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*Opinião | “A galinha vale, o porco vale,

mas a gente não vale nada”*

*A frase faz parte do desabafo do educador e camponês


Lari Hofstetter, que faz um relato duro e necessário para
este tempo de crises sanitária e civilizatória*

Os agricultores camponeses vivem um cenário desolador no Rio Grande do Sul.


Acostumados a produzir alimentos com fartura, e tendo na produção sua bandeira de
luta, vem sendo sujeitados à situação de não ter nem mesmo para si o próprio
sustento. A seca está castigando o estado há 5 meses e, agora se agrava pela situação
de risco iminente por conta da pandemia de Covid-19. Enquanto os pequenos
caminham num corredor apertado entre a doença e a fome, o Estado e a União
silenciam, omitem-se de sua responsabilidade histórica.

Do município de Travesseiro, na região do Vale do Taquari, vem o desabafo de


um educador e militante histórico do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA),
professor Lari Hofstetter:

“Os agricultores e os trabalhadores de modo geral, estão sendo ameaçados


pelos Governos Federal e Estadual a pagar as contas de um sistema falido e que só
serve para alguns. O nosso sentimento de trabalhadores deve ser de repúdio a tudo
que está acontecendo no Brasil. A doença que hoje nos aflita tanto também é
resultado das incompetências, da falta de interesses no investimento de produzir
alimentos saudáveis, na educação e na ciência.”

Hofstetter alerta que a seca e o vírus produzem na classe trabalhadora um


sentimento de desesperança, que só se agrava com a inoperância das duas esferas
mais altas do poder político.

“É desalentador, a vida dos agricultores vai ser muito difícil sem que os
governos Estadual e Federal façam alguma coisa pela agricultura familiar. Precisam ser
vistos como famílias especiais como de fato são. Tudo o que os colonos estão
carregando nas costas está sendo um fardo muito pesado e como esta vida é muito
dura, agora somou-se o COVID-19 que não está espalhando apenas uma doença muito
grave, mas está trazendo mais e mais prejuízos aos agricultores”.

Na sua região, coloca em destaque os prejuízos acumulados por aqueles que


dedicam o espaço de suas unidades produtivas ao gado leiteiro, à suinocultura e à
avicultura.

“O leite todos os dias é ameaçado pela baixa do preço, as aves são retiradas
com atraso de vários dias, o que causa uma conversão com muito prejuízo. Nada é
diferente na suinocultura, os frigoríficos igualmente atrasam a retirada dos suínos
também prejudicando a conversão e com se isso não bastasse, muitos integrados, que
ainda possuem água, são escolhidos para aumentar o número de animais por lote ou
diminuir o espaçamento entre um lote e outro. O que aumenta o trabalho mas não a
renda.”

O acesso aos insumos também é apontado por Hofstetter como um problema


sério, pois “não param de subir de preço e assim, a cada dia que passa os produtores
estão vendo a sua renda escapar-lhes de suas mãos e ficar cada vez mais complicado
alcançar o sustento de sua família”.

O município de travesseiro, segundo o desabafo de Hofstetter, vem passando


desde os últimos meses de 2019 até agora, por uma crise muito forte. A estiagem é
intensa e prolongada.

“A seca cada dia que foi passando se agravou mais, o milho plantado produziu
pouco. A silagem, principal alimento para as vacas leiteiras, tornou-se pouco volumosa
e pouca nutritiva para os animais produzirem o leite que é o sustento de muitas
famílias. O preço do leite e as novas portarias junto com a seca estão aumentando o
número de famílias que desistem da atividade”.

Algum alento, só a partir de quem está próximo.

“Os fatos que o município está vivendo com este setor está fazendo o possível,
está abrindo bebedouros para os animais terem água para beber, está abrindo açudes
para os agricultores, está melhorando o ajuntamento de água nas chamadas
nascentes, onde tem um programa específico que vem sendo aplicado desde o ano
passado com sucesso. Também através de uma lei municipal prorrogou todas as
dívidas dos munícipes por 90 dias e continuando a calamidade na qual nos
encontramos estes débitos poderão ser prorrogados por mais 90 dias”.

Mas se por um lado o município tenta fazer sua parte, o fantasma das dívidas
bancárias volta a rondar os agricultores camponeses.

“Há uma preocupação enorme com as dívidas que os agricultores tem com os
bancos. Não terão dinheiro para honrar os pagamentos. Tanto o Governo Estadual
como o Governo Federal até agora não fizeram nenhuma manifestação para amenizar
a vida de quem produz os alimentos para o povo brasileiro”.

Na cidade, as principais indústrias da região tornam-se pontos de disseminação


do vírus: “Os frigoríficos estão infectados. Pais e filhos sem opção, vão para o trabalho,
mesmo sabendo que o pior os espera. A vida não tem valor, o capital é cego e mata”.

A análise de Lari Hofstetter é dura, mas necessária: “O que estamos vivendo


nos dá uma noção exata de como o capitalismo age diante de uma catástrofe. Não há
espaço para o ser humano. A galinha vale, o porco vale e a gente não vale nada. Tem
outros que estão esperando na fila para acessar o matadouro”.

Este é só um exemplo, é o desabafo de um militante. Quem alimenta o Brasil,


exige respeito!

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