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COF Resumos Aulas 21 A 25
COF Resumos Aulas 21 A 25
V) 1
Resumos de Aulas
Vol. V
Índice Pag.
Aula 21 – 29/08/2009 2
Aula 22 – 05/09/2009 9
Aula 23 – 12/09/2009 18
Aula 24 – 19/09/2009 25
Aula 25 – 26/09/2009 36
Notas:
1) Este material é para uso exclusivo dos alunos do Curso Online de Filosofia. Estes
devem sempre recorrer às gravações e transcrições das aulas, como fontes primárias,
para limitar a propagação dos erros involuntários aqui contidos e colmatar as lacunas.
2) Os resumos foram escritos em português de Portugal.
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas (Vol. V) 2
Aula 21 – 29/08/2009
Sinopse: A ânsia de obter uma rápida erudição conduz a uma análise crítica
prematura que não tomar posse da mensagem real contida nos textos. A consciência
autobiográfica depende da unificação que a imaginação faz das partes reunidas na
memória, mas não devemos nos apegar a uma auto-imagem que nos encerra sobre
nós mesmos e assim nos tornar vulneráveis às manipulações exteriores. A imaginação
possui diversas funções, começando logo por completar a percepção sensível em
consonância com as propriedades dos objectos de modo a vê-los tal como eles são. É
também a imaginação que nos dá o senso da unidade do real, porque a percepção
apenas fornece dados fragmentados e em sucessão temporal. A imaginação tem ainda
uma função na capacidade de antecipação que temos em relação a tudo, até em
relação a nós mesmos, já que não nos vemos como um corpo estático mas como um
conjunto de potencialidades. A doença materialista consiste em conceber, por
abstracção do mundo real, um mundo de meras presenças físicas e depois achar que
as potencialidades do mundo real são mera projecção da mente humana. Para
combater esta doença temos de ter a capacidade de ficarmos sozinhos mas também
desenvolver uma transparência para com nós mesmos.
memorização mas fazendo um teatro mental a partir do material ali contido. Será o
dramatismo da situação que fará com que recordemos aquilo sem esforço.
Consciência autobiográfica
A existência de uma consciência autobiográfica depende não apenas da memória mas
da imaginação pois é ela que unificará as partes para compor uma personagem. Mas
nunca nos devemos apegar à nossa auto-imagem e tentar mantê-la intacta, porque
vamos esquecer quem somos e em lugar de falarmos de nós mesmos falaremos de uma
personagem imaginária, que não admite receber influências de fora e considera-se
autora de tudo. Mas é neste estado que nos tornamos mais influenciáveis a partir de
fora, porque a nossa vida altera-se e mudamos de opiniões sem nem nos apercebermos
de uma coisa ou de outra. Para obtermos autodomínio temos de conhecer os nossos
pontos vulneráveis, saber onde somos facilmente enganados e manipulados, e para isso
temos de abandonar a defesa orgulhosa na nossa auto-imagem e nos abrirmos para as
influências subtis que recebemos, sobretudo dos meios de comunicações de massas,
que não têm apenas um conteúdo positivo, no sentido de serem imagens ou ideias que
se impuseram a nós, mas trabalham de forma mais decisiva na supressão de dados. O
que jamais entra em consideração condiciona de forma preponderante o nosso
pensamento. Ninguém está imune aos símbolos, palavras, termos e ideias que circulam
sem parar por todo o lugar e que providenciam o repertório dos nossos pensamentos.
Aquilo que não nos foi ensinado pelos nossos pais teve proveniência do meio familiar
mais alargado e do dos amigos, ou então dos meios de comunicação de massa e só em
última instância da alta cultura. Temos de nos lembrar que não fomos nós que
inventamos as palavras que usamos e até para expressar aquilo que nos é mais íntimo
usamos palavras que vieram de fora. Nunca estamos isolados do meio cultural e sem o
constante fluxo de símbolos e palavras que este fornece nem poderíamos usar a
palavra “eu” em consciência. Então, ao invés do nosso “eu”, da nossa identidade e da
nossa personalidade serem coisas isoladas no nosso interior, elas fazem parte do meio
cultural. Toda a nossa personalidade e a nossa individualidade não são ilusões; têm
uma forma mais ou menos descritível e reconhecível por outras pessoas. Mas podemos
ter muitas ilusões a seu respeito e ficarmos apegados à nossa auto-imagem.
As funções da imaginação
A imaginação é fundamental para a filosofia porque sem ela não conseguimos nos
estabelecer no real. Uma visão puramente materialista em última instância levará o
indivíduo a duvidar da sua própria existência, como alertou Giordano Bruno.
A imaginação completa a percepção sensível mas não inventa propriamente o
conteúdo em falta, como se supunha no Idealismo. Pensemos na tridimensionalidade
dos objectos. Apenas podemos ver um objecto por um lado, mas o nosso olhar
instintivamente sabe que há algo mais porque temos visão tridimensional e daqui surge
uma expectativa imediata de tridimensionalidade. A imaginação completa esta imagem
e nós vemos os objectos como eles são, com tridimensionalidade e densidade. A
imaginação não completa a percepção de acordo com a sua inventividade, muito
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas (Vol. V) 4
A doença materialista
Nós não conseguimos perceber seja o que for a partir de meras presenças físicas. Mas
o próprio mundo físico de que tanto se fala, se fosse só mera presença material
destituída do seu potencial, não poderia existir de forma alguma. Esse é um mundo que
apenas pode existir como conceito, um produto mental fruto da abstracção. Como
conseguimos fazer esta operação racionalmente, retroactivamente achamos que numa
percepção real os elementos de sensação, antecipação e imaginação se encontram
separados. Esta é a doença materialista, uma doença do intelecto, uma falta de
inteligência que não percebe que os vários elementos que compõem uma percepção
podem ser distinguíveis mas nunca separáveis, e o mesmo decorre para o “mundo
material”. Será inconcebível para um materialista reconhecer que efectivamente
vivemos num mundo “imaginário”, pois é só pela imaginação que conseguimos
reconhecer o enorme conjunto de tensões, possibilidades e dinamismos presentes na
realidade. A primeira etapa do curso destina-se a fugir disto e a tomar posse da
capacidade de perceber o mundo como coisa real, presente, viva e actuante, e que além
dos dados actuais contém um conjunto de dinamismos, tensões e potências que
marcam a nossa verdadeira presença.
