lourinha bonita, sorridente, com um curto uniforme de serviço e uma diminuta touca azul. — Bom-dia, senhorita. Desculpe se não vim antes, mas disseram-me que acordaria bastante mais tarde. — Está desculpada. — Deseja que lhe prepare o banho? — Sim. Pode me conseguir um comprimido para dor de cabeça? Uma dor meio especial, não sei se entende. — Trago-lhe uns comprimidos para isso — sorriu a lourinha, tirando um tubo do bolso do avental. — E vou lhe buscar água. Entrou no banheiro e voltou com um copo de água, que estendeu a Brigitte, junto com dois comprimidos. Depois de tomá-los, a tranqüila hóspede daquele lugar desconhecido instalou-se numa das pequenas poltronas. A lourinha foi preparar o banho e, quando a banheira ficou cheia de água morna, Brigitte, cuja dor de cabeça tinha desaparecido, tirou a camisola e meteu-se nela. — A senhorita tem um corpo maravilhoso. Já o sabia desde esta madrugada, quando a despi para deitá-la. — Agradeço o elogio e o incômodo. Como é seu nome? — Pode me chamar Peggy, se quiser, senhorita. Dentro da banheira, com água até o pescoço, Brigitte sentia-se muito melhor, já quase em perfeita forma. — Não quero chamá-la Peggy. — Bem... Pensei que se tratando de um nome a que está acostumada... — Estou acostumada, mas Peggy só existe uma. Qual é o seu nome? — Priscille, senhorita. Sou uma camareira particular. Que deseja para o desjejum? — Que horas são? — Dez, mais ou menos. — Então, não desejo nada. Almoçarei às doze e meia: rosbife, dois tomates bem passados, café e queijo. É possível? — Naturalmente, senhorita. — Suponho que se começar a fazer-lhe perguntas você saberá como as responder, Priscille. — Receio que não, senhorita. — Nesse caso, não preciso mais nada, por ora. — Muito bem. Encontrará roupas no armário e deixei seu relógio na mesinha de cabeceira... Ah! Às onze deve ligar o televisor. — Algum programa de espiões, ou desenhos animados? — Não sei, senhorita — sorriu Priscille. — Porque esses são os únicos programas que me agradam. Mas não faz mal: ligarei o televisor. — Obrigada, senhorita. Se precisar de mim para qualquer coisa, bastará que toque a campainha junto à cabeceira de sua cama. A lourinha saiu do quarto e Brigitte continuou na banheira. Depois escolheu um dos vestidos que havia no armário. Ao colocá-lo, notou que sobrava um pouco de fazenda no peito. — Parece que minhas medidas torácicas não foram informadas com muita exatidão — murmurou. — Por que todos hão de crer que a agente “Baby” é uma mulher reforçada, algo assim como uma trapezista? Mas, enfim, o vestido não está mal. Penteou-se, maquiou-se tão levemente como sempre, pôs o relógio no pulso, tirou cigarros da maletinha e acendeu um. Sua maletinha... Só com o que havia ali dentro podia começar a dar desgostos a torto e a direito. Mas não. Melhor esperar e ver o que acontecia, o que queriam dela, que papel representava tio Charlie em tudo aquilo... Sentou-se diante do televisor, fumando placidamente. Havia silêncio, tranqüilidade, tudo era confortável. Quando seu relógio assinalou onze horas menos dez segundos, ligou o televisor, que se iluminou imediatamente, mas em branco. Depois apareceu a imagem de um homem. Tinha uns trinta e cinco anos e era atraente, sério, impecável. — Onze horas em ponto, horário presidencial — disse ele. — Acertem seus relógios e, por favor, prestem atenção à Conferência Internacional de Chefes de Governo. Brigitte arqueou as sobrancelhas, perplexa e divertida ao mesmo tempo. Acertou seu relógio, que estava um pouco adiantado. Ao erguer o olhar, ainda lá estava o elegante e simpático personagem. Logo após, sua imagem desapareceu e surgiu uma grande sala, em cujo centro havia uma enorme mesa oval. Ao redor desta. sentadas, umas vinte e cinco ou trinta pessoas. Pessoas que ela reconheceu perfeitamente, embora algumas só tivesse visto em noticiários filmados e fotografias. Mas eram inconfundíveis. Tão inconfundíveis que se assombrou como nunca em sua vida. — Mas o que significa isso?! — exclamou, quase levantando-se. Tinha os olhos fixos naquelas pessoas, que foi identificando uma a uma. Eram: Por Israel, Golda Meir; pela China, Mao Tsé-Tung; pela Pérsia, o Xá Reza Pahlevi; pelos Estados Unidos, Richard Nixon; pela Alemanha, Willy Brandt; pela França, Pompidou; pela Espanha, o general Franco; pelo Reino Unido, Elizabeth II; pela Rússia, Brejnev e Kossiguyn; pelo Chile, Salvador Allende; por Cuba, Fidel Castro; pelo Uruguai, Bordaberry; pelo Canadá, Trudeau; pela Índia, Indira Ghandi; pela Argentina, Lanusse; pelo... A atenção de Brigitte foi atraída pelo aparecimento de um novo personagem, procedente do fundo da sala. Chegou à cabeceira da mesa e todos se puseram de pé, em silêncio. — Bom dia, senhoras e senhores — disse o recém- chegado, amavelmente. — Por favor, sentem-se. Todos se sentaram, sempre em silêncio. Brigitte sacudiu a cabeça, como se duvidasse do que via, fixando aquele homem diante do qual gente tão importante se levantara. Era um homem alto, esbelto, elegante, de rosto viril e agradável. Teria uns cinqüenta anos e suas feições eram corretas, severas. Seus cabelos branquejavam nas têmporas; seus olhos, grandes, de brilho inteligente, contemplavam os demais personagens com uma expressão benévola de anfitrião todo-poderoso. — Senhoras e senhores — tornou ele a falar — reunimo- nos nesta breve conferência convocada por mim para tratar de alguns pequenos detalhes que penso devem ser perfeitamente definidos desde o princípio. Começaremos pela questão de autoridade — fez uma pausa magistral e sorriu. — Como todos sabem, resolvi tornar-me World President e para tanto preciso contar com a aquiescência de todos os chefes de governo do mundo, quaisquer que sejam suas designações: reis, imperadores, rainhas, presidentes... No momento, devido a circunstâncias diversas, só as senhoras e senhores atenderam ao meu chamado. Por esta vez, não tenho intenção de recorrer a medidas severas para com os faltantes. Sei que todos irão compreender o inevitável de colocar-se sob minhas ordens. Entretanto, como já disse, tudo deve ficar claro desde o início, pelo que procederemos a uma votação, da qual espero que não surjam inconvenientes para ninguém. Todos aqueles que estejam dispostos a acatar sem reparo algum meu mandato como Presidente Mundial, por favor, levantem um braço. Como uma sé pessoa, todos os presentes levantaram o braço direito. Todos. Um sorriso satisfeito apareceu no rosto do homem que falava. — Muito obrigado, senhoras e senhores. Esta demonstração de confiança e acatamento será devidamente tomada em conta. Mas, se acaso alguém não entendeu perfeitamente meus propósitos, resumo-os aqui: é meu objetivo conseguir à presidência mundial utilizando-os, bem como aos chefes de governo ausentes, como meus ministros em seus respectivos países. Isto quer dizer que serei eu quem governará tais países e consequentemente, um dia, todo o mundo... Têm alguma dúvida? Por favor, os que têm alguma dúvida levantem o braço esquerdo. Nenhum braço esquerdo se levantou. — Senhoras e senhores, tinha a certeza de poder contar com sua aprovação e compreensão. Muito obrigado. Desejo a todos um feliz regresso a seus países. A Conferência Internacional de Chefes de Estado fica encerrada. Levantou-se e todos o imitaram. A imagem desapareceu então, ficando o vídeo branco. Durante uns segundos, Brigitte permaneceu imóvel, olhos ainda muito abertos. E sem lhe dar tempo de reagir apareceu de novo o primeiro homem, mais jovem e sério. — Terminou a Conferência Internacional de Chefes de Estado, convocada pelo nosso World President. Desliguem seus receptores. Chefe do Serviço Secreto, apresente-se ao Gabinete. A imagem tornou a desaparecer, ficando o vídeo em branco. Brigitte desligou o televisor e ficou ainda estupefata uns segundos. Estavam todos loucos? Que significava aquela comédia? Presidente do Mundo! Mas quem era aquele lunático? E que faziam Nixon, Bordaberry, Brejnev, Franco com semelhante perturbado mental? — Naturalmente não é possível... — disse em voz alta. — um truque fotográfico, ou algo parecido... Não sei. Foi até a porta, tocou a maçaneta, mas voltou até a cama e apertou a campainha. Logo bateram na porta. — Entre! Apareceu a loura Priscille, sempre sorridente. — Às suas ordens, senhorita. — Assistiu ao programa de tv? — Oh, sim! Era obrigatório. — Ah! E o que achou? — Muito bom. — Muito bom? — Claro. Todos estamos esperando e desejando que World President consiga muito em breve governar o mundo. — Oh! Bem... parece-me um projeto dos mais interessantes. Quem é o homem que abriu e fechou o programa? — O World Vice-President — sorriu Priscille. — Mas ele prefere que o chamem simplesmente Malcolm. — Muito democrático. De onde foi feita a transmissão? — Isso não sei, senhorita. Brigitte entrecerrou as pálpebras. — Você está mentindo, Priscille. — Estou, senhorita — tornou a sorrir a lourinha. — Suponho que assim lhe mandaram. Outra pergunta: quem é o chefe do serviço secreto desse... governo? Priscille olhou-a, assombrada, antes de responder: — Mas se é a senhorita...! — Puxa vida!, como diria um amigo meu. Quanta honra? Nada menos que chefe do serviço secreto de um governo mundial. Bom, sempre tive a impressão de que iria muito longe... Mas, nesse caso, devo me apresentar no gabinete, não é assim? — É, senhorita. — Onde fica o gabinete? — Lá embaixo. Quer que a acompanhe? — Seria conveniente. Vamos. CAPITULO QUARTO Chefe do Serviço Secreto Internacional
