Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
ANTEPASSADOS ESQUECIDOS
Este trabalho trata sobre os índios ―tapuia‖ que habitavam a Capitania do Rio Grande,
abrangendo quatro séculos de exploração e extermínio desses grupos humanos, cujo único
―pecado‖ foi ter uma cultura diferente da européia e habitar em suas terras desde tempos
imemoriais, (de onde tiravam sua sobrevivência)
O seu objetivo é trazer à discussão um tema que, muitas vezes, passa despercebido nos
bancos escolares, desde a educação infantil até a educação superior. Devido a escassez de
documentos oficiais do colonizador português, são poucos os trabalhos acadêmicos sobre os
índios tapuias do Rio Grande do Norte, e menos ainda, os livros didáticos direcionados para
as modalidades de ensino escolar.
As fontes primárias já foram quase todas esgotadas, lidas e relidas. As fontes
secundárias, por vezes, se perdem em um emaranhado de conclusões históricas que visam
apenas referendar uma hipótese pré-concebida por um determinado autor. Diante do que já
foi produzido até o momento (fontes primárias e secundárias sobre os índios tapuias no Rio
Grande do Norte), tentamos mostrar a participação desses índios no processo de colonização e
povoamento na região pelos europeus nos séculos XVI a XVIII.
O trabalho tem início com uma conceituação sobre os grupos tapuias, passa por uma
tentativa preliminar de contextualização de algumas dessas tribos no espaço geográfico do Rio
Grande do Norte, visando estabelecer limites de mobilização de alguns grupos nessa região.
Em seguida, é abordado o processo de colonização/povoamento do interior da capitania do
Rio Grande pelos portugueses e pelos holandeses, com a participação dos ―tapuia‖.
Logo após, foi feito um aprofundamento dos fatos relacionados à chamada ―Guerra
dos Bárbaros‖, priorizando a ordem seqüencial cronológica dos conflitos entre os portugueses
e os índios tapuias, sendo mantida sempre a idéia de extermínio e desarticulação desses
grupos como estratégia principal dos colonizadores para ocuparem suas terras. Preferi optar
por tentar mostrar a visão do vencido, do espoliado, com suas causas e seus interesses. Talvez
um grito de um povo vindo do passado, tentando justificar a sua existência na composição dos
grupos humanos que formaram o Estado do Rio Grande do Norte.
Finalmente, foram observadas as tentativas de sobrevivência dos índios tapuias nos
séculos seguintes ao conflito da guerra dos bárbaros e alguns aspectos dos ciclos econômicos
que permearam esse processo de dominação e extermínio. Foi introduzido também, um
capítulo referente aos vestígios arqueológicos ainda existentes envolvendo a participação
4
Janeiro/2008
5
SUMARIO
Pedro Puntoni
1 - Introdução
Quando da chegada do colonizador europeu em solo brasileiro no século XVI,
estimava-se a presença de 6 milhões de índios e cerca de 600 línguas faladas. Hoje, em pleno
século vinte e um, não passam de 300.000 almas1, com uma expectativa de vida girando em
torno dos 42 anos e falando cerca de 170 línguas2.
Considera-se atualmente, que os índios do Brasil estavam divididos em quatro grandes
troncos lingüísticos: o Tupi, o Macro-Jê, o Aruaque e um grande grupo de línguas
consideradas independentes e ainda não classificadas3.
Costumeiramente, chamavam-se os índios próximos ao litoral de Tupis, que
habitavam a costa litorânea brasileira desde São Paulo até o Ceará (com algumas pequenas
exceções); de Guaranis, os que habitavam desde a costa paulista até o Rio Grande do Sul
(entrando em boa parte do interior da região sul) e de tapuias, os índios do interior
(abrangendo desde a margem oeste do Rio São Francisco, na Bahia, até os sertões de vários
estados nordestinos).
No Estado do Rio Grande do Norte, o grupo Tupi estava representado pelos
Potiguares4 que eram compostos por diversas tribos, tais como: Paiaguá, Jundiá, Guaraíra,
1
Na última estimativa da população brasileira feita em 2005 pelo IBGE (Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística), as pessoas que disseram serem índias chegaram a 734 mil em todo o Brasil; A FUNAI
(Fundação Nacional do Índio) admite oficialmente a existência de 440 mil índios, pois considera apenas os
indígenas que moram em aldeias ou próximas a elas. Nota do autor.
2
ASSIS, Virgínia Maria Almoêdo de. Com fé, Rei e Lei.. Revista CLIO Arqueológica, nr. 17 Recife-PE.
Pag. 45.
3
MONTEIRO, Denise. Introdução a História do Rio Grande do Norte. Natal: Editora da UFRN, 2000.
P. 20.
8
Igapó e os Ibirapi; e o grupo Macro-jê, representados pelas tribos dos Tarairiú (considerados
tapuias) que compunham várias tribos (como os Javó, Paiacu, Jenipapo, Canindé, Sucuru,
Pega, Panati, Caratiú) e habitavam nas terras interioranas do Estado.
Existia outro grupo de Tapuias, denominado de Cariris e conhecidos também como
Bultrins5, que habitavam em limites fronteiriços com a Paraíba e o Ceará, englobando tribos
chamadas de Corema, Icó pequeno, Monxoró, Caboré e Caicó. Entretanto, deve ser levado em
conta que o termo cariri abrange um sentido bem maior quando se fala em grupos tapuias.
Muitas vezes, a utilização do termo cariri confunde-se com a do tapuia (por parte de
alguns autores). Isso se deve a ausência de estudos sistemáticos sobre as origens dos grupos
indígenas interioranos, sobre o nomadismo desses antepassados, que dificultaram uma
contextualização do ponto de vista geográfico e dos temores que esses grupos geravam na
imaginação dos colonizadores no processo de ocupação dos sertões. Facilitando, assim, a
variedade de denominação desses indígenas.
Os nativos deste país são povos de duas espécies, tão diferentes na proporção dos corpos
como igualmente em suas disposições naturais. Um é chamado de tapuias e o outro de
brasileiros. Os tapuias são imensos de estatura, e uma gente extraordinariamente ativa e forte.
Uma gente de uma estranha natureza desumana, de nenhuma maneira possível de ser trazida à
sujeição ou a qualquer modo regular de vida. [...] Destes há duas sortes de povos. Uns são os
chamados tapuias, os outros os cariris. Estes cariris diz-se que antes foram franceses.
Havendo vivido num lugar chamado Baía [do Rio] Grande e tendo sido expulsos por ocasião
de guerras de seus redutos para os matos, no processo do tempo tornaram-se selvagens. E
tendo-se cruzado com as mulheres tapuias hoje em dia se tornaram um só povo, exceto por
não cortarem seu cabelo de uma só feição. [...] Esta geração de tapuias e cariris considero-as
uma só, porque suas mulheres fizeram-nas, com o passar do tempo, uma só mistura.6
4
Que dominava praticamente toda a faixa litorânea potiguar abrangendo desde a margem esquerda do
Rio Paraíba até a serra do Ibiapaba, em solo cearense e falavam uma língua denominada de abanheenga. Eram
tupinambás, chamados inicialmente de petinguaras (mascadores de fumo na língua tupi) pelos portugueses,
posteriormente foi chamado pelo donatário da capitania de Pernambuco, Duarte Pereira Coelho, de petiguaras
(canudo de fumar), e finalmente, de potiguaras (comedores de camarão). SILVA, Jacionira Coelho. Arqueologia
no médio São Francisco. Indígenas, vaqueiros e missionários. Tese de Doutorado, UFPE, Recife-PE, 2003. Pag
184.
5
―Os cariris quando foram a Recife foram apresentados por Martim de Nantes a um francês chamado
Jean Boltrin, que era muito interessado pelos índios e tinha aderido aos portugueses na guerra dos holandeses.
Daí essa tribo passou a se chamar Bultrins.‖ BARBOSA, José Elias Borges. As nações indígenas da Paraíba.
Palestra proferida sobre os 500 anos do Brasil, no Instituto Histórico e Geográfico Paraibano. 2000.
6
PUDSEY, Cuthbert. 2000. ―Journal of a residence in Brazil‖. Brasil Holandês. Volume III. Curthbert
Pudsey. Diário de uma estada no Brasil. Ms. Depositado na Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro sob o
9
Apesar de alguns dos primeiros jesuítas já apontarem para outras características, como, por
exemplo, o fato de alguns destes Tapuias não comerem carne humana, a distinção lingüística
foi a mais importante, e fundamentava-se na estratégia de catequização por eles definida.7
Atualmente, como resultado de muitos estudos e um longo e complexo debate entre etnólogos
e lingüistas, tem-se aceitado que existem quatro grandes grupos lingüísticos (Arawak, Karib,
Tupi e Jê), superando-se definitivamente a generalização Tupi-Tapuia. Os grupos Tupi e Jê
inserem-se junto com outras famílias numa classificação mais ampla que contempla dois
troncos (o macro-Tupi e o Macro-Jê). Os grupos Arawak e Karib (que apresentam tantas
afinidades que não poderiam ser chamadas de troncos) estão ao lado de outras famílias
menores como Múra, Guaikuru, Tukano, Pano etc.8
nº de tombo ―I.12.3.17‖. Ed. fac-similar. Cristina Ferrão e José Paulo M. Soares (eds.). Trad.: Nelson Papavero e
Dante Martins Teixeira. Rio de Janeiro: Index: 2000. Pág. 16.
7
PUNTONI, Pedro. Tupi ou não tupi? Uma contribuição ao estudo da etnohistória dos povos
indígenas no Brasil colônia. In: Invenção do Brasil. Org. Antonio Risério, Salvador, MADE, 1997, p.49.
8
Idem. P. 51.
1
0
O termo ―Tapuia‖, portanto, não pode ser compreendido como um etnônimo, mas sim como
noção historicamente construída. Seu significado básico está associado à uma noção de
barbárie duplamente construída. São bárbaros aqueles assim considerados pelos ―outros‖ que
podem ser integrados mais imediatamente à cristandade: os Tupi. Em outras palavras, se
Montaigne dizia que ―cada qual considera bárbaro o que não se pratica em sua terra”,
devemos ter ainda que a divisão entre Tupi e Tapuia compreendia uma noção de uma ―dupla
barbárie‖, se assim podemos dizê-lo: a integração, ou aceitação abstrata dos Tupi como a
humanidade a ser incorporada (e, portanto, como elementos legítimos do Império
cristão), implicava na inscrição dos Tapuia como a barbaria.9
O termo foi utilizado inicialmente pelo cronista Gândavo, que usou essa expressão
para uma tribo especifica de índios que habitavam perto do ―rio Maranhão da banda do
Oriente”.10 Gabriel Soares de Souza menciona em 1587, que os primeiros habitantes da
Bahia foram os tapuias ―casta de gentio muito antigo‖ que teriam sido lançados fora da faixa
litorânea por outro gentio seu contrário, ―que desceu o sertão, à fama da fartura da terra e do
mar província, que se chama tupinaes‖.11
Somente a partir do início do século XVII, inicia-se um contato mais aproximado com
esses grupos indígenas por parte dos portugueses, devido aos conflitos relacionados à invasão
das terras indígenas e ao trabalho missionário das ordens religiosas, facilitando o
esclarecimento dessa questão toponímica:
9
PUNTONI, Pedro. Tupi ou não tupi? Uma contribuição ao estudo da etnohistória dos povos
indígenas no Brasil colônia. In: Invenção do Brasil. Org. Antonio Risério, Salvador, MADE, 1997, pp.49-55.
10
GANDAVO, Pero de Magalhães. História da Província de Santa Cruz (1576). Belo Horizonte/São Paulo,
Itatiaia/Edusp, 1980, p. 140.
11
SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado descritivo do Brasil, em 1587. Companhia Editora Nacional, USP,
Quarta edição, Coleção Brasiliana, São Paulo, 1971. Págs. 299-300.
1
1
....Tapuia passou a designar um conjunto de tribos que, apesar de heterogêneo, era percebido,
pelo esquema classificatório, como portador de traços de identidade. A grande distinção
originava-se da observação de que os povos que habitavam ao longo da costa têm uma
mesma língua que é de grandíssimo bem para sua conversão, nas palavras do Anchieta.
Seriam assim povos cuja identidade estaria associada à língua geral, como os jesuítas
chamavam o tupi universal que inventaram. Por outro lado, observou Anchieta, pelos matos
há diversas nações de outros bárbaros de diversíssimas línguas a que estes índios (os
carijós, tupis) chamam tapuias12.
Portanto não se pode cair no erro de classificar todos os grupos indígenas que não
falavam a língua Tupi como Tapuias, sob o risco de cometer generalizações incorretas:
O que há de consenso no que diz respeito aos estudos contemporâneos envolvendo os povos
indígenas do sertão nordestino é a percepção de pelo menos três grupos culturais distintos,
os Cariri, os Tarairiu e os Jê, e um grande número de grupos isolados e ainda sem
classificação, dentro da denominação de Tapuia predominante no período colonial. É
importante também ressaltar que aparecem muitos grupos sobre os quais não temos
praticamente nenhuma informação a respeito de sua cultura. 14·..
Apenas como opção metodológica (tendo em vista a grande diversidade dos grupos
indígenas tidos como tapuias, sua mobilidade espacial, a ausência de fontes primárias que
pudessem esclarecer melhor essa classificação e o questionamento acadêmico que essa base
12
PUNTONI, Pedro. A guerra dos Bárbaros. Povos indígenas e a Colonização do Sertão Nordeste do Brasil,
1650-1720. Tese de Doutorado, USP, 1998. Pág. 44.
13
BRITO, Ênio José da Costa. A identidade indígena: estratégias políticas e culturais (século XVI e
século XVII). Revista de Estudos da Religião. PUC-SP.
http://www.pucsp.br/rever/relatori/notago05.htm: acessado em 18 de Fevereiro de 2006.
14
MACEDO, Helder Alexandre Medeiros de. Remanescentes indígenas numa freguesia colonial do
Brasil: Santa ana, no sertão do Seridó, Rio Grande do Norte (sécs. XVIII-XIX).
http://www.antropologia.com.ar/congreso2004/ponencias/helder_alexandre_medeiros.doc
1
2
de divisão pode provocar), este trabalho dividirá os tapuias na Capitania do Rio Grande
durante os séculos XVI a XVIII, em dois Grupos: Os Tarairiu e os Cariris. Essa divisão tem
como base os estudos do professor Thomaz Pompeu Sobrinho que alencava as seguintes
diferenças étnicos-culturais entre os dois grupos15:
15
MEDEIROS FILHO, Olavo de. Índios do Açu e Seridó. Senado Federal. Centro Gráfico: Brasília: 1984. Pag.
25.
16
MEDEIROS FILHO, Olavo de. Índios do Açu e Seridó. Senado Federal. Centro Gráfico: Brasília: 1984. Pag. 25
e 26.
1
3
17
PUNTONI, Pedro. A guerra dos Bárbaros. Povos indígenas e a Colonização do Sertão Nordeste do Brasil,
1650-1720. Tese de Doutorado, USP, 1998. Págs. 67-68.
1
4
18
Que chegou ao Recife em 1635, tornando-se governador da capitania de Itamaracá em 1636, e
posteriormente, governador da capitania da Paraíba. Publicou a obra ―Descrição geral da capitania da Paraíba‖,
onde registrou diversas informações sobre os tapuias do Rio Grande do Norte. Nota do autor.
1
5
a) Ariú: (também chamados de Pega, Ariá, Ária, Areias e Uriú) que habitavam das
imediações do vale do Açu até o seridó (sempre beirando os rios piranhas/assu). Faziam
incursões também pelo Estado da Paraíba onde habitaram a região de Patu-RN, que já
pertenceu ao estado Paraibano e na serra do João do Vale, abrangendo Pombal-PB e
Catolé do Rocha-PB. Existem informações de sua presença no Rio Grande do Norte na
área geográfica dos atuais municípios de Acari, Angicos, Campo Grande, Carnaúba dos
Dantas, Equador, Lajes, Paraú, Portalegre, Santana do Matos e São Rafael. Uma parte
dos Ariú foi aldeada inicialmente ao sul da serra do João do Vale, na época era chamada
de serra da Cepilhada, onde ainda existiam cerca de quinhentos índios em 1757, sendo
transferidos em 1761 para a missão de Mipibú, no Rio Grande do Norte. Outros
agrupamentos teriam sido distribuídos nos atuais municípios de Belém do Brejo do
Cruz-PB e em Pombal-PB; outra facção seria levada pelo colonizador paraibano
Teodósio de Oliveira Ledo, em 01 de janeiro de 1698, para o aldeamento dos cariris, em
Campina Grande-PB. Existem também informações de aldeamentos dos pega19 em
Meruoca e em Viçosa no Estado do Ceará.
ARIÚS
ARIÚ
19
―Possivelmente o nome do cacique Peca seja a origem do gentílico Pega, que tinha outras grafias como
Perga e Peiga.” SILVA, Jacionira Coelho. Arqueologia no médio São Francisco. Indígenas vaqueiros e
missionários. Tese de Doutorado, UFPE, 2003. Pág. 182.
1
7
SUCURU
20
SILVA, Jacionira Coelho. Arqueologia no médio São Francisco. Indígenas vaqueiros e missionários.
Tese de Doutorado, UFPE, 2003. Pág. 181.
1
8
c) Canindé: Era a tribo chefiada pelo Rei Canindé, filho do rei Janduí. Habitavam nas
proximidades das margens dos rios Piranhas/Assu, desde o Vale do Assu até o Seridó
potiguar21, entre o território dos Jenipapo ao norte e a área dos Icó e Sucuru ao Sul.
―Fizeram correrias por Mossoró, Areia Branca, Carnaubais, Pendências, Macau‖22. Em
1694, foi concedida uma légua quadrada de terra para ―aldear os índios do rancho
Canindé e Janduí, localizada na ribeira23 do Jundiá-Perereba, no município de
Goianinha‖, onde ficaram até 1699. Em 1701, foram aldeados na Missão de Cunhaú,
(lagoa de São João) sob a assistência dos jesuítas. Existem notícias de aldeamentos desse
grupo em 1746 na serra de bananeiras, Estado da Paraíba, juntamente com os Sucuru;
Também foram detectadas informações de aldeamentos em Quixadá, Canindé e Aquiraz
(participaram do ataque de várias tribos indígenas a Aquiraz, em 1713), no Estado do
Ceará, assim como em Guaraíras (vila de Arez) no Estado do Rio Grande do Norte.
CANINDÉ
21
Há referências bibliográficas sobre os índios Canindé na área geográfica do atual município de
Carnaúba dos Dantas-RN. DANTAS, Maria da Paz Medeiros. Desvendando o viver nas fazendas dos Azevedos,
Carnaúba dos Dantas-RN (1870-1940). Revista Mnemes, Jan/2004. Pag. 09.
22
MEDEIROS, Tarcísio. Aspectos Geopolíticos e antropológicos da História do Rio Grande do Norte.
Imprensa Universitária, Natal, Fevereiro/1975. Pag. 55.
23
O termo Ribeira significa um distrito rural que compreende certo número de fazendas de criar gados.
Cada ribeira se distingue das outras pelo nome do rio que a banha. Idem, Pag. 08.
1
9
JENIPAPO
24
SILVA, Jacionira Coelho. Arqueologia no médio São Francisco. Indígenas vaqueiros e missionários.
Tese de Doutorado, UFPE, 2003. Pág. 181.
25
PORTO ALEGRE, Maria Sylvia. In: Povos Indígenas do Brasil.
www.socioambiental.org/pib/epi/payacu
2
0
PAIACU
f) Panati: Habitaram uma boa parte do alto oeste do Rio Grande do Norte, principalmente
na área geográfica que abrange os municípios de Marcelino Vieira29, Pau dos Ferros, São
Miguel, Encanto, Rafael Fernandes e Doutor Severiano. Na historiografia colonial
aparecem menções sobre os Panati também no Vale do Açu (rio Piranhas), no combate
aos portugueses. As últimas notícias a respeito deles falam em aldeamento na Missão de
São José, em 1746, na cidade de Piancó, Estado da Paraíba. Teriam habitado também a
parte leste do Estado do Ceará e oeste da Paraíba (Pombal).
PANATÍ
Figura 07 – Área com citações bibliográficas dos Panati no Rio Grande do Norte.
28
SILVA, Jacionira Coelho. Arqueologia no médio São Francisco. Indígenas vaqueiros e missionários.
Tese de Doutorado, UFPE, 2003. Pág. 180.
29
No município de Marcelino Vieira, existe uma serra denominada de Panatis. Nota do autor.
2
2
g) Javó: Os índios Javó teriam habitado próximos ao litoral, entre a serra do Apodi e o rio
Açu. Foram aldeados nas missões das lagoas do Apodi e Guariju. Por vezes eram
confundidos com os Canindé ou os Jenipapo.
JAVÓ
30
O termo Janduí em tupi significa aranha pequena. Câmara Cascudo, entretanto, traduziu sua derivação
de Nanduí, que em tupi significava ema pequena. SILVA, Jacionira Coelho. Arqueologia no médio São
Francisco. Indígenas vaqueiros e missionários. Tese de Doutorado, UFPE, 2003. Pág. 180.
31
O nome Açu teve como origem o local onde ficavam situadas as aldeias dos Janduís, próximo à lagoa
do Piató, conhecido como Taba-Assu, que significa Aldeia Grande. Nota do Autor.
2
3
JANDUÍ
Existem referências, ainda, aos Cavalcanti (uma facção dos Ariú, que teriam habitado
na aldeia de Campina Grande-PB); aos Vidais (que habitavam na fronteira do Ceará com o
Rio Grande do Norte); aos Tucuriju, aos Arariú e aos Panacu-Assu (que teriam sido aldeados
às margens do rio Àgua Azul, no atual município de Ceará-Mirim-RN). Outros grupos
também são citados (principalmente no Ceará), tais como: os Quixerariú, Quixelô, Quitariú,
Jenipaboaçu, camaçu e tocariu.
A mobilidade espacial de alguns desses grupos era intensa, daí existirem informações
de algumas dessas tribos em localidades diferentes. No município de Angicos-RN, existe um
riacho e uma lagoa com o nome de Pataxó33. Da mesma forma existem informações34 sobre a
presença dos Jendoiz, Yco e os Uriú na Serra do Araripe, no Estado do Ceará.
32
MARIZ, Marlene (2002). História do Rio Grande do Norte. Pag. 57.
33
Tribo da qual só se têm notícias no sul da Bahia. Entretanto, deve-se observar que os índios
costumavam homenagear parentes distantes com denominações de pontos geográficos. Outra versão para a
origem da denominação seria uma variação toponímica da expressão ―pata choca‖, comum na região. Nota do
Autor.
34
Descrição do sertão do Peauhy, remetida ao Bispo de Pernambuco D. Frei Francisco de Lima, em 02 de
Março de 1697. Arquivo Histórico de Lisboa-Portugal.
2
4
CAICÓ
OU COREMA
O próprio nome Piancó teria sido derivado do chefe dos Corema e significava ―terror‖
ou ―pavor‖. Uma parte dos Corema teria sido aldeada na atual cidade de Coremas-PB e em
Pilar-PB (no período colonial), e outra parte do grupo, em Pirituba, no atual município de São
Gonçalo do Amarante-RN.
ICÓ PEQUENO
Figura 11 – Área geográfica onde aparecem citações bibliográficas sobre a presença da tribo
dos Icó Pequeno no Rio Grande do Norte.
37
BARBOSA, José Elias Borges. As nações indígenas da Paraíba. Palestra proferida sobre os 500 anos
do Brasil, no Instituto Histórico e Geográfico Paraibano. 2000.
2
6
Provavelmente os Icó, Caicó e Corema fizessem parte do mesmo agrupamento. Uma outra
parte dos Icó pode também ter sido enviada para o Estado do Piauí. 38
MONXORÓ
Figura 12 - Área geográfica onde aparecem citações bibliográficas sobre a presença da tribo
dos Monxoró no Rio Grande do Norte.
38
―O capitão-mor da Capitania no Ceará, Manuel Francês, escreveu em 1726 ao Capitão da Conquista
do Piauí, Bernardo Carvalho de Aguiar, solicitando que fossem aldeados, em seu arraial (distante duas léguas
de Anapurus), vários índios que remetia, das tribos Jenipapo, Icó e Quixerariú “para que não mais pegassem
em armas contra os brancos”. É que estas tribos estavam sendo utilizadas, já naquela época, por membros
das Famílias Feitosa e Monte, do Ceará, para lutas entre elas.”
PEREIRA DA COSTA, Francisco Augusto. Cronologia histórica do Estado do Piauí, desde os seus Primitivos
Tempos até à Proclamação da República, em 1889. Pernambuco: Tip. do Jornal do Recife, 1909, p. 17.
2
7
d) Caboré – Teriam habitado nas áreas geográficas correspondentes aos atuais municípios de
Apodi, Itaú, Rodolfo Fernandes, Severiano Melo e Tabuleiro Grande. Teriam sido aldeados
com os Paiins na zona de Mossoró e Apodi, em 1688. Posteriormente, teriam sido aldeados na
Vila de Portalegre. Em 1716 foram transferidos para o engenho do Ferreiro Torto, situado a
18 km de Natal-RN, no atual município de Macaíba-RN.
CABORÉ
Figura 13 – Área geográfica onde aparecem citações bibliográficas sobre a presença da tribo
dos Caboré no Rio Grande do Norte.
Com relação também aos índios cariris do Rio Grande do Norte, existem informações
de que provavelmente teriam surgido na região do Seridó, fugindo logo após a guerra dos
bárbaros para a vizinha capitania do Ceará em busca de abrigo e refúgio nas serras da
Borborema:
..... os índios cariri, originários de uma região próxima do Seridó, na Serra da Borborema,
fugiram para o Ceará, onde deram os seus nomes aos Cariris Novos. Região montanhosa e
relativamente fértil, que foi ocupada, efetivamente, só no século XIX pelos colonos39
39
CAVIGNAC, Julie A. A etnicidade encoberta: índios e negros no Rio Grande do Norte. Revista
eletrônica Mneme, Vol 05, nr. 08 (Agosto/2003). Págs. 21-22.
2
8
2
9
A influência espacial dos Tarairius40 abrangia uma extensa área geográfica que
compreendia boa parte do nordeste brasileiro com uma concentração maior de tribos na
capitania do Rio Grande do Norte:
Os tarairius espalhavam-se do Ceará ao Rio São Francisco. Segundo o relato dos antigos
cronistas, os tapuias ocupavam as terras do sertão semi-árido do Nordeste. A capitania do Rio
Grande era o epicentro do domínio dos Tarairiús, que ali habitavam nas bacias dos rios Açu,
Apodi e respectivos afluentes. 41
Eram grupos nômades, que ficavam normalmente entre três a quatro anos, no máximo,
em uma determinada região, que praticavam uma agricultura rudimentar. Dependiam
essencialmente da caça, da coleta de raízes e frutos e da pesca. Eram errantes e
freqüentemente percorriam grandes distâncias.
No Rio Grande do Norte, os tapuias percorriam, principalmente, as margens e os
afluentes das principais bacias hidrográficas do Oeste e Alto Oeste (rio Apodi-Mossoró) e do
vale do Açu e Seridó (Rios Piranhas-Assu). A expressiva quantidade de sítios arqueológicos
nas margens das bacias hidrográficas desses rios podem vir a atestar no futuro, através de
escavações científicas, esse nomadismo e indícios dos deslocamentos efetuados pelas tribos
tapuia.
Esse aspecto nômade do índio Tapuia era uma das principais características das tribos
pertencentes ao grupo dos tarairiú na capitania do Rio Grande do Norte:
A natureza mutável do sertão, conseqüência das secas e estiagens, obrigava os seus primitivos
moradores a um regime nômade de vida. Não tinham aldeias nem casas ordenadas, passando a
vida completamente ao ar livre. Mudavam freqüentemente de acampamento, ao sabor das
contingências alimentares....... Os tarairiús levantavam ramadas, em forma de V invertido,
com a finalidade de servirem de abrigos contra o sol ardente ou a chuva. A noite faziam
imensas fogueiras, ao longo das quais estendiam suas redes para se aquecerem........Quando
acampados, procuravam iniciar o dia com um banho de rio, após o que esfregavam-se com
40
Tarairiús derivaria toponicamente de uma espécie de peixe, chamada de t(a)raira ou caramuru
(Lapidosiren Paradoxa), tipo de peixe que durante o período seco se enterra no barro, voltando a reaparecer no
período chuvoso.
41
MEDEIROS FILHO, Olavo. Os tarairiús, extintos tapuias do nordeste. Coleção Mossoroense, série
B, n. 502, Fundação Guimarães Duque, 1988. Pag. 07.
3
0
....Os Ariús, como os demais Tarairiús eram nômades: praticavam a corrida de toros e o
endocanibalismo. Comiam mel e cobras, o que os aproxima dos ictiófagos paleo-
americanos...... Não tinham agricultura desenvolvida. Eram fortes e dormiam ao relento. 43
Para aquele que visita essas paragens na estação do calor, que dura de Agosto a Janeiro, não há
explicação mais natural. Tudo fica crestado, exceto os cactos e uma faixa muito estreita de terra
que borda os leitos, ora secos, das correntes. Além dessas linhas de verdura, que gradualmente
vai desaparecendo, viaja-se léguas e léguas sem que se veja vestígio algum d'água, e quando,
como não raro acontece, o verão continua, torna-se extremo o sofrimento dos homens e
animais..... Sem passar por tais circunstâncias é difícil verificar a prova do que digo; porém
depois de Ter andado a cavalo dias e dias por essa região, com um sol tropical a arder-lhe na
cabeça, a atmosfera tão quente que parece querer queimar até os seres vivos, o calor da luzente
e branca areia subindo a um firmamento sem nuvens, as caatingas ressequidas e silenciosas,
sem nenhum sinal de vida animal a não ser o metálico som de um ou outro grilo; Em suma,
depois de levar o dia inteiro sem beber uma gota d'água sequer, qualquer um
42
MEDEIROS FILHO, Olavo de. Os Tarairius, extintos tapuias do Nordeste. Mossoró: Fundação
Guimarães Duque, 1988 (coleção Mossoroense, série B, n. 502). Pág. 08.
43
BORGES, José Elias. Os Ariús e a formação de Campina Grande.
3
1
Então, a travessia das veredas sertanejas é mais exaustiva que a de uma estepe nua. Nesta, ao
menos, o viajante tem o desafogo de um horizonte largo e a perspectiva das plantas francas.
Ao passo que a caatinga o afoga; abrevia-lhe o olhar; agride-o e estonteia-o; enlaça-o na trama
espinescente e não o atrai; repulsa-o com as folhas urticantes, com o espinho, com os gravetos
estalados em lanças; e desdobra-se-lhe na frente léguas e léguas, imutável no aspecto
desolado: árvores sem folhas, de galhos estorcidos e secos, revoltos, entrecruzados, apontando
rijamente no espaço ou estirando-se flexuosos pelo solo, lembrando um bracejar imenso, de
tortura, da flora agonizante...46
44
BRANNER, J. Casper. (1903). Inscrições em rochedos do Brasil. Revista do Instituto Histórico,
Arqueológico e Geográfico Pernambucano, V. 11, Recife-PE. Pag. 251.
45
ENNES, Ernesto. As guerras nos Palmares. Domingos Jorge Velho e a Tróia Negra. 1687-1700.
Companhia Editora Nacional. Primeiro Volume, Lisboa-Portugal, 1938. Pág. 75.
46
CUNHA, Euclides da. Os Sertões – Campanha de Canudos. São Paulo: Abril cultural, 1982. P 37.
3
2
Dizer que o homem é forjado de acordo com seu meio ambiente não está muito longe
da verdade; E, se esse meio exige uma sobrecarga maior na luta permanente pela
sobrevivência, não devemos estranhar os costumes culturais dos tapuias que serão vistos a
seguir.
47
Extraídas da Obra ―Brasil Holandês‖, Organizada por B.N. Teensma e publicada pela PETROBRÁS,
através da Editora Index, em 1999.
3
3
a) Dificilmente construíam casas (exceto de caráter temporário, às vezes, por poucos dias).
Dormiam geralmente ao relento, sobre a terra, sem nada por baixo do corpo;
b) Quando do amanhecer, o rei prescrevia as atividades diárias (seguindo orientações de
adivinhos e feiticeiros), tais como caçar, pescar ou levantar acampamento;
c) Ao tomarem banho nos rios pela manhã, esfregavam o corpo com areia grossa, e em
seguida, tornavam a banhar-se, fazendo movimentos de contração dos músculos (para
afastar a ―moleza‖);
d) Utilizavam uma espécie de pente de dentes de peixes, como um rapador, esfregando a
pele, até sangrar (diziam que essas fricções os tornavam mais dispostos para longas
viagens);
e) As mulheres e os meninos (quando das viagens) carregavam as armas, as bagagens e os
trastes;
f) Não caminhavam à noite (com medo de cobras e serpentes);
g) Alimentavam-se basicamente de mel de abelhas, cobras, lagartos, frutos, raízes e pequenos
animais selvagens;
48
Principalmente nos lajedos graníticos existentes nos atuais municípios de São Rafael e Angicos. Nota
do autor.
49
MEDEIROS FILHO, Olavo. Índios do Açu e Seridó. Senado Federal. Centro Gráfico: Brasília: 1984. Págs. 37-
75.
3
4
A descrição dos tapuias envolve determinadas características culturais que não eram
muito diferentes dos demais indígenas existente no Brasil da época:
Esses tapuia, como alguns outros indígenas do Brasil, costumavam depilar todo o corpo e o
rosto. Todos, inclusive as crianças, costumavam pintar o corpo, utilizando-se de tinta preta,
extraída do jenipapo, e vermelha, do urucum. Andavam nus, porém com os genitais
cobertos: as mulheres usavam uma espécie de avental, confeccionado com folhas preso à
cintura e os homens usavam um cendal (véu), também vegetal. Os homens perfuravam
bochechas, lábios, orelhas e nariz, por onde traspassavam ossos, pedras coloridas ou
madeira. Também utilizavam penas de aves diversas, que prendiam nos cabelos e corpo,
colando-as com cera de abelha ou atando-as com fios de algodão para fazer cordões,
pulseiras e tornozeleiras. Usavam também sandálias feitas com fibras vegetais. O clima
hostil do sertão impunha aos tarairiu uma vida seminômade. De acordo com as estações do
ano, os tarairiu mudavam seu acampamento para os lugares que melhor lhes garantissem
sobrevivência, portanto não tinham aldeias fixas, num único lugar, mas construíam
acampamentos regulares, dentro de uma área delimitada (...) Por causa do seminomadismo,
seus acampamentos eram rústicos, compostos por abrigos feitos de paus e folhas, geralmente
à beira d‘água. Dormiam em redes, ou mesmo no chão quando viajando, tendo sempre uma
fogueira por perto (...) As mulheres e crianças eram incumbidas de transportar os utensílios,
cestarias, bagagens e armas (...) também deveriam, no novo acampamento, procurar os paus
e folhagem para confecção de abrigos. Eram também elas que se incumbiam da alimentação
e bebidas, e dos cuidados das crianças, auxiliadas pelos anciães. Aos homens cabiam as
caças, pesca e a procura do mel silvestre; Eram exímios caçadores (...) e construíam
armadilhas para peixes e animais silvestres; Caçavam principalmente pequenos animais, já
que grandes não havia pelo sertão. Sua alimentação básica era, pois, a caça, assada em
fornos subterrâneos, a pesca, o mel, frutos, raízes, ervas e animais silvestres como lagartos e
cobras. Após as chuvas e os rios estarem cheios, os tarairiu voltavam para as várzeas a fim
de plantarem mandioca, milho, legumes e alguns frutos e raízes (...) Os tarairiu eram
guerreiros temidos pelos outros indígenas, por sua força, velocidade e destreza na guerra,
onde adotavam a tática da surpresa, isto é, da guerrilha. 50
50
LOPES, Fátima Martins. Missões Religiosas: Índios, colonos e missionários na colonização da Capitania do Rio
Grande do Norte. UFPE, 1999 (dissertação de mestrado ). Pág.
3
5
Então o rei convocava os jovens que pretendiam as moças para casar e os submetia a duras
provas em caçadas e outros exercícios pesados, durante muito tempo, até que demonstrassem
a plena capacidade de sua coragem e forças físicas, porque era preciso sobretudo resguardar a
raça de guerreiros.Treinavam em muitas demonstrações de força, inclusive tomar um homem
às costas e correr grandes distâncias, para que na guerra tivessem condições de bater em
retirada carregando os mortos e feridos.51
A índia tapuia quando estava grávida não poderia ter relações com o marido (ele
coabitava com outra) e as crianças que nascessem mortas seriam devoradas pelos pais. Após o
nascimento da criança (dentro das matas), a mãe cortava-lhe o umbigo e devorava, juntamente
com a placenta. As crianças andavam com nove semanas de idade, aprendendo a nadar (entre
nove a dez semanas eram lançadas na água) nessa mesma época.
Possuir várias mulheres era sinal de prestígio52 e o adultério não era permitido. Caso
viesse a acontecer, o marido teria o direito de açoitar a mulher, e até mesmo matá-la. Quase
todos os cronistas mencionam a longevidade dos tapuias, citando, como exemplo, o rei Janduí
como tendo uma idade superior aos 100 anos:
Por essa época, o rei dos tapuias, Janduí, amava a filha casadoira e formosa de um magnata
vizinho – Juckeri. Tendo-a pedido em casamento por intermédio dos sacerdotes, recusou-lha
Juckeri. Ressentido com a repulsa, Janduí, a conselho dos adivinhos e do povo, jurou a morte
de Juckeri e a ruína de seus súditos. Encobre a sua mágua e o engano que preparava.
Simulando-se amizade, é convidado Juckeri com toda a nação para um certame recreativo, e
ele, sem suspeitar o ardil, desce à arena para a luta. Quando um e outro se abraçavam para
brigar, as mulheres do exército de Janduí voaram furibundas contra os cabelos dos outros e,
apanhando-os incautos e detendo-os pelas guedelhas, expuseram-nos à crueldade e à chacina
dos seus. Assim o rei arrebatou, com a violência e com o crime, a donzela que não pudera
conseguir pedindo-a. Tinha então Janduí quatorze mulheres, e tinham sido cincoenta, das
quais lhes nasceram apenas sessenta filhos. Já ele havia dobrado os cem anos. 53
51
ALMEIDA, Horácio de. História da Paraíba. Editora Universitária, 1978, João Pessoa - PB. Pág. 268.
52
Olavo de Medeiros Filho menciona na obra ―Os tarairús, extintos tapuias do nordeste‖, que: ―Os
tarairiús eram polígamos e as festividades matrimoniais eram reservadas apenas para a primeira esposa. O
régulo Janduí, nos bons tempos, chegara a possuir cinqüenta mulheres! Segundo os antigos cronistas, Janduí foi
pai de sessenta filhos, o que apresentava um número reduzido, em comparação com a grande quantidade de
esposas que possuiu”.
53
BARLÉU, Gaspar. História dos feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil e noutras partes sob
o governo do ilustríssio João Maurício Conde de Nassau, (1647), trad. Port. Belo horizonte/São Paulo,
Itatiaia/Edusp, 1974. Pag. 269.
3
6
55
Olavo de Medeiros Filho citando Pedro Carrilho de Andrade nos diz que os tapuias eram: ―Homens bem
dispostos, sadios, sem achaques e de largas vidas, que bem se podiam comparar com as cobra, de que dizem os
poetas que não morrem nunca de velhas, senão quando as matam...‖ MEDEIROS FILHO, Olavo de. Índios do Açu
e Seridó. Senado Federal. Centro Gráfico: Brasília: 1984. Pag. 37.
56
Idem. Pag. 37.
3
7
contato com o homem branco, passaria a utilizar também armas de fogo, como espingardas e
mosquetes.