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas (Vol. V) 6
Se queremos conhecimento real, este vai ter de ser obtido a partir da percepção real e
não de hipóteses artificiosas, onde se faz uma selecção abstractiva de certas
propriedades dentre inúmeras que percebemos. Mesmo a experiência científica vai ter
que ser inserida dentro do campo da experiência real para ter algum significado. Nunca
podemos superar a percepção real, porque afinal teríamos de o fazer isso num mundo
real, retornando à percepção real, e não num mundo hipotético.
O mundo real era o que Husserl timidamente chamava o mundo da vida, mas este é na
verdade o único mundo que existe, e a experiência científica só existe como uma parte
do mundo da vida que decidimos olhar separadamente, sendo uma distinção mental e
são uma separação de facto. As ciências vão retirar o seu valor a uma ontologia e a
uma epistemologia baseadas num exame desse mundo real. Esse senso de orientação e
de valores é dado pela filosofia e é fundamental para algo poder se tornar
conhecimento mas que Jean Piaget, no livro Sabedoria e Ilusões da Filosofia, acabou
por desvalorizar como se fosse mero enfeite.
O conhecimento da realidade, ao invés de ser algo reservado para uns poucos eleitos, é
o que há de mais próprio ao ser humano. A essência das coisas não é algo que se acha
após um longo exame crítico. Pelo contrário, só podemos fazer um exame crítico de
algo sobre o qual já conhecemos a essência ou nem sequer conseguiríamos seleccionar
os aspectos que vamos analisar. A essência é na verdade a primeira coisa que
conhecemos.
Quem se deixa influenciar por ideias materialistas e dá primazia à análise crítica, a
primeira coisa que lhe acontece é um corte com a percepção do mundo real, seguindo
o processo cognitivo por um caminho independente. A pessoa perde a capacidade de
examinar a experiência real e acha que tudo são aparências e que não é possível ter
mais do que opiniões. Este é um processo incentivado pelo sistema escolar, que faz o
indivíduo perder confiança na sua inteligência. Daqui emerge o relativismo e a
proclamação de que não existem verdades absolutas, sendo tudo relativo. Mas as
opiniões dos relativistas são sagradas para este e ficam furiosos se as questionamos.
Este é o raciocínio dominante hoje em dia em todas as discussões públicas, a abolição
da possibilidade de conhecimento objectivo e a instauração de autoridades absolutas
ditadas pelo professor ou pelo grupo. É este o resultado do Iluminismo que,
proclamando a primazia da razão, acabou por instaurar a mais dogmática e
inquestionável das autoridades, que sacralizou a opinião dominante tornando-a opaca a
qualquer exame racional e questioná-la é tomado como sintoma de doença mental.
Esta é uma destruição da inteligência humana que pode ser irreversível e que configura
uma crise de dimensões antropológicas.
A descoberta colectiva é impossível; é sempre uma descoberta individual de alguém
que percebeu algo que os outros não percebiam. Esta capacidade de diferenciação está
sendo negada porque há uma terrível pressão sobre quem quer que se atreva a
contestar a opinião dominante, o que leva as pessoas a temerem a loucura se pensarem
de forma diferente. A mídia tem o terrível poder de associar um nome a uma coisa
ridícula, onde a repetição é constante mas a discussão é mínima. Numa época em que
tudo é feito em segredo, em que o segredo é oficial e tentar furá-lo chega a ser
considerado crime em algumas sociedades democráticas ocidentais, o rótulo “teoria da
conspiração” adquiriu uma conotação ridícula. Especular sobre os factos escondidos é
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essencial para compreender alguma coisa, mas ao fazê-lo somos logo tomados como
loucos que acreditam em “teorias da conspiração”.
Vivemos hoje no império da opinião, sem as mínimas condições para compreender e
investigar as coisas e rapidamente as pessoas vão mesmo desistir de vez de tentar saber
o que está acontecendo. Então, as pessoas irão substituir a atitude de submissão aos
mistérios de Deus pela submissão aos ditames de instituições como a Reserva Federal
Americana. Esta abdicação geral de capacidades e de direitos fundamentais configura
uma crise antropológica. Elites globalistas tentam controlar o mundo mas fazem-no
mentindo uns aos outros, pelo que é uma política oculta até de si mesma.
dons que nos deu incompletos. Sem esta transferência de controlo para Deus nunca
teremos auto-controlo.
As atitudes fundamentais que temos em relação à vida irão converter-se depois
naturalmente em técnicas filosóficas, que não são mais do que artifícios para nos
mantermos próximos da nossa consciência e não deixarmos que os conceitos se
“coisifiquem”. O estado de confissão permanente é condição indispensável para o
exercício da técnica filosófica.
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas (Vol. V) 9
Aula 22 – 05/09/2009
para este projecto. Esta elite financeira está por trás de quase todos os projectos
políticos de alcance mundial ocorridos no século XX, ainda que nenhum deles traduza
os objectivos e planos desta elite exactamente. Não se trata isto de uma mão oculta ou
de um poder secreto, estando tudo muito bem documentado. O processo torna-se
inapreensível para o cidadão comum devido à complexidade dos planos e ao altíssimo
nível intelectual das discussões envolvidas.
Quase toda a bibliografia produzida a este respeito veio de pessoas que estão dentro
deste esquema de nova ordem mundial (Carrol Quigley, Arnold Toynbee, H. G. Wells,
Aldous Huxley, etc.) ou então de pessoal militante que se escandaliza com a situação e
faz denúncias. Alguns desses movimentos de denúncia são criação da própria elite,
como os protestos marxista contra a globalização, ou então são movimentos anteriores
que reagem apenas de acordo com a sua orientação, não tendo a amplitude de visão
necessária para compreender o processo. Para obter esta compreensão precisamos de
formação intelectual que nos permita compreender o processo desde fora, sem estar
comprometido com o movimento nem ter necessariamente uma atitude militante
contra, adquirindo assim a escala certa e a perspectiva adequada. A mídia esquerdista
vê o processo apenas numa escala micro e não percebe quando, em outra escala macro,
o acontecimento micro é absorvido e desmentido, como acontece com os protestos de
Joseph Bové contra a multinacional Monsanto, que é, por sua vez, um dos pilares da
nova ordem mundial patrocinada pela ONU.