Priscille abriu a porta e saiu depois de Brigitte. Os dois
simpáticos homenzarrões continuavam no corredor é sorriam para a espiã, que lhes piscou um olho, o que os fez rir. — Sua simpatia é irresistível, senhorita — comentou Priscille. — Por via das dúvidas. — Como? Não estou compreendendo... — Prefiro ser simpática, pois se todos vocês estão loucos, quero que não tenham nada contra mim. A lourinha pareceu surpresa, mas depois riu. Desceram ao térreo, que a julgar por todos os indícios era muito grande, moderno, luxuoso nos menores detalhes. Atravessaram o vasto vestíbulo e Priscille indicou uma das portas. — O gabinete — disse. A empregadinha assentiu e ela mesma apertou um botão, olhando para cima. Havia ali duas pequenas lâmpadas, uma vermelha e uma verde. Esta se acendeu segundos após. Brigitte empurrou a porta e entrou. Era um escritório, também amplo, luxuoso e correto, cheio de luz, que entrava por uma ampla janela abrindo para o jardim florido e ensolarado. O World Vice-President estava ante sua mesa de trabalho e olhou-a com expressão afável, cordial. Levantou-se, deixando ver sua formidável estatura. — Bom dia, Brigitte — saudou. — Bom dia, Malcolm — respondeu ela, também amável. — Excelente programa de tv o desta manhã, não? — Penso que sim. Mas é somente o princípio. Por favor, sente-se. Espero que esteja restabelecida por completo. — Estou, obrigada. — Brigitte sentou-se, viu cigarros sobre a mesa e acendeu um. — Nossa conversa vai ser a sério ou de brincadeira? — Como diz? — surpreendeu-se ele. — Olhe, Malcolm, não sei como conseguiram esse telefilme que projetaram, mas tampouco importa. Naturalmente trata-se de um programa transmitido em circuito fechado. Muito bem. Agora vamos à verdade. — Acha você que o programa não foi verídico? — Malcolm franziu a testa. — Claro que acho. Ora, ora... Pretende que alguém o leve a sério? — Talvez discutamos isso em outra ocasião — a testa do Vice-Presidente Mundial franziu-se mais ainda. — Agora nos ocuparemos do seu trabalho. Já sabe que foi nomeada Chefe do ISS e por... — Do que? — Do International Secret Service. — Oh! — De início, já que tudo está saindo muito bem, seu trabalho será escasso. Mas todos sabemos por experiência que os serviços secretos, mais que necessários, são indispensáveis. — Portanto, não será fácil que eu perca meu emprego. — Peço-lhe que prescinda de ironias, Brigitte. Bem, como estava dizendo, os serviços secretos são indispensáveis, já que todo governo tem seus inimigos. Com estes, segundo penso, três coisas se podem fazer e cito-as por minha ordem de preferência. Primeira: transformá-los em amigos. Segunda: mantê-los bem controlados. Terceira: eliminá-los. — A que mais me agrada é a primeira — intercalou Brigitte. — Estimo que coincidamos. Mas uma pessoa de sua experiência já estará convencida de que transformar inimigos em amigos não é fácil. Por outro lado, é preciso desconfiar inclusive dos que se dizem nossos amigos, pois a ambição destruiu todas as coisas belas que o homem já imaginou ou criou. — Novamente coincidimos. — Obrigado. Então creio que podemos chegar à desalentadora, mas judiciosa conclusão de que não se deve confiar realmente em ninguém e, portanto, embora de um modo visível sejamos amigos de todo o inundo, devemos nos manter em alerta. Esse permanente estado de alerta necessita de pessoal numeroso, bem treinado e melhor dirigido. Espionagem exige ação, mas também — e eu diria que basicamente — exige pensamento, idéias inteligentes. Para escolher o chefe do nosso serviço secreto, estudamos detidamente a carreira de vários postulantes... — Quer dizer que conhecem os melhores espiões do mundo? — Não pessoalmente, mas por seus trabalhos, sua reputação. — A mim, porém, conhecem pessoalmente. — Tratamos disso quando, após uma semana de deliberações, você foi a escolhida. Seu nome, claro, constou da nossa lista desde o primeiro momento... Refiro-me ao seu nome profissional: “Baby”. — Como? — ela pareceu ofender-se. — Meu nome estava na lista desde o primeiro momento e vocês hesitavam? Malcolm sorriu amavelmente. — A respeito de sua categoria não tínhamos a menor dúvida. Mas detinha-nos o fato de tratar-se de uma mulher. Por fim, compreendemos que o sexo, nesta questão, não tinha a menor importância. Procurávamos um cérebro, não um sexo. — Garanto-lhe que tenho ambas as coisas. — Ninguém duvidaria disso — murmurou Malcolm. — Mas prossigamos: uma vez você escolhida, solucionamos o problema de localizá-la e, uma vez localizada, o de trazê-la aqui sem lhe fazer o menor dano. Depois, tínhamos a certeza de que sua inteligência se imporia aos sentimentos de indignação que lhe pudesse causar nosso... convite. — Foi um seqüestro, não um convite. — É verdade — admitiu ele. — Mas você teria vindo, se lhe enviássemos um vulgar convite? — Não sei. — Além disso, sua chegada aqui tinha que ser secreta. Espero que o compreenda. — Sim, claro. Gostaria de fazer-lhe umas perguntas. Posso? — Naturalmente! —Foram vocês que seqüestraram em Washington seis homens cujos nomes...? — Sim. Fomos nós. Certamente você já compreendeu que dois desses cavalheiros nos facilitaram informação a respeito da agente “Baby” da CIA. — Entendo. Não se pode dizer que os senhores Kefauver e Ambler tenham sido muito resistentes aos seus interrogatórios: delataram-me menos de doze horas depois de capturados. — Dispomos de meios persuasivos — sorriu Malcolm. — Violentos? Utilizaram violência física ou mental? — Você é muito aguda. Com efeito, a violência física está ultrapassada, é fatigante e obriga a perder tempo. — Formidável! Entendo, então, que seqüestraram os dois conselheiros da CIA só para obrigá-los a lhes dizer meu nome verdadeiro, endereço etc.? — Basicamente, sim. E como também já terá compreendido, não só nos falaram de você, mas também de Charles Pitzer, Chefe do Setor Nova Iorque, de modo que, bem informados sobre certas peculiaridades suas, resolvemos... atacá-la por seu lado fraco. — Meu lado fraco? — Seus amigos. Caçá-la a frio pareceu-nos muito arriscado para todos. De maneira que preferimos utilizar Pitzer, organizando uma cilada que evitasse derramamento de sangue e perigo para ambas as partes. — Matei um homem naquela cabana de pescadores. — Sei. Mas a culpa foi dele, na verdade. Os três estavam avisados de que, quando você aparecesse, deviam mostrar- se... razoáveis. No entanto, ele se excedeu, ou assustou-se a ponto de cometer um erro. Não se preocupe por isso. — Asseguro-lhe que não perderei meu sono. Mas há algo que me mantém preocupada, na verdade: como puderam convencer o tio Charles a golpear-me? Passaram por mim com ele olhando-me do carro e eu o segui, naturalmente. Uma armadilha perfeita em todos os detalhes. Muito bem. Mas como o induziram a atacar-me, quando eu dominava a situação e podia tê-lo facilmente resgatado? — Não vou responder a esta pergunta, Brigitte — sorriu amavelmente Malcolm. — Bom. Farei outras então. Disse que raptaram os dois conselheiros da CIA basicamente para os fazer falar a meu respeito. Que quis dizer com isso de basicamente? Acaso têm outros projetos com relação a esses homens? — Com efeito. — E quanto aos outros quatro também? — Também. Os seis nos são necessários para outro projeto. — Qual? — Tampouco agora me parece conveniente responder. Sinto muito. — Não responderá a nenhuma outra pergunta parecida? — Possivelmente. — Está bem, esperarei. Que pensam fazer com Charles Pitzer? Ele também está incluído nesse projeto secreto? — Não. Só nos serviu para controlar você. Agora já não o necessitamos... Salvo se você o quiser para seu ajudante. — Charles Pitzer sempre foi meu chefe. Não me parece... — As coisas mudam, as pessoas idem. Você bem. sabe que há muito tempo o superou. Compreendo sua lealdade para com ele, mas é pessoa que já não nos serve de nada. — Que acontecerá, se eu não o admitir como ajudante? — É uma questão a resolver. — Posso pedir que, por enquanto, continue prisioneiro... mas vivo? — Concedido. Bem, parece que já satisfez sua curiosidade, de modo que, se está de acordo. passaremos a considerar o trabalho que esperamos que realize. De início... — Resta algo pendente. — Que é? — Meu salário. Ou supõe acaso que vou trabalhar de graça? — Não, não. Ninguém faz nada por nada. Nem sequer World ou eu. — World é o Presidente Mundial? — É. Os mais chegados a ele podem chamá-lo assim. E espero — sorriu Malcolm — que não me perguntará seu verdadeiro nome. — Prescindirei de satisfazer minha curiosidade nesse sentido — sorriu friamente Brigitte. — Quando poderei vê- lo? — Para quê? — Para conversar com ele. — Ah! Quer ver que espécie de homem ele é. Compreendo e me parece razoável. Direi isso a World e você será avisada quando ele quiser recebê-la. Quanto