Figura 16 - A corrida com toras de carnaúba era uma das atividades dos tapuias. Gravura
de Margrave.
Vivendo em um meio ambiente difícil que exigia dos tapuias uma sobrecarga maior de
dispêndio físico para obtenção de seu alimento, seria natural a adoção de costumes culturais
condizentes com sua luta diária pela sobrevivência. A exigência de coragem e disposição
constante fazia com que os tapuias estivessem sempre prontos para qualquer atividade, desde
as diversões grupais até os combates com os inimigos.
Vários desses costumes e hábitos culturais dos tarairiús permaneceram nas gerações
posteriores que ocuparam o sertão norte-riograndense, ainda se fazendo presentes em
pequenos gestos e atitudes do homem sertanejo:
Alguns dos costumes do sertanejo são, também, herança dos nativos. Incluamos aqui o hábito
de ficar de cócoras, do banho diário e do deitar-se em redes. E, ainda, os chás de ervas que
preparamos quando estamos doentes, bem como as meizinhas e orações com galhos de
árvores que nossas rezadeiras, benzedeiras e curandeiras nos receitam. As panelas, potes,
alguidares, gamelas e quartinhas de barro que nossas louceiras faziam e que alguns poucos
ainda usam são, também, resquícios da tradição nativa do uso da cerâmica. Lembremos, aqui,
o gosto dos antigos seridoenses em tomar água fria, armazenada em potes e quartinhas de
barro. Bem como a utilização de utensílios domésticos feitos artesanalmente de palha, fibras e
3
8
árvores, legados da cultura material de origem indígena: cestos, pilões de madeira, trempes,
jiraus, cuias, cuités, cabaças, urupemas, cabaças, abanadores. Sem falar da nossa dieta
alimentar, que não dispensa o cuscuz, a carne assada, a fava, a farofa, a farinha de mandioca,
a tapioca, o jerimum, a batata-doce, o aluá. E, ainda, das práticas agrícolas que ainda teimam
em persistir no sertão, que preparam e aproveitam o solo através da coivara. 57
Essa forma de viver, totalmente diferente dos padrões europeus da época, não era
compreendida pelos colonizadores portugueses, que ficavam chocados diante de costumes
culturais totalmente estranhos aos seus e exageravam em termos preconceituosos na descrição
dos hábitos tradicionais dos tapuias:
Um tapuia, corpo nu, couro e cabelos tostados de injúria do tempo, habitador das brenhas,
companheiro das feras, tragador de gente humana, armador de ciladas, um selvagem, enfim,
cruel, desumano, e comedor de seus próprios filhos, sem Deus, sem lei, sem Rei, sem pátria,
sem república, e sem razão. 58
57
MACEDO, Helder Alexandre Medeiros. Os primeiros habitantes do sertão do RN. Revista Preá, nº 04,
Natal, Dezembro, 2003. Pag. 25.
58
VASCONCELOS, Simão de. Crônica da Companhia de Jesus (1663). Petrópolis, Vozes, 1977, Vol. 1.
3
9
59
Normalmente acima de 1,70 m, considerada alta para ra os padrões da região na época. Nota do autor.
52-a WÄTJEN, Hermann. O domínio colonial hollandez no Brasil. Um capítulo da história colonial do
século XVII. Edição original em 1923, Holanda. Traduzido por Pedro Celso Uchoa Cavalcanti em 1938. São
Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938. Pag. 403.
4
0
60
MEDEIROS FILHO, Olavo de. Índios do Açu e Seridó. Senado Federal. Centro Gráfico: Brasília:
1984. Pag. 33, 34 e 35.
4
1
61
Durante os séculos XVI e XVII o território era conhecido apenas como Rio Grande. Somente a partir
de 1735 passaria a ser denominado de Capitania do Rio Grande do Norte para diferenciar de Rio Grande de São
Pedro, no sul. SILVA, Marcos. ARRAIS, Raimundo. CAVENAGHI, Airton José. Atlas Histórico do Rio Grande
do Norte. A “Guerra dos Bárbaros” e o sertão do Rio Grande. (fascículo 6). Projeto LER (Governo do Estado
do Rio Grande do Norte), Natal-RN, Junho/2006. Pag. 27.
4
2
O que se tem como indiscutível é que a povoação ou cidade foi fundada depois da celebração
solene das pazes na Paraíba em Junho de 1599. Nestes pontos, não há discrepância entre todos
os autores, inclusive quinhentistas e seiscentistas. E mesmo, não podia ser antes, uma vez que
a guarnição da fortaleza vivia sitiada e constantemente assaltada pelos nativos. 62
A primeira sesmaria63 foi doada pelo capitão da conquista da capitania do Rio Grande
do Norte, Manuel Mascarenhas Homem, que concedeu a nove de janeiro de 1600, uma
sesmaria, à margem esquerda do rio, numa água a que chamam da Papuna, ao então capitão
João Rodrigues Colaço64 tido como um dos fundadores da cidade do Natal65.
62
CASTELLO BRANCO, José Moreira Brandão. Quem fundou Natal? In: Revista do Instituto Histórico
e Geográfico Brasileiro, Natal-RN: Tipografia Centro de Imprensa S.A, V. LIII, 1960. Pag. 67. ―...Chefes
indígenas rumaram para a Paraíba e ali, segundo rezam as crônicas, na presença de autoridades militares e
administrativas, de Feliciano Coelho de Carvalho, capitão-mor da capitania (Paraíba), de Manuel
Mascarenhas Homem, governador de Pernambuco, e do seu sucessor Alexandre de Moura, do capitão-mor de
Itamaracá e do novo ouvidor-geral Braz de Almeida, foi celebrada solenemente a paz, com pregões nas
capitanias e permutas de ofertas no dia 11 de Junho de 1599‖. GUERRA, Flávio. Evolução histórica de
Pernambuco. Recife: Companhia Editora de Pernambuco, 1970. Pag. 218.
63
―Dava-se este nome às doações de terras, que estavam abandonadas, ou das quais os respectivos
senhorios, depois de avisados, não cuidavam. A Coroa dava então estas propriedades de sesmarias, ou permitia
que as Câmaras as dessem, pagando o sesmeiro (o que ficava possuindo) a sexta parte dos frutos. A sexta parte
chamava-se primeiramente sesma, e depois o sesmo (o sexto).‖ VIEIRA, Domingos. Grande Dicionário
Portuguez - Thesouro da Lingua Portugueza, Editores Ernesto Chardron Bartholomeu H. de Moraes, Porto,
1871. vol. II p.130.
64
LEMOS Vicente de. Capitães-mores e governadores da capitania do Rio Grande do Norte. Rio de
Janeiro: Tipografia do Jornal do Comércio, 1912, v. 1.
65
Existem controvérsias entre diversos autores sobre o fundador da cidade do Natal. A conquista da
Capitania foi determinada através das Cartas Régias de 09.11.1596 e 15.03.1597, do rei Felipe II, da Espanha,
tendo em vista a presença constante dos franceses na costa potiguar; O Capitão-mor de Pernambuco, Manuel
Mascarenhas Homem, foi o encarregado da tarefa da conquista pelo rei, tendo recebido ordens para fazer uma
fortaleza e uma povoação, tendo chegado em 25 de Dezembro de 1597, com uma esquadra de seis navios e cinco
caravelas. Em 06.01.1598 (dia de Reis) tem início a construção do forte dos três reis magos. Em 24 de Junho de
1598 é rezada a primeira missa no interior do forte e dado início (após um acordo de paz firmado em 15 de Junho
de 1599, na Paraíba, com os índios potiguares) a construção de casas à meia légua do forte, onde seria a futura
cidade dos reis. Em 25 de Dezembro de 1599 é rezada a primeira missa no local das casas construídas, ficando a
cidade conhecida como Natal (em homenagem ao dia da chegada da esquadra da conquista). Alguns autores
(Vicente de Lemos, Tavares de Lyra, Câmara Cascudo) creditaram ao Jerônimo de Albuquerque a fundação da
cidade do Natal. Outros autores, entretanto, questionaram essa afirmação: ―...O primeiro capitão-mor do Rio
Grande foi João Rodrigues Colaço, que já governava no ano de 1599, devendo por isso, ter sido o fundador da
cidade do Natal, e não Jerônimo de Albuquerque, mero capitão da fortaleza, o qual desde Abril do referido ano,
já estava substituído‖. CASTELLO BRANCO, José Moreira Brandão. Quem fundou Natal? In: Revista do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Natal-RN: Tipografia Centro de Imprensa S.A, V. LIII, 1960. Pag.
72. ― A vizinha capitania do Rio Grande (ou potengí) tinha sido começada a colonizar em princípios deste
século décimo sétimo por João Rodrigues Colaço. Recebera ele instruções para fundar ali uma vila, que, tendo
a ordem emanado do governo espanhol, foi posta debaixo do padroado de Santiago, e chamada do mesmo
nome, mas depois da revolução, reputando quiçá os portugueses aquele santo por demais votado aos interesses
da Espanha, privaram-no do seu protetotado, chamando de três reis a povoação.‖ SOUTHEY, Robert. História
do Brasil. São Paulo: Editora obelisco limitada. Terceira edição brasileira, quarto volume, 1965. Já outro autor
levantava outra hipótese: ―..Quanto ao fundador da cidade do Rio Grande (Natal), sustentamos a opinião de que
foi Manuel de Mascarenhas Homem, que detinha o posto de Capitão-Mor da conquista do Rio Grande, que lhe
fora concedido pelo próprio monarca Felipe II de Espanha.‖ MEDEIROS FILHO, Olavo de. Notas para a
História do Rio Grande do Norte. Centro Universitário de João Pessoa-PB, Março, 2001. Pag. 56.
4
3
Termo de vizita aos nove diaz do mêz de Abril do nassimento de N. Sr. Jezus Cristhus de
Hum Mil quientos e Coarenta e 5 annos se deo a premera vizita dos portuguezes ao território
interiorano inclusivi o Valle Sirido// como então he chammado pelos tapyuos jundoins vizitas
forão ocorridas n‘el logares Boucqueirãm d‘Cuo – riacho d‘Carnahubbas – quiquô – piancô
alem de outros c.mennos emportansia. Logo despos da vizita a essa dº zona pr. Elles prov. Do
El-Rey q. deos goarde um relatto ms. Aprasivel foe o do cuô e logares das Carnahubbas
habitados pelos tapuyos// essa vizita foi o prº. Contacto daquêlles tapuyos co‘ brancos
portuguezes si bm. Q.j. tinhão ido ao litoral escond.os.d. tupiz: se finalizando aqla. Vizita c.
offerenda de condimentos e prezentes d‘el-rey de Portugal aos tapuyos daq. Valle do Sirido e
eu conde Antº de Almmodovo prov.dr.real. de el-rey e e ajudante del portuguezes o escrevi e
razo d.q.uso. Conde Antº. de Almodovo. Ascinaturas de portuguezes q. vizitaram o sirido//
Antº. de Mendonça e Vasconcellos – Jozê Britto de Almdº. – Pero loppes de Macedo –
Controvérsias a parte, o certo é que João Rodrigues Colaço foi nomeado comandante do forte e capitão-mor da
capitania do Rio Grande do Norte em 18 de Janeiro de 1600, permanecendo no cargo até 05 de Julho de 1603. A
partir de 06 de Julho de 1603 assume Jerônimo de Albuquerque, sendo nomeado capitão-mor do Rio Grande do
Norte por um período de seis anos, indo sua gestão até 21 de Agosto de 1609, sendo substituído no cargo por
Lourenço Peixoto Cirne.
66
O primeiro engenho da capitania do Rio Grande foi o engenho Cunhaú, que pertencia aos filhos
(Antonio e Matias) de Jerônimo de Albuquerque. A produção de açúcar nesse engenho em 1630 já atingia de
6.000 a 7.000 arrobas (88 a 103 toneladas). Olavo de Medeiros Filho. Notas para a História do Rio Grande do
Norte. Centro Universitário de João Pessoa-PB, Março, 2001. Pag. 154.
67
SANTOS, Paulo Pereira. Evolução econômica do Rio Grande do Norte (séculos XVI a Século XX). Natal:
Clima, 1994, pág. 14. Citado por SILVA, Roberto Airon. Arqueologia colonial: As casas fortes (de pedra) como
unidades de defesa e ocupação no Rio Grande do Norte no século XVII. Caicó-RN:Revista Mneme.Dossiê
arqueologias, V. 6, Nr. 13, Dez/2004/Jan/2005. Pág. 09.
4
4
Natannael Gomes Soares. Separatta: paçado a limpo este termo de vizita no dia quinzi de
Janrº de Hum Mil e Seiscenttos & cincoentte annos. Gaspar Costa escrivao.68
Em relação à doação de sesmarias no interior do estado, em 20 de Agosto de 1605, o
Capitão-Mor do Rio Grande, Jerônimo de Albuquerque, concedia aos seus filhos Antonio e
Matias de Albuquerque, huas salinas que estão corenta leguoas daquy para a banda do norte,
não cultivarão nem se fez bemfeitorias, nem a terra serve pêra couza nenhua que pêra o sal
por sy cria. 69
O documento mais antigo referente à demarcação de terras no Seridó da capitania do
Rio Grande é o Auctos de demarcação do riacho de Carnahubas, de 11 de Abril de 1613,
lavrado no Cartório do arraial das Piranhas (livro 1º de notas do cartório de Pombal-PB),
contendo os seguintes termos:
No anno de nassimento de Nosso Sinhor Jezus Christo de Hum Mil e Seiscenttos e Trêzze
annos na capitania (...) do Brasil rio Grade se concordou em dimarcar o logar do riacho de
Carnahubas em ribeira do quinturure ou do Bico d‘Arara onde melhor foi dito. Concordarão
em se reunir tapuios homens brancos e negros na serra do Piauí na chapada q. sai hum riaxo p.
o leste do rio Cahã no prezente méis de apryll dia honzze demarcaçãos e os enteressados
(...) se louvarão na pessoa do cap. Mº Teodosio de Orggeste Maxado provedor reall de S.M.
Rey de Portugal (..) ao governadour geral do Brasil (...) Gaspar de Souza. Em pr.º logar
apariceo o rei Jandoi imperadô dos tapuios junduins allegando q. imperava nas dittas
terras cmº senhor de gaddos (...)// e lavouras rastêras. E por isso pediu ao Cap.Mº.
Teodosio de Orgeste Maxado nas dittas fraldas oito legoas de comprido por duas de larggo
peggando do marco iniciau a rocha em forma de pirâmide na serra do Piauí pasçando pelo
dito riaxo athe atingir o logar marimbondo.// E assim de si ter concordado.// Em segº. logar
apariceo o portugues (...) Cosme Fracº. De Bourbon alegdº. Que por data e sismaria (...) tinha
encontrado parte do ditto riaxo à dous annos atrás como fica ditto. E qº. por demarcassão de
68
MEDEIROS FILHO, Olavo de. Notas para a História do Rio Grande do Norte. Centro Universitário
de João Pessoa-PB, Março, 2001. Pág. 86. Livro de Notas do Cartório de Pombal – (PB) (1712-1719). ―A julgar
pela indicação de que esses lugares estavam no vale do Seridó e contando com a ajuda da tradição oral
supomos que o boqueirão do Cuó seja o atual boqueirão do município de Parelhas (MEDEIROS FILHO, 1984:
Pag.141); O riacho de Carnaúbas o atual rio Carnaúbas, município de Carnaúba dos Dantas (embora existam
riachos com esse mesmo nome nos municípios de Serra Negra do Norte, Caicó e Parelhas, cf. CASCUDO, 1968,
Pag. 80): O Queiquó como sendo o atual rio Seridó, no município de Caicó, anteriormente chamado de Acauã
(que em Tarairiu era CUÓ assim como QUEI significava RIO): e Piancó como a hoje região de Pombal (PB). ―
MACEDO, Helder Alexandre Medeiros de. Os documentos do cartório de Pombal e sua importância para o
entendimento da História colonial do sertão do Rio Grande do Norte. Revista Mneme, V. 5, nr. 12,
Out/Nov/2004. Págs. 03 e 04.
69
MEDEIROS FILHO, Olavo de. Notas para a História do Rio Grande do Norte. Centro Universitário
de João Pessoa-PB, Março, 2001. Pág. 96. Essas salinas estariam localizadas no atual município de Guamaré-
RN. Nota do autor.
4
5
S.M. três legoas de comprido por sette de largo pegando no marco do rei Jandoi fazdº. Peão
no logar rajada logar de inxames inumeraves. E ahi se emficou uhma baliza de pedra preta
representando suas terras// assim de si ter conccordado. Em tercrº. Logar apecereo us‘nêgos
do cap.mor de ordennânças fillipinas (...) Antº. de Mello Castrº. Ribrº. De nommes 1º -
Firminno de doze annos 2º - Antº. de vinte e tanttos annos 3º - Roberto de dizoito 4º Jerela de
dizanove. Dizem q. seo patrão em exponsa à atos criminaes comettidos contra elles ditos
negos timbús lh ‗oz prezenteou com huma legoa de comprido por meia de largo pegando do
marco do português Cosme Frcº de Borbon indo the o marco mães proxximo.// e assim de si
ter conccordado de S. M. provedor real. Apariceo em qrtº. Logar rei Canidê Fº do rei
jandoim alegdº q. possui neste sertan qtrº legoas de comprido e huma de largo, pegando do
marco dos negos Firminno Antº Roberto Jerella indo athe o logar caiissara de pedra do gentio
Pegas // e assim de si ter concordado // Em qtº logar apariceo o bânderãnte Luis Gomes
cobrador ezilado dos empostos reais foraggido da (...) de Portugal reyno unnydo e têem uma
jornada de legoas de fundos por meia de largo pegdº do marco anterior athe o sitio Acary dos
ditºs bárbaros brabos canidês junduins. // e assim de si ter concordado. // 30 legoas (...) p.o
provedor. // Em sextº logar apariceo o rei jandoi c. seos titullos já declarados alegdº q. tem
mães quatro legoas de comprido pr. Meia de largo, e assim pegou do marco do banderãnte
Luis Gomes ate o logar q. se thêm dito Eirmo de annuns. Em últmº logar apariceo o gentio
Pega pr. Seu rei Pecarroy alegdº que possue aq. nestte riaxo novecenttas brassas de fundo
pr. Trintta e quatrº e meã de largo pegando do marco do rei jandoi e seus tapuios indo the a
pedra pirâmide da serra Piauí onde se princippiou a demarcasção e findou agrº.// ainda com
infformassoes comprementales o prvdº reall informa aos enteressados do reyno unnydo q.
o dito riacxho de Carnahubas foi inicialmº esplorâdo por gentio junduins emapqº com si.
Tem de estenção territorial o dº riaxo vinte braças de largura pegdº duma margim a ôtra. De
comprimtº estendeçe omologado desde o boqrº do Pucuchyy athe o rio Cahã desagoando la //
nelle qdº secos são coltivados lavouras e os abitantº cream seos gados vaccuns; exsseção dos
negos escrvº // nel. Dº riaxho (...) não há casa (...) taipa (...) taipa ou habitaçons // não ser dos
tapuios – pedras prettas (...) os dº abaicho assignados são donos das extençoens resttantes
territoreais deles dºs. Korê tapuio a rogo dos reys jandoy e canydê // Cosme Frcº de
Bourbon // Antº de Mello Castro Ribrº a rogo dos negos // Luys Gommes // Rey Pecca
oroaçuyt // de S.M. a sua partida enteressou de govern-ger. Gaspar de Souza. Esta escriptura
foi paçada a limpo hoje por mim escrivão do cargo de S. M., Antº de Macedo Rocha Farias
escrivão. Cidade do Natal em dizanove dias do mês de janrº de mil seiscenttos e sessenta
annos. Anessa-se a do cartório competente do arraial das Piranhas. Nota do escrivão – a
presente escriptura encontrasse juntto a mais dizanove escripturas no arquivo do Cap.
Portuguêzza. Os outros locaes demarcados tão bem são do valle do siridô e ribera quinturure.
4
6
A.M.R.F. 70
70
Notas para a História do Rio Grande do Norte. Centro Universitário de João Pessoa-PB, Março, 2001.
Pág. 87 a 90. Livro de Notas do Cartório de Pombal – (PB) (1712-1719).
4
7
A família Araújo Pereira (em 1734 obtém data de terra no Seridó); a família Dantas Correia,
procedente da Paraíba e de Pernambuco, instala-se em Acari; os Azevedo Maia instalam-se
em Jardim do Seridó; os Batista, em Caicó; os Medeiros, de procedência portuguesa, no
começo do século XVIII passam pela Paraíba e se espalham por todo o Seridó; os Lopes
Galvão, procedentes de Portugal, se instalam por todo o Seridó, especialmente Currais Novos
e Acari; os Bezerra de Menezes, vindos de Pernambuco, se instalam em Acari e Currais
Novos; os Fernandes Pimenta, procedentes da Paraíba, entre os séculos XVII e XVIII,
dirigem-se ao Seridó.72
71
MACEDO, Muirakytan. História e espaço seridoense entre os séculos XVII e XIX. Revista de humanidades, nr.
09, V. 03. UFRN, Natal-RN Jan/Mar/2004.
72
SILVA, Marcos. ARRAIS, Raimundo. CAVENAGHI, Airton José. Atlas Histórico do Rio Grande do
Norte. A “Guerra dos Bárbaros” e o sertão do Rio Grande. (fascículo 6). Projeto LER (Governo do Estado do
Rio Grande do Norte), Natal-RN, Junho/2006. Pag. 16.
73
SALES JÚNIOR, João Evangelista de. MARQUES, Euriala Belízia Fernandes. O povoamento da bacia do
Piranhas-Açu. Cadernos de História, Editora Universitária da UFRN: Volume 02, Número 02 –
Julho/Dezembro/1995. Pag. 30.
4
8
Sertões de Fora.
Sertões de Dentro.
Figura 19 - Mapa com as rotas de povoamento do interior nordestino nos séculos XVII e
XVIII.
Por outra vertente, vindos da faixa litorânea próxima a Natal e sempre margeando os
rios, em especial, o Potengi e o Jundiaí, os colonizadores portugueses investiam na produção
de cana-de-açúcar, farinha, e procuravam fundar pequenas fazendas de gado (ciclo do couro).
74
―Toda uma viagem através de personagens, situações e discursos, para no final descobrirmos que a idéia de
sertão que carregamos ainda hoje traz em seu bojo a imagem de região selvagem e inóspita que o imaginário
barroco açucareiro já construíra antes mesmo de iniciada à guerra dos bárbaros.” SILVA, Kalina Vanderlei Paiva
da. “Nas vastas solidões e assustadoras‖ – Os pobres do açúcar e a conquista do sertão de Pernambuco nos séculos
XVII e XVIII. Tese de Doutorado, UFPE, Recife, 2003. Pag. 332.
4
9
Essas fazendas eram levantadas às margens dos rios, por questões óbvias, ou seja, a
proximidade da água:
Adquirida a terra para uma fazenda, o trabalho primeiro era acostumar o gado ao novo pasto,
o que exigia algum tempo e bastante gente; depois ficava tudo entregue ao vaqueiro. A este
cabia amansar e ferrar os bezerros, curá-los das bicheiras, queimar os campos alternadamente
na estação apropriada, extinguir onças, cobras e morcegos, conhecer as malhadas escolhidas
pelo gado para ruminar gregàriamente, abrir cacimbas e bebedouros. ........ Pode-se apanhar
muitos fatos da vida daqueles sertanejos dizendo que atravessaram a época do couro. De
couro era a porta das cabanas, o rude leito aplicado ao chão duro, e mais tarde a cama para os
partos; de couro todas as cordas, a borracha para carregar água, o mocó ou alforge para levar
comida, a maca para guardar roupa, a mochila para milhar cavalo, a peia para prendê-lo em
viagem, as bainhas de faca, as broacas e surrões, a roupa de entrar no mato, os banguês para
cortume ou para apurar sal; para os açudes, o material de aterro era levado em couros puxados
por juntas de bois que calcavam a terra com seu peso; em couro pisava-se tabaco para o
nariz..75
O gado iria se adaptar muito bem as terras do Rio Grande do Norte, principalmente
nos pastos existentes nas margens dos rios que provinham do interior do Estado:
Claro que essa ocupação geraria conflitos inevitáveis com os índios tapuias,
especialmente os que viviam as margens dos rios do vale do Açu e os do seridó. Mas a
principio, apesar das desconfianças iniciais dos tapuias, não ocorreriam grandes atritos. Os
índios já tinham experiência nos contatos com os piratas brancos do litoral77, através do
75
ABREU, Capistrano de. Capítulos de História Colonial. Capítulo IX.
76
História do Brasil Geral e Regional. 2. Nordeste – Editora Cultrix: São Paulo, 1967. Pág. 67.
77
Existem informações historiográficas sobre a presença de piratas franceses delta do rio Piranhas/Assu
desde o início do século XVI, inclusive com penetrações de embarcações ao interior em até 50 km. FILHO,
Olavo Medeiros. Notas para a História do Rio Grande do Norte. Centro Universitário de João Pessoa-PB,
Março, 2001 (Capítulo ―A costa dos potiguares e a presença francesa‖ – Pág. 21 a 26).
5
0
Por todo o correr da centúria (século XVIII) a concessão de sesmarias fixa a população no
ciclo do gado. É a era das fazendas de criar, o nascimento da gesta dos vaqueiros. 79
Quando ali há falta de sal, o capitão-mor do dito forte do Rio Grande manda uma ou duas
barcas de 45 a 50 toneladas, a um lugar 60 milhas mais para o norte onde há grandes e
extensas salinas que a natureza criou por si; ali podem carregar, segundo muitas vezes ouvi
78
CASCUDO, Luís da Câmara. Nomes da terra. Natal: Fundação José Augusto, primeira edição, 1968.
Pág. 154.
79
CASCUDO, Luís da Câmara. História do Rio Grande do Norte. 2 edição. Rio de Janeiro: Achiamé, Natal:
Fundação José Augusto, 1984. Pág.107.
80
―Mas a zona das salinas, sabidamente identificada pelo português desde fins do século XVI, é que teve
rápida ocupação industrial pela mão batava, ajudada pela indiada que depois se revoltou e matou os brancos‖.
CASCUDO, Luís da Câmara. História do Rio Grande do Norte. 2 edição. Rio de Janeiro: Achiamé, Natal: Fundação
José Augusto, 1984. Pág. 89. No trabalho do Barão de Studart, Datas e Factos para a História do Ceará, existe o
relato de que: ―... em 1607, os jesuítas Francisco Pinto e Luiz Filgueira, na tentativa de catequese da serra de
Ibiapaba, embarcaram no Recife em um barco que ia carregar sal nas salinas de Mossoró‖ (ROSADO, Vingt-um.
ROSADO, Amélia. Os holandeses nas salinas do rio Mossoró. Coleção Mossoroense, Volume 333, 1987. Pág. 228).
Outra versão historiográfica relata que os padres Francisco Pinto e Luiz Figueira seguiram a 20 de Janeiro de 1607
do Recife por mar em um barco que ia buscar sal no rio Jaguaribe .GALANTI, Padre. Raphael M. História do Brasil.
Editora Duprat: São Paulo, segunda edição,1911. Pag.385. Em outra versão, está mencionado que os jesuítas
Francisco Pinto e Luís Figueira partiram-se os dois em 20 de Janeiro de 1607, de Pernambuco, numa barcaça que,
devendo voltar carregada de sal, iria ao Jaguaribe. Conduziam 60 índios, das greis Tupinambás, Potiguara e
Tabajara, sob as ordens de Belchior da Rosa e muitos deles prisioneiros de Pero Coelho, agora restituídos, por
determinação real, aos seus parentes. GIRÃO, Raimundo. Pequena História do Ceará. Editora Instituto do Ceará:
Fortaleza-CE, Segunda edição, 1962. Pag. 47-48.
5
1
de barqueiros que dali vinham com carregamentos de sal, mais de 1.000 navios com sal, que é
mais forte do que o espanhol e alvo como a neve. 81
81
Memória apresentada ao Conselho político do Brasil, em 20 de maio de 1630, por Adriano Werdonck.
MEDEIROS FILHO, Olavo de. (Notas para a História do Rio Grande do Norte. Centro Universitário de João
Pessoa-PB, Março, 2001. Pag. 104-105).
82
―Era ainda de grande importância a posse de Siará, conforme Maurício declarou, antes da rendição do
forte, numa carta escrita em 16 de novembro de 1637, aos Estados-Gerais (Arquivos Reais): E uma terra onde
não sómente se encontra o âmbar cinzento como o sal, e em tal quantidade que, si Deus nos conceder essa
graça, os nossos navios não precisarão mais ir buscá-lo nas Índias do Oeste, porque ali o encontrarão à
vontade‖. NETSCHER, P.M. Os holandeses no Brasil. Notícia histórica dos países-baixos e do Brasil no século
XVII. Coleção Brasiliana. Tradução Mario Sette. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1942. Págs. 161-162.
83
Uma das versões historiográficas (NIEUHOF, Joan. Memorável viagem marítima e terrestre ao Brasil
Belo Horizonte: Editora Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1981. P. 92 e 93) menciona
que em ―janeiro de 1644, os indígenas que trabalhavam nas salinas se rebelam contra o não pagamento de seus
trabalhos e matam vários holandeses, inclusive seu comandante, Gedion Morris Jonge‖. Outra versão (NOBRE,
Manoel Ferreira. Breve notícia sobre a província do Rio Grande do Norte. Rio de Janeiro: editora Pongetti, 1971.
Pág. 93) menciona que ―em janeiro de 1644, alguns tapuios, de volta do Outeiro da Cruz (Maranhão), onde
tinham estado em combate, entram nas salinas de Mossoró e degolam os trabalhadores que aí se achavam”.
Outra versão (BARLÉU, Gaspar. História dos feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil. Belo
Horizonte: Editora Itatiaia, 1974. Pag. 237) menciona que: ―Depois da expedição do Chile, soube Nassau que
estalara no Ceará nova revolta. Bandos de brasileiros, chamados à guerra, tinham tomado ardilosamente o
forte ocupado pelos holandeses e o arrasaram, trucidando o governador Gedeão Morritz, todos os soldados da
guarnição e até os trabalhadores estabelecidos não longe dele, nas salinas do Upanema”. A versão
historiográfica mais aceita é a de que Morris foi morto no Ceará em Janeiro de 1644, juntamente com sua
guarnição, conforme relata Câmara Cascudo (Notas e Documentos para a História de Mossoró. Coleção
Mossoroense, Volume 2, Pág. 18): ―Morris, em abril de 1642, estava em São Luís do Maranhão. Não mais
voltaria às salinas. Morreu no massacre do Ceará em Janeiro de 1644.”
84
Carta datada de 14 de Fevereiro de 1641, do holandês Gedeon Morris (comandante do fortim São
Sebastião, na capitania do Ceará), endereçada ao Supremo Conselho em Recife, informando da necessidade de
exploração comercial das salinas do rio Upanema, na capitania do Rio Grande do Norte. (ROSADO, Vingt-um.
5
2
A exploração do sal nas salinas do rio Upanema pelos holandeses é intensa no ano de
1641, com vários navios sendo carregados de sal e utilizando a mão de obra dos tapuias, pois
havia nas vizinhanças seguramente trinta nações diversas de tupuias, das quais apenas dez
viviam em amizade conosco. 85 O tenente Gedeon Morris chega a mencionar que antes de sua
partida da capitania do Ceará em direção ao Maranhão, havia nas salinas de Wypanim carga
para quatorze navios. Ignoro o que se fez depois que de lá me ausentei. Ouvi dizer que três
navios lá foram carregar. 86
Entretanto, essa exploração sofre um duro revés em 1642, quando se espalha um surto
de varíola matando a maior parte dos tapuias que trabalhavam nas salinas e afugentando os
sobreviventes para o interior da capitania do Rio Grande:
O mal que sofreram as outras capitanias com a mortandade dos negros, sobreveio a esta
capitania (do Rio-Grande), bem como a da Paraíba e de Itamaracá com a morte dos índios,
pois a enfermidade das bexigas (a mesma que nos tem levado os negros) grassou tão
violentamente entre eles que aldeias inteiras quase se extinguiram de todo, retirando-se os
sobreviventes para os matos, por não ouzarem permanecer por mais tempo em suas
habitações....... Essa enfermidade também deu causa a que os três navios, de que
tratamos na nossa carta anterior, não pudesse haver sal em Upanema, pois os índios,
que fora para ali mandados a fim de secar o sal e pô-lo a bordo dos navios, fugiram com
medo da doença. 87
ROSADO, Amélia. Os holandeses nas salinas do rio Mossoró. Coleção Mossoroense, Volume 333, 1987. Pág.
136).
85
Dagelysche Notulen de 28 de Novembro de 1641, respondendo a uma correspondência do comandante
(Fortim de São Sebastião na capitania do Ceará) holandês Gedeon Morris datada de 08 de Outubro de 1641.
ROSADO, Vingt-um. ROSADO, Amélia. Os holandeses nas salinas do rio Mossoró. Coleção Mossoroense,
Volume 333, 1987. Pág. 136).
86
Carta do tenente holandês Gedeon Morris, datada de 07 de Abril de 1642, à Câmara da Zelândia.
ROSADO, Vingt-um. ROSADO, Amélia. Os holandeses nas salinas do rio Mossoró. Coleção Mossoroense,
Volume 333, 1987. Pág. 171).
87
Carta do Supremo Conselho do Brasil endereçada a Companhia das Índias Ocidentais, datada de 18 de
Fevereiro de 1642, relatando a doença da varíola entre os índios nas salinas do rio Upanema. ROSADO, Vingt-um.
ROSADO, Amélia. Os holandeses nas salinas do rio Mossoró. Coleção Mossoroense, Volume 333, 1987. Pág. 160.
5
3
trabalhadores das salinas do rio Upanema, inclusive os brancos holandeses. A causa dessa
revolta pode ter sido os maus tratos e a falta de pagamento aos índios:
Não sabemos ainda qual a origem dessa inesperada inimizade; mas suspeitamos que os
índios não foram tratados e recompensados pelos seus trabalhos nas salinas e em outras
partes, como as nossas ordens recomendavam, o que causou a desinteligência e inimizade
deles contra a nossa nação.88
A partir de 1645 não existem mais notícias sobre a extração de sal pelos holandeses
nas salinas do rio Upanema, pois após as tréguas dos dez anos com os portugueses, e depois
que a varíola dizimou ali a população, e por causa das despesas maiores que os lucros,
foram elas abandonadas. 89
Portanto, nos séculos XVII e XVII, o Rio Grande foi basicamente um centro de
abastecimento de mercadorias para a Capitania de Pernambuco, fornecendo matérias primas
como couro, carne de gado, sal e mão de obra indígena:
Sob o ponto de vista da economia colonial, a Capitania do Rio Grande foi uma zona marginal
em relação à economia açucareira do Nordeste. Manteve esse papel abastecedor durante os
períodos de estabilidade, fornecendo gado, couro, sal, pesca e índios aplicados no trabalho
servil, como guerreiros nas conquistas de outras fronteiras ou como povoadores de seus
limites, mas nas regiões centrais originárias, a conquista decisiva foi seguida rapidamente de
uma desmilitarização e de um longo período de consolidação. 90
88
Carta do Supremo Conselho do Brasil a Companhia das índias Ocidentais, datada de 05 de Abril de 1644,
relatando os prováveis motivos da revolta no Ceará e nas salinas do rio Upanema. ROSADO, Vingt-um. ROSADO,
Amélia. Os holandeses nas salinas do rio Mossoró. Coleção Mossoroense, Volume 333, 1987. Págs. 217-218.
89
BARLÉU, Gaspar. História dos feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil e noutras
partes sob o governo do ilustríssio João Maurício Conde de Nassau, (1647), trad. Port. Belo horizonte/São Paulo,
Itatiaia/Edusp, 1974. Pág. 235.
90
PORTO, Maria Emília Monteiro. Fronteira: Jesuítas e missões no Rio Grande colonial.
http://www.cafefilosofico.ufrn.br/emilia.htm. Acessado em 22 de Março de 2006.
5
4
No estado potiguar foram utilizados vários métodos para dominação e subjugação dos
indígenas, entre os quais podem ser citados: o sistema de Reduções91, o sistema do
Descimento92 e o Aldeamento. 93
Esses três métodos foram utilizados com os tapuias do Rio Grande do Norte, dos quais
os sistemas de descimentos e aldeamentos tenham sido os mais drásticos no período colonial,
pois o deslocamento no espaço implicava rupturas consideráveis no modus vivendi indígena,
antes de tudo porque se fez através de mecanismos usuais na pratica da escravidão, ou seja,
por meio dos descimentos. “Descer” ou fazer “descer” os índios significava deslocá-los do
interior – “os sertões” – para o litoral e fixá-los nas proximidades das vilas e engenhos
coloniais.94 O método do descimento seria utilizado e reverteria em grandes prejuízos aos
índios Canindés quando da assinatura do tratado de paz em 1692 no decorrer da ―guerra dos
bárbaros‖. O sistema do descimento seria adequado para os ―índios de pazes‖, ou que não
―dessem tanto trabalho‖ para o processo migratório do colonizador em direção ao sertão
potiguar:
A política para esses "índios de pazes", "índios de aldeias" ou "índios amigos" seguiu o
seguinte itinerário ideal: em primeiro lugar, devem ser "descidos" , isto é, trazidos de suas
aldeias no interior ("sertão") para junto das povoações portuguesas; lá devem ser catequizados
e civilizados, de modo a tornarem-se "vassalos úteis" , como dirão documentos do século
XVIII. Deles dependerá o sustento dos moradores, tanto no trabalho das roças, produzindo
gêneros de primeira necessidade, quanto no trabalho nas plantações dos colonizadores. Serão
eles os elementos principais de novos descimentos, tanto pelos conhecimentos que possuem
da terra e da língua quanto pelo exemplo que podem dar. Serão eles, também, os principais
91
MEDEIROS, Ricardo Pinto de. (2000): ―processo em que os povos indígenas aceitam viver em contato
com os portugueses sob a vassalagem do Rei de Portugal, de forma pacífica, através do convencimento, ou de
forma violenta, ou através de um acordo de paz‖.
92
MEDEIROS, Ricardo Pinto de. (2000): ―onde ocorre o deslocamento dos indígenas para o litoral para
viverem próximos aos portugueses‖
93
MEDEIROS, Ricardo Pinto. (2000): ―localização dos indígenas em aldeias‖.
94
VAINFAS, Ronaldo (direção). Dicionário do Brasil Colonial (1500-1808). Rio de Janeiro, Ed.
Objetiva, 2000 pg. 21.
5
5
De acordo com informações de Jesuítas, datadas do início da colonização ao século 18, havia
uma grande quantidade de índios na região litorânea de nosso Estado. Só nas imediações de
Natal, eram cerca de 6 mil nativos em aproximadamente cem aldeias.
De acordo com anotações dos jesuítas, em 1603 havia 64 aldeias potiguaras na mesma região
— 26 aldeias a menos. Em 1613, dez anos depois, os índios estavam restritos a apenas oito
aldeias que, segundo afirma Pero de Castilla, não passavam de aldeotas. Em 1620, Domingos
da Veiga, um conhecido comerciante da região, relata a existência de apenas quatro aldeias
potiguaras.96
As famílias eram desmembradas, os índios eram repartidos, para que não permaneçam unidos,
as mulheres ficavam com as crianças e os homens eram mortos, escravizados, serviam no
exército ou trabalhavam nas fazendas, nas pescarias e nas salinas. É verdade que a política
indigenista desde os primeiros momentos da colonização favoreceu a miscigenação. Por
exemplo, nas aldeias, através das suas ações evangelizadoras ou do trabalho forçado, os
jesuítas tentavam realizar uma integração dos diferentes segmentos da sociedade colonial, o
95
PERRONE, Beatriz. Índios livres e índios escravos. Os princípios da legislação indigenista do período
colonial (séculos XVI a XVIII). hemi.nyu.edu/course-rio/perfconq04/materials/text/livres.html - 93k. Acessado
em 13 de Junho de 2007.
