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Domingo, 31 de Maio de 2020 ESTE SUPLEMENTO É PARTE INTEGRANTE DO JORNAL PÚBLICO N.º 10.

L PÚBLICO N.º 10.994 E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE

Na pandemia,
as mulheres
trabalharam
ainda mais dentro
e fora de casa
P04 a 09

Luciana Landolfi
escreveu “vai ficar tudo bem” e o mundo imitou-a
Conversa com a poetisa que transformou uma frase num ícone P10 a 13
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Quem garante Entrevista Moçambique
Índice a retaguarda das
mulheres na frente
Luciana LandolÄ
“Vai Äcar tudo bem”,
As máscaras de
capulana que
ao combate à o acto poético que esbateram os
covid-19? contaminou o mundo muros da prisão

Pausa para respirar Desalinho


Cristina Sampaio

O que é meu é teu


Vítor Belanciano

F
oi numa dessas pausas para nada, o familiar no hospital, o
para respirar das infor- acordar de madrugada, a atitude pro-
mações sobre a pande- Æssional que tem de ser impecável,
mia e os seus efeitos. o passar horas no trânsito e o assinar
Andava à procura de um abaixo-assinados contra isto e aquilo.
texto e tropecei nela: A luta sistemática para não se desis-
uma entrevista feita há 13 anos a tir e manter-se à tona.
Robert Wyatt, admirável cantor inglês Talvez os mais indefesos não te-
de 75 anos, que se retirou. Ele que nham possibilidade de ver a Prima-
foi sempre politicamente empenha- vera como Hockney. E muitos dos
do e passou por situações dramáticas, privilegiados não estão sequer pre-
como um acidente em 1973 que o parados para a sentir, em descone-
deixou paraplégico e numa cadeira xão com o que está a sua volta e com
de rodas, expressa uma emoção por os outros, presos à mercantilização
estar vivo contagiante. de cada recanto da sua existência e
Percebe-se que é alguém inquieto à competitividade como racionalida-
com os destinos do mundo, movido de da época, sem tempo e espaço
por uma curiosidade inÆnita, mas para pensar, desejar conhecer ou
que é também capaz de aceitar os celebrar. Já se percebeu nestes dias.
seus paradoxos, guardando momen- Transformações estruturais na or-
tos para se maravilhar com a vida. E dem capitalista não vão acontecer.
fá-lo, como na sua música, com jus- As elites não o desejam. Os vulnerá-
teza, sem recorrer à exibição senti- veis lutam para sobreviver. E os in-
mental, como está tão em voga nos termédios agarram-se ao que têm,
dias em que a fronteira entre privado em vez de intentarem a mudança.
e público se diluem e como na sua E a vida lá prossegue. Anormal,
condição muitos outros poderiam como sempre. Resta-nos que este
ser tentados a fazer. “Às vezes esque- momento traga, ao menos, alguma
cemo-nos que os jornais não dizem sobriedade e que a pornograÆa ma-
tudo. As pessoas têm bebés. À noite terial de alguns seja refreada. Quem A seguir
o céu está lindo. Passam-se bons mo- sabe, dessa forma, possamos enten-
mentos com os amigos e alimenta-se der, como Robert Wyatt, que se o Terceira fase do desconfinamento em Portugal
o desejo de saber que nunca se esgo- medo de perder o emprego é real e
ta, ao contrário dos recursos do pla- em nenhum momento isso pode ser
neta. E tudo isso não faz parte das subestimado, também não é menos A terceira fase do lugares...). Nos espectáculos ao
notícias do dia.” certo que aquilo que nos faz sentir desconfinamento começa vivo, apesar da luz verde do
É isso, sim. Às vezes esquecemo- vivos, a música, a arte, o horizonte amanhã com o regresso do Governo e da Direcção-Geral da
nos. Há dias também, outro inglês, ou uma boa conversa, por difícil que ensino pré-escolar, o regresso Saúde, o regresso à normalidade
o veterano artista plástico David seja, também não deverá ser esque- gradual dos trabalhadores às ainda é um cenário longínquo,
Hockney, 83 anos, numa pequena cido. E se não estivermos em condi- empresas, a retoma das já que as regras impostas
entrevista, lembrava-o igualmente, ções de nos lembrar, é bom ter al- celebrações religiosas, assim tornam impossível uma efectiva
expondo que, apesar das más notí- guém ao lado que nos recorde, por- como a liberalização total do viabilidade financeira das salas.
cias por todos os lados e das contra- que é fácil estar com os outros na comércio, nomeadamente a Também a partir de amanhã o
dições quase diárias à volta da pan- estabilidade, o mais difícil é manter- abertura de todas as lojas nos regime de teletrabalho, sempre
demia e do seu rasto imenso de con- mo-nos próximos daqueles que centros comerciais e que possível, deixa de ser
sequências, havia uma boa nova que numa determinada fase estão alhea- estabelecimentos com mais de obrigatório, mas o Governo
era a chegada da Primavera e, no seu dos, embora esse seja talvez o tempo quatrocentos metros quadrados. aconselha o regime laboral em
caso concreto, a possibilidade de ad- em que mais precisem de alguém. E No dia 1 de Junho reabrem tempo parcial, de modo a
mirar e pintar pereiras, macieiras, para o perceber basta recordar as também os teatros, os cinemas e garantir a rotatividade dos
cerejeiras e ameixoeiras em Çor. Eu alturas em que por mais que quisés- outras salas de espectáculos, trabalhadores nas instalações da
sei. É fraco consolo para quem anda
em círculos, com renda para pagar,
semos também não nos conseguía-
mos focar na comoção de existir.
Em passo lento embora neste universo as regras
de segurança sejam ainda muito
empresa, salvaguardando as
regras de distanciamento social
a conta que chegou de surpresa pelo apertadas (uso obrigatório de de dois metros entre pessoas em
correio, o dinheiro que não chega Jornalista máscara, distanciamento entre espaços fechados.
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Ficha técnica

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Série Ciências Sociais Estar bem Crónica Opinião
em Público (VII) O sistema Felizmente A política Director Manuel Carvalho
Directora de Arte Sónia Matos
A dor à Åor da pele. imunitário há Mrs. cultural Editor Sérgio B. Gomes
A vivência da dor e a vitamina C Fletcher Gabba Gabba Designers Marco Ferreira e Sandra
crónica pediátrica Hey! Silva Email sgomes@publico.pt

O vírus é injusto

A
democracia tem Só um Estado com muita consolidar um serviço nacional garantem o transporte de
sido, desde o início autoridade pode levar à prática
Grande angular de saúde prestigiado e refugiados e estimulam as
desta pandemia, uma estratégia de saúde para o António Barreto devidamente equipado. Como aventuras quase suicidárias de
uma questão seu povo. são as políticas práticas que candidatos à emigração.
permanente. É permitem a coexistência entre o É a democracia prática e são as

T
natural que assim odos estes pontos de sector público e o privado, instituições livres que permitirão
seja. Conhecemos quem a queira vista traduzem indispensáveis a uma eÆciente julgar os corruptos, capitalistas
arranhar e quem entenda que é convicções. Todas política de saúde para todos. ou políticos, muito melhor do que
necessário defendê-la. Há toda a estas crenças têm Como são as soluções práticas alinhando teses sobre a
espécie de ideias contraditórias. direito à vida e que permitem encontrar um globalização democrática e
A democracia ajuda a resolver a correspondem a destino rápido e eÆciente para o socialista, numa narcisista viagem
crise sanitária, aÆrmam uns. Com ideais de sociedade. Mas o que Bairro da Jamaica e para todos os de satisfação de egos enormes
democracia não se pode tratar da realmente poderá vingar e o que, equiparados e similares, nódoas disfarçados de solidariedade
saúde das pessoas, garantem em última análise, vencerá a luta da nossa sociedade. Faz mais pela palavrosa.
outros. Os mais pragmáticos política é o que dá tanta democracia quem resolve o É a democracia prática e a
declararam que não se deve curar importância à democracia quanto problema no Jamaica, quem liberdade sem reticências que
a saúde sem tratar da à saúde. Ora, nada disso se obterá destrói aqueles pardieiros, quem permitirá julgar os adultos que
democracia. Os mais cépticos com o Estado nacionalista ou constrói alojamentos decentes batem nos velhos e nas crianças,
advertem que só com uma com a revolução socialista; nem em poucos meses e quem realoja os homens que agridem e matam
revolução é possível cuidar ao com globalização capitalista ou os seus habitantes do que quem mulheres e Ælhos, não são os
mesmo tempo da saúde e da alternativa; muito menos com passa os seus dias a rosnar contra esforços tonitruantes de quem
democracia. Estes últimos novos e abstractos modelos de os fascistas e os patrões. A pretende elaborar planos
dividem-se, evidentemente, em sociedade. E ainda menos com a desigualdade é veneno. Como totalitários anticapitalistas de
dois grandes grupos — os que necessidade de aproveitar a disse Susana Peralta, há dias, aqui igualdade de género que não têm
entendem que só a Europa oportunidade para resolver no PÚBLICO: “Aguentar o qualquer efeito.
integrada e una consegue tal também a pobreza, o racismo, a
São as soluções conÆnamento depende muito da

A
proeza e os que estão corrupção, o terrorismo e a qualidade do sofá, da velocidade pandemia faz mal a
convencidos de que só o regresso
ao Estado nacional é capaz de
imigração ilegal.
Todos aqueles combates globais práticas, da Internet e da variedade do que
há no frigoríÆco”! É difícil, em tão
milhões de
contaminados.
proteger a democracia e a saúde.
Não vale a pena tratar de
e revolucionários têm o seu
tempo, menos agora, em cima da reformistas poucas palavras, ser mais
certeira! O que diz é comovedor,
A milhares que
morrem. E a
estúpidos ou ignorantes os que doença e da emergência. Apesar sem ser piegas. E põe nos devidos centenas de
pensam de modo diferente de de terem direito à existência, que asseguram termos muitas das polémicas milhões que vivem em condições
nós. Nem dizer que os que não nunca ou quase nunca tais ideias actuais. de vulnerabilidade. Mas também
têm as mesmas ideias que nós são totais e globais superam as mais eficácia. tem danos colaterais. E não

É
hipócritas e corruptos. O debate soluções reformistas, discutidas, a democracia prática, são poucos. Dos governantes que
tem sido, infelizmente, um pouco
esse. Mas podemos pelo menos
justas e graduais. O inventário
das soluções radicais e globais
Podem por quotidiana, que
permitirá tratar
se exibem e fazem propaganda.
Dos directores-gerais que se
ter a certeza de que as
divergências e as contradições
dos últimos séculos é de tal modo
trágico que já poderíamos estar
vezes conter igualmente os pobres
e os desempregados
enganam e não reconhecem o
erro. Dos jornalistas que vão na
são reais e merecem ser ouvidas:
só assim se poderá encontrar um
ao abrigo dessas fantasias.
Infelizmente, não. Mas as
o veneno da brancos, amarelos e
negros, muito melhor do que
onda e não corrigem. Dos
comentadores que sabem mais do
caminho.
Continuam vigorosas as ideias
fantasias também têm direito à
vida. É bom que assim seja.
desigualdade, quem vocifera pelos comícios
chiques ou vingativos contra o
que enciclopédias. De todos os
que cultivam a demagogia fácil e
radicais, sempre formuladas em
tom exclusivo. Só uma revolução
São as soluções práticas,
reformistas, discutidas e
mas a racismo. Faz mais pela liberdade
quem procura controlar os Çuxos
dos que procuram o lucro
indevido.
socialista poderá dar saúde a toda
a população. Só uma mudança de
debatidas, que asseguram mais
eÆcácia. Podem por vezes conter liberdade e de imigração e a legalização dos
trabalhadores e suas famílias do
É tão fácil incriminar os
demónios de todos os males!
modelos de consumo e de
produção será eÆciente. Só uma
o veneno da desigualdade, com
certeza, mas a liberdade e a a democracia que quem gasta o seu tempo e a
nossa paciência a exigir portas
Acusar os fascistas. Denunciar os
brancos. Culpar os pretos.
transformação do modelo de
sociedade garantirá saúde e
democracia estão aí para permitir
a denúncia e a correcção. São as estão aí para abertas a todos, liberdade total de
imigração e legalização imediata
Pendurar os comunistas. Castigar
os patrões. Mas a melhor solução
liberdade para todos. Só a
globalização e as economias
reformas que permitirão resolver
as formas de tratamento permitir de todos os candidatos. É o
controlo dos Çuxos de imigração
ainda parece ser a da liberdade
individual e das instituições
competitivas podem garantir tal igualitário, a descoberta e a e o esforço para dominar a democráticas. Com a ajuda da
desígnio. Só as nações
proteccionistas podem defender
generalização das vacinas e as
medidas de prevenção. São as
a denúncia demagogia da sociedade aberta
que permitem combater e
ciência!

e proteger a liberdade de todos. soluções empíricas que permitem e a correcção condenar os negreiros que Sociólogo
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Quem garante
a retaguarda das
mulheres na frente do
combate à covid-19?
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Na linha da frente houve mulheres que tiveram de continuar a organizar a lida


da casa ou de arranjar substituta, mas também mulheres que contaram com
os companheiros para assegurar os cuidados dos Älhos e as tarefas domésticas.
Sairão as famílias desta pandemia menos assimétricas? Estará a sociedade
pronta para valorizar as proÄssões associadas à prestação de cuidados?
Por Ana Cristina Pereira texto e Paulo Pimenta fotografia