ao seu salário, fixe-o você mesma e comecemos a trabalhar. — De acordo. Quero cem milhões de dólares por ano. — Concedido — Malcolm levantou-se. — Vamos lá embaixo. Brigitte contemplava estupefata o elegante e afável Vice-Presidente Mundial. — Não sei se entendeu — murmurou. — Eu disse cem milhões de dólares por ano, Malcolm. — Entendi perfeitamente. Mas o dinheiro não é problema. — Devo estar sonhando... Olhe, cem milhões de dólares são problemas inclusive nos orçamentos anuais de qualquer grande potência. — Nós vamos ter muito mais dinheiro que qualquer grande potência, Brigitte. — Você deve estar brincando. — De maneira nenhuma. A espiã mais sagaz do mundo olhou atentamente para Malcolm, que sorria com displicência. Aquele homem estava louco? — Asseguro-lhe que estou em meu perfeito juízo — riu ele, adivinhando seus pensamentos. — Pois não parece. E tudo isso da conferência com Brejnev, Pompidou, Franco, Castro... — Tudo isso, assim como nossos meios para dispor de uma quantidade incontável de dinheiro, você logo compreenderá, garanto-lhe. Entrementes, por favor, vamos lá embaixo: gostaria de instalá-la em seu escritório. — Está bem. Saíram do dele, atravessaram o vestíbulo e entraram numa sala cujas paredes estavam literalmente cobertas de livros. A um canto, duas poltronas e uma tela de pé. No chão, um espesso tapete. Malcolm comprimiu o interruptor da luz, embutindo-o pelo menos três centímetros na parede. Soou um leve estalido e o retângulo ocupado pelo tapete dobrou-se em dois para cima, como um livro que se fecha, deixando um vão espaçoso com degraus também atapetados. — Engenhoso! — observou Brigitte. — Sabemos que é vulgar e até um pouco teatral — sorriu Malcolm. — Mas muito eficiente. Além disso, ganha- se espaço nos jardins e a vila, embora um pouco grande, não chama excessivamente a atenção. Custou-nos um ano construir discretamente os porões. — Imagino. Não há elevador? — Não. Por favor, seja indulgente. Não estamos inventando nada novo: apenas queremos tirar proveito do que já existe. — Proveito para quem? — Para nós, claro — surpreendeu-se Malcolm. — Por favor, você primeiro. Brigitte iniciou a descida. Vinte e dois degraus, ao término dos quais só havia uma parede. Mas Malcolm apertou outra mola e abriu-se uma porta ampla, para cima. Depois ele fechou a da biblioteca e virou-se para Brigitte, que contemplava com indiferença o largo corredor iluminado à sua frente. Havia portas de ambos os lados e outra, bem maior, ao fundo. Seis homens, arma à cinta, calça escura e camisa de malha, muito atraentes, adotaram uma posição rígida, firme, mão na coronha do revólver, tão logo Malcolm entrou no corredor. — À vontade — disse o Vice-Presidente. Os seis relaxaram sua postura e ele indicou a primeira porta à direita. Abriu-a, deixando passar Brigitte. Num instante, esta compreendeu para que serviam todos os objetos ali existentes. — Sala de vigilância — sorriu. — Exato. Não precisamos ter homens no exterior, já que as telas de tv e o radar nos avisam imediatamente da presença de qualquer estranho. Parece-me que não precisa de mais explicações sobre este serviço. — Não. — Mas talvez lhe ocorra alguma sugestão para melhorá- lo. — Pensarei nisso. Olhou amavelmente os três homens que atendiam aos aparelhos, fez meia-volta e saiu dali. A visita seguinte foi à sala de armas e ela a desdenhou também de imediato. A sala de recreação, onde estavam dez ou doze homens que pareciam cópias dos que tinham visto até agora, mereceu- lhe idêntica indiferença. Até o momento, tudo era vulgar para ela, pelo que se permitiu o comentário: — Já vi instalações deste tipo bastante melhores. — As coisas irão mudando — assegurou Malcolm. — Quer ver a sala de Estudos Econômicos? Isto era novo e Brigitte assentiu com um aceno. Era um recinto cheio de livros, mapas, máquinas de escrever e calcular, dois computadores... Havia oito homens e duas mulheres trabalhando ali. Mas já não eram como os outros. As mulheres, de meia-idade, uma de óculos, pareciam fatigadas, embora não menos que os homens, cujas idades oscilavam entre os cinqüenta e os sessenta anos e não podiam ser mais díspares em seu aspecto. — São economistas — explicou Malcolm.. — Estudam o potencial econômico total de todos os países do mundo, baseando-se, é claro, nos dados que nos foi possível conseguir. Esperamos que, em prazo muito curto, poderão nos fornecer cifras exatas para entramos em ação. — Que espécie de ação? Bélica? — Não... — riu Malcolm. — Claro que não! Já viu a sala de armas. Pois aquele é todo o nosso armamento. Não poderíamos nem sequer assaltar um banco... O que, por outro lado, seria atrozmente vulgar. — Sem a menor dúvida. Mas repito minha pergunta: que espécie de ação? — Depois saberá. Não é que queira ser reticente com meu chefe do Serviço Secreto, mas acho preferível esperarmos um pouco, para ultimar detalhes, — Parece-me razoável. Que mais há aqui embaixo? — Creio que está se aborrecendo. — Um pouco. — Lamento. Bem... Temos uma Sala de Rádio, outra onde estão os geradores de energia elétrica, um laboratório, uma enfermaria e algumas celas. Nestas se encontram, no momento, Charles Pitzer e os outros... convidados. — Não os posso ver? — A partir deste instante, em que os controles eletrônicos já a identificaram, você pode entrar e sair daqui à vontade e abrir todas as portas que quiser... menos uma. — A dos fundos — sorriu “Baby”. — Realmente. Sem mais comentários, por favor. — Okay. E meu escritório? Passando por alto outras portas, que evidentemente não mereciam o interesse da espiã mais famosa do mundo, Malcolm levou-a até seu escritório, onde ela entrou cheia de curiosidade, mas de imediato a decepção estampou-se em suas feições. — Esta é a sala de um chefe de serviço secreto? — Compreendo que esteja desapontada. Mas é justamente você quem a deve montar a seu gosto. Tem apenas que pedir o que precisar e, mais adiante, à medida que formos conseguindo certos propósitos, arquivar e manipular toda a informação mundial, que, não tenha dúvida, chegará a ser tão abundante que excederá finalmente todas as suas possibilidades de trabalho. Brigitte contemplava a sala. Um arquivo metálico, duas poltronas e um sofá, uma mesa, máquina de escrever, armário com prateleiras e alguns livros... Muito pouca coisa para um escritório tão grande. — Pelo menos, podiam ter-me trazido algumas flores — comentou. — Teremos isso em conta daqui por diante. Agora deixo-a sozinha. Suponho que saberá como voltar para cima. — Creio que sim. — Gostaria que almoçássemos juntos. De acordo? — Às ordens do Vice-Presidente Mundial. — Não é uma ordem — Malcolm pareceu divertido. — É um convite que pode aceitar ou recusar. — Pensarei então. Gostaria de dar uma olhadela por aqui. — Muito bem. Até logo. Seja bem-vinda. Brigitte ficou sozinha em seu escritório, de onde, se bem entendera, devia dirigir um serviço de espionagem mundial. A impressão de que estavam zombando dela deixava-a mal- humorada... até que finalmente, ao olhar no arquivo, encontrou umas fotos que absorveram toda a sua atenção. Eram os mesmos personagens que tinham assistido à conferência televisada. Uma das fotos era da rainha da Inglaterra... nua, estendida numa cama, com Georges Pompidou, de um lado e Willy Brandt do outro, também despidos. — Que barbaridade! — murmurou ela. — Com que espécie de loucos estou tratando esta vez? Havia mais fotos de natureza idêntica. Indira Ghandi envolta num véu transparente, dançando diante do Imperador da Etiópia. Mao Tsé-Tung e Golda Meir, ambos vestindo túnicas chinesas e amando-se furiosamente sobre um divã. Tudo aquilo só mereceu um comentário por parte de “Baby”. — Repugnante! Mas as fotos não pareciam truncadas. Como as teriam feito? E o que poderiam pretender com aquilo? Não entendia nada... E o que devia fazer? Colocar ali toda a sua carga de explosivo plástico existente na maletinha vermelha e partir, ou continuar para ver o que estavam tramando? Além disso, havia o tio Charlie... E os outros. Saiu de seu escritório e, do centro do corredor, fez sinal a um dos guardas, que se aproximou rapidamente. — Diga, senhora — perfilou-se ele, mão na arma. Desistiu de mais tentativas quanto a deixar estabelecido seu celibato. — Quero ver os prisioneiros — ordenou com firmeza. — Sim, senhora. Sem mais complicações, foi aberta uma das portas. Aquele aposento não era como os outros: primeiro, uma saleta de entrada; depois, um estreito corredor com portas de ambos os lados. Compreendia-se que havia vários quartos, preparados para servir de celas. Portanto, pelo menos duas das portas do corredor externo ou eram falsas ou estavam impedidas, e o único acesso às celas era por ali. Virou-se para o guarda. — Sabe quem sou? — Sim, senhora: a chefe do ISS. Disseram-nas que seu nome é “Baby”, mas que a devíamos chamar senhora. — Pois quase me agrada. Dê-me as chaves de todas as celas e espere-me onde está. — Sim, senhora. Ele lhe entregou uma penca de pequenas chaves, esperou que Brigitte entrasse e fechou a porta. Ela se introduziu no estreito corredor, detendo-se diante da primeira cela.