O intelectual sério tem, pelo contrário, de avaliar a situação face a uma escala de
valores mais permanentes, saber o significado dos acontecimentos dentro da História
humana até onde a podemos enxergar, não sendo necessário para isso conceber uma
unidade integral da História.
Não podemos conceber o movimento globalista à luz do movimento socialista, porque
se dá precisamente o inverso; é o movimento socialista que faz parte do movimento
globalista, foi por ele criado e desempenha ali uma função. Precisamos, então, de uma
perspectiva mais ampla e, pelo menos, enxergar o mesmo que os grandes historiadores
do movimento globalista enxergaram, em especial Carrol Quigley e Arnold Toynbee.
Sem estudar as obras deles e perceber os princípios de interpretação e avaliação que
eles usam, não podemos ambicionar a produzir algo que seja mais defensável que as
suas propostas.
A génese da globalização
No livro Main Springs of Civilization, Ellsworth Huntington realça algumas constantes
da História, e ele menciona o crescimento das populações e o maior contacto entre
culturas, o que provocou um processo de integração em que as culturas menores são
absorvidas pelas maiores. Mas tão logo este processo tornou-se consciente, ele tornou-
se voluntário e planeado nas mãos de uma elite altamente qualificada e com meios
para isso. O movimento de globalização é, então, a tentativa de conduzir por meios
deliberados o processo de integração que já vinha ocorrendo, tendo por base a crença
de que a História dirige-se no sentido de uma maior controlo da natureza pelo homem
e também no sentido da maior concentração de poder. É inevitável que todas as
correntes dentro do movimento de globalização tenham alguma visão de futuro
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas (Vol. V) 11
associada, onde está sempre presente o maior controlo sobre a natureza. Mas sobre isto
existe a crença de que este controlo pode, por sua vez, ser controlado e daí emergiu a
ideia do controlo total do processo histórico.
Todos os movimentos políticos em actuação não possuem os meios para lidar com um
fenómenos como a globalização, que necessita de uma escala mais global. Cada
movimento só vê aquela parte que corresponde à sua escala de prioridades. Os
marxistas analisam a globalização à luz de um processo de crescimento capitalista que
se opõe aos movimentos populares e aos direitos humanos. Eles mesmos não têm a
visão suficientemente ampla para perceber o papel que desempenham na globalização.
Por outro lado, a postura dos liberais clássicos em relação à globalização é ambígua.
Se a ideia de um planeamento central lhes causa natural repulsa, eles acabam por ser
favoráveis ao livre mercado internacional, porque só o analisam em termos
económicos e não como o fenómeno geral que ele é, tendo outras vertentes jurídicas e
geopolíticas, por exemplo. Dessa forma, acabam por favorecer uma transferência de
soberania dos governos nacionais para organismos internacionais e, assim, a criação de
um grande Leviatã inerente à existência de um comércio internacional.
A natureza do poder
Não podemos ver um fenómeno como a globalização como sendo motivado pelo
objectivo de obter ganhar dinheiro porque as pessoas envolvidas já têm todo o dinheiro
que querem e, ainda mais relevante, controlam o poder do dinheiro. Trata-se de uma
questão de poder, de uma vontade que se sobrepõe às outras. Mas não podemos
analisar o fenómeno do poder sem estabelecer uma premissa que tem sido ignorada
por toda a ciência política contemporânea ou tida como uma anormalidade. Essa
premissa afirma que a diferença de poder entre os seres humanos é uma das
características mais constantes e estruturais da presença humana no cosmos. Em
nenhuma outra espécie animal a diferença de poder entre indivíduos varia tanto como
no ser humano, que pode chegar à diferença entre o tudo e o nada. Além disso, a
diferença de poder entre indivíduos tem vindo a aumentar ao longo da História, como
relatou Bertrand de Jouvenel no livro Du Pouvoir. No século XX, Mao ou Stalin
podiam decidir a vida de milhões de pessoas com um golpe de caneta sem haver ali
qualquer discussão ou oposição. Mesmos os empreendimentos criados para diminuir o
poder dos governos sobre os cidadãos acabaram por aumentar a diferença de poder
porque sempre alimentaram o crescimento do Estado.
A diferenciação de poder acarreta inevitavelmente uma diferenciação do horizonte de
consciência temporal. Quem tem o poder possui uma capacidade de previsão muito
superior aos outros, que frequentemente ignoram totalmente o que está sendo planeado
para eles. A diferenciação do horizonte temporal também foi algo que aumentou ao
longo dos tempos, em especial a partir do século XIX. No limite temos o marxismo
que já tem uma ideia de um destino final a ser alcançado inevitavelmente, e então eles
sentem-se no direito de convocar todas as pessoas a trabalhar para esse fim, onde se
prevê a total colectivização dos meios de produção e a abolição do Estado porque este
se torna desnecessário porque tudo é Estado.
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas (Vol. V) 12
O que ele quer dizer é que a ciência não deve apenas estender-se apenas a todos os
domínios da acção humana como é a única forma de fazer a articulações das acções
humanas com vista a obter um modo de vida que seja harmonioso, auto-consciente e
racional. Daqui foi um passo para se considerar que a ciência deve arbitrar as
discussões públicas, como veio a ocorrer no século XX. A base da responsabilidade
intelectual passou a ser personificada pela mentalidade científica e quando se
concebem outras atitudes baseadas na religião, na estética, na tradição, nas
preferências pessoais, etc., sempre estas ficam submetidas à aprovação da ciência,
porque se considera que a ciência tem o controlo racional do processo cognitivo ao
passo que os outros controlos são “irracionais”. A ciência transforma-se não só no
grande árbitro das discussões públicas e assim é a provedora dos valores morais,
culturais, religiosos, etc.