G
eorgina Costa trabalhara da. Não queria apanhar o vírus e levá-lo para tingência doméstico: “Tu vais trabalhar, entras banho, a pensar onde punha as mãos.” Tinha
dez anos nos cuidados in- casa, passá-lo ao marido, que trabalha numa em casa, vais para o quarto. Ficas com o quar- licença para descansar o corpo e sossegar o
tensivos do Hospital de fábrica, ou ao Ælho, estudante universitário. to e a casa de banho só para ti. Eu durmo no espírito. “Estava sozinha. Era eu. Podia pensar
Gaia, mas já estava há 20 O marido é diabético, o que o punha em ris- sofá da sala.” Georgina recusou. “Não vou Æ# em formas de lidar com a situação.”
no bloco operatório. co de desenvolver a doença. Pensou: “Pri- car fechada no quarto. A gente está fechada Pediu a uma amiga médica que lhe indicas-
Perante a crise de saúde meiro, preciso de proteger os meus. Segun- em casa e começa a ver as coisas que tem de se um calmante. Uma colega, alojada no mes-
pública, o bloco transfor- do, preciso de um tempo para mim. Lido fazer. Não dá.” mo hotel, arranjou-lhe os comprimidos que
mara-se numa unidade de menos bem com incerteza. Gosto de ter as Ali, como noutras partes do país, proprie- a pandemia já levara a esgotar na farmácia.
cuidados intensivos. De repente, tinha de se coisas sob controlo e isto não estava sob o tários de unidades hoteleiras e alojamentos Nunca esteve despreocupada. Para lá do can-
enÆar num fato, de usar cobre-botas, luvas, meu controlo.” Não estava no dela, nem no locais ofereceram-se para acolher proÆssionais saço e da saudade, debatia-se com a diÆcul-
touca, “máscara sufocante”, óculos ou viseira. de ninguém. O SARS-CoV-2 (vírus da síndro- de saúde. Georgina meteu umas peças de rou- dade de gerir a casa à distância. Todas as
E de cuidar outra vez de gente entre a vida e me respiratória aguda grave — coronavírus pa num saco e instalou-se num hotel. “Apesar noites, a família juntava-se na Houseparty,
a morte. “Será que ainda sei lidar com estes 2) propagava-se depressa pelo planeta. Mais do sacrifício de deixar os meus, era um alívio uma aplicação que permite conversas em
doentes?” e mais pessoas desenvolviam covid-19. E mais chegar ao quarto e estar à vontade. Entrava, grupo. “Como foi o dia? O que Æzeste hoje?
Não enjeitando o seu lugar na linha da fren- e mais morriam. deixava os sapatos à porta, tomava um banho O que há ainda no frigoríÆco? O que vão co-
te, a enfermeira tinha de garantir a retaguar- O marido ainda esboçou um plano de con- e não tinha de estar a desinfectar a casa de mer amanhã?” c
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Toda a vida de casada teve alguém para tra- sentam três quartos dos proÆssionais de saú-
tar da casa, mas nunca se livrou da carga men- de e três quartos dos proÆssionais de apoio
tal, isto é, do trabalho de prever, planiÆcar, social. São 93% dos educadores de infância e
decidir o que tem de ser feito, quando, em ajudantes de acção socioeducativa, 86% dos
que moldes, e de algum trabalho operacional. ajudantes de acção directa, 95% dos trabalha-
“Mesmo que o meu marido Æzesse as compras, dores de limpeza e empregadas domésticas.
eu fazia a lista.” E cozinhava. Entre os proÆssionais a desempenhar tarefas
Antes de se instalar no hotel, dispensara a essenciais que requerem contacto presencial
empregada para que ela se pudesse proteger, estão também os caixas de supermercado,
e enÆara-se três dias na cozinha. Enchera o 82% dos quais mulheres.
frigoríÆco e a arca com arroz de pato, bacalhau Uma dúvida emerge: quem terá Æcado na
com natas, lasanha, rolo de carne e outras sua retaguarda, quando fecharam creches,
refeições. “Aquilo dava para 15 dias.” Volvidos escolas, centros de actividades ocupacionais,
15 dias, a crise de saúde pública persistia. centros de dia, centros de convívio? Com a
“Continuei a fazer compras online e a mandá- entrada das mulheres no mercado de traba-
las para casa. Às vezes, perguntava ao meu lhado, os casais de duplo emprego tornaram-
marido o que faltava, saía do hospital, passa- se o modelo dominante na sociedade portu-
va no hipermercado e deixava à porta.” Nas guesa, mas as mulheres continuam a fazer o
reuniões de família, dava instruções sobre o grosso do trabalho não pago relacionado com
quê e como cozinhar. a casa e a família. Terão os homens assumido
Houve um dia que não resistiu: o aniversário. as rédeas dentro de casa nesta crise de saúde
Foi almoçar com o marido e o Ælho. Aproveitou pública, como as mulheres Æzeram fora de
para “limpar a casa de cima a baixo”. No dia casa durante a guerra?
seguinte, ao regressar ao hospital, sentiu-se “Acho bom sermos optimistas. Esta fase
febril. Temeu o pior. Ligou para a medicina no também foi de experimentação social de al-
trabalho. Com o teste à covid-19 agendado, re- guma maneira”, comenta a secretária de Es-
fugiou-se no hotel. “Se for positivo, vens para tado para a Cidadania e a Igualdade, Rosa
casa. Não vais Æcar sozinha”, disse-lhe o mari- Monteiro. “Há dinâmicas sociais que muda-
do. Accionariam o plano de contingência do- ram, mas não podemos analisar o todo pelo
méstico. “Fiz o teste na sexta-feira. Recebi o nosso universo referencial.” Não cai na ten-
resultado no sábado.” Negativo. Uè. “Vem para tação de tomar a sua bolha de classe média,
casa”, pediu-lhe o marido. Foi. “Só ia trabalhar com profícua partilha nas redes sociais de fo-
na terça e precisava daquele carinho, daquela tograÆas com pais e Ælhos a fazer pão, bolos
presença. Aquelas 24 horas foram muito com- e outras delícias, pelo todo. Prefere aguardar
plicadas. Chorei muito...” Já havia duas cente- pelos resultados de estudos Ænanciados pela
nas de enfermeiros infectados. Fundação para a Ciência e a Tecnologia sobre
Quando tornou a casa de vez, ao Æm de qua- o impacto de género da pandemia, cuja cha-
se dois meses, a enfermeira, de 52 anos, ia mada termina na terça-feira e que incluirão a
com uma certa esperança. O Ælho, de 22, prestação de cuidados informais, o desempe- Força de trabalho de estudos já feitos noutros países, sabemos
aprendeu algo. “Aprendeu o tempo das coisas nho de tarefas domésticas e a vida familiar. Na página anterior, Liliana Martins, que a carga de trabalho doméstico tem au-
no forno, pelo menos. E como as coisas mais Há uns anos, Sara Falcão Casaca, professo- supervisora da Iberlim, a empresa mentado”, salienta aquela investigadora. “Te-
ou menos se fazem.” O marido também. “Deu ra do Instituto Superior de Economia e Gestão que presta serviço de limpeza ao mos tido muitos testemunhos de mulheres
para voltar a acreditar que sabe fazer alguma da Universidade de Lisboa, perguntou-se se Metro do Porto; Marta Sousa, mães que, de repente, Æcaram sem as estru-
coisa na cozinha. Ele já não acreditava.” Quan- o teletrabalho poderia “estimular maior igual- especialista em medicina interna no turas de cuidados formais e sem a retaguarda
do se casaram, ele participava. “Com o passar dade na distribuição do trabalho pago (pro- Hospital de Vila Nova de Gaia. No informal — os avôs e as avós. Além do trabalho
dos anos, eu fui fazendo e ele foi deixando de Æssional) e não pago (relativo à casa e ao cui- topo, da esq. para a dir., Paula Leite, doméstico redobrado, porque havia muitas
fazer. Se eu sair tarde e ele estiver em casa, dar)”. Fez um estudo exploratório. Os homens caixa num supermercado; Manuela refeições que não eram feitas dentro de casa,
ele faz. Se não, ele espera que eu chegue.” evocavam a possibilidade de aumentar a con- Fonseca, que faz limpeza no metro tinham de dar apoio escolar aos Ælhos.” E tudo
Pergunta-se como será nas outras casas. “As centração e a produtividade e fechavam-se do Porto; e Carina Pedrosa, ajudante isso pode ser ainda mais pesado para quem
mulheres estão em maioria na linha da frente. numa divisão da casa a trabalhar. Já as mulhe- de acção directa no lar da Santa Casa não tem opção de teletrabalho ou licença de
Além de estarem mais expostas ao vírus, con- res evocavam a necessidade de conciliação e da Misericórdia de Paços de Ferreira. apoio à família.
tinuam a fazer o que faziam?” alternavam o teletrabalho com as tarefas do- Em cima, a enfermeira Georgina
mésticas. Costa (Hospital de Gaia) e o filho
O recurso a outra mulher
Os homens que vivem em casal têm aumen-
A assimetria do trabalho não pago
tado a sua participação, mas as mulheres con- A solução clássica de uma mulher que tem de
Os cálculos do Instituto Europeu da Igualdade tinuam a fazer, em média, mais uma hora e sair de casa para trabalhar é socorrer-se de
de Género conÆrmam-no: as mulheres repre- meia por dia de trabalho não pago. “A partir outra mulher. Ana SoÆa Fernandes, presiden-
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para lavar, tomava banho.” Havendo um caso


suspeito na equipa, pode ter de fazer quaren-
tena. Fez uma durante quatro dias. “Quando
se descobriu, já tinham passado dez dias. Era
o meu encarregado. Já trabalhava comigo há
alguns anos. Morreu... Foi bastante difícil...
Ainda está a ser...”
Durante oito anos, esta mulher de 33 anos
andou a limpar estações de metro, como as
mulheres que agora orienta. “Eu sempre tra-
balhei muito, muitas horas. Eu entrava numa
senhora às 8h30/9h, saía às 14h30, vinha para
o metro às 15h e só saía às 23h30. Fazia um
part-time lá e aqui trabalhava a tempo inteiro.”
Se aparecessem horas extras nas folgas, agar-
rava-as.
O Ælho mais velho tem autismo. Liliana que-
ria garantir-lhe terapia da fala, terapia ocupa-
cional, tudo o que pudesse ajudá-lo. “Eu tinha
de redobrar os cuidados na tentativa para que
o meu Ælho fosse o mais independente possí-
vel. Perdi uma parte da vida dele, mas tive de
optar. Ou tomava conta dele ou punha ao cui-
dado do pai e trabalhava para lhe dar aquilo
importante”, revela a mulher de 37 anos. que era necessário. Não me arrependo. O meu
“Temos de salvaguardar os postos de traba- Ælho é feliz, autónomo.”
lho, mas este sacrifício de deixar a nossa fa- O casamento não sobreviveu àquele corre-
mília é por eles. São pessoas debilitadas. corre. “Não o via, basicamente. Havia alturas
Também queremos que as famílias Æquem em que a gente se via nem 30 minutos. Ele
descansadas.” trabalha num hipermercado. Ia buscar o Ælho,
Faltam cuidados formais para idosos, pes- dava-lhe de comer, dava-lhe banho. Quando
soas com deÆciência, crianças, sobretudo nas
áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, as li-
O meu sistema eu chegava, muitas vezes já estavam a dor-
mir.” Quando a convidaram para ser supervi-
cenças de parentalidade não são paritárias e
as escolas ainda não ensinam a fazer a lida,
imunitário é frágil. sora, não vacilou. “Ia ter um salário melhor.
E ia ganhar qualidade de vida. Comecei a ter
mas o país está a fazer um caminho. A mudan-
ça nota-se mais nos cuidados prestados às
Cheguei a pensar tempo para tomar um café, ir às compras.”
Refez a vida amorosa.

te da Plataforma Portuguesa para os Direitos


crianças. A masculinidade cuidadora dissemi-
na-se. “É mais no tempo orientado para a so- ficar em casa, mas Descreve o novo companheiro como “um
homem superautónomo”. Muda a fralda à Æ#
das Mulheres, não hesita: “Nas famílias com
Ælhas adolescentes, acabam por ser elas a Æcar
ciabilidade, o entreter”, esclarece Sara Falcão
Cavaco. Em tempo de pandemia, “é provável pensei que era meu lha, veste-a, dá-lhe comida, brinca com ela.
“Só não lhe dá banho.” Liliana trata disso. E
com o trabalho em casa.”
Carina Pedrosa, ajudante de acção directa
que esse apoio no cuidado tenha sido mais
dado do que nas actividades domésticas”. dever trabalhar, de muitas tarefas domésticas. “O que faço é à
noite, quando a minha Ælha já está a dormir,
no lar da Santa Casa da Misericórdia de Paços e ao Æm-de-semana. Depois do jantar é lavar
de Ferreira, valeu-se da Ælha de 18 anos. “Já
tinha comentado que me apertava o coração
O esforço da conciliação dar o meu a louça, limpar a cozinha, dar a ferro — se tiver
de dar. Nunca me deito cedo. Enquanto ponho
entrar e sair. Ficava naquela ansiedade. Será
que tenho? Será que não tenho?” Quando a
O exemplo de Liliana Martins, supervisora da
Iberlim, a empresa que presta serviço de lim-
contributo à minha a roupa a lavar, volto ao computador, trato de
assuntos do trabalho, vou estender a roupa.
provedora falou em dividir a equipa, trabalhar
em espelho, fazendo turnos de 15 dias, con-
peza ao Metro do Porto, é paradigmático de
uma mudança ainda em curso. O companhei-
comunidade. Ando nisto: a trabalhar e a fazer as necessida-
des da casa.”
versou com o marido, que é da GNR, e com a
Ælha, empenhada em melhorar as notas de
ro, segurança noutra empresa ao serviço do
Metro, pediu licença de apoio à família e Æcou
Também precisava Persiste uma certa naturalização. Muitas
mulheres sentem que têm maior responsabi-
Matemática e Biologia para entrar no curso
de Ciências Farmacêuticas. “Ela começou a
em casa a cuidar da Ælha, de 13 meses, e, gran-
de parte do tempo, do enteado, de 14 anos.
de trabalhar. lidade com a casa e com os Ælhos. Mas os ca-
sais delineiam as suas estratégias. A questão
chorar, mas disse logo que apoiava, que leva-
va o barco. Se ela não estivesse em casa, ia ser
“Tinha de ser ele”, aÆrma ela. “Eu não pode-
ria abandonar a equipa na situação que era.
Está tudo em causa económica tende a ser central. Normalmen-
te, quem ganha menos faz mais cedências
muito complicado.”
O “barco” inclui o irmão, de 12 anos, com
Que moral tinha para falar hoje se não esti-
vesse sempre na frente da batalha a dar o
nesta pandemia. proÆssionais. E quem ganha menos na maior
parte das vezes é a mulher. “Há um conjunto
um déÆce de atenção e dislexia. Pode ser o
cabo dos trabalhos orientar uma criança que
exemplo?”
Os primeiros dias foram uma loucura. Teve A nossa segurança de desigualdades que se vão cruzando”, tor-
na Sara Falcão Casaca. “Nos casais mais jo-
num instante Æca desatenta, inquieta. O ra-
paz também Æcou ansioso: “Ó mãe, vais e já
de se montar um reforço contínuo de limpe-
zas. Houve um dia de protesto por escassez em termos de vens e/ou nos casais com mais qualiÆcações
e maiores rendimentos tende a haver uma
não me podes ajudar.” E Carina tentou tran-
quilizá-lo: “Qualquer coisa que precises, ligas
de material de protecção individual. No pe-
ríodo de conÆnamento, aumentaram as faltas. saúde e em termos maior partilha.”

à mãe.” Mantém-se o mais perto possível. Liliana passava ainda mais tempo do que é
“Todos os dias faço videochamadas. Duas ou costume ao telefone para cobrir buracos. So- monetários A paridade
três vezes por dia, acabo por o ver e à mais corria-se de trabalhadoras assíduas, como Embora não faça regra, a paridade existe. Mar-
velha.”
O segundo turno custou-lhe ainda mais do
Manuela Fonseca.
Manuela tem 65 anos e está sempre pronta
Paula Leite ta Sousa, especialista em medicina interna no
Hospital de Vila Nova de Gaia, e o marido,
que o primeiro. “Ele estava um bocadinho para tapar as faltas das outras. “A vida parti- pneumologista no Hospital de Santo António,
mais em baixo.” Compreende que tem de ser. cular está arrumada”, diz ela. O Ælho está cria- no Porto, decidiram que ela Æcaria o primeiro
“Ó mãe, os velhinhos precisam de ti.” Com- do, é engenheiro, trabalha numa grande em- mês com o Ælho de ambos, de cinco anos, e
preende, mas dói-lhe. “O meu marido e a mi- presa. “Não tenho ninguém em casa. Só o meu ele o segundo. “Havia muita coisa para pre-
nha Ælha tentam entretê-lo, impedir que vá estômago reclama.” Ou quase. Tem um gato parar, principalmente com as funções que o
abaixo. A batalha foi bastante. Não queremos e duas cadelas. Vai levá-las a caminhar e está meu marido tem”, diz a médica, de 43 anos.
que ele vá abaixo. Se ele for abaixo, teremos pronta para voltar. “Vivo para mim. E para o “Estávamos todos à espera que houvesse uma
muito trabalho para fazer...” trabalho. Concílio muito bem.” explosão. Não foi uma explosão. Foi contro-
No início, até os idosos Æcaram confusos. Para Liliana, foi toda uma outra experiência. lado, apesar de tudo.” No segundo mês, como
“Estiveste aqui ontem. Ainda estás aqui hoje. “Foi a maior ginástica da minha vida! Entrava combinado, inverteram os papéis. Marta Sou-
Não vais para casa?” Depois, perceberam. em casa e ia directa ao pátio. Tirava a roupa sa apresentou-se ao serviço no hospital e re-
“Sinto que estou a desempenhar um papel toda. Desinfectava os sapatos, metia a roupa gistou-se num hotel ali perto. c
8 • Público • Domingo, 31 de Maio de 2020