96
LOPES, Fátima Martins. Índios: Uma busca pelo reconhecimento. Reportagem do diário Tribuna do
Norte, datada de 12 de Junho de 2005.
5
6
97
CAVIGNAC, Julie A. A etnicidade encoberta: índios e negros no Rio Grande do Norte. Revista
eletrônica Mneme, Vol 05, nr. 08 (Agosto/2003). Pag. 12-13.
98
CAVIGNAC, Julie A. A etnicidade encoberta: índios e negros no Rio Grande do Norte. Revista
eletrônica Mneme, Vol 05, nr. 08 (Agosto/2003). Pag. 13.
5
7
99
Inclusive quase todas as descrições que existem dos índios tapuia derivaram justamente das obras
narradas desses emissários e/ou viajantes ocasionais.
100
MEDEIROS FILHO, Olavo. Os holandeses e a serra de João do Vale. Mossoró: Coleção mossoroense,
série C, PAG. 02.
101
Hulsman, Lodewijk. Antonio Paraupaba e a aliança potiguar-holandêsa. Guerras e Alianças na
História dos índios: Perspectivas Interdisciplinares 2005. Disponível em
http://www.ifch.unicamp.br/ihb/Textos/LHulsman.pdf. Acessado em 14 de Dezembro de 2006.
5
8
morreram o proprietário do engenho, Francisco Coelho, sua mulher, cinco filhos e mais 60
pessoas. 102
Em 1634, logo após a conquista da Capitania do Rio Grande pelas forças flamengas, foram
mantidos contatos com os tapuias de Caracará, com vistas a serem colhidas informações
daqueles silvícolas sobre a geografia da Capitania. O chefe Caracará deu notícia de uma
montanha elevada chamada pelos seus de POOKICIABO e pelos indígenas potiguares (Pegas)
de PEPETAMA.103
O trabalho desses índios, que não são escravos, é retribuído com uma mesquinha paga, pois
por um machado e um facão trabalham voluntariamente um ano inteiro, notando-se que os
portugueses não costumavam dar-lhes mais do que três varas de pano ou um machado, e
muitas vezes nada absolutamente lhes davam. 105
102
SOUZA, Carlos de. Nós, do RN.... (A era das atrocidades – o massacre de ferreiro torto) Diário oficial
do Estado do Rio Grande do Norte. Ano II –Nº 20 –Julho/2006. Pag. 05.
103
O termo Caracará era usado também em referência ao próprio rei Janduí, ou seria um seu irmão, e a
montanha denominada de POOKICIABO é a atual Serra de João do Vale. MEDEIROS FILHO, Olavo. Os
holandeses e a serra de João do Vale. Mossoró: Coleção mossoroense, série C, Pag. 02.
104
―Os salários dos índios eram pagos em gêneros, especialmente em panos de algodão‖, conforme
resolução do Conselho supremo holandês, datada de 16 de Abril de 1638. MELLO, José Antonio Gonçalves de.
Tempo dos Flamengos. Segunda Edição, Governo do Estado de Pernambuco, Recife-PE, 1979. Pág. 206.
105
JONGE, Gedeon Morris de. Breve descrição apresentada aos Srs. Diretores da outorgada Companhia
das índias Ocidentais, delegados à assembléia dos dezenove sobre os lugares situados no Brasil setentrional
denominados Maranhão, Ceará, Cametá, Grão-Pará e outros rios compreendidos na bacia do famoso rio do
Amazonas, onde os portugueses tem assento, co toda disposição e circunstâncias respectivas, como deixei no
último de Novembro de 1636. In: HIGINO, José. No tempo do domínio holandês no Brasil. Citado no capítulo
―Relatórios e cartas de Gedeon Morris de Jonge‖, da obra: ROSADO, Vingt-um. ROSADO, Amélia. Os holandeses
nas salinas do rio Mossoró. Coleção Mossoroense, Volume 333, 1987. Pág. 84.
5
9
Mas observo, que Deus nos castiga por causa da grande e opressiva impiedade aqui praticada
pelos nossos para com os moradores. Como V.Ex. e VV.SS. me recomendaram que eu
indagasse donde resultou a aversão contra os nossos, sou em sã consciência obrigado a revelar
a verdade. A origem de todo mal é somente a cubiça da inconstante riqueza. Por cubiça
têm sido de tal modo vexados e constrangidos os pobres índios, homens e mulheres, a
trabalhar para os portugueses (e isto sem o devido pagamento), que os índios, em vez de
receber de nós alívio, ficaram sujeitos a maior captiveiro.107
106
SCHALKWIJK, Frans Leonard. Índios protestantes no Brasil holandês. Revista História Viva. Edição
nr. 04 – Fevereiro de 2004.
107
Carta do Tenente Holandês Gedeon Morris endereçada ao Supremo Conselho, datada de 29 de Janeiro de
1643, de São Luís do Maranhão. ROSADO, Vingt-um. ROSADO, Amélia. Os holandeses nas salinas do rio
Mossoró. Coleção Mossoroense, Volume 333, 1987. Pág. 194.
108
MONTEIRO, Denise Mattos. Introdução a História do Rio Grande do Norte. Natal: Editora da
UFRN, 2000. P. 49
109
― João Maurício assegurou à direção da Companhia, que os seus officiaes só occasionalmente haviam
comprado prisioneiros aos tapuyas, exportando-os em seguida aos plantadores do Maranhão‖. WÄTJEN,
Hermann. O domínio colonial hollandez no Brasil. Um capítulo da história colonial do século XVII. Edição
original em 1923, Holanda. Traduzido por Pedro Celso Uchoa Cavalcanti em 1938. São Paulo: Companhia
Editora Nacional, 1938. Pag. 408.
6
0
Essa relação de amizade era estimulada também pelos governantes holandeses como
uma das estratégias de ocupação territorial utilizando as forças dos próprios indígenas,
principalmente os tapuias, que foram procurados pelas forças holandesas com ofertas de
cooperação mútua tanto no vale do Açu como no Rio São Francisco:
.....Da amizade dos índios depende em parte o sossego e a conservação da colônia do Brasil e
que se tendo isto em vista deve-se-lhes permitir conservar a sua natural liberdade, mesmo aos
que no tempo do rei de Espanha caíram ou por qualquer meio foram constrangidos à
escravidão, como eu próprio fiz, libertando alguns.111
110
SCHALKWIJK, Frans Leonard. Índios protestantes no Brasil holandês. Revista História Viva.
Edição nr. 04 – Fevereiro de 2004.
111
Relatório do Conde Maurício de Nassau aos Estados Gerais, apresentado na sessão de 27 de Setembro
de 1644. MELLO, José Antonio Gonçalves de. Tempo dos Flamengos. Segunda Edição, Governo do Estado de
Pernambuco, Recife-PE, 1979. Pág. 200.
6
1
O chefe Janduí112 ou Nhanduí chegou a vir a Natal, provavelmente, no início de 1638, para
um encontro com o governador holandês Maurício de Nassau, no castelo de Keulen, atual
forte dos Reis Magos113. No próprio brasão de armas que Nassau deu a cidade de Natal pelos
holandeses em 1639, havia o desenho de uma ema (fig. 22), homenagem feita aos janduís,
principais aliados dos interesses holandeses no interior da capitania. A ema era um símbolo de
agilidade e Cascudo menciona que não houve durante os oito anos de administração de
112
Tudo leva a crer que o chefe Janduí, como é chamado por alguns autores, e o chefe Nhanduí, chamado
por outros autores, pode ter sido a mesma pessoa ou personagens históricos com a mesma denominação em
períodos cronológicos diferenciados. O que mais difere entre eles é a localização geográfica de suas aldeias. Os
autores que mencionam a expressão Janduí situam a localização de sua aldeia no vale do Açu, exatamente onde é
hoje a igreja da matriz da atual cidade de Açu-RN. Já o chefe Nhanduí teria habitado em uma aldeia próxima aos
rios Picuí e Acauã, na lagoa de Macaguá (conhecida hoje como açude da gargalheira), no atual município de
Acari-RN. Nhanduí se deslocaria anualmente em busca da Serra do Macaguá (atual Serra de Santana), para a
colheita do caju e porque a anual peregrinação a serra durante o solstício de Junho estava marcada
inteiramente pelo rito coletivo de passagem das crianças jovens, e do casamento coletivo da nova geração de
adultos. A atual Serra de Santana era conhecida antigamente como Macaguá ou Acauã. TEENSMA, B.N. Diário
de Rodolfo Baro (1647) Como monumento aos índios tarairiús do Rio Grande do Norte. O termo Janduí é de
origem tupi, sendo uma corruptela de Nhandu-í (ema pequena), daí a utilização do nome do chefe indígena de
forma diferenciada pelos autores. Em 1640, Jacob Rabi mencionava um encontro com o rei Janduí que já teria
na época mais de 100 anos. Em 1648, Nieuhof diz que a idade do rei Janduí seria de 120 anos. Portanto o rei
janduí do período da ocupação holandesa não poderia ser o mesmo do período da ―guerra dos bárbaros‖ (onde
passa a existir nos documentos históricos o nome do rei Canindé, filho do rei janduí, e representante dos índios
Janduís, nos principais combates e nas negociações de paz). ALMEIDA, Horácio de. História da Paraíba. Editora
Universitária, 1978, João Pessoa-PB. Pág. 266. Existe um documento nos arquivos do cartório de Pombal-PB,
datado de 11 de Abril de 1613 (passado a limpo em 19 de Janeiro de 1660, na cidade de Natal-RN) sobre
demarcação de terras no Seridó potiguar, onde aparecem novamente os nomes do rei Jandoi imperadô dos
tapuios junduins e do rei canidé filho do rei jandoin. MACEDO, Helder Alexandre Medeiros de. Os documentos
do cartório de Pombal e sua importância para o entendimento da História colonial do sertão do Rio Grande do
Norte. Revista Mneme, V. 5, nr. 12, Out/Nov/2004. Como era costume das tribos tapuias manterem o mesmo
nome de seus reis, pode ter ocorrido a existência de mais de um rei chamado de rei Janduí, assim como mais de
um rei com a denominação de Canindé. Cascudo menciona que ―Janduí, cuja tribo usava seu nome se
realmente não fosse o do totem, a ema-pequena, nhandu-í”( CASCUDO, Luís da Câmara. História do Rio
Grande do Norte. 2 edição. Rio de Janeiro: Achiamé, Natal: Fundação José Augusto, 1984.pag. 66).
113
―Pelo final de 1637, esteve no castelo Keulen (atual forte dos reis magos), o conde Maurício de
Nassau, governador do Brasil holandês. Nassau fora acometido de febres palustres, o preço por ele pago à sua
adaptação ao clima tropical. Na sua estada em Natal, João Maurício foi visitado pelo famoso rei Janduí, o
centenário maioral dos tapuias, com quem o conde selou uma forte amizade‖. MEDEIROS FILHO, Olavo de.
Aconteceu na capitania do Rio Grande. Departamento Estadual de Imprensa, Natal-RN, 1997. Pág. 26.
―Contraíra Maurício uma das febres comuns no país e esteve seriamente doente durante uns três meses.
Aclimatado, porém, pôde reassumir suas funções com a costumeira atividade e realisou logo uma viagem de
inspecção às Capitanias de Paraíba e Rio Grande, ao norte do Recife.‖ NETSCHER, P.M. Os holandeses no
Brasil. Notícia histórica dos países-baixos e do Brasil no século XVII. Coleção Brasiliana. Tradução Mario
Sette. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1942. Pag. 163. ―Em fins de 1637 João Maurício adoeceu
gravemente, é provável que de paludismo. Graças à sua forte constituição, sarou depressa, e após uma viagem
de inspecção que fez a cavalo à Paraíba e ao Rio Grande do Norte, já em abril de 1638 estava pronto para
novos cometimentos. Nessa estadia em Natal, Nassau cria a Câmara de Escabinos, uma espécie de Câmara
Municipal composta por holandeses e portugueses, sendo nomeado um Esculteto para dirigi-la.‖ BOXER, C.R.
Os holandeses no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, Coleção brasiliana, V. 312, 1961. Págs. 120-
121.
6
3
Nassau, um indígena de maior nem mais decisiva importância militar e política. 114
114
CASCUDO, Câmara. Os Holandeses no Rio Grande do Norte (1949). Coleção Mossoroense, Série C,
Volume 792, Mossoró-RN, 1992. Pág. 57.
6
4
Além das relações de amizade com os índios tapuias, havia também, certa preocupação
dos batavos com a educação e a conversão dos ―gentios‖ ao calvinismo, como uma forma de
manter a dominação ideológica, sendo adotadas algumas medidas nesse sentido.
Entre algumas dessas medidas, seis índios115 da capitania chegaram a ser enviados para
a Europa, para estudar na Holanda, como por exemplo, o índio da tribo dos potiguares,
Antonio Paraopaba,116 que adotaria a religião protestante e seria nomeado117 pelos holandeses,
115
Os seis índios foram: Gaspar Paraupaba (50 anos), André Francisco (32 anos), ambos do Ceará, Pieter
Poty, Antonio Guiravassanay, Antonio e Luis Gaspar, todos da baía da traição. MELLO, José Antonio Gonçalves
de. Tempo dos flamengos. Terceira edição. Recife: FUNDAJ, Ed. Massangana, Instituto Nacional do Livro, 1987.
Pag. 198. ―O primeiro contato entre os brasilianos e a Companhia das Índias Ocidentais ocorreu em Salvador.
Com a perda da cidade, em 1625, o almirante da frota holandesa seguiu para o norte e aportou na baía da traição
à nove quilômetros ao norte da Paraíba. Os índios locais, da tribo potiguar, viram nos holandeses os seus
libertadores do jugo português e muitos quiseram embarcar quando a frota partiu. Apenas seis jovens índios
conseguiram seguir para a Holanda, enquanto a tribo procurava refúgio na mata para fugir da vingança dos
portugueses. Os seis índios potiguares - entre eles o índio Pedro Poti - permaneceram durante cinco anos nos
Países Baixos, onde foram alfabetizados e instruídos na religião reformada. Pouco depois da invasão de
Pernambuco, alguns desses índios foram enviados de volta ao Brasil para servirem de línguas (tradutores) no
contato com seus compatriotas nas aldeias nordestinas‖. SCHALKWIJK, Frans Leonard. Índios protestantes no
Brasil holandês. Revista História Viva. Edição nr. 04 – Fevereiro de 2004.
116
Antonio Paraopaba (que era filho de Gaspar Paraupaba, um dos seis índios que foi para a Holanda em
1625) visitou a Holanda (em 1654) onde apresentou ao governo holandês um memorial onde mostrava o estado
miserável e digno de piedade da nação brasileira, requerendo ajuda e assistência. DANTAS, Beatriz G.
SAMPAIO, José Augusto L. CARVALHO, Maria Rosário G. de. Os povos Indígenas no Nordeste Brasileiro IN:
História dos índios no Brasil. Org. Manuela Carneiro da Cunha. Companhia das Letras, 1992. Pág. 440. Chegou
a estudar por cinco anos em Amsterdam, onde aprendeu holandês e converteu-se ao calvinismo. Após a derrota
dos holandeses em 1654, refugiou-se na serra do Ibiapaba, no Ceará, indo em seguida para a Holanda, aonde
redigiu suas memórias, solicitando auxílio para os índios potiguares. É um dos poucos documentos escritos por
6
5
regedor dos índios da Capitania do Rio Grande do Norte, tendo participação efetiva no ataque
a comunidade do Uruaçu (Existem alguns quadros feitos pelos holandeses retratando os índios
nativos, entre os quais, os tupis – vide exemplo na figura 23).
um índio do século XVII, estando atualmente na biblioteca de Haia, na Holanda. VAINFAS, Ronaldo (Direção).
Dicionário do Brasil Colonial (1500-1808). Rio de Janeiro, Ed. Objetiva, 2000, pág.51.
117
―Houve uma assembléia, primeira e única que se fez no Brasil, na aldeia de Itapecerica (Paraíba,
Mamanguape), Março-Abril de 1645. Essa assembléia escolheu Antonio Paraupaba para chefiar todas as aldeias
no Rio Grande do Norte.‖ CASCUDO, Luís da Câmara. História do Rio Grande do Norte. 2 edição. Rio de Janeiro:
Achiamé, Natal: Fundação José Augusto, 1984. Pág. 70. ―.....realizou-se a primeira grande assembléia indígena,
com 120 representantes, em Itapecerica, na capitania de Itamaracá.
Foram organizadas três câmaras,: a câmara de Itamaracá, dirigida pelo índio Carapeba; a de Paraíba, pelo índio
Pedro Poti; e a do Rio Grande, pelo índio Antônio Paraupaba.” SCHALKWIJK, Frans Leonard. Índios
protestantes no Brasil holandês. Revista História Viva. Edição nr. 04 – Fevereiro de 2004.
118
O índio Pedro Poti seria fiel aos holandeses e a religião calvinista até a sua morte, mesmo tendo sofrido
maus tratos e torturas após a derrota dos holandeses. Foi preso no cabo de Santo Agostinho, em 1649,
acorrentado e mandado para Portugal, mas morreu durante a viagem. ALMEIDA PRADO, J. F. A conquista da
Paraíba (Séculos XVI a XVIII). Companhia Editora Nacional, São Paulo. Pág 307. ―Segundo testemunho de
Paraupaba, Poti foi lançado num poço, onde permaneceu durante seis meses.
Retirado de vez em quando, padres se atiravam sobre ele, tentando obrigá-lo a abjurar a religião protestante.
Poti, entretanto, resistiu bravamente na fé protestante, e foi embarcado para Portugal, para as câmaras de
tortura do Santo Ofício, mas a viagem não acabou atalhada pela morte.‖ SCHALKWIJK, Frans Leonard.
Índios protestantes no Brasil holandês. Revista História Viva. Edição nr. 04 – Fevereiro de 2004.
119
―Por volta da primeira quinzena de junho de 1625, ancora na Baia da Traição a esquadra de Edam
Boudewinj Hendrikszoon que vinha na frota de auxílio aos holandeses, na cidade de Salvador, mas atrasara-se
devido uma epidemia de escorbuto em sua tripulação. Após atracar em terras potiguares, o almirante flamengo
6
6
...Não acredite que nós sejamos cegos para reconhecer as vantagens que temos com os
holandeses, entre os quais eu fui educado. Eu nunca ouvi dizer que eles escravizaram
qualquer índio, mantenham qualquer um como escravo, ou que eles tivessem morto ou mal-
tratado alguém de nosso povo. Eles nos chamam de irmãos e vivem conosco como irmãos.
Portanto, nós desejamos viver e morrer com eles. 120
Esse auxílio dos tapuias aos holandeses nas armas, se estenderia até mesmo ao
exterior, pois existem menções bibliográficas relatando a atuação dos índios no Chile e em
colônias africanas (Angola); foi um fato sem precedentes onde duzentos índios brasileiros
procurou alojar os enfermos e enquanto contactava com índios, mandou o Cap. Uzeel Johannes de Laet e uma
patrulha composta de soldados e índios fazer um reconhecimento, o mesmo localizou um engenho onde
encontrava-se armazenada uma certa quantidade de açúcar e a criação de grandes rebanhos bovinos,
retornando cinco dias após sua saída, trazendo muitos limões para os doentes. Retornaram à Holanda em 1º
de agosto do mesmo, levando consigo vários índios potiguares, que voltariam falando holandês e
conhecedores da bíblia reformada.” A invasão dos holandeses II. http://palma1.no.sapo.pt/ainvaholand1.htm.
Acessado em 22 de Novembro de 2005.
120
Carta de Pedro Poti endereçada ao seu primo Antonio Felipe Camarão (que era a favor dos
portugueses), justificando a sua permanência ao lado dos holandeses. Citado Por Fátima Martins Lopes na obra
―Índios, Colonos e Missionários na colonização da Capitania do Rio Grande do Norte”.
121
Documento (Dag. Notule) datado de 15 de Julho de 1639, historiando o encontro. MELLO, José
Antonio Gonçalves de. Tempo dos Flamengos. Segunda Edição, Governo do Estado de Pernambuco, Recife-PE,
1979. Pág. 201.
122
NETSCHER, P.M. Os holandeses no Brasil. Notícia histórica dos países-baixos e do Brasil no século
XVII. Coleção Brasiliana. Tradução Mario Sette. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1942. Pag. 187.
6
7
... Herckmans levou os tarairiús para Valdíria, no Chile (alguns tarairiús chegaram a
combater os espanhóis e os índios mapuchos e araucanos). Os índios da Paraíba ajudaram os
holandeses exatamente em Valdíria, no Chile, só que eles foram derrotados lá e depois
voltaram. E chegaram aqui vestidos com roupas dos araucanos. Alguns comandantes
holandeses levaram alguns tarairiús para combater os portugueses nas colônias da
África. Isso aconteceu em Angola. 124
123
NASH, Roy. A conquista do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional. Segunda edição, Coleção
brasiliana, 1935. Pag. 134.
124
BARBOSA, José Elias Borges. As nações indígenas da Paraíba. Palestra proferida no Instituto
Histórico e Geográfico da Paraíba. 2000. Site do IHGPB. ―O poder naval emanado de Pernambuco chegou até a
costa do Pacífico, para onde foi enviada uma expedição a fim de conquistar as minas de ouro e prata existentes
no Chile, sob inspiração do aventureiro Elias Herckmans. Esta expedição de cinco naus, que zarpou do Recife
em 15 de janeiro de 1643, teve como comandante o diretor da Câmara de Amsterdã, Henrique Brauer.
A expedição chegou a Valdívia em 1º de maio de 1643 e a ferro e fogo tentou estabelecer uma colônia no Chile,
destruindo cidades e pondo a população em fuga que, por sua vez, numa política de terra devastada, pôs fogo
em suas próprias cidades, evitando assim o saque dos holandeses. A expedição então rumou para a ilha de
Chiloé, na costa oeste do Chile, que depois de capturada teve os 60 espanhóis que sobreviveram como
prisioneiros mortos sumariamente a fio de espada. A exemplo do que já acontecera no continente, os habitantes
da cidade de Castro puseram chamas em suas casas, tornando impossível o avanço dos holandeses, que nesta
cidade perderam o seu comandante. Hendrik Brower, adoeceu gravemente e veio a falecer, tendo sido
embalsamado e seu corpo transferido para a cidade de Valdívia, onde veio a ser sepultado. Herckmans tentou
conquistar a simpatia dos habitantes locais, mas foi imprudente ao revelar o seu verdadeiro objetivo, a tomada
das minas de ouro das redondezas, o que provocou a debandada dos nativos e o conseqüente fracasso da
expedição. Voltando ao Recife, foi Herckmans responsabilizado pelo fracasso da missão que, de tão humilhado,
veio a falecer. A Companhia das Índias Ocidentais ficou furiosa com o próprio Conde de Nassau, acusado de
desperdiçar os recursos em seus projetos urbanísticos do Recife. Perdera-se no Chile a primeira e derradeira
da conquista do novo eldorado, cujas minas de prata e ouro enchiam de riqueza os cofres da coroa de
Espanha.‖ Especial: Os holandeses em Pernambuco – Uma história de 24 anos. Senhores dos mares. Edição de
10 de Novembro de 2003 do Diário de Pernambuco. ―Com o tempo, milhares de índios brasileiros vieram
engrossar as forças batavas, prestando valorosa ajuda. Destes, duzentos participaram da expedição a Angola e
por lá deixaram seus ossos.‖ SOUZA, Marcos da Cunha e. Soldados da Companhia das índias Ocidentais. Site
do Exército brasileiro. Os portugueses também utilizaram os índios tapuias em Angola. ―Em 12 de Maio de 1648,
uma frota comandada por Salvador Correia de Sá e Benevides, constituída por quinze navios, seiscentos
marinheiros e novecentos soldados, com a participação de índios tapuias, desembarcou nas proximidades de
Luanda, derrotando uma força mercenária a serviço da Companhia das Índias Ocidentais, concluindo a
Restauração de Angola. Na expedição naval contra Angola havia 240 índios, dos quais somente um quinto
retornaria as suas aldeias.‖ Especial: Holandeses em Pernambuco. O mar é holandês. Diário de Pernambuco,
Recife, edição de 19 de Janeiro de 2004. ―Pondo em execução esse plano de conquista (Angola), o almirante Jol
deixara o Recife a 30 de Maio de 1641, com 20 navios, tripulados por 900 marinheiros e levando 2.000
soldados e 200 índios, sob o comando do tenente-coronel Henderson‖. NETSCHER, P.M. Os holandeses no
Brasil. Notícia histórica dos países-baixos e do Brasil no século XVII. Coleção Brasiliana. Tradução Mario
Sette. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1942. Pag. 195.
6
8
mesmo tempo, mantê-los afastados o máximo possível dos núcleos urbanos do Rio Grande,
utilizando a arte da habilidade:
....Em 1639, quando Nhanduí com 2.000 tapuias –homens, mulheres e meninos- aproximou-se
do povoado do Rio Grande, causando grandes danos aos moradores. Com a maior sem-
cerimônia iam arrancando as roças, novas e velhas, que encontravam. O Conselho despachou
logo os filhos de Nhanduí que se achavam no Recife, recomendando-lhes que fizessem voltar
os seus para o lugar donde havia precedido; quando fossem necessários seriam chamados.125
Havia também outros interesses comerciais dos holandeses, além dos militares.126
Circulavam rumores na época, sobre hipotéticas minas de ouro e prata no curso do rio
Potengi, inclusive com esdrúxulas associações toponímicas com as minas de prata de Potosi.
A Companhia das índias holandesas chegou a destacar Roloux Baro para localizar as tais
minas no curso superior do rio Potengi.127 Os resultados dessas buscas são incertos e
125
MELLO, José Antonio Gonçalves de. Tempo dos Flamengos. Segunda Edição, Governo do Estado de
Pernambuco, Recife-PE, 1979. Pág. 204 e 205.
126
―Aos holandeses interessavam das terras potiguares, principalmente, as lavouras de mandioca para o
fabrico da farinha e os rebanhos de gado. Quanto aos colonos portugueses, os holandeses estabeleceram que
eles deveriam manter seus engenhos de cana-de-açúcar, e concedia-lhes liberdade de comércio, desde que
utilizassem seus navios para transportar os produtos comercializados. Os que não se sujeitassem a essa
condição seriam obrigados a deixar o País e os seus bens eram confiscados‖. A invasão dos holandeses II.
http://palma1.no.sapo.pt/ainvaholand1.htm. Acessado em 22 de Novembro de 2005.
127
TEENSMA, B.N. Diário de Rodolfo Baro (1647) como monumento aos índios tarairiús do Rio Grande
do Norte.
6
9
128
O Capitão-Mor da Paraíba entre 1655-1657, João Fernandes Vieira, informava após a saída dos
holandeses em um documento intitulado ―Memória das drogas que há nestas sinqo cappitanias de Pernambuco,
Itamaracá,Parahiba, Rio Grande e Siará‖ que na capitania do Rio Grande mando o olandes abrir huma mina
de ouro, 40 leugoas do mar pello sertam, de que bebi (sic) ouro batido, que elles deram. MELLO, José Antonio
Gonçalves de. João Fernandes Vieira. Imprensa Universitária, Recife-PE, 1967. Pag. 220.
129
―O holandês, Matias Beck, construiu um forte em abril de 1649, Schoonenborch, na capitania do
Ceará, e acreditava que ali próximo existiria prata, na serra de Itarema ou Ibarema (hoje conhecida como
Taquara), e queria transformar o Ceará numa colônia holandesa. Ficou lá até janeiro de 1654, quando ocorreu
a rendição final dos holandeses.” MELLO, José Antonio Gonçalves de. João Fernandes Vieira. Imprensa
Universitária, Recife-PE, 1967. Pag. 219. O dono de engenhos João Fernandes Vieira relata que na capitania do
siará abriu o olandez huma mina que esta 10 ou 12 leugoas do mar e da pratta que della tiraram bebi por copo
obrado da ditta pratta e comy com colher. Idem. Pag. 220.
130
A equipe do Núcleo de Estudos Arqueológicos da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte –
NEA-UERN, detectou 01 sítio arqueológico (Arisco dos Motas) que teve parte da rocha explodida no município
de Cerro Cora-RN e 01 sítio arqueológico (fazenda São Francisco) que foi queimado no município de José da
Penha-RN, por conta dessas antigas superstições. Nota do autor.
7
0
Aldeia do
Camarão
Figura 26 - Mapa do século XVII mostrando duas aldeias potiguares: a da Antonia (estava
localizada no atual município de Goianinha-RN) e a do Camarão.
Não existe nenhuma confirmação bibliográfica desses achados, assim como nenhuma
informação sobre a utilização desses metais nativos (ouro e prata) na cunhagem de moedas
holandesas no Brasil durante o seu domínio da Capitania do Rio Grande.131
Ao partir para a Europa em 1644, Nassau leva consigo Antonio Paraupaba e mais 04
brasilianos. Paraupaba através de uma audiência com a Companhia das índias Ocidentais em
Novembro de 1644, consegue um documento que permitia a abertura de alguns direitos dos
brasilianos na administração holandesa:
131
―Com a intensificação das viagens e descobertas ultramarinas, nos núcleos de colonização começaram a
circular as primeiras moedas no Brasil, trazidas pelos portugueses, invasores e piratas. A partir de 1580, com a
união das Coroas de Portugal e Espanha, moedas de prata espanholas passaram a circular no Brasil em grande
quantidade. Em 1642, D. João IV, Rei de Portugal, mandou aplicar carimbos sobre moedas portuguesas e
espanholas que estavam em circulação. Esses carimbos aumentavam o valor das moedas. Com o domínio
holandês no Nordeste brasileiro (1630-1654), surgiram os florins e os soldos, primeiras moedas cunhadas neste
território. Essas moedas foram cunhadas pelos holandeses para pagar aos seus fornecedores e às suas tropas, que
foram cercadas pelos portugueses. Num dos lados da moeda, estava cunhada a marca da Companhia das Índias
Ocidentais, e a palavra BRASIL aparecia pela primeira vez em uma moeda (1645), no reverso dos florins.‖
MASSOLINI, Kilma C. Lorenzo. A quarta parte do mundo e o Brasil holandês. Dissertação de Mestrado, UNC-
SC/UNICAMP, 2004. Pag. 79.
7
1
administração civil do Brasil Holandês: Paraupaba em Rio Grande, Pedro Poti em Paraíba e
Fernandes Domingues Carapeba em Pernambuco e Itamaracá. Carapeba recebeu uma cópia
oficial do patente. Poti e Paraupaba, imediatamente depois de serem confirmados nas suas
posições começaram a exigir a libertação dos Brasilianos escravizados. A erupção da
violência que acompanhou o processo da restauração em Julho 1645, terminou o processo de
integração dos Brasilianos no sistema do governo civil do Brasil Holandês.132
Ao estourar uma rebelião na cidade de Recife em Junho de 1645 comandada por João
Fernandes Vieira, os holandeses perceberam o quanto dependiam da ajuda dos tapuias,
especialmente do rei Nhanduí, para manter o controle da capitania do Rio Grande (que era
subordinada administrativamente a província da Paraíba) contra as revoltas das forças
portuguesas, auxiliadas por várias tribos indígenas (principalmente os Paiacus, inimigos
históricos dos Janduí):
Nunca antes os holandeses no Rio Grande do Norte, com a sua tão comprida e difusa fronteira
ocidental, estavam tão dependentes da ajuda dos tarairiús na proteção do seu território. Para o
abastecimento do Recife, essa capitania estava imprescindível. 133
132
Hulsman, Lodewijk. Antonio Paraupaba e a aliança potiguar-holandêsa. Guerras e Alianças na
História dos índios: Perspectivas Interdisciplinares 2005. Disponível em
http://www.ifch.unicamp.br/ihb/Textos/LHulsman.pdf. Acessado em 14 de Dezembro de 2006.
133
―Três cronistas coloniais do chamado Partido Neerlandês fizeram referência aos Tarairiu como sendo
os indígenas que andavam pelas brenhas do Rio Grande e eram liderados pelos reis Janduí ou Caracará: Elias
Herckman (1639), aludindo aos Tarairyou; Johan Nieuhof (1682) aos Tararijou e Joannes de Laet (1637) aos
Tarayuck, ambas as denominações corruptelas da palavra Tarairiu.‖ MACEDO, Helder Alexandre Medeiros
de. Remanescentes indígenas numa freguesia colonial do Brasil: Santa Ana, no sertão do Seridó, Rio Grande do
Norte (sécs. XVIII-XIX).
http://www.antropologia.com.ar/congreso2004/ponencias/helder_alexandre_medeiros.doc
134
CASCUDO, Câmara. Os Holandeses no Rio Grande do Norte (1949). Coleção Mossoroense, Série C,
Volume 792, Mossoró-RN, 1992. Pág. 29.
135
CASCUDO, Luís da Câmara. História do Rio Grande do Norte. 2 edição. Rio de Janeiro: Achiamé, Natal:
Fundação José Augusto, 1984. Pág. 66.
7
2
Também o Conselho secreto havia votado especial attenção a esta Capitania; pelo facto de
estar em toda parte nas outras Capitanias dominado o interior pelo exército da revolução e não
bastar o reabastecimento de gêneros da Europa, dependia assim a capital Recife, para seu
aprovisionamento, quasi que só dos rebanhos e dos productos do Rio Grande; importava-
lhe, pois, conservar a todo preço esse celleiro; e todos os soldados, especialmente alliados
índios, que pudessem ser dispensados no Recife, em Itamaracá eram despachados para o
forte Van Keulem.136
Era interessante ao governo holandês manter bons laços de amizade com os tapuias,
pois precisava de aliados na proteção de suas fronteiras, tendo inclusive, enviado vários
viajantes aos sertões, entre eles, um alemão, de nome Jacob Rabbi, para conviver entre os
índios do Vale do Açu por quatro anos, para servir como intérprete ante os colonizadores.
136
HANDELMANN, Henrique. História do Brasil. Rio de Janeiro: Edição original em 1859. Traduzido
para o português em 1931 pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Pag. 238.
137
―É preciso localizar esse episódio em três contextos do século XVII: a violência da empresa colonial
(assassinatos de indígenas, europeus e africanos); a violência religiosa européia (Reformas, Contra-reforma,
Guerras da Religião, Inquisição Ibérica); e a violência nas disputas entre grupos europeus e grupos indígenas.‖
SILVA, Marcos. ARRAIS, Raimundo. CAVENAGHI, Airton José. Atlas Histórico do Rio Grande do Norte.
Visões dos holandeses sobre o Rio Grande. (Fascículo 5). Projeto LER (Governo do Estado do Rio Grande do
Norte), Natal-RN, Maio/2006. Pag. 17.
7
3
1645, no ataque a casa forte de João Lostão Navarro (onde morreram de 15 a 16 pessoas) e em
outro massacre na comunidade de Uruaçu, em três de Outubro de 1645.
138
TRINDADE, Sérgio. Nós, do RN.... (A revanche dos portugueses) Diário oficial do Estado do Rio
Grande do Norte. Ano II –Nº 20 –Julho/2006. Pag. 06.
139
CASCUDO, Câmara. Os Holandeses no Rio Grande do Norte (1949). Coleção Mossoroense, Série C,
Volume 792, Mossoró-RN, 1992. Pág. 58. Alguns autores alegam que poderia ter sido construída uma outra cidade,
em local diferente, a qual teria sido denominada de Nova Amsterdã. O próprio Barleus menciona essa possibilidade:
―Depois desta vem a província do Rio Grande com quatro freguesias. Fica aí a vila de Natal, de aspecto triste e
acabrunhador pelas suas ruínas, vestígios da guerra. Deu--se permissão aos moradores de edificar nova cidade,
em lugar mais feraz e em sítio mais vantajoso, na freguesia de Potengí. À légua e meia de Natal vê-se o forte de
Ceulen.” BARLÉU, Gaspar. História dos feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil e noutras
partes sob o governo do ilustríssimo João Maurício Conde de Nassau, (1647), trad. Port. Belo horizonte/São Paulo,
Itatiaia/Edusp, 1974. Pag. 128.
7
4
Apenas desembarcaram muitos marinheiros inimigos não muito longe do Rio Grande para
comboiar gado e transportar água para reconforto da armada, logo escreveu Nassau uma
carta ao morubixaba Janduí, na qual lhe pedia com encarecimento impedisse o inimigo
de abastecer-se e de fazer aguada. O chefe indígena, protestando a sua singular inclinação
para nós, despachou sem demora ao seu filho com alguns tapuias para o forte de Ceulen,
como fiadores de sua fidelidade e benevolência, dizendo gravemente teria a mesma sorte de
vida ou de morte que nós, tendo jurado, havia muito, ser inimigo dos portugueses. Para
fazerem fé as suas palavras, assassinou doze portugueses que por ali moravam, vítimas
infortunadas do seu ódio àquela nação. Aos tapuias juntou o conde sessenta dos seus
soldados, sob o comando do coronel Garstmann, para que, de comum acordo e sob a nossa
disciplina, marchassem contra o adversário. Alistados, portanto, na milícia holandesa 2.000
homens tapuias e outros índios, que guerreavam a nosso favor com a maior fidelidade,
mostrâmo-nos mais valentes contra os portugueses simpáticos à Espanha. Em verdade, o
soldado nacional, mais que o estrangeiro, é obediente, leal e respeitoso aos chefes, e defende
mais o país do que os nascidos noutra parte.140
140
BARLÉU, Gaspar. História dos feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil e noutras
partes sob o governo do ilustríssimo João Maurício Conde de Nassau, (1647), trad. Port. Belo horizonte/São Paulo,
Itatiaia/Edusp, 1974. Pag. 189.
141
Para acalmar a indignação dos Janduís com a morte de Jacob Rabbi, ―embarcaram Garstman para o
Recife e de lá para a Holanda. Janduí para aquietar-se recebeu presentes de roupa, vinho e comida...‖ CASCUDO
Luís da Câmara. História do Rio Grande do Norte. 2 edição. Rio de Janeiro: Achiamé, Natal: Fundação José
Augusto, 1984. Pág. 70.
7
5
todos os seus bens e soldos e eles foram demitidos de seus cargos, banidos do Brasil e
reenviados à Holanda como schelmes, isto é, como pessoas indignas. 142
Esse fato provocaria uma grande divisão nos tapuias, que se posicionaram em dois
lados: Os que passaram a odiar os holandeses e os que permaneceram fiéis aos batavos:
Já na parte geral alludimos às consequencias fataes da ordem dada pelo major Garstman, de
passar pelas armas a Jacob Rabbi, agente da Companhia muito considerado entre os
selvícolas. Grande parte dos alliados indígenas se apartou dos hollandezes, e baldados
foram todos os esforços empregados pelo emissário recifense Roelof Baro para demover os
chefes do seu intento. 143
Nosso exército, já reduzido, se viu ainda mais desfalcado com a defecção dos tapuias, até
então nossos devotados amigos. Motivou essa mudança de atitudes o fato de haver o tenente-
coronel Garstman, num gesto impolítico, mandado fuzilar, por um crime não bem apurado,
um alemão, Jacob Rabbi, homem de maus bofes e que vivera, por longos anos, entre os índios,
como agente do governo holandês. Não quis o Supremo Conselho dar ouvidos ao pedido dos
Tapuias para que lhe fosse entregue Garstman, porém ordenou a abertura de um inquérito a
respeito do caso e dele resultou a expulsão de Garstman, do Brasil, como celerado. Os
Tapuias não se satisfizeram com esse castigo e juraram vingar-se dos holandeses.