À medida que a ciência se especializa, o seu conteúdo deixa de ser comunicável em
termos de linguagem geral, como acontece na física, onde muita coisa só se expressa
matematicamente. Então, a elite científica possui um conhecimento incomunicável
para a restante humanidade e é em nome desse conhecimento que pretende arbitrar as
discussões públicas. Acaba por ser uma autoridade que não é de ordem racional já que
pretende presidir a todas questões culturais, às finalidades da vida e a uma selecção de
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas (Vol. V) 13
valores mas que não se consegue pronunciar nos termos destes valores gerais. Richard
Dawkins, Stephen J. Gould, Stephen Hawkins, o que fazem é traduzir para a
linguagem geral da cultura superior as ideias e conceitos da ciência teoricamente
intraduzíveis. Ao longo do século XX tornou-se uma constante a tentativa de legislar
em nome do incomunicável mas como se este fosse comunicável.
A elite financeira e a elite científica são forçadas a trabalhar juntas, porque a primeira
necessita da inspiração e planos delineados pela primeira, e a segunda das verbas da
primeira, que não são apenas estatais mas surgem também de fundações privadas.
Sobre o cidadão comum pesa, então, “todo o dinheiro do mundo” somado a “toda a
ciência do mundo”. Quando a estes se junta um movimento ideológico como o
marxismo obtemos as seguintes fantasias de John D. Barrow e Frank J. Tipler:
J. D. Bernal foi uma das fontes principais deste projecto, e em 1929 escreveu:
Isto não é dito por um escritor de ficção científica mas por um cientista e milhares de
outros pensam como ele e propõem-se a enfrentar a segunda lei da termodinâmica que
diz que a produção de energia declina com a igualização das coisas.
Freeman Dyson, que considerava Bernal um pioneiro, conjectura no mesmo sentido:
John D. Barrow e Frank J. Tipler partem do princípio que a finalidade da vida humana
é impedir que o universo termine:
Nós somos convocados a examinar como a vida inteligente pode ser apta
a guiar o desenvolvimento físico do universo para os nossos próprios
propósitos e possamos conseguir obter sucesso e moldar o universo.
Podemos mesmo ser aptos a manipular as dimensões do espaço criando
bizarros universos artificiais com propriedades inimagináveis e então
seremos realmente senhores do universo.
Mary Midgley, que escreveu o livro Science as Salvation (*) de onde são retiradas as
citações apresentadas nesta aula, comenta:
Não se coloca isto como hipótese de ficção científica mas como a decorrência lógica
do tipo de humanidade existente hoje. Freeman Dyson esclarece melhor o futuro que
se pretende para a humanidade:
John B. Haldane:
descontrolo. E quando se fala que o ser humano controlará a natureza, cabe perguntar
quem exactamente fará isso. Uma vez que o conhecimento científico não pode ser
transposto para linguagem corrente, necessariamente serão aqueles com o domínio da
linguagem científica a ter o poder sobre os restantes. O controlo do homem sobre a
natureza é muito precário, mas o controlo de uns homens sobre outros é muito eficaz e
só aumentará com o anseio de controlar a natureza. Acresce ainda que a tentativa de
controlar o futuro, além de ser irresponsável por vir a exercer-se quando os
responsáveis pelo seu lançamento não estarão mais presentes, tem sobretudo uma
natureza de interferência com um efeito caótico e não ordenador.
A postura do intelectual
O nosso posicionamento na actual situação terá de ser considerado não apenas na sua
vertente intelectual mas também na vertente social. Todo o aparato universitário está
encaixado nesta nova ordem mundial, e é ela que determina as verbas e o prestígio
intelectual, mas não tem um poder absoluto e existem rombos imensos. Não podemos
ter a ilusão de podermos usar o aparato universitário com finalidades distintas daquelas
pelas quais este se orienta hoje. Devemos antes procurar uma vida intelectual
independente, criando novas formas de subsistência e desenvolvendo até os próprios
meios de divulgação. Isso implica uma grande coragem moral e física, e se nos
deixarmos impressionar pelo aparato universitário e mediático ficaremos burros na
mesma hora.
Em termos intelectuais, não vamos ceder a estas ilusões de ordem, com origem
científica e ideológica, mas nos conscientizar para a ordem real que existe no universo,
que coexiste com um certo nível de caos. Essa ordem não depende do ser humano, e
nem precisamos de a conhecer, basta saber que ela existe. Sabemos isso a partir da
experiência da presença do ser, e que é essa ordem que ordena a nossa mente e não é a
mente que ordena os dados do mundo exterior. A fidelidade a esta ordem vai revelar-
nos parcelas do ser na medida das nossas necessidades. É reconfortante a ordem do
real não depender de nós, e o nosso reconforto deve antes residir no senso da
eternidade do ser, pois o universo será rasgado como uma folha de papel sem que isso
altere a ordem do ser. A alternativa, conceber a nossa mente como ordenadora de um
universo caótico, é insana. Se nós fazemos parte desse universo caótico, como pode
essa parte ordenar o todo?
A relação do ser humano com a ordem universal só é verdadeira se for permeada de
confiança, paciência e modéstia. Contudo, há uma ambição psicótica e irrealizável de
obter o conhecimento total do universo, como acontece com Stephen Hawking, ou de
obter a resposta às questões sobre a finalidade da existência através da biologia, na
visão de Richard Dawkins. Eles desconhecem que a ignorância de partes da realidade
faz parte da estrutura da realidade. Quando estas pessoas não conseguem acompanhar
um raciocínio de S. Tomás de Aquino mas têm a pretensão de obter uma descrição
completa do universo ou saber qual é a finalidade da vida, elas revelam um nível de
barbarismo que não era aceite em outras épocas. A absolutização do espaço-tempo que
pretende realizar a comunidade científica é desmentida pela existência dos milagres. O
milagre mostra que a ordem do universo é apenas um aspecto da ordem do ser, que é a
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própria eternidade. O milagre não é uma violação de leis naturais, que na realidade são
apenas generalizações parciais e temporárias feitas por cientistas, mas antes a presença
de leis eternas supra-universais.