CAPITULO QUINTO Os prisioneiros
Acertou com a chave correspondente àquela porta na
terceira tentativa. Girou-a na fechadura, abriu e colocou-se no umbral. Podia-se ver tudo o que ali havia num rápido olhar: quatro paredes e um homem sentado num canto. Identificou, ato contínuo, Uriah Greenlease, coronel da USAF, desaparecido de modo tão estranho de seu domicílio duas noites antes. Ele a olhava com olhos arregalados, encolhendo-se como se temesse um ataque. — Bom-dia, Coronel Greenlease — saudou ela. — Não... — ofegou o militar. — Não, não... Não se aproxime! — Tem medo de mim? Avançou dois passos na reduzida cela e Greenlease encolheu-se mais, gritando: — Não se aproxime, não toque em mim! — Tranqüilize-se, Coronel. O senhor não me conhece, mas asseguro-lhe que sou amiga. Não tenciono lhe fazer o menor dano. — Vá embora... Deixe-me sozinho... Estava aterrado. Tão aterrado que Brigitte não deu um só passo mais. Olhou-o durante uns segundos, depois fez meia- volta e saiu daquela cela, tornando a trancá-la. Não para evitar que Greenlease escapasse, mas porque estava convencida de que ele se sentiria em maior segurança sabendo que a porta trancada o protegia do exterior. Abriu a segunda porta. A cela era ocupada pelos dois senadores: Baldwin Dubbins e Silas Hopkins. Também estavam sentados no chão e a olharam, aterrados. Sem dizer palavra e não pouco impressionada, Brigitte fechou também aquela porta e dirigiu-se à seguinte. Ali estavam Cyril Ambler e Aaron Kefauver, os dois conselheiros da CIA. Também os olhos destes se abriram com espanto, mas logo a reconheceram e saltaram de pé, exclamando ao mesmo tempo: — “Baby”! Seus rostos exprimiam tanto alivio e alegria que ela disse para si mesma que não os devia censurar pelo que tinham feito. — Bom-dia, senhores conselheiros — saudou amavelmente. — Por favor, sentem-se. Tentou sentar-se também no chão, mas os dois homens a impediram, olhando-a entre alvoroçados e espantados. — Sentar-nos? — estranhou Ambler. — Tire-nos daqui o quanto antes. — Parece que os senhores não entendem bem a situação ela franziu a testa. Eu também sou uma prisioneira. — Uma prisioneira? Mas... não veio nos resgatar? — Por enquanto, não acho isso factível. Temos perto de nós uns vinte homens armados que se constituiriam em obstáculo insuperável. Os dois trocaram um olhar de desalento. — Compreendo — murmurou Kefauver. —Afinal, também a seqüestraram. Ao vê-la pensamos que a Central a tivesse requerido para uma missão e que... Como e quando a capturaram? — Ontem à noite. Quanto ao modo, falaremos disso em outro momento. O importante é que estou aqui e tentarei libertá-los. — Onde estamos? — perguntou Ambler. — Não sei. — Não sabe? Mas, se chegou até aqui, tem que saber onde estamos e como conseguiu a pista para localizar-nos. — As coisas não aconteceram exatamente assim. — Como, então? — Bem, não fui eu quem os localizou, mas fui localizada por essa gente, em Nova Iorque, e caí na armadilha que me prepararam. — Prepararam-lhe uma armadilha... Mas isso significa que sabiam quem era a agente “Baby”! — alarmou-se Kefauver. — Sim, com efeito, sabiam — pestanejou Brigitte. Os dois tomaram a se olhar e, sombrio, disse Kefauver: — Como lhe falei, Ambler, em tudo isto deve haver um traidor. — Parece evidente, agora — murmurou Cyril Ambler. — E um traidor que começa delatando “Baby” vai dar muitos desgostos à CIA. Brigitte olhava para um e outro, perplexa. — Os senhores não conhecem esse traidor? Não sabem quem pôde dar meu nome verdadeiro e endereço a essa gente? — perguntou. — Claro que não! Se soubéssemos, eu mesmo, com minhas próprias mãos, o... — arquejou Kefauver. — Precisamos sair daqui e encontrá-lo — excitou-se Ambler. — Essa pessoa pode nos causar muito dano, miss Montfort! — Sim... — concordou Brigitte, atônita. — É preciso encontrar o traidor, claro. Como capturaram os senhores? Agora os desconcertados foram eles. — Não sabemos — disse Kefauver. — Já trocamos impressões sobre isso, mas sem chegar a uma explicação satisfatória. — Sei apenas que me deitei em minha cama, em casa... — disse Ambler. — E ao despertar estava aqui. Não saí, desde então... — sua mão crispou-se no braço de Brigitte. — Miss Montfort, não se deixe injetar, não deixe que lhe dêem nenhuma injeção! Não permita que... — Calma, mister Ambler — Brigitte puxou o braço. — Foi terrível! — murmurou o conselheiro, rosto alterado pelo terror. — Foi tão terrível que não o poderia suportar outra vez... — Nem eu — acrescentou Kefauver, começando a tremer. — Peço-lhes que se tranqüilizem... De que estão falando? — Há uma... uma coisa que nos ocorreu aos dois. Quando voltamos para casa a última vez eu... eu senti ima leve espetadela na mão. Algo como a picada de um mosquito. Embora estes não sejam freqüentes no inverno, admiti ter sido picado por algum. Tinha certo trabalho importante a fazer e iniciei-o logo depois do jantar. Mas senti dificuldades em concentrar-me e resolvi ir para a cama, não muito depois de minha mulher. Conversamos, mas eu sentia muito sono, meus olhos se fechavam... É só o que me lembro daquela noite. Mas depois... depois... — Mister Kefauver... — Brigitte tocou-lhe no braço. — Mister Kefauver! Ele tinha ficado com a boca aberta, os olhos arregalados, a cada minuto que se passava, expressando mais terror. Ambler, contemplando-o, ia-se aterrorizando também. Pareciam alucinados pela mais espantosa visão do mundo e, súbito, ambos olharam como loucos para Brigitte, que recuou um passo. — Não... — disse ela. — Não, não! Kefauver estendeu os braços e suas mãos se cravaram na garganta de “Baby”, que as repeliu com um golpe defensivo. Agachou-se imediatamente, esquivando o torpe e furioso ataque de Ambler, o qual se dobrou sobre suas costas, rugindo como um possesso. Ela se ergueu com força e o conselheiro foi chocar-se contra a parede, caindo de cabeça no chão, onde ficou gemendo, imóvel. Enquanto isso, Kefauver tinha voltado à carga, agarrando-a pelos cabelos e lançando-a também contra a parede. O choque foi violento, mas Brigitte virou-se para enfrentar o enlouquecido adversário, que avançava com as mãos na frente, oscilando como um urso, babando e olhando-a com fúria assassina. Aterrada, ela compreendeu que só havia uma solução, se não quisesse que as coisas se complicassem muito mais. Deixou-o chegar. Ele tentou envolvê-la com os braços, mas o que abraçou foi o vazio, ao mesmo tempo em que recebia uma cutilada na nuca que o fez cair de joelhos. A cutilada repetiu-se e ele ficou estendido de bruços. Ambler começava a recuperar-se, tentando pôr-se de pé para tomar a investir. Brigitte hesitou um instante, depois correu para a porta, saiu e trancou-a rapidamente. Lago soaram fortes pancadas na madeira, pancadas que se intensificaram quando, além de bater com os punhos fechados, Ambler passou a utilizar também os pés. Fora do recinto das celas, soaram vozes, passos apressados... Em poucos segundos, apareceram quatro dos guardas, acompanhados de dois homens com batas brancas, cada um portando uma seringa de injeção. Chegaram diante de Brigitte, que continuava junto à porta da cela, e um dos médicos, ou enfermeiros, gritou: — Entrem e agarrem bem esses dois! Brigitte estava reagindo à vista das seringas. A voz de Ambler parecia ainda ressoar em seus ouvidos, gritando que não se deixasse injetar... — Um momento — pediu. — Não quero que apliquem nenhuma injeção nesses homens. O enfermeiro mais próximo dela olhou-a torvamente. — Tenha a bondade de ocupar-se de seu próprio serviço — disse secamente. — Já é bastante que os tenha excitado desse modo. — Quanto a isso, de acordo — aceitou. — Mas nada de injeções. Não quero que esses homens sofram mal algum daqui por diante! — Está brincando? — rosnou o indivíduo. — Claro que não vão sofrer mal algum! Precisamos deles e, por esta mesma tarde... Faça o favor de afastar-se. — Para que os necessitam? Que...? — Escute, se quiser explicações, peça-as a World, não a mim. Tenho que fazer meu trabalho e será melhor para todos que não me importune mais! Se atrasar a administração de um sedativo nesses homens... — É um sedativo? — Que diabo pensa que seja? Brigitte afastou-se lentamente. A porta foi aberta e Cyril Ambler precipitou-se para fora da cela, dando tapas a torto e a direito. Mas os quatro atléticos guardas não tiveram dificuldade em dominá-lo o suficiente para aplicar-lhe a injeção. Durante mais uns segundos ele se debateu, porém foi se aquietando, até ficar inerte entre os braços que o seguravam. Tinha adormecido. O outro enfermeiro saiu da cela com a seringa vazia. — Estava sem sentidos — disse — mas pareceu-me conveniente injetá-lo também. — Claro que sim — seu colega deu um suspiro e olhou para Brigitte. — Bem, desculpe a maneira brusca com que lhe falei, senhora, mas o caso era urgente, peço-lhe que compreenda. — Compreendo. Que aconteceu com eles? — Bem, não me compete dar-lhe explicações. Sugiro- lhe apenas que evite entrar nessas celas: já viu as conseqüências. — Estou autorizada a entrar onde quiser. — Não discuto isso, senhora. Dou-lhe apenas um conselho, do qual quem mais se beneficia são os prisioneiros. Por fim, faça como quiser. Depois se entenderá com World. — Está bem. Todos os prisioneiros se encontram nas mesmas condições? — Não. Há um que não foi submetido a tratamento: o último. Parece que com ele foram adotados outros métodos... Está naquela cela. — Obrigada. Lamento o ocorrido. Vocês — olhou para os guardas —, voltem aos meus postos. — Sim, senhora. Poucos segundos depois, ela tomava a ficar só naquele corredor. Aproximou-se da cela indicada, acertou rapidamente com a chave e abriu-a. Pestanejou, surpreendida. Não havia ninguém ali. Mas logo seu olhar enfocou a porta, aberta para dentro, e pareceu atravessar a madeira. — Tio Charlie? — chamou. Atrás da porta, houve uma reação. Ouviu-se uma exclamação e em seguida Charles Pitzer apareceu, olhos muito abertos, tendo na mão direita um diminuto canivete. — Brigitte... — murmurou. — Esconda isso — ela indicou o canivete. — De onde o tirou? — De meu sapato. Como pôde me encontrar tão depressa? Ela não respondeu. Olhava atentamente