Cumpriram a promessa abandonando em massa as nossas fileiras, no começo de 1647.144
O mesmo Nhanduí pedira a Roloux Baro (que se encontrara com o rei Janduí no final
de Maio de 1646 tentando apaziguar a ira dos Janduís com a morte de Rabbi e voltaria a
visitar o rei Janduí em 1647, em seus próprios domínios, tentando manter a ajuda dos tapuias
aos holandeses) que levasse uma carta para a direção da Companhia em Recife, com data de
01 de Julho de 1646, para que lhe fosse enviado um partido de terçados e espadas por estar
em pé de guerra com a tribo dos Paiacus, ao mesmo tempo em que reforça sua lealdade as
tropas holandesas. 145
142
MOREAU, Pierre. BARO, Roulox. História das últimas lutas no Brasil entre holandeses e
portugueses e relação da viagem ao país dos tapuias. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: EDUSP, 1979 . Pag.
64.
143
WÄTJEN, Hermann. O domínio colonial hollandez no Brasil. Um capítulo da história colonial do
século XVII. Edição original em 1923, Holanda. Traduzido por Pedro Celso Uchoa Cavalcanti em 1938. São
Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938. Pag. 406.
144
NETSCHER, P.M. Os holandeses no Brasil. Notícia histórica dos países-baixos e do Brasil no século
XVII. Coleção Brasiliana. Tradução Mario Sette. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1942. Pag. 236.
145
CASCUDO Luís da Câmara. História do Rio Grande do Norte. 2 edição. Rio de Janeiro: Achiamé,
Natal: Fundação José Augusto, 1984. Pag. 70.
7
6
A carta foi entregue por Baro a Companhia em 13 de Agosto, mas os holandeses já não
podiam atendê-lo, pois estavam em grandes dificuldades na Capitania de Pernambuco
enfrentando os portugueses e os nativos brasileiros, pois no correr de poucos meses, os
insurretos tinham arrebatado à Companhia a maior parte da Nova Hollanda. Até ao Recife,
todo o Sul estava perdido. No Norte, as Capitanias do Rio Grande e Ceará ainda
resistiam.146
Terrível era a necessidade reinante na metrópole nova hollandeza, que, desde as incursões
depredatórias de Camarão e Dias no Rio Grande, ficou privada mesmo dos supprimentos
provenientes dessa última ―despensa‖ que lhe restava. Sobre uma estreita língua de terra,
viam-se assim encurraladas 11.000 creaturas humanas. Contava-se entre ellas 2.000
soldados, 800 civis, 600 a 700 marinheiros e trabalhadores, sendo o resto composto de
mulheres e crianças, índios e negros com as suas famílias. A escassez crescente obrigou a
sua distribuição em rações. Em Abril e Maio cada pessoa recebia apenas 3 libras de pão por
semana....No princípio de Junho, a situação chegou a tal ponto que foi necessário reduzir a
ração semanal de pão, por cabeça, a 1 libra.147
Até que ponto esses tapuias tinham sido evangelizados pelos holandeses, não sabemos. Depois
do convite do cacique Nhandui, o "ema pequena", os pastores Kemp e Apricius e outros obreiros
devem ter estado com eles, mas na verdade perdemos os rastros concretos da sua evangelização.
146
WÄTJEN, Hermann. O domínio colonial hollandez no Brasil. Um capítulo da história colonial do
século XVII. Edição original em 1923, Holanda. Coleção Brasiliana. Traduzido por Pedro Celso Uchoa
Cavalcanti em 1938. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938. Pag. 244.
147
Idem. Pag. 245.
148
Ibidem. Pag. 244.
7
7
Sabemos, contudo, que o contato com eles se estremeceu poucos meses depois da eclosão da
revolta lusa. É que o pastor Stetten, acompanhado por um grupo de soldados, foi mandado ao
Rio Grande para refrear os tapuias para não acabarem com todos os portugueses,
pressentindo, de certo, que tinha chegado a hora da verdade: ou os portugueses, ou eles
haviam de morrer um dia.149
Não era segredo para ninguém que os tapuias do Rio Grande não gostavam dos
portugueses, principalmente pelas notícias que chegavam dos massacres de índios pelos
portugueses durante o processo de penetração do interior brasileiro; em especial, da
colonização da Capitania do Ceará feita com requintes de crueldade por Martim Soares
Moreno no início do século XVII. 150
149
SCHALKWIJK, Frans Leonard. Índios evangélicos no Brasil holandês. Acessado em 31 de Outubro de
2005. http://www.thirdmill.org/files/portuguese/74870~9_18_01_4-15-56_PM~fleonardo.htm
150
A implantação da colonização na Capitania do Ceará foi efetuada inicialmente por Pêro Coelho de Sousa,
um açoriano, que funda o Forte de São Tiago e a povoação de Nova Lisboa, em 1603. Mais tarde, em 1612, o
também português Martim Soares Moreno, é enviado para o Ceará para recolonizar as terras junto ao rio Ceará e
funda o Forte de São Sebastião. GIRÃO, Raimundo. Pequena História do Ceará. Editora Instituto do Ceará:
Fortaleza-CE, Segunda edição, 1962. Pag. 55.
7
8
Com efeito, como haviam sido aliados incondicionais dos holandeses, os tarairius se viram
como que desamparados após a expulsão daqueles em 1654. É verdade que o termo de
capitulação incorporava uma cláusula de anistia para os índios que tivessem ficado do lado
holandês: contudo, a fama de irredentos e a relativa autonomia que conseguiram manter,
muito em razão da capacidade com que incorporavam a tecnologia militar do invasor (armas
de fogo ou mesmo estratégias), transformaram os tarairius nos protagonistas principais das
guerras dos bárbaros. 151
Com a retomada da capitania pelos portugueses, os índios tapuias recuaram para os
sertões, indo uma boa parte deles para a serra do Ibiapaba152 junto aos índios Tobajaras, no
Ceará:
151
PUNTONI, Pedro. A guerra dos Bárbaros. Povos indígenas e a Colonização do Sertão Nordeste do
Brasil, 1650-1720. Tese de Doutorado, USP, 1998. Pag. 71-72.
152
―Essa mescla de barbarismos, gentilidades e heresias fazia da Ibiapaba, segundo Vieira, um refúgio de
malfeitores. A vinda de índios de Pernambuco para a serra, cujo contato com os holandeses tinha sido intenso,
transformava aquele ambiente na ―Genebra de todos os sertões do Brasil‖, pois muitos daqueles índios haviam
nascido e se criado com os holandeses. Nessa Babel de idéias protestantes, judias e gentílicas, os pernambucanos
eram tratados pelos naturais da serra como homens letrados e sábios, por saberem ler e trazerem consigo livros,
sendo, portanto, formadores de opiniões. Horrorizado, Vieira definia aquela sociedade como ―infernal ou
mistura abominável de todas as seitas e todos os vícios, formada de rebeldes, traidores, ladrões, homicidas,
adúlteros, judeus, hereges, gentios, ateus e tudo isso debaixo do nome de cristão‖. BARROS, Paulo Sérgio.
Idolatrias, Heresias, Alianças: A resistência indígena no Ceará Colonial. ETHNOS - Revista Brasileira de
Etnohistória, ano II, número 2 – Janeiro/Junho/1998.
7
9
Segundo o relato de Matias Beck, mais de quatro mil índios fugiram de Pernambuco,
por terra, via Itaparica, Paraíba e Rio Grande do Norte, para se refugiar no Ceará. Conta que
estes índios diziam abertamente que todo o Brasil havia sido vergonhosamente perdido e
entregue, por assim dizer, sem resistência aos portugueses. Exasperados com o que
consideravam traição de seus aliados, a quem eles tão fielmente serviram e ajudaram durante
tantos anos, temiam enormemente cair nas mãos dos portugueses para sofrer uma perpétua
escravidão. 153
153
PUNTONI, Pedro. A guerra dos Bárbaros. Povos indígenas e a Colonização do Sertão Nordeste do
Brasil, 1650-1720. Tese de Doutorado, USP, 1998. Pag. 107.
8
0
Uma outra parte dos índios buscou segurança nas regiões serranas (serra de Santana,
serra do João do Vale), na ribeira do Acauã (Seridó) ou nas pequenas serras existentes na
ribeira do Piranhas e Espinharas. Havia um temor natural sobre retaliações portuguesas devido
a questões religiosas154 e a colaboração dos tapuias para com os holandeses.
O índio Antonio Paraupaba (ex-regedor dos índios da capitania do Rio Grande) vai a
cidade de Haia, na Holanda, e suplica ajuda oficial dos aliados flamengos através de um
requerimento datado de 06 de Agosto de 1654, na tentativa de evitar um massacre pelos
portugueses, dos índios que se refugiaram na serra da Ibiapaba:
Sendo por isso o supplicante enviado a VV.Eexs. por aquela nação que se refugiou com
mulheres e crianças para cambressive no sertão além do Ceará, afim de escapar aos ferozes
massacres dos portuguezes; para asseverar a VV.EEexs. em nome daquellas infelizes almas,
não somente a constancia da sua fidelidade, como também que procurarão a sua subsistência
pelo espaço de dois annos, e mesmo mais nos sertões, no meio de animaes ferozes,
conservando-se à disposição deste Estado e fiéis a religião reformada que aprenderam e
praticam; comtanto que VV.EEexs. se dignem garantir-lhes egualmente que no fim do dito
prazo poderão esperar auxílio e socorro de VV.EExs.155
Tudo isso seria em vão, pois já não havia interesse dos batavos em permanecer em solo
brasileiro e já negociavam com a coroa portuguesa as condições para a saída definitiva. O
acordo foi firmado na cidade de Haia (Holanda) e entre essas condições estava o pagamento (a
título de indenização) por Portugal de quatro milhões de cruzados, a partir de imposto
156
cobrado na colônia. O destino de seus antigos aliados indígenas já não fazia parte das
preocupações do governo holandês que esqueceu rapidamente a ajuda dada pelos antigos
aliados, que no dizer do frei Manoel Calado assim que os malvados, e ingratos índios
Pitiguares, e tapuias foram a causa, e o principal instrumento de os holandeses se
apoderarem de toda a Capitania de Pernambuco, e de a conservarem tanto tempo.157
154
Alguns dos chefes indígenas foram convertidos pelos holandeses ao protestantismo, entre eles, Pedro
Poti e Antonio Paraupaba. Nota do autor.
155
MONTEIRO, Denise Mattos. Introdução a História do Rio Grande do Norte. Natal: Editora da UFRN,
2000. Pag. 207.
156
SILVA, Marcos. ARRAIS, Raimundo. CAVENAGHI, Airton José. Atlas Histórico do Rio Grande do
Norte. Visões dos holandeses sobre o Rio Grande. (Fascículo 5). Projeto LER (Governo do Estado do Rio
Grande do Norte), Natal-RN, Maio/2006. Pag. 25.
157
HULSMAN, Lodewijk. Antonio Paraupaba e a aliança potiguar-holandêsa. Guerras e Alianças na
História dos índios: Perspectivas Interdisciplinares 2005.
http://www.ifch.unicamp.br/ihb/Textos/LHulsman.pdf.
8
1
8
2
Bárbaros são os que crêem que os outros, a sua volta, são bárbaros.
Todos os homens são iguais, mas nem todos o sabem; Alguns se
crêem superiores aos outros, e é precisamente nisso que são inferiores;
Portanto, nem todos os homens são iguais. 158
158
TODOROV, Tzvetan. Nós e os outros: a reflexão francesa sobre a diversidade humana; tradução Sérgio
Góes de Paula – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1993. 2º v. Pag. 25. Citado por: PIRES, Maria Idalina da Cruz.
Guerra dos Bárbaros: resistência indígena e conflitos no Nordeste colonial. Recife: Editora Universitária
(UFPE), 2002. Pag. 15.
159
MEDEIROS FILHO, Olavo de. Notas para a História do Rio Grande do Norte. Editora do Centro
Universitário de João Pessoa, Março, 2001. Pág.63 e 64.
8
3
Rio Curimataú 11 13 05
Rio Seridó 06 06 03
Rio Piranhas 21 12 05
Rio Espinharas - 01 01
160
PIRES, Maria Idalina da Cruz. A Guerra dos Bárbaros: resistência indígena e conflitos no Nordeste
colonial. Recife: Editora Universitária (UFPE), 2002. Pag. 33-34.
161
MACEDO, Muirakytan K. de. História e espaço seridoense entre os séculos XVII e XIX. Revista
Mneme, V. 01 – nº.01 – Jan/Mar/2004. Caicó-RN. Teriam recebido também essa sesmaria: Capitão Antonio de
Oliveira Ledo, Custódio de Oliveira Ledo, Alferes João de Freitas da Cunha,, José de Abreu, Luís de Noronha,
Antonio Martins Pereira, Estevão de Abreu de Lima, Antonio Pereira de Oliveira, Sebastião da Costa, Gonçalo
de Oliveira Pereira, Teodósio de Oliveira e Gaspar de Oliveira. MACEDO, Helder Alexandre Medeiros de.
Contribuição ao estudo da casa forte do Cuó, Caicó-RN. Revista Mneme, Dossiê Arqueologias, V. 6, Nr. 13,
Dez/2004/Jan/2005, Caicó-RN. Pag. 02.
8
4
162
―Foram doadas as primeiras sesmarias do Seridó, conforme registros da Capitania do Rio Grande do
Norte, no dia 23 de Março de 1676 a Teodósio Leite de Oliveira, Teodósia dos Prazeres e Manuel Gonçalves
Diniz; No dia 29 de Novembro de 1679, foram doadas sesmarias a Luiz de Souza Furna, Antonio de
Albuquerque Câmara, Lopo de Albuquerque da Câmara e Pedro de Albuquerque da Câmara, na Serra do
Trapuá (denominada como Acauã, e atualmente conhecida como serra do chapéu, localizada a 10 km da atual
cidade de Caicó - RN), medindo 20 léguas de extensão por 4 de largura‖. DANTAS, Maria da Paz Medeiros.
Desvendando o viver nas fazendas dos Azevedos, Carnaúba dos Dantas-RN (1870-1940). Revista Mnemes, V.
05, nº 09, Jan/2004. Pag. 07.
8
5
10 – Aldeamentos iniciais.
Segundo o pensamento do padre Nóbrega, a própria aldeia indígena seria o lugar ideal
para educar e converter os índios. Nada melhor então, que aproveitar as ordens religiosas,
através de suas atividades missionárias para, civilizar o índio e depois evangelizá-lo. As
missões religiosas no Brasil tiveram início com a chegada dos jesuítas, em 1549, seguidos dos
carmelitas descalços (1580), dos beneditinos (1581), dos franciscanos (1584), dos oratorianos
(1611), dos mercedários (1640) e dos capuchinhos (1642).163
Os jesuítas foram os pioneiros na aprendizagem das línguas indígenas e na preparação
de gramáticas para veicular os conteúdos da fé, onde a partir de 1553 e 1555, começam as
entradas visando à penetração dos sertões e a instalação de missões de aldeamentos, com
resultados iniciais poucos satisfatórios164.
Essas missões de aldeamentos eram organizadas administrativamente visando a
desestruturação das culturas indígenas, haja vista que misturavam diversas etnias visando
―amansar os índios‖ e impedir novas alianças: Eram misturados, assim, nas mesmas missões,
indígenas Tupis e Tapuia, de línguas e costumes diferentes, procedimento esse que
contribuiria para a morte de suas tradições culturais e que constituía importante estratégia
para impedir novas alianças rebeldes entre eles. 165
As missões deveriam ter uma organização administrativa como uma vila colonial, com um
Meirinho, espécie de autoridade civil escolhida pelos missionários entre os indígenas, que se
encarregava da vida na aldeia, isto é, de fazer os outros índios cumprirem as novas atividades:
trabalho na roça, idas à igreja, confissões. Era ele, também, que se encarregava das punições
quando havia infrações das normas.166
163
BRITO, Ênio José da Costa. A identidade indígena:.estratégias políticas e culturais (século XVI e
século XVII). Revista de Estudos da Religião. http://www.pucsp.br/rever/relatori/notago05.htm:
acessado em 18 de Fevereiro de 2006.
164
Idem.
165
Mattos, Denise. História do Rio Grande do Norte. 2 edição, 2002, Natal-RN. Pág. 86.
166
LOPES, Fátima Martins. A presença missionária na capitania do Rio Grande. Caderno de História.
Natal: UFRN. Ed. Universitária, volume 01, nº 01, Julho/Dezembro 1994. Pag. 25.
8
6
Na capitania do Rio Grande do Norte são fundadas pelos religiosos jesuítas duas
aldeias missionárias. A primeira denominada de São Miguel do Guajiru167 (conhecida como a
―cidade dos veados‖) que abrigou, provavelmente, a partir de 1678, entre outros, os índios
Janduís, Paiacus, Panatis e Caborés;
Um bando de índios potiguares fundaram seu primeiro estabelecimento junto à lagoa Guajeru
que deu seu nome à povoação./ Mais tarde, segundo afirma a tradição, três padres jesuítas, por
meio de catequese, organizaram uma aldeia e levantaram um convento, uma bonita igreja, e
ao entrar da situação, um prédio com acomodações para a câmara municipal e cadeia. 168
Se formou de alguns casais de índios que se desligaram dos aldeados em Papary, por
desavenças entre si, e foram localizar-se à margem do rio Jacu, pouco acima de sua
embocadura. Eram índios caboclos da língua geral (tupi), a margem da dita lagoa, tendo por
chefe o índio Jacumahuma.170
Essas duas missões são originárias de antigas aldeias potiguares, que já existiriam
desde o início do século XVII. Os jesuítas fundariam também na capitania as missões de São
João do Apodi, São João da Ribeira do Curimataú (atual município de Canguaretama-RN),
São João do Açu, Nossa Senhora da Conceição do Ceará Mirim e São Miguel do Jundiá
Perereba.
Os religiosos carmelitas se encarregariam das missões de Nossa Senhora do Carmo do
Gramació (atual município de Vila Flor-RN) e de Nossa Senhora do Carmo de Upanema. Os
capuchinhos italianos se encarregaram da missão de Nossa Senhora do O de Mopibú.
167
Atual município de Extremoz - RN. Nota do autor.
168
NOBRE, Manoel Ferreira. Breve notícia sobre a província do Rio Grande do Norte. Editora Pongetti:
Rio de Janeiro, 1971. P. 188.
169
Localizava-se no atual município de Arez - RN. Nota do autor.
170
LIMA, Nestor dos Santos. Municípios do Rio Grande do Norte: Baixa Verde, Caicó, Canguaretama,
Caraúbas, Ceará-Mirim, Currais Novos. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte-
IHGRN, 27/28: 5/213, 1930/1931. Natal:Santo Antonio, 1937. p. 123. In: MARINHO, Francisco Fernandes. O
Rio Grande do Norte sob o olhar dos bispos de Olinda: uma leitura dos relatórios das visitas ―ad limina
apostolorum‖ existentes no arquivo secreto do vaticano e outras informações pastorais – 1679/1884. Natal-RN,
nordeste gráfica, Agosto/2006. P. 29.
8
7
Sobretudo tendo em vista que os jesuítas, por privilégio real, tinham o controle dos
aldeamentos próximos aos povoados, tais como Mipibu e Guaraíras, onde residiam,
sobretudo, tupis mais adaptados ao modo de vida da colônia e, portanto, mais aptos à faina
das fazendas e currais.171
171
PUNTONI, Pedro. A guerra dos Bárbaros. Povos indígenas e a colonização do sertão nordeste do
Brasil, 1650-1720. Tese de Doutorado, USP, 1998. Pag. 211.
8
8
Outro objetivo a ser atingido pelos religiosos seria a desarticulação dos grupos
indígenas quanto à noção de fronteira e identidade cultural, facilitando o processo de
adaptação e miscigenação desses indígenas no seio da sociedade colonial, fazendo-os desistir
da resistência armada na luta pela defesa das terras de seus ancestrais:
O objetivo no período dos grandes conflitos é formar novos espaços que agregassem estas
unidades étnicas com o objetivo de integrá-las à cultura ocidental. Os missionários concluíram
então que havia que afastar os núcleos indígenas de catequese dos povoamentos dos colonos,
estabelecendo uns aldeamentos mais eficientes e estáveis, marcando com isso importantes
adaptações pragmáticas, conclusão a que já haviam chegado os missionários do tempo de
Manuel da Nóbrega e José de Anchieta em relação às regiões do sudeste e sul. É este o
contexto em que se dá a fundação da missão do Apodi e a do Jaguaribe no Ceará, afastando os
aldeamentos das proximidades das guarnições de soldados no litoral, dirigindo-se para região
do Açu. Este movimento visa justamente conquistar estes espaços de cultura nativa,
8
9
No século XVII a missão religiosa do Apodi seria a única a ser implantada no interior
do Estado pelos jesuítas, tendo seu período de atuação entre 1679 até 1712.
As missões de aldeamentos não tiveram êxito por vários motivos, entre os quais: Não
ocorreu a demarcação de terras de forma organizada para os índios; a mistura de várias tribos,
com costumes e línguas diferentes, provocava desentendimentos e conflitos constantes entre
os grupos indígenas e o engajamento dos índios aldeados nos terços paulistas iria ensiná-los a
manejar a pólvora e chumbo, estimulando as revoltas internas.
172
PORTO, Maria Emília Monteiro. Fronteira: Jesuítas e missões no Rio Grande colonial.
http://www.cafefilosofico.ufrn.br/emilia.htm. Acessado em 22 de Março de 2006.
9
0
11 - "A Guerra Justa", "Confederação dos Cariris" e/ou "Guerra dos Bárbaros".
combates mais prolongados. Por vezes, foi até chamada de ―A guerra do Açu‖, tendo em vista
ser a região onde havia uma concentração maior das tribos tapuias (Tarairius e Cariris) e onde
é mais farta a documentação colonial sobre os trâmites da guerra:
Os rios, por sua vez, demarcam os espaços dos conflitos. O rio Açu e o Jaguaribe,
principalmente, mas também o Piancó, o Seridó e o São Francisco, delimitam os sertões que
carregam os mesmos nomes e onde os tarairius e cariris se firmam para combater curraleiros e
Coroa. O que se costuma chamar de guerra do Açu, na verdade, abarca todo esse vasto
espaço.173
Foi utilizado também o termo ―confederação dos Cariris‖, que não condiz com a
realidade dos fatos, por dois aspectos: Primeiro porque não ocorreu a união deliberada e
intencional de várias tribos indígenas em uma confederação organizada visando dar combates
aos portugueses, embora tenha ocorrido uniões passageiras e localizadas de algumas tribos em
determinados momentos cronológicos dos conflitos, para atender interesses diversos:
Segundo, porque o termo Cariri não pode ser confundido com o termo Tapuia, como já
explicado anteriormente. Aglutinar todos os tapuias como cariris seria uma generalização
infeliz e totalmente descomprometida com a realidade dos fatos históricos.
Outro fator a ser observado é a questão da ―guerra justa‖. Embora o Estado Português
desejasse o tráfico indígena, havia problemas com a Igreja católica, que por vezes ―abria os
173
SILVA, Kalina Vanderlei Paiva da. ―Nas vastas solidões e assustadoras‖ – Os pobres do açúcar e a
conquista do sertão de Pernambuco nos séculos XVII e XVIII. Tese de Doutorado, UFPE, Recife, 2003. Pag. 232.
174
PORTO, Maria Emília Monteiro. Fronteira: Jesuítas e missões no Rio Grande colonial.
http://www.cafefilosofico.ufrn.br/emilia.htm. Acessado em 06 de Abril de 2006.
9
2
olhos‖, e por vezes ―os fechava‖, no tocante aos direitos dos índios, levando em conta os seus
próprios interesses.
Em 1565, a Mesa da Consciência e Ordem, reunida em Lisboa, determinava que
poderiam ser cativos os índios aprisionados em ―guerras justas‖. Os demais índios poderiam
ser livres, desde que aceitassem a colonização e mantivessem forte a sua fé na igreja católica.
Em 1609 é proibido no Brasil qualquer tipo de escravização indígena. Em 1611 é revogada tal
decisão, mantendo-se a escravidão para os índios aprisionados em ―guerras justas‖. Dessa
forma, a transformação dos índios em escravos só poderia ser consentida pela Igreja se
decorresse de uma ―guerra justa‖, que deveria seguir certos critérios para ser decretada e
levada adiante pelos colonizadores.
Entre esses critérios, havia algumas atitudes por parte dos índios que eram passíveis de
serem analisadas como causas originárias de uma ―guerra justa‖, tais como: Impedimento da
propagação da fé católica, hostilidades contra os colonos portugueses, quebra de pactos
celebrados. Além disso, outros fatores poderiam ser considerados, por ser ―necessários‖, como
a necessidade de salvação das ―almas impuras‖ e o impedimento da antropofagia.
Como a Igreja mencionava que ―não se poderia negar aos governos o direito da
legítima defesa, desde que estivessem esgotados todos os meios de negociação pacífica‖, ficou
estabelecido que a ―guerra justa‖ aconteceria toda vez que ―os outros meios de pôr fim a tal
dano se tenham revelado impraticáveis ou ineficazes”. Para tanto, os Portugueses deveriam
observar se existiam as condições necessárias para o êxito militar e se o emprego das armas
não iria acarretar males e desordens mais graves do que o mal a eliminar.
Deixando de lado os pseudovalores religiosos, havia outros motivos que norteavam os
colonizadores. Na Capitania do Rio Grande, os poucos colonos que moravam no interior, não
tinham recursos financeiros para adquirir escravos africanos no mercado de Pernambuco. Os
sesmeiros então provocavam os índios para que eles lutassem contra eles, dando motivos para
a declaração da "Guerra Justa", obtendo assim um número de escravos expressivos e uma mão
de obra gratuita, ou seja, a esperança do colono consistia na decretação de uma guerra justa
contra determinada tribo. 175
Os próprios componentes dos terços paulistas só poderiam vir combater os ―gentios‖
se fosse através de ―guerras justas‖, pois uma boa parte dos seus lucros viria justamente da
venda dos índios aprisionados em combates. Os paulistas tinham conhecimento e experiência
175
CASCUDO, Luís da Câmara. História do Rio Grande do Norte. 2 edição. Rio de Janeiro: Achiamé, Natal:
Fundação José Augusto, 1984. Pág. 95.
9
3
das irregularidades e atrasos dos pagamentos financeiros pela Fazenda Real, não queriam,
portanto, abdicar do direito da venda dos índios capturados.
Entretanto, os interesses econômicos na escravidão variavam de acordo com os custos
de aquisição das ―mercadorias‖ e dos lucros obtidos em sua venda, obedecendo à eterna lei da
oferta e da procura, com o menor risco possível nos investimentos. O desinteresse na
escravidão indígena e a busca desenfreada na aquisição dos negros africanos, principalmente a
partir do século XVII e XVIII, levaram em conta a incontrolável sonegação fiscal e a procura
de um aumento substancial na margem de lucros por parte da Coroa e dos traficantes:
Não se pode, contudo, deixar de lado um aspecto essencial da questão: o interesse da Coroa e
dos traficantes. Enquanto a captura do índio era quase um negócio interno da Colônia – quando,
frequentemente, até o quinto (imposto) devido à Coroa era sonegado-, o comércio utltramarino
trazia excelentes dividendos tanto ao governo, quanto aos comerciantes. Assim, governo e
jesuítas apoiavam indiretamente os traficantes, estabelecendo limites à escravidão indígena –
em nome de Deus. 176
176
PINSKY, Jaime. A escravidão no Brasil. São Paulo: Editora Contexto, 2000. Pag. 20-22.
9
4
Na Cappitania do Rio Grande descobri também novas terras 200 leugoas da orilha do mar, em
que também sugeitey quantidade de bárbaros à obediensia e doze dos prensipais destas
nasoins vieram a falar comigo, e eu os mandey vestir e fiz toda a boa passagem, prometeram-
me grandes couzas, e eu mando fazer este descobrimento à custa do meu cabedal, por saber
aonde este gentios fiqam, porque estes sam os que fizeram mayor dano, no tempo dos
olandeses.179
177
PUNTONI, Pedro. A guerra dos Bárbaros. Povos indígenas e a colonização do sertão nordeste do
Brasil, 1650-1720. Tese de Doutorado, USP, 1998. Pág. 108.
178
―Uma das dificuldades com que se debatiam os agricultores ali, era a falta de mão de obra escrava.
Constava que algumas tribos tapuias, como os Janduís e os Cariris, conservavam sob seu domínio muitos
negros da Guiné e grupos de índios petiguares já cristianizados. Com o fim de reduzi-las à obediência, João
Fernandes Vieira levou as suas tropas para o sítio Inhoby, que era onde se achavam localizados os três
engenhos dos Brandões, de que tinha a administração – o que demonstra que não se descuidava dos seus
interesses pessoais, no que, aliás, não era diferente da maioria dos administradores coloniais. Ali, segundo
refere a enformação, fez vir Canindé, filho do chefe Tapuia Janduí e o reteve preso até que seu pai fez
entrega de 60 negros que, ao tempo do domínio holandês, se tinham incorporado à sua tribo. Contra os
Cariris, que habitavam uma serra de acesso difícil, muito no interior do sertão, usou da fôrça das armas. Para
isso despachou uma tropa de 120 homens, sob o comando do Capitão Antonio Rodrigues Vidal, reforçada
depois por mais 25 soldados, chefiados pelo alferes reformado Brás de Melo Munis. Caminharam sertão
adentro 19 jornadas – as três últimas em região sem água – até atingirem a serra. Dali regressaram trazendo os
petiguares que aquêles tapuias mantinham sob seu domínio, no total de mais de 500 pessoas, às quais Vieira
deu uma parte das suas próprias terras, onde vivessem e fizessem plantações.‖ MELLO, José Antonio
Gonçalves de. João Fernandes Vieira. Imprensa Universitária, Recife-PE, 1967. Pag. 159-160.
179
―Memória das drogas que há nestas sinqo cappitanias de Pernambuco, Itamaracá, Parahiba, Rio
Grande e Siará‖, de João Fernandes Vieira In: MELLO, José Antonio Gonçalves de. João Fernandes Vieira.
Imprensa Universitária, Recife-PE, 1967. Da mesma obra, o Fac-símile da assinatura de João Fernandes Vieira
acima. Pag. 185.
9
5
180
TAUNAY, Afonso. História Geral das Bandeiras Paulistas. Edições melhoramentos, Tomo I, 3
edição, São Paulo-SP, 1975. Pag. 349.
181
Os Oliveira Ledo já tinham conseguido sesmarias inicialmente no Rio Grande do Norte, em 1664,
conseguindo terras no Rio Putegy. Em seguida solicitam sesmarias junto ao rio Paraíba (30 léguas) ao Conde de
óbidos (Governador Geral do Brasil), que foi concedida em Fevereiro de 1665. ALMEIDA, Elpídio de. História
de Campina Grande. Segunda edição, Editora Universitária-UFPB, João Pessoa-PB, 1962. Pág. 17. Em 1669,
chegam a região das Espinharas (nas proximidades da atual cidade de Patos-PB) e solicitam sesmarias em 1670,
conforme se tinha assentado no livro de Registro de Sesmarias, na Cidade de Salvador da Bahia, conforme a
transcrição abaixo, na ortografia original, mas "traduzidas" as abreviaturas (Fonte: Publicações do Archivo
Nacional – vol. XXVII - ): Folhas 309 - CAPITAM FRANCISCO D‟ABREU LIMA Capitam Antonio de Oliveira
Ledo, Custodio de Oliveira Ledo, Alferes João de Freitas da Costa, José de Abreo, Luiz de Noronha, Antonio
Menezes Pereira, Estevão de Abreo Lima, Antonio Pereira de Oliveira, Theodosio de Oliveira, Sebastião da
Costa, Gaspar d‟Oliveira, e Gonçalo d‟Oliveira Pereira - Carta de 4 de Fevereiro de 1670. - 12 legoas de
9
6
largo, e 50 legoas de comprido. - Na Paraíba do Norte pelo certão dentro 12 legoas de terra de largo,
começando no rio dos Pinharas fronteiro a Serra Borborema, ficando 6 legoas para cada lado do dito rio, e de
comprido para o sertão 50 legoas, com todas as agoas, matos, campos, e logradouros úteis, salvo prejuiso de 3 o
- Condições: As do Foral. Genealogia do Cariri paraibano. http://www.persocom.com.br/cariri/Origem.html.
182
“Na segunda metade do século VXII, pôr volta de 1679, uma expedição, com 60 homens, partiu de
Massacará, na Bahia, para explorar o interior paraibano. Chefiada pôr Antônio de Oliveira Ledo, a comitiva
era integrada ainda pôr Pascásio de Oliveira Ledo, Theodósio de Oliveira Ledo, Francisco Pereira de Oliveira
Ledo, Felipe Rodrigues (filho de Pascásio), e Antônio de Oliveira Ledo Neto (filho de Francisco Pereira). Eles
seguiram pelas margens do Rio São Francisco até a altura de Santo Antônio da Glória, onde alcançaram o Rio
Pajeu, e logo depois transpuseram a Serra da Baixa Verde, em Triunfo, Pernambuco, conseguindo finalmente
ingressar no sertão da Paraíba. Os exploradores chegaram até a confluência dos Rios Piancó e Piranhas, onde
hoje se localiza o município de Pombal, mas logo retornaram a Bahia, ficando pôr aqui apenas Theodósio e
seus homens que, pôr três anos, fizeram diversas incursões pela área. Pôr volta de 1682, o Capitão-Mor dos
Vales do Piancó e Piranhas, título que lhe foi concedido pelas autoridades da Colônia, viaja para o cariri
paraibano. Nesta ocasião acontece a revolta dos indígenas da região sertaneja, movimento que ficou conhecido
como Confederação dos Índios Cariris. Theodósio regressa ao sertão, captura alguns índios da tribo Arius e
viaja para Salvador, Bahia, onde tem uma audiência com o governador Soares de Albuquerque, e faz um relato
da situação e mostra a necessidade de repovoar o interior paraibano e iniciar a criação de gado em toda a
área, no que foi prontamente atendido, regressando então para o Vale do Piancó à frente de uma grande
expedição e com muito gado‖. História de Itaporanga-PB.
http://64.233.161.104/search?q=cache:hBcvwvr91RcJ:www.achetudoeregiao.com.br/PB/itaporanga_historia.htm
+capit%C3%A3o-mor+theod%C3%B3sio+de+oliveira+ledo&hl=pt-BR
183
Antonio de Oliveira Ledo, que tinha o título de Capitão-Mor do Piancó e das Espinharas, morreu,
provavelmente, em 1688, sendo substituído no título por Constantino de Oliveira Ledo, que morreu em 1694.
Theodósio de Oliveira Ledo assume então o título e fundaria vários arraiais, sendo um dos personagens
determinantes no extermínio dos índios na região a partir de 1694. ALMEIDA, Elpídio de. História de Campina
Grande. Segunda edição, Editora Universitária-UFPB, João Pessoa-PB, 1962. Pág. 18.
184
Teodósio de Oliveira Ledo escreve em 1698 ao Capitão-Mor da Paraíba Manoel Soares de Albergaria
sobre uma luta travada contra os tapuias da ribeira das Piranhas onde relata que: ―terminada a luta e alcançada a
vitória, achavam-se da parte do inimigo trinta e dois mortos e setenta e duas presas e muita quantidade de
feridos que mandei matar por serem incapazes ao rei‖. SOUSA, Verneck Abrantes de. Indígenas no interior
paraibano. www.marcoslacerdapb.hpg.ig.com/verneck/indigenas.htm
185
O arraial teria sido fundado em 27 de Julho de 1698 por Theodósio de Oliveira Ledo. O Historiador
Horácio de Almeida contesta essa versão:‖Fundou-se enfim a aldeia de Piranhas, núcleo da atual cidade de
Pombal. O lugar foi o mesmo onde Antônio de Albuquerque da Câmara levantara uma estacada em 1688. Quem
fundou a aldeia ou arraial foi Custódio de Oliveira Ledo e não Teodósio de Oliveira Ledo, seu filho, como escreve
Wilson Seixas‖. ALMEIDA, Horácio de. História da Paraíba. Editora Universitária, 1978, João Pessoa-PB. Pag.
47.
186
SOUZA, Antonio José de. Apanhados históricos, geográficos e genealógicos do Grande Pombal.
Biblioteca Central da UERN, 1968. Pag. 16.
9
7
Esses conflitos foram se alastrando e fazendo com que a situação se agravasse em ambas as
partes, pois a interiorização cada vez mais forte da pecuária vinda de um lado, do litoral de
Pernambuco, Paraíba e Rio Grande e do outro (Maranhão, Piauí e Ceará), colocava os
indígenas numa situação de imobilidade diante das frentes pastoris, levando-os a se constituir
numa barreira à colonização, que foi denominada de muro do demônio. Por conseguinte, os
índios espremidos num limite mínimo de terras, pressionadas e sem saída reagiram
violentamente, levando a capitania a uma deflagração que ficou conhecida como a Guerra dos
Bárbaros. 187
Não existe um consenso quanto à data exata do início dos conflitos na ribeira das
Espinharas e no vale do Assu, e talvez nunca se venha a ter. O militar português Gregório
Varela de Berredo Pereira descreve o começo das desavenças:
...há dez anos, pouco mais ou menos, que se começaram a descobrir estes campos, o qual é
todo habitado de Tapuias bárbaros (...) foram para ele alguns vaqueiros com gado, de que
fabricam alguns currais, e estavam vivendo com os tapuias com muita paz e amizade pelo
interesse que tinham de lhe darem ferramenta de machados e foices (...) e estando vivendo
com esta união se ateou uma dúvida entre eles e os vaqueiros de que resultou matarem-lhe um
filho dos principais dos seus, com muita pouca razão de nossa parte, que logo se acudira a esta
desordem com o dispêndio de pouco cabedal, que era o que eles pretendiam (...) e deste
descuido se ateou tal desordem que os tapuias, assanhados por verem o pouco caso que se fez
do que eles requeriam, degolou todos os vaqueiros que ali havia e lhes tomou as armas e o
gado e se pôs em campanha à cara descoberta, que foi necessário levar este negócio por
armas, por lhes não dar ousadia a se não virem senhoreando da capitania do Rio Grande...188
187
Interiorização da colonização portuguesa e “guerra dos bárbaros‖. História do Rio Grande do
Norte@web.
188
PEREIRA, Gregório Varela de Berredo. ‗Breve Compêndio Do Que Vai Obrando Neste Governo De
Pernambuco O Senhor Antonio Luís Gonçalves Da Câmara Coutinho‘ apud MELLO, José Antônio Gonçalves
de. Pernambuco Ao tempo do Governador Câmara Coutinho (1689-1690). Revista do Instituto Arqueológico,
Histórico e Geográfico Pernambucano. Vol. LI. Recife, 1979. Pp. 257-300. p. 264.
9
8
..A João Fernandes Vieira, do conselho de guerra de sua majestade e superintendente de todas
as fortificações, concedeu a 4 de Janeiro de 1680 as terras compreendidas entre os rios trez
irmãos e a lagoa itu, na ribeira do Assu, descobertas pelo próprio cessionário.190
Essa expedição ―colonizadora‖ pode ter ocorrido em 1674, pois em carta dirigida ao
rei de Portugal, príncipe regente D. Pedro II, datada de 26 de Abril de 1674, João Fernandes
Vieira relata ter descoberto terras ignotas no Rio Grande, na região do rio Assu, onde
sujeitou quantidade de bárbaros à obediência e recebeu a visita de doze principais daquelas
189
MELLO, José Antonio Gonçalves de. João Fernandes Vieira. Imprensa Universitária, Recife-PE,
1967. Pag. 214-215. A petição da D. Maria César (viúva de João Fernandes Vieira que tinha falecido em 10 de
Janeiro de 1681) foi atendida em 17 de Fevereiro de 1682.