“Esta decisão foi muito difícil”, admite. “O A economia do cuidado


meu Ælho sofreu pela distância. A certa altura
perguntou-me se todos os meninos estavam Não é por acaso que as proÆssões associadas
longe do pai ou da mãe. E eu expliquei-lhe ao cuidado são tão feminizadas. “Considera-
que os Ælhos dos proÆssionais de saúde pas- se que o trabalho realizado é uma extensão
saram todos um bocadinho por isso.” Só vol- do trabalho doméstico”, esclarece Sara Falcão
tou a estar com o pai e a mãe a partir de 10 de Casaca. “Há aquela ideia de que são compe-
Maio. “Tem de haver um equilíbrio emocional tências quase inatas. Quando na verdade são
além do risco. Estava a ser mais prejudicial áreas exigentes, que podem ser objecto de
estarmos separados.” qualiÆcação.”
Como continua a trabalhar com doentes Na opinião de Rosa Monteiro, “isto é uma
com covid-19, mantém “imensas precauções”. oportunidade de as pessoas pensarem de for-
Antes de sair do hospital toma um banho e ma muito séria no que são serviços essenciais.
muda de roupa. Mal entra em casa, no Porto, Uma das origens da diferença salarial entre
torna a tomar um banho e a trocar de roupa. homens e mulheres é a segregação proÆssio-
“É difícil explicar ao meu Ælho que estou em nal. Os sectores feminizados são os mais mal
casa, o que é muito bom, mas com distância. pagos. Temos de os valorizar. A economia tem
Tenho de andar de máscara.” de o valorizar. Isso passa por melhorar a re-
A psicóloga Rute Ribeiro Cerqueira, de 40 tribuição.”
anos, anda com grandes precauções desde que “É essa a grande esperança desta crise que
voltou ao trabalho, no Centro de Apoio Psico- está e que vai ser muito profunda do ponto
lógico e Intervenção em Crise do Instituto de vista económico”, corrobora Sara Falcão
Nacional de Emergência Médica. Ainda está Casaca. “Ficaria espantada se isto não servis-
a amamentar. “Quando foi instaurado o esta- se para um abrir de olhos”, achega Ana SoÆa
do de emergência, estava a gozar férias do ano Fernandes. “É altura de repensar o que en-
passado. Fui chamada ao serviço no dia 1 de tendemos por salário igual para trabalho de
Abril. Não me fez confusão alguma. Em casa, valor igual. Uma digniÆcação destas proÆssões
as coisas estavam muito organizadas.” pode ser útil para quebrar os estereótipos de
O marido, que é comercial, Æcou com o género. Serão áreas mais apetecíveis para os
bebé de seis meses e o rapaz de nove anos. homens. Quanto menos feminizada uma pro-
Sem drama. “Aqui em casa nunca houve aque- Æssão, mas valorizada em termos salariais.”
le papel de o homem faz isto e mulher faz Aquela dirigente associativa subscreveu a
aquilo. O que há para fazer é para fazer. Ago- petição “Half of it”, dirigida à presidente da
ra que voltei a trabalhar, ele Æca com os me- Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, ao
ninos e faz as tarefas — pôr roupa a lavar, pôr Conselho Europeu e ao Parlamento Europeu,
roupa a secar, tirar do estendal, cozinhar. Sem- a exigir serviços de prestação de cuidados
pre trabalhei por turnos. Cada um faz o que orientados para as várias fases do ciclo de
é preciso fazer e fá-lo de bom grado. Quando vida: um Pacto do Cuidado para a Europa. E
estou mais em casa, faço mais eu. Quando um “projecto europeu assente em estatísticas
está mais ele em casa, faz mais ele. Agora é desagregadas por sexo sobre trabalho remu-
mais difícil fazer as tarefas com um bebé, mas nerado e não remunerado para um novo cál-
não deixam de ser feitas.” culo do PIB”.
A casa é quase um santuário. O bebé é “mui- O plano de investimento para relançar e mo-
to sossegadinho”. Dia sim, dia não, Rute tra- dernizar a economia europeia, apresentado
balha em casa. Em casa, pode, por exemplo, na quarta-feira, está condicionado: o Ænancia-
dar apoio a outros proÆssionais. Quando está mento tem de ser usado em investimentos que
no Centro de Orientação de Doentes Urgentes, estão relacionados com as metas verdes (re-
lida com situações de grande desespero. “Pas- dução de emissões de gases de efeito de estu-
sa muito por crises de ansiedade, patologia Psicóloga em casa e no escritório As tarefas lá em casa estão bem divididas. fa até 2030 e neutralidade climática até 2050),
agudizada, intenções de suicídio. O que eu Dia sim, dia não, a psicóloga Rute Às quartas-feiras, o companheiro faz as com- promovam a competitividade da indústria e a
noto é que os problemas se agudizam com o Ribeiro, de 40 anos, trabalha em pras para todos e às quintas o Ælho entrega as transição da economia para o digital. O digital
conÆnamento, o isolamento, o medo.” casa, onde pode, por exemplo, dar compras ao avô. Nas folgas, Paula senta-se na e a energia são “sectores fundamentais, mas
apoio a outros profissionais. máquina de costura a fazer máscaras. Horro- masculinizados”, recorda Ana SoÆa Fernandes.
Quando está no Centro de riza-a a ideia de usar máscaras descartáveis. “Sem medidas adicionais, não oferecerá em-
O homem doméstico
Orientação de Doentes Urgentes, “É muito lixo!” pregos às mulheres. Um pacote de investimen-
Paula Leite teve medo. “O meu sistema imu- lida com situações de grande Não tem de se preocupar com a lida. O com- to na chamada ‘economia do cuidado’ seria
nitário é frágil. Cheguei a pensar Æcar em casa, desespero. “Passa muito por crises panheiro sempre fez tudo, menos passar a essencial.” Teria “um potencial de criação de
mas pensei que era meu dever trabalhar, dar de ansiedade, patologia ferro. “Inicialmente tive de aprender a lidar emprego muito grande em sociedades que es-
o meu contributo à minha comunidade. Tam- agudizada, intenções de suicídio. com isso”, confessa. “Era aquele pensamen- tão a envelhecer”. E facilitaria a conciliação
bém precisava de trabalhar. Está tudo em cau- O que eu noto é que os problemas to mais antigo de que os homens é que têm entre vida proÆssional, familiar e pessoal. Na
sa nesta pandemia. A nossa segurança em se agudizam com o confinamento, de sair de casa para trabalhar.” Não conhecia União Europeia, há 7,7 milhões de mulheres e
termos de saúde e em termos monetários.” o isolamento, o medo” outro homem doméstico. “Um dia, conversei meio milhão de homens fora do mercado de
Trabalha na caixa de uma loja do Pingo Doce com o meu Ælho sobre isso e ele abriu-me os trabalho para cuidar de alguém. E nove mi-
— grata por lhe terem dado uma oportunida- olhos. ‘Ó mãe, e se fosses tu a Æcar em casa? lhões de mulheres e 0,6 milhões de homens a
de de mostrar o seu valor, apesar de ter per- A igualdade é isto mesmo. O Tó Æca em casa trabalhar a tempo parcial por causa disso .
dido uma perna num acidente de carro. com eles.” “Ó menina, tenho de sair de casa, e faz as coisas da casa.’ Mudei a minha forma Um novo medo avança, silencioso. “Não sa-
Toma todas as precauções. “Não levo o car- tenho de ver gente”, dizia-lhe um. “O que de pensar. Cada um tem as suas tarefas. Ele bemos como será o pós-covid, mas sabemos
ro. Não quero ir para a garagem e estar a tocar vou Æcar em casa a fazer sozinha?”, pergun- trabalha em casa, mas trabalha muito. Há que em matéria de emprego o impacto será
no elevador. Não vou comer à cantina. Só es- tava-lhe outra. sempre que fazer.” Além da casa, tem de res- diferenciado”, diz a secretária de Estado. O Ins-
tou na caixa a trabalhar.” O companheiro pre- O pai, de 76 anos, também resistiu à ordem ponder a quem pede ajuda à Associação Na- tituto Europeu para a Igualdade de Género já
para o almoço, vai buscá-la e vai levá-la. “Não de conÆnamento. Vive sozinho. Paula, o com- cional de Amputados, que ambos fundaram avisou que a nova crise pode ser devastadora
corro riscos desnecessários. Já me convenci. panheiro e o Ælho dão-lhe apoio. “Ele vinha e dirigem. em proÆssões dominadas por mulheres, como
Este ano nem para a praia vou. PreÆro saber aqui jantar às terças e quintas e almoçar aos A Cidadania e a Igualdade encomendou um tripulantes de aviões, operadores turísticos,
que vou sair disto viva. Eu e os meus.” domingos. Tive de conversar com ele. Disse- estudo sobre o valor económico do trabalho assistentes de vendas, trabalhadoras das lim-
Nas primeiras semanas, quando ainda não lhe que íamos ter de Æcar afastados durante doméstico e familiar. Há várias tentativas de pezas, cabeleireiros, manicuras. Os subscrito-
era obrigatório usar máscara, esta mulher de um tempo. Não sabíamos quanto tempo. Mas estudar isso, frisa Rosa Monteiro. “Uma das res da petição reclamam metade do “fundo
49 anos aÇigia-se com os clientes idosos que que ele ia ter cuidado. Demorei uns três dias formas de o contabilizar é pensar no equiva- covid-19” para as mulheres, o que implica dados
volta e meia lhe apareciam à frente, alheios a convencê-lo. Todos os dias lhe ligava e o lente. Quanto custaria comprar as refeições segregados por sexo, estudos de impacto de
à necessidade de manter distância de segu- apanhava na rua. Ouvia os carros. ‘Ai, só fui fora? Quanto custaria mandar as roupas para género e orçamentos sensíveis ao género.
rança, apesar do risco. “Uns vinham todos buscar pão!’ ‘Não podes fazer isso. Este vírus a lavandaria Quanto custaria contratar servi-
os dias. Alguns, três vezes ao dia! Ralhava é perigoso. Pode estar em qualquer lado.’” ços proÆssionais para limpar a casa?” acpereira@publico.pt
Público • Domingo, 31 de Maio de 2020 • 9

Violência doméstica: “Se ocorrer


alguma coisa, estamos aqui”
Com todos os sinais de alarme a disparar, as polícias receberam orientações para se
manterem atentas aos casos conhecidos de violência doméstica. No Gabinete de Apoio
à Vítima da PSP do Porto, onde trabalha a agente Conceição, nenhuma vítima se perdeu
Por Ana Cristina Pereira texto e Paulo Pimenta fotografia

A
agente Conceição Rodrigues
recebeu o alerta, como todos
os colegas do Gabinete de
Apoio à Vítima da Polícia de
Segurança Pública do Porto.
A pandemia de covid-19 cria-
ra a tempestade perfeita:
vítimas e agressores semanas
a Æo em casa, como que cortados do mundo,
em eventual stress Ænanceiro. Era preciso con-
tactar todas as pessoas que no último ano se
tinham queixado de violência doméstica, mes-
mo que o seu processo tivesse sido arquivado.
Eram muitos telefonemas. Por ali passam,
em média, 1200 vítimas por ano. Tinham de
contactá-las uma a uma. Tinham de perceber
se se agudizara a tensão familiar. Tinham de
passar uma mensagem de conÆança: “Face a
esta situação, se ocorrer alguma coisa, estamos
aqui. Estamos disponíveis.”
Durante o estado de emergência, o número
de denúncias por violência doméstica baixou
ali, como no todo nacional. A PSP e a GNR re-
gistaram um decréscimo das participações por
esse tipo de crime na ordem de 39%, face ao
mesmo período do ano passado. Menos vio-
lência ou só menos comunicações? Receariam
as vítimas — sobretudo mulheres, muitas com
Ælhos — não conseguir pedir ajuda em segu-
rança? Temeriam entrar numa estrutura de
acolhimento de emergência e contrair o vírus?
Teriam perdido e emprego ou estariam em
risco de perdê-lo?
Houve campanhas nos media e nas redes
sociais, cartazes nas bombas de gasolina, nos Centenas de telefonemas Desloca-se entre Guimarães e o Porto, al- “Estava a esganar-me com uma mão e com a
supermercados, nas farmácias e noutros ser- Desde o início da pandemia, a agente ternado folgas com o marido, que trabalha outra ligou para a Ælha a dizer: ‘É hoje que mato
viços abertos ao público. A resposta às vítimas Conceição Rodrigues, de 39 anos, fez numa esquadra da zona ocidental, para po- a tua mãe!’ E, conforme falava, ia-me dando
aumentou: ao serviço telefónico (800 202 148) centenas de telefonemas para pessoas derem cuidar do Ælho de um ano e meio. As com o telefone na cabeça. Eu não gritava. Eu
juntou-se um e-mail (violencia.covid@cig.gov. que já se tinham queixado de violência equipas foram divididas, funcionando em es- chiava como os ratos.” Quando ele a atirou
pt) e um serviço de mensagens curtas (3060). pelho. E os chefes têm em atenção a sua vida para um banco, ela deu-lhe um pontapé entre
Criaram-se mais 100 vagas em acolhimento de com 39, não levava os avisos a sério. Logo no familiar. as pernas. Ele caiu. Ela fugiu. Ligou para o 112.
emergência. A secretária de Estado para a Ci- dia 19 de Março, ela insistiu que não lavasse as Gosta de trabalhar ali. “A nossa intervenção “Em Fevereiro, foi condenado a quatro anos
dadania e a Igualdade, Rosa Monteiro, gosta mãos na cozinha, que o Æzesse na casa de ba- pode inÇuenciar positivamente a vida das de cadeia, suspensos por dois anos e meio.”
de pensar que tanto alarido teve o condão de nho; ele bateu-lhe. No dia 25, ela chamou a pessoas que nos procuram”, enfatiza. Quem Tiraram-lhe a pulseira em Maio. “Tive Deus
capacitar vítimas e de constranger agressores. atenção dele para uma máscara a secar há vá- anda na patrulha, como ela já andou, respon- comigo. E tive estes anjos-da-guarda. Nunca
Ana SoÆa Fernandes, presidente da Plataforma rios dias; ele voltou a bater-lhe. Sempre que de a um excesso de ruído de um vizinho, a mais me largaram. Nunca mais.”
Portuguesa dos Direitos das Mulheres, acha que lhe batia, escondia-lhe o telefone. Só lho de- um assalto numa loja e a outras ocorrências, Muitas vítimas põem Æm às relações abusi-
“foi uma estratégia de sobrevivência das víti- volvia depois de ela dizer que lhe perdoava. cujo desfecho nunca conhecerá. “Aqui é di- vas, separam-se, mas muitas outras continuam
mas”. Os casos nunca pararam de chegar a este Desta vez, quando ela recuperou o telemóvel, ferente. É saber que alguém não dorme, não a viver com quem as agride. Não basta telefo-
gabinete, no andar superior da Esquadra do chamou a polícia. O tribunal decretou uma come porque está a passar por um problema nar para saber se está tudo bem, é preciso
Bom Pastor — directamente ou encaminhados medida de afastamento. sem Æm. Pela formação que temos, podemos passar por lá de vez em quando, sem aviso
pelas várias esquadras da cidade. Ao que diz “A violência doméstica ocorre de diversas orientar a pessoa para encontrar soluções.” prévio. “Já aconteceu ligar para a vítima, ela
o chefe Fernando Rodrigues, o número de de- formas. O desaÆo da covid-19 é manter aqui Naquele dia, apareceu Gracinda Cardoso, de dizer que está tudo bem, opto por ir ao domi-
núncias voltou aos valores normais em Maio. o distanciamento, deslocarmo-nos à habitação 67 anos, com vontade de abraçar Conceição cílio e vejo hematomas, o que indicia que hou-
Conceição Rodrigues dá o exemplo de uma das pessoas sem sabermos se somos portado- e os colegas. ve um crime e que não foi comunicado, pelo
mãe e de um Ælho. Por força da pandemia, ele res ou não [de covid-19] e termos a conÆança “Vinha sendo vítima de violência doméstica receio.” Orgulha-se de dizer que nunca foi
estivera 15 dias em casa. A tensão era tão gran- das pessoas que nos recebem. Também temos há 50 anos”, começou por contar. “Aguentei morta uma das vítimas ali acompanhadas, em
de que qualquer dito ou não-dito podia desen- de zelar pela segurança delas no contexto da muito.” Os últimos sete anos, a pessoa veio articulação com o Departamento de Investi-
cadear um conÇito. A mãe, já nos 73 anos, ten- violência doméstica, mas essa preparação já reformada, a violência intensiÆcou-se muito. gação e Acção Penal e outros organismos. A
tava manter tudo limpo e desinfectado. O Ælho, tínhamos.” Naquele dia de Agosto de 2018, tentou matá-la. pandemia não mudou isso.
10 • Público • Domingo, 31 de Maio de 2020