o rosto de Pitzer. Na noite anterior, vira-o marcado de golpes, cheio de sangue. Agora, apenas doze ou treze horas depois, aquele rosto estava intacto. Entrou, fechou a porta e sorriu. — Então o que surpreende você não é que o tenha encontrado, mas que o conseguisse tão depressa... — Tinha a certeza de que você me procuraria. — Claro. Que aconteceu? — Fui caçado como um boboca... — resmungou Pitzer. — Foi ao sair do seu apartamento, na rua. Ia entrar em meu carro, quando dois indivíduos se aproximaram, com as mãos metidas nos bolsos. Disseram-me que lá em cima, com você, havia mais quatro dispostos a matá-la, se eu resistisse.. — E você acreditou nisso? — Acreditei. — Mas, tio Charlie! Sabe muito bem que não é fácil vencer-me. Ora essa.. — Olhe, se me disserem que há uma manada de elefantes voando, eu nem sequer Levantarei a cabeça. Mas se acrescentarem que um desses elefantes perdeu as asas e está a ponto de cair sobre mim, eu me afastarei, por via das dúvidas. — Entendo. Você preferiu deixar-se caçar, como um boboca, a correr o risco de que me matassem. — Parece que sim — grunhiu Pitzer. — Ali! Entretanto, depois você me atacou. Pitzer ficou boquiaberto. — Quê? — exclamou. — Você me atacou, pouco depois. — Eu ataquei você? — Caro. O chefe do Setor Nova Iorque da CIA soltou um de seus grunhidos. — Não é momento para brincadeiras! — Não estou brincando. Você me deu duas coronhadas na cabeça. A primeira quase consegui controlar, mas a segunda... — tomou-lhe a mão. — Não está sentindo o galo? Pitzer retirou a mão bruscamente e olhou perplexo para Brigitte, que por sua vez o olhava, atenta... Nada. Nem o menor sinal de golpes no rosto dele. — Não, não... — Pitzer sacudiu a cabeça. — Eu não lhe fiz nada. Com todos os diabos, claro que não lhe fiz! — Você deve estar enganado — sorriu amavelmente Brigitte. — Eu vi perfeitamente, tio Charlie. — Viu o quê? Eu não lhe fiz nada, repito. — Tranqüilize-se. Injetaram-lhe alguma coisa? — Como? — Puxa, você parece que está surdo... Pergunto se lhe aplicaram alguma injeção. — Não... Nenhuma. — Como o trouxeram aqui? — Meteram-me num carro, golpearam-me e, quando recuperei os sentidos, estava ainda sendo transportado naquele carro, com pés e mãos amarrados. Tinha também uma mordaça. Chegamos a um lugar onde um helicóptero esperava, O piloto se aproximou do carro e pareceu decepcionar-se quando me viu. E ela?, perguntou. Disseram-lhe que ainda demoraria, pois era preciso fazer bem as coisas... — Certamente, referiam-se a mim. Que mais? — Não sei mais nada. Narcotizaram-me... e acordei nesta cela. — Sabe, tio Charlie, que certamente fizemos a viagem até aqui no mesmo helicóptero? Só que a mim trataram muito melhor: tenho um escritório e um quarto que é um sonho, dando para o jardim e um lago... Talvez seja o Ontário, ou, mais possivelmente, o Erie. — Quer dizer que podemos estar no Canadá... Como você foi capturada, Brigitte? — Já disse: você me golpeou, à traição. — Lá vem você com isso! — Juro que é verdade. Deixe-me explicar... Quando telefonei para a floricultura com a intenção de dizer-lhe que o trabalho de Um tinha terminado... — Ele veio com você? — quis saber Pitzer. — Um? Não... Felizmente já deve estar na Europa. — Isso de “felizmente” é opinião de você. A presença dele por aqui me tranqüilizaria muito. — Tio Charlie — ressentiu-se Brigitte —, você não confia em “Baby”? — Claro que sim. Mas se também contássemos... — Um está longe — cortou ela. — Deixemos que descanse. Bem, quando chamei Johnny na floricultura... Terminou o relato em poucos minutos. Ouvindo-o, Pitzer tinha passado de um assombro a outro, mas havia um detalhe que sobretudo o preocupava. — Insisto em que não a agredi, Brigitte. Nunca... — Oh! Encontraremos uma explicação. — Sim, deve existir uma. O que não entendo é o que pretendem esses alucinados. Presidente do Mundo! Que estarão eles tramando? — Procurarei descobrir, valendo-me de minha privilegiada posição de chefe do ISS — sorriu Brigitte. — E tudo isso de Mao Tsé-Tung, Nixon, Trudeau... Bom, não acho que seja necessária muita esperteza para compreender que se trata de trucagem cinematográfica. — Talvez. — Talvez? Mas que outra coisa pode ser? — Vai me perdoar, tio Charlie — ela olhou seu reloginho —, mas tenho um convite para almoçar. Continuaremos a ver-nos, espero. Enquanto isso, seria conveniente que me entregas. se seu canivete. — Por quê? — resmungou Pitzer. — Não quero que o encontrem com você, fiquem irritados e o matem. Vamos... — estendeu-lhe a mão — o canivete. Obrigada. Se precisar de alguma coisa, peça que me avisem. Mas, por favor, porte-se como um bom menino, inofensivo e dócil. De acordo? — De acordo — aceitou Pitzer com má vontade. — Ótimo. Bem, até logo. — Não pensa em me tirar daqui? — No tempo devido. Considere que há mais seis homens nas celas vizinhas, também esperando ser resgatados. Quer dizer... — sua voz baixou a um sopro — espero que estejam esperando. Dizem que os vão preparar... para que? — Para nada de bom — afirmou Pitzer. Brigitte Montfort ficou pensativa uns segundos, sentada no chão junto ao seu chefe. Por fim, deu de ombros, levantou-se e saiu da cela, despedindo-se dele com um gesto. CAPITULO SEXTO Maré amarela
A batida na porta despertou-a, incontinente. Virou-se na
cama, sentou-se com as pernas para fora e autorizou: — Entre. Entrou Priscille, sorrindo daquele modo simpático, quase infantil. — Miss Montfort, Malcolm pede-lhe para ter a bondade de descer ao gabinete. Brigitte olhou seu relógio. Eram três e quarenta da tarde. Tinha almoçado bem, desfrutando a amável companhia do Vice-Presidente Mundial e depois dormira uma estupenda sesta. Assentiu. — Desço imediatamente. — Deseja alguma coisa? — Não, obrigada. Diga a Malcolm que demoro o tempo justo para mudar de roupa. — Direi. Posso arrumar um pouco a cama? Levantando-se, Brigitte dirigiu-se ao armário, olhando de relance para Priscille, que se dedicou a recompor as roupas da cama, deixando esta impecável. Entrementes, abrira o armário, de onde tirou algumas roupas. Despiu-se completamente, virada de costas para a empregadinha, à qual não ouvia em absoluto, como se tivesse se dissolvido no ar. Virou-se de súbito e viu-a às suas costas, sorridente. — Pode-se retirar — ordenou, brusca. Priscille ampliou seu sorriso, sacou do decote uma enorme faca e lançou-se contra ela, soltando um grito de fúria. O sobressalto de “Baby” ante o inesperado ataque foi tal que, ao saltar para trás esquivando a facada, chocou-se contra o armário sendo como que repelida por este e encontrou-se entre os braços de sua agressora, o que fez com que a facada passasse por cima de seu ombro, cravando-se na madeira. Mas o esbarrão entre as duas foi forte e ambas foram parar no meio do quarto, tombando no chão. Enquanto rolavam sobre .o tapete, Brigitte teve a esperança de que a faca tivesse ficado cravada no armário, mas no último giro viu-a brilhar cima dela, firmemente empunhada por Priscille, que tornou a golpear. Com uma ágil quebra de corpo, a espiã internacional furtou-se ao golpe e a lâmina passou roçando pelo seu seio direito, enquanto a empregadinha ficava por cima dela. Mas daí foi deslocada quando a agressora arqueou subitamente o corpo, caindo de bruços, sempre com a faca na mão, para virar-se com a rapidez de uma serpente enlouquecida. Mas Brigitte havia girado, colocando-se de joelhos. Priscille estava ainda se virando, quando seu punho direito fechado e rígido avançou com rapidez fulminante. Recebendo o impacto em plena boca, a lourinha foi projetada para trás, com. os lábios sangrando. Acabava de receber um terrível atemi de judô, golpe classificado como mortal. Mas que não devia ter sido bem aplicado, pois levantou-se ainda. “Baby”, já de pé, compreendeu que era necessário outro golpe. Esperou que a inimiga se aproximasse, colocou-se de lado e desfechou um golpe de calcanhar, que lhe alcançou o estômago. Priscille deteve-se em seco, cambaleou um pouco, olhos brancos, e caiu para a frente, soltando a faca. Esta chegou ao chão antes dela, saltando de modo que a ponta afiadíssima ficasse virada para cima... justamente quando Priscille caía sobre ela, com todo o seu peso. Deu um gemido. E foi tudo. Aproximando-se, Brigitte se ajoelhou junto dela e virou- a. A garota tinha a faca totalmente cravada no ventre e seu pulso não acusava nenhuma palpitação. — Santo Deus! — murmurou Brigitte. Emitiu um profundo suspiro e passou a mão pela testa penada de suor. Lentamente, ergueu-se e foi ao banheiro. Após uma chuveirada, vestiu-se e, já tranqüila, sentou-se numa das pequenas poltronas, acendendo um cigarro. Não entendia nada, salvo uma coisa: que não estava disposta a deixar-se matar. Mas uma pergunta muito lógica martelava sua mente com insistência: podia ser aquilo uma ordem do World President, ou de Malcolm, o World Vice- President? A resposta era negativa. Porque não tinha sentido. Se Malcolm tivesse resolvido matá-la, poderia fazer isso com toda a facilidade, enviando vários homens para que a crivassem de balas. Sem precisar ir muito longe, os dois que guardavam o corredor... Os do corredor. Talvez lá não estivessem agora, pois do contrário teriam ouvido sua luta com Priscille. Esmagou o cigarro no cinzeiro, foi até a porta e abriu-a. Os dois homens ali estavam. Ambos viraram a cabeça para ela e sorriram amavelmente. — Vocês são surdos? — perguntou-lhes, Brigitte. — Não, senhora. — Têm certeza? — Absoluta... disse o outro. — Ouvimos até o seu chuveiro. Não esteve tomando banho? Sem se dar ao trabalho de fechar a porta do quarto, Brigitte saiu ao corredor e desceu a escada. Atravessando o vestíbulo, chegou à porta do gabinete, comprimiu o botão da campainha, ergueu a cabeça, viu acender-se a luz verde e entrou. A primeira pessoa que viu, de pé junto à mesa de Malcolm, foi Priscille Ali estava ela, olhando-a, sorridente, amável como sempre e parecendo até um pouco divertida. Durante uns segundos, Brigitte permaneceu imóvel, olhos fixos na loura empregadinha. Por fim, pestanejou, ao ouvir a voz de Malcolm, que estava de pé atrás da mesa. Ela simplesmente fechou a porta e, de onde estava, olhou