190
LEMOS, Vicente de. Capitães-mores e governadores da capitania do Rio Grande do Norte. Rio de
Janeiro: Tipografia do Jornal do Comércio, 1912, v. 1. Pag. 31.
191
LIMA, Nestor. Municípios do Rio Grande do Norte: Areia Branca, Arez, Assú e Augusto Severo.
Edição fac-similar da revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. Coleção mossoroense,
Série C – Volume DXCV, 1990 - Mossoró-RN, pág. 137-138.
9
9
nações.192 Em outra carta dirigida ao mesmo rei e datada de 26 de junho de 1675, relata que
enviara gente e criados seus, no ano anterior, a descobrir novas terras pellos certoins de
Pernambuco e do Ryo Grande aonde chegaram a por a obediência quantidade de gentio
brabo cujos prensipais vieram a falar comigo e eu os agasalhey, vestindo-os e fazendo
grande dispêndio com elles.193
Antonio de Albuquerque Câmara, que tinha conseguido oficialmente, no dia 29 de
Novembro de 1679 a doação de sesmarias na região do Seridó, com terras medindo vinte
léguas de comprimento e quatro léguas de largura, já entrava o mês de dezembro de 1679 em
conflito com os índios provindos da serra do Trapuá (Situada duas léguas a leste da atual
cidade de Currais Novos-RN).194
Os indícios públicos das desavenças já são patentes em 23 de Agosto de 1681, quando
os oficiais da Câmara de Natal solicitam através de requerimento ao Capitão-Mor Geraldo de
Suni que trouxesse os principais dos índios à sua presença, para promover a paz, tendo em
vista os danos e a morte de um morador do sertão feita pelos tapuias. 195
No dia 15 de Fevereiro de 1687, chega a notícia de que os Tapuias teriam matado
quarenta e seis vaqueiros na ribeira do Piranhas; então o capitão-mor do Rio Grande, Pascoal
Gonçalves de Carvalho, escreve ao rei solicitando reforços, ao mesmo tempo em que culpa os
índios tapuias do interior que depois da expulsão dos holandeses haviam se recolhido aos
sertões donde viveram sempre com natural ódio aos portugueses.196
E assim, aos poucos, a resistência por parte dos tapuias (quando são citados,
particularmente, os Janduís) se amplia e o sistema de repressão colonial não estava preparado
para enfrentar diretamente os indígenas. Podemos deduzir de uma carta do senado da Câmara
de Natal, datada de 23 de Fevereiro de 1687 e enviada ao governador de Pernambuco, João da
Cunha Souto Maior, sobre os povos indígenas da ribeira do Assu:
192
MEDEIROS FILHO, Olavo. Holandeses no Seridó Colonial? Revista O Potiguar, nrº 43, ano VII,
Natal-RN Junho/Julho/2005, Pág. 08.
193
MELLO, José Antonio Gonçalves de. João Fernandes Vieira. Imprensa Universitária, Recife-PE,
1967. Pag. 217.
194
MACEDO, Helder Alexandre Medeiros de. Contribuição ao Estudo da Casa Forte do Cuó, Caicó-RN.
Revista Mneme, Dossiê Arqueologias, V. 6, Nr. 13, Dez/2004/Jan/2005. Pag. 03.
195
Cópia de requerimento dos oficiais da câmara de Natal ao capitão-mor Geraldo de Suni. LCPSC; Caixa
65; Livro 2; Folha 55 e 55v. IHGRN. Repertório de Documentos para a História Indígena Existente no Instituto
Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. Coleção Mossoroense. Série C, nº. 871. UFRN: Natal, 1995.
Pág. 110.
196
PUNTONI, Pedro. A guerra dos Bárbaros. Povos indígenas e a colonização do sertão nordeste do
Brasil, 1650-1720. Tese de Doutorado, USP, 1998. Pág. 105.
1
0
0
197
PIRES, Maria Idalina da Cruz. Guerra dos Bárbaros: resistência indígena e conflitos no Nordeste colonial.
Recife: Editora Universitária (UFPE), 2002. Pag. 67-68.
198
PUNTONI, Pedro. A guerra dos Bárbaros. Povos indígenas e a colonização do sertão nordeste do
Brasil, 1650-1720. Tese de Doutorado, USP, 1998. Pag. 105.
1
0
1
formal entre as tribos, como numa espécie de confederação, com o sentimento consciente de
defesa política de seu território:
Se levantaram nas ribeiras do Assu, Moçoró e Apodi, em os anos de 1687 para 88, matando a
toda cousa viva e ao depois queimando e abrasando tudo não deixando, pau, nem pedra sobre
pedra de que ainda hoje aparecem ruínas. 199
O conflito se alastra atraindo para a arena de combate as tribos dos Paiacu, Icó,
Curema, Pega e invade os sertões do Ceará, Pernambuco, Paraíba e Piauí. Alguns colonos
começam a abandonar as fazendas de gado na ribeira do Açu, temerosos dos ataques dos
tapuias. Os janduí dominam as ribeiras do Apodi e do Açu, e em janeiro de 1688 um grupo
dos Panati aproxima-se de Natal, chegando até Ceará-Mirim-RN200.
No início de janeiro de 1688, o coronel Antonio de Albuquerque Câmara, com
trezentos homens e após travar um combate nas cabeceiras do rio Assu durante todo o dia com
mais de três mil arcos, recua para a casa forte do Cuó, trazendo 27 soldados mortos e muitos
feridos, deixando a capitania em polvorosa. Os moradores começam a deixar a capitania. 201
Em 11 de Janeiro de 1688, Albuquerque Câmara baixa um edital pedindo para que
fossem denunciados todos aqueles traidores da causa que se ausentasse da jurisdição da
capitania; esses teriam como castigo a prisão na casa escura da fortaleza dos Reis Magos e as
suas terras confiscadas para cobrir as ―despesas da guerra‖.
A situação era tão grave que a mesma pena cairia sobre aqueles que soubessem de
casos de deserção e não denunciassem ao Capitão-Mor ou ao Senado da Câmara de Natal.
Dias depois, lançou outro edital declarando perdoados de seus crimes todos aqueles que
acudissem ao combate contra os índios. 202
199
PIRES, Maria Idalina da Cruz. Guerra dos Bárbaros: resistência indígena e conflitos no Nordeste colonial.
Recife: Editora Universitária (UFPE), 2002. Pag. 64-65.
200
Os Panati acamparam em um lugar chamado ―azul‖ ou do ―Silva‖, mais tarde conhecido como
―Capela‖, próximo ao rio Água Azul. Daí surgir, por vezes, a expressão índios Capella. Nota do autor.
201
Em carta datada de 22 de janeiro de 1689, os oficiais da Câmara de Natal solicitam ao governador de
Pernambuco, Bispo Matias de Figueredo e Mello, que os soldados enviados permaneçam para dar segurança aos
moradores da capitania, já que somente permaneciam em Natal quatro homens, que ficaram à força. MARIZ,
Marlene da Silva. Repertório de Documentos para a História Indígena Existente no Instituto Histórico e
Geográfico do Rio Grande do Norte. Coleção Mossoroense. Série C, N.º1. UFRN: Natal, 1995. Pág. 117.
202
MARIZ, Marlene da Silva. Repertório de Documentos para a História Indígena Existente no Instituto
Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. Coleção Mossoroense. Série C, nº. 871. UFRN: Natal, 1995. Pág.
113 e 114.
1
0
2
203
PUNTONI, Pedro. A guerra dos Bárbaros. Povos indígenas e a Colonização do Sertão Nordeste do
Brasil, 1650-1720. Tese de Doutorado, USP, 1998. Pág. 08.
204
MARIZ, Marlene. História do Rio Grande do Norte. Editora Sebo Vermelho, Natal, 2002. Pág. 99.
205
Provavelmente ocorreu um fortalecimento dos arraiais ou presídios já existentes, pois em certidão de Junho
de 1687, o comandante Manuel de Abreu Soares já mencionava a construção na ribeira do Açu de um arraial com
paliçada feitas das madeiras dos matos locais. Cascudo menciona a construção de dois quartéis no Açu, com 150
homens cada um e mais 40 infantes. Todos desertam porque estão passando fome. Os mantimentos prometidos por
Pernambuco não chegam. O capitão Manuel de Abreu Soares acompanha seus homens que largam os quartéis e
enterra um canhão de bronze. CASCUDO, Luís da Câmara. História do Rio Grande do Norte. 2 edição. Rio de
Janeiro: Achiamé, Natal: Fundação José Augusto, 1984. Pág. 98-99. Em Junho de 1690, os paulistas do terço de
Matias Cardoso ocuparam o arraial que havia sido abandonado por Manuel de Abreu Soares. Em Dezembro de
1691, o rei achava que o presídio do Açu era mui conveniente para impedir o dano que nos fazem os índios.
PUNTONI, Pedro. A guerra dos Bárbaros. Povos indígenas e a Colonização do Sertão Nordeste do Brasil, 1650-
1720. Tese de Doutorado, USP, 1998. Pags. 113 e 128.
1
0
3
A primeira tentativa oficial de repressão aos tapuias da ribeira do Açu foi tomada pelo
Capitão-Mor do Rio Grande, Pascoal Gonçalves de Carvalho, nomeando um certo Manuel de
Prado Leão como Capitão dos homens que servem na região do Açu, visando a defesa dos
colonos da região, mas que, aparentemente, não teve efeito prático nenhum.207 O senado da
Câmara de Natal envia o oficial Manuel Duarte de Azevedo ao Estado da Bahia208 em busca
de reforços, solicitando também homens da Paraíba e de Pernambuco. Atendendo aos apelos,
a Capitania de Pernambuco envia o terço de Henrique Dias, com cinco companhias,209
reforçadas com homens da Paraíba:
Partira, afinal, de Pernambuco, a 18 de Maio (1688), com cinco companhias, o terço dos
pretos de Henrique Dias, do qual fora sucessor, como mestre de campo, Jorge Luís Soares e,
atravessando a Parahyba, recebeu um reforço de índios e africanos, e seguiu para o Assú, base
das operações. 210
206
SILVA, Roberto Airon. Arqueologia colonial: as casas fortes (de pedra) como unidades de defesa e
ocupação no Rio Grande do Norte. Revista Mnemes. Dossiê arqueologias brasileiras. V. 5, nr. 13.
Dez/2004/Jan/2005. Pag. 08.
207
PUNTONI, Pedro. Op. Cit. Pag. 106.
208
No final do século XVII, a capitania do Rio Grande do Norte era subordinada, administrativamente, a
capitania da Bahia. Com a Carta Régia de janeiro de 1701, passou a ser subordinada a capitania de Pernambuco.
Nota do autor.
209
―Em 1688, cinco companhias henriques são deslocadas de Pernambuco para o Açu, comandadas por seu
mestre de campo, então Jorge Luís Soares. As cinco deveriam equivaler a um total de 500 homens, se nos
basearmos nos padrões de organização militar portuguesa. No entanto, considerando que os contingentes
institucionais raramente perfazem o total exigido por companhia, é provável que Soares não contasse com esses 500
homens. No caso de ser este o contingente mencionado junto à expedição de Manuel de Abreu Soares, citada no
quadro 18, o mestre de campo negro conta apenas com 100 homens na ocasião.‖ SILVA, Kalina Vanderlei Paiva
da. ―Nas vastas solidões e assustadoras” – Os pobres do açúcar e a conquista do sertão de Pernambuco nos
séculos XVII e XVIII. Tese de Doutorado, UFPE, Recife, 2003 . Pag. 275.
210
LEMOS, Vicente. Capitães-mores e governadores da capitania do Rio Grande do Norte. Rio de Janeiro:
Tipografia do Jornal do Comércio, 1912, v. 1. Pag. 44.
1
0
4
211
A mais antiga referência documental sobre a casa forte do Cuó data de 1683 (pode ter sido construída
bem antes), e teria sido construída pelo coronel Antonio de Albuquerque Câmara (que possuía uma sesmaria na
região desde 1679), as margens do rio Seridó, no sítio Penedo, tendo servido inicialmente como habitação, e
posteriormente como posto defensivo entre os anos de 1687-1695. Em 1695 é construída uma capela vizinha a
casa forte do Cuó. (As ruínas dessas duas construções, assim como os alicerces de um pequeno arraial nas suas
proximidades, podem ser vistas até hoje na zona urbana da cidade de Caicó-RN). A denominação cuó deriva de
Acauã (tupi), que na língua tarairiu significava pássaro devorador de cobras; Em seguida foi acrescentada a
expressão ―Quei‖, que na língua tarairiu significava ―Rio‖, derivando o termo ―queicó‖ (O atual rio Seridó, que é
um dos afluentes do rio Piranhas/Assu, era chamado no século XVII pelos tapuias de Cuó ou Quoaoguh), dando
origem toponímica ao atual município de Caicó, no Estado do Rio Grande do Norte. Vide fotos com as ruínas do
forte do Cuó no capítulo 08 deste trabalho.
212
Manoel de Abreu Soares já tinha conhecimento das ―asperezas do sertão‖ do interior da capitania do
Rio Grande, pois já tinha recebido uma sesmaria, desde 20 de Maio de 1660, em terras existentes pelo rio Jacu
acima. PINTO, Marcos. Índice onomástico das Datas e Sesmarias do Rio Grande do Norte (Primeiro volume –
1600-1716). Coleção Mossoroense, Série C, Volume 1148, Mossoró-RN, Junho/2000. Pag. 47.
213
MEDEIROS FILHO, Olavo de. Os índios do Açu e do Seridó. Senado Federal. Centro Gráfico: Brasília:
1984. Pág.118.
214
CALMON, Pedro. História do Brasil. Companhia Editora Nacional, São Paulo-SP, 1941. Pag. 406.
215
MEDEIROS FILHO, Olavo de. Os índios do Açu e do Seridó. Senado Federal. Centro Gráfico:
Brasília: 1984. Pág. 118 e 119.
216
Foram organizadas várias companhias: ―De um lado, as tropas que partiriam de Pernambuco,
reorganizadas em torno do núcleo inicial de Albuquerque Câmara e de Manuel de Abreu Soares, e de outro,
vindo do Sul, as tropas dos paulistas que marchavam para Palmares, reforçadas pela bandeira de Matias Cardoso,
outro paulista que se achava, na ocasião, entretido no sertão do rio São Francisco‖. PUNTONI, Pedro. A guerra
1
0
5
Soares com 150 infantes da Praça de Olinda e 25 soldados de Itamaracá, 100 soldados pretos
do terço dos Henriques e 400 índios do Diogo Camarão, que desde o final de 1687217 teria
marchado para o sertão de Piranhas218 para se encontrar com o governador paulista,
Domingos Jorge Velho, e o coronel Antonio de Albuquerque.219 A estratégia de guerra seria
voltada para várias frentes de combate chegando à zona dos conflitos por caminhos diferentes:
Assim é que, após as primeiras expedições institucionais, a tática básica é a das duas frentes
de combate: uma com os institucionais de Pernambuco e a outra, pelo sul, com os paulistas
contratados pelo governo geral. Mas o aparente fracasso dessa estratégia leva o governo a
modificá-la, retirando a maior parte das tropas institucionais e dando mais ênfase às forças
paulistas.221
Foram várias expedições oficiais organizadas pela coroa portuguesa entre o período de
1687 a 1720 para combater os tapuias no vale do Açu e nas Ribeiras do Piranhas e do
Jaguaribe, envolvendo um número variável de paulistas, índios, negros e colonos brancos.
Devido ao ―sucesso‖ obtido nas campanhas militares contra os índios tapuias, os terços
paulistas terminariam sendo institucionalizados para garantir a ―paz‖ no Açu:
dos Bárbaros. Povos indígenas e a colonização do sertão nordeste do Brasil, 1650-1720. Tese de Doutorado,
USP, 1998. Pag. 111.
217
Existem informações de que o cabo Manoel de Abreu Soares, com 150 infantes e quatro capitães de
ordenanças, juntamente com os índios do Diogo Camarão, já estaria nos sertões do Açu desde 1686. Fátima
Martins Lopes. ―Índios, Colonos e Missionários na colonização da capitania do Rio Grande do Norte”. Coleção
Mossoroense, Série C, Volume 1379, Mossoró-RN, 2003. Pág. 147. Existe uma carta dos oficiais da Câmara de
Natal, endereçada ao capitão-mor da Paraíba, datada de 01 de Março de 1687, pedindo ajuda e informando que o
capitão Manuel de Abreu Soares havia partido para o sertão a fim de combater os índios, não escapando dele
nem as crianças. MARIZ, Marlene. Repertório de Documentos para a História Indígena Existente no Instituto
Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. Coleção Mossoroense. Série C, N.º 871. UFRN: Natal, 1995.
Pág. 111.
218
―Por Piranhas entendia-se todo o alto sertão da Paraíba, das Espinharas ao Rio do Peixe e parte do Rio
Grande do Norte (Seridó)‖ ALMEIDA, Horácio de. História da Paraíba. Editora Universitária, 1978, João Pessoa-
PB. Pag. 55.
219
PUNTONI, Pedro. Op. Cit. Pág 114.
220
ALMEIDA, Horácio de. Op.Cit. Pag. 55.
221
SILVA, Kalina Vanderlei Paiva da. “Nas vastas solidões e assustadoras” – Os pobres do açúcar e a
conquista do sertão de Pernambuco nos séculos XVII e XVIII. Tese de Doutorado, UFPE, Recife, 2003. Pag.
271.
1
0
6
ANO EXPEDIÇÃO
1687 Expedição de Manuel Prado Leão com homens do Açu;
A presença das forças paulistas foi solicitada através de carta escrita por Matias da
Cunha, diretamente a Domingos Jorge Velho, para que viessem homens ―experimentados‖ nas
lutas das matas, os chamados ―terços dos Paulistas‖, devido à urgência da situação.
Em Março de 1688, Domingos Jorge Velho, que divagava com seus companheiros –
uns quatrocentos – pelos sertões do Piauí que tinha ajudado a descobrir,222 já estava no
caminho para combater o quilombo dos Palmares,223 quando recebe ordens do governador
geral do Brasil, Matias da Cunha, para vir para a ribeira do rio Piranhas, combater os tapuias.
Inicia então a caminhada em direção ao sertão do Açu com mil homens de arcos, 200
de espingardas, e 84 brancos em uma marcha de mais de 300 léguas do certão de Piauhy, e
Canindé até as Piranhaz considerada a mais trabalhosa, faminta, sequiosa, e desamparada
que até hoje houve no dito sertão, nem quiçás haverá, salvo se for pelos mesmos passos, onde
morrem durante o trajeto 132 pessoas de fome, sede e misérias, e mais 63 de doenças e
fugidas mais de 200 que se não atreveram a tanta miséria. 224
222
CALMON, Pedro. História do Brasil. Companhia Editora Nacional, São Paulo-SP, 1941. Pág. 404.
Uma outra informação bibliográfica menciona um provável pioneirismo do bandeirante paulista na exploração do
sertão piauiense: ―Perdura a dúvida sobre quem descobriu o Piauí: se o Domingos Afonso Mafrense, se o
Domingos Jorge Velho. Segundo documento publicado por F. A. Pereira da Costa na sua cronologia histórica do
Estado do Piauí, o feito pertence ao paulista Domingos Jorge Velho, e não ao português – Domingos Afonso.
Trata-se de uma carta de sesmaria, assinada por Francisco de Castro Moraes, governador de Pernambuco, datada
de 3 de Janeiro de 1705, fazendo concessão de terras piauienses às margens dos rios Poty e Parnaíba, à
Jerônima Cardim Fróes, viúva do mestre de campo Domingos Jorge Velho, bem como a alguns dos oficiais
do terço que o mesmo organizava e ali estacionava. Esses agraciados, no requerimento que dirigiram ao referido
governador, solicitando a concessão das terras que lhes foram dadas, declararam que Jorge Velho marchou do
Piauí para a guerra dos Palmares em 1687, com sua gente, deixando todas as fazendas e lavouras situadas nas
margens dos rios Poty e Parnaíba, onde tiveram seus domínios cerca de vinte e quatro ou vinte e cinco anos.
Donde se deduz que o paulista deve ter chegado ao Piauí por volta de 1662, portanto, doze anos mais ou menos
antes do Mafrense.‖ GOULART, José Alípio. O ciclo do couro no Nordeste. Serviço de Informação Agrícola,
Ministério da Agricultura, Rio de Janeiro, 1966. Pag. 19. Alguns autores contestam a vinda de Domingos Jorge
Velho do Piauí: ―A afirmação tradicional de que entrara na Paraíba pelo oeste, vindo do Piauí, onde estivera
fundando fazendas de gado, juntamente com Domingos Afonso Sertão, o mesmo Domingos Afonso Mafrense, já
não prevalece à vista de documentos posteriormente revelados. Os seus passos pelo nordeste podem ser
restabelecidos à base de provas insofismáveis. Andava Domingos Jorge Velho com um troço de paulistas, aí
pelo ano de 1687, ocupado em aprisionar índios nos sertões do São Francisco‖. ALMEIDA, Horácio de.
História da Paraíba. Editora Universitária, 1978, João Pessoa-PB. Pag. 54.
223
Domingos Jorge Velho tinha sido convocado primeiramente para combater nos quilombos dos
palmares, através de cartas enviadas pelo governador de Pernambuco João da Cunha Sotto-Maior, sendo a
primeira em 07 de Novembro de 1685 (CALMON, Pedro. História do Brasil. Companhia Editora Nacional, São
Paulo-SP, 1941. Pág. 404) e a segunda em 11 de Março de 1687, onde solicitava a ajuda das forças paulistas. Em
08 de Março de 1688 recebe carta do governador geral, Matias da Cunha, para vir combater os tapuias no Rio
Grande. MEDEIROS FILHO, Olavo de. Notas para a História do Rio Grande do Norte. Centro Universitário de
João Pessoa, Março, 2001. Pág. 122.
224
ENNES, Ernesto. As guerras nos Palmares. Domingos Jorge Velho e a Tróia Negra. 1687-1700.
Companhia Editora Nacional. Primeiro Volume, Lisboa-Portugal, 1938. Pág. 75.
1
0
9
Recebeu então a patente de mestre de campo e investido no posto partiu do sertão de Rodelas,
na Bahia, com o seu terço contra o gentio que assolava a Capitania do Rio Grande. O terço se
compunha de 1.200 índios e 84 homens brancos. Para vencer o percurso subiu o Pajeu, no
sertão de Pernambuco até alcançar as suas cabeceiras. Logo adiante, no divisor de águas,
começa o território da Paraíba. Aí chegando, transpôs a Borborema na direção do Piranhas. 226
E chega então, Domingos Jorge Velho, o governador das armas paulistas e futuro
―carrasco do quilombo dos Palmares‖. Em 05 de Junho de 1688 já está na ribeira do rio
Piranhas, aliando suas forças com as do coronel Antonio de Albuquerque da Câmara que
estavam lotadas na casa forte do Cuó, as margens do rio Seridó.
Em 02 de Agosto trava seu primeiro combate com os tapuias e em 29 de Setembro,
227
outra batalha com duração de quatro dias. Consegue repelir os tapuias, livrando o coronel
Antonio de Albuquerque, que estava sitiado. Seguindo as suas táticas de caça aos índios,
promete perseguir ao gentio bárbaro estroindo, e degolando athe finalmente o acabar.
Em uma carta, datada de 27 de Agosto desse mesmo ano, enviada ao governador geral
da colônia, comunica que apenas numa batalha havia degolado 260 nativos,228 fato para ele
bastante comum, diante dos genocídio que já praticara contra os índios de outras capitanias.
O bispo de Pernambuco, D. Frei Francisco de Lima, traçou um pequeno retrato de suas
impressões pessoais a respeito da ―selvageria‖ de Domingos Jorge Velho:
Este homem é um dos maiores selvagens com que tenho topado: quando se avistou comigo
trouxe consigo língua (intérprete), porque nem falar sabe, nem se differença do mais
bárbaro tapuia, mais que em dizer que é cristão, e não obstante o haver-se casado de
225
Idem. Pág. 77.
226
ALMEIDA, Horácio de. História da Paraíba. Editora Universitária, 1978, João Pessoa-PB. Pag. 54-55.
227
MEDEIROS FILHO, Olavo de. Notas para a História do Rio Grande do Norte. Centro Universitário
de João Pessoa, Março, 2001. Pág. 124 e 125.
228
Citado por Denise Matos Monteiro, em ―Introdução a História do Rio Grande do Norte‖, 2 edição,
pág.86. Essa degola teria ocorrido após um combate na serra do Acauã (hoje Serra da Rajada), em Agosto de
1689. Aconteceria também outro importante combate nessa mesma serra em Outubro de 1690. Nota do autor.
1
1
0
pouco, lhe assistem 7 índias concubinas, e daqui se pode inferir, como procede no mais, tendo
cido a sua vida desde que teve uzo da razão (se é que teve,porque assim foi, de sorte a perdeu,
que entendo a não achará com facilidade) até o prezente andar metido pelos matos à caça de
índios, e índias, estas para o exercício das suas torpezas e aqueles para os grangeios dos seus
interesses...229
Interessado nos lucros que poderia ganhar com a autorização concedida para escravizar
uma parte dos índios,230 Jorge Velho dá início à repressão aos tapuias da forma mais brutal a
qual estava acostumado e de acordo com as ordens recebidas:
Vossa mercê dirija a entrada e guerra que há de fazer aos bárbaros como entender que possa
ser mais ofensiva degolando-os e seguindo-os até extinguir, de maneira que fique exemplo
deste castigo a todas as demais nações que confederadas com eles não temiam as armas de sua
Majestade que considero vitoriosas indo a cargo de V. Mercê... 231
229
ENNES, Ernesto. As guerras nos Palmares. Domingos Jorge Velho e a Tróia Negra. 1687-1700.
Companhia Editora Nacional. Primeiro Volume, Lisboa-Portugal, 1938. Pág. 127.
230
Principalmente as mulheres e crianças, já que os ―bárbaros grandes‖ teriam que ser exterminados. Nota
do autor.
231
PIRES, Maria Idalina da Cruz. Guerra dos Bárbaros: resistência indígena e conflitos no Nordeste
colonial. Recife: Editora Universitária (UFPE), 2002. Pag. 66.
1
1
1
O combate aos tapuias por Domingos Jorge Velho acontece de forma sistemática e
sem qualquer tipo de piedade. Matias da Cunha, satisfeito com as notícias recebidas das
campanhas no sertão efetuadas pelos paulistas, fortalece a prática do genocídio, estimulando
Jorge Velho ao dizer que:
Espero que vosmecê me repita novas de outros maiores sucessos, até finalmente me vir a
última, e mais gloriosa de se ter acabado a guerra e ficarem totalmente extintos os bárbaros.
232
declaradamente dos bárbaros, que entrando naquela campanha quase 900 homens, se não
acharam seus cabos com 200.234
..Chegado eu abaixo me mandou o governador geral q- então hera Mathias da Cunha, trocer
caminho e fosse acudir a Capitania do Rio Grande q- a infestava no Assú, e Piranhas, o
Tapuia levantado yanduim,ao q- obedecy logo, e hey graças a Deus nessa guerra o q- a
V.Mag. não se devia ocultar, e nelle perdy muitos servos meus de guerra q- aquella desta
qualidade não os melhores em tudo o orbe. Depois de eu a ter posto em bons termos,
destruído muitos gentios desse e cativado a hua aldeã dos rebelados q- debaixo de enganos
fazião muitos insultos (e herão o q-chamão os silvas) mandarão os governadores de
Pernambuco, a requerimento dos Padres da Companhia q- eu os tornasse a por em sua
liberdade, e assy o fis (e elles são hoje os q- tornão a renovar essa rebelião e guerra) com q-
nenhû lucro me ficou dessa guerra p. algû tanto refazerme de alguns trezentos servos q-
nella ou por sua causa perdi.....236
234
Carta de Matias da Cunha ao governador de Pernambuco, datada de 28.08.1688. PUNTONI, Pedro. A
guerra dos Bárbaros. Povos indígenas e a Colonização do Sertão Nordeste do Brasil, 1650-1720. Tese de
Doutorado, USP, 1998. Pag. 116.
235
―Sobre a venda de indígenas como escravos também recaíam impostos: de um lote de indígenas
aprisionados, um quinto deveria ser vendido como escravos em praça pública, sendo o dinheiro arrecadado com
essa venda recolhido aos cofres da coroa portuguesa.‖ MONTEIRO, Denise Mattos. Introdução a História do
Rio Grande do Norte. Natal: Editora da UFRN, 2000. Pag. 67.
236
Carta de Domingos Jorge Velho, de 15 de Julho de 1694, escrita durante a campanha dos Palmares.
Arquivo Histórico de Lisboa-Portugal.
1
1
3
propria custa da sua fazenda, com o seu trabalho, e com m.risco de sua vida e dos quaes elle
tem perdido ao redor de 400 na guerra do Assu.237
Serra da Rajada.
237
SILVA, Kalina Vanderlei Paiva da. ―Nas vastas solidões e assustadoras” – Os pobres do açúcar e a
conquista do sertão de Pernambuco nos séculos XVII e XVIII. Tese de Doutorado, UFPE, Recife, 2003. Pag. 317.
1
1
4
Mesmo com toda repressão utilizada por Domingos Jorge Velho, os combates
continuam e o desânimo começa a tomar conta dos portugueses, devido à falta de munições e
outros suprimentos:
Apesar da presença dos paulistas de Domingos Jorge Velho, das tropas do pernambucano
Manoel Abreu Soares e as de Antonio Albuquerque da Câmara, auxiliados pelos terços dos
camarões e de Henrique Dias, nos sertões do Açu, os índios continuavam a vencer as batalhas.
Seja pelo maior conhecimento que tinham da região, seja pela sua tática de guerrilhas que
deixava os portugueses assustados, ou mesmo, pelas grandes dificuldades por que os soldados
passavam, necessitando sempre de munições, fardas e alimentos, sem falar na constante falta
de água potável. 239
238
SEIXAS, Wilson. O velho arraial de Piranhas (Pombal). Coleção Mossoroense, Série C, nº 691,
Mossoró, 1991. Pág. 21 e 22.
239
LOPES, Fátima Martins. ―Índios, colonos e missionários na colonização da Capitania do Rio Grande
do Norte‖. Coleção Mossorense, Série C, Volume 1379, Mossoró-RN, 2003. Pág.149.
1
1
5
Câmara Cascudo
240
CASCUDO, Luís da Câmara. História do Rio Grande do Norte. 2 edição. Rio de Janeiro: Achiamé, Natal:
Fundação José Augusto, 1984. Pag. 95.
241
Carta do arcebispo para os mestres-de-campos, datada de 30.11.1688. PUNTONI, Pedro. A guerra dos
Bárbaros. Povos indígenas e a colonização do sertão nordeste do Brasil, 1650-1720. Tese de Doutorado, USP,
1998. Pág. 112.
1
1
6
tapuias (chamados de Jandoins) deveriam ser utilizadas a indústria e as armas para a quietação
dos indígenas rebelados, pois eles eram diferentes dos demais casos, haja vista que não têm
aldeias nem parte certa em que viviam e sempre andam volantes, sustentando-se dos frutos da
terra e caça que matam e tentar castigá-los somente pelo uso da força seria quase impossível e
muito inconveniente. 242
Os tapuias não utilizavam a forma européia de combater, ou seja, não enfrentavam
diretamente os inimigos em campo aberto e de forma organizada em batalhões ou
companhias. Pelo contrário, suas avançadas são de súbito, dando urros que fazem tremer a
terra para meterem terror e espanto e logo se espalham e se metem detrás das árvores,243
desaparecendo de forma tão ligeira quanto apareceu, ou seja, fazem eles por astúcia o que
não podem fazer por fôrça, e preferem enganar o inimigo, a experimentá-lo em guerra
aberta; mas, compelidos pela necessidade não recuam da luta:244
Eles vão nus, e descalços, ligeiros como o vento, só com arco e flechas, entre matos, e
arvoredos fechados, os nossos soldados embaraçados com espadas, carregados com
mosquetes, e espingardas e mochilas com seu sustento, ainda que assistem o inimigo não o
podem seguir, nem prosseguir a guerra....245
242
Consulta do conselho ultramarino, 30/03/1688. PUNTONI, Pedro. A guerra dos Bárbaros. Povos
indígenas e a colonização do sertão nordeste do Brasil, 1650-1720. Tese de Doutorado, USP, 1998. Pág. 118.
243
―Breve compêndio...‖ RIAP, 51; 267 1979. PUNTONI, Pedro. Idem. Pag. 165.
244
BARLÉU, Gaspar. História dos feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil e noutras
partes sob o governo do ilustríssimo João Maurício Conde de Nassau, (1647), trad. Port. Belo horizonte/São Paulo,
Itatiaia/Edusp, 1974. Pag. 261.
245
―Sobre os tapuias que os paulistas aprisionaram na guerra e mandaram vender aos moradores do
Porto do Mar, e sobre as razões que há para se fazer a guerra aos ditos tapuias (1691). Ajuda 54 XIII 16, Fl
162. PUNTONI, Pedro. Op.Cit. Pag. 166.
246
Documento anônimo. PUNTONI, Pedro. Op. Cit. Pág. 166.
1
1
7
selados, com pistolas e cravinas aparelhadas de prata e muita pólvora e bala. 247 Entretanto,
mesmo os cavalos foram pouco utilizados pelo militares portugueses, pois no sertão semi-
árido, onde as juremas e outros arbustos espinhosos dificultava o avanço dos animais, o uso
do cavalo se fazia ainda mais inconveniente e praticamente impossibilitava a perseguição dos
tapuias, destros em se internar na caatinga.248
Essa apropriação e utilização das armas de fogo pelos tapuias tinham suas raízes no
tráfico com piratas249 que rondavam a costa potiguar,250 especialmente a foz do rio
Piranhas/Assu, que era navegável até 50 km em direção ao interior, nas compras efetuadas aos
soldados desertores, tomado à força aos moradores da capitania, ou adquiridos dos militares
mortos em combates. O capitão-mor Bernardo Vieira alegava que os bárbaros eram capazes
de se unir com qualquer outra nação que não for a portuguesa, dando-se-lhes armas de fogo
de que são muito destros contra ela.251.
Existe também a possibilidade dos tapuias terem fabricado a pólvora necessária na
utilização dessas armas, pois os portugueses alertavam sobre trazerem os bárbaros armas de
fogo e não lhes faltar pólvora, quando elles não a fabricam.....252
Para isso, foi necessário utilizar qualquer tipo de estratégia para garantir sua
sobrevivência, até mesmo adquirir armas dos piratas do mar, pois os 'Tapuia não exerceram
247
Carta dos oficiais da Câmara de Natal ao Governador de Pernambuco, Félix José Machado de
Mendonça Eça Castro e Vasconcellos, datada de 02.12.1712.
248
PUNTONI , Pedro. A guerra dos Bárbaros. Povos indígenas e a colonização do sertão nordeste do
Brasil, 1650-1720. Tese de Doutorado, USP, 1998. Pág. 27.
249
―...Navios corsários, que aportavam no delta do Assu e na embocadura do Jaguaribe trouxeram armas e
munições alentando a revolta‖. MEDEIROS, Tarcísio. Aspectos geopolíticos e antropológicos da História do
Rio Grande do Norte. Imprensa Universitária, Natal-RN, 1973.
250
Em 13 de Outubro de 1685, o Capitão-Mor do Ceará, Sr. Sebastiaõ de Sá, alertava ao Governador de
Pernambuco, Sr. João da Cunha Souto Maior, sobre a presença de piratas holandeses na ribeira do Açu. Arquivo
Histórico Ultramarino de Lisboa. AHU – RIOGRANDE DO NORTE - Cx 1. D. 21. Em carta dos oficiais da
Câmara de Natal ao governador de Pernambuco, João da Cunha Souto Maior, datada de 29 de Maio de 1688, já
havia o alerta para a ouzadia crescente dos tapuias que pode ocasionar a perda da região não só para os
tapuias, mas também para “os piratas” que costumam aparecer pela costa. MARIZ, Marlene. Repertório de
Documentos para a História Indígena Existente no Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte.
Coleção Mossoroense. Série C, N.º 871. UFRN: Natal, 1995. Pág. 116. Em outra carta, datada de 02 de Julho
de 1689, a Câmara de Natal pede ao Rei de Portugal medidas urgentes para evitar que o gentio bárbaro comercie
com piratas do norte que aportam naquelas enseadas. Idem. Pág. 123. Câmara Cascudo menciona que “O rio
Açu abrigava dezenas e dezenas de barcos de pesca de Pernambuco, e doutras capitanias, com comunicação
freqüente e comércio com a indiada, inclusive venda de armas de fogo”. CASCUDO, Luís da Câmara. História
do Rio Grande do Norte. 2 edição. Rio de Janeiro: Achiamé, Natal: Fundação José Augusto, 1984. Pág. 96.
251
Carta de Bernardo Vieira Ravasco ao conde de Alvor em 05/08/1694. PUNTONI, Pedro.Op.Cit. Pag.
215. ―...além disto, infestavam as costas os piratas, mettidos pelas salinas em commércio constante com os
selvagens a quem insuflavam o ódio contra os portugueses‖. LEMOS, Vicente. Capitães-mores e governadores
da capitania do Rio Grande do Norte. Rio de Janeiro: Tipografia do Jornal do Comércio, 1912, v. 1. Pag. 37.
252
Carta do frei Manuel da Ressurreição, então governador, ao capitão Manuel de Abreu Soares, datada de 06
de Dezembro de 1688. PUNTONI, Pedro. Op.cit. Pag. 214.
1
1
8
apenas o papel de vítimas mudas ou de protagonistas de uma cega, quanto inútil resistência,
mas souberam também (ou pelo menos tentaram) se inserir nas contingências históricas em
função de seus interesses de sobrevivência física e cultural. 253
253
CRISTINA, Pompa. Religião como tradução: missionários, Tupi e Tapuia no Brasil Colonial. Bauru,
SP: EDUSC, 2003, 444 p.pág. 218.
254
SILVA, Abrahão Sanderson Nunes Fernandes da. Vestígios de um Rio Grande do Norte sem fronteiras:
a relação da História, da Arqueologia e da Etnografia com a coleção indígena do Museu Histórico Lauro da
Escóssia, 1948-2002. UFRN: Monografia de conclusão de especialização em História do Campo e da Cidade,
Natal-RN, 2004. Pag. 45.
1
1
9
Eis aqui os presentes que me enviaram há pouco, convidando-me para seguir o seu partido
contra vós outros, holandeses, prometendo-me mandar muitos outros, caso eu quissese ser dos
seus. Veja estes machados, estas machadinhas, estas foices, estes facões e outros
instrumentos de ferro; A menor peça vale mais que tudo aquilo que os vossos senhores
holandeses jamais me enviaram. 257
Outra arma bastante utilizada era a clava, feita com madeira preta muito resistente, que
possuía (em alguns modelos) nas extremidades ossos encravados ou dentes pontiagudos, onde
colocavam franjas de algodão ou de plumas em volta e na ponta do cabo, e uma borla
pendente do meio da clava, chamada de atirabebe e iatirabebe.258 Era comum também a
utilização de machadinhas, feitas de pedra polida, com longos cabos de madeira e adornados
com penas multicoloridas:
255
SPENCER. Walner Barros. Os nativos do RN. Artigo publicado em 27 de Agosto de 2004, pela
Natalpress. Com
256
CARDIM, Fernão. Tratados da terra e gente do Brasil. Belo Horizonte: Editora Itatiaia; São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo, 1980. Pag. 95.
257
MOREAU, Pierre. BARO, Roulox. História das últimas lutas no Brasil entre holandeses e
portugueses e relação da viagem ao país dos tapuias. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: EDUSP, 1979 . Pag.
12.
258
Idem. Pag. 116.