A ideia da descrição completa do universo parte do esquecimento de que só o que
terminou ficou fechado, completo, já que apenas o infinito pode ser perfeito sem ter
fim, mas o finito não. Por isso, o diálogo com o real é incompleto, não só porque a
nossa mente é limitada mas porque a ordem do real é incompleta. Platão e Aristóteles
já sabiam que a ordem da realidade não é plana, tem vários níveis, e aquilo que parece
organizado numa escala será caótico noutra. A imperfeição da ordem real existente só
pode traduzir-se num conhecimento inadequado, pelo que a compreensão dessa ordem
tem ser feita através de analogias e recorrendo a figuras de linguagem, a que a própria
ciência não deixa de recorrer, por exemplo, quando fala em matéria, algo utilizado
como metáfora e que nunca ninguém conseguiu definir concretamente. Uma lei física
não é mais expressiva do que um verso de Camões, o cientista apenas se ilude de que
tudo o que diz ser literal e mais próximo da realidade porque não percebe que as
medições e os procedimentos matemáticos continuam a ter por base ainda uma figura
de linguagem. A passagem entre os vários discursos é fluida e problemática e não há
uma linguagem que se encaixe perfeitamente num dos quatro discursos. É inexacto
falar em “ciências” exactas porque elas só podem ser exactas nas suas medições,
incluindo a estimativa dos erros, mas não nos seus conceitos.
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas (Vol. V) 18
Aula 23 – 12/09/2009
A fragilidade da auto-imagem
Do mesmo livro de Bernanos citado acima, encontramos na página 14:
A maior parte das pessoas não tem uma noção intuitiva de si mesmas, têm apenas
opiniões ou uma auto-imagem que pensam que a sociedade valoriza. Então a
comunicação passa a ser entre imagens e não entre pessoas. Não é possível apreender
um ser humano na sua totalidade com o pensamento. Dessa forma só obtemos um
esquema muito incompleto, mas ainda assim nós conhecemos pessoas. Quanto mais a
pessoa se conhece a si mesma, menos ela pensa em si, encarando-se como uma tensão
que vai em direcção a alguma coisa, e isso advém da experiência da presença do ser e
de se estar diante do ser.
Existe um grande descompasso entre aquilo que somos e aquilo que pensamos que
somos, essencialmente por três razões. A primeira razão é inerente às próprias
limitações do nosso pensamento. O pensamento que temos sobre nós, se quer ser algo
mais do que o autoconhecimento mudo inerente à própria existência, vai ter de recorrer
a elementos externos, o que inclui imagens do já vimos, que usamos depois como
analogias em relação a nós. Usamos também elementos da linguagem. A partir daqui
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas (Vol. V) 21
obtemos um dicionário imaginário com o qual construímos uma imagem nossa que
visa não traduzir aquilo que somos e que apreendemos de forma muda mas antes
aquilo que os outros pensam sobre nós, não deixando de ter em vista aquilo que
pensamos sobre os outros. Dada a complexidade da operação, ela não pode deixar de
ser imperfeita.
A segunda razão prende-se também com as limitações do pensamento, agora do ponto
de vista da sua descontinuidade e evanescência. O pensamento tem uma natureza
fragmentária pouco adaptada a captar a nossa existência que se desenrola em
permanência, sem interrupções, conforme uma estrutura análoga a um algoritmo que já
comporta todas as nossas possíveis alterações futuras. Uma terceira razão diz respeito
ao carácter social de aprendizagem da linguagem. Pesa em nós uma necessidade de
adaptação social e facilmente cedemos às exigências daqui inerentes, canalizando a
linguagem para este fim e não para expressar o nosso ser efectivo. A convivência
social exige que tenhamos uma auto-imagem, que é composta de uma mescla de
elementos vindos de várias proveniências e que frequentemente compõem um
conjunto falso.
O conhecimento que possui a nossa parte substantiva, o que na simbologia antiga era
conhecido como o conhecimento do coração, vai sempre existir e há uma arte milenar
desenvolvida por sábios, poetas, santos, filósofos, etc., que visa ligar este
conhecimento ao nosso conhecimento racional, para que o “coração fale” e aquilo que
realmente somos adquira uma linguagem.
Aula 24 – 19/09/2009
O que é a psique?
Olavo averiguou sobre o que é a psique sabendo de antemão que na psicologia não se
chegou a nenhum consenso sobre o seu significado, ao ponto de Jung considerar que
tudo é psique e B. F. Skinner achar que não existe psique alguma. Trata-se de um
desacordo teórico e não prático já que todos os psicólogos sabem localizar a psique e
oferecem um conjunto de testemunhos onde dizem algo a seu respeito e conseguem
distingui-la de outras coisas. Em todos os casos é o mesmo objecto que está em causa,
há algo de comum em todos os enfoques e que lhes está subentendido. Não é a busca
de um mínimo denominador comum que se pretende mas saber do quê realmente os
psicólogos estão falando através da reconstituição do objecto, não pelo conteúdo
específico do discurso mas pelo seu modo.
Podemos resumir a pergunta ao seguinte: Como podem todos os psicólogos localizar
aproximadamente a psique e distinguir a causa psíquica de qualquer outra?
Não existe um acordo em relação à definição mas todos os psicólogos encaram a
psique como a causa de alguma coisa. A causa psíquica nunca envolve uma
necessidade absoluta, como acontece numa necessidade de tipo lógico, que
encontramos na aritmética e também acontece em causas metafísicas, como o princípio
de identidade. Distintas ainda das causas psíquicas são as causas físicas, que são
determinações naturais, por vezes obedecendo a necessidades absolutas mas, na maior
parte, envolvendo necessidades probabilísticas, como acontece com muitas das
chamadas leis da natureza. A necessidade natural pura, como a necessidade de ingerir
alimento, não cria uma conduta psíquica.
Qualquer psicólogo sabe distinguir a causa psíquica de outro tipo de causas, mesmo se
não saiba defini-la, e o exercício da sua profissão exige isso. Até quando ele tenta
derivar a causa psíquica de outra causa, ele parte da identificação da causa psíquica, e
só depois, através do raciocínio, ele tenta fazer a redução a outros factores. A
identificação entre causa psíquica e outra causa não é, portanto, evidente, só pode ser
concebida como teoria, como o faz Skinner, tendo entrado em auto-contradição com o
behaviorismo. Quando existe outra causa de forma evidente, como numa infecção
bacteriológica, então é a própria causa psíquica que nem é colocada como hipótese.