para o outro personagem: nada menos que o Presidente Mundial. Estava sentado numa poltrona, com a atitude de quem ocupa um trono. Sorria paternalmente, quase com afeto, contemplando-a através da fumaça de seu aromático charuto. — Entendo que queria ver-me — disse Brigitte, tranqüilamente, dirigindo-se a Malcolm. — Com efeito. — Pois aqui estou. Malcolm trocou um olhar sorridente com World, antes de perguntar: — Não está... surpreendida, pelo menos? —Eu? —Sim. — Por quê? — sorriu ela. — Você me agrada — interveio inopinadamente World. — É evidente que tem muito bons nervos, Brigitte. — Sempre os tive, desde pequena. E, em minha profissão, isto sempre me foi essencial. — Completamente de acordo. — Posso me sentar? — Sim, sim, claro. Ela dirigiu outro olhar a Priscille, que continuava sorrindo, e foi ocupar uma poltrona. — Mas mesmo possuindo um notável sangue-frio — disse o Presidente Mundial —, creio que deveria ter-se surpreendido bastante ao ver Priscille aqui. — O que sei com certeza é que a jovem que me atacou lá em cima está morta, Nisso não pôde haver truque. O resto, no devido tempo, terá sua explicação. Poderiam ser irmãs gêmeas, por exemplo. — Poderiam — admitiu World. — Mas, visto que não é fácil impressioná-la, passaremos ao verdadeiro objetivo desta reunião, que... — Que não teria podido realizar-se caso Priscille me tivesse assassinado, suponho — intercalou Brigitte. — Claro. Mas se Priscille a matasse, ficaria demonstrado que tudo o que se conta da agente “Baby” é fantasia... em cujo caso, automaticamente, você teria deixado de me interessar como chefe do ISS. — Entendo. Bem: de que vamos falar? World olhou para Malcolm, que assentiu com a cabeça e tirou um pequeno aparelho de uma gaveta. Colocou-o sobre a mesa, apertou uma tecla e, ato contínuo, começou a se ouvir a voz de Brigitte. a qual logo compreendeu que aquela gravação tinha sido feita durante sua visita às celas do porão. Sem se perturbar, acendeu um cigarro e esteve fumando, até que a gravação terminou com a conversa entre Charles Pitzer e ela. — Então? — perguntou. — Como vê, estamos ao corrente de suas visitas. — Ora, vamos... Pensaram mesmo que iam me surpreender com uma gravação? Na verdade, quase esperava. Em outras ocasiões, além de gravar minha voz, gravaram minha imagem. — Nós não somos tão ricos... ainda — murmurou World. — Basta-nos a voz. É evidente, Brigitte, que nos está traindo... em intenção, por ora. — Em intenção? — Esta nos parece bem clara: escapar daqui com esse homem a quem chama tio Charlie e com os outros seis. — E isso os surpreende? — Pensávamos que tivesse compreendido e aceito a situação, e que, como chefe do ISS, desejasse continuar conosco até o fim. Numa palavra: esperávamos de sua inteligência que tivesse compreendido quem ia ganhar e que, portanto, nos permanecesse fiel. Obviamente não é assim e resolvi... dar-lhe uma lição, para convencê-la. Brigitte se endireitou, um tanto rígida. — Dar-me uma lição? — repetiu. — Sim, uma lição que nunca esquecerá... e que a deixará definitivamente convencida de que deve acatar minhas ordens e propósitos. Depois da primeira lição, estou certo de que jamais quererá receber a segunda. — E que lição é essa? — Vamos administrar-lhe um... calmante. — Não necessito calmantes. Já lhe disse que tenho os nervos muito firmes. — Acredita nisso? — sorriu o Presidente Mundial. Fez um sinal a Malcolm e este apertou um botão entre os muitos que havia sobre sua mesa. Imediatamente abriu-se a porta do gabinete e entrou um homem de bata branca que ela ainda não tinha visto na casa, portando uma seringa de injeção cheia de um liquido escuro. Por trás dele ficaram visíveis seis dos atléticos indivíduos de camisa de malha e pistola à cinta. O homem de branco era baixote, obeso, usava grossas lentes que lhe amiudavam os olhos e não tinha um fio de cabelo na cabeça redonda. Olhou para World, que fez um gesto de assentimento. — Adiante, doutor Rankin... Mas uma dose muito pequena: como a das agulhas-projéteis. — Sim, senhor Presidente. Caminhou para Brigitte, que, levantando-se, lançou-lhe um olhar torvo, enquanto murmurava: — Digam a esse anão que não se aproxime de mim, pois se o fizer morrerá. — É inútil que resista — disse Malcolm. — Não complique as coisas, por favor. Rankin avançou mais dois passos, aparentemente não muito tranqüilo, e sobressaltou-se quando ela, sem recuar, fechou a mão direita e ergueu-a à altura do ombro. — Não se aproxime mais, Rankin disse Malcolm. — Ela o pode matar com um só golpe. Eu resolverei isto. Olhou para a porta, fez um sinal e os seis homens que lá esperavam entraram, formando um semicírculo diante de Brigitte. Olhavam-na com simpatia, como sempre, mas estava bem claro que só obedeceriam às ordens de Malcolm ou do próprio World. — Agarrem-na — disse este. — Se eu matar alguém, a culpa será de vocês — avisou Brigitte. Mas ninguém lhe fez caso. Claro, não a queriam matar, já que isso lhes teria sido simplíssimo; mas queriam agarrá- la e avançaram os seis, em silêncio. Ela olhou a seu redor, como procurando uma saída que não parecia existir. Mas existia. E sua reação surpreendeu a todos: fez meia-volta, correu para a porta-janela, abriu-a de um puxão e saiu ao jardim, tudo isto com tal velocidade que, quando os que estavam no gabinete se deram conta, ela já estava correndo para o distante gradil. À sua retaguarda, surgiram seis homens e um deles fez uso de um apito. A resposta se materializou em forma de mais dois homens, que apareceram diante dela, obrigando-a a desviar sua corrida para a beira do lago. Mas, prevendo isso, os seis atletas que a perseguiam também rumaram para lá, de modo que as trajetórias dela e deles convergiram. Novamente ela mudou de direção, mas também isto era esperado, agora pelos dois que tinham aparecido junto ao gradil. Em poucos segundos, apesar de sua espantosa agilidade, “Baby” encontrou-se ladeada por oito homens arquejantes, que a olhavam fixamente, enquanto iam se aproximando, mãos estendidas. Ela girava sobre si mesma e seus olhos passavam de um a outro daqueles homens, fixando-se por uma fração de segundo na pistola do que estava mais próximo. Se conseguisse apoderar-se daquela arma... O ataque produziu-se rapidamente, investindo todos ao mesmo tempo. “Baby” ergueu um joelho, derrubando um inimigo com um golpe no baixo-ventre, enquanto sua mão direita derrubava outro, alcançando-o no meio do peito. Logo em seguida, sua canhota cruzou lateralmente o ar para incrustar-se no queixo de outro homem, que tombou de costas e não mais se moveu. Tudo isto em menos de um segundo e ao mesmo tempo que os outros caíam sobre ela por todos os lados, deixando- a completamente impossibilitada de fazer qualquer movimento. Dois deles tiraram os cintos, ligando-lhe com estes os pulsos e os tornozelos. E ela foi levada de volta a casa. Quando entraram no gabinete, World continuava fumando placidamente seu charuto. Olhou Brigitte com indiferença e depois para o Dr. Rankin, que compreendeu. — Segurem firme — murmurou o médico. E preparou-se para fincar a agulha no braço da superespiã. Mas o World President objetou: — Aí, não. Na nádega. Não quero que tenha sinais visíveis... Já cometemos esse erro com os lá de baixo e seus sinais talvez possam ser notados quando eles entrarem em ação. “Baby” foi colocada numa poltrona, de boca para baixo. Levantaram-lhe o vestido e, apoiando-se sobre ela, quatro homens a imobilizaram completamente. Rankin escolheu a zona e cravou a agulha. — Dose pequena — lembrou World. A pequena dose foi injetada num segundo. Depois, sem nada dizer, Rankin abandonou o gabinete e os homens que sujeitaram Brigitte olharam para World, que disse: — Levem-na para seu quarto e que fique bem amarrada à cama. É só. Novamente sobre os ombros de quatro daqueles homens, Brigitte foi levada para cima. Utilizando cordas, amarraram- na solidamente à cama. Assim, a única coisa que podia fazer era piscar e respirar. Mas já verificara que tinham retirado o cadáver de Priscille e que tudo estava como se nada tivesse acontecido. Mas tinha acontecido. Desde que despertara da sesta até então, em apenas meia hora, tinham acontecido muitas coisas. E, estava certa, o pior fora aquela injeção aplicada à força. Sozinha no quarto, foi regularizando o ritmo respiratório. Os minutos se sucediam. Ela se sentia perfeitamente normal. Talvez a dose tivesse sido tão pequena que não pudesse fazer nenhum efeito. Pouco depois, deu-se conta de que lhe era necessário esforço para manter os olhos abertos... Sentia muito sono. — Não quero dormir... — murmurou, lutando por se manter desperta. — Não quero... dor... dor... *** Quando abriu os olhos, viu o céu, muito azul, límpido, cheio de sol. Um sol maravilhoso, dourado como o mais puro ouro. Pestanejou, não só ofuscada, mas surpreendida... — Onde estou? — Sente-se bem? — ouviu a seu lado. Virou rapidamente a cabeça e seus olhos se arregalaram de assombro. — Um! — exclamou. Número Um teve um meio sorriso, como era costume nele. — Como se sente? — tomou a perguntar. — Um, meu querido! Você está aqui! — Parece que sim... — ele pôs-lhe a mão na testa. — Acho que você está completamente bem. — Mas... onde estamos? Que aconteceu? — Estamos num pequeno paraíso particular, preparando o grande ataque. Mas penso que farei esse ataque sozinho. Não quero que você corra mais riscos. Acabou-se. Brigitte soergueu-se sobre um cotovelo, posição que era também a de Número Um. Por cima do corpo dele, viu palmeiras e, muito perto, o mar. Por cima deste passava um bando de gaivotas. Na praia, um iate branco, grande, muito bonito. Número Um estava de sunga e, ao olhar para si mesma, ela se viu num dos seus reduzidos biquínis azuis. — De quem é o iate? — perguntou. — Meu... Nosso. — É uma ilha do Pacífico Norte? — Também nossa? — riu ela. — Não. Mas posso comprá-la para você... Seria meu presente de casamento. — Seu presente de...? Por ventura nos casamos? — Ainda não, mas você terá finalmente que concordar, Brigitte. Sei que é um detalhe sem importância para o nosso amor, mas... — Um, a que ataque você se referiu? — Esqueça isso. Não a trouxe aqui para