1
2
0
...Contra o inimigo em fuga não usam mais os agudos dardos, mas valem-se de pesados
espadões de madeira preta; correm com velocidade incrível, saltam inteiramente nus por
mencionado, com grandes berros para o meio dos seus, invocando incontinenti o demônio a
Outro detalhe que foi subestimado pelos portugueses e que deve ser observado no
tocante a resistência, é que as batalhas entre tapuias e militares a serviço dos colonizadores
por vezes duravam horas, e até mesmo dias, mostrando que a quantidade de tapuias na região
era bem superior as estimativas portuguesas que beiravam entre 13 a 14 mil indígenas, como
podemos deduzir do relato de apenas um combate mencionado na folha de serviços prestados
pelo sargento Pedro de Albuquerque da Câmara:
.. Em alguas occaziões de guerra que houve com o gentio bárbaro da nação Janduim, quan se
levantou contra aquellas capitanias, matando a seus moradores, e roubandolhe os seus gados,
e principalmente na de 6 de janeyro de 688 em que se pelejou com o ditto inimigo das seiz
horaz da manhã, até a noyte, em que recebeo grande perda de mortos, e feridos, sendo o
poder do gentio maiz superior, por ser de seiz mil homens,...260
259
WAGNER, Zacharias. “Thierbuch”. Brasil Holandês. Volume II. Rio de Janeiro: Editora Index, 1997.
Pag. 168.
260
Consulta do Conselho Ultramarino de 11 de Dezembro de 1694 sobre nomeação de pessoas para o
posto de Capitão-Mor do Rio Grande por tempo de trez annos. Arquivo Histórico de Lisboa-Portugal.
1
2
1
O contato destes povos com as guerras européias poderia ter levado a uma melhor
compreensão, por parte dos índios, da lógica expansionista do conquistador europeu ou
mesmo a apropriação das técnicas de guerrear, conforme o caso de Potiguares e tapuias e suas
alianças com franceses, portugueses e holandeses. Isto, no entanto, não os converteu em
povos sedentários, dispostos a estabelecer-se em um espaço e mantê-lo, conforme a lógica
ocidental. Serviu para manter por longo tempo e força o processo de resistência indígena
à expansão material do colonizador em suas terras. 261
O que os índios tapuias da Capitania do Rio Grande estavam tentando era manter a
própria sobrevivência de seu grupo cultural e a defesa do seu espaço geográfico, de onde eles
261
PORTO, Maria Emília Monteiro. Fronteira: Jesuítas e missões no Rio Grande colonial.
http://www.cafefilosofico.ufrn.br/emilia.htm.
1
2
2
tiravam o sustento de seus filhos há séculos. Na verdade, eles não queriam era a presença de
qualquer tipo de colonizador que viessem a usurpar as terras dos seus antepassados:
Não posso obter desses índios o mínimo serviço ou auxílio sem pagar. Dizem que nada
absolutamente fizeram para os portugueses e muito menos hão de fazer alguma coisa para nós,
porquanto a terra lhes pertence. 262
262
Carta de 19 de Abril de 1638 do Tenente holandês Hendrick van Ham (comandante do fortim São
Sebastião no Ceará) ao Supremo Conselho em Recife. ROSADO, Vingt-um. ROSADO, Amélia. Os holandeses nas
salinas do rio Mossoró. Coleção Mossoroense, Volume 333, 1987. Pág. 132.
1
2
3
263
Requerimento do Juiz Ordinário Francisco Gomes, em nome do povo da Capitania do Rio Grande, ao
mestre-de-campo Domingos Jorge Velho, datado de 23 de Março de 1689. MEDEIROS FILHO, Olavo. Índios
do Açu e do Seridó. Brasília: Ed. Do Senado, 1984. Pág. 128.
264
Carta dos oficiais da Câmara de Natal ao arcebispo e governador de Pernambuco, Matias de Figueredo
e Mello, datada de 22 de Janeiro de 1689, menciona que um grupo de índios tapuias (Panatis) tinha solicitado
uma audiência com o Capitão-Mor Agostinho Cezar de Andrade para conversar e ver se chegavam a um acordo
de paz. MARIZ, Marlene. Repertório de Documentos para a História Indígena Existente no Instituto Histórico e
Geográfico do Rio Grande do Norte. Coleção Mossoroense. Série C, N.º 871. UFRN: Natal, 1995. Pág. 117.
265
Jorge Velho ficaria efetivamente nos combates até o final de 1689. Em 04 de Março de 1690 veio o
―Alvará de reformação dos postos da guerra do Rio Grande‖, determinando a ida de Domingos Jorge Velho para
Palmares, mas ele ficaria oficialmente vinculado a campanha até 03 de abril de 1690, quando viria a ser
desobrigado definitivamente dessa tarefa pelo governador geral, e ser designado para combater somente os
quilombos dos Palmares, ficando a cargo do paulista Matias Cardoso de Almeida terminar o ―serviço‖. Mesmo
1
2
4
Será presente a S. Majestade que em nenhuma maneira convém fazer-se paz nenhuma com
este gentio, por ser gente que não guarda fé, falsos e traidores, e debaixo da paz e maior
amizade é que nos fazem o maior dano como cá o tem feito nesta capitania por três vezes,
pelo que obraram estão os moradores tão timoratos e irritados contra eles que se não hão de
fiar mais destes bárbaros, e será isto causa de nunca se povoar o sertão, e não há de haver
quem queira assistir nele pelo risco que correm suas vidas e fazendas, e não se povoando
perde S. Majestade considerável fazenda nos seus reais dízimos, e os moradores as
conveniências da criação de seus gados, o que só conseguirá destruindo-se este gentio, e
guerreando-se com ele até de todo se acabar....266
A política do extermínio completo começa a tomar corpo. Entre os dias 26 a 30 de
Agosto de 1689, ocorre na atual Serra da Rajada267 (conhecida na época como Serra do
Acauã) um dos combates mais ferrenhos e decisivos da guerra. Domingos Jorge Velho
assim ele continua no Rio Grande. Em 28 de Julho de 1690, o arcebispo governador do Brasil, D. Frei Manuel da
Resurreição, informa que não pode mais pagar seus soldos, tendo em vista que seria responsabilidade agora do
governador de Pernambuco que o teria contratado para a campanha dos Palmares. Em 10 de Novembro de 1690,
Domingos Jorge Velho escreve ao novo governador geral do Brasil, Antonio Luiz Gonçalves da Câmara
Coutinho, relatando combates com os tapuias em 04 de Outubro de 1690 e a sua transferência para os arraiais do
Açu. Em 29 de Janeiro de 1691, o governador geral resposta sua carta. Em 02 de Abril de 1691, o governador
geral escreve ao Capitão-Mor do Rio Grande, Agostinho César de Andrade, dizendo concordar que realmente
não mais seria necessária a presença de dois mestres-de-campos paulistas em solo potiguar. Mesmo assim, ainda
existem informações de sua presença no Rio Grande até Outubro de 1691, quando sai em direção ao Estado de
Pernambuco provocando grandes estragos no caminho. Somente em 03 de Dezembro de 1691 é ratificado o
contrato com Domingos Jorge Velho pelo governador de Pernambuco, Antonio Félix Machado da Silva e Castro,
Marquês de Montebelo, autorizando sua partida definitiva para os quilombos dos Palmares. O contrato garantia
ao sertanista o fornecimento regular de mantimentos, armas e munições, a isenção de impostos sobre a venda dos
negros apreendidos, a doação de sesmarias na região da Paraíba e a anistia dos crimes que viesse a cometer.
Partiu para os Palmares em 1692, mas foi rechaçado. Volta a Pernambuco e permanece por quase 01 ano no
arraial de Tapirabaté. Tentou estabelecer-se em Santo Antão, mas foi impedido pelo Capitão-Mor, que tinha
receio dos malefícios de sua presença. Em 09 de Abril de 1693, o Rei ratifica o acordo firmado pelo Marquês de
Montebelo visando a destruição do quilombo dos Palmares. Retorna, então, em Fevereiro de 1694 aos Palmares,
conseguindo a destruição dos quilombos. Voltaria a combater os índios no Maranhão em 1699, voltando, em
seguida, a sua fazenda na freguesia de Nossa Senhora do Bom Sucesso do Piancó, onde morre em 1703 ou 1704.
266
Carta do Senado da Câmara de Natal, datada de 02 de Julho de 1689, endereçada a coroa portuguesa.
CASCUDO, Luís da Câmara. História do Rio Grande do Norte. 2 edição. Rio de Janeiro: Achiamé, Natal: Fundação
José Augusto, 1984. Pág. 102.
267
Essa serra está localizada na divisa entre os município de Acari-RN e Carnaúba dos Dantas-RN (a
margem da BR-427). ―Esse nome era devido às abelhas rajadas que produziam mel no local.‖ MEDEIROS
FILHO, Olavo de. Notas para a História do Rio Grande do Norte. Editora Centro Universitário de João Pessoa,
Março, 2001. Pág.126. Existe também uma serra da rajada no município de Caicó-RN. Nota do autor.
1
2
5
extravasa todo seu caráter violento, combatendo os índios Janduins, mata 1.500 deles e
aprisiona 300 tapuias, sofrendo apenas 30 baixas:
Bando q. mandou botar N. M. na serra da Rajáda nhos indios tapuyos desta capitânia do Rio
Grâde (...). Digníssimo el-rey de Portugal depoiz q. eu Próv. Real de S. M. q. Deos goarde a
cargo do excmº vice-rey do Brazil Antº Luiz Gonssalves Camera Coutinho - o aferi (...) dos
combates de noça nassao portugueza contra o gentio dos tapuyos janduins nessa capitânia. ||
eporisso excmº vice-rey do Brazil Antº Luiz Gonssalves Camera Coutinho mandou prl.
Intermédio do cap. mr. e depois êste ao domingos Georges Velho (...) q. os mesmos fossem
(...) aquela serra e dali desbaratasse os barbaros... || na coal xegou ele (...) domingos Georges
Velho ahos vinte seis e até 30 ai permaneceu combatendo aqeles barbaros do mez de 8brº do
anno do nassimento de Jesus Christus de 1689 annos || do grde. combate do dia vinte e oitto
do mêz de 8brº de dº mêz as tropas de domingos Georges (...) teve de vitoria hum mil e
quientos tapuyos mortos e trezentos prezos tendo morrido das troppas 30 homens além
d'outros | e os tapuyos despersarão-se indo p. local xamado pr. Elles de queicar xuc q.
significa saco do xiqexiqe; sua gloria desfraldada voltou o erario da tropa de Domingos
Georges Velho para o seu logar de origem levdº consigo o que de N. M. pedoretty pedio por
entermedio do Cap. Mor do Rio Grâde. e eu subimêto aos da referida camara o referida copia
Frcº de Olivêra Barros escrivão substituto q. o escrevi. 1690 annos do nassimento de N.
S. J. C. do Brazil. 268
268
MACEDO, Helder A M. Quando o sertão se descobre: os documentos pombalenses e a redescoberta
da História colonial. O Galo, Jornal cultural: Fundação José Augusto, ano XI, nr. 04 Abril/Maio/2000.
Documento original extraído por Helder Macedo dos arquivos do Cartório de Pombal-PB. Citado por:
DANTAS, Maria da Paz Medeiros. Desvendando o viver nas fazendas dos Azevedos, Carnaúba dos Dantas-RN
(1870-1940. Revista Mnemes, Jan/2004. Pág. 10.
1
2
6
Entretanto, mesmo a presença ostensiva de Domingos Jorge Velho, não foi suficiente
para ―acalmar‖ o ímpeto da resistência. O recrudescimento dos combates demonstra de
maneira inegável que o contexto da revolta era bem maior do que supunham os portugueses.
Por outro lado, havia também diversos fatores que contribuíam para o desestímulo dos
―terços paulistas‖. O constante atraso dos soldos, a falta de mantimentos e a pouca munição,
contribuíam para que ocorressem ―falta de combatividade‖ em alguns períodos. Além de
desavenças quanto à ―acertos‖ comerciais, tendo como pano de fundo os prováveis despojos
da vitória, entre eles, a escravidão de mulheres e crianças indígenas.
Com a indefinição dos combates e a possibilidade de ataques diretos dos tapuias aos
centros urbanos, a junta269 que governava o Brasil decide reformar Manuel de Abreu Soares e
Antonio de Albuquerque Câmara270, ficando apenas os paulistas na campanha.
Havia um pensamento corrente de que somente os ―paulistas‖ dariam uma ―solução
final‖271 para os tapuias que traziam temor ao interior potiguar, pois eram homens
experimentados e acostumados ao ―serviço‖, ou como diria um dos governadores da Bahia, D.
João de Lencastre:
Só o valor e a muita experiência da guerra dos sertões com que os paulistas se acham podem
destruir e conquistar os bárbaros cujo sossego depende das armas dos paulistas sempre
vitoriosas dos bárbaros do Brasil.272
269
Composta por Manuel Carneiro de Sá e do arcebispo Frei Manuel da Ressurreição.
270
A reforma de Manuel de Abreu Soares e Antonio de Albuquerque Câmara acontece em 04 de Março de
1690, sendo comunicada através de carta, datada de 10 de março de 1690, ao Capitão-Mor do Rio Grande,
Agostinho César de Andrade. Manuel de Abreu Soares morre em 1695.
271
Requerimento que o povo da Capitania do Rio Grande fazia ao Senado da Câmara de Natal, datada de
01 de Abril de 1690, menciona o estado miserável em que tinha ficado a capitania devido a destruição causada
pelos gentios e que somente a vinda de uma grande tropa de paulistas serviria como o “último remédio” contra
o gentio. MARIZ, Marlene. Repertório de Documentos para a História Indígena Existente no Instituto Histórico
e Geográfico do Rio Grande do Norte. Coleção Mossoroense. Série C, N.º 871. UFRN: Natal, 1995. Pág. 126.
272
TAUNAY, Affonso de E. História das Bandeiras Paulistas. Edições melhoramentos, Tomo I, 3 edição,
São Paulo-SP, 1975. Pág.165.
1
2
7
equipasse o terço dos paulistas, a cargo do governador mestre de campo Manoel Cardoso de
Almeida, para a guerra dos bárbaros gentios do Rio Grande.
A 03 de Abril de 1690 era expedida para Matias Cardoso, sua patente de Mestre-de-
campo e Governador absoluto da guerra dos bárbaros, pois era a intenção do governo geral do
Brasil encarregar o governo absoluto da mesma guerra a uma só pessoa de cujo valor,
prudência, prática da disciplina costumão uzar os Paulistas nas suas conquistas e
experiência da guerra dos bárbaros; para assim se evitarem duvidas de jurisdiçam e se
conseguir o desejado fim da guerra e extincção das nasções.273
A reforma não atinge o mestre-de-campo Domingos Jorge Velho, que tinha formado
seu terço inicialmente para a conquista dos Palmares, mas o qual ficava livre de o hir
emprehendella.274.
Organizam-se, então, a partir de março de 1690, na Vila de São Paulo, sete
companhias com um total de 800 homens, sob o comando de Matias Cardoso de Almeida.
Instala inicialmente seu arraial no rio Jaguaribe, no Ceará, indo posteriormente para seu
acampamento na ribeira do Açu,275 onde passa a coordenar diretamente os terços paulistas que
eram considerados homens apropriados para o mato e para combater os ―gentios‖.
Em 04 de Outubro de 1690276 ocorre intenso combate na serra do Acauã,277 onde após
derrotar o gentio e trazer mil e tantos prisioneiros, é preso também pelo sargento-mor
273
Documento de nomeação do mestre-de-campo Matias Cardoso, datado de 03 de Abril de 1690,
assinado pelo arcebispo D. Frei Manuel da Ressureição, Governador Geral do Brasil.
274
Idem.
275
Olavo de Medeiros Filho menciona que essa instalação teria ocorrido em Novembro de 1691, pois
anteriormente o mestre-de-campo Matias Cardoso de Almeida estaria alojado no rio Jaguaribe, no Ceará.
MEDEIROS FILHO, Olavo de. Notas para a História do Rio Grande do Norte. Editora Centro Universitário de
João Pessoa, Março, 2001. Pág.128.
276
Olavo de Medeiros Filho menciona a presença de Domingos Jorge Velho nessa batalha, como a última
vitória sobre os tapuias, e depois cita que o mestre-de-campo teria se transferido para o Açu, onde passou a
ocupar os arraiais, anteriormente em poder dos comandados de Manuel de Abreu Soares. Cita que aos 10 de
novembro de 1690, o paulista ali se encontrava e que sua partida do vale do Açu em direção a Pernambuco só
aconteceria em data próxima a Agosto de 1691. MEDEIROS FILHO, Olavo de. Notas para a História do Rio
Grande do Norte. Editor Centro Universitário de João Pessoa, Março, 2001. Pág.127 e 128.
277
Essa serra está situada na divisa entre os municípios de Acari-RN e Currais Novos-RN. O professor
Olavo de Medeiros Filho, entretanto, alegava que os dois combates (o de 26 a 30 de outubro de 1689 e o de 04
de outubro de 1690) teriam acontecido na mesma serra da rajada, na divisa entre Acari e Carnaúba dos Dantas-
RN: ―A serra da Rajada, em território acariense, foi palco de dois grandes combates, por ocasião da chamada
guerra dos bárbaros....O paulista Domingos Jorge Velho travou a primeira dessas batalhas, nos dias
compreendidos entre 28 e 30 de Outubro de 1689....Em 04 de Outubro de 1690, novamente o paulista Domingos
Jorge Velho obteve uma vitória contra os tapuias. Da serra da Rajada foram trazidos mil e tantos
prisioneiros...‖ MEDEIROS FILHO, Olavo de. Proto-História da cidade de Acari-RN IN: Notas para a História
do Rio Grande do Norte. Centro Universitário de João Pessoa-PB, Março, 2001. Pag. 83.
1
2
8
..E na outra do rio Trairi, matando, e aprisionando em ambaz a muitos dos contrários: Em 691
no serco q- se poz a 200 barbaros,q- forão postos no cutello em rezam de q- sendo rendidos, e
querendoos levar o mestre de campo para a campanha dos Palmarez, lhe resistirem e tomarem
armas contra elle. 279
278
O rei Canindé era filho do célebre Janduí e já tinha sido preso (com mais nove auxiliares) no final de 1687,
pelo capitão Afonso de Albuquerque Maranhão (que era neto de Jerônimo de Albuquerque), em combate no sertão
do Acauã, sendo solto, posteriormente, numa tentativa de conseguir a pacificação com os índios pelos militares
portugueses. CASCUDO, Luís da Câmara. História do Rio Grande do Norte. 2 edição. Rio de Janeiro: Achiamé,
Natal: Fundação José Augusto, 1984. Pág. 98.
279
Consulta do Conselho Ultramarino de 11 de Novembro de 1699 acerca da nomeação de pessoas para a
Companhia de Infantaria que vagou no 3º dos Paulistas de que he mestre de campo Domingos Jorge Velho pela
promoção de Luís da Silveira Pimentel. Arquivo Histórico de Lisboa-Portugal.
1
2
9
Marchasse, o que fez com 100 homens de pé e 60 de cavalo, a expulsar este inimigo antes que
se viesse apossado dos currais que havia para baixo. Mataram quase todos os tapuya,
cativando crias e mulherio, com o qual se retirou Bernardo Vieira triunfante para o seu
280
PUNTONI, Pedro. A guerra dos Bárbaros. Povos indígenas e a colonização do sertão nordeste do
Brasil, 1650-1720. Tese de Doutorado, USP, 1998. Pág. 30.
1
3
0
arraial. 281
281
PIRES, Maria Idalina da Cruz. Guerra dos Bárbaros: resistência indígena e conflitos no Nordeste
colonial. Recife: Editora Universitária (UFPE), 2002. Pag. 78.
1
3
1
Sob ataques constantes, enfrentando os rigores de uma grande seca e com a ajuda de
intermediários,282 os Janduís decidem assinar um tratado de paz com os portugueses em 10 de
Abril de 1692:
A 5 de abril de 1692, chegaram à cidade da Bahia José de Abreu Vidal, tio Canindé, Rei dos
Janduís, maioral de 3 aldeias sujeitas ao dito rei; e Miguel Pereira Guareju Pequeno, maioral
de outras três aldeias nas mesmas condições de sujeição àquele rei. Os indígenas chegados,
vinham na companhia do capitão João Paes Florião, português, que se declarava genro do
maioral Neongugê, da aldeia Sucuru, da mesma nação Janduí, e cunhado recíproco do dito rei
Canindé. Além de Florião e dos dois chefes mencionados, acompanhavam o séqüito mais de
quinze índios de ambos os sexos, que foram conduzidos à presença do Capitão-Geral do
Estado do Brasil, Antonio Luís da Câmara Coutinho, a quem informaram os índios terem
vindo do sertão, distante 380 léguas, solicitar hua paz perpétua para viver a sua nação, e a
portuguesa como amigas. Depois de um descanso de cinco dias, a comitiva enviada pelo rei
Canindé firmou com o Governo-Geral um acordo de paz, aos 10 de Abril de 1692. 283
282
―Um português, João Paes Florião, tivera amores com a filha do maioral Nhonguge, cunhado de
Canindé, rei daqueles tapuias. Aproximou-se de novo dos Janduíns e com palavras amigas alcançou que
aceitasse a paz, mandando embaixada a Baía, levada pelo próprio Florião. Recebeu-a o governador e, - tal
como entre potências – pactuou com os embaixadores paz perpétua, em solene papel, e cerimônias próprias.‖
CALMON, Pedro. História do Brasil. Companhia Editora Nacional, São Paulo-SP, 1941. Pág. 407-408.
283
MEDEIROS FILHO, Olavo de. Índios do Açu e Seridó. Senado Federal. Centro Gráfico: Brasília: 1984.
Pág. 122 e 123.
284
O chefe Canindé era filho do rei Janduí, que teria vivido mais de cem anos e deixado uma prole
numerosa. O chefe Canindé seria rebatizado com o nome de ―João Fernandes Vieira‖, e morreria em 1693, de
malária, na aldeia de Jundiá-Perereba, próximo ao litoral sul do Rio Grande do Norte (era localizada no atual
município de Várzea-RN), conforme informação de que o Canindé honrou a palavra dada. Mas morreu pouco
depois, de maleitas, na aldeia, perto da costa, para onde se mudara no Rio Grande. CALMON, Pedro. História
do Brasil. Companhia Editora Nacional, São Paulo-SP, 1941. Pág. 408. Os Canindés ficariam nessa aldeia até
1699, sendo transferidos depois, em 1701, para o aldeamento de Nossa Senhora do Amparo de Cunhaú.
Entretanto, já outra informação (PUNTONI 1998:71) menciona que a morte do chefe Canindé teria acontecido
em 1699 na aldeia de Guaraíras (na futura vila e atual município de Arez-RN). Entre Fevereiro e Março de 1696,
os cronistas relatam também a viagem do chefe Canindé com o Capitão-Mor Bernardo Vieira de Melo até o vale
do Açu, mas possivelmente já seria outro chefe da tribo dos Canindés, pois era costume dos tapuias da região
manter os mesmos nomes em seus principais. O mesmo aconteceu com o chefe Janduí, que chegou a ter sua
idade estimada em ―160‖ anos, mas provavelmente ocorreu a existência de vários chefes denominados de Janduí.
1
3
2
285
Os portugueses estimavam que existissem entre 12 a 13.000 tapuias. Já nos termos da capitulação ―é
citado o fato de que aqueles índios disporem de treze para quatorze mil armas, e cinco mil homens de arcos, destros
nas armas de fogo‖. MEDEIROS FILHO, Olavo. Índios do Açu e Seridó. Senado Federal. Centro Gráfico:
Brasília: 1984. Pág. 53.
286
Na verdade as terras dadas aos índios pelo tratado ficavam situadas as margens do rio Jundiá, um
afluente do rio Jacu, já próximo ao litoral, onde eles formariam a aldeia Jundiá-Perereba.
287
PUNTONI defende que Matias Cardoso teria ficado até 25 de Abril de 1694, embora ressalte que há
documentos mencionando sua presença na campanha em Junho de 1694. Teria se retirado definitivamente para o
São Francisco onde ―estabeleceu rendosas fazendas de gado‖, e a partir de 1695 não existem mais notícias dele
no solo potiguar.
288
O Jundiá-Perereba corresponde atualmente à comunidade de Jundiá de Cima, no atual município de
Várzea-RN.
289
Carta de 20 de Maio de 1699 do Capitão-Mor do Rio Grande do Norte, Bernardo Vieira de Melo.
1
3
3
Figura 46 - A saída dos tapuias de seu habitat natural seria fatal devido às epidemias.
Sem mantimentos, sem pólvora e sem balas, a situação do terço paulista era caótica,
ocorrendo deserções freqüentemente. Em 12 de novembro de 1693, Matias Cardoso perde um
filho e fica gravemente ferido em um combate com os índios no Ceará:
....e outrosim de presente vindos e retirando do Rio Grande o mestre de campo e governador
das armas dos paulistas Mathias Cardoso de Almeida, no dito Jaguaribe, jurisdição desta
capitania feriram os ditos bárbaros ao mestre de campo, que vinha acompanhado de 180
homens, e lhe mataram um filho seu e três ou quatro mais da companhia, e porque estão
290
TAUNAY, Affonso de E. História das Bandeiras Paulistas. Edições melhoramentos, Tomo I, 3 edição,
São Paulo-SP, 1975. Pág.164.
1
3
4
ousados e insolentes, resolvi, mediante Deus, que é o senhor das victórias, mandar fazer
guerra aos ditos bárbaros.....291
Existem informações sobre suas atividades no Rio Grande até abril de 1694292 ou
junho de 1694:
Após cinco dias de caminhada, diurna e noturna, com padecimento de fome e sede,
surpreendera os bárbaros, a muitos matando e a muitos mais aprisionando. Tal o seu triunfo
que os vencidos haviam pedido paz por Matias concedida. Dois mil e quinhentos ainda
eram os janduins em armas. 293
Após perceber que não conseguiria mais segurar os seus comandados pela falta de
pagamento dos soldos da Fazenda Real, Matias Cardoso abandona definitivamente os sertões
do Rio Grande e vai em direção aos seus currais da Bahia.294
Os tapuias, principalmente os Janduí, por sua vez, continuavam com seus ataques
esporádicos as fazendas, montados em seus cavalos. Os conflitos prosseguiriam de 1692 a
1699, ocorrendo, paulatinamente, a diminuição da população indígena masculina e a
escravização das mulheres e crianças.
Mesmo assim, a insegurança quanto aos tapuias era constante e as tropas enviadas para
combater os ―gentios‖ não agüentava muito tempo devido à falta de recursos financeiros e
mantimentos, bem como das condições extremamente difíceis de combate na caatinga, do
amplo conhecimento da região pelos indígenas e das estratégias de guerra utilizadas pelos
tapuias:
291
―Carta patente de capitão, datada de 26 de junho de 1694, passada por Fernão Carrilho a Francisco
Dias de Carvalho, que pertencia ao terço do mestre de campo Zenóbio Achioly de Vasconcelos‖. TAUNAY,
Affonso de E.A guerra dos Bárbaros. Coleção Mossoroense, Série C, Volume 863. Mossoró-RN, 1995. Pág.171.
292
―A campanha desenvolvida pelo terço de Matias Cardoso prolongou-se até 25 de Abril de 1694,
quando aqueles combatentes se retiraram, em sinal de protesto pela falta de pagamentos dos seus soldos.
Também lavrara uma epidemia, no seio da tropa‖ MEDEIROS FILHO, Olavo. Aconteceu na capitania do Rio
Grande. Departamento Estadual de Imprensa, Natal-RN, 1997. Pág. 121.
293
TAUNAY, Affonso de E. História das Bandeiras Paulistas. Edições melhoramentos, Tomo I, 3 edição,
São Paulo-SP, 1975. Pág.164.
294
CASCUDO, Câmara. História do Rio Grande do Norte. 2 edição. Rio de Janeiro: Achiamé, Natal:
Fundação José Augusto, 1984. Uma outra informação bibliográfica relata que: ―então vem o paulista Matias
Cardoso e, entre 1689 e 1694, esmaga a indiada do Ceará e do Rio Grande do Norte. Terminada essa empresa,
Matias Cardoso junta-se a Antonio Filgueiras e desbrava as terras limítrofes da Bahia e de Minas Gerais, plantando
nelas fazendas de gado, sementes de futuras cidades‖. GOULART, José Alípio. O ciclo do couro no Nordeste.
Serviço de Informação Agrícola, Ministério da Agricultura, Rio de Janeiro, 1966. Pag.20.
1
3
5
Uma representação da Câmara de Natal, de Julho de 1693, considerava que depois de oito
anos de guerra a situação era muito grave, de modo que os moradores sentiam-se
completamente esbulhados por não poderem mais cuidar das culturas nem das criações. O
problema estava em que as tropas destacadas para protegê-los e fazer face a resistência
indígena acabavam se enfastiando pelo intratável e asperezas da região.295
Em 1694, os moradores do Rio Grande enviam uma petição ao rei, solicitando que o
terço do Camarão ficasse no Açu com a sua gente e mulheres e fazerem na dita paragem um
arraial, tendo em vista que a capitania era uma das melhores que vossa majestade tem nas
partes da América, com sal criado pela natureza e que isso ajudaria a dar mais segurança
contra os ataques dos gentios:
É de corso sem ter casas nem assento e só donde anoitece dormem no campo como animais
que são e como tais é o seu sustento, toda imundície de cobras e mais bichos peçonhentos e
raízes de paus e ainda que com poder de armas se queira conquistar é coisa impossível por
esta causa e andarem dessa sorte sempre de levante,além de serem muitos, em quantidade de
diversas nações e os conquistadores com armas, mochilas de mantimentos e água às costas,
desta sorte atrás deles pelos sertões, lhes não podem fazer dano nenhum...296
295
PUNTONI, Pedro. A guerra dos Bárbaros. Povos indígenas e a colonização do sertão nordeste do
Brasil, 1650-1720. Tese de Doutorado, USP, 1998. Pág. 133.
296
Petição feita pelos moradores do Rio Grande e analisada pelo conselho ultramarino em 28 de Fevereiro
de 1695. PUNTONI, Pedro. A guerra dos Bárbaros. Povos indígenas e a colonização do sertão nordeste do
Brasil, 1650-1720. Tese de Doutorado, USP, 1998. Pág. 139.
297
Existe uma contradição com relação à data certa da fundação desse arraial (presídio). A presença de
povoamento no local remonta ―ao ano de 1650, onde uma população de numerosos índios levantou os seus
fundamentos, dando-lhe o nome de-Taba-Assu” (NOBRE Manoel Ferreira. Breve notícia sobre a província do
Rio Grande do Norte. Editora Pongetti: Rio de Janeiro, 1971. Pag. 55). Em 1661, existem referências
bibliográficas mencionando a presença do padre João Duarte Sacramento, da congregação de Pernambuco, na
ribeira do Assu onde trabalhou para aldear os tapuias janduíns. (Noticias que dão os padres da congregação de
Pernambuco acerca de sua congregação, desde sua ereção, in Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e
Geográfico de Pernambuco, Vol. LVII, Recife-PE, 1984, Pág. 87). Em 1668, ―os índios potyguares que haviam
acompanhado o chefe Camarão a Pernambuco, informaram ao capitão João Fernandes Vieira que, no sertão
do Rio Grande, havia uma ribeira chamada Assu, onde habitavam várias nações de tapuyos bravios, que
dominavam as margens de um extenso e largo rio, do mesmo nome. Fernandes Vieira mandou aprestar uma
expedição de homens devidamente preparados, sob a guia dos indígenas que o informaram, a fim de tentar a
colonização da mesma ribeira. Para ali se dirigiu a expedição com grandes riscos de vida e avultados
dispêndios, a qual conseguiu chegar ao logar, onde fundou o arrayal, para centro das operações, à margem
esquerda do rio.‖ (LIMA, Nestor. Municípios do Rio Grande do Norte: Areia Branca, Arez, Assú e Augusto
Severo. Edição fac-similar da revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. Coleção
mossoroense, Série C – Volume DXCV, 1990 –Mossoró-RN, pág. 137-138). Em carta dirigida ao rei de Portugal
e datada de 26 de Abril de 1674, João Fernandes Vieira relata ter descoberto terras ignotas no Rio Grande, na
1
3
6
deixando trinta soldados e nove soldados pretos para garantir a segurança dos moradores do
arraial. Era um dos defensores de uma solução pacífica para o conflito, através de um sistema
de aldeamentos e chegando a efetuar dois tratados de paz com os tapuias299 da ribeira do Açu:
.......obrar de maneyra que não só augmentou a fasenda real e ajustou a pás com os tapuyas
Canindés com todas as mães nações dos Arius, mas também os fes redusir a fee catholica,
fazendo os bauptizar, e pondo os nas aldeas com os padres messionarios....300
região do rio Assu, onde sujeitou quantidade de bárbaros à obediência e recebeu a visita de doze principais
daquelas nações Em 05 de Janeiro de 1680, Fernandes Vieira recebe sesmarias entre três rios, no lugar
denominado três irmãos (rio Assu) estendendo-se, para o sertão, até a lagoa do Açu (Piató), data que
compreendia a ribeira do Baixo Assu (MEDEIROS FILHO, Olavo. Holandeses no Seridó Colonial? Revista O
Potiguar, nrº 43, ano VII, Natal-RN Junho/Julho/2005, Pág. 08). Em 14 de Fevereiro de 1682, a viúva de João
Fernandes Vieira, D. Maria César, requer a concessão de sesmarias na ribeira do Assu (15 léguas quadradas) em
decorrência de uma expedição que seu marido fizera a região onde teria dado combates aos tapuias e construído
um arraial. Em 1686, o comandante Manuel de Abreu Soares encontrou o antigo arraial construído por João
Fernandes Vieira destruído pelos tapuias e teria fundado um novo arraial em 1687, que denominou de Santa
Margarida, em homenagem ao dia da santa – 20 de Julho -, quando teria sido inaugurado o arraial
(VASCONCELOS, João Carlos. Assu - Atenas norte-riograndense. Tipografia Santa Terezinha, Natal, 1966.
Pág. 12) Em 06 de Março de 1694, uma ordem régia determinava que o governador de Pernambuco –Caetano de
Mello Castro, tratasse de installar, no Piranhas e no Jaguaribe, duas aldeãs de índios, cada uma com cem
casaes, custeados pela real fazenda, e fundando-se povoações (LEMOS, Vicente. Capitães-mores e
governadores da capitania do Rio Grande do Norte. Rio de Janeiro: Tipografia do Jornal do Comércio, 1912, v.
1. Pág. 64). Existe uma carta dos oficiais da Câmara de Natal, datada de 24 de Abril de 1696, relatando ao Rei
que foi feito um presídio na ribeira do Açu; Puntoni (1998:145-146) menciona que entre Fevereiro e março de
1696, Bernardo Vieira teria procurado Canindé, o rei dos Janduís, que estava aldeado num lugar chamado das
Guaraíras, em missão de pacificação. Em seguida teria partido, juntamente com Canindé e de alguns tapuias, em
direção a ribeira do Açu, onde teria passado quatro meses na viagem. Bernardo Vieira teria dado principio a
construção do arraial no dia de Nossa Senhora dos Prazeres, que é comemorado atualmente no dia 15 do mês de
Agosto. Esse Arraial seria, posteriormente, um povoado, que seria denominado de São João Batista da Ribeira do
Céu; Em 22 de Julho de 1766, passaria a vila com a denominação de Vila Nova da Princesa (em homenagem a
princesa Dona Carlota Joaquina de Bourbon), reforçada pelo alvará de 03 de Julho de 1783. Em 11 de Agosto de
1788 passaria a ser município; Em 16 de Outubro de 1845, passaria a ter um foro de cidade, com a adoção do
nome definitivo de Assu (o nome Assu em Tupi-guarani significa aldeia grande).
298
Bernardo Vieira de Melo foi nomeado em 20 de Dezembro de 1694 e governaria, no posto de Capitão-
Mor, a capitania do Rio Grande do Norte de 29 de Junho de 1695 até 14 de Agosto de 1701. Seria depois
recompensado pelos serviços prestados à coroa portuguesa no combate aos negros do quilombo dos Palmares.
Cairia em desgraça diante dos olhos da coroa portuguesa por sua defesa no Senado da Câmara de Olinda, no
Estado de Pernambuco, da criação de uma república autônoma nos moldes de Veneza. Seria preso juntamente
com seu filho André e morreria numa prisão portuguesa, em 1712, sufocado pela fumaça de um fogareiro. Seu
filho morreria também na prisão, posteriormente, devido a um ataque cardíaco.
299
O primeiro tratado foi uma retificação da paz feita com os tapuias Janduins da ribeira do Açu em 1692,
e ratificado em 20 de Setembro de 1695, assinado por Bernardo Vieira de Melo e um tapuia, rei dos Janduins,
chamado de Taya Açu; O segundo foi um tratado de paz com os tapuias Arius pequenos, efetuado em 20 de
Março de 1697, assinado por Bernardo Vieira e o rei dos Arius pequenos,denominado de Peca.
300
Carta patente de 25 de Setembro de 1709 pelo qual se houve por bem de nomear Bernardo Vieira de
Melo em o posto de sargento mor do terço dos Palmares vago pela promoção de Cristóvão de Mendonça Arais
que o exercitava. Arquivo Histórico de Lisboa-Portugal.
1
3
7
bárbaros de todo ou do menor ficarão reduzidos a tão pouco número que ainda que se
queiram debelar o não possam fazer. 301
Aliado ao processo de guerra permanente aos tapuias, desenrolava-se também um
paulatino povoamento pelo colonizador português da ribeira do Açu através da ocupação das
sesmarias já doadas pelo capitão-mor do Rio Grande.
Entretanto, a simples doação de sesmaria não implicava obrigatoriamente em ocupação
pelo dono. Muitos sesmeiros moravam em outras capitanias (como Pernambuco e Bahia, por
exemplo) e jamais chegaram a pisar em solo potiguar. As sesmarias, algumas com vinte e
trinta léguas de comprimento, continuavam desabitadas.
Atento a esse pormenor, em um bando de 16 de Novembro de 1696, o Governador
Geral do Brasil, João de Lencastro, perdoa aos criminosos que fossem residir na ribeira do
Açu,302 incentivando dessa forma inusitada a ocupação das terras e o povoamento do vale do
Açu.
301
PIRES, Maria Idalina da Cruz. Guerra dos Bárbaros: resistência indígena e conflitos no Nordeste colonial.
Recife: FUNDARPE, 1990 (Biblioteca Comunitária de Pernambuco. Ensaio 04). Pág. 82.
302
CASCUDO, Luís da Câmara. História do Rio Grande do Norte. 2 edição. Rio de Janeiro: Achiamé, Natal:
Fundação José Augusto, 1984. Pág. 99.
1
3
8
locais e nem pelo capitão-mor Bernardo Vieira de Melo,306 devido aos estragos econômicos já
Lencastro já o advertira que fizesse o possível para que não tenham a menor queixa de seu
303
Os recursos para a formação do terço do Lencastro somente chegariam em Agosto de 1698, quando
chegam os soldados finalmente a Bahia. A partida da Bahia acontece em 1º de Setembro de 1698 e a chegada ao
Rio Grande só aconteceria em 18 de Novembro de 1698. No percurso entre a Bahia e o Rio Grande sofreriam
baixas devidas as doenças, principalmente, a varíola. Nota do autor.
304
Essa ―resistência‖ na verdade envolvia interesses pessoais, ou como diria Afonso Taunay, na sua obra
―A guerra dos Bárbaros‖ : ―No fundo estava o ciúme do mando e o interesse pecuniário em jogo. O soldado
em campanha era um competidor a mais, um concorrente importuno na partilha do índio; pensava-se, e com
acerto, que quanto menos licitantes aparecessem no mercado,mais baixo seria o preço da mercadoria e mais
fácil a aquisição”.