Entrevista Luciana LandolÄ Escrita em simples post-it, a frase “Tutto


andrà bene” começou a ser espalhada em Brescia por esta poetisa
italiana no Änal de Fevereiro. Em poucos dias, a mensagem começou a
surgir um pouco por todo o lado e tornou-se um dos ícones da pandemia

Por Maria Piñeiro e José Miguel Sardo


Público • Domingo, 31 de Maio de 2020 • 11

“Vai Ɗcar
tudo bem”
O acto
poético que
contaminou
o mundo
A
escritora e poetisa italiana O primeiro post-it com a mensagem em para que começassem a encher as ruas com
Luciana LandolÆ está na italiano, “Tutto andrà bene”, apareceu pela aquela frase. Um dia depois, as autoridades
origem de uma frase, primeira vez em Brescia, na região da decretavam o conÆnamento de algumas
escrita a esferográÆca e Lombardia, no dia 27 de Junho de 2014. Foi zonas na sequência do novo coronavírus.
aÆxada em post-it pelas no dia do meu aniversário e um amigo e eu Nós ainda tivemos tempo de distribuir vários
ruas de Brescia, que em decidimos celebrá-lo com uma performance post-its até ao dia 8 de Março, data em que foi
pouco tempo conseguiu artística: espalhar esta frase pelas ruas da declarado o conÆnamento total do Norte de
dar a volta ao mundo. minha cidade. Esta mensagem fazia parte de Itália.
Depois do anonimato voluntário com o qual uma série de poemas que tinha escrito dois Em apenas algumas semanas, esta
conseguiu esquivar-se dos media durante anos antes. Para mim, há uma magia nestas mesma mensagem surgiu nas janelas de
semanas, LandolÆ quebra agora o silêncio palavras, nesta referência ao que pode casas em todo o mundo, traduzida em
com a publicação de um livro (Tutto Andrà acontecer no futuro. No Ænal do ano várias línguas. Estava à espera de ter este
Bene, Minerva) no qual relata a história e passado, decidi retomar a distribuição desta impacto?
explica o signiÆcado desta mensagem que, mensagem pelas ruas sem ter a mínima Para mim, foi uma surpresa. Em apenas
para ela, não tem nada a ver com um simples ideia, nesse momento, do que iria acontecer alguns dias, a imprensa italiana, sobretudo a
slogan. Conversa com a mulher que lançou a a nível mundial. Queria propor um projecto imprensa local, começou a fazer eco da
frase “viral” da pandemia e que se deÆne a um grupo de amigos com o qual já tinha aparição desta frase em outras cidades,
como uma “criadora de instrumentos realizado outras iniciativas artísticas muito para lá de Brescia, como em Milão ou
artísticos para o bem-estar humano”. similares. E foi assim que, no dia 22 de Bérgamo. As pessoas que me conhecem e
Quando decidiu colar pela primeira vez Fevereiro, fui a uma festa de aniversário e, que me seguem nas redes sociais
nas ruas um post-it com a frase “Vai ficar sem avisar ninguém, entreguei um pequeno começaram a imitar-me e a escrever
tudo bem”? bloco de papel a cada um dos meus amigos esta frase. Rapidamente, muitas c
12 • Público • Domingo, 31 de Maio de 2020

pessoas com as quais não tenho qualquer


relação pessoal começaram a seguir os
mesmos passos. Mas a nossa performance
artística começou a ter mais impacto depois
de o jornalista e escritor italiano Massimo
Gramellini ter publicado um artigo no jornal
Corriere della Sera, no qual aÆrmava que
uma poetisa de Brescia estava na origem da
iniciativa.
Por que é que optou durante algum
tempo por manter o anonimato?
Eu recebi mensagens de milhares de
pessoas, fui contactada pela agência de
notícias italiana Ansa. Muita gente soube
logo que éramos nós que estávamos na
origem deste acto poético. Mas achei que
não deveria revelar o meu nome naquela
altura e acho que foi uma decisão acertada.
Penso que esta iniciativa nunca teria tido a
mesma dimensão se, desde o início,
estivesse relacionada com uma
determinada pessoa. A curiosidade
mediática sobre mim era enorme, recebia
chamadas todos os dias de meios de
comunicação social que me perguntavam se
eu queria reconhecer em público que
estava na origem desta iniciativa. Durante
as primeiras semanas respondi sempre que
não, porque não era o objectivo do nosso
acto poético – a ideia era permitir que toda
a gente pudesse participar. Mas Ænalmente
decidi revelar a minha identidade porque
começavam a circular rumores de que se
tratava de uma iniciativa de um partido
político ou de uma campanha de
publicidade, quando a verdadeira história
desta frase é muito mais bonita. Tínhamos
apenas dois objectivos: provocar um sorriso
e que toda a gente nos pudesse imitar. Não é
como uma obra de Banksy que só pode ser
imitada por quem tem um determinado
dom artístico. Neste caso, o essencial nem
sequer é a frase, mas o gesto simples e
incondicional destinado a uma pessoa
desconhecida. “Vai Æcar tudo bem” é uma
mensagem que quer dar ânimo a outras
pessoas, mesmo que não saibamos o que é
que o futuro nos reserva.
Antes de incluir esta frase num poema,
“Vai ficar tudo bem” já fazia parte da
história da sua vida, a sua avó de origem Contaminação benigna como foi utilizada, pois em muitos casos foi
calabresa costumava repeti-la... Na página anterior, Luciana citada para dizer simplesmente “vai correr
Sim e dediquei-lhe este livro. Quando era Landolfi e alguns dos tudo bem, se Æcares em casa”. Utilizada
pequena as suas histórias pareciam primeiros post-it com a desta forma, parece que está apenas
inacreditáveis, sinceramente cheguei a agora célebre frase. Em relacionada com a crise do novo
pensar que eram inventadas. Ela sobreviveu cima, crianças italianas coronavírus e, para mim, não é algo que
ao terramoto de Messina em 1908 e às duas conjugam o arco-íris com a tenha que estar relacionado com a
Guerras Mundiais sem qualquer mazela e mensagem. Em cima, à dir., actualidade. Quando incluí esta frase nos
sempre com essa frase na boca que, para ela, praia de Nápoles. À direita, meus poemas em 2012, estava relacionada
queria dizer, antes de mais, “não há agenda da escritora com a com uma série de injustiças que ocorriam
alternativa”. “Vai Æcar tudo bem” é uma frase em repetição. Ao no mundo e não alterei o seu signiÆcado
frase cheia de força e de esperança. Com os lado,graffiti em Livorno; em para a adaptar à pandemia. Quando a
anos, consegui Ænalmente compreender o baixo, escola em Lanheses. minha avó pronunciava estas palavras, ao
verdadeiro signiÆcado. Em baixo, o livro de Landolfi mesmo tempo ocorriam
E acha que este significado foi sempre bombardeamentos, havia fome e medo e
respeitado por quem repetiu por estes hoje esta frase mantém o mesmo sentido,
dias esta frase? de como nos relacionamos com os outros
Aconteceu algo de maravilhoso: começaram quando estes se encontram numa situação
a chegar-me informações de várias difícil.
iniciativas de solidariedade, mais de 180, O que é que sente quando passeia pelas
baptizadas com esta mesma frase. Durante ruas e vê a frase que escreveu nas janelas
vários dias, não consegui conciliar o sono ou publicada e replicada milhões de
com gente que me ligava a horas diferentes vezes nas redes sociais?
de diferentes fusos horários do mundo Sinto que esta frase não me pertence, sou
inteiro. Quero também agradecer a todas as apenas uma observadora externa. Gosto da
crianças que escreveram esta frase de ÆlosoÆa tolteca de Don Miguel Ruíz que diz:
esperança junto a um desenho de um “Dá sempre o teu melhor, sê impecável nas
arco-íris. Acho que, em grande parte, foi tuas palavras, não faças suposições e
graças aos mais pequenos que esta frase sobretudo não leves nada para o lado
acabou por ressoar no mundo inteiro. Mas é pessoal.” Acho que me limitei a acender a
verdade que nem sempre gostei da forma primeira vela. Às vezes sinto-me como se
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PIETRO D’APRANO/GETTY IMAGES KONTROLAB/LIGHTROCKET/GETTY IMAGES

LAURA LEZZA/GETTY IMAGES

tivesse inventado a canção Parabéns a Você e


a ouvisse a ser trauteada por toda a gente
enquanto passeio na rua.
Acha que a frase continua a ter sentido
face ao número de vítimas da pandemia
e de pessoas numa situação pessoal ou
económica bastante difícil?
Não existe alternativa. Esta frase nunca ANDRE RODRIGUES

surge em momentos fáceis. Quando Juliana a frase?” E eu respondi-lhe que sim. Ele
de Norwich, uma Ægura venerada por disse-me que se lembrava de ter lido as
católicos e anglicanos, recebeu a mensagem mesmas palavras numa das minhas obras
“vai Æcar tudo bem” numa das suas visões, anteriores. Depois escreveu-me para
tinha acabado de perder os Ælhos e o propor que publicasse este livro para que
marido. Uma pessoa que não tem qualquer toda a gente pudesse compreender o
problema não necessita que lhe digam que sentido da mensagem. Disse-me:
vai correr tudo bem porque não tem “Conheço-te e não acho que se trata de um
nenhuma preocupação. As mais belas simples slogan”. Para além disso, nesse
palavras de esperança nascem nos momento em Itália havia especulações de
momentos mais difíceis sobre a Terra. É o que se tratava de uma mensagem política,
mistério do ser humano. Não sei por que é entre outras teorias. Toda a gente se
que [Piet] Mondrian pintava com cores interrogava sobre quem tinha sido a
vivas ao mesmo tempo que havia pessoas a primeira pessoa a colar um post-it com esta
morrer na II Guerra Mundial. Não sei por frase e se essa poetisa e se os seus amigos
que é que alguns músicos continuavam a realmente existiam. O meu editor disse-me
compor dentro dos campos de que queria contar esta história e
concentração, ninguém sabe porquê. perguntou-me o que é que me tinha levado
Por que é que decidiu publicar um livro a lançar esta iniciativa e eu respondi-lhe
neste momento? que, para mim, era fantástico poder colar
A resposta mais sincera é porque foi uma um simples papel na rua com a frase “vai
proposta do meu editor. Ele ligou-me um Æcar tudo bem” e ver alguém ao longe a
dia e perguntou-me: “Foste tu que lançaste sorrir. Esta é a única explicação.
14 • Público • Domingo, 31 de Maio de 2020

Moçambique
As máscaras de capulana que esbateram os muros da prisão
As prisões revelam desaÄos particulares no que respeita à covid-19. Em Moçambique, onde nada
é muito importante porque há sempre “coisas piores”, uma associação mostra como uma coisa
simples, o fabrico de máscaras de capulana, pode esbater os muros de uma prisão
Por Paola Rolletta texto e Aghi fotografia

S
e é verdade que neste período puto, e vai de moto até ao estabelecimento branco, como mandam as disposições dos dar com a minha arte. Além do mais, todos
de quarentena nas prisões o iso- prisional juvenil que alberga cerca de 100 ra- médicos. nós usamos máscaras...”
lamento é ainda mais difícil — pazes, até aos 21 anos, que não têm escola Uma experiência humana muito forte para Com uma população de cerca de 29 milhões
onde se vive em tal insalubrida- nem oferta de cursos de formação. Com qua- Zito, de 39 anos, que por causa da covid-19 de pessoas a viver num vasto país, Moçambi-
de que cada dia de sobrevivên- tro deles, escolhidos pela administração da entrou pela primeira vez numa cadeia. “Quan- que começou a prevenir e a travar a propaga-
cia é uma vitória —, há pequenos cadeia, começou a confeccionar máscaras de do passei o portão, estava com muito receio. ção da covid-19, proclamando o estado de
gestos que fazem a diferença. protecção para todos os detidos e para os pró- Pensava que ia ao encontro de perigosos cri- emergência com a Lei n.º 1/2020 de 31 de Mar-
Cada terça e sexta-feira, Zito prios guardas penitenciários. minosos. Mas as coisas mudaram rapidamen- ço (agora prorrogada até 1 de Junho de 2020).
Albino Mário vai dar aulas de costura na cadeia O alfaiate e os seus jovens aprendizes fabri- te. Através do trabalho, conversamos e per- A declaração do estado de emergência impli-
de Boane, na periferia de Maputo. cam máscaras de protecção contra a covid-19 cebi que não são assim tão maus... É verdade cava, nomeadamente, a suspensão dos vistos
Zito arruma os seus materiais na “alfaiata- para todos os reclusos e para os agentes. Más- que estão a cumprir uma pena, mas são meus de entrada no país, o encerramento de esco-
ria”, no átrio de um prédio da Baixa de Ma- caras coloridas de capulana, entretela e pano irmãos e até estou orgulhoso de os poder aju- las públicas e privadas, a proibição de eventos
Público • Domingo, 31 de Maio de 2020 • 15