falar de tal assunto. Só quero que você esteja bem e esqueça tudo... menos a mim. — Eu nunca esqueço você — murmurou ela. Número Um pôs-lhe a mão no ombro, atraindo-a. Brigitte fechou os olhos e sentiu sobre os seus os lábios dele. Cada vez que Um a beijava, era como se algo se diluísse dentro dela, impregnando-a de um fluido mágico que lhe causava a sensação de flutuar no espaço... E neste, as almas de ambos se fundiam. — Eu o amo... — murmurou ela. Ele assentiu com a cabeça, sempre tão sóbrio, tão sério. — Estive pensando em nós, Brigitte. — E o que pensou? — Nada especial. Tento pensar algo coerente, mas só penso em nós dois, nada mais. — E não acha isso estranho? — Não sei. Ele beijou-a na garganta, depois nos lábios, depois novamente na garganta. Agora, estendida na areia, Brigitte repetia que o amava, que o amava... Dez minutos depois, ela suspirou e Número Um estendeu-se a seu lado. Brigitte continuava com os olhos fechados. Era bom ficar assim, captando a seu redor toda a vida, depois abrir os olhos e ver o céu e o mar e as palmeiras e as gaivotas. Tornou a olhar para Número Um, pois também era formoso ver o seu amor. — Quanto tempo vamos ficar aqui? — perguntou. — Você tem pressa em partir? — Não, santo Deus! Não! — Pois então por que pergunta? Brigitte olhou para o iate. — Alguém viaja conosco? — Claro que não. — Você sabe as horas? — Não sei nem em que dia estamos. Que importa a hora? — Nada em absoluto — ela chegou-se a ele e beijou-o levemente nos lábios. — Só queria saber se é hora do almoço, ou algo assim. — Para quê? — Homem, é que estou com fome. Número Um sorriu. Surpresa. E como sempre ele sorria, Brigitte teve a sensação de que o mundo clareava. — Você é muito pouco romântica, mulher! — disse ele. — Mas se estou com fome... — Vou lhe confessar um terrível segredo: eu também. — Ah, sim? Pois quando você chegar ao iate, eu já terei terminado com tudo! E levantando-se rapidamente, ela correu pela areia até a água, lançando-se a esta num mergulho. Quando voltou à superfície, Número Um começava a correr por sua vez. Ela parou de nadar um momento, olhando para ele, depois soltou um gritinho e pôs-se a dar braçadas rápidas, deslocando-se velocíssima rumo ao iate, fundeado a pouca distância e ao qual estava muito convencida de que chegaria antes daquele quase gigante... que apareceu de súbito à frente dela, respirando forte após ter nadado um longo trecho submerso. Ele estendeu os braços, segurou-lhe o rosto com ambas as mãos e beijou-a... De repente, uma de suas mãos, pousando-lhe no alto da cabeça, empurrou-a para debaixo da água. Brigitte voltou mais que depressa à tona, bracejando e implorando: — Um, não! Número Um tomou a beijá-la e ela ficou quieta. Também ele ficou quieto, de modo que ambos afundaram naquele mar transparente, beijando-se... Ao voltarem à superfície reiniciaram o nado. — Um martini — disse Número Um, pouco depois, entrando na cozinha do iate, onde Brigitte preparava o almoço. Entregou-lhe a bebida, após beijá-la na nuca. Almoçaram no convés, sob o toldo, em silêncio, apenas olhando-se. Não era preciso mais. Seguiu-se uma boa sesta, cada um estendido numa preguiçosa de lona listrada, também à sombra do toldo. Ela foi a primeira a despertar. Quando Número Um abriu os olhos, viu-a admirando o mar, mas deu-se conta de que realmente aqueles maravilhosos olhos azuis não estavam vendo a imensa superfície líquida que se alongava até o infinito. — Em que está pensando, querida? — perguntou-lhe. — Um, que aconteceu com World President? — Consegui tirar você de lá. — Sim, eu sei, estou vendo. Mas... como? Que aconteceu? Não entendo nada... Como você me encontrou? Estava convencida de que já tinha chegado à Europa... — Não tomei nenhum avião para a Europa, portanto não podia estar lá. — Mas telefonou-me do aeroporto... — Certo. Estive no aeroporto para alugar um helicóptero, coisa que consegui com facilidade. Telefonei para que você ficasse tranqüila a meu respeito e dediquei- me a esperar em meu helicóptero que você se pusesse em marcha, para segui-la. — Como sabe que sempre me levam a Washington de helicóptero, alugou um... — assentiu ela. — Entendo. Mas como podia saber que eu me punha em marcha e ia justamente para Washington? — sorriu Número Um. — Você não é a única pessoa no mundo que tem seus truques de espiã, querida. — Eu sei...— sorriu também ela. — Que fez você? — Enquanto você conversava com Pitzer no living de seu apartamento, recolhi minhas coisas... e deixei em sua maletinha um emissor de sinais. — Oh! — Fascinante! A espiã espionada... Você não se deu conta mesmo? —Não, não me dei conta. Você o deve ter colocado no fundo falso... —Com efeito. Resultado: depois de telefonar para você da sala de espera do aeroporto, instalei-me no meu helicóptero. A cada cinco minutos, ligava o receptor de sinais. Por fim, este começou a indicar que você estava em movimento, com sua maletinha, claro. De início, surpreendeu-me que não se dirigisse para o sul, mas para o leste. Até cheguei a pensar que o meu receptor tivesse algum defeito... Assim, dei mais velocidade ao helicóptero e terminei por divisar outro, que voava para leste. E, como ao mesmo tempo os sinais eram mais claros e fortes, e o ponteiro do aparelhinho indicava o helicóptero que eu via, meus receios se dissiparam: fosse qual fosse o motivo, você voava para o leste, não para o sul. Mantive-me a uma distância conveniente e, quando avistei o lago, verifiquei que o sinal se tinha imobilizado, Pouco tardei a localizar a vila do World President, sempre através de meu receptor. E assim estavam as coisas, sem que eu soubesse o que fazer, pois supunha que você estivesse entre amigos. Até que, em dado momento de minha vigilância, vi você correndo para o jardim, perseguida por seis homens, os quais acabaram por dominá-la, levando-a de volta para a casa... Estive vendo tudo com um binóculo. E quando anoiteceu, fui buscá-la. Eis tudo. — Tudo? Eu penso que não... Como você me tirou de lá? Consta-me que havia pelo menos vinte homens armados. — Oh! Eu dei um jeito. E não só a tirei de como fiquei sabendo de algumas coisas importantes. — Que coisas? — Em primeiro lugar, depois de minha incursão, o World President apressou-se a fugir, mas não conseguiu despistar-me... É meu propósito acabar com ele, claro. Ninguém que tenha feito mal a você poderá sobreviver. .. E agora sei onde está. — Onde? — Numa ilha não muito distante, com os chineses. — Os chineses! — Sim. Tenho a impressão de que estão tramando qualquer coisa que não será boa para o resto do mundo. — Meu Deus! Sim, claro, ele diz que quer ser o Presidente do Mundo... Está louco! — Talvez... — titubeou Número Um. — Eu não o juraria. Se os chineses estão intervindo nisto, podemos admitir que World não seja um louco, já que conta com o apoio de oitocentos milhões de seres humanos. — A maré amarela... Oh, sempre receei que a China tentasse um dia uma expansão assim! Mas não se atreverá, não lhe será possível! — Os japoneses já o fizeram anos atras... — murmurou Número Um. — E foi necessário recorrer à bomba atômica para pôr fim aos seus sonhos imperialistas. — Oh! não, não, não! Não pode acontecer o mesmo outra vez! Querido, é preciso eliminar World o quanto antes! — É impossível atacá-lo agora: dispõe de pessoal numeroso e amplo meios de defesa. Já lhe disse que estou esperando o momento oportuno: dentro de pouco, chegarão amigos meus com material suficiente para arrasar a ilha onde ele está. Só então atacarei. — Eu irei com você! — Não. Você ficará aqui... Ou melhor, eu a enviarei para longe, quando me dispuser a atacar. É muito possível que, por sua vez, World me tenha localizado e mande sua gente contra mim antes que eu esteja em condições de iniciar o ataque. Isso seria fatal, Brigitte. — Eu quero ir com você. Se você perder a vida, que diabo posso. fazer com a minha? — Não. — Um, meu querido... — Eu disse não. Brigitte olhou-o uns segundos. Depois, lentamente, pôs- se de pé, aproximando da dele sua cadeira preguiçosa. Estendeu-se a seu lado, enquanto ele a contemplava com a testa franzida, murmurando: — Você não me convencerá... de maneira nenhuma... — Não é isso o que quero...O fecho do meu sutiã está me machucando as costas. Pode ver se descobre a causa? É possível que se tenha torcido e... Tinha tirado o sutiã do biquíni e estendeu-o a Número Um, que em vez de olhar para aquela exígua peça de tecido olhou para os mais belos olhos azuis do mundo. — Brigitte... — Não quer me ajudar? — murmurou ela, olhos cheios de sol, de céu, de mar. Ele tomou o sutiã e procurou o defeito... Quer dizer, o defeito mencionado por Brigitte. Era mentira. Aquilo era mentira, mas havia ante seus olhos verdades impossíveis de negar. Uma delas era a mãozinha de Brigitte, deslizando por seu rosto, enquanto ela aproximava dos dele os lábios róseos. As mãos do tremendo espião soltaram o sutiã. Uma passou às costas de Brigitte e outra à sua nuca. E o beijo multiplicou-se. Entre dois deles, ela murmurou: — Vou com você? — Não. — Um! — ela se endireitou bruscamente, abrindo muito os olhos. Sua expressão de sobressalto fez com que ele seguisse seu olhar. Ficou petrificado. Os chins! Ali estavam os chins, no iate, olhando-os. Seus corpos molhados brilhavam ao sol da tarde. Seriam uns trinta ou quarenta, todos iguais, idênticos, cobertos apenas por uma espécie de tanga branca. E cada um daqueles chins tinha nas mãos um fuzil de caça submarina, a ar comprimido, com o arpão pronto para ser disparado. E ali estavam eles dois, à sombra do toldo do convés de popa, estendidos numa só cadeira preguiçosa, oferecendo aos inimigos um alvo facílimo. Mais e mais chineses continuavam a aparecer no iate, subindo pela borda, procedentes do mar. E todos armados de fuzil-arpão. Brigitte soergueu-se e viu mais chineses ainda. Muitos... Todo o mar parecia cheio de chineses, que nadavam para o iate, o qual já tinham rodeado completamente. Era como se, em vez de estar sobre uma superfície liquida, estivessem sobre uma superfície formada por cabeças de chins, umas junto às outras, sem deixar o menor espaço livre; como se brotassem do fundo do