305
Manuel Álvares de Morais Navarro. ―Discurso sobre os inconvenientes que tem a informação que se
deu a Sua Majestade para mandar pôr nas Piranhas e Açu seis aldeias‖. Escrito em 1694.
306
―..Pouco depois, uma jangada que passava lhes deu a notícia de que não estavam muito longe do Rio
Grande. Apesar disso, Navarro preferiu voltar à fragata e tentar entrar na barra, onde por fim o navio se
despedaçou ao tocar uma pedra. Já em terra e livres do perigo, muitos padeceram no entanto por estarem
doentes de bexigas. O capitão-mor, Bernardo Vieira de Melo, e todos os moradores, nitidamente insatisfeitos
com a chegada desta tropa, haviam se metido nos matos para não dar socorro aos doentes, abandonando-os à
própria sorte.‖ (PUNTONI 1998:190).
1
3
9
terço, e desta maneira ficarão desmentidos os prognósticos que contra elle fizeram. 307 Além
do mais, tinha enfrentado grandes dificuldades no trajeto entre a Bahia e o Rio Grande:
... Quando eu estava esperando que Vm. Me desse novas da sua chegada e assistência nessa
capitania, acompanhadas com alguns bons princípios da guerra contra o gentio tive notícias
por cartas do sertão vindas a esta cidade, que eram mortos alguns soldados desse terço, e que
outros ficaram enfermos do mal de bexigas que lhes deu, e faltos de mantimentos, o que tudo
sinto....308
Na verdade, havia uma verdadeira disputa nos bastidores entre as forças repressoras,
tanto no sentido militar como no religioso. Havia vários motivos e interesses em jogo para
essa competição surda entre os segmentos sociais envolvidos (dos quais os índios, era a parte
mais frágil), entre os quais podem ser citados:
307
Carta de Dom João de Lencastro, governador geral do Brasil, ao mestre de campo Manuel Álvares de
Moraes Navarro, datada de 11 de Dezembro de 1698. TAUNAY, Affonso de E. A guerra dos Bárbaros. Coleção
Mossoroense, Série C, Volume 863. Mossoró-RN, 1995. Pág. 213.
308
Carta de Dom João de Lencastro, governador geral do Brasil, ao mestre de campo Manuel Álvares de
Moraes Navarro, datada de 11 de Dezembro de 1698. TAUNAY, Affonso de E.A guerra dos Bárbaros. Coleção
Mossoroense, Série C, Volume 863. Mossoró-RN, 1995. Pág.212.
309
―Isto implica dizer que esses sesmeiros, no momento que a guerra chegava ao seu fim, e, conseqüentemente,
quando as terras estavam limpas dos povos indígenas, chamados pelos colonizadores de bárbaros, vão fazer
oposição aos paulistas, considerando-os como novos concorrentes pela posse da terra naquela região‖ PIRES,
Maria Idalina da Cruz. Guerra dos Bárbaros: resistência indígena e conflitos no Nordeste colonial. Recife:
FUNDARPE, 1990 (Biblioteca Comunitária de Pernambuco. Ensaio 04). Pág. 113.
1
4
0
Figura 47 - A dizimação dos índios tapuias deveria ser total na Capitania do Rio Grande.
Com o seu terço formado, Navarro parte para os combates. Na maioria das vezes,
procedendo de forma implacável, quando do ataque covarde contra os Paiacus, na ribeira do
Jaguaribe, quando eram liderados pelo chefe Jenipapuassu:
Chegou, com 130 homens armados e mais de 200 índios de Terço, em 04 de Agosto de 1699,
ao rancho dos Paiacu, enviando-lhes mensagens amistosas e convidando-os a participar do
combate juntamente com os Janduí, já previamente aliados do Terço. Os Paiacu, índios de paz
e quase todos batizados, receberam o Mestre-de-campo com danças e folgares e, como se isso
310
PIRES, Maria Idalina da Cruz. Guerra dos Bárbaros: resistência indígena e conflitos no Nordeste colonial.
Recife: FUNDARPE, 1990 (Biblioteca Comunitária de Pernambuco. Ensaio 04). Pág. 80.
1
4
1
significasse alguma senha, soldados e índios Janduí começaram a matança, na qual 400
índios foram assassinados e mais de 250 aprisionados como cativos, incluindo mulheres e
crianças. 311
Em 1700, foi preso no Recife e em sua defesa se pronunciaram não apenas 19 senhores de
terras da ribeira do Assu, assim como dois jesuítas que atuavam na mesma área e para os
quais havia sido uma guerra justa. 315
311
PIRES, Maria Idalina da Cruz. Guerra dos Bárbaros: resistência indígena e conflitos no Nordeste colonial.
Recife: FUNDARPE, 1990 (Biblioteca Comunitária de Pernambuco. Ensaio 04). Pág. 80.
312
Durante vários anos ocorreram atritos entre o Capitão-Mor do Rio Grande do Norte, Bernardo Vieira
de Melo, e o Mestre-de-Campo dos terços paulistas, o capitão Manuel Álvares de Moraes Navarro, sobre o
tratamento dado aos indígenas durante os combates. Nota do autor.
313
Carta dos oficiais da Câmara de Natal ao Governador de Pernambuco, em 05 de Maio de 1700.
MARIZ, Marlene. Repertório de Documentos para a História Indígena Existente no Instituto Histórico e
Geográfico do Rio Grande do Norte. Coleção Mossoroense. Série C, N.º 871. UFRN: Natal, 1995. Pág. 134.
314
Documentos oficiais revelam que em Setembro de 1703 Navarro já estava solto. Nota do autor.
315
MONTEIRO, Denise Mattos. Introdução a História do Rio Grande do Norte. Natal: Editora da UFRN,
2000. P. 71.
1
4
2
A Junta das Missões absolveu Navarro, que foi solto, voltou a combater indígenas no sertão e
foi recompensado pelo Rei de Portugal com o Ofício de escrivão dos órfãos da cidade da
Bahia, rendoso como nenhum outro em seu tempo. Morreu em seu engenho próximo a
Recife, numa de suas sesmarias, como cavalheiro da ordem de Cristo. 316
..Pareceu-me que mais aceito será a Deus extinguir esta vil canalha (tapuias) e povoar as
terras com criaturas que o louvam e levantam templos para neles sacrificar os sacrifícios e
holocaustos que lhe devemos.317
...O Terço saiu em campanha para fazer guerra aos ditos tapuias, que diziam estar
confederados com os cariris e os paiacus. Depois de uma longa marcha, deram no alojamento
dos índios, matando-os e aprisionando todos, não tendo escapado mais que dois ou três. O
mestre-de-campo ficou ali, cuidando dos feridos e dos prisioneiros, enquanto José de Moraes
Navarro corria com sua gente atrás dos restante dos tapuias. Cinco dias depois encontrou os
confederados, que se haviam juntado aos guergues. Na batalha que se seguiu, morreram 150
dos tapuias, entre os quais o principal dos Icós. 319
316
MONTEIRO, Denise Mattos. História do Rio Grande do Norte. 2 edição. Natal, 2002. Pág.89.
317
Carta de Pedro Lelou ao governador da Bahia, João de Lencastro, em 17.12.1699.
318
TAUNAY, Affonso de E. A guerra dos Bárbaros. Coleção Mossoroense, Série C, Volume 863.
Mossoró-RN, 1995. Pág. 280.
319
PUNTONI, Pedro. A guerra dos Bárbaros. Povos indígenas e a Colonização do Sertão Nordeste do
Brasil, 1650-1720. Tese de Doutorado, USP, 1998. Pag. 222.
1
4
3
Muitos índios tapuias passam a perambular pelos caminhos do sertão potiguar, sendo
inúmeros deles apanhados e levados para trabalhar como escravos no Estado de Pernambuco.
Em 1702, alguns Janduís são levados para aldeamentos,320 enquanto outros fogem para os
Estados da Paraíba, Ceará e Pernambuco.
A submissão total dos índios é exigida, como pode ser observado no protesto de
fidelidade que o Capitão-mor da nação Janduí, o seu sobrinho e sargento-mor Corema e
outros grandes da aldeia de São Paulo do Potengi. Nele os indígenas eram obrigados a abdicar
de seus antigos costumes culturais em 1702, reconhecendo e obedecendo ao Rei de Portugal,
no que ele mandasse:
a) “Prometem se batizar, com suas mulheres e filhos, tornando-se cristãos, e não terem
mais de uma mulher;
b) Prometem não consentir que seus soldados, nem pessoa sua, saiam da aldeia sem
ciência do missionário;
c) Prometem que quem não quiser seguir as ordens do Capitão-mor da Capitania e do
missionário, será expulso da aldeia para viver no mato “como bruto comendo porco e
veado”.321
Os tapuyas do Rio Grande não se esqueciam das suas derrotas, deixaram os moradores do
Piancó adormecerem no regaço da paz e da confiança para de novo os surprehender com o
resto dos cariris retrahidos às serras. Em 1709 passaram ainda o araçagi, na actual comarca da
independência, subiram ao brejo d‘Areia e atacaram os Bruxaxás, seguindo dahi, ao que
parece, aos campos de S. Francisco para sortirem no Sabugi. O Capitão-môr Luiz Soares teve
tempo de previnir a Theodosio de Oliveira Ledo, seguindo-os de perto. Este sahiu-lhe ao
encontro e os fez recuar, arremeçando-os sobre as forças da rectaguarda daquelle capitão-mor.
320
Em 1702, vários componentes dos Janduís foram levados para aldeamentos na ribeira do engenho
Cunhaú (São João Batista), na ribeira do rio Ceará-Mirim (N.Sra. da Aparecida) e na ribeira do Potengi (São
Paulo).
321
Protesto de fidelidade à sua Majestade, Rei de Portugal, de todos os governadores e grandes da nação
Janduí, em 1702. MARIZ, Marlene. Repertório de Documentos para a História Indígena Existente no Instituto
Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. Coleção Mossoroense. Série C, N.º 871. UFRN: Natal, 1995.
Pág. 136.
1
4
4
O choque foi tremendo, e só quando não poderam mais resistir, entregaram-se à discreção. O
número dos mortos e prisioneiros foi immenso, e por isso Luiz Soares requereu ao
Governador João da Maia que permitisse quintar as presas da guerra no sertão.... 322
cercados por todos os lados, dando assim, fim aos bárbaros”327 e que todo tapuia preso fosse
enviado para Pernambuco, para que fosse vendido, o que seria uma forma de ―livrar‖ a
Capitania do Rio Grande dos Tapuias. Não sendo possível aprisioná-los, que se matem e
destruam os tapuias machos, responsáveis pela destruição das vidas e fazendas da
Capitania.328
Os colonos da Capitania do Rio Grande resistem (em 1713) a autorização dada pelo
governador de Pernambuco para que os ―gentios bárbaros‖ fossem vendidos, sobretudo os
Janduís, Capella e Caborés, enviando-os para o Rio de Janeiro, numa ação sistemática de
expulsão definitiva de suas terras e de perda de sua identidade étnica: Aí estavam incluídos os
que eram escravos e tinham mais de 7 anos de idade, machos e fêmeas, como diziam. Os
colonos do Rio Grande, entretanto, reagiram a tal ordem, por não quererem perder seus
329
escravos. A autorização, publicada através de um ―bando‖, é suspensa pelo Rei de
Portugal Dom João V, em Junho de 1715.
O terço dos paulistas é extinto definitivamente em sete de Junho de 1716, ficando
composto por um regimento de duas companhias onde foram aproveitados oficiais e praças
do antigo terço,330 sendo que uma parte da tropa seria incorporada à fortaleza dos Reis
Magos. A outra parte já estava alojada no engenho Ferreiro Torto331, em Macaíba-RN, onde
ficariam até 1733, com cerca de quarenta componentes.
327
MARIZ, Marlene. Repertório de Documentos para a História Indígena Existente no Instituto Histórico
e Geográfico do Rio Grande do Norte. Coleção Mossoroense. Série C, N.º 871. UFRN: Natal, 1995. Pág. 143 e
144.
328
Idem. Pág.146.
329
MATTOS, Denise. História do Rio Grande do Norte. 2 edição, Natal, 2002.Pág. 88.
330
MEDEIROS FILHO, Olavo. O terço dos paulistas do mestre-de-campo Manuel Álvares de Morais
Navarro e a guerra dos bárbaros. Coleção mossoroense, série B, Nr. 480 Mossoró-RN.
331
Estava localizado a 18 km de Natal-RN, na margem direita do rio Jundiaí, no atual município de
Macaíba-RN, e foi o segundo engenho de cana de açúcar (construído provavelmente por volta de 1615, por
Francisco Coelho) a ser construído no Rio Grande do Norte (século XVII), tendo inicialmente a denominação de
engenho Potengi. Existem menções bibliográficas sobre sua denominação nos primeiros tempos como engenho
Utinga, entretanto, outros autores consideram a possibilidade de ter existido outro engenho com essa
denominação, tendo em vista aparecer essa denominação toponímica em antigos mapas holandeses, as margens
do rio Jundiaí, mas só que a 30 km de Natal-RN. O engenho Ferreiro Torto foi sede da Prefeitura Municipal de
Macaíba de 1983 a 1989, sendo depois, transformado em museu, a partir de 1994. CASCUDO, Câmara. Os
1
4
6
Em 1720 ainda aconteceria uma rebelião dos índios no arraial do engenho do Ferreiro
Torto, em Macaíba-RN. Os índios teriam vindo em busca da pólvora guardada na antiga casa
do Terço dos Paulistas, mas são repelidos, presos e exilados. Os que escaparam à morte ou à
escravidão internaram-se nos sertões da Paraíba e Ceará, donde raro vinham inquietar os
moradores. 332
Os oficiais da Câmara de Natal pedem ao Rei de Portugal em 22 de Novembro de
1723, que as companhias que faziam parte do terço dos paulistas sejam ―desvanecidas‖, tendo
em vista a extinção da maior parte dos bárbaros e os que sobreviveram foram sujeitados a
paz. 333 Já o Capitão-Mor José Pereira de Fonseca achava improvável um novo levante, pois os
Holandeses no Rio Grande do Norte (1949). Coleção Mossoroense, Série C, Volume 792, Mossoró-RN, 1992.
pág. 70.
332
TAVARES DE LIRA, Augusto. História do Rio Grande do Norte. 2 edição. Natal: Fundação José
Augusto: Senado Federal, 1982.
333
MARIZ, Marlene. Repertório de Documentos para a História Indígena Existente no Instituto Histórico
e Geográfico do Rio Grande do Norte. Coleção Mossoroense. Série C, N.º 871. UFRN: Natal, 1995. Pág. 159.
1
4
7
tapuias não tinham poder nem nos sertões, onde poucos ainda viviam, fracos de fome, sem se
preocuparem com violências. 334
Em 17 de Outubro de 1724, era expedida uma carta régia extinguindo oficialmente os
terços paulistas em solo potiguar. Alguns componentes militares do terço que ainda prestavam
serviços no presídio de Açu, comandados pelo capitão-mor José Pereira da Fonseca, só
passaram a ter conhecimento dos efeitos dessa carta régia no final de 1725; e somente no
início de 1726, abandonam definitivamente suas atividades na região. 335
De 1725 em diante não há mais nenhuma notícia a respeito de combates, mas mesmo
assim, o temor aos índios tapuias ainda permanecia vivo e constante na memória dos
336
colonizadores. Intensifica-se então a fase dos aldeamentos. A terra dos índios e de seus
ancestrais, pertencia, agora, aos portugueses. Terminava assim, dessa forma brutal, a história
livre dos índios tapuias no Rio Grande do Norte.
...O índio foi o grande espoliado.O que habitava o litoral foi isolado pelo colonizador sedento
de terras, enquanto que o que habitava o interior foi atingido pelas frentes pioneiras que se
estabeleceram na procura de terras para o gado.337
334
Idem. Pág. 160.
335
VASCONCELOS, João Carlos. Assu - Atenas norte-riograndense. Tipografia Santa Terezinha, Natal,
1966.
336
Em 21 de Julho de 1725, a Câmara de Natal solicita através de carta enviada ao Rei de Portugal, D.
João V, para que não fossem desfeitos os terços paulistas, pelo contrário deveriam ser aumentados os seus
contingentes, pois estavam informados que vários grupos indígenas aldeados das ribeiras do Apodi, Açu,
Piranhas e Piancó estavam inquietos. Arquivo Histórico Ultramarino – RIO GRANDE DO NORTE – Cx. 2, D.
22.
337
MARIZ, Marlene da Silva. SUASSUNA, Luiz Eduardo. História do Rio Grande do Norte. Edições Sebo
Vermelho, Natal-RN, 2002. Pág. 64.
1
4
8
Tendo início nos fins do século XVII e sendo acelerado no começo do século XVIII
em diante, os agrupamentos indígenas dos tapuias que sobreviveram, passaram a ser aldeados
em missões religiosas onde lhes eram ministrados ensinamentos religiosos e praticavam
atividades agrícolas, perdendo definitivamente a liberdade e passam a receber ensinamentos
culturais totalmente estranhos aos dos seus ancestrais. Isso viria a possibilitar o sucesso do
empreendimento colonizador de forma mais objetiva, através do exercício do controle da
terra e dos índios. 338
Não demoraria muito a cristalização da perda da identidade étnica de vários desses
grupos tapuias, que passaram paulatinamente a se diluírem nas missões religiosas,
estruturadas pelo Estado Português, onde a mistura étnica entre várias tribos era estimulada.
338
MARIZ, Marlene da Silva. História do Rio Grande do Norte. Edições Sebo Vermelho, Natal-RN, 2002. Pág.
60..
1
4
9
A convivência com os colonos que moravam próximos aos aldeamentos também não
era fácil. Os moradores queixavam-se freqüentemente que como soldados, os índios deveriam
ser obedientes; entretanto, eram intoleráveis e seria mais proveitoso que fossem inimigos.
Outro fator desagregador era a distância geográfica de suas aldeias de origem e a
inserção em habitat totalmente diferente do seu contexto físico inicial, que visava
desestimular qualquer tipo de fuga por parte dos índios pelo desconhecimento da nova região
no qual ficariam aldeados:
Essa política de afastamento dos índios de sua terra nativa, conhecida como
descimentos e aldeamentos, foi colocada em prática no final do século XVII e em todo o
século XVIII na Capitania do Rio Grande, conforme podemos observar no quadro abaixo:
1700-1712
(Jesuítas)
São João Carmelita Lagoa do
Apodi Paiacus 1734 RN
Batista descalço Apodi
(capuchinhos)
1761
(extinção)
339
MONTEIRO, Denise Mattos. História do Rio Grande do Norte. 2 edição. Natal, 2002. Pag. 73.
1
5
0
Nossa Ribeira do
Ceará Panacu-
Senhora da 1702 RN Ceará
Mirim Açu
Piedade Mirim340
340
Estava situada em uma região chamada de Capela, que corresponde a uma localidade à margem do rio
água Azul, no atual município de Ceará-Mirim-RN. MEDEIROS FILHO. Olavo de. Aconteceu na capitania do
Rio Grande. Departamento Estadual de Imprensa, Natal-RN, 1997. Pag. 156.
1
5
1
São João
São João 1702
Nossa Lagoa de
da Ribeira Canindés Jesuíta 1704 RN
Senhora do São João341
do Cunhaú 1706
Amparo
São João
Goianinha Jesuíta 1704 RN
Batista
Caboclos
Mipibu 1704
de língua Santa Ana Capuchinho RN
(Manebu) 1746
geral
São Paulo
Ribeira do
da Ribeira Coremas São Paulo 1702 RN
Potengi342
do Potengí
Nossa
Rio Sabaúna
Sabaúna343 Paiacu Senhora da 1704 RN
Encarnação
(Fonte: Tese de doutorado de Pedro Puntoni ―Povos indígenas e a colonização do sertão do nordeste
do Brasil‖ – USP – 1998. Pag. 62.) :
341
Situada no atual município de Canguaretama-RN. Nota do autor.
342
Era localizada na atual comunidade de Pirituba, à margem direita do rio Potengí, no município de São
Gonçalo do Amarante-RN. Medeiros filho, Olavo de. Aconteceu na capitania do Rio Grande. Departamento
Estadual de Imprensa, Natal-RN, 1997. Pag. 155.
343
―O rio sobaúna, de que ahi se trata, ou Sobaamos, como o chama a data 59, é o actual Sibaúna,
pequeno ribeiro do município de Goyaninha e que em tra no catú, pouco antes desse desembocar no mar‖.
Sesmarias do Rio Grande do Norte. Coleção mossoroense, Série C, Volume:1.136, Mossoró, Março, 2000. Pag.
48.
1
5
2
povos indígenas que vão perdendo a sua identidade étnica e incorporando-se à cultura
dominante, só que de uma forma marginal, onde a herança indígena, vista como inferior,
é motivo de vergonha, devendo ser escondida. 344
344
MEDEIROS, Ricardo Pinto. Povos indígenas do sertão nordestino no período colonial:
Descobrimentos, alianças, resistências e encobrimento. Tese de Doutorado, UFPE, Recife-PE, 2000.
345
MARIZ, Marlene da Silva. Repertório de Documentos para a História Indígena Existente no Instituto
Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. Coleção Mossoroense. Série C, N.º 871. UFRN: Natal, 1995.
Pág. 161.
346
Esse alvará determinava que os vassalos que casassem com índias não ficariam por isso ―com infâmia
alguma, antes se fariam dignos de sua real atenção‖. O mesmo se aplicava às portuguesas que casassem com os
índios, pois era de ―grande conveniência de se povoarem os seus domínios da América‖. PIRES, Maria Idalina
da Cruz. Guerra dos Bárbaros: resistência indígena e conflitos no Nordeste colonial. Recife: Editora
Universitária (UFPE), 2002. Pág. 127.
1
5
3
Outro aspecto a ser observado nesse contexto era a questão da escravidão indígena.
Sucediam-se as cartas régias, leis e alvarás, ora autorizando, ora proibindo a escravidão dos
índios. Esse processo vai se arrastar por quase três séculos (XVI a XVIII), pois dependia dos
ciclos econômicos, dos conflitos armados entre as metrópoles européias e das estratégias de
dominação colonial determinadas pelas forças portuguesas.
1
5
4
Essa escravidão ―silenciosa‖ era praticada nos aldeamentos indígenas de forma sutil,
carregada de uma forte carga ideológica impregnada de uma religiosidade, onde o índio
passaria a ser um cidadão e participante ativo da sociedade colonial. Entretanto, aliada a essa
submissão religiosa (com constantes ameaças de castigos divinos tentando intimidar os
índios), a utilização da mão de obra era diária e constante nos aldeamentos, com péssimas
348
condições de vida e constantes revoltas. Pode-se afirmar que foi o trabalho indígena
escravo ou semi-escravo que constituiu, durante todo o século XVIII, a principal forma de
trabalho no Rio Grande. 349
Ainda no plano econômico era como se os portugueses estivessem fazendo ―um favor‖
aos índios (utilizando sua mão-de-obra gratuitamente) ensinando-os nas fainas da lavoura e do
criatório de gado:
..E se, ao depois nos servirmos deles para as nossas lavouras, nenhuma injustiça lhes fazemos,
pois tanto é para os sustentarmos a eles e a seus filhos como a nós e aos nossos. E isto, bem
longe de os cativar, antes se lhes faz um irremunerável serviço em os ensinar a saberem
347
MONTEIRO, Denise Mattos. Introdução a História do Rio Grande do Norte. Natal: Editora da UFRN,
2000. Págs. 86-87.
348
―Talvez as causas mais prováveis das revoltas dos índios aldeados sejam esse extremo controle que se
dava sistematicamente, explorando-se o trabalho indígena (por padres e colonos) além da vigilância e
repressão aos seus costumes, feitas de forma particular ou pública, através de castigo, doutrinamento moral
contra os “vícios”, controle do tempo etc.‖ BARROS, Paulo Sérgio. Idolatrias, Heresias, Alianças: A
resistência indígena no Ceará Colonial. ETHNOS - Revista Brasileira de Etnohistória, ano II, número 2 –
Janeiro/Junho/1998.
349
Idem. Pag. 91.
1
5
5
lavrar, plantar, colher e trabalhar para seu sustento. Coisa que antes que os brancos lhos
ensinem, eles não sabem fazer. Isto entendido, senhor? 350
Além do mais, para assegurar essa dominação no aspecto legal, sempre existiu na
colônia uma inconstante legislação indígena que provinha da metrópole, mas geralmente tinha
sua redação elaborada pelos governadores gerais, de acordo com as circunstâncias e interesses
dos grupos dominantes nativos, auxiliados pelo domínio temporal da Igreja católica:
Na colônia, o principal documento legal eram os Regimentos dos governadores gerais. O rei os
assinava, assim como às Cartas Régias, Leis, Alvarás em forma de lei e Provisões Régias,
auxiliado por corpos consultivos dedicados a questões coloniais. O primeiro desses conselhos
foi a Mesa de Consciência e Ordens, criado em 1532. Seguiram-se o Conselho da Índia (1603)
e seu sucessor; o Conselho Ultramarino (1643). Estes emitiam pareceres que podiam, e
costumavam ser, sancionados pelo rei, passando a ter valor legal. Na colônia, os governadores
gerais emitiam Decretos, Alvarás e Bandos, aplicando a legislação emitida pela Coroa. Para o
exame de questões específicas que exigiam conhecimentos locais de que a metrópole não
dispunha, o rei ordenava a formação de Juntas compostas de autoridades coloniais e
religiosas), entre as quais a mais importante era a Junta das Missões, cujas decisões deviam
ser-lhe enviadas para apreciação e eventual aprovação. O que mais chama a atenção nos
documentos legais relativos à questão indígena é o fato de disposições emanadas diretamente
da Coroa referirem-se em muitos casos a questões bastante específicas e locais tanto quanto
os atos administrativos coloniais.351
350
Carta de Domingos Jorge Velho ao rei em 15 de Julho de 1694. ENNES, Ernesto. As guerras dos
Palmares (subsídios para sua história). São Paulo, 1938. Pag. 204.
351
PERRONE, Beatriz. Índios livres e índios escravos. Os princípios da legislação indigenista do período
colonial (séculos XVI a XVIII). hemi.nyu.edu/course-rio/perfconq04/materials/text/livres.html - 93k. Acessado
em 13 de Junho de 2007.
1
5
6
Em sete de Julho de 1757 ocorre a criação do ―Diretório dos Indios‖ efetuada pelo
Marquês de Pombal, que transformaria as aldeias em vilas, transferindo a administração das
mãos dos religiosos para os civis, e impondo várias mudanças que descaracterizaria de vez os
costumes indígenas. Entre elas, podem ser citadas: Imposição da língua portuguesa, adoção de
sobrenomes portugueses, separação das famílias coletivas em unidades conjugais e a proibição
da nudez: 352
352
MARIZ, Marlene da Silva. SUASSUNA, Luiz Eduardo Brandão. História do Rio Grande do Norte.
Editora Sebo Vermelho, primeira edição, 2002, Natal-RN. Pág. 64.
353
HANDELMANN, Henrique. História do Brasil. Rio de Janeiro: Edição original em 1859. Traduzido
para o português em 1931 pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Pag. 301
1
5
8
metrópole. Dividida e pressionada de ambos os lados, concluem tais análises, a Coroa teria
produzido uma legislação indigenista contraditória, oscilante e hipócrita.354
354
PERRONE, Beatriz. Índios livres e índios escravos. Os princípios da legislação indigenista do período
colonial (séculos XVI a XVIII). hemi.nyu.edu/course-rio/perfconq04/materials/text/livres.html - 93k. Acessado
em 13 de Junho de 2007.
355
Em 07 de Janeiro de 1607, o Capitão-Mor Jerônimo de Albuquerque dava uma grande sesmaria aos
padres Jesuítas. CASCUDO, Câmara. Os Holandeses no Rio Grande do Norte (1949). Coleção Mossoroense,
Série C, Volume 792, Mossoró-RN, 1992. Pág. 23.
356
As Primeiras notícias oficiais sobre aldeamento religioso são datadas de 23 de Setembro de 1641,
mencionando a existência de uma aldeia dos potiguares, onde foi construída no tempo dos holandeses uma capela
que teve a denominação de São Miguel. MEDEIROS, FILHO, Olavo de. Aconteceu na capitania do Rio Grande.
Departamento Estadual de Imprensa, Natal-RN, 1997. Pag. 111.
357
Registrada oficialmente como a missão de São Miguel do Guajiru, pelos jesuítas, com remanescentes
das tribos dos potiguares. MARIZ, Marlene da Silva. SUASSUNA, Luiz Eduardo. História do Rio Grande do
Norte. Edições Sebo Vermelho, Natal-RN, 2002. Pag. 60.
358
Existem informações (IDEMA-RN) mencionando que o desembargador Bernardo Coelho Gama Casco
teria fundado a Vila Nova de Extremoz em 1758. Outra informação historiográfica cita o ano de fundação como
Maio de 1760. MARIZ, Marlene da Silva. SUASSUNA, Luiz Eduardo. História do Rio Grande do Norte.
Edições Sebo Vermelho, Natal-RN, 2002. Pag. 115.
359
―Na realidade, a referida aldeia já existia no ano de 1647‖. MEDEIROS, FILHO, Olavo de.
Aconteceu na capitania do Rio Grande. Departamento Estadual de Imprensa, Natal-RN, 1997. Pag. 111.
360
Existindo sob a orientação dos jesuítas desde 1680 e registrada oficialmente, em 1683, como missão
pela Companhia de Jesus. MARIZ, Marlene da Silva. SUASSUNA, Luiz Eduardo. História do Rio Grande do
Norte. Edições Sebo Vermelho, Natal-RN, 2002. Pag. 115.
1
5
9
Serra dos
dormentes
Vila do 08 de Dezembro de
e/ou Serra de 1761 Portalegre - RN
Regente 1761
Dona
Margarida
Vila de São
1704361 São José do Mipibu-
Mipibu José do Rio 22 de Fevereiro de 1762
1736 RN
Grande
1643362
Gramació Vila Flor 10 de Outubro de 1762 Vila Flor-RN
1704363
22 de Julho de 1766
1683364 Vila do (Criação do município)
Queiquó Caicó - RN
1695365 Príncipe 28 de Abril de 1788366
(instalação da Vila)
Nossa 22 de Julho de 1766
Vila Nova
Senhora dos 1696 (Criação do município) Açu - RN
da Princesa
Prazeres de Agosto de 1788
361
A demarcação oficial da aldeia de Mipibu como missão religiosa foi em 1704. Em 01 de Agosto de
1682 já tinha sido autorizada pelo governador geral do Brasil, Antonio de Souza, a unificação das aldeias de
Mipibu e a de Guaraíras, por serem ambas pequenas. Repertório de Documentos para a História Indígena
Existente no Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. Coleção Mossoroense. Série C, N.º 871.
UFRN: Natal, 1995. Pág. 111.
362
As primeiras notícias sobre a aldeia indígena de Ramaciot aparecem em um mapa do francês Jacques de
Vaulx, datado de 1579. MEDEIROS, FILHO, Olavo de. Aconteceu na capitania do Rio Grande. Departamento
Estadual de Imprensa, Natal-RN, 1997. Pag. 153.
363
A administração passa a ser feita pelos jesuítas com o nome de Missão de Nossa Senhora da Incarnação
de Igramació, na ribeira de Goianinha-RN. Nota do autor.
364
As mais antigas referências documentais concernentes a primeira edificação na região seria a casa forte
do Cuó, que retroage até 1683. MEDEIROS FILHO, Olavo de. Notas para a História do Rio Grande do Norte.
Centro Universitário de João Pessoa-PB, Março, 2001. Pag. 113.
365
―Em 1695 foi celebrado um acordo de paz entre os Janduís e o capitão-mor do Rio Grande, Bernardo
Vieira de Melo, em conseqüência do qual, foi iniciado no mesmo ano o levantamento da capela da Senhora
Santana, do vale do Acauã, nas proximidades do chamado poço da casa forte do Cuó.‖ MEDEIROS FILHO,
Olavo de. Notas para a História do Rio Grande do Norte. Centro Universitário de João Pessoa-PB, Março,
2001. Pag. 114.
366
A publicação da carta régia autorizando a instalação foi em 22 de Julho de 1766, mas sua efetivação
pelo governo de Pernambuco só se daria em 28 de Abril de 1788 ou 31 de Julho de 1788. O mesmo fato
ocorreria com a Vila Nova da Princesa, atual cidade do Açu, que teve sua efetivação em Agosto de 1788. Nota
do autor.
1
6
0
O projeto de legislação indigenista no contexto das reformas pombalinas, quando entre 1757 e
1798 se organizou o Diretório de índios, código legislativo que extinguiu o sistema de
missões e secularizou a administração dos aldeamentos de índios e a Companhia de Jesus foi
expulsa do Brasil, estimulou a secularização das aldeias e sua integração na organização
formal das instituições urbanas européias: freguesias e vilas. As aldeias tornaram-se vilas e
suas terras foram repartidas. Desde 1654 se havia iniciado esta tendência na administração
urbana, mas em 1750, com o fim da ação missionária oficial na região e com as novas
determinações que a estabilização da posse da terra ocasionava, começa com maior
determinação a organização de novas cidades. 367
367
PORTO, Maria Emília Monteiro. Fronteira: Jesuítas e missões no Rio Grande colonial.
http://www.cafefilosofico.ufrn.br/emilia.htm.
1
6
1
Com a apropriação definitiva dos territórios dos tapuias pelos colonizadores, ficam
abertos os caminhos e as trilhas para a divisão jurisdicional do Rio Grande do Norte em
freguesias, que passaria a ter a seguinte composição no século XVIII:
Açu 1726
Goianinha 1744
Caicó 15.04.1748
Portalegre 09.12.1761
São José do Rio Grande 22.02.1762
(Antiga missão de Mipibu)
Apodi 03.02.1766
Mesmo com essa nova política urbana, os índios não ficariam livres de massacres. Em
1809, nove índios tapuias seriam mortos por estarem roubando gado na Lagoa do Bamburral,
no atual município de Apodi - RN.
Em 1805 a Vila de Portalegre - RN possuía 400 índios, sendo 189 do sexo masculino e
211 do feminino,368 com a população branca atingindo 262 pessoas, 100 negros e 255 mulatos.
Em 03 de Novembro de 1825, ocorre uma chacina de índios Paiacus aos pés da serra de
368
Documento existente na Biblioteca Nacional de Lisboa, datado de 31 de Dezembro de 1805,
informando os dados estatísticos da Vila de Portalegre - RN. MEDEIROS FILHO, Olavo de. Notas para a
História do Rio Grande do Norte. Editora Centro Universitário de João Pessoa, Março, 2001. Pág.165.
1
6
2
Portalegre - RN, no sítio Viçosa (atual município de Viçosa-RN). Esses estavam sendo
escoltados para a cadeia de Natal-RN:
Outros índios que escaparam aos massacres e não estavam nos aldeamentos, tiveram
destinos diferentes. Alguns preferiram ficar escondidos nas grutas das serras potiguares e por
vezes eram pegos ―a dente de cachorro‖. Outros ficaram trabalhando em fazendas e pequenas
comunidades do Seridó do Rio Grande do Norte, já em processo de miscigenação:
Os índios que as Guerras dos Bárbaros não conseguiram banir do sertão foram aldeados em
missões, sob a direção de religiosos, onde passaram por processos de reelaboração de sua
forma de ver e entender o mundo, mediados pelas ações catequéticas cristãs. Os relatos
historiográficos e mesmo a tradição oral referendam nativos que após os combates,
refugiaram-se nos sopés e altos das serras, onde passaram a viver homiziados no mais íntimo
do sertão. 370
369
SPENCER, Walner Barros. Cunhaú - Um patrimônio de valores contraditórios. Artigo publicado em
18.10.2004, na Natalpress. Com
370
HELDER, Alexandre Medeiros de Macedo. Remanescentes indígenas numa freguesia colonial do
Brasil: Santa ana, no sertão do Seridó, Rio Grande do Norte (sécs. XVIII-XIX).
371
MARIZ, Marlene da Silva; SUASSUNA, Luiz Eduardo. História do Rio Grande do Norte. Edições Sebo
Vermelho, Natal-RN, 2002. Pag. 181.
1
6
3
372
MARIZ, Marlene da Silva; SUASSUNA, Luiz Eduardo. História do Rio Grande do Norte. Edições Sebo
Vermelho, Natal-RN, 2002. Pag. 180.
1
6
4
Ao fim e ao cabo, tanto os negros dos Palmares como os tapuias irredentos foram incapazes
de se opor às forças luso-brasileiras, muito mais poderosas, não apenas tecnológica e
estrategicamente, mas porque tinham atrás de si um sistema social cuja complexidade e
integração, tornavam inexeqüível a resistência, fosse ela interna ou externa, em razão de
sua fragmentação ou dissociação. 374
Na mortandade, na escravização e no aldeamento dos indígenas sobreviventes, então
ocorridos, é que se encontra a explicação para o desaparecimento de povos inteiros, seja do
ponto de vista físico ou cultural, e para a inexistência de nações indígenas nessas áreas hoje
em dia. 375
Absorvidos pela sociedade colonizadora, os índios brasileiros, entre eles os tapuias,
passam por outro processo de exclusão ainda mais sério: a de serem povos sem ter direito
sequer à própria História.
Nos livros de história do Brasil, os índios desaparecem no primeiro capítulo. Nos de
história regional eles ainda aparecem até 1850, nas descrições das frentes de expansão
econômica, da consolidação da grande propriedade da terra, da organização do trabalho
escravo e livre das lutas políticas de integração das províncias ao Estado nacional. A
historiografia costuma mostrar os índios como coadjuvantes incômodos, personagens
376
secundários, sombras massacradas, selvagens infelizes e retraídos.
Deles, quase nada restou. A guerra tirou-lhes a terra e a vida. A incompreensão minou-lhes a
dignidade e a cultura. A ignorância e a ingratidão impediram o reconhecimento de seus
valores, e ao considerá-los sem história, os consideram sem passado, como se fossem
373
SILVA, Marcos. ARRAIS, Raimundo. CAVENAGHI, Airton José. Grande Atlas Histórico do Rio
Grande do Norte. A “Guerra dos Bárbaros” e o sertão do Rio. (fascículo 6). Projeto LER (Governo do Estado
do Rio Grande do Norte), Natal-RN, Junho/2006. Pag. 22.
374
PUNTONI, Pedro. A guerra dos Bárbaros. Povos indígenas e a Colonização do Sertão Nordeste do
Brasil, 1650-1720. Tese de Doutorado, USP, 1998. Pag. 227.
375
MONTEIRO, Denise Mattos. Introdução a História do Rio Grande do Norte. Natal: Editora da
UFRN, 2000. P. 64.
376
PORTO ALEGRE, Maria Sylvia. Rompendo o silêncio: por uma revisão do “desaparecimento” dos
povos indígenas. www.biblio.ufpe.br/libvirt/revistas/ethnos/palegre.htm. Acessado em 22 de Março de 2006.
1
6
5
fantasmas dos tempos, mais próprios para assustar as crianças desobedientes do que para
servir-lhes de exemplo dignificante.377
Foi com homens desta brava energia, desta violenta audácia, portugueses e paulistas, estes
nascidos daqueles, consubstanciando todo o valor da raça, com todas as suas virtudes e
qualidades, mas sempre os mesmos, que no século de quinhentos, na proa das naus, no alto
das enxárcias, no cimo das vergas, se aventuraram aos mistérios tenebrosos dos oceanos; que
no século XVI, souberam devassar densas florestas, largos rios, cerrados bosques, ásperas
serras e mares profundos; que pela quebrada dos montes, pelos leitos dos rios e pelo
imprevisto do sertão conseguiram vencer, extinguir, aniquilar e avassalar ninhos de feras
homens e bichos, negros e pardos, que constituíram e habitaram este vasto continente
americano, orgulho de portugueses e paulistas de hoje, de ontem e de amanhã, diga-se o
que se disser, pense-se o que se pensar.