públicos, a observância obrigatória das regras te preocupantes a este respeito. É sabido que tivas sobre a realidade. A história de Zito e
de prevenção do vírus, bem como a suspensão o Serviço Nacional Penitenciário (Sernap), os seus aprendizes é, por si, uma vitória con-
das visitas aos reclusos. A família e os amigos que é responsável pela gestão das institui- tra a covid-19.
que visitam os presos são a força vital da pri- ções, sofre de falta de recursos económicos “A formação proÆssional adaptada aos jo-
são, trazendo não só interacção humana e e de pessoal. Entre as áreas mais afectadas, vens representa uma oportunidade de reabi-
contacto com o mundo exterior, mas também os cuidados de saúde são os mais afectados. litação e reinserção social que apoiará os pre-
recursos como dinheiro, comida, roupa, ar- Não faltam os chamados centros de saúde, sos na sua entrada no mundo do trabalho,
tigos de higiene pessoal, etc.. É certo que tam- mas estes oferecem, na maioria dos casos, após o regresso da liberdade. Outras organi-
bém alimentam a economia prisional — que serviços básicos. zações da sociedade civil estão a aderir à cam-
é muitas vezes crucial para alguns detidos A ideia da produção das máscaras dentro panha e espera-se que consigam chegar a toda
“comprarem” a sua segurança... Mas o vírus da prisão de Boane é de uma organização lo- a população prisional”, diz Tina Lorizzo.
tem de ser detido fora de portas, pois será cal que trabalha na protecção dos direitos Moçambique tem uma população prisional
quase impossível lutar contra ele dentro de humanos no sector da justiça penal. Chama-se de cerca de 20 mil pessoas — das quais mais
uma prisão, especialmente de uma prisão so- Reformar, e faz sobretudo investigação, for- de 30% (cerca de 6000) estão a aguardar jul-
brelotada. mação e acções especíÆcas de apoio ao sector. gamento. A maioria dos presos são homens,
“Há uma continuidade entre os rostos co- Tina Lorizzo, a investigadora que está atrás enquanto as mulheres representam 3% da
bertos das pessoas do exterior, das pessoas da Reformar, criou a campanha Todos Prote- população prisional. Existem cerca de 3000
do interior e dos guardas prisionais”, comen- gidos, para a salvaguarda dos direitos dos pri- crianças e jovens entre os 16 e 21 anos, repre-
ta o fotógrafo Aghi, autor das imagens destas sioneiros durante a covid-19. sentando cerca de 16% da população total. A
páginas. Por causa da distribuição das más- “O tecido e material local para produzir as maioria dos reclusos cometeu infracções pu-
caras, somos confrontados com uma situação primeiras 700 máscaras foi distribuído ao níveis até oito anos de prisão e apenas um
invulgar, porque os prisioneiros são normal- Instituto Juvenil de Boane (a 30 quilómetros pequeno número tem de cumprir penas mais
mente impedidos de cobrir os rostos. “Nesta da capital) e às mulheres em Ndavela, tam- severas (a pena máxima é de 24 anos de prisão
mudança da prisão como ‘corpo vivo’ vemos bém na periferia de Maputo. As máscaras são e não há prisão perpétua). Nos últimos dez
um elemento de igualdade entre as pessoas confeccionadas pelos reclusos e distribuídas anos, a população prisional duplicou e, ac-
dentro e fora no exercício do direito à preven- tanto à população interna como aos agentes tualmente, a taxa de sobrelotação nas prisões,
ção, à saúde e à legalidade”. prisionais.” Esta é a primeira iniciativa da a nível nacional, é de cerca de 200%. O Insti-
campanha para proteger os direitos dos re- tuto Prisional Provincial de Maputo, por exem-
clusos à saúde, apoiando a Sernap na produ- plo, abriga cerca de 3000 pessoas, com camas
Repensar as prisões
ção doméstica de máscaras em todas as pri- para cerca de 600 pessoas.
O vírus está a causar dois eventos. Está a afas- sões do país. Em 6 de Abril de 2020, o Governo publicou
tar-nos do outro, um outro que hoje pode ser a Lei n.º 2/2020 sobre Amnistia e Perdão, que
a nossa Ælha, irmão ou mãe. O mesmo outro Regresso à liberdade prevê a libertação das pessoas condenadas a
que Æca doente e ao lado do qual não pode- uma pena de prisão não superior a um ano e
mos estar. Mas, ao mesmo tempo, o vírus está Zito, o alfaiate, proporciona também a forma- das que aguardam julgamento por um crime
a aproximar-nos mais do outro, mesmo da- ção de costura para os quatro jovens detidos. cuja pena de prisão pode ir até um ano. Em-
quele que odiávamos e pensávamos que nos “Temos duas máquinas de costura num can- bora cerca de 5600 presos (dados da Sernap
roubava algo, ao imigrante, ao refugiado, nes- to do refeitório. É um espaço grande e arejado. de 24 de Abril) tenham sido libertados, a so-
te caso, ao recluso. E com esta aproximação, Levo algum trabalho para acabar e mostro as brelotação, especialmente nas prisões provin-
é necessário repensar a prisão, os direitos dos técnicas da costura. O Dário é o mais activo, ciais, continua a ser elevada.
reclusos, especialmente os direitos à saúde, já pensando na sua futura proÆssão quando, E se a obsessão das administrações prisio-
mas não só. Vale a pena reÇectir também so- em breve, for livre. Mas estão todos muito nais em regular o acesso é talvez o maior trun-
bre as consequências sociais e económicas da animados. Até nem querem parar quando fo na prevenção de uma infecção em massa,
prisão para os reclusos e as suas famílias. Te- chega a hora do almoço...” Nem todas as ca- isso exige a observância rigorosa de medidas
mos prisões cheias de pessoas pobres e isto deias em Moçambique têm as mesmas condi- de prevenção e protecção, apoiadas por ras-
em todo o mundo, criminalizámos a pobreza, ções, mas a de Boane, bem como a cadeia treios e testes regulares.
mas talvez mais do que uma resposta de jus- feminina de Ndlavela, tem a sua horta e os Sendo a capacidade de fazer testes escassa,
tiça penal, precisamos de respostas sociais. reclusos usufruem do pátio externo. Máscaras para todos com apenas um laboratório em Maputo com
O impacto das novas medidas impostas Se o conÆnamento resultou no Æm das vi- A ideia da produção das máscaras capacidade de 600 testes diários, e um nú-
pelo Governo não poupou ninguém entre os sitas de agências de vigilância, de advogados dentro da prisão de Boane é de uma mero exíguo de cuidados intensivos, Moçam-
cidadãos do país, nem mesmo aqueles que e de organizações da sociedade civil, a paixão organização local que trabalha na bique conta, até hoje, pouco mais de 100 con-
foram privados da sua liberdade. A utilização com que os rapazes da prisão juvenil apren- protecção dos direitos humanos no tagiados em todo o país e nenhum óbito. A
de máscaras é recomendada pela Organiza- deram a fazer máscaras com Zito, tornando- sector da justiça penal, a Reformar. esperança é de que o pico seja mais longínquo
ção Mundial de Saúde (OMS) como medida se úteis e descobrindo sujeitos activos na As máscaras são confeccionadas possível e o pequeno milagre das máscaras
para travar a propagação da covid-19 em to- criação de instrumentos de prevenção para pelos reclusos e distribuídas tanto à de capulana nas cadeias também alimenta
dos os espaços públicos onde as pessoas estão a sua comunidade, mostram que as crises população interna como aos esta esperança. Mesmo, e sobretudo, com a
aglomeradas, e as prisões são particularmen- podem, pelo menos, oferecer novas perspec- agentes prisionais época fria a caminho...
16 • Público • Domingo, 31 de Maio de 2020

O Instituto de Ciências Sociais (ICS) é uma escola da Universidade de Lisboa


e um Laboratório Associado do Sistema Científico Nacional dedicado à
investigação, aos estudos pós-graduados e à divulgação de ciência nas áreas
de Antropologia, Ciência Política, Economia, Geografia, História, Psicologia
Social e Sociologia (www.ics.ulisboa.pt). Durante um ano, todos os domingos,
investigadoras e investigadores com diferentes formações, idades e
percursos académicos partilham o seu trabalho com os leitores do P2

A dor à ƍor da pele


A vivência da dor crónica pediátrica
Ciências Sociais em Público (VII) Análise Em Portugal são escassos
os estudos acerca das crianças que sofrem de dor crónica. Este
desconhecimento leva a uma incompreensão do problema, seja na
comunidade médica ou na sociedade civil. É preciso mais investigação
que possa conduzir ao desenvolvimento de cuidados de saúde adequados.
Foi com este propósito que surgiu um estudo que coloca crianças
e jovens (e suas famílias) a falar sobre o quotidiano da dor crónica
Por Ana Patrícia Hilário

V
iver com dor é uma Portuguesa para o Estudo da Dor (APED) crónica pediátrica em Portugal” pretende
experiência avassaladora. disponibiliza no seu site as direções responder.
Essa experiência é ainda técnicas emitidas pela DGS sobre o controlo Para captar as experiências vividas da dor
mais marcante quando se e a avaliação da dor pediátrica (aped-dor. crónica por parte das crianças e dos jovens,
é criança ou jovem. org). O Canadá é hoje considerado o líder a pesquisa prevê a realização de entrevistas
Esperamos que uma mundial na investigação cientíÆca da dor com recurso quer ao desenho, quer à
criança/jovem brinque, pediátrica, devido, sobretudo, à fotograÆa. Ambas as técnicas permitem a
corra, e, sobretudo, implementação durante a última década do comunicação para lá da linguagem verbal,
sorria. No entanto, quando se sofre de dor Pain in Child Health (PICH). De acordo com facilitando que sejam as próprias crianças e
nada disto ocorre. Tal é ainda mais a deÆnição da International Association for jovens a realizar os seus materiais de
devastador quando se sofre de dor the Study of Pain (IASP), a dor crónica expressão — neste caso, o desenho e a
recorrente e persistente. Não falamos de refere-se a uma dor persistente ou fotograÆa. Esta estratégia metodológica
uma dor proporcionada por uma queda, recorrente que se mantém por três ou mais procura responder ao Artigo 12.º da
um corte, uma entorse, algo bastante meses. Trata-se, fundamentalmente, de Convenção dos Direitos da Criança,
comum. Falamos de uma dor que tem um uma dor física (e não uma dor psicológica e/ permitindo dar voz às crianças e aos jovens
impacto na vida da criança/jovem de tal ou emocional). Pode ter uma origem sobre aspetos relevantes na sua vida, neste com Æns cientíÆcos dos desenhos e das
forma que a impede, por exemplo, de sair primária, não podendo ser explicada pela caso, a dor crónica. Se por um lado os fotograÆas realizadas. Neste artigo dou
da cama e realizar tarefas quotidianas. É existência de outro diagnóstico, como é o desenhos permitem às crianças e aos jovens conta de alguns dados deste estudo que
isto que nos relata Nuno, de 17 anos: “Deixo caso das cefaleias (dor de cabeça); ou atribuir características ou atributos às tenho em curso e que terminará em Abril
de andar, comer, tomar banho. Não consigo secundária, no sentido em que advém de pessoas ou personagens desenhadas por si, de 2024.
ir à casa de banho.” Nuno faz parte dos outra condição crónica, como acontece por outro lado as fotograÆas permitem
vários jovens e crianças que estão a ser com a doença oncológica. As causas de dor captar a experiência sensorial e
A dor crónica para lá do físico
acompanhados numa consulta de dor crónica são diversas. Há, no entanto, uma incorporada da dor crónica.
crónica pediátrica recém-criada num prevalência de dor musculoesquelética, A pesquisa prevê igualmente a realização A dor crónica tem impacto nas diversas
hospital público. Ao todo existem em cefaleias (dor de cabeça) e dor abdominal, de entrevistas aos pais destas crianças e esferas da vida quotidiana, comprometendo
Portugal três consultas de dor crónica entre as crianças e jovens. De modo geral, jovens para melhor compreender o impacto signiÆcativamente a qualidade de vida das
pediátrica que abrangem a zona da Grande as crianças e os jovens que sofrem de uma que a dor crónica sentida na infância e crianças e dos jovens. Pode gerar
Lisboa, Grande Porto e Coimbra. De modo dor crónica irão sofrer do mesmo problema juventude tem sobre as famílias. De modo a incapacidade motora, levar ao absentismo
geral, estas equipas são constituídas por em adultos. salvaguardar os participantes no estudo, as escolar, reduzir a participação em
proÆssionais de saúde de diversas áreas: crianças e os jovens entrevistados, e atividades sociais ou conduzir ao
medicina, enfermagem, psicologia, serviço Notas sobre uma pesquisa referidos neste artigo, serão isolamento social. Para uma criança ou
social. No entanto, para já, esta consulta desidentiÆcados através do uso de nomes jovem com dor crónica, simples atividades
em ciências sociais
recém-criada é composta por apenas um que não são os seus. Com vista a do dia a dia, como ir ao cinema, passear
pediatra com especialidade no âmbito da Como é que as crianças, jovens e suas salvaguardar uma possível identiÆcação dos com a família, jogar com os amigos, podem
dor. Espera-se que, em breve, outros famílias experienciam a vivência da dor participantes, optou-se também por estar comprometidas. O caso de Cristiano,
proÆssionais de saúde igualmente crónica? Que signiÆcados atribuem a esta preservar não só o anonimato das crianças com dez anos, ilustra o impacto da dor
qualiÆcados nesta área integrem a equipa. condição? Como gerem o sofrimento? Qual mas também o anonimato da instituição de crónica na participação em atividades
Não existem dados cientíÆcos concretos o impacto que este problema tem na vida saúde onde se está a realizar o estudo. De físicas. Ao descrever o desenho que havia
que nos permitam auferir com exatidão o familiar? Estas são as principais salientar que é sempre obtido realizado sobre a sua dor, revela a tristeza
número de crianças e jovens que sofrem de interrogações às quais a investigação consentimento informado (por escrito) que sente por não poder jogar à bola com
dor crónica tanto em Portugal como sociológica “Tornar visível o invisível: uma junto dos pais, para a participação dos seus os seus amigos: “Quando estou a brincar
noutros países europeus. A Associação análise das experiências familiares da dor Ælhos na pesquisa, bem como para o uso com os meus amigos e eles dizem: ‘Anda.
Público • Domingo, 31 de Maio de 2020 • 17

ANDREA PETRLIK/GETTY IMAGES


Vem fazer corrida. Anda. Não tenhas medo.’ de Natasha detalha as suas: “Com o
Eu digo: ‘Não posso, a minha barriga daqui internamento também fomos aprendendo o
a pouco vai-me doer.’ Se correr muito, a alívio à dor. Uma delas é o saco de água
minha barriga dói. Eu gosto muito de jogar quente, as massagens. Se começar a agravar
à bola. Eu queria jogar à bola, mas não um bocadinho, ainda ponho a opção de se
posso por causa da minha dor de barriga e fazer medicação SOS. Se for uma situação
dos meus problemas.” Cristiano refere incontornável, é claro que temos de ir à
também que muitas vezes, quando tem dor, urgência. Temos estas três etapas.” As
opta por não contar à mãe e toma a estratégias foram apreendidas no
medicação sem o seu conhecimento: acompanhamento médico especializado em
“Quando a barriga me dói, eu não conto a ambiente hospitalar, que capacita as
ninguém. Vou para casa e tomo os remédios famílias com instrumentos que lhes
sozinho. Não digo porque depois não quero permitem minimizar a dor no contexto
Æcar no hospital.” familiar e, de certo modo, reduzir as
Além da experiência negativa da dor, hospitalizações.
estas crianças acumulam experiências de
sucessivos internamentos e o consequente
À procura de soluções para
isolamento social. Daniela, de 11 anos,
refere: “Gostaria que não tivesse isto pois minimizar a dor crónica
assim não teria de estar sempre internada. Apesar da sua prevalência, uma vez que se
Não estar sempre a sentir as dores que estima que cerca de 20% a 35% de crianças
sentia antes.” Catarina (11 anos) também e jovens em todo o mundo sofram de dor
relata as sucessivas experiências de crónica (dados da IASP), só muito
internamento hospitalar: “Não gosto de recentemente, mais precisamente no ano
Æcar internada porque a mãe tem de ir para passado, a dor crónica foi reconhecida na
casa cuidar dos manos e eu Æco sozinha.” A ClassiÆcação Internacional de Doenças da
irmã de sete anos (Carolina) tem a mesma Organização Mundial da Saúde como uma
doença. No papel desenha a dor que sente doença. Esta classiÆcação permitiu, de
através de corações partidos. “Sinto-me certo modo, que a dor crónica tenha uma
mal. Sinto-me triste.” Para além do maior visibilidade junto da comunidade
sentimento de tristeza, outros sentimentos médica e não médica, sendo que tem
negativos assombram estas crianças e existido uma certa incompreensão clínica e
jovens. Desvalorizam-se a si mesmos social para a realidade do que é viver com
comparando-se com amigos e colegas. E uma dor crónica. Tal falta de compreensão
têm medos e preocupações. Natasha, de 14 é ainda mais evidente quando falamos da
anos, menciona o medo de morrer devido dor crónica em crianças e jovens. Neste
ao problema de saúde: “Havia um cantor grupo da população é, na verdade, um
com a doença e morreu muito cedo. E é problema subdiagnosticado, uma vez que
disso que eu tenho medo. De morrer muito em muitos dos casos, tanto em Portugal
cedo por causa da minha doença.” como noutros países europeus, não é feito o
diagnóstico correto ou, no limite, não é
realizado qualquer tipo de diagnóstico. Isto
A vivência da dor crónica
leva ao sofrimento desnecessário destas
na família crianças e jovens, que ao não verem a sua
A dor crónica tem impacto também na doença reconhecida não conseguem ter
família, que sofre com a dor da criança/do legitimidade para aceder a cuidados de
jovem. A mãe de Natasha recorda o saúde adequados. Além disso, quer no
momento do diagnóstico: “Foi para nós um nosso país, quer noutros países europeus, a
choque. Digo um choque para nós em dor crónica pediátrica é um problema
termos de família. Digo família pois na subtratado, na medida em que não se
altura a minha mãe ainda estava viva. Nós encontram disponíveis cuidados de saúde
desconhecíamos quais eram os sintomas e o adequados que, devido à sua
que poderia ser. Só depois começámos a ter complexidade, necessitam de uma
a noção do risco e dos problemas.” A abordagem multidisciplinar. Esta
Uma dor recorrente e persistente dinâmica familiar altera-se: da mudança de abordagem multidisciplinar, tal como é
A dor crónica é uma dor persistente ou recorrente que se mantém por três ou mais hábitos alimentares na família ao apoio sugerido pela APED, deve conjugar os
meses. Em baixo, representação da dor crónica num desenho de Carolina, 7 anos constante dos pais aquando da saberes de proÆssionais de diversos campos
hospitalização destas crianças e jovens. A que combinem o tratamento farmacológico,
situação pode ter repercussões noutras de reabilitação, psicológico e das terapias
esferas como a laboral. Exemplo disso é o complementares e integrativas. É
caso da mãe das duas crianças (Carolina e fundamental a criação de serviços clínicos
Catarina, ambas com uma doença crónica ajustados às reais necessidades das crianças
que provoca dores intensas e recorrentes): e jovens que sofrem de dor crónica,
“Por conta disto não consigo ter um contribuindo para uma melhoria
emprego Æxo. Até hoje não aceito [a signiÆcativa da sua qualidade de vida e
doença]. Elas vêm ao hospital. Fazem tudo bem-estar. Tal levará, por exemplo, a uma
o que têm de fazer, mas até hoje não diminuição do absentismo escolar e/ou a
consigo aceitar. Não aceito. Não consigo. um aumento da participação das atividades
Porque é uma coisa má quando estão em físicas e sociais por parte destas crianças e
situação de dor. Dói a elas e dói-me a mim.” jovens.
Nestas famílias que lidam com a dor A investigação sociológica “Tornar visível
crónica, a incerteza é um fantasma o invisível: uma análise das experiências
constante. A dor pode surgir a qualquer familiares da dor crónica pediátrica em
momento e em qualquer lugar do corpo. Portugal”, que este artigo tem por base, está
“Tenho essa preocupação. Vejo os meus a ser desenvolvida no Instituto de Ciências
amigos a divertirem-se e eu tenho sempre Sociais da Universidade de Lisboa, desde
essa preocupação”, refere Nuno. Não sendo 2019, e é Ænanciada por fundos nacionais
possível prever o aparecimento da dor, as através da FCT — Fundação para a Ciência e
crianças, os jovens e as suas famílias a Tecnologia, I.P.
acabam por desenvolver estratégias para
minimizar a sua natureza e duração. A mãe Socióloga, ICS-ULisboa
18 • Público • Domingo, 31 de Maio de 2020
Público • Domingo, 31 de Maio de 2020 • 19