A distinção prática que os psicólogos fazem da causa psíquica de outro tipo de causa
leva à identificação da psique como uma força agente e, por isso, uma força causal.
Características da psique
A primeira característica da psique é a sua individualidade e a sua ligação a apenas
uma presença física humana. Contudo, ninguém sabe como se relacionam corpo e
psique ou sequer se existe uma fronteira entre ambos. Esta não pode ser uma pergunta
fundadora da psicologia e teremos de deixar para mais tarde, se possível, nem é
necessário saber como se processa a relação entre corpo e psique para identificar numa
determinada conduta uma causa psíquica.
Uma segunda característica da psique é a sua historicidade. Uma causa psíquica exige
a presença de elementos do passado para se desenrolar, a começar pelo uso da
linguagem, mas não é determinada por estes. Tal como o passado está presente na
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas (Vol. V) 27
desejo de segurança, paz, o apelo da beleza, desejo de prestígio e assim por diante, e
quase todas estas coisas em si nada têm de sexual. O impulso natural é fraco, mas as
sucessivas camadas de símbolos que lhes acrescentamos vão criar uma constelação de
factores que ocupa a nossa mente de tal forma que iremos achar que não conseguimos
viver sem aquilo. Grande parte da psicologia do século XX insistiu na importância dos
instintos e impulsos na conduta humana, sem perceber a longa e complexa elaboração
simbólica ali presente e que precisa de toda uma série de elementos culturais,
linguísticos e de aprendizado. Mesmo a agressividade, que Konrad Lorenz dizia ser
um dos factores mais potentes da conduta humana, manifesta-se raramente mesmo nos
brigões, e em tempo de guerra os soldados pensam principalmente em auto-
preservação.
Também não é possível reduzir as causas psíquicas a coisas como emoção, sentimento
ou desejo. A emoção é uma reacção total psico-física a um estado de coisas tal como
interpretado no momento. E o sentimento é a reacção a uma informação. O sentimento
depende da imaginação e por si não provoca acção. O desejo, apesar de provocar
acção, também é construído pela imaginação.
Reconhecer que a psique é uma força agente em nós, fonte de causas, é reconhecer que
a psique é aquilo que nós somos. A própria existência da psicologia só é possível por
não ser possível reduzir a psique a outra coisa, mesmo que essa tentativa seja
compulsiva no ser humano, que sempre tentou descobrir fantasmas por detrás das suas
acções, não se querendo reconhecer como força agente.
actividade. Desde o início que temos a capacidade de pensar as coisas como símbolos
e não apenas como imagens singulares físicas. O símbolo designa uma outra coisa sem
ter identidade total com ela. Quando combinamos imagens, vamos seleccionar alguns
aspectos e fazer abstracção de outros, pelo que a atenção entra no processo. A
combinação de várias partes pode dar origem a um novo todo que não está acessível à
experiência imediata, e assim construímos o nosso mundo imaginário, constituído de
entes que não são necessariamente reais mas que são possíveis de algum modo. Isso
tem utilidade logo nos primeiros tempos, quando o bebé concebe algo que está
ausente, como a mãe ou a mamadeira, como estando presente e ele chora porque sente
o contraste entre a situação real e a imaginada. Memória e imaginação são mais ou
menos a mesma função, mas enquanto a memória tenta conceber imagens que sejam
fiéis à experiência invocada, a imaginação concebe imagens alteradas para conceber
experiências que não aconteceram mas podiam acontecer de algum modo.
A razão
Em cima da memória e da imaginação vai entrar mais tarde a razão. Voltamos atrás
para explicar o que é a razão, recorrendo ao senso da presença do ser, que é algo que
contamos o tempo todo e jamais precisamos de pensar. Tal como a presença do corpo,
é uma das condições para a existência da psique. O senso da presença do ser vem
acompanhado do senso da unidade do ser, e por isso tudo o que apreendemos é
apreendido como unidade. Duns Scott dizia que o ser e a unidade são a mesma coisa, e
nós não apreendemos uma existência se não captamos uma unidade.
Mas sabemos que nenhuma dessas unidades captada é uma totalidade, não é “a
unidade” mas uma unidade com o elemento de “numerosidade”. A apreensão dessas
unidades é problemática e tensional. As coisas estão em mudança contínua, de estado,
posição, figura, e nós percebemos a mudança de umas coisas pelo contraste com a
relativa imobilidade de outras. Sabemos que a mudança tem diferentes ritmos e a razão
é a busca de uma equação que nos permita posicionar e orientar neste contexto. A
razão é a busca da unidade subjectiva que simboliza a unidade do ser e dentro da qual
podemos, então, catalogar os vários seres que conhecemos e assim identificar as suas
relações e funções. O símbolo é necessariamente imperfeito e por isso vamos ao longo
da vida tentar diferentes estruturações e assim criar sempre novos “mapas do mundo”.
A razão vai trabalhar no sentido oposto ao da percepção, da memória e da imaginação,
pois estas vivem no mundo do permanente fluxo, que enriquece a psique com a
entrada de novos elementos, e a razão tentar estabilizar isso numa figura ou esquema,
o que, de certa forma, é um mecanismo que empobrece a psique. Esta estabilização
racional nunca pode dissolver o fluxo das funções psíquicas e vai existir uma tensão
entre ambas que, ela mesma, é um dos elementos constitutivos da psique e do nosso
modo de existência. Naturalmente, a razão vai entrar no processo de sedimentação de
símbolos que depois irão formar complexos que são chamados erradamente de
instintos ou impulsos irracionais.
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas (Vol. V) 32
encobrir outros, pelo que ela também cria opacidade e por isso a origem de condutas
neuróticas é consciente.