oceano, como se nunca fossem acabar de aparecer. Milhares e milhares de chineses... A maré amarela! Nenhum dos atacantes dizia nada. Nem se moviam, exceto os que continuavam chegando. Os que ali já estavam, os que tinham subido ao barco enquanto eles trocavam beijos, permaneciam imóveis, silenciosos, apontando-lhes seus arpões. E assim, enquanto “Baby” e Número Um compreendiam que o menor gesto podia inquietar os chins e fazê-los comprimir os gatilhos de seus fuzis, foram chegando mais e mais invasores seminus, até ocupar completamente o formoso iate branco fundeado numa praia de uma ilha do Pacífico. O silêncio era atroz, quase doloroso. Súbito, Brigitte olhou para Número Um e murmurou. — Foi culpa minha. Ele não respondeu, no momento. Depois moveu negativamente a cabeça. — Não... — também murmurou. — Eu lhe disse que talvez o World Presidem me tivesse localizado. A culpa é minha. — Não, não... E minha. — Digamos que é dos dois... ou de nenhum — sorriu ele. Era um daqueles sorrisos raros e brilhantes. Brigitte só sabia uma coisa: iam morrer. — Adeus, meu amor... — murmurou. — Nos veremos no céu. — Alto demais para mim — disse ele. — Creio que nosso tempo de amor terminou para sempre, Brigitte. — Não. Nosso tempo de amor não terminará nunca. — Parece-me que eles pensam de modo diferente. Não tardaremos a morrer. — Eu os matarei... Matarei todos eles! Todos! — E gente demais — tornou a sorrir Número Um, coisa na verdade surpreendente. — Pelo que me diz respeito, não me agrada perder tempo... Suponhamos que matemos uns quantos. Mesmo que fossem cinqüenta, ou cem, não conseguiríamos nada. Não... Não penso tentar coisa alguma contra essa maré. Tenho algo de melhor a fazer nos segundos de vida que nos restam. Tornou a beijá-la e Brigitte esqueceu tudo. Estavam rodeados de chineses que enchiam o iate e o mar, porém tornavam a sentir-se sozinhos no mundo, que outra vez havia mergulhado em denso silêncio. Até que, de repente, soou uma voz: — Separem os dois! Dezenas de mãos caíram sobre eles, separando-os rudemente, brutalmente. Cada um ficou seguro por dez ou doze chins, sendo deixado um espaço entre ambos. E nesse espaço entre um e outro apareceu subitamente World, alto, bonitão, impressionante. Havia em seus olhos um brilho maligno, perverso... Como tinha chegado até ali? Estava correta e impecavelmente vestido e não havia uma só gota de água em suas roupas. Então Brigitte e Número Um ergueram os olhos e viram por cima deles o helicóptero que não tinham ouvido chegar e do qual, estava claro, ele descera ao iate, utilizando a escadinha que pendia do aparelho. Como era possível que não tivessem sequer ouvido o rumor do helicóptero? Olharam para o World President, imperturbáveis. Temiam perder um ao outro, mas não a morte. — Bem... — disse secamente World. — De maneira que voltamos a encontrar-nos, Brigitte. E aqui está seu amigo, o perigosíssimo desconhecido que arrasou a minha vila junto ao lago, sozinho. Quem é ele? — É Numero Um, o melhor espião do mundo, ao qual você jamais conseguirá vencer. — Oh! Eu diria que este não é o momento adequado para fazer semelhante afirmativa. Não lhe parece impossível que ele me vença? — Vencerá. — Não vamos discutir sobre um desenlace tão pouco provável — sorriu o World President. — Só quero lhes fazer compreender que estou muito aborrecido com ambos... Principalmente com ele, que atrasou por algumas semanas meus projetos de invasão mundial. — Deve estar louco... Jamais conseguirá isso! E além de louco, é um traidor... Um traidor da humanidade, já que pensa provocar uma guerra que será o aniquilamento do gênero humano. — Não de todo o gênero humano — negou World. — Ainda restarão os chineses para repovoar muito rapidamente todo o planeta. E este será exclusivamente nosso. — Por que diz nosso? Considera-se acaso chinês? O World President tornou a sorrir. Bateu palmas e vários chins se aproximaram dele, trazendo-lhe roupas de seda bordada com dragões vermelhos sobre o fundo negro. Despojando-se de seu traje ocidental, ele foi ajudado a envergar as vestes classicamente chinesas. E o que resultou foi estranho: um homem altíssimo, absolutamente ocidental, ataviado daquela maneira... Mas uma grande surpresa os aguardava: o World Presidem colocou as pontas dos dedos na borda do couro cabeludo e puxou-o para trás, arrancando-o. Em lugar dos cabelos ondulados e com algumas cãs, apareceram cabelos mais curtos, negríssimos, lisos, sem uma cã sequer. Depois ele cravou os dedos na borda superior da testa e começou a arrancar a pele... Não. Não era a pele, mas uma fina película que parecia de borracha. E ao ser ela arrancada, foram desaparecendo de cima para baixo suas feições ocidentais, enquanto surgia o que estava sob elas: um rosto chinês, cruel, impenetrável. Ele atirou a máscara flexível ao mar, por cima da borda... ou melhor, atirou-a sobre as cabeças dos chins que enchiam o mar, até onde a vista alcançava. — Acha que não posso me considerar um chinês? — perguntou, sorrindo. Brigitte Montfort conseguiu sair de seu assombro e engoliu em seco. — Embora seja chinês, seus planos nunca se realizarão. — Quem os vai impedir? Você ou seu... invencível amigo, o melhor espião do mundo? — Se nós não os pudermos impedir, o próprio Mao Tsé- Tung o fará. Ele não concordará jamais com o que você pretende! — E se eu lhe dissesse que a idéia partiu justamente do bom paizinho Mao? — Mentira! — Tem razão — suspirou World. — É mentira... O pobre Mao já não passa de um... uma idéia. Já não é nada na China. Quando muito, um nome, uma lembrança. Mas, fisicamente, nada representa no poder. Já não é ninguém... E eu represento a Nova China. A Nova China que muito breve se transformará em China World. — Nunca o conseguirá... — ofegou Brigitte. — Nunca! — Já lhe disse que não discutiremos isso. Aliás, não discutiremos nada. Vocês dois, que se haviam tornado sabedores de meus propósitos, estavam me causando preocupações. E como eu não gosto de viver preocupado, terminaremos depressa... Embora não demasiado depressa. Deu uma ordem em chinês e Número Um foi arrastado para a borda, onde o amarraram fortemente; cravaram alguns arpões de madeira, passaram cordas por eles e o fabuloso espião ficou impossibilitado de mover-se. Depois outros chineses colocaram-se diante dele, apontando-lhe seus arpões. — Não! — gritou Brigitte. — Não, não, não! Por Deus, não o matem, não o matem... — Querida, não implore! — pediu Número Um, com voz firme. — Não peça nada. — Não quero que você morra... — os olhos dela encheram-se de lágrimas, anulando-lhes a visão. — Não quero que você morra, meu amor. — Vão nos matar de qualquer modo — disse ele. — Não chore por mim, nem por você. Adeus, Brigitte. — Não! — ela se debatia inutilmente entre os braços dos chineses que a seguravam, sempre chorando. — Não o matem, por Deus, não o matem, não o matem! Calou-se, ao ouvir um riso. Apertou as pálpebras com força, sacudiu a cabeça e as lágrimas saltaram de seus olhos, deixando-lhe novamente a visão clara, perfeita. Número Um continuava sob a mira dos arpões dos chins, enquanto o World President, diante dela, ria cruelmente. Seu riso parecia o roçar de duas lâminas de ferro, frias, rangentes. — Tem razão! — exclamou World. — Não o vamos matar... Vocês se amam, não é assim? — Claro que nos amamos! — Muito bem. Então, em vez de matar Número Um, vamos fazê-lo sofrer tanto que ele mesmo pedirá a morte. Está vendo meus homens, Brigitte? Era impossível não os ver, pois para qualquer direção que ela olhasse havia chineses, chineses, chineses... Milhares e milhares! Assentiu com a cabeça. — Pois bem: estes homens, dentro de pouco tempo, estarão envolvidos na última grande batalha do mundo. Muitos deles morrerão... Muitíssimos. E eu penso que antes de morrer merecem todas as satisfações que a vida possa oferecer-lhes. Você é tão formosa, Brigitte! Não reparou como os meus homens olham para você? Ela relanceou a vista ao seu redor. Todas aquelas caras de cor de cera lhe pareciam iguais e em todas a expressão não podia ser mais clara. Todos aqueles pares de negros olhos oblíquos estavam fixos nela e era como se os incontáveis chineses estivessem proclamando aos gritos o que sentiam ante tão bonita mulher. — Que... que quer fazer? — balbuciou Brigitte. — Eu? Nada... São eles que querem alguma coisa. E vão conseguir. World fez um gesto e um chim aproximou-se da prisioneira, sorrindo de um modo arrepiante. Ela empalideceu e olhou para Número Um, cuja palidez era mais intensa ainda. Parecia um cadáver que só se mantivesse de pé devido às cordas. — Um... — gemeu ela. — Um, não olhe... Não olhe! Viu perfeitamente que ele engoliu em seco., mas isso foi tudo. Um continuou olhando, enquanto o chim que se colocara diante de Brigitte levantava as mãos... — Não olhe, querido, não olhe! Mas Número Um não só estava olhando, como tentava fazer o que parecia impossível: soltar-se daquelas sólidas cordas... E teve êxito em sua desesperada tentativa. Pasmosamente, a estupenda musculatura do espião invencível pôde mais que as cordas e os arpões cravados; arrancou tudo de um formidável puxão e saltou para o World President, estendendo as mãos como garras... Só precisava pôr-lhe as mãos no pescoço. Só isso e um segundo de tempo, e a vida daquele gigantesco chinês estaria terminada. Mas não teve tempo para tanto. Nem para nada. Porque ficou de súbito como pregado no convés, feições alteradas, crispando todo o corpo, no qual acabaram de cravar-se dezenas de arpões. Pela frente, por trás, pelos lados... Em toda parte do corpo de Número Um, havia arpões cravados, inclusive à altura do coração. Seu último olhar foi para a agente “Baby”, enquanto de sua boca brotavam palavras roucas: — Brigitte, n-n-não... olhe... World deu uma ordem breve. Um chinês armado de longo e largo machete adiantou- se, levantou a arma e deixou-a cair com força sobre o pescoço de Número Um, decapitando-o. Depois o World President inclinou-se, levantou a cabeça agarrando-a pelos cabelos e colocou-a diante dos olhos arregalados de Brigitte Montfort, — Acabou-se, Número Um... — disse. — Mas você terá um destino ainda pior que o dele.