Jogos

CRUZADAS 10.994 FARMÁCIAS TEMPO PARA HOJE


HORIZONTAIS: 1. Na crónica de Lisboa - Serviço Permanente
Fernando Sobral, é o Tamagoshi Fernandes (São José-Tivoli) - Rua de S. José, 187 -
do sr. Mário Centeno (duas Tel. 213426476 Marbel (Alvalade - Avª. do Brasil) -
palavras seguidas). 2. Península Avª. de Roma, 131 - A - Tel. 217993770 Sírius (Bairro
de (...), uma das penínsulas mais Azul) - Rua Fialho de Almeida, 38-A - Tel. Viana do Bragança
importantes da Costa Rica. 213876700 Morais Soares (Alto S. João) - Rua Castelo 16º 29º
Segundo. Preposição que Morais Soares, 109-111 - Tel. 218150170 15º 23º
designa posse. 3. O âmago. Braga
Outras Localidades - Serviço Permanente
Equivalente grego de Plutão. 4. Abrantes - Duarte Ferreira (Rossio ao Sul do Tejo) 14º 30º Vila Real
Avenida (abrev.). Vela latina do Alandroal - Santiago Maior , Alandroalense
mastro grande. Sufixo 18º Porto 17º 28º
Albufeira - Albufeira Alcácer do Sal - Misericórdia
(abundância). 5. Quarto de hotel Alcanena - Correia Pinto Alcobaça - Holon 16º 22º
ou de residência com quarto de Alcobaça Alcochete - Cavaquinha , Póvoas
banho anexo. Comboios de Viseu
(Samouco) Alenquer - Matos Coelho , Varela
Portugal. 6. Trabalhador 16º 28º Guarda
Aljustrel - Dias Almada - Nuno Álvares Almeirim - 1-1,5m Aveiro
Independente. Novo disco de Correia de Oliveira Almodôvar - Aurea Alpiarça - 14º 24º
Cuca Roseta. 7. Faz desaparecer. Aguiar Alter do Chão - Alter , Portugal (Chança)
17º 23º Penha
Imposto sobre o rendimento das Douradas
Alvaiázere - Ferreira da Gama , Castro Machado
pessoas singulares. 8. Domínio de Coimbra
Internet (Lesoto). Irmãos. 9. (...)
(Alvorge), Pacheco Pereira (Cabaços), Anubis 11º 21º
(Maçãs D. Maria) Alvito - Nobre Sobrinho 16º 29º
Larraín, realizador do filme Ema.
Amadora - Confiança da Damaia (Damaia) , Castelo
Elemento de formação de
palavras que exprime a ideia de Carenque (Mina) Ansião - Medeiros (Avelar) , Rego Branco
nuvem. 10. Adorno. Produzir som. (Chão de Couce), Pires (Santiago da Guarda) Leiria 17º 30º
Arraiolos - Misericórdia Arronches - Batista ,
11. Símbolo do rad (Física). Porção 15º 26º
de torres. Esperança (Esperança/Arronches) Arruda dos
VERTICAIS: 1. Estranhaste. Vinhos - Da Misericórdia Avis - Nova de Aviz
Preposição designativa de Azambuja - Miranda , Peralta (Alcoentre), Ferreira Santarém
Camilo (Manique do Intendente) Barrancos - Portalegre
substituição. 2. Eles. Éric (...), 18º 31º
autor do livro A Guerra dos Barranquense Batalha - Moreira Padrão , Silva 19º 27º
Pobres. 3. Caminha para lá. Fernandes (Golpilheira) Beja - Central Belmonte - Lisboa
Abreviatura de International Costa , Central (Caria) Benavente - Miguens
Bombarral - Franca Borba - Carvalho Cortes 19º 29º
Standard Book Number (Número
Internacional Normalizado do Cadaval - Misericórdia Caldas da Rainha - Central
Campo Maior - Central Cartaxo - Central do Setúbal
Livro). 4. Tumulto popular. Latim
(abrev.). 5. Estado de vida. Imóvel. Cartaxo Cascais - Alcoitão (Alcoitão) , de São 18º 29º Évora
6. Suspiro. Nome feminino. Sufixo Gonçalo (Carcavelos), Marginal Castelo Branco - 16º 31º
(agente). 7. Irm (...), rosto do Leal Mendes Castelo de Vide - Freixedas Castro AMANHÃ
cinema de Fassbinder Verde - Alentejana Chamusca - Joaquim Maria
(1942-2020). 8. Filtra. Atreva-se a. Cabeça Constância - Vila Farma Constância ,
9. Acontecerá em seis momentos: Solução do problema anterior: Carrasqueira (Montalvo) Coruche - Misericórdia 19º Beja
HORIZONTAIS: 1. Ali. Alta. SA. 2. Rumar. Abc. 3. SpaceX. Aka. 4. Voo. Ova. IRS. 5. Sines
para resistir, para “preservar um Covilhã - São João Cuba - Da Misericórdia Elvas - 17º 30º
modo de estar” em tempos Rela. Oras. 6. Os. Lidam. Ma. 7. Obesidade. 8. Rui. Br. Raro. 9. Eco. 10. Europa Entroncamento - Terra Estremoz - 17º 25º
incertos. 10. Desnudar. Calcanhotto. 11. Oval. Demear. Carapeta Irmão Évora - Misericórdia Faro -
Avançavam. 11. Gravidade VERTICAIS: 1. Ar. Vão. Rico. 2. Luso. Sou. Av. 3. Impor. Biela. 4. Aa. Ele. CCL. 5. Almeida , Da Penha Ferreira do Alentejo - Salgado
ARCOlisboa. 6. Evadir. Nd. 7. Taxa. AD. Lhe. 8. Ab. Omar. Om. 9. Cair. Dante. 10. 1-1,5m
inerente aos corpos. Pega. Prefixo Ferreira do Zêzere - Graciosa , Soeiro, Moderna
(repetição). Kramer. Ta. 11. Amassa. Odor.
(Frazoeira/Ferreira do Zezere) Figueiró dos Vinhos
- Campos (Aguda) , Correia Suc. Fronteira - Costa Sagres
Faro
Coelho Fundão - Avenida Gavião - Mendes 19º 24º
(Belver) , Pimentel Golegã - Lusitano Grândola - 21º 25º

SUDOKU Pablo Idanha-a-Nova - Andrade (Idanha A Nova)


Loulé - Almancil (Almancil) , Avenida, Maria Paula
21º
0,5-2m
(Quarteira) Loures - Nacional , Barreiros Faria
Solução do problema 9761 (Santo António dos Cavaleiros) Lourinhã - Correia Açores
Mendes (Moita dos Ferreiros) , Leal (Rio Tinto) Corvo
Mação - Catarino Mafra - Rolim (S. Cosme) , Graciosa
Oceano (Santo Izidoro / Mafra) Marinha Grande - Terceira
Central Marvão - Roque Pinto Mértola - Nova de Flores
S. Jorge 15º 20º
Mértola Monchique - Moderna Monforte - Jardim 15º 20º
Montemor-o-Novo - Novalentejo Montijo - Nova
18º 19º
Circular Mora - Canelas Pais (Cabeção) , Falcão, Pico
Central (Pavia) Moura - Rodrigues Mourão -
Central Nazaré - Silvério , Maria Orlanda (Sitio da Faial 1,0-1,5m
Nazaré) Nisa - São Damião Óbidos - Vital 15º 19º
(Amoreira/Óbidos) , Senhora da Ajuda (Gaeiras), 1-1,5m S. Miguel
Oliveira Odivelas - Famões , Jardim da Amoreira 16º 21º
Oeiras - Varela Baião Oleiros - Martins Gonçalves Ponta
(Estreito - Oleiros) , Garcia Guerra, Xavier Gomes 18º Delgada
(Orvalho-Oleiros) Olhão - Pacheco Ourém - Leitão
1m
Ourique - Nova (Garvão) , Ouriquense Pedrógão
Grande - Baeta Rebelo Penamacor - Nova Madeira Sta Maria

Problema 9763 Peniche - Higiénica Pombal - Paiva Ponte de Sor -


Dificuldade: Muito difícil Varela Dias Portalegre - Portalegrense Portel - Porto Santo
Fialho Portimão - Moderna Porto de Mós - Lopes
Proença-a-Nova - Roda , Daniel de Matos (Sobreira
18º 22º
20º
Formosa) Redondo - Holon Redondo Reguengos
de Monsaraz - Paulitos Rio Maior - Central
Salvaterra de Magos - Costa (Foros de Salvaterra/ Funchal
Salvaterra de Magos) Santarém - Vitorino 1-1,5m
0,5m 20º 24º
Problema 9762 Santiago do Cacém - Corte Real Sardoal - 21º
Passarinho Serpa - Serpa Jardim Sertã - Lima da
Dificuldade: Fácil Silva , Farinha (Cernache do Bonjardim) Sesimbra -
Leão Setúbal - Marques , Tavares da Silva Silves - Sol Lua Cheia
Algarve , Dias Neves, Central - Armação de Pêra Nascente 6h14
(Armação de Pêra), Guerreiro Sines - Atlântico ,
Solução do problema 9760 Monteiro Telhada (Porto Covo) Sintra - Rodrigues
Poente 20h55 5 Junho 20h12
Rato , Vasconcelos, Mira Sintra (Mira Sintra) Sobral
Monte Agraço - Moderna Sousel - Mendes Dordio
(Cano) , Andrade Tavira - Central Tomar - Marés
Misericórdia Torres Novas - Aliança (Lamarosa/
Torres Novas) Torres Vedras - São Gonçalo Leixões Cascais Faro
Vendas Novas - Santos Monteiro Viana do
Alentejo - Viana Vidigueira - Costa Vila de Rei -
Silva Domingos Vila Franca de Xira - Estevão Preia-mar 11h07 2,8 10h43 2,9 10h46 2,8
(Brejo) , Silva Carvalho Vila Nova da Barquinha - 23h27 3,0 23h03 3,1 23h10 3,0
Tente (Atalaia) , Carvalho (Praia do Ribatejo),
Barquinha Vila Real de Santo António - Carmo Baixa-mar 04h47 1,0 04h24 1,2 04h17 1,1
Vila Velha de Rodão - Pinto Vila Viçosa - Torrinha 17h08 1,2 16h45 1,3 16h41 1,2
Alvito - Baronia Ansião - Moniz Nogueira Oeiras -
Carnaxide (Carnaxide) Redondo - Alentejo
© Alastair Chisholm 2008 and www.indigopuzzles.com Fonte: www.AccuWeather.com
20 • Público • Domingo, 31 de Maio de 2020

Dia de Äcar

CINEMA Os mais vistos da TV RTP1 11,3% SÉRIE


Sexta-feira, 29
O Bom, o Mau e o Vilão
Cinemundo, 14h Nazaré
% Aud. Share
SIC 15,6 29,5
RTP2 1,2 A Estagiária
RTP2, 20h37
No dia em que Clint Eastwood
celebra o 90.º aniversário, o canal
Terra Brava SIC 13,1 27,3 SIC 21,1 Estreia da terceira temporada da
série franco-belga que mistura
TVI
Jornal da Noite SIC 11,8 25,7
dedica-lhe uma programação
especial. Começa com o clássico
Televisão Quer o Destino TVI 1,8 20,6 14,2 crime e comédia na história de
Constance Meyer (Michèle
Cabo
Quem Quer Namorar... SIC 9,5 23,9
de 1966 O Bom, o Mau e o Vilão,
lazer@publico.pt 37,2 Bernier), uma agricultora que, aos
FONTE: CAEM
onde dá vida à personagem de Joe 50 anos, decide enveredar por
(o bom) no western de Sergio outro ramo e formar-se em
Leone. Seguem-se As Voltas da RTP 1 no El Royale 21.30 A Vigilante 23.05 O Hard: A Vingança 18.20 Hércules - A Direito. Nos novos episódios,
Vida (às 16h55), Na Lista do 6.30 Espaço Zig Zag 8.00 Bom Dia Predador 0.55 A Balada de Adam Lenda Começa 20.17 Killer Elite - O prossegue o estágio no tribunal de
Assassino (18h45), Um Crime Real Portugal Fim de Semana 10.30 Henry 2.45 A Arte da Autodefesa Confronto 22.30 Procurado 0.29 Para Marselha, onde casos delicados e
(20h20) e Imperdoável (22h30). Eucaristia Dominical 11.34 Mundo Além das Cinzas 2.32 Predadores 4.14 exigentes a põem à prova. Na não
Maravilhoso 12.04 O Artesão 13.00 The Enemy Within menos desaÆante vida pessoal,
Kingsman: O Círculo Dourado Jornal da Tarde 14.26 Os Dias da FOX MOVIES Constance parece estar prestes a
SIC, 17h45 Quarentena 15.18 Faz Faísca 16.19 7 9.53 Um Homem, Um Cavalo, Uma assumir mais um novo papel: o de
Depois do ataque à base de Pecados Rurais 18.11 Jogo de Todos os Pistola 11.24 The Silent Stranger 12.55 FOX LIFE avó.
operações da Kingsman, em Jogos 19.59 Telejornal 21.38 Got Talent Sabata 14.37 Adeus, Sabata 16.18 O 9.13 Chicago Med 12.55 Journey Back