Para elucidar a relação entre o “eu” e o horizonte de consciência é preciso ressaltar a
estrutura topológica de todos os elementos da psique, já que participam de uma
duplicidade de dimensões. Um exemplo de topologia são os desenhos de Hescher onde
uma escada continua na própria escada. A psique transcende a linguagem mas não a
nossa compreensão da nossa linguagem, e se nós conseguimos apenas falar uma
palavra de cada vez, o ouvinte consegue, como nos desenhos de Hescher, perceber
uma palavra entrando noutra. Então, o horizonte de consciência é, por um lado, maior
do que o “eu”, mas sobre outro aspecto está dentro do “eu” como uma sua função, pelo
que temos aqui uma configuração topológica, algo inerente à estrutura tensional da
psique e que, por acréscimo, conduz à impossibilidade de a resolver, que é, de resto,
característica de tudo o que é real porque aquilo que é explicado na íntegra é porque
foi reduzido a outra coisa e cessou de existir. O horizonte de consciência é o conjunto
de possibilidades do “eu” a cada momento, e por isso transcende-o, mas ao mesmo
tempo é um dos seus elementos formativos, e está assim aquém dele. Esta é uma
tensão contraditória da própria realidade e as ciências que não aceitam este carácter
paradoxal da realidade estão no erro, porque o conhecimento não visa eliminar
paradoxos mas nos centrar em relação às várias forças paradoxais em acção. Contudo,
apesar das ciências terem dificuldades em aceitar esta posição, elas não se coíbem de
utiliza conceito absurdos, insustentáveis, até mesmo auto-contraditórios que não
exprimem nada da realidade.
Doenças mentais
O histérico e o maconheiro conseguem recordar perfeitamente histórias que eles
mesmos reconstruíram sem recordar a reconstrução em si. Isto é negar a autoria da
nossa psique e pode ser erigida a técnica, como fez Epicuro, criando um método
infalível para gerar neuroses. As doenças mentais não resultam de uma forma diferente
da psique funcionar mas da diminuição da actividade psíquica, nomeadamente pela
supressão de alguma faculdade. Na sociedade actual a exigência da acção racional é
tão grande que podemos bloquear o funcionamento da imaginação. Isso faz com que
muitas situações vividas pareçam fatalidades porque não queremos pensar em
alternativas. Podemos também temer em pensar em alternativas melhores como medo
de as perder, mas isso vai bloquear a nossa acção. É da natureza da imaginação ir para
lados diferentes ao mesmo tempo e não temos que bloquear isso. Sem a imagem do
inferno não podemos viver decentemente.
sendo possível, no entanto, uma absorção passiva sem raciocinar em cima, mas a
actividade mental nunca pára e continua registando o que está acontecendo. Existem
outras práticas de concentração focadas na respiração, no coração como centro do ser,
na prece perpétua e assim por diante, mas que não são meditação.
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas (Vol. V) 36
Aula 25 – 26/09/2009
Sinopse: O filósofo não precisa de opinar com certeza absoluta mas só deve fazê-lo
quando reuniu um património de conhecimentos e experiência humana que lhe
permita falar com elevada probabilidade de acerto. A análise de textos é uma técnica
útil mas só por si não permite captar o filosofema presente nos textos filosóficos,
sendo necessária a complementação com uma série de evocações, através de
elementos de memória e de contextualização, que permitam captar as várias camadas
de significado presentes no texto. Aristóteles percebeu que o cepticismo é um processo
puramente mental e que não pode ser refutado ao nível do discurso; o céptico deve ser
confrontado no plano da realidade e ser convidado a provar aquilo que afirma, e que
não passa de fingimento. A técnica de leitura será exemplificada utilizando um texto
de Kurt Lewin, partindo da estrutura gramatical para a estrutura lógica, e depois
enriquecendo o texto com evocações da memória e imaginação, contextualizando
ainda o texto e o autor com elementos históricos, com a descrição de propósitos e
consequências. O padre Sertillanges fala de 4 tipos de leitura, sendo a mais exigente a
leitura formativa, que pode levar vários anos num só livro, podendo ser intercalada
com leituras informativas, de lazer e edificantes.
Refutação do cepticismo
O cepticismo clássico, que mais tarde deu origem à paralaxe cognitiva, é algo que
apenas se desenrola ao nível do texto ou do discurso, mas é inviável desde o início
quando passamos para o plano da realidade. Joseph Marechal mostrou, no livro O
ponto de partida da metafísica, que o cepticismo grego começou como a negação ou
dúvida que qualquer afirmação filosófica, qualquer coisa dita positivamente, estava
sujeita. Aristóteles avançou com a refutação clássica ao cepticismo, tendo percebido
que o céptico não pode ser contestado apenas na base do discurso, porque este será um
novo discurso sujeito a mais uma infinidade de dúvidas hipotéticas. O processo céptico
não constitui nenhuma habilidade especial, é apenas uma processo quase automático
que se desenrola quando perdemos o foco no que estamos a fazer. Aristóteles percebeu
que o céptico argumenta apenas no plano do discurso mas realmente não acredita no
que diz, é um fingimento e o céptico sabe que não pode realizar o que diz no plano
real, e por isso ele come e viaja efectivamente não se contenta em pensar apenas
aquelas coisas. Mas enquanto o cepticismo é um truque verbal consciente, a paralaxe
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas (Vol. V) 38
cognitiva, sendo do mesmo teor que o cepticismo, já está disfarçada com camadas de
conhecimento acumulado pelo que parece mais verosímil, e o sujeito pode nem
perceber que está fingindo.
Aristóteles inventou a lógica e a dialéctica como ciências e entendia que a
confrontação lógica requeria algumas pré-condições que asseguram que estamos nos
movendo no mesmo terreno semântico que o nosso interlocutor, por exemplo, se
usamos a palavra “causa” temos de nos referir ambos ao mesmo tipo de causa. O livro
dos tópicos sobre a dialéctica é precedido pelos livros das categorias e da interpretação
por essa razão. Uma coisa que o céptico faz é entrar com exigências de coerência
lógica quando estamos num plano que em si não é lógico, por exemplo, quando se
trata do conhecimento por experiência. Ele pode introduzir uma cunha entre a
percepção e o discurso, negando a validade do conhecimento por experiência, mas
para eles fazerem isso tiveram, por sua vez, que se servir do conhecimento por
experiência. Há 2400 anos atrás Aristóteles já sabia que o discurso não pode validar o
conhecimento por experiência precisamente por a experiência ser aquilo que não é
discurso, mas hoje as pessoas já esqueceram isto e daí resulta a omnipotência do
discurso inventado. Faz parte do aprendizado básico filosófico perceber a
incomensurabilidade entre o discurso da mera construção de frases, onde é possível
dizer qualquer coisa, e o discurso da experiência e da realidade, que tem de prestar
fidelidade a estes e não pode entrar no puro mundo do discurso e modificá-lo. Por isso
não temos que entrar em discussão com cépticos mas exigir que eles provem que
acreditam naquilo que afirmam, o que não lhes será possível porque o puro discurso
não tem a capacidade de sair de si mesmo e apreender o mundo real.