As guerras nos Palmares
Ernesto Ennes – Escritor Português
Os próprios pensamentos de alguns missionários religiosos do final do século XVII
estavam voltados para justificar o desaparecimento dos índios do sertão como necessário e
derivado da ―vontade de Deus‖:
Eu confesso que quando tive novas do estrago que se tem feito nesta gente fiquei
notavelmente desconsolado; porém, como depois ouvi as razões que tinham obrigado o
mestre-de-campo a dar-lhes guerra, não tive outro remédio que conformar-me com a vontade
de Deus, pois ele foi servido permitir que eles mesmos dessem causa a esta sua ruína. 378
377
SPENCER, Walner Barros. Ecos de silêncio! A memória indígena recusada. Dissertação de mestrado,
UFRN, Natal-RN, 2000. Pag. 137.
378
Carta escrita do arraial do Assu, em 29/10/1699, do missionário Jesuíta João de Guinzel ao governador
geral João de Lencastro. PUNTONI, Pedro. A guerra dos Bárbaros. Povos indígenas e a Colonização do Sertão
Nordeste do Brasil, 1650-1720. Tese de Doutorado, USP, 1998. Pag. 210.
1
6
6
Por vezes foram utilizadas expressões conformistas e fatalistas, onde o índio tapuia era
visto como ―o coitado‖ ou que foi necessário que tivesse acontecido, pois ―já tinha passado
seu tempo‖:
Depois, lenta e regularmente, iriam desaparecendo, homem a homem, tribo a tribo, saindo da
vida, indo para a História, cumprida a missão que lhe custaria o sacrifício total da raça
admirável. 379
Quem ler isto refletirá por certo que tudo fizeram a Companhia. Nassau e o Supremo
Conselho para promoverem o bem público. Buscaram-se lucros guerreando, comerciando,
explorando terras. Nem as selvas, nem os penhascos, nem os rios, nem os mares obstaram à
sofreguidão do ganho. Tão veemente é a estima ao dinheiro que ela ousa e realiza coisas
extraordinárias e incríveis, quer investigando lucros latentes, quer devorando os
manifestos. Entretanto, não dão completa felicidade as vantagens encontradas, e é digna
da maior compaixão essa avidez de procurá-las.380
379
CASCUDO, Luís da Câmara. História do Rio Grande do Norte. Segunda Edição. Rio de Janeiro:
Achiamé, Natal-RN. Fundação José Augusto, 1984. Pag. 27.
380
BARLÉU, Gaspar. História dos feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil e noutras
partes sob o governo do ilustríssio João Maurício Conde de Nassau, (1647), trad. Port. Belo horizonte/São Paulo,
Itatiaia/Edusp, 1974. Pag. 231.
1
6
7
381
CASCUDO, Câmara. Notas e Documentos para a História de Mossoró. Coleção mossoroense, Volume
2, Pág. 18.
1
6
8
construído na antiguidade pelos holandeses na confrontação ao lugar de uma casa que ali
construiu o velho prático do mar da barra André Cursino de Medeiros.382
A atual Serra do João do Vale (que abrange parte geográfica dos atuais municípios de
Jucurutu, Campo Grande e Triunfo Potiguar) era conhecida no século XVII pelos índios Pegas
como Pepetama e, pelos índios tapuias (Janduís) como Pookiciabo.383
As primeiras notícias de doações de sesmarias na região datam de 17 de Junho de
1691, quando teriam sido doadas quatro léguas de terras ao capitão Manuel Vieira do Vale.
Em 26 de Agosto de 1750, foi concedida uma sesmaria a João do Vale Bezerra (dando origem
ao atual nome de serra do João do Vale), que informava ter descoberto ―hum posso de agoa
ao pê de huma gr. De. dentro de hum reacho que desagoa no rio das Piranhas cujo posso se
chama agoa fria, e pelo mesmo nome do gentio tapuyo se chama Cucuraí aonde se achão
alguns vestígios de ge. foi cituação do mesmo gentio, ou do flamengo no tempo qe.
Senhoriavão esta cap.nia.”384
O poço água fria está localizado no riacho João Grande, na fazenda Água Fria, no atual
município de Jucurutu-RN. Existem informações historiográficas que mencionam a presença
de ―vestígios de um antiqüíssimo alicerce, feito de pedras, a uma distância de 1.500 metros
da pedra grande, que assinalava o poço da água fria, talvez ainda remanescente da chamada
situação do flamengo”. 385
Para verificar a existência desse ―antiqüíssimo alicerce‖, a equipe do Núcleo de
Estudos Arqueológicos da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte- NEA-UERN,
coordenada pelo autor deste trabalho, esteve na fazenda Água Fria no dia 04 de Dezembro de
2005, conseguindo obter, in loco, as seguintes informações:
382
SOUZA, Francisco Fausto de. História de Mossoró. Coleção Mossoroense, volume 96.
383
―Primitivamente, os índios de Caracará chamavam-na de Pookiciabo. Os da nação Pega, de
Pepetama; Na colonização dos portugueses, devido a horizontalidade do seu platô, de serra cepilhada. Devido
ao massacre e a transferência dos remanescentes dos Pegas de seu habitat, a serra Cepilhada passou a regime
devoluto e, posta a leilão, foi arrematada pelo Capitão-Mor João do Vale Bezerra, em toda a sua extensão, pela
quantia de 420$000 (quatrocentos e vinte contos de réis), a 19 de Novembro de 1761, recebendo, desde então, o
nome de seu donatário – João do Vale, em sua quarta denominação. Antes dessa arrematação, o Capitão já
havia requerido e recebido o benefício de uma data e sesmaria, nº 380, naquela serra, concedida em pela
Capitania do Rio Grande em 1750.‖ RAMALHO, João Pegado de Oliveira. O beato da serra de João do Vale.
Coleção mossoroense, Série B, nº 10, Mossoró, Maio de 1998. Pag. 02.
384
MEDEIROS FILHO, Olavo de. Os holandeses e a Serra do João do Vale. Mossoró: Coleção
mossoroense, série C, Pág. 02.
385
Idem. Pág. 03.
1
6
9
a) Foi localizado o poço da água fria (vide quadro abaixo), que está situado no leito do
riacho do João Grande e a uma distância de quatro kilômetros (em linha reta ou a vôo
de pássaro) da casa principal da fazenda água fria (vide foto 53);
Figura 53 – Poço da água Fria – Período seco (verão) – Riacho do João Grande - Fazenda
Água Fria - Município de Jucurutu-RN
b) A partir do poço da água fria, aproximadamente 800 metros em linha reta (vôo de pássaro),
na direção Nordeste, existem entulhos extraídos de minas de schellita abandonadas (vide
quadro abaixo), localizadas no lado direito e as margens do riacho do João Grande. Foi
observada a existência de três minas escavadas no solo onde ocorreu o trabalho de extração da
1
7
0
Foto 54 – Restos do entulho extraído das minas de schellita, localizado as margens do riacho
do João Grande – Fazenda Àgua Fria – Município de Jucurutu-RN.
1
7
1
d) Não foi constatado qualquer outro tipo de vestígio material feito pela cultura humana, nas
redondezas das minas de schellita, como alicerces, restos de construção ou utensílios
domésticos (faiança) vinculados ao século XVII.
No levantamento de campo, efetuado pela equipe de pesquisa, não foi localizada
nenhuma evidência arqueológica superficial na área observada que comprove a
presença holandesa nas proximidades do poço da água fria, na fazenda água fria (município
de Jucurutu), durante o transcorrer da ocupação batava na capitania do Rio Grande no século
XVII.
A mais antiga referência documental sobre a casa forte do Cuó data de 1683 e teria
sido construída pelo coronel Antonio de Albuquerque Câmara (que adquiriu sesmarias na
região em 1679), as margens do rio Seridó, no sítio Penedo (situado na atual área urbana da
cidade de Caicó-RN). Tendo servido inicialmente como habitação, e posteriormente como
posto defensivo entre os anos de 1687-1695.
Essa casa forte teria sido o primeiro núcleo de ocupação pelas populações luso-
brasileiras, no território hoje chamado de Seridó (conhecido também no século XVII como a
região do Acauã), e teria servido como uma edificação de amparo para as tropas coloniais
durante os combates num conflito de proporções regionais que a historiografia chamou de
Guerra dos Bárbaros, no fim do século XVII.386
Podem ser observados, até os dias de hoje, alicerces feitos com pedra e cal em cima de
um lajedo granítico, as margens do Rio Seridó, no sítio Penedo, próximo ao poço de Santana,
na atual cidade de Caicó-RN:
São de uma construção com embasamento de alvenaria em pedra e cal. Feita em cima de um
lajedo granítico que apresenta um partido de planta retangular com aproximadamente 22,60m
de comprimento por 15,46m de largura e espessura de aproximadamente 87 cm. Apesar de
encontrar-se em ruínas ainda apresenta trechos de paredes, que mantêm uma altura constante,
386
MEDEIROS FILHO, Olavo de. Os índios do Açu e do Seridó. Pag. 140-145. Citado por: MACEDO,
Helder Alexandre Medeiros de. Contribuição ao estudo da Casa forte do Cuó, Caicó-RN. Revista Mneme,
Dossiê arqueologias brasileiras, V. 6, Nº 13, Dez/2004/Jan/2005.
1
7
4
chegando, em alguns pontos, a cerca de 1,19m. Dado as paredes estarem reduzidas não nos é
possível apontar o número e disposição de portas e janelas e a cobertura. A cerca de 5 metros
a Sul das ruínas do que, imagina-se, fosse a Casa-Forte do Cuó encontram-se alicerces,
construídos com embasamento em alvenaria de pedra e cal com partido de planta retangular
que, provavelmente, pertenceram à Capela da Senhora Santana. Algumas paredes desses
alicerces se apresentam não com pedra e cal como elementos constitutivos, mas, com apenas
pedra e barro, atingindo aproximadamente 1,80m a parede mais alta. Um dos lados da planta
retangular apresenta um pequeno resquício da base da construção. Nos arredores do sítio
arqueológico que comporta os possíveis alicerces da Casa-Forte e capela podem ser
encontrados, na superfície, restos de tijolos e fragmentos de cerâmica e de louça, que são
possíveis indicativos culturais da presença humana na área, seja entre o fim do século XVII e
início do século XVIII, seja numa ocupação posterior, o que é mais provável, segundo o
historiador e arqueólogo Valdeci dos Santos Júnior, da Universidade do Estado do Rio
Grande do Norte.387
Próximo a esses alicerces (que teriam sido a Casa-Forte do Cuó e a antiga capela de
Santana), existem outros alicerces feitos com pedras e cal (com formatos retangulares e
retangulares), que podem ter servido como base das primeiras residências do antigo Arraial do
Queiquó e da primeira capela (Senhora Santana) que teria funcionado no local de 1700 a 1748
(quando foi concluída a atual matriz de Santana):
387
MACEDO, Helder Alexandre Medeiros de. Contribuição ao estudo da Casa forte do Cuó, Caicó-RN.
Revista Mneme, Dossiê arqueologias brasileiras, V. 6, Nº 13, Dez/2004/Jan/2005.
388
MACEDO, Helder Alexandre Medeiros de. Contribuição ao estudo da Casa forte do Cuó, Caicó-RN.
Revista Mneme, Dossiê arqueologias brasileiras, V. 6, Nº 13, Dez/2004/Jan/2005.
1
7
5
389
Informação do autor deste trabalho ao pesquisador Helder Alexandre Medeiros de Macedo, publicadas
no artigo ―Contribuição ao estudo da casa forte do Cuó, Caicó-RN‖. Revista Mneme, Dossiê arqueologias
brasileiras, V. 6, Nº 13, Dez/2004/Jan/2005.
1
7
6
Figura 58 - Vista panorâmica do serrote onde estão localizadas as ruínas do forte do cuó. Ao
fundo, aspecto da zona urbana da cidade de Caicó. (Dezembro/2004).
Figura 59 – Visão do rio Seridó que passa próximo as ruínas da Casa forte do Cuó.
1
7
7
Figura 60 - Visão do lajedo granítico onde estão localizados os alicerces da casa forte do Cuó.
Figura 61 - Detalhe de uma das bases dos alicerces da casa forte do Cuó.
1
7
8
Figura 63 - Visão dos alicerces laterais que possuem 22,6 metros de comprimento.
1
7
9
Figura 71 - A mais antiga casa do sertão do Seridó, denominada de ―Casa de Pedra‖, teve sua
construção iniciada no ano de 1730. Seu morador mais conhecido, em épocas
passadas, foi o português Antônio da Rocha Gama, que teria habitado a casa, entre
os anos de 1775 e 1830.
―Na casa forte do Cuó alojaram-se, sucessivamente, as tropas do coronel Jerônimo Cavalcanti
de Albuquerque, do Coronel Antonio de Albuquerque da Câmara, do Capitão-mor Afonso de
Albuquerque Maranhão, e do mestre-de-campo do terço dos paulistas Domingos Jorge Velho,
empenhados no combate repressivo ao gentio tapuia rebelado.‖390
390
MEDEIROS FILHO, Olavo de. Notas para a História do Rio Grande do Norte. Centro Universitário
de João Pessoa-PB, Março, 2001. Pág. 114.
1
8
6
Uma das maiores enchentes do rio Espinharas foi em 1917, no lugar denominado Gancho, no
município de Serra Negra do Norte, na junção dos dois rios, Piranhas e Espinharas. As águas
escavando uma das barreiras, fizeram aparecer ali, os alicerces de uma antiga vivenda, que,
segundo pareciam, seriam mais de uma fortaleza, do que mesmo de uma casa de fazenda. O
local fica a 12 Km ao Sul da cidade de Jardim de Piranhas, à margem direita do rio
Espinharas. Em 1937, a segunda maior cheia do rio deixou os alicerces quase no centro do rio.
Mediam talvez um metro de largura, os alicerces feitos de uma caliça tão forte que, diziam os
mais velhos, nela teria sido usado sangue de boi, para maior resistência. Na enchente de 1950,
as águas varreram os últimos vestígios daquela misteriosa construção. Informei-me do velho
Chico Preá, proprietário daquele terreno, que já contava 90 anos, mas em plenas faculdades
mentais, se ele não tinha conhecimento daquela construção. Ele me disse: Nasci e me criei
aqui, e aqui vivi; Nem meu pai conheceu essa casa de fazenda. Os alicerces estavam
soterrados a mais de meio metro de profundidade. Bem perto do local, um rapaz preparando
terrenos para agricultura, quase a meio metro de profundidade, encontrou uma moeda, muito
semelhante ao antigo vintém, onde se lia a data de 1699 e, em alto relevo, o nome de Etiópia e
uma esfinge. O Gancho é hoje, o povoado de Barra de São Pedro, no município de Serra
Negra do Norte, criado na gestão do prefeito Descartes Mariz, irmão do senador Dinarte, em
1937. Fica (o referido local) no povoado de Barra de São Pedro, a umas duzentas braças para
392
a sua foz no Rio Piranhas.
391
Idem. Pág. 122.
392
MEDEIROS FILHO, Olavo de. Notas para a História do Rio Grande do Norte. Centro
Universitário de João Pessoa-PB, Março, 2001. Págs.123-124.
1
8
7
mais dados sobre essas informações (Infelizmente, soubemos que as duas pessoas citadas no
texto, o Sr. Ramiro Monteiro Dantas e o Sr. Chico Preá já eram falecidos).
A equipe conseguiu constatar que realmente as informações geográficas do antigo
povoado do Gancho (é chamado dessa forma pela proximidade do local onde se juntam os
rios Piranhas e Espinharas, lembrando uma espécie de gancho) condizem com os dados
expressos na carta, estando situado na divisa entre os municípios de Jardim de Piranhas e
Serra Negra do Norte. O que serve como divisa dos dois municípios são justamente os rios
Piranhas e Espinharas.
Fig. 75 – Mapa do Rio Grande do Norte – Detalhe da região de divisa dos municípios de
Jardim de Piranhas e Serra Negra do Norte.
1
8
8
Figura 76 - Restos de uma antiga ponte no leito do rio Espinharas (arrastada pelas águas na
enchente de 2004) que unia o município de Jardim de Piranhas a comunidade de
Barra de São Pedro, no município de Serra Negra do Norte.
XVII, ela não deve ter seguido o mesmo padrão de base dos alicerces detectado na casa forte
do Cuó (que foi construída tendo como suporte um lajedo granítico).
arqueológicos no local que comprovem a construção de uma casa forte por Domingos Jorge
Velho.
Figura 79 - Pequenos fragmentos de cerâmica (tijolos), encontrados no local onde teria sido
construída a residência da antiga proprietária de escravos ―Margarida Cardoza‖.
1
9
1
Atualmente ainda existem ruínas de uma antiga construção (vide fotos 80-81), que
ficam próximas a barra do Rio Pirangí, perto da rodovia que vem de Parnamirim-RN em
direção a praia de Pirangí do Norte, tombadas pelo Estado do Rio Grande do Norte em 17 de
Fevereiro de 1990.
Inicialmente, o pesquisador Olavo de Medeiros Filho concordava com a hipótese do
historiador Hélio Galvão de que essas ruínas pertenceriam a uma antiga casa forte do
navarrense João Lostão Navarro, que aparece desde 1601 recebendo sesmarias a partir do Rio
Canayri, no desaguadouro da lagoa de Papari, na barra do Camurupim (conhecida atualmente
como Pium, está situada na ponta de Tabatinga – litoral Leste, próximo a atual penitenciária
de Alcaçuz – em Nísia Floresta-RN)394. Era dono de porto de pesca, portador de grande
influência. Sua residência era uma verdadeira casa forte, ampla, sólida, com repartimentos
para armazenagem de cereais e tendo os currais para o gado abundante. 395
Após a partida do Conde Maurício de Nassau para a Europa em 1644, o sentimento de
revolta contra a presença holandesa torna-se ainda mais forte nas capitanias. Em 15 de maio
de 1645, João Fernandes Vieira e Antônio Cavalcanti, assumiam um compromisso para lutar
"em nome da liberdade divina". Pouco dias depois, ou seja, 23 de maio, os dois juntamente
com outras personalidades, assinavam um documento onde demonstravam sua disposição de
lutar pela "restauração de nossa pátria". A insurreição começou no dia 3 de junho de 1645, na
várzea do Capibaribe, em Pernambuco. Em agosto, os comandados de João Fernandes Vieira
ultrapassavam mil homens. 396
394
O francês (natural da baixa Navarra) João Lostão Navarro obteve várias sesmarias na Capitania do Rio
Grande do Norte. A primeira aparece concedida em 01 de Março de 1601, em terras ao longo do mar no sítio que
começa do rio Canayry, onde tem porto de pescaria; Outra sesmaria foi concedida em 17 de Maio de 1603,
correspondente a 500 braças de terra pela costa, a partir da margem direita do rio Canayry (Trairi); Outra sesmaria é
doada em 24 de Maio de 1604, em terras por costa na cabeceira de sua data; Outra sesmaria foi doada em 07 de
Janeiro de 1607, em terras para a banda do Sul do rio Canayry; Uma outra sesmaria foi concedida em 09 de Maio de
1607, com 600 braças de terra, que começam do caminho de Jequesipitanga; Uma última sesmaria foi doada em 06
de Julho de 1608, em terras para os lados da data que foi doada a Afonso Lagarto; e outra sesmaria foi concedida
em 15 de Agosto de 1608, em terras entres as suas datas e a de João Saramenho. PINTO, Marcos. Índice
onomástico das Datas e Sesmarias do Rio Grande do Norte (Primeiro volume – 1600-1716). Coleção Mossoroense,
Série C, Volume 1148, Mossoró-RN, Junho/2000. Págs. 22, 23 e 24. A principio, o professor Olavo de Medeiros
Filho concordou com a hipótese do historiador Hélio Galvão (Índios do Açu e Seridó. Senado Federal. Centro
Gráfico: Brasília: 1984. Págs. 90-94).
395
CASCUDO, Câmara. Os Holandeses no Rio Grande do Norte (1949). Coleção Mossoroense, Série C,
Volume 792, Mossoró-RN, 1992. Pág. 21.
396
TRIBUNA DO NORTE. ―Domínio holandês. A insurreição pernambucana.‖ Cadernos especiais.
Fascículo 3.
1
9
2
Figura 81- Visão atual (2006) das ruínas da antiga construção do Piranjí.
1
9
3
...ainda não faltos do sangue, que fizeram derramar ao povo de Cunhaú, e casa forte de
João de Lostão, pretenderam esgotar o desta pobre gente cercada, para que nella se acabasse
o nome portuguez daquella capitania, para o que desasseis dias e noites os tiveram em cerco,
assim tapuias, como brasilianos e flamengos....e vendo os ditos moradores o tão pouco que se
podiam fiar da palavra de tyranos, disseram que, enquanto alli estivessem tapuias e
brasilianos, queriam antes morrer, que se entregar, e que tinham bom exemplo na traição das
mortes, que fizeram no Cunhaú e na casa forte de João de Lostão. Ao que lhes responderam:
que em nome de S. Alteza o príncipe de Orange lhes requeriam se entregassem....
promettendo-lhes vidas e fazendas, na maneira que até então as gosavam.... Chegou uma
397
―Em 16 de Julho de 1645 ocorrera na capela de Cunhaú, no Rio Grande do Norte, a matança dos
portugueses pelos índios tapuias comandados pelo alemão Jacó Rabe. Muitos moradores receando novos
ataques reuniram-se, para melhor defesa, numa propriedade de João Lustau Navarro, onde os holandeses os
investiram e os renderam. Levados os rendidos em dois grupos para Uruaçu, foram ali massacrados pelos
índios (3 de Outubro de 1645). MELLO, José Antonio Gonsalves de. D. Antonio Filipe Camarão. capitão-mor
dos índios da Costa do Nordeste do Brasil. Editora Universidade do Recife, 1954. Pag, 44.
1
9
4
lancha do Arrecife ao Rio Grande, e conforme a execução que se fez, trouxe ordem para
matar a todos os moradores de dez annos para cima...398
398
MACHADO, Maximiano Lopes. História da Província da Paraíba. Editora Universitária: João Pessoa-
PB, (reprodução da edição de 1912), 1977. Pag. 224-225.
399
MEDEIROS FILHO, Olavo de. Aconteceu na capitania do Rio Grande. Departamento Estadual de
Imprensa, Natal-RN, 1997. Pag. 51.
1
9
5
Após a saída dos portugueses, a casa forte teria sido ocupada pelos holandeses,
400
servindo como quartel general dos batavos na zona Sul. Após serem derrotados por Felipe
Camarão no rio Guajú, os holandeses teriam usado a casa forte de João Lostão Navarro como
um dos seus últimos refúgios na Capitania do Rio Grande.
Em outra obra, publicada em 2001, o professor Olavo de Medeiros Filho levantava
outra hipótese sobre a antiga construção do Piranjí, que poderia que sido construída no século
XVI, para servir como armazém, onde eram guardadas as mercadorias que os franceses
trocavam com os indígenas:
Tudo nos leva a crer que o levantamento daquela casa-de-pedra teria ocorrido na 2º metade do
século XVI, em pleno período econômico do pau-brasil.....Ademais, a disposição dos
cômodos que formam a edificação, indica que a sua finalidade seria, mesmo, a de servir como
um verdadeiro armazém. Assim, somos da opinião de que naquela casa-de-pedra eram
guardadas as mercadorias, objeto das trocas procedidas entre os franceses e os seus amigos
potiguares.401
O professor Olavo tinha como uma das bases históricas para sua hipótese uma
correspondência dirigida pelo filho do donatário João de Barros, ao rei de Portugal, e datada
de 1570, onde faziam alusões à presença dos franceses na costa potiguar aonde todos os anos
vão a ela a carregar pau-brasil por ser o melhor de toda a costa. E fazem já casas de pedra
em que entram em terra fazendo comércio com o gentio. 402
A equipe do Núcleo de Estudos Arqueológicos da Universidade do Estado do Rio
Grande do Norte –NEA-UERN, em visita realizada em Janeiro/2006, conseguiu detectar
faiança fina inglesa (século XIX) e portuguesa (século XVIII) nas proximidades da ruínas, de
forma superficial. Entretanto, somente uma prospecção arqueológica a ser procedida naquela
casa de pedra e em seus arredores, poderia esclarecer em definitivo a origem daquela
relíquia arquitetônica. 403
400
―Naquela casa-forte de Lostão foi instalado o quartel-general das operações bélicas, onde ficaram as
tropas flamengas até, pelo menos, o dia 29 de Junho de 1646.‖ MEDEIROS FILHO, Olavo. Aconteceu na
capitania do Rio Grande. Departamento Estadual de Imprensa, Natal-RN, 1997. Pag. 51.
401
MEDEIROS FILHO, Olavo. Notas para a História do Rio Grande do Norte. Centro Universitário de
João Pessoa-PB, Março, 2001. Págs. 30-31.
402
BAIÃO, Antonio. Documentos inéditos sobre João de Barros e a sua família. In: Boletim da Academia
das Ciências de Lisboa, 1917. Citado por MEDEIROS FILHO, Olavo. Notas para a História do Rio Grande do
Norte. Centro Universitário de João Pessoa-PB, Março, 2001. Pág. 27.
403
MEDEIROS FILHO, Olavo. Op. Cit. Pag. 31.
1
9
7
RUÍNAS DO PIRANJÍ
1
9
8
Um aspecto significativo a ser observado com relação aos índios tapuias é que não
ocorre sua extinção física com o fim dos combates do final do século XVII, como queriam
alguns colonizadores portugueses no solo potiguar.
Embora a população masculina dos índios tapuias realmente tenha decrescido a
números quase imperceptíveis em algumas áreas da capitania do Rio Grande devido às mortes
ocorridas nos combates, as doenças e as migrações forçadas. Por outro lado, foram bastante
comuns no sertão seridoense e da ribeira do Açu, as notícias referentes às ―caboclas brabas
amansadas e pegas a dente de cachorro ou casco de cavalo‖, para servirem como domésticas
ou servirem de mulheres para os vaqueiros.
A historiografia ensinada nas escolas brasileiras nos séculos XIX e XX, não menciona
os grupos indígenas no Estado potiguar após a chamada ―guerra dos bárbaros‖. Entretanto,
alguns estudos recentes começam a desvendar esses ―encobrimentos‖ historiográficos:
IPUEIRA 08 TIBAU 15
JAÇANÃ 03 TIBAU DO SUL 04
LAGOA SALGADA 05 UMARIZAL 06
LUIS GOMES 08 UPANEMA 04
MACAU 105 TOTAL 3.168
Fonte: Censo 2000 – IBGE
Mesmo agora, no início do terceiro milênio, podem ser detectados remanescentes
indígenas em solo potiguar, ou seja, pequenas comunidades ou agrupamento de famílias
dispersas que perpetuam costumes indígenas através de seus descendentes miscigenados,
como evidenciam as localidades abaixo mencionadas advindas dos estudos antropológicos da
professora Julie Cavignac (do departamento de Antropologia da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte) e das informações orais do Pesquisador e Indianista Aucides Bezerra de
Sales (Fundação José Augusto):
MUNICÍPIO LOCALIDADE
JUCURUTU Os Moreiras.
NATAL Nova Natal.
PUREZA Os Jacintos.
SÃO GONÇALO DO AMARANTE Baixa da Coruja
SÃO TOMÉ Serra da Tapuia.
TIBAU DO SUL Umarí.
UMARIZAL Cajazeira.
VIÇOSA Caboclos de Zebelaide, os Pedro.
VILA FLOR Aldeia de Cumurupim:Família Florzino
O que se pode concluir é que ainda faltam estudos antropológicos e arqueológicos que
venham a resgatar, para um nível o mais próximo da realidade dos fatos, sobre a história dos
índios pré-coloniais que habitavam a capitania do Rio Grande do Norte, entre os quais, os índios
tapuia. Fica claramente perceptível a ausência de uma maior contextualização entre os relatos
fornecidos pelos cronistas europeus que estiveram no nordeste brasileiro nos séculos XVI a
XVIII e os raros vestígios arqueológicos existentes (justamente pela ausência de escavações
científicas no Estado potiguar).
Diante dessa lacuna, resta somente observar nos documentos coloniais escritos pelos
colonizadores, indícios que revelem uma outra realidade histórica brutal, escrita com muito
sangue e ódio, e que viria a dizimar toda uma raça que habitava esse solo desde tempos
milenares:
Tudo porque a historiografia brasileira, ao longo dos anos, se satisfez em demonstrar que o
civilizado, o luso-brasileiro, o branco estava no centro de todas as coisas. O indio situou-se na
periferia, mero acessório ou espectador da gesta civilizada. As suas revoltas, atitudes de
resistência, atos de violência, foram lembradas como obras de preguiçosos, bêbados e
inconseqüentes, gente desacostumada a obedecer e por isso mesmo, levantada contra os legítimos
donos do poder. Aqueles europeus e seus descendentes que, por terem inteligência e cultura
superior, conforme se pensava, eram os depositários do mando e das regras do pacto social.
15 - BIBLIOGRAFIA
ALMEIDA, Horácio de. História da Paraíba. Editora Universitária, 1978, João Pessoa-PB
ASSIS, Virgínia Maria Almoêdo de. Com fé, Rei e Lei....In: Revista CLIO Arqueológica, nr.
17, Recife-PE. Pags. 40-45.
BARBOSA, José Elias Borges. As nações indígenas da Paraíba. Palestra proferida sobre os
500 anos do Brasil, no Instituto Histórico e Geográfico Paraibano. 2000.
BARLÉU, Gaspar. História dos feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil e
noutras partes sob o governo do ilustríssimo João Maurício Conde de Nassau, (1647), trad.
Port. Belo horizonte/São Paulo, Itatiaia/Edusp, 1974.
BOXER, C.R. Os holandeses no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, Coleção
brasiliana, V. 312, 1961.
CALMON, Pedro. História do Brasil. Companhia Editora Nacional, São Paulo-SP, 1941.
CARDIM, Fernão. Tratados da terra e gente do Brasil. Belo Horizonte: Editora Itatiaia;
São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1980. 207 p.
CASTELLO BRANCO, José Moreira Brandão. Quem fundou Natal ? In: Revista do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, Natal-RN: Tipografia Centro de Imprensa S.A, V. LIII, 1960.
CASCUDO, Luís da Câmara. História do Rio Grande do Norte. 2 edição. Rio de Janeiro:
Achiamé, Natal: Fundação José Augusto, 1984.
------------------------------------------ Os Holandeses no Rio Grande do Norte (1949). Coleção
Mossoroense, Série C, Volume 792, Mossoró-RN, 1992.
.............................................. Nomes da terra. Natal: Fundação José Augusto, primeira
edição, 1968. 321 p.
2
0
3
CUNHA, Euclides da. Os Sertões – Campanha de Canudos. São Paulo: Abril cultural,
1982.
CUNHA, Manuela Carneiro. (Org.). História dos Índios do Brasil. Editora Companhia das
Letras: Secretaria Municipal de Cultura: FAPESP. São Paulo, 2002.
DANTAS, Maria da Paz Medeiros. Desvendando o viver nas fazendas dos Azevedos,
Carnaúba dos Dantas-RN (1870-1940). Revista Mnemes, Jan/2004.
ENNES, Ernesto. As guerras nos Palmares. Domingos Jorge Velho e a Tróia negra. 1687-
1709. Coleção Brasiliana, Vol. 127. Companhia editora nacional, São Paulo-SP, 1938.
FILGUEIRA, Marcos Antonio. MEDEIROS FILGUEIRA, Maria Goretti. Breve notícia dos
holandeses após a rendição. Coleção mossoroense, série B, número 638, 1989.
GALANTI, Padre. Raphael M. História do Brasil. Editora Duprat: São Paulo, segunda
edição,1911.
GONSALVES DE MELLO, J. A. Tempo dos flamengos. Livraria José. Olímpio editora, 1947,
Rio de Janeiro.
LIMA, Nestor dos Santos. Municípios do Rio Grande do Norte: Areia Branca, Arez, Assú
e Augusto Severo. Edição fac-similar da revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio
Grande do Norte. Coleção mossoroense, Série C – Volume DXCV, 1990 –Mossoró-RN
LINS, Rachel Caldas. ANDRADE, Gilberto Osório de. Os rios-da-carnaúba. O rio Mossoró
(Apodi). Coleção mossoroense. Série C, nº 1206, Mossoró, 2001.
LYRA, Augusto Tavares de. Domínio holandês no Brasil. Rio de Janeiro, Tip. J.C, 1915.
(UNB)
MACEDO, Muirakytan K. de. História e espaço seridoense entre os séculos XVII e XIX.
Revista de humanidades, nr. 09, V. 03. UFRN, Natal-RN Jan/Mar/2004.
MARINHO, Francisco Fernandes. O Rio Grande do Norte sob o olhar dos bispos de
Olinda: uma leitura dos relatórios das visitas “ad limina apostolorum” existentes no
arquivo secreto do vaticano e outras informações pastorais – 1679/1884. Natal-RN,
nordeste gráfica, Agosto/2006. 129 pag.
MEDEIROS, Ricardo Pinto de. Povos Indígenas do Sertão Nordestino no Período Colonial:
Descobrimentos, Alianças, Resistências e Encobrimento. Revista da Fundação do Museu do
Homem Americano, número II, São Raimundo Nonato-Piauí, 2002.
MEDEIROS FILHO, Olavo de. Índios do Açu e Seridó. Senado Federal. Centro Gráfico:
Brasília: 1984. 157 p.
.................................................... Os Tarairius, extintos tapuias do Nordeste. Mossoró:
Fundação Guimarães Duque, 1988 (col. Mossoroense, série B, n. 502).
..................................................... Nossos últimos tapuias. Revista do Instituto Histórico e
Geográfico do Rio Grande do Norte, vols. LXXXI, LXXXII, LXXXIII, anos 1989,1990,
1991.--------------------------------- Aconteceu na capitania do Rio Grande. Departamento
Estadual de Imprensa, Natal-RN, 1997.
--------------------------------- Notas para a História do Rio Grande do Norte. Centro
Universitário de João Pessoa-PB, Março, 2001.
--------------------------------- Os holandeses e a serra de João do Vale. Mossoró: Coleção
mossoroense, série C, 04 p.
MELLO, José Antonio Gonçalves de. João Fernandes Vieira. Imprensa Universitária,
Recife-PE, 1967.
---------------------------------------------- D. Antonio Filipe Camarão. Capitão-Mor dos índios
da Costa do Nordeste do Brasil. Editora Universidade do Recife, 1954.
MOREAU, Pierre. BARO, Roulox. História das últimas lutas no Brasil entre holandeses e
portugueses e relação da viagem ao país dos tapuias. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo:
EDUSP, 1979.
NOBRE, Manoel Ferreira. Breve notícia sobre a província do Rio Grande do Norte.
Editora Pongetti: Rio de Janeiro, 1971. 112 p.
PEREIRA, Gregório Varela de Berredo. ‗Breve Compêndio do que vai Obrando Neste
Governo de Pernambuco o Senhor Antonio Luís Gonçalves da Câmara Coutinho’ apud
MELLO, José Antônio Gonçalves de. Pernambuco Ao tempo do Governador Câmara
Coutinho (1689-1690). Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico
Pernambucano. Vol. LI. Recife, 1979. Pp. 257-300.
PINTO, Marcos. Índice onomástico das Datas e Sesmarias do Rio Grande do Norte
(Primeiro volume – 1600-1716). Coleção Mossoroense, Série C, Volume 1148, Mossoró-
RN, Junho/2000.
PIRES, Maria Idalina da Cruz. Guerra dos Bárbaros: resistência indígena e conflitos no
Nordeste colonial. Recife: Editora Universitária (UFPE), 2002. 154 p.
PORTO, Maria Emília Monteiro. Fronteira: Jesuítas e missões no Rio Grande colonial.
http://www.cafefilosofico.ufrn.br/emilia.htm. Acessado em 22 de Março de 2006.
PUDSEY, Cuthbert. 2000. ―Journal of a residence in Brazil‖. Brasil Holandês. Volume III.
Curthbert Pudsey. Diário de uma estada no Brasil. Ms. depositado na Fundação Biblioteca
Nacional, Rio de Janeiro sob o nº de tombo ―I.12.3.17‖. Ed. fac-similar. Cristina Ferrão e José
Paulo M. Soares (eds.). Trad.: Nelson Papavero e Dante Martins Teixeira. Rio de Janeiro:
Index: 2000
REIS, Nestor Goulart. Imagens de Vilas e Cidades do Brasil colonial. Editora da USP, São
Paulo, 2000. Coleção Brasil 500 anos.
ROSADO, Vingt-um. ROSADO, Amélia. Os holandeses nas salinas do rio Mossoró. Coleção
Mossoroense, Volume 333, 1987. 236 p.
SALES JÚNIOR, João Evangelista de. MARQUES, Euriala Belízia Fernandes. O povoamento
da bacia do Piranhas-Açu. Cadernos de História, Editora Universitária da UFRN: Volume 02,
Número 02 –Julho/Dezembro/1995.
SANTOS, Paulo Pereira. Evolução econômica do Rio Grande do Norte (séculos XVI a
Século XX). Natal: Clima, 1994.
Sesmarias do Rio Grande do Norte. Coleção mossoroense, Série C, Volume: 1.136, Mossoró,
Março, 2000.
SILVA, Abrahão Sanderson Nunes Fernandes da. Vestígios de um Rio Grande do Norte
sem fronteiras: a relação da História, da Arqueologia e da Etnografia com a coleção
indígena do Museu Histórico Lauro da Escóssia, 1948-2002. UFRN: Monografia de
conclusão de especialização em História do Campo e da Cidade, Natal-RN, 2004. 76 p.
SILVA, Kalina Vanderlei Paiva da. “Nas vastas solidões e assustadoras” – Os pobres do
açúcar e a conquista do sertão de Pernambuco nos séculos XVII e XVIII. Tese de
Doutorado, UFPE, Recife, 2003.
SILVA, Marcos. ARRAIS, Raimundo. CAVENAGHI, Airton José. Atlas Histórico do Rio
Grande do Norte. Visões dos holandeses sobre o Rio Grande. (Fascículo 5). Projeto LER
(Governo do Estado do Rio Grande do Norte), Natal-RN, Maio/2006.
------------------------------------------------------ A “Guerra dos Bárbaros” e o sertão do Rio
Grande. (fascículo 6). Projeto LER (Governo do Estado do Rio Grande do Norte), Natal-RN,
Junho/2006.
SILVA, Roberto Airon. Arqueologia colonial: As casas fortes (de pedra) como unidades
de defesa e ocupação no Rio Grande do Norte no século XVII. Caicó-RN:Revista
Mneme.Dossiê arqueologias, V. 6, Nr. 13, Dez/2004/Jan/2005.
SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado descritivo do Brasil, em 1587. Companhia Editora
Nacional, USP, Quarta edição, Coleção Brasiliana, São Paulo, 1971. 389 p.
SOUTHEY, Robert. História do Brasil. São Paulo: Editora obelisco limitada. Terceira edição
brasileira, quarto volume, 1965. 320 pag. (publicada originalmente na língua inglesa, em
1810).
SOUZA, Carlos de. Nós, do RN.... (A era das atrocidades – o massacre de ferreiro torto)
Diário oficial do Estado do Rio Grande do Norte. Ano II –Nº 20 –Julho/2006.
........................... Diário de Rodolfo Baro (1647) Como monumento aos índios tarairiús
do Rio Grande do Norte.
TRINDADE, Sérgio. Nós, do RN.... (A revanche dos portugueses) Diário oficial do Estado
do Rio Grande do Norte. Ano II –Nº 20 –Julho/2006.
WAGNER, Zacharias. ―Thierbuch”. Brasil Holandês. Volume II. Rio de Janeiro: Editora
Index, 1997.