MÚSICA
Londres, Eggsy e Merlin são Portugal 0.16 Tully 1.57 Web Therapy Retorno de Sabata 17.58 Colts Para os to Christmas 14.27 Statute of
enviados para os EUA, onde vão 2.50 Baviera Selvagem Sete Magníficos 19.39 O Ataque dos 7 Limitations 16.19 Taken Back: Finding
ter de derrotar a líder de uma Magníficos 21.15 E Agora Chamam-lhe Haley 18.11 Como Despachar Um
organização criminosa. O Ælme Magnífico 23.15 A Colina dos Sarilhos Encalhado 20.07 Um Refúgio para a Zeca - Pedro Jóia
continua a história contada em RTP 2 0.48 O Ás Vale Mais 2.44 Os Cinco Vida 22.20 Dei-te o Melhor de Mim RTP2, 23h08
Kingsman: Serviços Secretos, 7.00 Caminhos 7.27 70x7 7.54 Espaço Bandoleiros 4.29 Django 0.33 Os Descendentes 2.25 The Oportunidade para conhecer o
também de Matthew Vaughn, com Zig Zag (inclui Monstrinha) 12.59 Resident repertório de homenagem a José
base na banda desenhada The Drama Total em Acção 13.45 Olá, Afonso que o guitarrista Pedro
Secret Service, de Dave Gibbons e Como Te Sentes? 13.47 Drama Total - À CANAL HOLLYWOOD Jóia registou em Zeca, o
Mark Millar. O elenco inclui Colin Volta do Mundo 14.09 Animais Quase 9.35 Gremlins 2: A Nova Geração 11.20 DISNEY recém-lançado álbum, servido
Firth, Taron Egerto, Mark Strong, Despidos 14.21 O Carlos Escolhe 14.43 O Príncipe e Eu: Lua de Mel Real 12.55 15.20 Miraculous - As Aventuras de pelo single Vejam bem. São
Channing Tatum, Halle Berry, Jeè Folha de Sala 14.50 Mistérios de Lisboa Boog e Elliot Vão à Caça (VP) 14.20 A Ladybug 16.35 Sadie Sparks 17.00 versões para guitarra, “o
Bridges, Emily Watson, Pedro 19.13 Nina 20.07 Saber Sabe Bem Força da Verdade 16.25 Os Traficantes Gravity Falls 17.50 Sadie Sparks 18.38 instrumento que Zeca usava para
Pascal, Poppy Delevingne, 20.37 A Estagiária 21.30 Jornal 2 22.04 18.20 Contra Todas as Regras 20.05 O Os Green na Cidade Grande 19.26 compor a sua música e para se
Michael Gambon, Julianne Moore Folha de Sala 22.12 O Oportunista Primeiro Encontro 22.00 Ready Player Miraculous - As Aventuras de Ladybug acompanhar”, explica Jóia, que
e uma participação especial de 23.08 Zeca - Pedro Jóia 23.33 Rodrigo One: Jogador 1 0.15 Detenção de Risco 20.10 Gravity Falls 21.00 Gabby Duran nela tem criado um corpo de
Elton John. Leão - O Aniversário 0.47 As Grandes 2.10 Jacuzzi 2 - Festa na Neve 3.45 A Alien Total 21.23 A Raven Voltou 21.46 trabalho que tanto se passeia pelo
Mentiras da História 1.40 Cinemax 2.41 Primeira Vitória Coop & Cami 22.31 Acampamento fado como pelo tango ou o
Todos Sabem Euronews Kikiwaka Çamenco.
TVCine Edition, 22h
Laura regressa com o marido e os AXN Rodrigo Leão - O Aniversário
Ælhos à sua pequena aldeia SIC 13.59 Jack e Jill 15.41 Limite Vertical DISCOVERY RTP2, 23h33
espanhola para celebrar o 6.40 Marvels Spider Man 7.25 O11ze 17.49 Assalto de Risco 19.27 13 Horas: 19.20 O Segredo das Coisas 21.00 A Recordação do espectáculo em
casamento da irmã mais nova. A 8.00 Uma Aventura 8.30 É p´ra Os Soldados Secretos de Benghazi Febre do Ouro: A Mina Perdida de Dave que Rodrigo Leão celebrou, em
reunião familiar depressa se Amanhã 9.00 Olhó Baião 12.00 Vida 21.55 Tirar Vidas 23.45 Comer Orar Turin 22.00 A Febre do Ouro: A Mina 2018, os 25 anos da sua carreira a
transforma numa tragédia, Selvagem 13.00 Primeiro Jornal 14.15 Amar 2.08 Transformers 3 4.40 Perdida de Dave Turin 22.55 A Febre do solo, contados a partir da edição
quando a Ælha de Laura Fama Show 14.45 Investigação Sherlock Holmes Ouro 0.40 A Febre do Ouro: A Mina de Ave Mundi Luminar, o álbum
desaparece. As revelações que se Criminal: Los Angeles 15.30 Vizinhos Perdida de Dave Turin 2.15 A Febre do com que se lançou, em 1993,
seguem vão mudar as vidas de Espiões 17.45 Kingsman: O Círculo Ouro 3.00 Já Estavas Avisado! 4.30 quando já tinha nome solidiÆcado
todos. Um thriller psicológico Dourado 19.30 Não Há Crise 20.00 AXN MOVIES Segredos do Universo com Morgan nos Sétima Legião e Madredeus. O
realizado pelo iraniano Asghar Jornal da Noite 21.30 Isto É Gozar Com 14.00 O Professor 16.15 Distrito 9 17.59 Freeman 5.00 Negócio Fechado espectáculo inclui uma formação
Farhadi, com Javier Bardem, Quem Trabalha 21.50 Quem Quer Zona de Impacto 19.37 O Poder e o de dez músicos, as vozes de
Penélope Cruz e Ricardo Darín. Namorar com o Agricultor? 0.00 Terra Impossível 21.15 The Fighter - Último Ângela Silva, Ana Vieira e Selma
Nossa 1.45 Convergente: Parte 1 Round 23.12 Nove 1.12 O Misterioso HISTÓRIA Uamusse e alguns convidados.
Tully Assassínio em Manhattan 3.01 O 18.04 A História Secreta do Air Force
RTP1, 00h16
INFANTIL
Espião Sou Eu 4.32 Greystoke - A One 18.46 11 de Setembro: a Bordo do
Com o nascimento do terceiro TVI Lenda de Tarzan o Rei da Selva Air Force One 20.09 Pablo Escobar:
Ælho, Marlo (Charlize Theron) 6.15 Todos Iguais 6.45 Campeões e Operação Narco 21.34 A Maldição de
sente-se absolutamente esgotada. Detectives 8.00 O Bando dos Quatro Oak Island 22.57 Ovnis: Segredos Boog e Elliot Vão à Caça
Quando percebe que atingiu o 9.30 Detective Maravilhas 11.00 Missa AXN WHITE Revelados 0.16 O Ouro Perdido da II (V. Port.)
limite, aceita um conselho do 12.30 Anti-Stress 13.00 Jornal da Uma 13.00 Inesquecível 13.55 Chama-me Guerra Mundial 1.35 Forjado no Fogo: Hollywood, 12h55
irmão e contrata uma ama para 14.30 Somos Portugal, Sempre 18.30 Pai Natal 15.25 Natal em Conway 16.55 Internacional Boog, o urso, tem uma vida
cuidar do bebé durante a noite. É Pesadelo na Cozinha 19.57 Jornal das 8 Duas Contra o Tempo 18.25 Angry perfeita junto da sua mãe
assim que Tully (Mackenzie 21.45 Big Brother: A gala 2.00 1000 à Angel 19.55 Flores de Aço 21.25 Ihaka: adoptiva, a guarda-Çorestal Beth,
Davis), uma jovem doce e Hora 3.15 Saber Amar Blunt Instrument 22.55 Sobrenatural ODISSEIA que o salvou quando ainda era
bem-intencionada, entra na vida 23.40 Pelo Amor e pela Honra 1.10 18.43 Porcos Surpreendentes 19.33 uma cria. A tranquilidade é
daquela família. Entre as duas Injustiçado 2.40 Os Tudors 3.40 Resgate na Praia 19.57 Guerra Aérea interrompida pela chegada de
nasce uma amizade estreita, TVCINE TOP Diggstown 4.30 A Teoria do Big Bang 21.40 Avião Supersónico: A Grande Elliot, um veado hiperactivo que o
baseada numa inesperada relação 10.05 Astérix: O Segredo da Poção Aventura 22.34 Voo Interestelar 23.22 vai meter em sarilhos em plena
de conÆança e companheirismo. Mágica (VP) 11.30 Greta - Viúva Orgasmos sem Fim 0.09 Guerra Aérea época de caça. Elliot arrasta Boog
Uma comédia dramática sobre as Solitária 13.10 Síndrome de Estocolmo FOX 1.59 Avião Supersónico: A Grande para a Çoresta, mas ao urso,
diÆculdades da maternidade, 14.45 Captain Marvel 16.50 Godzilla II: 11.17 Não Chamem a Polícia! 13.09 Aventura 2.53 Beerland 3.45 Voo habituado às comodidades do seu
realizada por Jason Reitman e Rei dos Monstros 19.05 Sete Estranhos Assalto ao Arranha-Céus 15.47 Die Interestelar 4.34 Rio Resgate lar, faltam capacidades de
escrita por Diablo Cody. sobrevivência.
Público • Domingo, 31 de Maio de 2020 • 21

Sair

Passeios

Sete passadiços para Cátia é guia-intérprete


e já reinventou o seu
trabalho: faz visitas

admirar Portugal guiadas virtuais


Trabalhos cancelados até final de
Junho, levaram Cátia Garcia,
guia-intérprete, a repensar o
futuro: o que poderia fazer
quando o mundo se encerra?
Tours virtuais, decidiu,
especialmente para turistas que
não conseguem vir a Portugal
agora. Para os portugueses,
passeios a pé, porque todos
querem “esticar as pernas, Museus
apanhar sol, falar no jardim”. Por Com os ponteiros
agora, os passeios são feitos
através da plataforma Zoom — à
a apontar para Serpa
distância de um monitor de Encerrado desde 17 de Março, o
computador e conduzidos por Museu do Relógio, em Serpa,
uma profissional, com ajuda de reabriu portas a 26 de Maio, de
fotografias e do recurso ao “cara lavada”. Aproveitando as
Google Earth. Lisboa e Sintra são limitações da pandemia, que
o seu território de eleição, mas impediram o acesso dos
em breve irá acrescentar novos visitantes ao espaço sediado no
“destinos” à sua Virtual Private Convento do Mosteirinho,
Tour, que pode ser feita à medida, propriedade da família Tavares
com duração de uma hora e d’Almeida, o museu dedicou-se a
preço único, não importa quantas renovar as salas, com trabalhos
pessoas estejam no grupo de pintura e restauro do brasão
privado. No dia da reabertura dos dos Bocarro, a cargo do artista
museus, a 18 de Maio, surgiu uma plástico Micaelo, iluminação e
nova tour, “Um museu por dia”, uma nova disposição da
que já é meio caminho andado colecção. Num espólio que reúne
neste confinamento. Pode mais de 2600 relógios mecânicos
fazer-se virtualmente, mas a ideia e uma biblioteca com livros
principal é fazê-lo “ao vivo”, temáticos, distribuídos pelo
“agora que os portugueses já núcleo principal de Serpa e pela
podem sair de casa”. O trabalho extensão da colecção ao Palácio
de Cátia pode ser acompanhado Barrocal, em Évora, é possível ver
De norte a sul, recordamos Passadiços do Rio Gresso são a oferece um mundo de informação nas redes sociais, no blogue A exemplares raros, como o relógio
passeios para mergulhar na prova de que estes percursos não e de belas paisagens, com um pé Teia da Guia, Facebook, YouTube de mesa inglês do século XVII,
natureza. Tanto pelo interior, por se medem aos palmos: têm na área protegida do Parque e Instagram. Andreia relógios de bolso de várias
ribeiras, cascatas e praias fluviais, apenas 1,5 quilómetros, mas são -Cascais, a ver as
Natural de Sintra-Cascais, Marques Pereira épocas (num arco temporal que
como pela costa. Os Passadiços ponto de partida para uma aves ou as plantass que vingam no vai de 1676 a 1900
1900), bem como
do Paiva, em Arouca, tornaram-se caminhada muito maior. Com um azer antes ou
areal. Ideal para fazer relógios de parede,
parede num
as estrelas maiores dos circuito circular, estão cravados rgulho
depois de um mergulho verdadeiro retrato social que
passadiços portugueses e levam numa ligeira encosta, são mpre
refrescante no sempre mostra “a evolução do tempo em
milhares de pessoas a percorrer o protegidos pela sombra do carismático mar do Guincho, com Portugal”. A renovação
renova acontece
extraordinário percurso pela arvoredo da montanha e passagem pelo Núcleoúcleo de no ano em que o museu
m celebra
natureza ao longo do rio Paiva, no refrescados pela água que cai Interpretação da Duna da primav
as suas 25 primaveras, um
Geopark de Arouca. Um caminho pela serra do Arestal. O Passadiço Cresmina. Para ver er outro na
projecto que nasceu em 1995,
de 8,7 quilómetros de sucesso (x2 de Vila do Conde leva-nos a diço de
Algarve, o Passadiço fruto da paixão de
com ida e volta), com prémios passear pela orla costeira, ão,
Alvor, em Portimão, Antó
António Tavares
nacionais e mundiais e a abrindo também caminho pelas leva-nos a admirarar d
d’Almeida, com
promessa de se tornar uma dunas e floresta, pela Reserva o estuário da ria apenas “três
atracção ainda mais impactante Ornitológica do Mindelo. Em e o cordão relógios de
quando tiver a maior ponte Aveiro, os Passadiços da Ria dunar, entre bolso
pedonal suspensa do mundo. Em convidam a um passeio pelo contrastes — avariados que
Arcos de Valdevez, os Passadiços sistema lagunar e uma paisagem incluindo entre o h
herdou do seu
de Sistelo, parte da Ecovia do Vez, admirável, que tanto pode ser longo areal e os avô” As portas
avô”.
são não só um “mundo de pedonal como ciclável, num resorts, a natureza a e os estão abertas de
conhecimento” histórico, percurso que liga o centro da ais:
veraneantes. E mais: terça a sexta, das
biológico e geológico, nas faldas cidade (sendo que os passadiços por aqui, os olhoss à 17h30;
14h às
do Parque Nacional da propriamente ditos começam no estão sempre a voaroar fins-
fins-de-semana e
Peneda-Gerês, mas também um Cais da Ribeira da Esgueira) a para a passarada,, feria
feriados, das 10h às
passeio por trilhos envoltos num localidades mais rurais. Para que a observação o 12h3 e das 14h às
12h30
“jardim botânico”, entre a admirar a fauna e flora, a vida da de aves é um dos 17h30. A entrada
tranquilidade e um mergulho ria marcada pela passarada, voar focos do passeio, 2€ C.A.M.
custa 2€.
profundo na natureza. E com os olhos pela andorinha-do-mar que pode
direito a praias fluviais para ou garças. Já no Guincho, em continuar por mais is
refrescar. Em Sever do Vouga, os Cascais, o Passadiço da Cresmina natureza. Fugas
22 • Público • Domingo, 31 de Maio de 2020