Vamos começar por pegar na estrutura gramatical e nela identificar a estrutura lógica.
Pegamos nas sentenças e transformamo-las em proposições, tentando depois perceber
a ordem e a ligação entre as várias proposições, tendo em conta que cada sentença
pode conter várias proposições.
A primeira sentença é: “A educação é em si mesma um processo social [é uma
afirmação], que envolve, às vezes, grupos pequenos como mãe e filho, às vezes grupos
maiores, como uma classe escolar ou a comunidade de um acampamento de Verão.”
Ela contém 3 proposições:
Primeira proposição: A educação é em si mesma um processo social.
Segunda proposição: A educação envolve, às vezes, grupos pequenos como mãe e
filho.
Terceira proposição: A educação envolve às vezes grupos maiores, como uma classe
escolar ou a comunidade de um acampamento de Verão.
Vamos cruzar agora esta análise com a técnica de “ler com a imaginação” já falada
antes. A palavra “educação” pode logo fazer lembrar a nossa educação, as escolas por
onde passamos e assim por diante. Depois, ainda na primeira proposição, “processo
social”, já nos remete para uma convivência mais ampla que a sala de aula, a
burocracia da escola e os regulamentos que éramos obrigados a cumprir. Ao
lembrarmos isso percebemos que o processo educativo está dentro de um processo
social mais amplo, que inclui também a interacção entre a escola e outras instituições.
Mas a experiência de educação pode trazer também outras evocações, algumas que
não remetem para um processo social, como a leitura de um livro de filosofia.
A palavra educação tem sobretudo duas camadas de significado. Numa reúne tudo o
que se relaciona com o processo educativo mas não é propriamente a educação formal.
Depois temos a educação como instrução propriamente entendida, que
etimologicamente significa ir para fora do ser, sendo uma abertura da nossa alma para
algo que não se encontrava nela, um construir por dentro. Piaget também falava de
dois aspectos presentes na educação, a assimilação e a acomodação, onde aprender
uma regra é assimilá-la, mas segui-la exige acomodação, e o mesmo se poderia dizer
para a aprendizagem de uma língua estrangeira e depois a sua utilização.
Podemos desenhar um esquema em torno de certas palavras ou frases, para tornar
explícitas as camadas de significado. O processo não é praticável numa leitura normal
mas pode ser efectuado algumas vezes para captar o “esquema” e depois o processo se
automatiza.
Concretamente para este texto, vamos apelar a um outro elemento exterior, que é o
conhecimento de que Kurt Lewin era um cientista social e usa a palavra “educação”
para essencialmente exprimir um processo que um grupo ministra sobre outro.
Curso Online de Filosofia – Resumos de aulas (Vol. V) 40
(1)
Refere-se à educação. Depreendemos que a palavra educação não está a ser usada
no sentido geral mas no sentido concreto que já antes tínhamos antevisto, como um
processo pelo qual um grupo tenta desenvolver noutro um certo comportamento ou
uma certa atitude.
(2)
O grupo que dá a educação tem certos métodos pedagógicos e algumas teorias na
cabeça, mas isto não basta para explicar o tipo de educação que o primeiro grupo dá
para o segundo, porque o primeiro grupo tem uma composição sociológica real e
dessas outras filiações muita coisa é vertida para a educação, por isso, para entender o
tipo de educação que está sendo passada, temos de conhecer não apenas a composição
intelectual do grupo mas também a sua composição sociológica, os seus hábitos,
valores, posição social, deveres, etc.
Usando mais uma vez a memória e a imaginação, conseguimos perceber melhor o que
o autor quer dizer pelo contraste entre as nossas evocações e aquelas que este deixa no
texto. Mesmo que algumas evocações possam parecer despropositadas no momento,
mais tarde poderão revelar-se úteis. Começa a ficar claro que Kurt Lewin fala da
perspectiva do engenheiro social, que pensa na educação como processo social e o
próprio “social” como acção social e não estrutura social. Quase toda a educação
infantil no mundo focou-se num processo de socialização e moldagem a certas
condutas, e isto derivou de pessoas que aprenderam com Kurt Lewin. Percebemos que
o fenómeno é altamente complexo e não poderia ser entendido apenas a partir do texto,
sendo necessário verificar o contexto histórico do autor, as suas motivações profundas
e a sua acção na sociedade e as consequências que daí resultaram.
Kurt Lewin falava da sociedade alemã das décadas de 20 e 30, no período pré-nazi, e
verificou que a educação alemã era muito rígida e hierárquica comparativamente com
a educação americana, se bem que esta tivesse alguns pontos de maior exigência,
como na pontualidade. Ele efectuou esta comparação, e mais tarde já na Inglaterra a
experimentação em grupos, para saber qual o tipo de educação que favorecia uma
sociedade democrática. Mas ele parecia esquecer alguns aspectos, apesar de ser um
cientista sério. Apesar da educação alemã ser rígida, Berlim era considerada a capital
do pecado e os jovens alemães envolviam-se em movimentos de sexo livre e de revolta
contra o cristianismo, isto já antes do nazismo. Mas, por ironia, Kurt Lewin estava
próximo de pessoal da Escola de Frankfurt, que depois veio para os Estados Unidos e,
ao contrário deste, vieram a desenvolver estudos onde tentavam mostrar que era a
educação americana que criava uma personalidade autoritária.
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Só é possível fazer uma leitura com esta riqueza saindo do texto. A análise de texto de
Martial Guéroult deu certo aplicado a Descartes porque o livro Meditações metafísicas
foi todo pensado de antemão e ali o fundamental era a própria ordem do texto.
Aplicado a outros filósofos o método tem resultados limitados porque estes já não
escrevem textos com uma estrutura ou estratégia como fez Descartes.