Estar bem

O sistema
A vitamina C desempenha um pa- atletas, a conversa é semelhante. A ção oral crónica no risco de cálcu-
pel muito importante no nosso sis- ingestão concomitante de 1000mg lo renal.
tema imunitário. Encontra-se em vitamina C e 400UI vitamina E (ou- Com a vitamina C é necessário
grandes concentrações nos nossos tra das recomendações em voga discernir entre: prevenção e trata-
glóbulos brancos, e os seus níveis pela corrente anti-aging) durante mento. Existem diferenças signiÆ#
diminuem consideravelmente du-
rante uma constipação ou outra
ocasião em que o stress oxidativo
aumenta, dado que é a vitamina
imunitário quatro semanas, elimina o efeito
benéÆco do treino na sensibilidade
à insulina e nas nossas próprias en-
zimas antioxidantes endógenas que
cativas consoante estejamos a falar
de uma pessoa saudável que apenas
quer prevenir o seu risco de infec-
ção ou de um doente “às portas da
com maior capacidade antioxidan-
te presente na alimentação (sendo
que outros produtos Ætoquímicos
na fruta e legumes até têm uma ca-
e a vitamina C são potenciadas com o exercício
para além de diminuir até a hiper-
troÆa muscular. Para além disso, a
suplementação crónica com 1g de
morte” nos cuidados intensivos.
Nestes últimos casos, existe um “in-
cêndio” de grandes dimensões no
nosso organismo que é necessário
pacidade antioxidante maior do vitamina C pode duplicar o risco de apagar e a vitamina C em grandes
que a vitamina C). Há cerca de um mês abordamos aqui o papel da cálculo renal. Ou seja, é mais do quantidades pode dar uma ajuda.
Em atletas, existem comprova- vitamina D no sistema imunitário. Agora é a vez da que evidente que a suplementação Quando o meu “jardim” está sau-
ções contraditórias de que a vita- crónica com altas doses de vitami- dável e eu o “rego” da mesma for-
mina C pode ter um papel p p positivo reÅectir sobre a vitamina C, cuja administração em na C não tem efeito benéÆco e é ma como se existisse um incêndio,
na prevenção de infecçõesões do trato doentes críticos nos cuidados intensivos não é de prejudicial à saúde. Pode, non limite, o mais certo é que o mate na mes-
respiratório superior emm provas de menosprezar. fazer sentido suplementar de d forma ma, mas por afogamento.
muito longa duração. Já na popu- preventiva em quantidade
quantidades mode- O que tem acontecido nas últimas
lação geral, este efeito preventivo radas (até 200mg/dia), so sobretudo semanas, é uma corrente da medi-
não parece existir de forma
orma tão evi-
Pedro Carvalho quando há déÆce comprovado
compro na cina mais alternativa/anti-aging su-
dente, por isso pode fazer pouco alimentação ou nos níveis leucoci- portar-se nestes resultados da vita-
sentido suplementar vitamina
tamina C de tários. mina C com o doente crítico (1-1,5g
forma proÆláctica, sobretudo
etudo quan- E na perspectiva do tratamento?
trata vitamina C de seis em seis horas ou
do há um bom aporte alimentar da Aqui, o caso pode mudar de d aspec- três a cinco vezes por dia) e reco-
mesma (couve-galega, a, pimento, to, pois o stress oxidativo d desenca- mendá-las à população como estra-
agrião, couve-Çor, kiwi,wi, laranja, deado por qualquer infecç
infecção (mes- tégia preventiva para reforço do
morango e brócolos). mo uma “simples” constipação)
const sistema imunitário. Seguindo o
Para as pessoas que estão total- pode levar a uma diminui
diminuição dos mesmo raciocínio de adoptar pro-
mente alheadas da alimentação
limentação níveis de vitamina C nos leucócitos
le tocolos de tratamento de patologias
saudável e que não ingerem
erem mesmo que não é rapidamente recuperável
recu como estratégias de prevenção, po-
fruta e legumes, a suplementação
lementação com doses pequenas como 200mg/ deríamos então recomendar qui-
da dose diária recomendada
endada (75- dia. Estudos em idosos com co infec- mioterapia para prevenir o cancro
90mg com um extra de 35mg/dia ções respiratórias mais graves ou administrar insulina para pre-
para fumadores) e de 200-250mg/ (bronquites e pneumonia) revelam venir diabetes. Pode parecer dispa-
zer sentido.
dia em atletas pode fazer igualmente que a suplem
suplementação ratado, mas a razão é a mesma.
Suplementar acima disso isso não pa- com 200mg/dia e até com doses Esta pandemia tem-nos permiti-
rece ser necessário. Ingestões
ngestões até mais elevadas (de 250 a 11600mg/ do conhecer melhor muitos médi-
30-180mg/dia possuem m uma absor- dia) melhorou os sintomas e redu- cos que estão na 1.ª linha de com-
ção de 70 a 90%, que baixam para ziu o tempo de internamento
internam en- bate a estas e outras doenças e li-
menos de 50% quando estas quan- dam há muitos anos com doentes
tidades aumentam paraa 1g/dia, sen- tre 19 e 36%. críticos em ambiente hospitalar ad-
do o restante excretado do na urina O efeito
e da verso e não com pacientes saudá-
(pode ver a cor mais intensa da administra-
adm veis e muitíssimo motivados para
mesma quando faz esta a suplemen- ção endove- a sua alimentação e estilo de vida,
tação). nosa de me-
nos no conforto da sua clínica privada.
Uma vez que os valores
ores de vita- gadoses de
gad E uma das suas maiores caracterís-
mina C nos glóbulos brancos
ancos (onde vitamina C
vita ticas é a serenidade e ponderação
realmente interessam m no que ao (1 a 10g/dia) do seu discurso.
sistema imunitário diz iz respeito) em doentes No momento actual, apetece ci-
atingem o seu pico com m uma inges- críticos nos
crític tar um deles, o Dr. Roberto Roncon,
tão de 100mg (mesmo o quando cuidados intensi- quando refere: “Eu tenho sempre
se dão 2500mg por dia),a), pode- vos também não é medo dos médicos que têm muitas
adoses
mos ver que estas megadoses de menosprezar.
menospre Vá- certezas, gosto mais daqueles que
são desnecessárias. Também
mbém rios estudos demonstram
demo têm muitas dúvidas, são normal-
aqui os idosos são um grupo uma diminuição da morta- mente aqueles que vêem muitos
de risco para o déÆce desta lidade, do tempo de perma- doentes”. Por isso, um conselho a
vitamina e os seus baixos
aixos nência nos cuidados
cuid in- todos os leitores fora da área da
níveis plasmáticos são o um tensivos e da ne
necessida- saúde que tenham mais diÆculdade
forte preditor de mortalida-
talida- d e d e ve n t i l a ç ã o em distinguir o trigo do joio, é co-
de. mecânica com esta es- meçar por detectar (e fugir) das
elativamen-
Um dos problemas relativamen- tratégia. Mesmo nã não sendo “certezas absolutas” e recomenda-
te à vitamina C é a ÆlosoÆa
oÆa do “mal uma estratégia consensual,
consens até ções “milagrosas” de alguns egos
também não faz”. Em atletas, um porque nem todos os trabalhos
tr insuÇados na área da medicina e
artigo de revisão veriÆcou
cou que su- apontam no mesmo sentido,
senti cada da nutrição. Este é um bom primei-
plementar acima de 1g/dia
dia diminuiu dia a menos nos cuidados
cuidado inten- ro passo para perceber que estamos
a performance em oito dos 12 estu- sivos ou com ventilação assistida
a perante alguém que, mais do que
dos analisados. Nos quatro
atro estudos permite salvar mais vidas e poupar ajudar, se quer vender e alimentar
que veriÆcaram melhoria oria na per- recursos com uma suplem
suplementação o culto da sua personalidade mes-
formance, em três deles les a suple- bastante barata. Para além do mais, mo durante uma crise de saúde
mentação foi feita, no o máximo, estas administrações aguda
agudas por via nunca vivida por esta geração.
durante uma semana, ou seja, de endovenosa não parecem te ter o mes-
forma aguda e não crónica.
ica. Em não- mo efeito nefasto da suplsuplementa- Nutricionista
Público • Domingo, 31 de Maio de 2020 • 23

Crónica

Felizmente há Mrs. Fletcher

E
squeci-me da ideia essa particularidade irritante dos 11 temporadas, o que não abona Decorre tudo com grande
para um livro policial detectives famosos é também
João Pedro Pincha nada a favor da inteligência dos urbanidade. Poucos minutos
que haveria de me muito viciante. E tal como era assassinos americanos. depois do crime, familiares e
tornar rico. É muito irresistível ver com o meu pai os Para lá de ter este dom amigos da vítima já secaram as
azar. Sei lá eu quando episódios diários do Poirot — extraordinário de estar no sítio lágrimas, os suspeitos prosseguem
me voltará a surgir apesar de ele religiosamente se certo à hora certa, a protagonista com a sua vida normal e Fletcher
semelhante ideia milionária. Não
tem ajudado ver de enÆada os
queixar de os Ænais serem sempre
demasiado rocambolescos —, A protagonista consegue sempre, mas sempre,
que o tenente ou sargento da
anda por ali, saltitando de
personagem em personagem,
episódios de Crime, Disse Ela, uma
série dos anos 1980 que teve uma
também há uma atracção
inexplicável pelas aventuras da não procura o polícia local a deixem participar na
resolução do crime. Há dois tipos
fazendo perguntas indiscretas com
a maior naturalidade, apelidando
extraordinária longevidade. São simpática Mrs. Fletcher. de autoridade: o polícia os polícias de incompetentes a
três quartos de hora bem passados, Os episódios têm sempre, mas crime, ele é que condescendente que até tem cada passo. Como todo o diálogo é
é certo, mas convenhamos que a sempre, a mesma estrutura. A simpatia pela senhora e a deixa dar polido e cheio de salamaleques,
qualidade e a complexidade do
enredo deixam algo a desejar.
protagonista não procura o
crime, ele é que tem uma
tem uma uns palpites; o polícia que acha
que ela só atrapalha e que faz
ninguém se ofende com nada e até
os insultos acabam em risota entre
Acresce que, quase sempre, há
um elemento qualquer
tendência bizarra para ocorrer
sempre que ela está presente, o
tendência questão de lhe dizer a cada duas
frases que a vida real não é como
as partes.
Onde é que eu ia? Ah, pois.
fundamental que não nos é
revelado, o que nos impossibilita
que é bastante suspeito. Não pode
a senhora ter umas férias
bizarra para os livros de mistérios que Fletcher
escreve.
Continuo sem me recordar da ideia
para um policial que me surgiu há
de resolver o crime mais cedo ou,
pelo menos, traçar uma ou duas
descansadas em Nova Iorque, no
Canadá ou na vila em que habita,
ocorrer sempre Em ambos os casos, os agentes
caem sempre na esparrela de
semanas. Mas não quero correr o
risco de me tornar aquela
teorias plausíveis. Nunca é
possível, pois Jessica B. Fletcher, a
Cabot Cove, que há sempre
alguém que se deixa assassinar.
que ela está prender a pessoa errada e de ter a
teoria incorrecta. O que eles
personagem de um dos episódios
de Crime, Disse Ela, um
protagonista bonacheirona e já
entradota, sabe sempre algo que
Ao Æm de duas ou três
temporadas seria de supor que os
presente, o que pensam é frequentemente linear —
A matou B para fugir com C —,
dramaturgo frustrado que se torna
crítico de teatro e, mais tarde…
escolhe só revelar no Æm, tornando
simples o que se aÆgurava como
criminosos já soubessem que
talvez não fosse boa ideia cometer é bastante quando é óbvio que o episódio
ainda tem mais 20 minutos pela
Bom, não conto mais. Felizmente
havia Jessica.
um quebra-cabeças inultrapassável
e despachando em meia dúzia de
homicídios na presença de
Fletcher, mas a série tem dez ou suspeito frente e que a teia tem de ser mais
complexa. joao.pincha@publico.pt
minutos o que esteve a empastelar DR
durante meia hora.
Bem sei que a protagonista é ela
e não nós, que a série existe para
ela brilhar, mas cheira-me a
demasiado preguiçoso manter o
espectador na ignorância até ao
Æm. Lembro-me de há uns anos ter
lido um livro de uma colecção
chamada 1001 Detectives, da
Caminho, em que os autores
paravam a narrativa em certo
ponto para que os leitores
pudessem reÇectir e chegar às suas
conclusões. Havia até um postal
agarrado ao livro para quem
quisesse presentear a Caminho
com teorias próprias. Fiquei sem
saber como se deslindava esse
mistério: as páginas Ænais do livro
tinham sido arrancadas pelo dono
anterior.
Guardar os segredos todos para
o Æm também é muito uma mania
do Poirot, se bem que mais
tolerável nos livros do que nos
Ælmes e séries, porque ler a
escrita de Agatha Christie é, por
si só, um prazer tão grande como
descobrir o assassino. Sucede que
24 • Público • Domingo, 31 de Maio de 2020

Opinião

A política cultural Gabba Gabba Hey!

N
o início da sua carreira, os Fonseca para “ajudar” os artistas
Ramones, grupo punk O Tigre de Papel foi um festival bacoco a ser emitido na
americano, tinham um
problema. Dee Dee Ramone
Fernando Sobral televisão. Não por ironia do destino, os 30
milhões agora prometidos pelo sr. Costa
não conseguia cantar e serão distribuídos pelas autarquias:
tocar baixo ao mesmo chutam-se futuros problemas para canto.
tempo. E Joey Ramone não conseguia E Æcamos espantados? Não será outra
tocar bateria e cantar em simultâneo. consequência do vazio de ideias para o
Eram coisas a mais para quem só queria sector? Nisso, o PS não está só. O silêncio
fazer canções muito curtas. Assim, Joey da oposição sobre este tema mostra
passou apenas a cantar. Em 1977, o som da também a importância que dá ao sector
banda era uma trituradora para os cultural. E quando não há ideias, sobra a
ouvidos. Depois de terem visto um Ælme política dos ilusionistas. Despejar
de terror, chamado Freaks, os Ramones dinheiro num incêndio é a forma mais
criaram um tema que continha a frase que fácil de Ængir que não se passou nada.
sintetizava toda a sua ÆlosoÆa: Gabba Passa-se. O que a covid-19 trouxe à
Gabba Hey!. Uma maravilha. Há dias, o sr. superfície foi que a atenção e dedicação
António Costa decidiu recuperar o legado que o Estado e os principais partidos
dos Ramones e inaugurou a nova política políticos dedicam à Cultura é zero. Os
cultural do Governo. Chama-se Gabba artistas servem para tirar fotograÆas antes
Gabba Hey! Não é um acaso: é um salto em das eleições e, mesmo aí, estão a perder
frente face à inexistente política seguida espaço para os “inÇuenciadores”. De
até aqui pelo Ministério da Cultura, resto, a Cultura é tratada como uma
conhecida por Yabba-dabba-doo!, uma mercadoria: interessa é que seja barata,
homenagem ao inimitável Fred Flintstone. acene e não chateie. Porque as ideias
A diferença entre uma e outra é que a criam perguntas e estas trazem, muitas
primeira é feita ao som de guitarras vezes, respostas difíceis.
distorcidas e tem dinheiro para distribuir Fahrenheit 451 é a temperatura em que
pela assistência, enquanto a segunda era o papel entra em combustão. Foi esse
do tempo da Idade da Pedra e só tinha calor extremo que serviu a Ray Bradbury
carros com rodas quadradas para para discorrer, na Æcção com o mesmo
partilhar. nome, sobre um mundo dominado pela
É uma evolução notável. Primeiro tecnologia e onde a posse de livros está
porque permite salvar a existência proibida. Ali, os bombeiros não apagam
política da ministra. Segundo, porque fogos, eliminam ideias. Não há debate.
tenta congelar a agitação no sector Aceitam-se certezas, cozinhadas pelas
cultural. Para o sr. António Costa, a lideranças. Em Portugal, não estamos
política Gabba Gabba Hey! é assim uma muito longe do Fahrenheit cultural.
questão de necessidade. Daí a carroça Parece, cada vez mais, que a Cultura
carregada de dinheiro, 30 milhões de deixou de ser uma prioridade dos
euros, a que se seguirão outras, com políticos. Alimenta-se o sector a
milhões, muitos milhões, do OE conta-gotas, mas este não entra no
RectiÆcativo e do plano de relançamento baralho das decisões políticas e
da economia no quadro europeu. Na económicas. Como se não tivesse uma
realidade, para além de poder (e bem) Mutley, faz alguma coisa! importância notável. E até no PIB.
minorar a evitável miséria reinante no Era uma vez uma TAP que era as asas de Portugal. Levava-nos até onde os sonhos Quando o Ministério da Cultura é um
sector, a política Gabba Gabba Hey! poderiam voar. Desde há alguns anos, deixou de ser um conto de fadas e tornou-se um elemento decorativo, pode perguntar-se:
pretende calar o burburinho. Pode repositório de enfados. Ou melhor, de pesadelos. Desde a privatização, esgrimida por para que serve? Serve para compor poses,
resolver problemas graves e urgentes. Mas consórcios assessorados por lobistas famosos, tornou-se uma comédia em desgraça. não para resolver problemas. Talvez,
é também uma política de ruído: Entre os pedidos de financiamento estatal, os prémios para alguns quadros e a nova depois de tudo isto, no PS e na oposição,
acredita-se que a cor do dinheiro estratégia de retoma da actividade, a TAP não parece uma empresa. Já ninguém alguns passem a acreditar que a Cultura
produzirá o silêncio. percebe quem manda ou se tem estratégia. Se é uma companhia nacional, um não é só um bibelô que é preciso ter em
Até agora, o Ministério do apêndice do turismo de Lisboa ou, simplesmente, um hospício. O sr. Rui Moreira não casa. Ou um quadro de uma
Entretenimento da política poderia ser mais sintético: “A TAP não é carne nem peixe: é uma empresa privada natureza-morta. Se tal não acontecer
Yabba-dabba-doo!, seguindo um ideário quando quer tomar decisões; e é uma empresa pública quando quer que os rapidamente, a política Gabba Gabba Hey!,
em voga no PS desde há bastante tempo, portugueses paguem os seus vícios.” Não sabemos se o inesquecível cão Mutley, dos agora inaugurada, ameaça manter-se para
tem-se disfarçado de Ministério da Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras, poderá ajudar. Ou se mesmo o sr. Pedro todo o sempre. Conduzindo ao vazio.
Cultura. Não por acaso, a primeira Nuno Santos conseguirá pôr ordem na balbúrdia. Porque o que custa, no meio disto
medida anunciada pela sra. Graça tudo, é que a TAP faz parte da memória nacional. Dói. Jornalista e escritor

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